a estação hidrobiológica da ilha do pinheiro: um ... - HCTE - UFRJ
a estação hidrobiológica da ilha do pinheiro: um ... - HCTE - UFRJ
a estação hidrobiológica da ilha do pinheiro: um ... - HCTE - UFRJ
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
A ESTAÇÃO HIDROBIOLÓGICA DA ILHA DO<br />
PINHEIRO: UM ENCONTRO DE HISTORIA<br />
AMBIENTAL E HISTÓRIA DA CIÊNCIA NA BAÍA<br />
DE GUANABARA<br />
Lise Sedrez, <strong>UFRJ</strong><br />
História ambiental é <strong>um</strong> campo recente <strong>da</strong> história, que busca entender as relações entre as<br />
socie<strong>da</strong>des e o meio natural através <strong>do</strong> tempo. Esta definição, já clássica, deixa aberta a possibili<strong>da</strong>de<br />
de contato com muitas outras áreas <strong>da</strong> história, bem mais tradicionais. História <strong>da</strong> ciência é <strong>um</strong>a delas,<br />
e talvez <strong>um</strong>a <strong>da</strong>s mais intrigantes, e muito <strong>do</strong> que se produz hoje em história ambiental tem <strong>um</strong>a dívi<strong>da</strong><br />
contínua com a produção científica moderna e não tão moderna. Vale a pena lembrar que história<br />
natural, hoje <strong>um</strong> conceito <strong>um</strong> pouco obsoleto, se definia como parte <strong>da</strong> biologia – <strong>um</strong>a biologia<br />
dinâmica, que se transformava a partir de processos próprios.<br />
A história que proponho hoje sublinha exatamente este dinamismo nos processos naturais,<br />
mas na sua interação com processos antropogênicos. É <strong>um</strong>a história também sobre como cientistas<br />
que estu<strong>da</strong>vam estes processos naturais foram surpreendi<strong>do</strong>s por este dinamismo – e tiveram que<br />
mu<strong>da</strong>r sua própria prática de produção de conhecimento. O exame <strong>da</strong>s mu<strong>da</strong>nças <strong>da</strong> baía de<br />
Guanabara no século XX, portanto, oferece viés pelo qual podemos estu<strong>da</strong>r a história <strong>da</strong> ciência<br />
produzi<strong>da</strong> no Brasil durante este perío<strong>do</strong>.<br />
Em 1958, a biota <strong>da</strong> Ilha <strong>do</strong> Pinheiro enfrentava <strong>um</strong>a ameaça de proporções <strong>da</strong>rwinianas.<br />
Condições ambientais haviam mu<strong>da</strong><strong>do</strong> rápi<strong>da</strong> e radicalmente na déca<strong>da</strong> anterior: efluentes químicos e<br />
petróleo, alterações no regime de águas, assoreamento devi<strong>do</strong> a aterro nas imediações, e lixo<br />
flutuante <strong>do</strong> maior depósito de lixo urbano na Baía de Guanabara, tu<strong>do</strong> contribuiu para a situação<br />
crítica. Parte <strong>da</strong> fauna simplesmente visl<strong>um</strong>brou para áreas mais hospitaleiras, e lá se foram tainhas,<br />
caranguejos e peixes-gato para outros mangue e ensea<strong>da</strong>s <strong>da</strong> Baía. Eles migraram. As árvores de<br />
mangue e siris azuis não podiam fazer o mesmo o óleo e o lixo trazi<strong>do</strong>s pela maré já eram ruins, mas o<br />
assoreamento foi a gota d’água. Eles pereceram. Já o principal representante <strong>da</strong> população h<strong>um</strong>ana<br />
na <strong>ilha</strong>, o biólogo Lejeune de Oliveira, considerava suas opções. Ele dirigia a Estação de Hidrobiologia<br />
na <strong>ilha</strong>, e certamente não queria que a Estação perecesse, embora já não pudesse c<strong>um</strong>prir seu<br />
propósito original de fornecer fauna marinha para o Instituto Oswal<strong>do</strong> Cruz. Migrar também não era
<strong>um</strong>a opção. Ele bem que tentou, mas o Instituto ignorou seus apelos. Assim, Lejeune se a<strong>da</strong>ptou: em<br />
1958 publicava <strong>um</strong>a análise demoli<strong>do</strong>ra <strong>do</strong>s efeitos <strong>da</strong> poluição marinha na Baía. Lejeune então<br />
reinventou o propósito <strong>da</strong> Estação Hidrobiologia: ao invés de <strong>um</strong> laboratório de pesquisa de ciência<br />
pura, a Ilha <strong>do</strong>s Pinheiros tornou-se <strong>um</strong> centro de monitoramento <strong>da</strong> poluição de água. 1<br />
Lejeune de Oliveira trabalhou na Estação de Hidrobiologia de Pinheiro Ilha por 40 anos, de<br />
1937 a 1977. A bióloga Luiza Krau, que viria a se tornar sua esposa, também trabalhou ali por 30 anos.<br />
Durante este tempo, eles publicaram dezenas de artigos sobre a biologia <strong>da</strong> Baía de Guanabara,<br />
transforman<strong>do</strong> a Ilha <strong>do</strong> Pinheiro n<strong>um</strong>a experiência única para hidrobiologia no Brasil e, certamente,<br />
<strong>um</strong>a fonte privilegia<strong>da</strong> para entender as mu<strong>da</strong>nças para a Baía de Guanabara.<br />
O trabalho de Lejeune e Luiza se destaca entre os pioneiros <strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s de poluição marinha<br />
no Brasil. Foram os primeiros, por exemplo, a propor indica<strong>do</strong>res biológicos para medir a poluição na<br />
Baía de Guanabara. A longevi<strong>da</strong>de <strong>do</strong> seu trabalho – quase 40 anos de coletas de <strong>da</strong><strong>do</strong>s - é por si só<br />
surpreendente longa em <strong>um</strong> contexto onde a descontinui<strong>da</strong>de era a norma. Esta persistência derivou<br />
principalmente de seus esforços pessoais para manter viva a Estação de Hidrobiologia. A localização<br />
mesma <strong>da</strong> <strong>ilha</strong>, além disto, em <strong>um</strong>a ensea<strong>da</strong> isola<strong>da</strong>, perto <strong>da</strong> área para onde a ci<strong>da</strong>de em breve se<br />
expandiria, evidenciava as transformações ambientais dramáticas que ain<strong>da</strong> não se percebiam no<br />
resto <strong>da</strong> baía – quase <strong>um</strong>a profecia simbólica <strong>da</strong> sorte futura de Guanabara.<br />
O vínculo com <strong>um</strong> instituto científico de renome internacional como o Instituto Oswal<strong>do</strong> Cruz,<br />
com <strong>um</strong>a presença já tradicional na Baía de Guanabara, fazia de Lejeune e Luiza autori<strong>da</strong>des<br />
reconheci<strong>da</strong>s para poluição na baía e <strong>da</strong> Ilha <strong>do</strong> Pinheiro, <strong>um</strong> espaço de debate político e estratégico<br />
sobre o tema. Por ela passaram to<strong>do</strong>s os que, naqueles quarenta anos, tiveram qualquer ligação com<br />
o manejo <strong>da</strong> Baía de Guanabara em <strong>um</strong> momento ou em outro, seja como visitante, aluno ou<br />
pesquisa<strong>do</strong>r. Uma boa parte <strong>do</strong> networking e definição de contatos entre cientistas e tecnocratas em<br />
relação à Baía de Guanabara teve lugar na Ilha <strong>do</strong> Pinheiro, <strong>do</strong>c<strong>um</strong>enta<strong>do</strong>s por Lejeune de Oliveira<br />
nos relatórios anuais ao Instituto Oswal<strong>do</strong> Cruz. Estes relatórios abrem, assim, <strong>um</strong>a janela preciosa<br />
não só sobre o cotidiano de <strong>um</strong> cientista brasileiro no século XX, mas também sobre as relações entre<br />
ciência, política e meio ambiente.<br />
Lejeune de Oliveira começou seus quarenta anos de trajetória no Oswal<strong>do</strong> Cruz como tantos<br />
cientistas aspirantes <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1930. Era aluno de medicina quan<strong>do</strong> foi convi<strong>da</strong><strong>do</strong> em 1937 por <strong>um</strong><br />
pesquisa<strong>do</strong>r já estabeleci<strong>do</strong> <strong>do</strong> Instituto Oswal<strong>do</strong> Cruz, para ser seu assistente. Henrique de<br />
Beaupaire Aragão, <strong>um</strong> <strong>do</strong>s seus supervisores, era <strong>um</strong> entusiasta de hidrobiologia, e levou o jovem<br />
Lejeune para pesquisas de campo na Lagoa Rodrigo de Freitas e <strong>da</strong> Baía de Guanabara desde 1939.<br />
1 Lejeune Pacheco Henrique de Oliveira, "Poluição <strong>da</strong>s Águas Marítimas: Estragos <strong>da</strong> Flora e <strong>da</strong> Fauna no Rio de<br />
Janeiro," Memórias <strong>do</strong> Instituto Oswal<strong>do</strong> Cruz 56, no. 1 (1958): 39-59.
Nesta época, Aragão propôs a criação <strong>do</strong> Laboratório de Hidrobiologia na Ilha <strong>do</strong> Pinheiro, com a idéia<br />
de eventualmente criar <strong>um</strong> centro internacional de estu<strong>do</strong>s marinhos. 2<br />
Longe de ser <strong>um</strong> desenvolvimento inespera<strong>do</strong>, hidrobiologia fora parte <strong>do</strong> projeto inicial para o<br />
Instituto. De 1908 a 1922, o então Instituto Soroterápico de Manguinhos teve <strong>um</strong> departamento de<br />
hidrobiologia. O próprio Oswal<strong>do</strong> Cruz aju<strong>da</strong>ra a criar em 1916 <strong>um</strong>a ambiciosa e efêmera Estação de<br />
Biologia Marinha na praia <strong>da</strong> Urca, em colaboração com a Inspetoria Nacional de Pesca, sob Ministério<br />
<strong>da</strong> Agricultura. Foi o primeiro centro de pesquisa de seu tipo na América <strong>do</strong> Sul, com a missão <strong>da</strong><br />
<strong>estação</strong> era estu<strong>da</strong>r a introdução de espécies exóticas de peixes comerciais nas águas <strong>da</strong> Baía de<br />
Guanabara. 3 A <strong>estação</strong> manteve o interesse <strong>do</strong> Ministério <strong>da</strong> Agricultura por pouco mais de três anos,<br />
mas acabou pouco depois, sem deixar muitos rastros. Sem contar mais com o apoio <strong>do</strong> Ministério para<br />
o projeto, localiza<strong>da</strong> longe demais <strong>da</strong> sede <strong>do</strong> Instituto, o experimento morreu por inanição política. 4 O<br />
departamento de hidrobiologia manteve ain<strong>da</strong> <strong>um</strong> perfil discreto pelos próximos quinze anos, limitan<strong>do</strong>-<br />
se a executar alg<strong>um</strong>as pesquisas de campo e coletas de espécimes na Baía de Guanabara, até que foi<br />
revitaliza<strong>do</strong> por Henrique Aragão.<br />
A administração Henrique Aragão (1942-1949) representou <strong>um</strong> perío<strong>do</strong> próspero para o<br />
Instituto Oswal<strong>do</strong> Cruz. Como parte <strong>do</strong> esforço de guerra, o Instituto Oswal<strong>do</strong> Cruz recebeu <strong>um</strong><br />
financiamento significativo, suficiente para modernizar laboratórios e construir novas instalações. Na<br />
melhor tradição <strong>do</strong> Instituto Oswal<strong>do</strong> Cruz, Aragão usou suas conexões internacionais para convi<strong>da</strong>r o<br />
biólogo francês Pierre Drach para <strong>um</strong>a estadia de seis meses, em 1948. Drach, vice-diretor <strong>da</strong> Estação<br />
Biológica de Roscoff, Finisterre, França, treinou vários cientistas, introduziu novas técnicas para a<br />
observação de vi<strong>da</strong> marinha e orientou a reformulação <strong>da</strong> Estação de Hidrobiologia. Em 1950, a<br />
Estação estava em plena ativi<strong>da</strong>de e Lejeune de Oliveira já havia lista<strong>do</strong> 100 espécies de<br />
invertebra<strong>do</strong>s marinhos como disponíveis para os laboratórios <strong>do</strong> Instituto Oswal<strong>do</strong> Cruz. 5<br />
Luiza Krau, então professora <strong>do</strong> ensino médio, forma<strong>da</strong> em história natural, participou de <strong>um</strong><br />
<strong>do</strong>s cursos com Pierre Drach, ingressan<strong>do</strong> neste perío<strong>do</strong> no Instituto – <strong>um</strong> <strong>do</strong>s poucos espaços em<br />
que mulheres podiam seguir carreira como cientistas e pesquisa<strong>do</strong>ras. 6 A seguir, Luiza foi designa<strong>da</strong><br />
como assistente de Lejeune de Oliveira na nova Estação de Hidrobiologia em Ilha <strong>do</strong> Pinheiro, e ali<br />
ficariam juntos pelos vinte e cinco anos seguintes.<br />
2<br />
Lejeune Pacheco Henrique de Oliveira, "Curricul<strong>um</strong> Vitae" in Arquivo Pessoal Lejeune de Oliveira (manuscrito, Rio de<br />
Janeiro, 1958); "Histórico <strong>da</strong> Biologia Marinha," in Arquivo Pessoal Lejeune de Oliveira. (manuscrito, Viña del Mar,<br />
Chile, 1949).<br />
3<br />
Lejeune Pacheco Henrique de Oliveira, "Contribuição ao Conhecimento <strong>do</strong>s Crustáceos <strong>do</strong> Rio de Janeiro," Memórias<br />
<strong>do</strong> Instituto Oswal<strong>do</strong> Cruz 34, no. 2 (1939): 8.<br />
4<br />
Faria, J. Gomes de, and Aristides Marques <strong>da</strong> Cunha. "Estu<strong>do</strong>s Sobre o Microplancton <strong>da</strong> Baía <strong>do</strong> Rio de Janeiro e<br />
suas Imediações," Memórias <strong>do</strong> Instituto Oswal<strong>do</strong> Cruz IX, no. 1 (1917), 69; Oliveira, "Poluição <strong>da</strong>s Águas Marítimas,"<br />
45.<br />
5<br />
Oliveira, "Curricul<strong>um</strong> Vitae"; Oliveira, "Histórico <strong>da</strong> Biologia Marinha."<br />
6<br />
Luiza Krau, entrevista a Lise Fernan<strong>da</strong> Sedrez, 29 de maio, 2001.
A Ilha <strong>do</strong> Pinheiro<br />
A forma como a Ilha <strong>do</strong> Pinheiro chegou aos <strong>do</strong>mínios <strong>do</strong> Instituto Oswal<strong>do</strong> Cruz merece ao<br />
menos <strong>um</strong>a breve menção. Na déca<strong>da</strong> de 1930, o Instituto Oswal<strong>do</strong> Cruz precisava de <strong>um</strong> lugar<br />
isola<strong>do</strong>, onde pudesse manter e observar em liber<strong>da</strong>de total os animais usa<strong>do</strong>s para pesquisa de<br />
vacinas – em especial, os bastante caros macacos Rhesus. A Ilha <strong>do</strong> Pinheiro, de proprie<strong>da</strong>de <strong>do</strong><br />
Governo Federal, praticamente desabita<strong>da</strong> e não muito longe <strong>da</strong> sede <strong>do</strong> Instituto, parecia a escolha<br />
ideal. Uma <strong>ilha</strong> pequena, com <strong>um</strong>a forma irregular, florestas de manguezais extensos, localizava-se na<br />
ensea<strong>da</strong> de Inhaúma, cerca<strong>da</strong> por nove outras <strong>ilha</strong>s. Isola<strong>da</strong> <strong>do</strong> continente por <strong>um</strong> canal estreito, a <strong>ilha</strong><br />
era acessível apenas por barco.<br />
Além de <strong>um</strong> habitat propício para os macacos Rhesus, a <strong>ilha</strong> tinha outras vantagens para o<br />
Instituto: praticamente to<strong>da</strong>s as áreas de pesquisa, desde parasitologia até zoologia, utilizavam<br />
espécimes marinhos para suas ativi<strong>da</strong>des. A Ilha <strong>do</strong> Pinheiro estava n<strong>um</strong>a posição excelente para<br />
obter este material. "A ensea<strong>da</strong> Inhaúma", como escreveu Lejeune em 1939, "está perto <strong>da</strong> boca de<br />
três rios que fluem para dentro <strong>do</strong> compartimento, tem <strong>um</strong>a baixa salini<strong>da</strong>de, e muitos mangues e<br />
pântanos, <strong>um</strong> local perfeito para a reprodução <strong>do</strong>s crustáceos." 7 Portanto, em outubro de 1932, o<br />
diretor <strong>do</strong> Instituto Oswal<strong>do</strong> Cruz Carlos Chagas, obteve a posse <strong>da</strong> <strong>ilha</strong> e ali instalou os famosos<br />
macacos. Chagas também construiu <strong>um</strong> biotério, <strong>um</strong> pequeno edifício onde o Instituto realizava alguns<br />
experimentos e mantinha animais <strong>do</strong>entes, e <strong>um</strong> aquário. Aí começou a Estação de Hidrobiologia <strong>da</strong><br />
Ilha <strong>do</strong> Pinheiro. 8<br />
As mu<strong>da</strong>nças ambientais, contu<strong>do</strong>, logo deixariam sua marca na <strong>ilha</strong> e em seus cientistas.<br />
Além <strong>do</strong>s aquários e <strong>do</strong> biotério, a <strong>ilha</strong> já tinha <strong>do</strong>is pequenos lagos artificiais feitos em solo arenoso,<br />
com comportas, construí<strong>do</strong>s pelos proprietários anteriores para a cultura de camarão. Os cientistas <strong>do</strong><br />
Instituto usaram estes viveiros de camarões por não mais que <strong>do</strong>is anos quan<strong>do</strong> perceberam que as<br />
mu<strong>da</strong>nças em áreas próximas à <strong>ilha</strong> tinham <strong>um</strong> impacto direto sobre suas ativi<strong>da</strong>des. Ain<strong>da</strong> em 1935 e<br />
36, a criação <strong>do</strong> aeroporto de Manguinhos, aterran<strong>do</strong> <strong>um</strong>a área considerável <strong>do</strong>s mangues <strong>da</strong> ensea<strong>da</strong><br />
de Inhaúma, criaria <strong>um</strong> novo regime de circulação de águas que empurrava detritos sóli<strong>do</strong>s e lixo de<br />
perto <strong>do</strong> aeroporto para Ilha <strong>do</strong> Pinheiro, exatamente diante <strong>da</strong>s comportas <strong>do</strong>s camarões. Nestas<br />
águas, mesmo ain<strong>da</strong> com limita<strong>do</strong>s níveis de poluição, o camarão morria assim que entrava nos<br />
lagos. 9<br />
Ain<strong>da</strong> assim, havia abundância de fauna e flora para contentar o mais exigente biólogo. Em<br />
1939, o laboratório de hidrobiologia foi finalmente termina<strong>do</strong>, e o Instituto realizou várias pesquisas de<br />
campo, coletan<strong>do</strong> material <strong>da</strong> Baía de Guanabara a partir <strong>da</strong> Ilha <strong>do</strong> Pinheiro: caranguejos, cavalos-<br />
marinhos, peixes em geral, e ain<strong>da</strong> peixes venenosos para o estu<strong>do</strong> <strong>da</strong> toxicologia e água-viva para o<br />
7<br />
Oliveira, "Contribuição ao Conhecimento <strong>do</strong>s Crustáceos <strong>do</strong> Rio de Janeiro," Memórias <strong>do</strong> Instituto Oswal<strong>do</strong> Cruz 34,<br />
no. 2 (1939): 115-48.<br />
8<br />
Instituto Oswal<strong>do</strong> Cruz, "Ilha <strong>do</strong>s Pinheiros - Histórico," (Rio de Janeiro, DF: Ministério <strong>da</strong> Saúde, 1944), 2.<br />
9 Oliveira, "Poluição <strong>da</strong>s Águas Marítimas," 48.
departamento de fisiologia. Sem poder usar os velhos lagos de camarão, muito suscetíveis a poluição<br />
<strong>do</strong> entorno <strong>da</strong> <strong>ilha</strong>, as renovações <strong>da</strong>s instalações de 1942 incluíram mais dez aquários. Uma segun<strong>da</strong><br />
reestruturação <strong>da</strong> Estação em 1947 incluiu a instalação de eletrici<strong>da</strong>de, e os relatórios eram bem<br />
otimistas sobre seu potencial de utilização futura. De fato, o consultor francês Pierre Drach consultor<br />
estimava que, com base nos índices de poluição no Rio de Janeiro entre 1900 e 1947, a poluição não<br />
iria <strong>da</strong>nificar o ecossistema <strong>da</strong> Ilha de Pinheiro durante os próximos cem anos. 10 Era <strong>um</strong> otimista.<br />
De 1937 a 1950, os artigos de Lejeune na revista Memórias <strong>do</strong> Instituto Oswal<strong>do</strong> Cruz<br />
descreviam a ensea<strong>da</strong> de Inhaúma como conten<strong>do</strong> <strong>um</strong>a saudável floresta de mangues vermelhos<br />
árvores, Rhizophora, próximo ao mar e <strong>um</strong> sub-ecossistema que ele chamou Rhizophoret<strong>um</strong>. Estes<br />
primeiros artigos também descreviam as colônias de camarão Alfeu, que vivem na lama, e centenas de<br />
tonela<strong>da</strong>s de marisco Samanguaí (ou Berbigão). Os pesca<strong>do</strong>res de caranguejo carregavam caminhões<br />
de Samanguaí vivo captura<strong>do</strong>s na praia <strong>da</strong> Ilha <strong>do</strong> Pinheiro em 1946, e vendíam-nos nos merca<strong>do</strong>s <strong>do</strong><br />
Rio de Janeiro. O fun<strong>do</strong> <strong>da</strong> praia estava coberta de algas verdes ("alface <strong>do</strong> mar" e "macarrões verdes<br />
<strong>do</strong> mar"), e os cientistas capturavam cavalos marinhos logo atrás <strong>da</strong> <strong>ilha</strong> Pinheiro. A floresta continha<br />
ostras de manguezais e outros moluscos que viviam entre as suas raízes, incluin<strong>do</strong> <strong>um</strong>a grande<br />
varie<strong>da</strong>de de caranguejos e cracas. Além disto, <strong>um</strong> outro sub-ecossistema, o mangue branco ou<br />
<strong>do</strong>mestica<strong>do</strong> podia ain<strong>da</strong> ser visto ao re<strong>do</strong>r <strong>do</strong> mangue vermelho, com sua biota própria. 11 Esta<br />
descrição quase idílica é ain<strong>da</strong> mais dramática para o leitor moderno, se considerarmos que se<br />
localizava aproxima<strong>da</strong>mente no que é hoje o canal <strong>da</strong> Ilha <strong>do</strong> Fundão, que não é exatamente famoso<br />
por sua fauna e flora saudáveis. O ecossistema na Ilha Pinheiro era altamente produtivo, suprin<strong>do</strong> não<br />
só as necessi<strong>da</strong>des <strong>da</strong> Estação como também <strong>do</strong>s pesca<strong>do</strong>res <strong>da</strong>s re<strong>do</strong>ndezas. Mais importante para<br />
o Instituto, a produção científica <strong>da</strong> Estação de Hidrobiologia se comparava à sua produção biológica.<br />
A Ilha <strong>do</strong> Pinheiro Ilha estava, porém, prestes a mu<strong>da</strong>r profun<strong>da</strong>mente. Em 1945 o Ministério<br />
<strong>da</strong> Educação e Saúde decidiu a fusão institucional <strong>da</strong>s facul<strong>da</strong>des físicas espalha<strong>da</strong>s pela capital<br />
federal merecia <strong>um</strong>a fusão de terra. O pequeno arquipélago ao qual a Ilha <strong>do</strong> Pinheiro pertencia viria a<br />
se tornar <strong>um</strong>a <strong>ilha</strong> de 480 hectares único artificial, a Ci<strong>da</strong>de Universitária (Ci<strong>da</strong>de Universitária),<br />
alteran<strong>do</strong> para sempre o regime de circulação de águas na ensea<strong>da</strong> de Inhaúma.<br />
Inicialmente, a Ilha <strong>do</strong> Pinheiro deveria ter o mesmo destino. Uma série de manobras por<br />
parte <strong>do</strong> Instituto – que incluíam inclusive a ameaça pouco vela<strong>da</strong> de soltar os macacos Rhesus na<br />
Ilha <strong>do</strong> Fundão - evitaram a incorporação <strong>da</strong> Ilha <strong>do</strong> Pinheiro nos terrenos <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de. 12 Mas<br />
embora a <strong>ilha</strong> não tenha se uni<strong>do</strong> às suas irmãs na nova <strong>ilha</strong> artificial, também não escapou ilesa. O<br />
ambiente <strong>da</strong> <strong>ilha</strong> estava mu<strong>da</strong>n<strong>do</strong> - e mu<strong>da</strong>n<strong>do</strong> rapi<strong>da</strong>mente.<br />
A esta altura, Lejeune preocupava-se com o futuro <strong>da</strong> Estação. Bastava que observasse a<br />
água marrom que chegava à <strong>ilha</strong> para perceber poluição era <strong>um</strong> problema maior <strong>do</strong> que o que fora<br />
10<br />
Oliveira. "Levantamento Biogeográfico <strong>da</strong> Baía <strong>da</strong> Guanabara." Memórias <strong>do</strong> Instituto Oswal<strong>do</strong> Cruz 48 (1950): 363-<br />
92.<br />
11<br />
Lejeune Pacheco Henrique de Oliveira, "Aula 1917" (typed notes, Rio de Janeiro, [1967]).<br />
12<br />
Castro Miran<strong>da</strong>, carta ao Ministério de Educação e Saúde, "Ofício 988," in Arquivos Instituto Oswal<strong>do</strong> Cruz.Rio de<br />
Janeiro, 23 September 1953.
previsto por Drach. Os pesca<strong>do</strong>res chamavam estas águas marrons de "Águas <strong>da</strong> City", <strong>um</strong> fenômeno<br />
que ocorria quan<strong>do</strong> a companhia de esgoto Rio de Janeiro City Improvements despejava suas águas<br />
servi<strong>da</strong>s, com pouco ou nenh<strong>um</strong> tratamento, na Baía. A água tinha <strong>um</strong>a cor escura e cheiro fecalóide,<br />
com alta concentração de Escherichia coli bacilo, e o novo regime de águas, altera<strong>do</strong> pelos aterros <strong>da</strong><br />
Universi<strong>da</strong>de <strong>do</strong> Brasil, não permitia suficiente diluição <strong>da</strong>s águas sujas no mar. 13<br />
A poluição também era causa<strong>da</strong> pelo lixo <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de <strong>do</strong> Rio, despeja<strong>do</strong> na <strong>ilha</strong> de Sapucaia, e<br />
pelo óleo que provinha <strong>da</strong> Refinaria de Petróleo de Manguinhos a partir de 1953, segui<strong>da</strong> em 1961<br />
pelos despejos <strong>da</strong> REDUC <strong>da</strong> Petrobrás. Além disso, as águas <strong>do</strong>s rios Jacaré e Farias, que drenavam<br />
para Inhaúma, apareciam frequentemente em to<strong>da</strong>s as cores, cortesia <strong>da</strong> indústria têxtil rio acima. Os<br />
cientistas puderam respirar <strong>um</strong> pouco em 1959, quan<strong>do</strong> a prefeitura aprovou <strong>um</strong>a lei para incinerar o<br />
lixo ao invés de despejá-la na Ilha de Sapucaia. 14 Por <strong>um</strong> curto perío<strong>do</strong>, houve <strong>um</strong>a pequena melhora<br />
nas águas de Inhaúma. Mas era <strong>um</strong>a gota de água n<strong>um</strong> oceano sujo.<br />
Na déca<strong>da</strong> de 1960, a transformação na Ilha <strong>do</strong> Pinheiro era completa. O que tinha si<strong>do</strong> <strong>um</strong><br />
lugar perfeito para observar os crustáceos, com água fresca de três rios, em <strong>um</strong>a ensea<strong>da</strong> isola<strong>da</strong>,<br />
cerca<strong>da</strong> por outras pequenas <strong>ilha</strong>s, agora se transformara <strong>um</strong> <strong>do</strong>s pontos mais poluí<strong>do</strong>s <strong>da</strong> Baía de<br />
Guanabara. Em vez de água fresca, a <strong>ilha</strong> recebia a poluição industrial <strong>da</strong>queles três rios, em <strong>um</strong>a<br />
ensea<strong>da</strong> onde a água mal circulava, espremi<strong>da</strong> entre aterros sanitários e por <strong>um</strong>a enorme <strong>ilha</strong> artificial,<br />
encharca<strong>da</strong> em óleo e sufoca<strong>da</strong> pelo lixo. Lejeune em 1960 alertava seus supervisores <strong>do</strong> Instituto<br />
Oswal<strong>do</strong> Cruz que, se quisessem estabelecer <strong>um</strong>a <strong>estação</strong> de hidrobiologia de fato, esta deveria ser<br />
realoca<strong>da</strong> fora <strong>da</strong> Baía de Guanabara. Até mesmo em 1977, ele tentava de novo migrar como as<br />
tainhas, dizen<strong>do</strong> que as águas [<strong>da</strong> ensea<strong>da</strong> de Inhaúma] de 1937-1957 foram muito boas, agravan<strong>do</strong>-<br />
se sua condição de 1957-1967 e, finalmente, depois de 1967, era inútil ter a Estação Hidrobiologia em<br />
Ilha <strong>do</strong> Pinheiro." 15<br />
Em 1958, Lejeune publicou seu primeiro artigo sobre a poluição nas águas <strong>da</strong> Baía de<br />
Guanabara e seu impacto sobre a fauna e flora. Ele também explicou sobre o que ele sentia ser o<br />
único uso possível para a Estação de Hidrobiologia, e não poupou o Instituto de alg<strong>um</strong>as ponta<strong>da</strong>s de<br />
ironia. Em contraste com a sua avaliação anterior de Ilha <strong>do</strong> Pinheiro, "<strong>um</strong>a localização invejável para<br />
estu<strong>da</strong>r crustáceos", Lejeune escreveu que não queria reclamar <strong>do</strong>s aterros ou <strong>do</strong> “progresso <strong>do</strong>s<br />
bairros vizinhos a Manguinhos, onde o pláci<strong>do</strong> aban<strong>do</strong>no de outrora vai sen<strong>do</strong> substituí<strong>do</strong> pelo<br />
mourejar continua<strong>do</strong> <strong>da</strong>s fábricas” – ele só queria publicar <strong>da</strong><strong>do</strong>s que poderiam ser úteis “a quem se<br />
ocupar com estu<strong>do</strong>s de biologia de nossas ensea<strong>da</strong>s”. Finalmente, Lejeune lembra que muitos<br />
laboratórios de hidrobiologia nos EUA estavam localiza<strong>do</strong>s junto a corpos de água poluí<strong>do</strong>s,<br />
exatamente para que pudessem monitorar as transformações biológicas e físicas causa<strong>da</strong>s pela<br />
13<br />
Lejeune Pacheco Henrique de Oliveira, "Levantamento Biogeográfico <strong>da</strong> Baía <strong>da</strong> Guanabara," Memórias <strong>do</strong> Instituto<br />
Oswal<strong>do</strong> Cruz 48 (1950): 391.<br />
14<br />
Lejeune Pacheco Henrique de Oliveira, "Prospecção Hidrobiológica <strong>da</strong> Baía de Sepetiba," Memórias <strong>do</strong> Instituto<br />
Oswal<strong>do</strong> Cruz 69, no. 1 (1971): 18.<br />
15<br />
Lejeune Pacheco Henrique de Oliveira, "Relatório Anual 1977 - Laboratório de Hidrobiologia, Ativi<strong>da</strong>des Realiza<strong>da</strong>s"<br />
(Relatório, Rio de Janeiro, 3 de março 1977).
poluição. Se o objetivo era este, então o Instituto podia celebrar a localização de sua <strong>estação</strong> de<br />
hidrobiologia, bem em frente ao canal de Sapucaia, “onde ca<strong>da</strong> dia a poluição a<strong>um</strong>enta.” 16<br />
De fato, não só estava a Estação perfeitamente posiciona<strong>da</strong> para monitorar a poluição<br />
marinha, mas não podia fazer outra coisa. Em 1961, a única coisa que os cientistas podiam observar<br />
nos aquários <strong>da</strong> Ilha Pinheiro era a fauna e flora em regimes meso e polisapróbicos, ou seja, em águas<br />
poluí<strong>da</strong>s e águas muito poluí<strong>da</strong>s. 17<br />
A este ponto, estu<strong>da</strong>r poluição não era mais novi<strong>da</strong>de para Lejeune e Luiza. Consideran<strong>do</strong> seu<br />
trabalho na Baía de Guanabara e nas lagoas circun<strong>da</strong>ntes, Lejeune se tornara então <strong>um</strong>a <strong>da</strong>s<br />
referências mais importantes em hidrobiologia para o governo <strong>do</strong> Rio de Janeiro. Em 1953 o governo<br />
<strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de o contactara para estu<strong>da</strong>r as causas de morte de peixes em massa na Lagoa Rodrigo de<br />
Freitas. O fenômeno <strong>da</strong> morte em massa de peixes fora registra<strong>do</strong> desde o século dezoito, e se<br />
tornara mais freqüente no século XX. Por esta razão, o governo municipal solicitou estu<strong>do</strong>s ao Instituto<br />
Oswal<strong>do</strong> Cruz. Em particular, o governo ficara alarma<strong>do</strong>s pela enorme mortan<strong>da</strong>de de peixes<br />
<strong>do</strong>c<strong>um</strong>enta<strong>da</strong> em agosto de 1946 e abril de 1948, quan<strong>do</strong> a baía acor<strong>do</strong>u com <strong>um</strong>a faixa de <strong>do</strong>is a três<br />
metros de largura de peixes mortos flutuan<strong>do</strong> em suas águas, que se extendia por quase cinco<br />
quilômetros. A causa era a mesma de fenômenos similares anteriores (a superpopulação <strong>do</strong><br />
Dinoflagellata), mas desta vez Lejeune sugeriu o a<strong>um</strong>ento formidável de nutrientes de esgotos<br />
industriais e <strong>do</strong>mésticos na baía precipitara o evento. 18<br />
O que era novo, portanto, para Lejeune e Luiza, não eram tanto os estu<strong>do</strong>s de poluição, mas o<br />
admissão de que estes estu<strong>do</strong>s eram agora a razão de ser <strong>da</strong> Estação de Hidrobiologia. Luiza<br />
aban<strong>do</strong>nou seus ama<strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s de Equinodermas para se dedicar a Rotatórias, organismos mais<br />
facilmente encontráveis nas águas poluí<strong>da</strong>s <strong>da</strong> Baía de Guana<strong>da</strong>bara, e importantes indica<strong>do</strong>res<br />
biológicos de níveis de poluição. A mu<strong>da</strong>nça de estu<strong>do</strong>s em ciência pura para monitoramento de<br />
poluição exigiu alg<strong>um</strong>a a<strong>da</strong>ptação <strong>do</strong>s laboratórios na Ilha <strong>do</strong> Pinheiro, assim como <strong>da</strong> relação entre<br />
Lejeune e o Instituto Oswal<strong>do</strong> Cruz. Assim, ao invés de repetir seus pedi<strong>do</strong>s de melhores<br />
equipamentos para estu<strong>da</strong>r biologia marinha n<strong>um</strong> habitat natural, Lejeune pessoalmente projetou e<br />
instalou em 1962 <strong>um</strong> aquário maior especificamente para testes de poluição. 19<br />
Eventualmente, os biólogos levaram seu trabalho para muito além <strong>da</strong> Ilha <strong>do</strong> Pinheiro; de fato,<br />
para onde quer que poluição na Baía de Guanabara fosse discuti<strong>da</strong>. Em 1961, Barbosa Teixeira,<br />
engenheiro de segurança <strong>da</strong> Refinaria <strong>da</strong> Petrobrás em Duque de Caxias a ser inaugura<strong>da</strong> naquele<br />
ano, organizou <strong>um</strong>a mesa-re<strong>do</strong>n<strong>da</strong> na qual Lejeune era <strong>um</strong> <strong>do</strong>s principais participantes, para discutir a<br />
poluição em potencial na Baía de Guanabara. Por <strong>um</strong> la<strong>do</strong>, Teixeira queria saber como a Refinaria<br />
podia evitar poluir a Baía, mas também queria deixar claro o esta<strong>do</strong> de poluição que a Refinaria já<br />
16<br />
Oliveira, "Poluição <strong>da</strong>s Águas Marítimas," 39-40.<br />
17<br />
"Conditions for Marine Biological Laboratory in Rio de Janeiro," in Arquivo Pessoal Lejeune de Oliveira. (Manuscrito,<br />
Rio de Janeiro, 4 de maio de 1960).<br />
18<br />
Oliveira, "Curricul<strong>um</strong> Vitae," [s.p.]<br />
19<br />
"Relatório de 1961 - Cópia <strong>do</strong> Entregue ao Prof. H. Lent em 12 de Dezembro de 1961,"in (Report, Rio de Janeiro,<br />
1961); Oliveira, "Conditions for Marine Biological Laboratory."
encontrava na Baía, antes de começar suas operações. No mesmo ano, o Ministério de Viação e<br />
Obras Públicas montou <strong>um</strong>a força-tarefa sobre a poluição na Guanabara, então reconheci<strong>da</strong> como <strong>um</strong><br />
<strong>do</strong>s corpos de água mais poluí<strong>do</strong>s <strong>do</strong> país. No relatório produzi<strong>do</strong> pelo grupo de trabalho, são os<br />
estu<strong>do</strong>s de Lejeune e Luiza que fornecem a base <strong>da</strong>s observações. 20<br />
A relevância <strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s de Lejeune e Luiza para a Baía de Guanabara derivava de três<br />
fatores principais: a localização <strong>da</strong> Estação, a duração de suas ativi<strong>da</strong>des, e sua meto<strong>do</strong>logia de<br />
trabalho. É facil perceber porque o local e o perío<strong>do</strong> foram importantes. De 1937 a 1977, as ativi<strong>da</strong>des<br />
<strong>da</strong> Estação de Hidrobiologia coexistiam com a reocupação <strong>da</strong> zona norte <strong>do</strong> Rio de Janeiro, <strong>um</strong><br />
incrível a<strong>um</strong>ento demográfico nas margens <strong>da</strong> baía, como resulta<strong>do</strong> <strong>da</strong> industrialização <strong>do</strong> pós-guerra,<br />
o que incluia <strong>um</strong> rápi<strong>do</strong> desenvolvimento <strong>da</strong> indústria química e a criação de grande aterros ao norte<br />
<strong>do</strong> centro <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de. Além disto, como foi discuti<strong>do</strong>, a Estação se erguia n<strong>um</strong>a ensea<strong>da</strong> isola<strong>da</strong>,<br />
particularmente vulnerável a estas mu<strong>da</strong>nças. Evidentemente, a Baía de Guanabara como <strong>um</strong> to<strong>do</strong><br />
não se transformava no mesmo ritmo que as águas <strong>da</strong> Ilha <strong>do</strong> Pinheiro. Mas a <strong>ilha</strong> serviu como <strong>um</strong><br />
exemplo vivo, ou quase <strong>um</strong> experimento em laboratório, <strong>do</strong> que poderia e iria acontecer à Guanabara.<br />
Mas a meto<strong>do</strong>logia cria<strong>da</strong> por Lejeune e Luiza para entender a poluição <strong>do</strong>s mangues foi sua<br />
grande contribuição para o estu<strong>do</strong> <strong>da</strong> Baía de Guanabara, em sua ênfase em indica<strong>do</strong>res biológicos<br />
para identificar os níveis de poluição. Até então, o Departamento de Águas (e posteriormente o<br />
Instituto de Engenharia Sanitária), responsável pelo monitoramento <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> água <strong>do</strong>ce <strong>da</strong><br />
ci<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s praias, tinha poucos ou nenh<strong>um</strong> biólogo em sua folha de pagamento.<br />
Empregan<strong>do</strong> principalmente engenheiros, o departamento identificava a poluição na baía por testes<br />
químicos sobre deman<strong>da</strong> bioquímica de oxigênio, ou pela análise <strong>da</strong> concentração de bactérias nas<br />
praias de banho. 21 Estes testes pouco diziam sobre o esta<strong>do</strong> geral <strong>da</strong> baía, e podiam variar muito de<br />
<strong>um</strong>a maré para outra. Em vez disso, Lejeune arg<strong>um</strong>entou que pequenos animais, como o Lesto<strong>da</strong>tyl<br />
Uca (<strong>um</strong> pequeno caranguejo de maré) e os caracóis Ceriti<strong>um</strong> attract<strong>um</strong> caracol poderiam ser<br />
excelentes indica<strong>do</strong>res de poluição, visto que sua presença sugeria que água era de boa quali<strong>da</strong>de,<br />
sem necessi<strong>da</strong>de de maiores análises químicas ou caros equipamentos. Ambas as espécies<br />
dependem de diatomáceas e vermes muito sensíveis à poluição. 22<br />
Medir o desaparecimento gradual de espécies vulneráveis à poluição como indica<strong>do</strong>res<br />
biológicos tinha <strong>um</strong> significa<strong>do</strong> especial para a existência <strong>da</strong> Estação Hidrobiologia. Lejeune e Luiza<br />
primeiro notaram a escassez desses animais, exatamente porque eram necessários para experiências<br />
de laboratório no Instituto Oswal<strong>do</strong> Cruz. O objeto de estu<strong>do</strong> de Luiza, equinodermas, eram<br />
particularmente revela<strong>do</strong>res. Em 1937, equinodermes tinha si<strong>do</strong> cui<strong>da</strong><strong>do</strong>samente descritos e<br />
20 Antônio Barbosa Teixeira, "Poluição <strong>da</strong> Baía de Guanabara e Áreas Circunvizinhas - Relatório <strong>da</strong> Mesa Re<strong>do</strong>n<strong>da</strong> de<br />
Poluição, Realiza<strong>da</strong> em 15-6-61." Boletim Técnico <strong>da</strong> Petrobrás 7, no. 4 (1964): 497-508; Eduar<strong>do</strong> Secades. "Relatório<br />
<strong>do</strong> Grupo de Trabalho para Estu<strong>do</strong> <strong>da</strong> Poluição <strong>da</strong> Baía <strong>da</strong> Guanabara" (Brasilia, DF: Ministério de Viação e Obras<br />
Públicas, 1962.)<br />
21 Victor M. B. Coelho, A Poluição <strong>da</strong> Baía <strong>da</strong> Guanabara, Antecedentes e Situação Atual (Rio de Janeiro:<br />
FEEMA, 1987), 24; Guimarães, Fausto Pereira. Entrevista to Cristina Fonseca, Junho 1997. Transcrição, Fun<strong>da</strong>ção<br />
Casa Oswal<strong>do</strong> Cruz, Rio de Janeiro.<br />
22 Lejeune Pacheco Henrique de Oliveira, "Aula 1920.1" (manuscrito, Rio de Janeiro, [1968]).
analisa<strong>do</strong>s no laboratório <strong>do</strong> Instituto; apenas 15 anos mais tarde, eles pareciam ser muito mais<br />
escassos <strong>do</strong> que sugeria a <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entação.<br />
Em 1958, quan<strong>do</strong> Lejeune e Luiza alertavam em seus artigos que a poluição estava mu<strong>da</strong>n<strong>do</strong><br />
a biota <strong>da</strong> Baía de Guanabara, mais e mais espécies estavam desaparecen<strong>do</strong>. Para ter <strong>um</strong>a idéia de<br />
como poluição estava se torna<strong>do</strong> <strong>um</strong> problema mundial – e percebi<strong>do</strong> pelo público -, é importante<br />
lembrar que estes artigos foram publica<strong>do</strong>s ao mesmo tempo que Rachel Carson escrevia seu<br />
influente livro Silent Spring, reconheci<strong>do</strong> hoje como <strong>um</strong> marco no movimento ambientalista mundial.<br />
A partir destes artigos, Lejeune e Luiza, desenvolveram <strong>um</strong>a escala descreven<strong>do</strong> seis graus de<br />
poluição. 23 Para Lejeune, era mais <strong>do</strong> que <strong>um</strong>a narrativa <strong>da</strong> per<strong>da</strong> de biodiversi<strong>da</strong>de na Ilha <strong>do</strong><br />
Pinheiro (e por extensão, a Baía de Guanabara); era também <strong>um</strong>a admissão <strong>da</strong> per<strong>da</strong> de utili<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />
Estação para o Instituto Oswal<strong>do</strong> Cruz. Se a motivação inicial para a Estação de Hidrobiologia era<br />
coletar amostras marinhas para estu<strong>do</strong>s em diferentes departamentos <strong>do</strong> Instituto, ca<strong>da</strong> novo grau de<br />
poluição, ca<strong>da</strong> novo conjunto de espécies que desaparecia, significova <strong>um</strong>a deman<strong>da</strong> que não mais<br />
podia ser atendi<strong>da</strong>s. Significava também <strong>um</strong> enfraquecimento <strong>da</strong>s ligações entre o Instituto e <strong>da</strong><br />
Estação de Hidrobiologia.<br />
Graus de poluição, assim, indicavam não só a per<strong>da</strong> de biodiversi<strong>da</strong>de, mas também <strong>um</strong>a<br />
gradual consciência para Lejeune e Luiza sobre as mu<strong>da</strong>nças a serem espera<strong>da</strong>s, tanto na biologia<br />
como na instituição. Na escala cria<strong>da</strong> por Lejeune e Luiza, o primeiro grau de poluição é marca<strong>do</strong> pelo<br />
desaparecimento <strong>do</strong>s organismos mais sensíveis, como vários equinodermas, estrelas <strong>do</strong> mar e<br />
ouriços <strong>do</strong> mar. Foi Luiza Krau, portanto, a primeira a perceber que algo estava radicalmente diferente.<br />
"Nós não pensamos sobre a poluição", Lejeune escreveu mais tarde: "nós só aceitamos a nova<br />
reali<strong>da</strong>de que várias estrelas <strong>do</strong> mar e equinodermes tinham desapareci<strong>do</strong>." 24 Esta percepção <strong>da</strong><br />
poluição só ocorreu a Luiza e Lejeune quan<strong>do</strong> a <strong>ilha</strong> atingiu o segun<strong>do</strong> grau de poluição, em 1950. No<br />
segun<strong>do</strong> grau de poluição, o camarão Alpheus heterochelos, <strong>um</strong>a forte indicação <strong>da</strong> integri<strong>da</strong>de <strong>do</strong><br />
ecossistema, desaparece. Os familiares "barulhinhos" <strong>do</strong> mangue, cortesia <strong>do</strong> camarão Alpheus, se<br />
calavam. Em 1950, a música noturna <strong>do</strong> mangue na Ilha <strong>do</strong> Pinheiro tinha mu<strong>da</strong><strong>do</strong>. Havia menos<br />
pássaros, deixan<strong>do</strong> de la<strong>do</strong> os abutres que volta e meia voavam sobre o depósito de lixo na Ilha de<br />
Sapucaia. A ausência <strong>do</strong> Alpheus aju<strong>do</strong>u Luiza e Lejeune a entender que algo não só estava mu<strong>da</strong>n<strong>do</strong><br />
radicalmente no ecossistema <strong>da</strong> Baía de Guanabara, mas que a poluição estava causan<strong>do</strong> isso.<br />
Quan<strong>do</strong> já não podiam criar camarões sequer no aquário com água obti<strong>da</strong> na Ensea<strong>da</strong> de Inhaúma,<br />
eles perceberam que era a poluição orgânica e/ou industrial qie matava as larvas de camarão.<br />
Mais tarde, Lejeune e Luiza aprenderam a identificar a poluição não só através <strong>do</strong><br />
desaparecimento de espécies, mas também pelo comportamento irregular <strong>da</strong> biota. Do terceiro ao<br />
sexto grau de poluição, mais e mais espécies pereciam ou migravam, e outras espécies oportunistas,<br />
como as pulgas <strong>da</strong> praia, se multiplicavam. Dependen<strong>do</strong> de como as marés traziam águas poluí<strong>da</strong>s ou<br />
23 Oliveira, "Poluição <strong>da</strong>s Águas Marítimas."<br />
24 Oliveira, "Aula 1920.1."
água limpa <strong>do</strong> mar para a praia, a mesma <strong>ilha</strong> podia ter alg<strong>um</strong>as praias no terceiro grau e alg<strong>um</strong>as no<br />
quinto.<br />
Poluição mu<strong>da</strong>va o ambiente <strong>da</strong> <strong>ilha</strong> mais rápi<strong>do</strong> <strong>do</strong> que a capaci<strong>da</strong>de de a<strong>da</strong>ptação <strong>da</strong> maioria<br />
<strong>da</strong>s populações permitia. Às vezes caranguejos, como o guaiamu grande, que fazia seus ninhos no<br />
alto <strong>da</strong>s árvores de mangue, podiam permanecer acima <strong>do</strong> nível <strong>da</strong> água e, portanto, a salvo de<br />
petróleo e outras formas de poluição. Mas esta estratégia de sobrevivência nas árvores não era<br />
suficiente para garantir a reprodução. As larvas de guaiamu morriam horas depois de deixar os ovos.<br />
Os guaiamus encontra<strong>do</strong>s na Ilha <strong>do</strong> Pinheiro na déca<strong>da</strong> de 50, refletiu Lejeune, provavelmente não<br />
nasceram lá. Eles chegaram com alg<strong>um</strong>a maré boa, quan<strong>do</strong> a água <strong>do</strong> mar venceu a má circulação<br />
<strong>do</strong>s canais estreitos, e morreriam ali, sem se reproduzir. Outras espécies conseguiam evitar a Ilha <strong>do</strong><br />
Pinheiro completamente: bagres e baiacus não se aproximavam <strong>da</strong>s águas <strong>da</strong> <strong>ilha</strong>. Portanto, no<br />
quinto grau de poluição, não havia mais pesca, as águas eram opacas, às vezes pretas, e o fun<strong>do</strong> <strong>da</strong><br />
água era macroscopicamente abiótico. Isto significava que as cama<strong>da</strong>s mais fun<strong>da</strong>s <strong>da</strong> água tinham<br />
pouco ou nenh<strong>um</strong> oxigênio dissolvi<strong>do</strong>, nenh<strong>um</strong> animal, e <strong>um</strong> grande número de bactérias e<br />
protozoários, indica<strong>do</strong>res de <strong>um</strong>a regime polisapróbico ou de poluição quase absoluta. O<br />
Rhizophoracea fora quase completamente destruí<strong>do</strong>, e Lejeune não conseguia encontrar qualquer<br />
espécime de invertebra<strong>do</strong>s marinhos no substrato bentônico. 25<br />
A partir de 1968, as anotações de Lejeune sobre poluição ultrapassavam a simples listagem <strong>do</strong><br />
desaparecimento de espécies para incluir a descrição de paisagens quase lunares. Ele, então,<br />
identificou o que chamou de sexto grau de poluição: as praias eram negras e desertas <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. As<br />
árvores de mangue não podiam mais sobreviver, e os seus troncos mortos e secos eram apenas local<br />
de repouso para os abutres que viviam <strong>do</strong> lixo na <strong>ilha</strong> artificial <strong>do</strong> Campus Universitário. Este era o<br />
grau de poluição na Ilha de Pinheiro em 1973, quan<strong>do</strong> a <strong>estação</strong> estava praticamente desativa<strong>da</strong>.<br />
Lejeune ain<strong>da</strong> desenvolveria a escala posteriormente, quebran<strong>do</strong> esta última etapa em graus sete,<br />
oito, nove e dez de poluição.<br />
Do ponto de vista de coleta de <strong>da</strong><strong>do</strong>s sobre ambientes marinhos, o trabalho de Lejeune foi bem<br />
além <strong>da</strong> Ilha de Pinheiro. Desde 1944, sua pesquisa incluía o mapeamento <strong>da</strong> salini<strong>da</strong>de de mais de<br />
130 pontos de coleta na Baía de Guanabara, assim como a coleta de microplancton e crustáceos de<br />
to<strong>da</strong> a Baía. Ele visitou ensea<strong>da</strong>s, praias, lagoas e lagos em to<strong>da</strong> o Baía de Guanabara. De fato, a<br />
inclusão <strong>da</strong> bacia <strong>da</strong> baía de Sepetiba em seus estu<strong>do</strong>s o levou a expandir seu entendimento <strong>da</strong><br />
poluição, visto até então como <strong>um</strong> problema localizade e restrito a <strong>um</strong> área, como <strong>um</strong> aspecto<br />
onipresente nos processos de urbanização, com implicações para além <strong>do</strong> destino <strong>da</strong> Baía de<br />
Guanabara para o conceito mesmo de poluição. 26<br />
Mas em 1970, a degra<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> ecologia <strong>da</strong> Ilha Pinheiro sinalizava também a degra<strong>da</strong>ção <strong>da</strong>s<br />
relações entre a Estação de Hidrobiologia e o Instituto Oswal<strong>do</strong> Cruz. A Estação há muito já não podia<br />
25 Oliveira, "Aula 1920.1."<br />
26 Oliveira, "Conditions for Marine Biological Laboratory."
fornecer fauna e flora marinha para estu<strong>do</strong>s científicos exigi<strong>do</strong>s pelo Instituto. Poluição na Baía tornou<br />
impossível. Além disto, o tipo de ciência pratica<strong>do</strong> no Instituto Oswal<strong>do</strong> Cruz havia mu<strong>da</strong><strong>do</strong> desde a<br />
déca<strong>da</strong> de 1960, e já não precisava de tais espécimes. Déca<strong>da</strong> após déca<strong>da</strong>, Lejeune e Luiza viram a<br />
Estação tornar-se irrelevante para este ou aquele departamento no Instituto. Eles tentaram reinventar<br />
<strong>um</strong> novo papel para a <strong>estação</strong> com o estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> ecossistema poluí<strong>do</strong>. Na forma como Lejeune<br />
entendia, estu<strong>do</strong>s de poluição estavam dentro <strong>da</strong> tradição de pesquisa <strong>do</strong> Instituto Oswal<strong>do</strong> Cruz.<br />
Estu<strong>da</strong>r a poluição ofereceria a visibili<strong>da</strong>de internacional <strong>da</strong> qual o Instituto tanto se orgulhava, teria <strong>um</strong><br />
impacto definitivo sobre a saúde pública. De fato, esta estratégia de reinvenção conseguiu para<br />
Lejeune e Luiza mais 15 anos de apoio <strong>do</strong> Instituto Oswal<strong>do</strong> Cruz, ou pelo menos de tolerância para a<br />
existência <strong>da</strong> <strong>estação</strong>. Em 1973, o arg<strong>um</strong>ento não tinha mais o mesmo resulta<strong>do</strong>. O Instituto estava<br />
novamente lutan<strong>do</strong> pela sua própria identi<strong>da</strong>de e renovan<strong>do</strong> suas estruturas, e não havia mais espaço<br />
para a Estação de Hidrobiologia <strong>da</strong> Ilha <strong>do</strong> Pinheiro.<br />
A Ilha <strong>do</strong> Pinheiro foi a última <strong>ilha</strong> <strong>do</strong> arquipélago original na Ensea<strong>da</strong> de Inhaúma a<br />
desaparecer. Após a Estação de Hidrobiologia ser desativa<strong>da</strong>, em 1977, a <strong>ilha</strong> não durou muito mais<br />
tempo. O Projeto Rio, de 1979 a 1983, finalmente a extinguiu. O Projeto Rio era <strong>um</strong> plano <strong>da</strong>ta<strong>do</strong> de<br />
1960, muitas vezes adia<strong>do</strong>, que devia aterrar a ensea<strong>da</strong> de Inhaúma para urbanizar as favelas (então<br />
com mais de 250.000 habitantes) localiza<strong>da</strong>s perto <strong>da</strong> Aveni<strong>da</strong> Brasil, e para higienizar/erradicar os<br />
manguezais na área, ain<strong>da</strong> associa<strong>do</strong>s a ambientes perigosos. O projeto, executa<strong>do</strong> no final <strong>do</strong> regime<br />
militar, marcou a primeira vez em que as associações civis efetivamente se mobilizaram contra aterros<br />
extensos na Baía de Guanabara. Seu ativismo contou com a participação de acadêmicos (outro<br />
elemento inédito), parte <strong>do</strong> corpo <strong>do</strong>cente <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Federal <strong>do</strong> Rio de Janeiro, e seus esforços<br />
realmente mu<strong>da</strong>ram o desenho final <strong>do</strong> projeto. Assim, a Baía perdeu apenas 450 hectares, em vez<br />
<strong>do</strong>s 2.300 hectares inicialmente previstos. 27 A Ilha <strong>do</strong> Pinheiro foi, porém, <strong>um</strong>a <strong>da</strong>s vítimas. Não seria<br />
mais <strong>um</strong>a <strong>ilha</strong>. Os macacos Rhesus, após 50 anos de livre circulação na <strong>ilha</strong>, foram reuni<strong>do</strong>s n<strong>um</strong>a<br />
grande jaula no campus <strong>do</strong> Instituto Oswal<strong>do</strong> Cruz. A <strong>ilha</strong> foi incorpora<strong>da</strong> nos projetos de urbanização,<br />
e renomea<strong>da</strong> Vila Pinheiro em 1989. A exuberante vegetação no topo <strong>da</strong> Ilha foi preserva<strong>da</strong> como <strong>um</strong><br />
parque para os novos mora<strong>do</strong>res. 28 Ain<strong>da</strong> é possível ver alg<strong>um</strong>as <strong>da</strong>s ruínas <strong>do</strong> laboratório, dirigin<strong>do</strong><br />
ao longo <strong>da</strong> estra<strong>da</strong> Linha Amarela, mas há pelo menos duas grandes ro<strong>do</strong>vias entre a ex-<strong>ilha</strong> e a<br />
praia mais próxima.<br />
Um longo caminho até mesmo para o caranguejo Guaiamu mais ousa<strong>do</strong>.<br />
*******<br />
Monitoração <strong>da</strong> poluição é <strong>um</strong>a parte essencial <strong>da</strong> gestão ambiental. Ao monitorar as<br />
mu<strong>da</strong>nças ambientais causa<strong>da</strong>s pela poluição e compart<strong>ilha</strong>r seus conhecimentos com as agências<br />
27<br />
Elmo <strong>da</strong> Silva Ama<strong>do</strong>r, Baía de Guanabara e Ecossistemas Periféricos: Homem e Natureza (Rio de Janeiro: E.S.<br />
Ama<strong>do</strong>r, 1997), 357.<br />
28<br />
Fanny Relry, Aguinal<strong>do</strong> Barbosa, e Emerson Ximenes, A História <strong>da</strong> Maré - Século XX (Centro de Estu<strong>do</strong>s e Ações<br />
Solidárias <strong>da</strong> Maré – CEASM, 2001 [cita<strong>do</strong> em 23 de março de 2004]); disponível em<br />
http://www.ceasm.org.br/abertura/03onde/m_hist.htm.
governamentais, Lejeune de Oliveira e Luiza Krau se tornaram agentes importantes <strong>da</strong> gestão<br />
ambiental <strong>da</strong> Baía de Guanabara durante o século XX.<br />
Além disso, sua trajetória e a <strong>da</strong> Estação de Hidrobiologia na Baía de Guanabara suscita<br />
questões-chave sobre o controle <strong>da</strong> poluição e o desenvolvimento <strong>do</strong> conceito de conceito. O que era<br />
poluição? O que estava sen<strong>do</strong> medi<strong>do</strong> para indicar poluição? Para Lejeune, a poluição era mensura<strong>da</strong><br />
pela per<strong>da</strong> <strong>da</strong> utili<strong>da</strong>de que ele poderia oferecer ao Instituto: quanto mais poluí<strong>da</strong>s as águas, menos<br />
ele poderia encontrar a fauna marinha que o Instituto exigia para seus laboratórios. Poluição era,<br />
assim, medi<strong>da</strong> em termos de per<strong>da</strong> de biodiversi<strong>da</strong>de. Mais tarde, ele relacionou estes indica<strong>do</strong>res de<br />
biodiversi<strong>da</strong>de a indica<strong>do</strong>res bioquímicos, como a deman<strong>da</strong> bioquímica de oxigênio, porque<br />
indica<strong>do</strong>res os mais "objetivos" poderiam ser utiliza<strong>do</strong>s para estu<strong>da</strong>r outros ecossistemas, enquanto os<br />
indica<strong>do</strong>res biológicos eram endêmicos para o ambiente de mangue. Esta acréscimo era resulta<strong>do</strong> em<br />
grande parte <strong>do</strong> contato com seus alunos engenheiros <strong>do</strong> Departamento de Águas, mas era bastante<br />
insatisfatório para seus objetivos. Eventualmente, Lejeune criou sua escala de poluição de 10 graus,<br />
em que mensurava a poluição de acor<strong>do</strong> com "paisagens". Não era tanto a ausência de certas<br />
espécies, era to<strong>do</strong> o ecossistema que importava. Poluição marítima criava paisagens distintas,<br />
promoven<strong>do</strong> a superpopulação de alg<strong>um</strong>as espécies oportunistas, enquanto outros esmaeciam ou<br />
pereciam.<br />
A Estação de Hidrobiologia não existia apenas em função de crustáceos, equinodermos, algas<br />
e manguezais. Este "baía biológica" se sobrepunha a <strong>um</strong>a "baía social" em que os crustáceos e<br />
mangue eram alimentos e lenha para as populações h<strong>um</strong>anas. Era <strong>um</strong>a baía também composta <strong>da</strong>s<br />
comuni<strong>da</strong>des de pesca<strong>do</strong>res que ameaçavam continuamente invadir a <strong>ilha</strong> e suas não-tão-bem-<br />
defini<strong>da</strong>s fronteiras científicas, que liam os indica<strong>do</strong>res biológicos de poluição to<strong>do</strong>s os dias quan<strong>do</strong><br />
saíam para pescar, que eram contrata<strong>do</strong>s pelo Instituto para pilotar os barcos e para guiar os cientistas<br />
em expedições de coleta de amostras. Finalmente, também compunham esta “baía social” as<br />
comuni<strong>da</strong>des favela<strong>da</strong>s que se mu<strong>da</strong>vam para as áreas de aterro, lançan<strong>do</strong> seu esgoto sem<br />
tratamento nas águas <strong>da</strong> baía, que temiam a remoção força<strong>da</strong> de suas casas pelas autori<strong>da</strong>des civis, e<br />
que trabalhavam nas novas fábricas instala<strong>da</strong>s nas margens <strong>do</strong> Baía. A esta baía biológica e baía<br />
social, se une a igualmente importante baía institucional, composta pelo Departamento de Águas, pela<br />
Marinha, pelo Instituto Oswal<strong>do</strong> Cruz, to<strong>do</strong>s com as suas disputas políticas, falta de financiamento e<br />
questões internas de gênero e poder. Além disso, esses cama<strong>da</strong>s sobrepostas de baías sofriam a<br />
influência <strong>da</strong>s marés internacionais e nacionais, de novos estu<strong>do</strong>s internacionais sobre a poluição, <strong>da</strong>s<br />
mu<strong>da</strong>nças de regime de governo na nação, ou <strong>da</strong>s transformações no aparelho burocrático.<br />
Na interação dessas múltiplas cama<strong>da</strong>s, Luiza Krau e Lejeune de Oliveira encontraram-se em<br />
<strong>um</strong> impasse: como produzir ciência quan<strong>do</strong> as condições políticas, naturais e sociais necessárias para<br />
esse trabalho mu<strong>da</strong>vam a tal ponto que suas práticas científicas anteriores já não se podiam aplicar?<br />
Eles responderam a esta pergunta reinventan<strong>do</strong> sua própria compreensão <strong>do</strong> que significava "produzir<br />
ciência", e propuseram novos termos de legitimi<strong>da</strong>de para sua Estação de Hidrobiologia. Ao registrar
suas dúvi<strong>da</strong>s, suas soluções criativas para ca<strong>da</strong> desafio, seus planos e frustrações, Lejeune e Luiza<br />
oferecem tanto a historia<strong>do</strong>res <strong>da</strong> ciência como a historia<strong>do</strong>res ambientais <strong>um</strong>a fonte inestimável para<br />
estu<strong>da</strong>r os desafios diários de quem fazia cientistas no Brasil <strong>do</strong> século XX.