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EUROPA RENOVADA: RENASCIMENTO E HUMANISMO- DO ...

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<strong>EUROPA</strong> <strong>RENOVADA</strong>: <strong>RENASCIMENTO</strong> E <strong>HUMANISMO</strong>- <strong>DO</strong><br />

MANEIRISMO AO BARROCO<br />

RESUMO: O presente artigo tem por objetivo analisar à luz da metodologia<br />

historiográfica, alguns fatores sociopolíticos, econômicos, de cultura e de mentalidade<br />

que abriram uma nova possibilidade de expressão ao homem da Baixa Idade Média e o<br />

instrumentalizou para a inauguração de um novo período histórico, baseado na<br />

valorização de si mesmo e de suas potencialidades. O recorte cronológico abrange o<br />

período entre os séculos XIV e XVIII.<br />

Palavras -Chave: Antropocentrismo. Artes Visuais. Estados Nacionais.<br />

INTRODUÇÃO<br />

A Europa dos séculos XI – XIV presenciou transformações econômicas,<br />

políticas, intelectuais, artísticas e culturais que, gradativamente, levaram a sociedade a<br />

reorganizar-se estruturalmente e a repensar sua visão e seu conceito de mundo, no qual:<br />

“o desenvolvimento do saber e do comércio se reforçavam mutuamente.”<br />

(SEVCENKO, 1985.p. 12). O século XIV, sobretudo, é marcado por fortes tensões e<br />

crises, dentre elas a rápida propagação da “peste negra” deixando trás de si uma soma<br />

de milhões de mortos por todo o continente, além das disputas territoriais entre França e<br />

Inglaterra numa guerra que se arrastou por mais de cem anos e as revoltas camponesas<br />

resultado da super-exploração da mão-de-obra campesina. A fome e o decréscimo<br />

populacional, conseqüências imediatas destas tragédias, contribuíram para o<br />

esfacelamento do antigo sistema feudal.<br />

Estas mudanças decorrentes de processos históricos que se acentuaram<br />

sobremaneira no final da Baixa Idade Média proporcionaram o ressurgimento da<br />

efervescência urbana, conseqüência do novo modelo econômico comercial que<br />

possibilitou o aparecimento de uma nova classe social: a burguesia mercantil, que teve<br />

um papel fundamental na política de solidificação dos territórios e das monarquias<br />

nacionais modernas e no financiamento de todo um instrumental técnico cientifico e<br />

artístico.<br />

O período é de grande inventividade técnica estimulada e estimuladora do<br />

desenvolvimento econômico. Criam-se novas técnicas de exploração agrícola<br />

e mineral de fundição e metalurgia, de construção naval e navegação, de<br />

armamentos e de guerra. É o momento de invenções da imprensa e de novos<br />

tipos de papel e de tintas. (SEVCENKO, 1985. p. 12)<br />

1


I- Os humanistas e suas contribuições<br />

No que tange às transformações de ordem intelectual nota-se as propostas dos<br />

humanistas 1 em dinamizar o currículo científico das universidades medievais com o<br />

acréscimo de outras áreas do conhecimento como a poesia, a filosofia, a história, a<br />

matemática e a eloqüência, baseadas nos modelos da Antiguidade Clássica. Estas<br />

propostas, num primeiro momento, foram refutadas pelo crivo da Igreja que as<br />

interpretou como uma espécie de retomada saudosista de práticas reminiscentes do<br />

paganismo. Contudo, essa proposta de dinamização da sociedade e do homem aos<br />

moldes dos parâmetros da Antiguidade Greco-romana: “... não seria a mera repetição,<br />

de resto impossível, do modo de vida e das circunstâncias históricas dos gregos e<br />

romanos, mas a busca de inspiração em seus atos, suas crenças, suas realizações, de<br />

forma a sugerir um novo comportamento do homem europeu. (SEVCENKO, 1985. p.<br />

15).<br />

Este “novo comportamento” pode ser definido como o desejo da sociedade<br />

européia em reinterpretar modelos estéticos artísticos e literários da antiguidade em<br />

favor da constituição de uma mentalidade na qual o homem tem a oportunidade de<br />

superar-se através de seus feitos: “O momento histórico colocava em foco, sobretudo a<br />

capacidade criativa da personalidade humana.” (SEVCENKO, 1985.p. 12)<br />

A reflexão humanista acerca da sociedade, da cultura, das artes e das ciências<br />

medievais levou a profundas e consideráveis críticas acompanhadas de soluções de<br />

caráter antropocêntrico em oposição ao teocentrismo ortodoxo defendido pelos teólogos<br />

e pela Igreja, que se viam ameaçadas por esta onda de inovações perturbadoras da<br />

ordem social estabelecida. “É inútil querer procurar uma diretriz única no humanismo<br />

ou mesmo em todo o movimento renascentista: a diversidade é o que conta.”<br />

(SEVCENKO, 1985:23).<br />

Mais do que críticas, o movimento humanista preocupava-se em oferecer<br />

novos valores, novas oportunidades ao homem que lentamente começa a indagar-se a<br />

respeito do mundo a sua volta tornando-se mais atuante, mais participativo desejoso do<br />

saber técnico/teórico fundamental para que a experimentação prática fosse bem<br />

1 Sevcenko chama a atenção para o surgimento do termo humanista ocorrido no século XV, definindo-os<br />

como “... conjunto de indivíduos que desde o século anterior vinham se esforçando para modificar o<br />

padrão de estudos ministrado tradicionalmente nas Universidades medievais” (SEVCENKO, 1985. p. 14)<br />

2


sucedida tal qual o vemos nas técnicas empregadas na pintura que evoluiu do<br />

bidimencionalismo medieval fortemente bizantino para o tridimensionalismo de Giotto<br />

mestre da pintura renascentista italiana que já no século XIV impressionava o<br />

telespectador pela profundidade, sentimentalismo e realidade de suas obras, em muito<br />

influenciada pela espiritualidade franciscana voltada para a assistência aos pobres e que<br />

conseguia conciliar mística profunda e promoção do ser humano, sobretudo os mais<br />

carentes.<br />

O antropocentrismo permite ao artista uma ampla e variada amálgama de cenas<br />

e fatos cotidianos imortalizados pela arte renascentista que ostentava a máxima de:<br />

“viver mais pelo sentido do que pelo espírito.” (SEVCENKO, 1985. p. 28)<br />

Contudo esta afirmativa não colocava o mundo espiritual em segundo plano<br />

pelo contrário o que mudará será a concepção teológica em voga do movimento<br />

descendente da divindade que se encarna no seio da virgem humanizando-se sem,<br />

porém perder sua natureza divina. “Era já o anseio da reforma da religião, do culto e da<br />

sensibilidade religiosa que se anunciava e que seria desfechada de forma radical,<br />

fraccionando a cristandade por outros humanistas mais tarde, como Lutero, Calvino e<br />

Melanchton.” (SEVCENKO, 1985. p. 21)<br />

O que se pretendia era levar ao povo uma religião que se identificasse com seu<br />

cotidiano, desprendida de uma liturgia pomposa desenvolvida numa linguagem<br />

totalmente desconhecida pelos fiéis e que colocasse a figura de Cristo como principal<br />

modelo e a opção pelos pobres como meta. Nisto consistia o humanismo cristão do<br />

século XV desenvolvido por Erasmo de Rotherdam.<br />

Tanto na religião quanto na política pode ser percebido o desejo de liberdade<br />

de expressão assegurado a cada indivíduo de maneira inviolável. Porém esta liberdade<br />

foi bastante discutível no renascimento. Nicolau Maquiavel membro do governo dos<br />

Médicis, de Florença, autor de “O Príncipe”, afirmava que para se manter no poder, o<br />

soberano deveria passar por cima de qualquer código moral e, se preciso fosse até<br />

mesmo a força seria justa quando necessária visando o bem do Estado que no<br />

absolutismo já consolidado do século XVIII era o próprio Rei. Já para Thomas Morus,<br />

Campanella e Francis Bacon nas Obras: Utopia, Cidade do Sol e Nova Atlântida de<br />

autoria dos respectivos autores, a sociedade ideal baseava-se na justa distribuição de<br />

renda e na concórdia entre os indivíduos que estariam sob a égide de um governo<br />

centralizado, mas justo. Ambos os autores defendiam um Estado forte e centralizado.<br />

Maquiavel já no século XVI apresentava a unificação da Itália como alternativa de<br />

3


extinguir as lutas internas pelo poder e os ataques de outros reinos inimigos na figura de<br />

um monarca que concentrasse sobre se autoridade suficiente para governar.<br />

“A concepção de que tudo já está realizado no mundo e que aos homens só<br />

cabem duas opções, o pecado ou a virtude, não faz mais sentido. O mundo é<br />

um vórtice infinito de possibilidades e o que impulsiona o homem não é<br />

representar um jogo de cartas marcadas, mas confiar na energia da pura<br />

vontade, na paixão de seus sentimentos e na lucidez de sua razão. Enfim, o<br />

homem é a medida de si mesmo e não pode ser tolhido por regras, deste ou<br />

do outro mundo, que limitem suas capacidades. E se cada individuo é um ser<br />

contraditório entre as pressões de sua vontade, de seus sentimentos e de sua<br />

razão cabe, a cada um encontrar sua resposta para a estranha equação do<br />

homem. As disputas, as polêmicas, as críticas entre esses criadores são<br />

intensas e acaloradas, mas todos acatam ciosa a lição de Pico Della<br />

Mirandola: a dignidade do homem repousa no mais fundo da sua liberdade.”<br />

(SEVCENKO, 1985. p. 23).<br />

O desprendimento de códigos civis tirânicos e dogmas retrógrados, mesmo que<br />

lenta e gradualmente, possibilitaram ao homem colocar em prática toda sua<br />

potencialidade criadora no ofício de construir, de inovar de recriar o que já existe.<br />

Sendo assim a visão ideal arquitetônica renascentista colocava em voga o cálculo<br />

matemático a favor do remodelamento do espaço urbano onde imperasse a harmonia, o<br />

equilíbrio e a proporção das formas dentro de princípios geométricos que tinham por<br />

finalidade materializar o desejo de uma sociedade harmônica e ordeira dirigida pela<br />

razão.<br />

O panorama político da Itália, berço do Renascimento era bem variado. As<br />

cidades guerreavam entre si pelo controle de uma região e conseqüentemente da<br />

economia que ali era desenvolvida. Os sistemas governamentais variavam entre cidades<br />

repúblicas representadas por dignitários; os doges assessorados por conselheiros, que<br />

podiam ser eleitos por parlamentares ou se não confirmados em seus cargos evocando o<br />

direito de hereditariedade, e as cidades que já centralizavam o poder político na figura<br />

de um nobre adotando o sistema monárquico caminhando assim para o processo de<br />

consolidação do absolutismo europeu oitocentista. A rivalidade político /militar logo<br />

cedeu espaço amplo para a rivalidade artística.<br />

II- Arte e ciência: a busca incessante pela perfeição<br />

Os antigos artesãos da Idade Média aperfeiçoaram suas técnicas mediante<br />

estudo prévio, para isso convertendo suas corporações ou guildas em escolas nas quais o<br />

mestre, acompanhado atenciosamente por discípulos, podiam exercitar o ofício de<br />

4


eproduzir com fidelidade a beleza presente na paisagem natural nas cenas cotidianas<br />

onde o homem aparece geograficamente no plano da pintura como cerne. O desejo de<br />

reproduzir o Belo fazia-se necessário mais que simples capricho era imprescindível<br />

fazê-lo, pois: “Todo o belo é uma manifestação do Divino. Assim sendo, a exultação, o<br />

cultivo e a criação do belo, consistem no mais elevado exercício de virtude e no gesto<br />

mais profundo de adoração a Deus. A produção do belo através da arte é o ato mais<br />

sublime de que é capaz o homem.” (SEVCENKO, 1985.p. 19).<br />

Quando nos remetemos aos legados deixados pelos humanistas que se<br />

desdobraram nas várias áreas do conhecimento: matemáticos, arquitetos, físicos,<br />

químicos, filósofos, teólogos, juristas e literatos etc... os artistas plásticos ou melhor seu<br />

legado artístico eternizado na pintura e na escultura melhor evocam e sintetizam o<br />

Renascimento.<br />

A produção plástica intensa toma a dianteira de todo o inestimável e vasto<br />

legado humanista por traduzir o momento histórico de inquestionável prosperidade<br />

econômica decorrente de práticas mercantis financiadas e encabeçadas pela burguesia.<br />

“A ruptura dos antigos laços sociais de dependência social e das regras<br />

corporativas promovem, portanto, a liberação do indivíduo e o empurram para a luta da<br />

concorrência com outros indivíduos, conforme as condições postas pelo Estado e pelo<br />

capitalismo.” (SEVCENKO, 1985. p. 11).<br />

A arte era, pois o mecanismo perfeito por meio do qual a burguesia se utilizou<br />

para sua auto afirmação, correlacionando direta ou indiretamente sua classe à nova<br />

ordem econômica, política, social na qual projetar-se-ia impreterivelmente no centro,<br />

como grande patrocinadora dos inventos técnicos, científicos e artísticos estreitando<br />

suas relações com a nobreza e o alto clero que juntos comporiam o mecenato instituição<br />

esta de vital necessidade para a concretização de obras monumentais, um avanço para a<br />

época em que foram executadas e objeto de fascínio e estudo para os contemporâneos.<br />

O espaço urbano então sofre constantes interferências plásticas, mostra do<br />

poderio financeiro em consonância com a mentalidade burguesa difusora de uma cultura<br />

do novo, propondo comportamentos, hábitos e valores condizentes com o momento<br />

histórico provando sua superioridade ante a cultura medieval constantemente apontada<br />

como inferior e retrógrada, com seu românico embrutecido e pesado dando as catedrais<br />

aparência de fortalezas militares embora também o fossem, prevalecendo na arte da Alta<br />

Idade Média, suplantado posteriormente pelo gótico, que embora mantivesse algumas<br />

5


características românicas já demonstrava leveza nas orgivas e delicadeza no colorido<br />

das iluminuras e vitrais que iluminavam o sombrio interior dos templos.<br />

Na imaginária sacra prevalecia o estilo bizantino pouco preocupado com<br />

noções de proporcionalidade, volume e perspectiva o que conferia um efeito “chapado”<br />

às imagens meticulosamente hieratizadas dentro de uma hierarquia celeste fixa. Ao<br />

contrário dessa, a arte renascentista preocupava-se sobremaneira com a harmonia do<br />

todo, com a proporcionalidade com o volume realista obtido entre os jogos de luz e<br />

sombra e a coerente ocupação do espaço pictórico.<br />

Conforme verificamos, a nova camada burguesa, pretendendo impor-se<br />

socialmente, precisava combater a cultura medieval, no interior da qual ela<br />

aparecia somente como uma porção inferior e sem importância da população.<br />

Era, pois, necessário construir uma nova imagem da sociedade na qual, ela, a<br />

burguesia, ocupasse o centro e não as margens do corpo social.<br />

(SEVCENKO, 1985. p. 24)<br />

A nova concepção artística intuía a fidelidade na reprodução da cena pintada<br />

pretendendo tocar as pessoas através dos sentidos; para tanto as técnicas de perspectiva<br />

ampliavam o campo pictórico conferindo à obra a impressão de ali estarem<br />

multiplicadas cenas da vida cotidiana. A perspectiva do dolce stil nouvo (doce estilo<br />

novo) representada por Ducio e Giotto evoluíram para a:<br />

“... invenção da perspectiva matemática, ou a perspectiva exata”, em que<br />

todos os pontos do espaço retratado obedecem a uma norma única de<br />

projeção, deveu-se com uma grande dose de certeza, a Felipo Brenelleschi,<br />

arquiteto florentino, por volta de 1420. Baseado no teorema de Euclides, que<br />

estabelece uma relação matemática proporcional entre objeto e sua<br />

representação pictórica... (SEVCENKO, 1985.p. 30)<br />

O domínio da técnica levou a arte a status de ciência, tornando-se desconhecida<br />

aos artesãos populares. Esta exigência fez-se necessária para atender ao sofisticado<br />

gosto artístico que a partir de então evoluía constantemente. O artista/cientista era<br />

senhor do domínio da técnica conciliando em seu ofício, estética e cálculo, conferindo<br />

assim à obra procedente de seu ateliê alto valor econômico, acessível apenas ao clero, a<br />

nobreza e a burguesia, esta última ávida em afirmar-se ante as cortes reais e ao papado<br />

provando assim seu refinamento e poderio financeiro:<br />

A arte renascentista é uma arte de pesquisa, de invenções, inovações e<br />

aperfeiçoamentos técnicos. Ela acompanhada paralelamente as conquistas da<br />

física, da matemática, da geometria, da anatomia, da engenharia e da<br />

filosofia. Basta lembrar a invenção da perspectiva matemática por<br />

Brunelleschi, os seus instrumentos mecânicos de construção civil ou militar,<br />

6


ou instrumentos de engenharia civil inventados por Leonardo da Vinci, ou as<br />

pesquisas anatômicas de Michelangelo, ou o aperfeiçoamento das tintas a<br />

óleo pelos irmãos Van Eyck, ou os estudos geométricos de Albrecht Dürer,<br />

entre tantos outros (SEVCENKO, 1985. p. 25).<br />

III- O renascimento e seu caráter consolidador do Estado<br />

A amplitude e profundidade crítica a que se propunha o humanismo<br />

Renascentista naturalmente fez romper as fronteiras florentinas dominada pelos Médici,<br />

para além da região nortenha encontrando entusiastas e mecenas por toda a Itália. Entre<br />

prósperos comerciantes burgueses, integrantes de cortes monárquicas e da poderosa<br />

corte pontifícia, o Renascimento gradativamente vai sendo apropriado pela elite<br />

assumindo assim uma afeição social distinta e erudita.<br />

A propagação do humanismo de uma região específica italiana para todo o<br />

continente europeu deveu-se a vários fatores, sendo a autonomia financeira a mais<br />

relevante. Não se trata apenas de afinidade e empatia ao movimento renascentista,<br />

mantê-lo e fazê-lo acontecer como já foi refletido carecia de todo um aparato<br />

econômico sólido, de suma importância para que as idéias, as teorias e a inspiração<br />

fluíssem e acontecessem de fato.<br />

Esse fenômeno é facilmente compreensível, uma vez que apenas a<br />

prosperidade comercial é que permitia a constituição de núcleos urbanos<br />

densos e ricos e cortes aristocráticas sofisticadas o suficiente para se<br />

transformarem em público consumidor de uma produção artístico-intelectual<br />

voltada para a mudança dos valores medievais (SEVCENKO, 1985. p. 39).<br />

O surgimento, portanto dos idiomas nacionais são o fruto dos estudos<br />

lingüísticos dos humanistas que através de intensa produção literária contribuíram para<br />

que cada país, alguns ainda sob fortes conflitos internos consolidassem o poder político<br />

com a adoção, ou em certos casos, pela imposição de uma língua nacional comum,<br />

pondo fim à dispersão causada pelos vários dialetos característicos de cada região. Na<br />

Itália da Baixa Idade Média, nasce a literatura moderna com o poema épico Divina<br />

Comédia de autoria de Dante Alighieri 2 .<br />

Embora carregado do dogmatismo medieval numa descrição minuciosa do<br />

cotidiano, o poema marca época basicamente no fato de ter sido escrito em dialeto<br />

2 Dizemos que é um marco ambíguo, porque assim como as imagens de Giotto, a literatura de<br />

Dante guarda intocadas inúmeras características da mentalidade medieval. (SEVCENKO, 1985. p. 36)<br />

7


toscano e não em latim a língua oficial do direito e da igreja, como era de praxe na<br />

Idade Média. Outra evidência um tanto quanto ambivalente é o fato de o autor ser<br />

conduzido do espaço temporal para o plano atemporal não por um anjo ou outra<br />

divindade cristã, mas por um poeta da Antiguidade latina, o sábio Virgílio que após<br />

vagarem pelo inferno, passarem pelo purgatório e alcançar a beatidade do paraíso é<br />

entregue a sua estimada Beatriz.<br />

Nota-se, portanto na obra de Dante valores clássicos enaltecidos pelo movimento<br />

renascentista que o precedeu: valoração dos saberes da Antiguidade Greco-romana<br />

como ideais de perfeição e busca do Belo idealizado na figura de Virgílio, e a<br />

experiência empírica do amor humano que transcende o amor a Deus, substituído por<br />

Beatriz. Sevcenko, (1985. p. 37) diz que “Dessa forma, o espaço intemporal do sagrado<br />

só pode ser compreendido se for remetido à temporalidade histórica da terra...”<br />

Francesco Petrarca e Giovanni Boccaccio são considerados continuadores do<br />

estilo literário inaugurado por Dante, suas principais obras são a poesia lírica,<br />

cancioneiro e a narrativa em prosa, Decameron, de autoria dos respectivos literatos,<br />

ambos “... fundadores e divulgadores da corrente humanista.” (SEVCENKO, 1985. p.<br />

39). Tornando-se reconhecidos em todo o continente.<br />

Centralizar o poder supunha também consolidar o idioma e a cultura conferindo<br />

caráter unitário ao país. Os literatos tiveram um papel de grande relevância ao<br />

colocarem sua poesia a serviço da unificação territorial, política e cultural de cada nação<br />

exaltando-as sobre maneira tal qual percebemos na obra de “... um dos maiores<br />

escritores de todos os tempos foi Luiz Vaz de Camões (1524 – 1580), autor da célebre<br />

epopéia das conquistas marítimas portuguesas, Os Lusíadas.” (Sevcenko, 1985. p. 71)<br />

Embora, Portugal desde o século XII já possuísse, monarquia constituída e as<br />

fronteiras definidas mais antigas da Europa, Os Lusíadas apresenta-se como marco da<br />

história e da literatura portuguesa que no século XVI ostentava a fama de ser a mais<br />

próspera economia européia, fruto do bem-sucedido expansionismo marítimo. Neste<br />

caso particular a literatura solidifica o idioma escrito e congrega os indivíduos ante a<br />

euforia de pertencerem ao país das grandes navegações.<br />

Uma vez introduzido o ideal renascentista em cada região por indivíduos que<br />

tiveram contato com a efervescência italiana do século XIV, cada país a partir de então<br />

começa a desenvolver uma arte e uma literatura com contribuições culturais próprias,<br />

apesar de que:<br />

8


“Demoraria muito para que as demais nações aprendessem a desligar-se do<br />

jugo cultural italiano e fizessem sua própria arte. Isso só ocorreria quando<br />

cada uma dessas nações atingisse o auge de seu poderio econômico e<br />

político, como ocorreria, por exemplo, com o Portugal de D. Manuel e D.<br />

João III, com a Espanha do século de ouro e com a Inglaterra isabelina”<br />

(SEVCENKO, 1985. p. 39).<br />

Na Flandres, a produção artística encontra-se estreitamente ligada à riqueza das<br />

manufaturadas e do comércio que transformaram a arte numa espécie de veículo de<br />

divulgação do estilo de vida burguês que ao contrário da burguesia italiana e de outras<br />

regiões da Europa não pleiteavam vagas na nobreza, estavam centrados na prosperidade<br />

comercial, bancária, portuária e manufatureira construída sob a égide do trabalho<br />

constante e da disciplina.<br />

O mecenato flamengo, pois, era patrocinado pela burguesia e pelos duques de<br />

Borgonha que desde 1419 transferiram-se com sua corte de Paris para Bruges a fim de<br />

legitimar a autonomia cultural e financeira desta região, na qual o Renascimento<br />

acompanhou a evolução da pintura. Segundo Sevcenko (1985. p. 60) “ao contrário dos<br />

italianos, os povos nórdicos e os flamengos em especial nunca se sentiram muito<br />

atraídos pelas filosofias de estilo, pelos amaneiramentos e pelas teorizações sobre os<br />

sentidos últimos e mais elevados da arte.”<br />

Sua arte esforçava-se ao máximo em reproduzir de forma real o objeto pintado, o<br />

que conseguiram magistralmente com o sucesso da retratação de pessoas e na captação<br />

de formas, cores, brilhos e texturas das mais variadas naturezas. Paralelo a vivacidade<br />

do brilho dos metais e pedras preciosas, os artistas se preocupavam em utilizar suas<br />

telas para fazer denúncia social através da representação de indivíduo esquelético e mal<br />

vestido, representando a situação da má distribuição da abundante riqueza.<br />

A fixação em representar o ambiente doméstico é outra forte característica da<br />

arte flamenga onde:<br />

Mesmo as representações religiosas tendem a ser banalizados como meras<br />

cenas do cotidiano das famílias burguesas. O efeito disso é ambivalente, pois<br />

ao mesmo tempo em que humaniza mais o sagrado, aproximando sua<br />

experiência daquelas pessoas comuns, tende igualmente a sacralizar o<br />

ambiente e a faina do dia-a-dia, preenchendo-os de uma dignidade superior<br />

(SEVCENKO, 1985. p. 61).<br />

A técnica da pintura a óleo conferia ao trabalho um brilho uniforme fascinante<br />

além da possibilidade de matizar as cores entre si podendo o artista trabalhar<br />

9


variadamente a incisão da luz. Embora a técnica da pintura a óleo tenha sido idealizada<br />

pelo Mestre de Flemalte, os irmãos Jan e Hubert Van Eyck na obra conjunta “O<br />

Retábulo do Cordeiro Místico”, bem como no ‘Casal Arnolfini’, conseguiram alcançar<br />

os efeitos mais favoráveis.<br />

A França de Francisco I e sua irmã a poetisa Margarida de Navarra, ambos<br />

mecenas das artes nacionais francesa tomaram a dianteira da formação de humanistas<br />

com a idealização de um instituto o Colégio de França objetivando criar condições<br />

favoráveis para o afloramento das ciências, das letras e das artes que estariam a serviço<br />

da consolidação monárquica e de uma cultura: “... decisiva para fixar as características<br />

da arte renascentista francesa: mais cheia de artificialismos e de afetação que a italiana<br />

ou flamenga, revelando claramente sua origem aristocrática essa inspiração<br />

monárquica” (SEVCENKO, 1985. p. 66).<br />

Os artistas franceses mais representativos do renascimento são os arquitetos<br />

Pierre Lescot e Plilibert Pelorme, os escultores Jean Gocjon e Michel Colombe, o pintor<br />

Jean Focquet que soube conciliar o gótico com a pintura renascentista mediante viagem<br />

realizada a Itália sintetizando os dois estilos a fim de criar um gênero próprio<br />

caracterizado pelo monumentalismo técnico e monocromático, tornando-se uma<br />

referência para a pintura francesa.<br />

A corte dos referidos mecenas contava com lingüistas especialistas em diversos<br />

idiomas e um grupo de poetas que constituíam a Pléiade representado por Pierre de<br />

Bonsard e Du Bellay encarregados de “... lançar as bases da literatura nacional,...<br />

aristocrática e oficial, graças ao apoio da Princesa de Navarra” (SEVCENKO, 1985. p.<br />

66).<br />

Na Inglaterra, a dinastia dos Tudor marca o início do processo de consolidação<br />

do Estado nas últimas décadas do século XV, por interferências da doutrina calvinista as<br />

artes plásticas não tiveram a mesma vultuosidade como em outras regiões tendo o<br />

renascimento participação apenas na música, na literatura e no teatro, a grande diversão<br />

tanto de nobres como da população em geral.<br />

A ruptura de relações do Estado inglês com Roma foi decisiva no rumo que a<br />

produção científica tomou na Inglaterra dos Tudor. Os literatos dividiram-se entre os<br />

que defendiam a liberdade de culto e os que apoiavam a recém criada igreja nacional e a<br />

centralização do poder temporal e espiritual na pessoa do rei. Sir Francis Bacon<br />

considerado o introdutor do método científico moderno que prima pela experiência<br />

10


como base da produção do conhecimento é o autor mais significativo das ciências<br />

renascentistas inglesa.<br />

Mas a principal expressão cultural encontra-se no teatro amplamente difundido<br />

no reinado de Elizabeth I e coroado pelas obras de Willian Shakespeare que em Hamlet:<br />

“... coloca dúvidas sobre a eficácia da razão e da racionalidade, num prenúncio já da<br />

arte maneirista, que sucede ao Renascimento” (SEVCENKO, 1985. p. 45).<br />

Na Alemanha, as influências diretas nas artes nacionais correspondem ao gótico<br />

tardio ao gosto ornamental flamengo posteriormente com a contribuição italiana<br />

assimilada gradualmente. As críticas à cultura medieval dominadas pelo<br />

conservadorismo, culminaram com a obra dos humanistas Ulrich Von Hutten e Crotus<br />

Rubians em “As Cartas de Homens Obscuros”, que abriram caminho segundo a linha de<br />

pensamento do flamengo Erasmo de Rotterdam e para o afloramento da teoria<br />

reformista de Martinho Lutero.<br />

Nas artes plásticas a gravação em madeira e metal adaptaram-se às técnicas<br />

desenvolvidas pela imprensa que as divulgou fartamente por toda a Europa, difundindo<br />

estilos e recursos ornamentais, tendo no gravurista Albrecht Dürer, discípulo de Michael<br />

Wolge Mut, seu maior e mais talentoso representante.<br />

Dürer soube conciliar com maestria mediante viagens de estudo, estilo<br />

flamengo, italiano e alemão transmitindo às suas obras: a luminosidade, a harmonia<br />

geométrica e a singularidade do gótico, respectivamente características destes três<br />

estilos. Na escultura, o estilo suave, ao gosto burguês encontrou em Adam Kraft, Peter<br />

Vicher e Riemenshneiler seus maiores vultos.<br />

Na Espanha, a unificação do Estado deu-se em fins do século XV com a união<br />

matrimonial dos reis católicos Isabel de Castela e Fernando de Aragão, reunindo assim,<br />

forças suficientes para a expulsão definitiva do último reduto de mouros na Península<br />

Ibérica. Em 1492, a Espanha vibra com a notícia do descobrimento do novo mundo.<br />

Segundo Sevcenko, estes dois eventos contribuíram favoravelmente para a<br />

propagação do renascimento em terras espanholas que no contexto histórico de fins do<br />

século XV e início do século XVI já possuía poder político centralizado, uma burguesia<br />

militar poderosa assim como a portuguesa financiadora das expedições marítimas<br />

expansionistas. O estilo artístico em voga era o mudéjar constituído pela fusão do gótico<br />

com a arquitetura e a azulejaria mourisca.<br />

11


De acordo com Sevcenko 3 “O predomínio de uma aristocracia guerreira e<br />

militante fervorosa em favor da expansão do Cristianismo; a ascensão de uma<br />

monarquia centralizada, forte e voltada para a ampliação permanente de seus<br />

domínios...”<br />

Nestes princípios de fidelidade monárquica e religiosa, constituiu-se a sociedade<br />

Espanhola, onde o renascimento perdurou muito pouco, sendo suplantado pela<br />

intolerância da contra-reforma tão solidificada na Espanha católica do século XVI,<br />

abrindo campo para o maneirismo que antecedeu o século de Ouro barroco no<br />

setecentos. O estilo renascentista se imporia ao mudéjar com a presença de artistas,<br />

flamengos e italianos ou do trabalho de artesãos espanhóis, enviados a estes dois<br />

grandes centros de irradiação de renascimento para inteirar-se do estilo em voga.<br />

A temática sacra é uma constante nos trabalhos plásticos reflexo da exaltação do<br />

catolicismo que tem na literatura mística, o fervor inconfundível de Inácio de Loyola,<br />

fundador da Companhia de Jesus, autor de Exercícios Espirituais, Teresa de Ávila,<br />

reformadora da “Ordem Carmelita, Espanhola feminina”, autora de Castelo Interior e O<br />

Caminho da Perfeição, e Obras Espirituais, atribuídas a seu coetâneo e entusiasta na<br />

Reforma do Carmelo masculino, João da Cruz.<br />

“Essas obras devocionais, mas revestidas de extraordinária densidade poética se<br />

somariam à parte mais significativa da cultura do Renascimento espanhol, representada<br />

pela literatura de Herrera e Cervantes e pelo teatro de Garcilaso de La Vega e Lope de<br />

Vega [...]” (SEVCENKO, 1985. p. 70).<br />

Assim como Espanha, Portugal encontrava-se eufórica com o bom êxito da<br />

expansão marítima, também patrocinada pela burguesia que, a partir do século XV,<br />

rompeu o monopólio naval italiano, detentor da única rota para a Ásia, oferecendo com<br />

as expedições navais a rota atlântica contornando a costa da África. O controle do<br />

comércio de especiarias e a expansão territorial, fez dos portugueses no século XVI<br />

detentores da mais prospera economia européia.<br />

Surge na arquitetura e na decoração de edifícios militares, palacianos e<br />

religiosos, o estilo manuelino, que mesclava elementos mouricos do mudéjar com<br />

elementos góticos. O estilo manuelino é caracterizado pela abundância de ornamentos,<br />

muitos dos quais alusivos aos cordames das caravelas que se lançavam na aventura dos<br />

descobrimentos.<br />

3 SEVCENKO, 1985. p. 69.<br />

12


Francisco Sá de Miranda é o responsável de implantar o renascimento, sobretudo<br />

na produção literária, em terras lusitanas após algum tempo em contato com o stil nuovo<br />

italiano. Sevcenko (1985. p. 71) descreve: “produzindo obras e textos de todas as<br />

formas e compostas em todos os metros: poesias, elegias, sátiras, epístolas, éclogas etc<br />

[...]” (SEVCENKO, 1985. p. 71).<br />

As ligações com o teatro espanhol e a cultura medieval, são as características<br />

básicas da obra de Gil Vicente em muito influenciado por Juan de Encina. Nas artes<br />

plásticas, destaca-se a obra Políptico de São Vicente onde é perceptível o cromatismo de<br />

Jan Van-Eyck, embora tenha sido executado pelo português Nuno Gonçalves, nela<br />

pôde-se observar:<br />

IV- Maneirismo: renascimento reinventado<br />

[...] todo o viço da sociedade moderna e aburguesada do Portugal da Dinastia<br />

de Avis e transpira todo o sentimento de euforia e glória nacionais produzido<br />

pelas afortunadas navegações. O Políptico de São Vicente pode assim ser<br />

compreendido como a versão da epopéia camoniana (SEVCENKO, 1985.<br />

p.72).<br />

A Arte Renascentista, sofrera intervenções que lhe conferiram características<br />

próprias, associadas ainda à sua relação com as transformações culturais e econômicas<br />

de cada país ou região européia, havendo, portanto uma releitura a partir do século XVI<br />

que propunha, segundo Hauser (1954. p. 473) “[...] romper com a regularidade e<br />

harmonia excessiva simplista da arte clássica, substituindo a sua normatividade<br />

superpessoal por características mais subjetivas e mais sugestivas.”<br />

Esta releitura estilística do conceito clássico aplicado às artes culminou no<br />

maneirismo, cujo conceito não pode ser tomado de modo simplório, pois implica em<br />

ambigüidades terminológicas amplamente discutidas.<br />

O têrmo maneira tem um significado inteiramente positivo em Borghini, que<br />

chega a lamentar a falta desta qualidade em certos artistas, e assim antecipa a<br />

distinção moderna entre o estilo e a falta de estilo. Os clássicos do século<br />

XVII – Bellori e Malvasia – são os primeiros a relacionarem com o conceito<br />

maneira a idéia de um estilo de arte afetado e trivial, redutível a séries de<br />

fórmulas, são os primeiros a revelar a consciência da lacuna que o<br />

maneirismo introduz na evolução da arte, e os primeiros a notar a oposição<br />

perante o verdadeiro classicismo, que se faz sentir na arte, depois de 1520<br />

(HAUSER, 1954. p. 472).<br />

13


As opiniões acerca das intervenções plásticas são variadas, mostra da dualidade<br />

presente no ser humano que ora penetra a fundo na mística em busca de um novo<br />

sentido para a vida religiosa, ora busca a racionalidade que altera a realidade habitual. O<br />

maneirismo seria o novo estilo artístico intermediário entre a rigidez metódica da<br />

Renascença e a profusão estilística barroca, mais do que isso seria a ousadia do artista<br />

em romper com a excessiva matematização do espaço e do ideário filosófico ao qual a<br />

arte se prestava, para, imprimir em sua obra rejeição ao classicismo exacerbado.<br />

Tintoreto e El Greco ilustravam bem através de seus trabalhos “[...] o maneirismo, como<br />

expressão do entusiasmo entre as tendências espirituais e sensualistas da época [...]”<br />

(HAUSER, 1954. p.478).<br />

Maneirismo, contudo não se detém apenas a uma terminologia artística, mas<br />

denota significativamente os conflitos políticos, religiosos e culturais que abalavam as<br />

estruturas sociais da Europa do século XVI. A invasão da Itália por tropas francesas e<br />

espanholas demonstram a rápida ascensão destes dois impérios fortalecidos<br />

internamente pela conclusão de bem sucedidas guerras e empreendimentos marítimos<br />

expansionistas que lhes proporcionavam respeito e credibilidade ante as outras nações<br />

que segundo complexo jogo de interesses, estreitavam relações diplomáticas como se<br />

nota na união entre Alemanha, Países Baixos e Espanha, dando origem a uma aliança<br />

forte o suficiente para encabeçarem empreitadas expansionistas continentais na região<br />

sede do papado, dos mecenas e berço das artes renascentistas.<br />

O auge do poderio Espanhol evidencia-se na invasão e saque à cidade de Roma,<br />

quando Carlos V “[...] já não sentia vontade de se submeter às intrigas do Papa.”<br />

(HAUSER, 1954. p. 484), e como forma de subjugá-lo, expoliou todo o tesouro milenar<br />

presente em mosteiros e basílicas, deixando o Pontífice impotente ante a orda<br />

mercenária que saqueou a cidade Eterna.<br />

Nápoles, Milão e Florença constituíam redutos de possessão francesa até serem<br />

expulsos pelas tropas Hispano-germânicas que a partir de então, redefinem o controle<br />

político italiano onde: “Um vice-rei espanhol reside em Nápoles e um governador<br />

espanhol em Milão, em Florença, os espanhóis governavam através de Médicis, em<br />

Ferrara através de Este, e em Mântua através de Gonzaga” (HAUSER, 1954. p. 484).<br />

Contígua a agitação política, desencadeou-se na região germânica da Saxônia a<br />

Reforma Protestante, fruto da insatisfação popular ante a degeneração moral do clero e<br />

o abuso de poder exercido pelo papado que legitimava suas ações pautadas na<br />

interpretação errônea da doutrina cristã. Este cisma do ocidente católico, fruto de um<br />

14


longo processo de críticas sufocadas pelo inquestionável magistério da igreja, abalou as<br />

estruturas sociais do Continente dividido a partir de então, entre fiéis e hereges.<br />

A adesão em massa aos ideais reformistas propostas pelo monge agostiniano<br />

Martinho Lutero, em muito se deram pelo discurso político que estabelecia de forma<br />

prática, ligação entre religião e cotidiano com ênfase na doutrina cristocêntrica,<br />

colocando em segundo plano todo o ritualismo prolixo e trazendo ao conhecimento das<br />

camadas mais simples, uma religião que se faz entender de forma clara e objetiva, para<br />

tal empreendimento, a impressa divulgou amplamente os ideais da reforma que em<br />

outras regiões da Europa encontraram adeptos e protetores que as reinterpretaram de<br />

diferentes modos.<br />

A resposta da Igreja Católica ao movimento separatista não foi, contudo<br />

imediato. Somente em 1542, sob o Pontificado de Paulo III, a Inquisição faz sentir o<br />

peso de seu ofício de regenerar hereges e punir intransigentes. A difusão da cultura<br />

literária obriga os órgãos eclesiásticos a intensificar a censura a todo e qualquer gênero<br />

de publicação. O embate deste período histórico tange à mentalidade religiosa de<br />

pertença ou revogação a determinada doutrina. Esta ambigüidade será cabal na<br />

consolidação de alianças político/militares que os reinos europeus irão assumir a partir<br />

se então, fortalecendo ainda mais as relações entre Estado e Igreja.<br />

O Concílio de Trento, de certo modo acatou as críticas protestantes, mas<br />

enfatizou sobre maneira a linha tênue que separava ortodoxia de heresia, difundido<br />

ainda mais a intolerância religiosa. Contudo, foi a concepção de arte que ganhou novo e<br />

inusitado impulso.<br />

Já não havia que ter mêdo de más interpretações da ortodoxia, a ordem do dia<br />

era agora dar mais brilho à soturnidade do Catolicismo militante, fazer apêlo<br />

aos sentidos, na propagação da fé, tornar as formas do serviço divino mais<br />

agradáveis, e fazer com que a Igreja fôsse o centro resplandecente e atrativo<br />

de tôda a comunidade. E foi a estas tarefas que o barroco se mostrou, de<br />

início, capaz de prestar justiça, [...] (HAUSER, 1954. p. 500)<br />

O esfacelamento da unidade da cristandade contribuiu para que a Igreja,<br />

enquanto instituição de grande influência no mundo ocidental atentasse para conflitos<br />

morais até então ignorados e assim, elegesse estratégias para ao mesmo tempo renovar-<br />

se e impor-se ante a onda de sucessivas contestações; contudo o instrumento mais<br />

apropriado seria o mesmo utilizado pela burguesia para impor-se socialmente a Arte<br />

com sua linguagem ao mesmo tempo subjetiva e universal em oposição à visão<br />

15


iconoclasta nascente com o protestantismo de Calvino 4 a igreja apropria-se deste<br />

recurso visual para comunicar aos fiéis de maneira intensa e profusa, sua doutrina e sua<br />

crença.<br />

Estrategicamente, o realismo sentimental do barroco será apropriado pela<br />

nobreza, a fim de constituir-se absoluta e inquestionável, em consonância com o<br />

catolicismo que encontrará nas cortes européias, sobre tudo nas ibéricas de longa<br />

tradição militante/religiosos aliados fervorosos na empreitada de combater os desvios<br />

doutrinários e, na altura dos acontecimentos, expandir a fé verdadeira em seus domínios<br />

e possessões e junto a esta a linguagem da arte que sustenta o esplendor do culto e<br />

afirma a veracidade do dogma.<br />

Certifica-se a importância e necessidade da arte como grande instrumento e<br />

ferramenta pela qual os indivíduos são atraídos e moldados segundo os preceitos da<br />

religião e do Estado que fundem-se na consolidação do Absolutismo, amparado e<br />

justificado teológica e filosoficamente pela doutrina do direito divino que legitimava<br />

incontestavelmente a função do monarca de arbitrar sob seus súditos.<br />

A realidade social, a que se liga direta e coerentemente a realidade política<br />

aparece-nos como a responsável pela definição de uma determinado espírito e<br />

de uma certa forma de expressão estética: a conjunção entre ambas feita<br />

sobretudo graças às forças políticas, levar-nos-á diretamente à caracterização<br />

de um complexo de manifestações artísticas a cujos traços gerais nos<br />

referimos por meio do termo “barroco” (MACHA<strong>DO</strong>, 1969. p. 119).<br />

Ora, se o maneirismo apresenta-nos como a degeneração classicista e o embate<br />

entre religiosidade e sensualismo, o barroco apresenta-se, de acordo com Hauser<br />

(1954:478), “como solução temporária do conflito, baseado no sentimento espontâneo.”<br />

V- Pluralidade do barroco<br />

O barroco instala-se como estilo artístico no contexto de início da Idade<br />

Moderna, testemunhando a expansão marítima mercantilista vinculada à expansão<br />

científica espacial, e aos embates religiosos, ferrenhos travados entre reformistas e<br />

contra-reformistas. No que diz respeito à empreitada naval, cabe o mérito do fato a<br />

4 Conforme chama a atenção o autor (HAUSER, 1954.p. 504)<br />

16


Portugal e Espanha, países de forte tradição monárquica que respectivamente<br />

amparados pela burguesia, lançaram caravelas ao mar, expandindo a territorialidade<br />

européia, a qual se achavam confinadas a séculos, comprovando empiricamente as<br />

teorias copernicanas a cerca da esfericidade da Terra através da descoberta de outros<br />

continentes.<br />

Ao Cisma da Cristandade Ocidental, o barroco apresenta-se como resposta à<br />

urgência de uma reação das monarquias católicas ante a rápida propagação dos ideais<br />

protestantes, que ameaçavam ruir a supremacia política e espiritual de Roma e das<br />

cortes absolutistas por ela dirigidas. A magnificência, monumentalismo e exuberância<br />

do novo gosto ornamental, exerceriam dupla função de reafirmar o poder temporal da<br />

Igreja e advertir sobre o risco da contaminação provinda do liberalismo filosófico<br />

renascentista.<br />

Confrontando-se com a arte renascentista, o barroco substitui a linearidade, a<br />

rigidez matemática de distribuição dos elementos no plano por uma liberdade criativa<br />

ímpar, onde os jogos de luz e sombra que conferiram profundidade aos contornos<br />

classicistas assumem um exagero soberbo, tal que, além do realismo implicam em uma<br />

profusão de cores, formas e volumes na composição de um conjunto exageradamente<br />

movimentado e transcendente. Trata-se de uma arte de cunho devocional, voltada para a<br />

fácil compreensão do povo e ao mesmo tempo portadora do requinte palaciano.<br />

O naturalismo, técnica que sugere a união da policromia em concordância com<br />

a escultura, conferiu a imaginária sacra barroca um sentimentalismo e uma veracidade<br />

comoventes, artifício este mais que ideal quando unido a teatralidade do culto católico<br />

na arte de convencer pelo discurso teológico em consonância com a época ganha tons<br />

poéticos.<br />

Na arquitetura, a construção de prédios civis e militares obedece a parâmetros<br />

sólidos e imponentes e em alguns casos apresentando fachadas abauladas em<br />

substituição a planta baixa de princípios retangulares, nos edifícios religiosos “[...] a<br />

grande cúpula domina toda a igreja, é a expressão da submissão do material e terrestre<br />

ao imaterial, absoluto, divino” (MACHA<strong>DO</strong>, 1969. p. 90). O barroco rompe o<br />

racionalismo matemático renascentista, sobrepuja a subjetividade maneirista e afirma-se<br />

como estilo artístico, arquitetônico, escultórico e pictórico refletindo, outrossim, toda a<br />

carga sócio-histórica do homem, cabendo ponderar que embora:<br />

Os primeiros estudiosos do barroco limitavam sua atenção à criação plástica,<br />

a um fenômeno formal que eles distinguiam senão como categoria própria<br />

17


das artes visuais: arquitetura, da pintura, da escultura. Essa posição evoluiria,<br />

no entanto, para uma visão global do mesmo fenômeno, que outros<br />

estudiosos passariam a identificar também na literatura, no teatro, na música<br />

e mesmo em toda a vida social do período, tornando possível falar-se do<br />

caráter de uma idade barroca, de uma concepção barroca do mundo, de uma<br />

ideologia religiosa do barroco” (ÁVILA, 1980. p. 6).<br />

Seria por demais simplista analisar o barroco como fenômeno plástico tão<br />

somente em vista a abrangência e interação com o meio social cultural a que se<br />

expandiu encontrando nas mais variadas manifestações frutuoso campo de atuação.<br />

Contudo, o ornamento barroco por sua vez não deve ser colocado em segundo plano,<br />

visto ser ele a exteriorização concreta do pensamento do período onde se almejava<br />

galgar a glória, mas também temia-se a possibilidade não obstante da aniquilação nos<br />

suplícios da danação eterna.<br />

O conflito de valores por seu turno possibilitou à História da Arte e aos que a<br />

seu estudo se dedicam a análise de uma produção material indescritivelmente invejável,<br />

posto a amplitude de possibilidades e rumos que a pesquisa possa tomar,<br />

compreendendo-se a partir de vários vértices, o estudo da sociedade européia, na qual se<br />

desenvolveu o barroco que “[...] recusava-se a conter-se nos limites de uma teoria”<br />

(MACHA<strong>DO</strong>, 1969. p. 75).<br />

Tão pouco a um conceito que lhe definisse apenas como concepção plástica<br />

ampliando sua atuação em várias áreas do conhecimento e representando a mentalidade<br />

histórica de um período que superou o Renascimento. Lourival Gomes Machado nesta<br />

mesma linha de raciocínio, analisando o pensamento do Dr. Arnold Hauser ressalta e<br />

levamos a compreensão de que o barroco trata-se de:<br />

“[...] um fenômeno artístico tão amplo que, identificando-se e ao mesmo<br />

tempo traduzindo o espírito de uma época, foi capaz de atender às<br />

solicitações de diferentes grupos locais, estruturas econômicas, formulações<br />

jurídico-políticas e até ideologias éticas e religiosas (MACHA<strong>DO</strong>, 1969. p.<br />

59)<br />

Ambos os autores são uníssonos na afirmação de que o barroco mais que<br />

conceito artístico acadêmico, corresponde a uma época, a um período da história da<br />

Europa que em determinado momento expande esta territorialidade para implantar-se na<br />

América Ibérica com o processo colonizador. Sua ocorrência compreende os séculos<br />

XVII e XVIII, abarcando toda uma vasta produção cultural estendendo-se a elaboração<br />

de códigos comportamentais, impondo uma aristocratização da sociedade com o<br />

18


advento do regime absolutista que distinguiu drasticamente os indivíduos segundo o<br />

conceito de classes sociais.<br />

A nobreza conserva os ideais medievais da cavalaria: fidelidade, heroísmo e<br />

honradez, porém lapidadas pela delicadeza e requinte dos modos, conferindo à nobreza<br />

absolutista características aristocráticas 5 deixando de lado a rudeza militar em<br />

substituição a função burocrática, a qual o Estado moderno se adere. Dá-se início a era<br />

da fidalguia em tudo dependendo das benesses reais, que por sua vez, conseguia manter<br />

seu extravagante estilo de vida através da arrecadação tributária, que culminará com a<br />

derrubada do Antigo Regime liderada pela burguesia e sustentada pelas camadas sociais<br />

mais simples no final do século XVIII.<br />

Considerações Finais<br />

A arte desenvolvida e partilhada pelas cortes católicas, portanto são de caráter<br />

doutrinário contra-reformista, palaciano monárquico e cortesão ao passo que o barroco<br />

que se desenvolveu nos países protestantes, assumem feições burguesas mercantilistas,<br />

e politicamente devido a crença de que “[...] todos homens são filhos de Deus, era<br />

essencialmente hostil à autoridade” (HAUSER, 1954. p. 600), e simpáticos aos ideais<br />

republicanos, salvo várias exceções.<br />

O barroco protestante se deterá à pintura e a representação “[..] que tenta não só<br />

tornar visíveis as coisas espirituais, mas também dar às coisas visíveis um ar de<br />

espiritualidade” (HAUSER, 1954. p. 606), onde a burguesia é retratada freqüentemente<br />

com seus trajes austeros, bem como cenas do cotidiano com um realismo<br />

impressionante, sobretudo no domínio da técnica, da incisão da luz sobre os objetos.<br />

O barroco protestante é acima de tudo uma arte da classe média e da burguesia,<br />

alheia a pompa dos palácios e avessa à exaltação exacerbada da mística e da religião,<br />

detém-se a representação de cenas que revelam sensibilidade e pertença ao visível e ao<br />

real. Na Holanda, protestante de Vermeer e Rembrandt a arte desenvolveu-se não por<br />

imposição da Igreja, nem pelo poder régio e nem pela corte como era comum nos países<br />

5 Hauser atenta para a transferência do centro da cultura e da política de Roma, Itália para a França que:<br />

“[...] torna-se agora o poder orientador na Europa, politicamente falando, e toma a chefia em todos os<br />

assuntos de cultura e gôsto.” e é justamente na França absolutista que a nobreza se consolida como<br />

instituição “[...] de uma brilhante representação teatral.” (HAUSER, 1954. p. 574-576)<br />

19


católicos, mas pelo corporativismo presente na burguesia mercantilista e na classe<br />

média em ascensão.<br />

REFERÊNCIAS<br />

ÁVILA, Affonso; GONTIJO, João Marcos Machado; MACHA<strong>DO</strong>, Reinaldo Guedes.<br />

Barroco Mineiro – Glossário de Arquitetura e Ornamentação. Belo Horizonte:<br />

Fundação João Pinheiro, 1980.<br />

HAUSER, Arnold. História Social da Literatura e da Arte. São Paulo: Mestre Jou,<br />

1954.<br />

MACHA<strong>DO</strong>, Lourival Gomes. Barroco Mineiro. São Paulo: Perspectiva, 1969.<br />

SEVCENKO, Nicolau. O Renascimento: os humanistas, uma nova visão de mundo:<br />

a criação das línguas nacionais: a cultura renascentista na Itália. São Paulo: Atual,<br />

1985.<br />

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