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Tradução de literatura infanto-juvenil contemporânea no Brasil - pucrs

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Resumo:<br />

<strong>Tradução</strong> <strong>de</strong> <strong>literatura</strong> <strong>infanto</strong>-<strong>juvenil</strong> <strong>contemporânea</strong> <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong><br />

Thaís Helena Affonso Verdolini (doutora em Letras/UPM)<br />

No processo <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> tradutores, observa-se que pouco se fala sobre a tradução para <strong>literatura</strong> <strong>infanto</strong><strong>juvenil</strong>.<br />

No <strong>Brasil</strong>, há pouca informação sobre o mercado editorial <strong>de</strong> obras <strong>de</strong>sse gênero traduzidas para o<br />

português brasileiro. Percebe-se, também, certo <strong>de</strong>scaso com a qualida<strong>de</strong> <strong>no</strong> mercado tradutório <strong>de</strong> livros<br />

<strong>infanto</strong>-juvenis contemporâneos. Voltando-se para essas <strong>de</strong>ficiências, a pesquisa preten<strong>de</strong> apontar algumas<br />

aparentes tendências <strong>de</strong>ntro da tradução <strong>de</strong> <strong>literatura</strong> <strong>infanto</strong>-<strong>juvenil</strong> para o português do <strong>Brasil</strong>. Por meio <strong>de</strong> um<br />

estudo como amostra – o corpus é uma obra <strong>contemporânea</strong>, a série <strong>de</strong> livros The Adventures of Captain<br />

Un<strong>de</strong>rpants (1997) <strong>de</strong> Dav Pilkey (<strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, As aventuras do Capitão Cueca, 2001) –, busca compreen<strong>de</strong>r os<br />

procedimentos tradutórios e suas falhas <strong>no</strong> árduo ofício <strong>de</strong> se verter para crianças e jovens. O embasamento<br />

teórico parte <strong>de</strong> fundamentos da Tradutologia e <strong>de</strong> pesquisa sobre o mercado <strong>de</strong> tradução <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>.<br />

Palavras-Chave: <strong>Tradução</strong>; <strong>literatura</strong> <strong>infanto</strong>-<strong>juvenil</strong>; mercado editorial.<br />

1 Estudos <strong>de</strong> tradução e <strong>literatura</strong> <strong>infanto</strong>-<strong>juvenil</strong><br />

A problemática da tradução é tão antiga quanto a diversida<strong>de</strong> das línguas, e sua origem<br />

se per<strong>de</strong> <strong>no</strong>s tempos, chegando-se até ao mito da Torre <strong>de</strong> Babel. Como a punição da história<br />

bíblica, o problema da tradução continua a ser proposto e revisto, sem ainda ser<br />

completamente resolvido. A ciência da tradução, também chamada <strong>de</strong> Tradutologia ou<br />

Estudos da <strong>Tradução</strong>, é uma das mais jovens ciências legitimadas e com crescente<br />

respeitabilida<strong>de</strong> <strong>no</strong> meio social.<br />

Nas últimas cinco décadas, muito se discorreu sobre tradução, e diferentes abordagens<br />

foram surgindo acerca <strong>de</strong> seu significado, seus objetivos, sua postura, sua relação com outras<br />

ciências e seu futuro, aumentando o instrumental teórico para se refletir sobre a mesma. O que<br />

parece nunca ter ficado à margem <strong>de</strong>sses <strong>de</strong>bates é a necessida<strong>de</strong> proeminente e indiscutível<br />

da tradução. Desse modo, naturalmente, a tradução suscita interesse neste <strong>no</strong>sso mundo em<br />

rápida transformação.<br />

Graças à tradução, po<strong>de</strong>mos trocar informações e conhecimentos em todos os campos<br />

do saber. A tradução existe como uma das possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r o mundo<br />

circundante, o universo cultural e as diferentes políticas, além <strong>de</strong> a globalização ter<br />

<strong>de</strong>monstrado que as culturas precisam umas das outras para o seu <strong>de</strong>senvolvimento político,<br />

econômico e social, conforme comenta Bell (1993):<br />

From a practical point of view, we recognize that in a rapidly changing world in<br />

which k<strong>no</strong>wledge is expanding at an unprece<strong>de</strong>nted rate, information transfer is<br />

coming to <strong>de</strong>pend more and more on efficient and effective translation. 1 (BELL,<br />

1993:s/p).<br />

1 “De um ponto <strong>de</strong> vista prático, reconhecemos que em um mundo em rápida transformação <strong>no</strong> qual o<br />

conhecimento se expan<strong>de</strong> a um ritmo sem prece<strong>de</strong>ntes, a transferência <strong>de</strong> informações irá <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r cada vez<br />

mais <strong>de</strong> traduções eficientes e efetivas.”<br />

1


Nesse contexto em que a tradução é ativida<strong>de</strong> essencial e <strong>no</strong> qual os estudos tradutórios<br />

se voltam para os mais variados setores do conhecimento – como as dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> se<br />

traduzir um poema, os aspectos psicanalíticos da tradução e a visibilida<strong>de</strong> do tradutor, entre<br />

outros – um campo ainda a explorar é o que <strong>de</strong>screve e analisa a tradução <strong>de</strong> obras para os<br />

públicos infantil e <strong>juvenil</strong>. Não há registros <strong>de</strong> pesquisa sobre esse tema específico <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>.<br />

Não obstante em outros países existam alguns estudos, também não o são muitos, como<br />

aponta Lathey (2006:5): “raramente se encontram estudos interessantes sobre o assunto. A<br />

tradução <strong>de</strong> <strong>literatura</strong> infantil <strong>de</strong>ntro dos Estudos <strong>de</strong> <strong>Tradução</strong> permanece ig<strong>no</strong>rada por<br />

teorizadores, editores e instituições acadêmicas”. Lathey (2010) <strong>de</strong>staca ainda que, apesar da<br />

tradução <strong>de</strong> <strong>literatura</strong> infantil para a língua inglesa datar do período medieval e do atual<br />

crescente interesse em <strong>literatura</strong> infantil traduzida, não há uma história extensiva sobre esse<br />

significativo aspecto da <strong>literatura</strong>. A autora cita como únicas fontes um breve verbete <strong>no</strong><br />

Oxford Gui<strong>de</strong> to Literature in English Translation e pouco mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z páginas na obra The<br />

Oxford History of Literary Translation in English. Lathey (2010) aponta o sueco Göte<br />

Klingberg como o pioneiro <strong>no</strong>s estudos acadêmicos sobre os processos linguísticos,<br />

i<strong>de</strong>ológicos e econômicos da tradução do gênero <strong>infanto</strong>-<strong>juvenil</strong>.<br />

Não bastasse não se pesquisar sobre os métodos e procedimentos tradutórios <strong>de</strong>sse<br />

gênero, estudos sobre o mercado das publicações <strong>contemporânea</strong>s <strong>de</strong>sse filão são escassos <strong>no</strong><br />

<strong>Brasil</strong>. Primeiramente, gran<strong>de</strong> parte das pesquisas acerca da <strong>literatura</strong> infantil em geral<br />

encerra-se <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s 80 2 ; <strong>de</strong>pois, a maioria trata do gênero por épocas, mencionando o que<br />

havia <strong>de</strong> mais significativo nas mesmas, mas se ocupa muito pouco do processo tradutório das<br />

obras que aqui chegavam. Por fim, muitos <strong>de</strong>sses estudos buscam retratar mais<br />

profundamente a formação da <strong>literatura</strong> nacional, dando pouca ou nenhuma ênfase ao<br />

mercado <strong>de</strong> livros traduzidos, como lembram, por exemplo, Lajolo e Zilberman (2007:12) em<br />

sua obra sobre <strong>literatura</strong> infantil: “<strong>de</strong>ixamos <strong>de</strong> levar em conta os textos traduzidos que,<br />

majoritários na década <strong>de</strong> 70, são absolutamente fundamentais para a história da leitura<br />

infantil brasileira”.<br />

Assim, esta investigação busca apontar algumas aparentes tendências <strong>de</strong>ntro da tradução<br />

<strong>de</strong> <strong>literatura</strong> <strong>infanto</strong>-<strong>juvenil</strong> para o português do <strong>Brasil</strong>. A pesquisa acaba por levar,<br />

infelizmente, a exemplos que mostram o <strong>de</strong>scaso do ofício quando se trata <strong>de</strong> uma <strong>literatura</strong><br />

2 Nelly Novaes Coelho publicou, em 2010, uma edição atualizada <strong>de</strong> sua obra Pa<strong>no</strong>rama Histórico da Literatura<br />

Infantil/Juvenil; porém não aborda a <strong>literatura</strong> <strong>contemporânea</strong> traduzida; enfocando somente a produção<br />

nacional. Outra obra mais atual que encontramos é da pesquisadora Glória Pimentel <strong>de</strong> Souza, A <strong>literatura</strong><br />

<strong>infanto</strong><strong>juvenil</strong> brasileira vai muito bem, obrigada!, publicada em 2006, que traz algumas informações dos a<strong>no</strong>s<br />

90, mas que também não trata das obras traduzidas.<br />

2


ainda hoje consi<strong>de</strong>rada “me<strong>no</strong>r”. Como corpus para <strong>de</strong>monstração, foi escolhida uma obra<br />

<strong>contemporânea</strong>, The Adventures of Captain Un<strong>de</strong>rpants (1997) <strong>de</strong> Dav Pilkey (<strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, As<br />

aventuras do Capitão Cueca, 2001), a qual se utiliza <strong>de</strong> um linguajar informal, com traços <strong>de</strong><br />

oralida<strong>de</strong>, e que contém o dinamismo das histórias em quadrinhos em sua narrativa –<br />

elementos constitutivos que <strong>de</strong>safiam a tradução. Busca-se compreen<strong>de</strong>r, por meio <strong>de</strong>ste<br />

estudo particular, como se organiza o mercado editorial <strong>de</strong> obras <strong>infanto</strong>-juvenis traduzidas <strong>no</strong><br />

<strong>Brasil</strong> e como se dão alguns procedimentos tradutórios <strong>de</strong>ntro do gênero.<br />

2 Mercado Editorial e <strong>Tradução</strong> <strong>de</strong> Infanto-Juvenis<br />

A <strong>literatura</strong>, como elemento integrante da produção cultural, vislumbrou muitas<br />

mudanças, não só em sua essência, dada a urgência da disseminação <strong>de</strong> <strong>no</strong>vas i<strong>de</strong>ias e<br />

informações para aten<strong>de</strong>r <strong>no</strong>vos interesses, mas também, e principalmente, em sua forma <strong>de</strong><br />

lidar com a tradução, a editoração e a distribuição. A pressa do mundo contemporâneo chegou<br />

aos livros. Cada vez mais é preciso lançar <strong>no</strong>vos títulos e fazer com que obras <strong>de</strong> boa<br />

vendagem <strong>no</strong> exterior cheguem rapidamente à <strong>no</strong>ssa língua.<br />

A <strong>literatura</strong> infantil, também importante parte da produção cultural, encontra-se, hoje,<br />

em uma situação <strong>de</strong>safiadora frente aos múltiplos e variados meios com os quais divi<strong>de</strong><br />

espaço. A própria configuração da infância parece estar alterada, <strong>de</strong>vido às modificações <strong>no</strong><br />

estilo <strong>de</strong> vida e nas relações humanas do contexto atual em que vivemos.<br />

A produção literária <strong>infanto</strong>-<strong>juvenil</strong> <strong>de</strong>ve ser sempre re<strong>no</strong>vada, visto que o conceito <strong>de</strong><br />

infância, e mesmo <strong>de</strong> juventu<strong>de</strong>, muda frequentemente. A leitura <strong>de</strong>ve ser estimulada como<br />

um hábito prazeroso, po<strong>de</strong>ndo começar com textos mais simples e próximos da realida<strong>de</strong>,<br />

pois isso po<strong>de</strong> contribuir para a a<strong>de</strong>são <strong>de</strong> seus leitores ao mundo das letras dos adultos.<br />

Chartier (1998) comenta, a respeito do discurso segundo o qual os jovens estão se afastando<br />

da leitura, que essa afirmação po<strong>de</strong> ser verda<strong>de</strong>ira se consi<strong>de</strong>rarmos como leitura somente os<br />

câ<strong>no</strong>nes escolares. No entanto, se examinarmos outras situações <strong>de</strong> leitura, perceberemos que<br />

os jovens hoje leem até mais. Para o autor, a escola precisa mudar sua visão em relação a esse<br />

outro tipo <strong>de</strong> leitura para melhor conduzir os peque<strong>no</strong>s:<br />

É preciso utilizar aquilo que a <strong>no</strong>rma escolar rejeita como suporte para dar acesso à<br />

leitura na sua plenitu<strong>de</strong>, isto é, ao encontro <strong>de</strong> textos <strong>de</strong>nsos e mais capazes <strong>de</strong><br />

transformar a visão do mundo, as maneiras <strong>de</strong> sentir e <strong>de</strong> pensar. (CHARTIER,<br />

1998:104).<br />

A globalização e a rapi<strong>de</strong>z da informação exigem uma <strong>literatura</strong> cada vez mais dinâmica<br />

e ágil. Crianças e jovens têm acesso a tudo, o tempo todo. A divulgação veloz dos produtos e<br />

3


sua aparição na mídia exigem do mercado traduções ligeiras para a vantajosa produção se<br />

esten<strong>de</strong>r a outros países.<br />

Enquanto arte, a <strong>literatura</strong>, nacional ou traduzida, será sempre indispensável. Destarte,<br />

sua produção, tradução e distribuição merecem todo o cuidado possível.<br />

No mundo <strong>de</strong> hoje, porém, tudo gira em tor<strong>no</strong>, principalmente, <strong>de</strong> interesses financeiros.<br />

Para as editoras, que pagam impostos, necessitam <strong>de</strong> tempo para publicar e têm <strong>de</strong> manter a<br />

qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus livros para preservar leitores, restou a competição com a Internet, on<strong>de</strong><br />

quase tudo é gratuito e instantâneo, on<strong>de</strong> uma miría<strong>de</strong> <strong>de</strong> artigos jornalísticos, ensaios<br />

literários e estudos acadêmicos encontra espaço para publicação a todo momento. Nessa <strong>no</strong>va<br />

conjuntura, muitas vezes sem alternativa, algum elemento acaba por ser <strong>de</strong>ixado <strong>de</strong> lado. Não<br />

é preciso ir muito além para perceber-se que a qualida<strong>de</strong> sofre as consequências.<br />

A tradução não é uma profissão reconhecida <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, e ainda há muito <strong>de</strong>sdém com a<br />

tarefa, que é em geral mal paga e pressionada com prazos curtíssimos. Alguns lutam para<br />

trabalhar na área e conseguir um bom mercado <strong>de</strong> trabalho, outros têm um segundo emprego<br />

para sustentar-se e fazem da tradução um “extra”, não sendo, muitas vezes, nem profissionais<br />

formados.<br />

Talvez seja esse um dos fatores que façam, muitas vezes, com que a qualida<strong>de</strong> da<br />

tradução fique comprometida, principalmente <strong>no</strong>s casos em que a obra a ser trabalhada<br />

contém elementos árduos, que constituem dificulda<strong>de</strong>s tradutórias, como gírias, jargões,<br />

expressões idiomáticas, dialetos etc.<br />

Milton (2002) ressalta a falta <strong>de</strong> motivação dos tradutores brasileiros para buscar a<br />

qualida<strong>de</strong> em obras mais árduas e i<strong>no</strong>vações para aquelas que contêm algum elemento<br />

linguístico especial:<br />

Apenas raramente, e quase nunca <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, os tradutores recebem mais por um trabalho<br />

mais “difícil”. Se um tradutor recebe entre R$8 e R$10 por página, ele não tem tempo <strong>de</strong><br />

preocupar-se com precisão estilística, ou <strong>de</strong> buscar o melhor dialeto, equivalente ou<br />

analógico, para representar o dialeto estrangeiro que está traduzindo. (MILTON, 2002:5).<br />

O processo <strong>de</strong> tradução <strong>de</strong> obras <strong>infanto</strong>-juvenis, muitas das quais permeadas por gírias,<br />

neologismos e termos recentes do mundo virtual, não foge muito do ciclo capitalista “ganho<br />

mal, ofereço um resultado ruim”. Entretanto, não se po<strong>de</strong> ser arbitrário em afirmar que esse<br />

fator afeta todas as traduções e que tradutores não especializados sempre fazem um trabalho<br />

ineficiente. Encontram-se diversas traduções <strong>de</strong> má-qualida<strong>de</strong> <strong>no</strong>s últimos tempos, mas nem<br />

sempre por culpa do tradutor. Há muitas artimanhas por <strong>de</strong>trás do mercado da tradução e da<br />

vendagem <strong>de</strong> livros que o público <strong>de</strong>sconhece:<br />

Há contratos que impõem ao editor a manutenção <strong>de</strong> <strong>no</strong>mes próprios originais, privando o<br />

leitor infantil brasileiro da compreensão do humor que eles encerram. Ou impõem na área<br />

4


<strong>de</strong> tradução para filmes um in<strong>de</strong>x <strong>de</strong> palavras, um forma velada <strong>de</strong> censura a produtos<br />

culturais ditadas por <strong>no</strong>ções <strong>de</strong> ‘política, religião e moralmente correto’. (WYLER,<br />

2003:15).<br />

Milton (2002) cita a “tradução <strong>de</strong> fábrica”, traduções produzidas à pressa com o<br />

objetivo <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r um mercado <strong>de</strong> massa. Fica claro que as traduções em ritmo industrial não<br />

combinam com o cuidado que a tarefa exige.<br />

Robinson (2002) também aponta que uma das reclamações mais comuns feitas pelos<br />

tradutores é com relação à pontualida<strong>de</strong>, uma vez que frequentemente os clientes têm pressa e<br />

ig<strong>no</strong>ram o tempo consumido <strong>no</strong> trabalho <strong>de</strong> tradução. Por conta disso, portanto, acreditamos<br />

que há pouco espaço para reflexão teórica <strong>no</strong> trabalho cotidia<strong>no</strong> do tradutor profissional.<br />

Traduzir acaba sendo muito mais do que <strong>de</strong>bruçar-se sobre o texto <strong>de</strong> origem para encontrar<br />

equivalentes na língua <strong>de</strong> <strong>de</strong>sti<strong>no</strong>; envolve, principalmente, lidar com clientes, agências, re<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> contato, pesquisas, uso <strong>de</strong> tec<strong>no</strong>logias, além da conscientização dos papéis da tradução na<br />

socieda<strong>de</strong> e da socieda<strong>de</strong> na tradução.<br />

Traduzir para crianças po<strong>de</strong> parecer, nesse mercado, uma fatia lucrativa e <strong>de</strong> fácil trato,<br />

baseando-se na pseudo-simplicida<strong>de</strong> da tarefa <strong>de</strong> verter <strong>literatura</strong> <strong>infanto</strong>-<strong>juvenil</strong>. Para a<br />

gran<strong>de</strong> maioria das editoras, um gênero ingênuo, que po<strong>de</strong> contar com tradutores me<strong>no</strong>s<br />

experientes. Entretanto, é preciso saber muito mais do que dois idiomas para realizá-la.<br />

Lathey (2006) afirma que os tradutores que vertem esse gênero precisam adotar estratégias<br />

que se a<strong>de</strong>quem aos <strong>de</strong>safios das estruturas <strong>contemporânea</strong>s da infância, uma vez que a<br />

mesma é um conceito volátil. A autora também indigita para a questão <strong>de</strong> que além da<br />

didática e da pon<strong>de</strong>ração do que é a<strong>de</strong>quado para as crianças, a tradução para elas requer<br />

outras consi<strong>de</strong>rações:<br />

It is essential for a translator of children’s literature to keep in mind the intrinsic<br />

qualities of successful writing for children and of childhood reading. One of the<br />

most <strong>de</strong>manding, and at the same time inspiring, aspects of translating for children is<br />

the potential for a creativity that characterises the ‘childness’ of children’s texts: the<br />

quality of being a child – dynamic, imaginative, experimental, interactive and<br />

unstable. 3 (LATHEY, 2006:9).<br />

A autora ainda aponta os mol<strong>de</strong>s mais apropriados para a tradução <strong>de</strong> <strong>literatura</strong><br />

infantil, sendo a teoria funcionalista - que, grosso modo, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> uma tradução voltada para o<br />

leitor, sem <strong>de</strong>srespeitar o texto original - bastante pertinente, uma vez que o conhecimento <strong>de</strong><br />

mundo da criança é <strong>no</strong>rmalmente mais limitado do que o do adulto e é preciso fazer<br />

concessões na tradução para que o texto <strong>de</strong> chegada lhes fique inteligível:<br />

3 “É essencial para um tradutor <strong>de</strong> <strong>literatura</strong> infantil ter em mente as qualida<strong>de</strong>s intrínsecas <strong>de</strong> uma obra para<br />

crianças bem sucedida e <strong>de</strong> uma leitura infantil. Um dos aspectos mais exigentes, e ao mesmo tempo<br />

inspiradores, <strong>de</strong> traduzir para crianças é o potencial para uma criativida<strong>de</strong> que caracteriza a ‘infantilida<strong>de</strong>’ do<br />

texto infantil: a natureza <strong>de</strong> ser uma criança – dinâmica, imaginativa, experimental, interativa e instável.”<br />

5


Young rea<strong>de</strong>rs can<strong>no</strong>t be expected to have acquired the breadth of un<strong>de</strong>rstanding of<br />

other cultures, languages and geographies that are taken for granted in an adult<br />

rea<strong>de</strong>rship. Since translators’ foot<strong>no</strong>tes are an unsatisfactory solution to this<br />

problem, ‘domestication’ is a frequently used but contentious tactic in children’s<br />

texts. 4 (LATHEY, 2006:8).<br />

A adaptação, para a autora, baseia-se na pressuposição <strong>de</strong> que as crianças terão<br />

dificulda<strong>de</strong> em compreen<strong>de</strong>r a cultura <strong>de</strong>sconhecida – como <strong>no</strong>mes e localida<strong>de</strong>s estrangeiros,<br />

neologismos e comidas típicas –, o que po<strong>de</strong>ria levar à rejeição da obra traduzida. Contudo,<br />

Lathey (2006) também pontua, com base em outros estudiosos, que essa adaptação <strong>de</strong>ve ser<br />

pon<strong>de</strong>rada, cuidadosa, para afetar o mínimo possível o estilo e a intenção do autor do texto<br />

original e para manter a curiosida<strong>de</strong> das crianças em <strong>no</strong>vos aprendizados:<br />

Göte Klingberg recommends that adaptation should be restricted to <strong>de</strong>tails and the<br />

source text manipulated as little as possible. Award-winning English translator<br />

Anthea Bell [...] argues that a translator has to gauge the precise <strong>de</strong>gree of<br />

foreignness, and how far it is acceptable and can be preserved. There is certainly<br />

good reason to translate names […] but children can and do take <strong>de</strong>light in the sound<br />

and shape of unfamiliar names […] and they will certainly never be intrigued and<br />

attracted by difference if it is kept from them. 5 (LATHEY, 2006:8-9).<br />

Observando-se algumas obras <strong>infanto</strong>-juvenis traduzidas recentemente <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>,<br />

infelizmente percebe-se um quadro que não contempla esse cuidado com o processo <strong>de</strong><br />

tradução. Livrinhos mal traduzidos, erros graves, <strong>de</strong>svios do propósito e/ou estilo do autor<br />

original e aniquilação da autoria da tradução marcam o mercado editorial da atualida<strong>de</strong>.<br />

Obviamente encontram-se também materiais muito bem traduzidos, obras cuidadosamente<br />

trabalhadas, mas tristemente esses não fazem a regra.<br />

Embora gran<strong>de</strong>s editoras, com o intuito <strong>de</strong> manterem-se prestigiadas, <strong>no</strong>rmalmente<br />

tenham suas listas <strong>de</strong> contatos com bons tradutores, muitas vezes a falta <strong>de</strong> tempo ou <strong>de</strong><br />

revisão leva a traduções <strong>de</strong>sastrosas ou, <strong>no</strong> mínimo, “pobres”. Esse mecanismo tor<strong>no</strong>u-se um<br />

gran<strong>de</strong> negócio para algumas editoras que, por vezes, não discutem a qualida<strong>de</strong>, mas sim o<br />

lucro obtido na venda <strong>de</strong> obras traduzidas. Ao que parece, é uma tendência crescente a<br />

tradução – ao me<strong>no</strong>s para o setor <strong>de</strong> <strong>infanto</strong>-juvenis, pelo que observamos – ser feita por<br />

profissionais incógnitos, cujos <strong>no</strong>mes, <strong>no</strong>rmalmente, nem são referendados. Quando há essa<br />

menção, a mesma aparece discretamente numa das páginas iniciais, em letras <strong>de</strong> fonte<br />

4 “Não se po<strong>de</strong> esperar dos leitores jovens que tenham adquirido a amplitu<strong>de</strong> da compreensão <strong>de</strong> outras culturas,<br />

línguas e geografias que são presumidos pelos leitores adultos. Já que <strong>no</strong>tas <strong>de</strong> rodapé são uma solução<br />

insatisfatória para esse problema, a ‘domesticação’ é a tática mais usada, porém controversa, em textos para<br />

crianças.”<br />

5 “Göte Klingberg recomenda que a adaptação <strong>de</strong>va se restringir a <strong>de</strong>talhes e que o texto-fonte <strong>de</strong>va ser<br />

manipulado o mínimo possível. A premiada tradutora inglesa Anthea Bell […] argumenta que o tradutor precisa<br />

calcular o grau exato <strong>de</strong> estrangeirismo e o quanto é aceitável e <strong>de</strong>ve ser preservado. Há vantagens em se traduzir<br />

<strong>no</strong>mes [...], mas as crianças po<strong>de</strong>m se encantar e <strong>de</strong> fato o fazem com o som e a forma <strong>de</strong> <strong>no</strong>mes não familiares<br />

[...] e elas certamente nunca irão se sentir intrigadas e atraídas pelo diferente se este nunca lhes for mostrado.”<br />

6


eduzida ou somente na catalogação da obra. Somente tradutores-escritores têm seus <strong>no</strong>mes<br />

estampados na capa, criando-se uma imagem pré-venda <strong>de</strong> que o livro é <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> e foi<br />

traduzido por personalida<strong>de</strong> reconhecida.<br />

Ao que se percebe circulando <strong>no</strong> setor <strong>de</strong> <strong>infanto</strong>-juvenis em livrarias <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, os<br />

livros mais atuais <strong>no</strong>rmalmente são trabalhados por tradutores me<strong>no</strong>s conhecidos e/ou me<strong>no</strong>s<br />

experientes, os quais são também mais jovens (mais próximos da faixa etária do público<br />

leitor) e têm a agilida<strong>de</strong> para a pressa das editoras. Quando o livro já é um campeão <strong>de</strong> vendas<br />

em seu país <strong>de</strong> origem e pelo mundo, <strong>no</strong> entanto, às vezes compensa para a editora ter a<br />

“certificação” <strong>de</strong> um tradutor experiente para garantir o sucesso da publicação aqui e evitar<br />

críticas – obras <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>staque ficam muito expostas à mídia.<br />

Um exemplo disso é o fenôme<strong>no</strong> editorial Desventuras em Série (A Series of<br />

Unfortunate Events, 1999), <strong>de</strong> Lemony Snicket, pseudônimo do escritor america<strong>no</strong> Daniel<br />

Handler. Para a publicação da série <strong>de</strong> livros <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, o selo Companhia das Letrinhas, da<br />

editora Companhia das Letras, escolheu tradutores experientes como Ricardo Gouveia e<br />

Carlos Sussekind.<br />

A editora, aliás, preza pela qualida<strong>de</strong> na escolha <strong>de</strong> seus tradutores, como menciona<br />

Hallewell (2005:663): “a Companhia das Letras <strong>de</strong>staca-se pela qualida<strong>de</strong> dos textos que<br />

escolhe, pelo cuidado que <strong>de</strong>dica à tradução, pelo bom gosto <strong>de</strong> suas capas e pela atenção que<br />

empresta à apresentação gráfica e artística”.<br />

Outro <strong>de</strong>staque que dispensa apresentações, tamanha a sua popularida<strong>de</strong>, é Harry<br />

Potter, da escritora britânica J. K. Rowling, o qual teve sua coleção <strong>de</strong> sete volumes<br />

traduzidos pela experiente Lia Wyler. Apesar do excelente e reconhecido trabalho da<br />

tradutora, vale ressaltar, <strong>no</strong> entanto, que seu <strong>no</strong>me não é mencionado na capa, pois esta é<br />

elaborada com o intuito <strong>de</strong> ven<strong>de</strong>r e, <strong>no</strong> caso <strong>de</strong>ssa série, só o <strong>no</strong>me da obra já é o bastante.<br />

Já outras séries <strong>de</strong> livros que agradam aos peque<strong>no</strong>s jovens, Querido Diário Otário, do<br />

<strong>no</strong>rte-america<strong>no</strong> Jim Benton, e Amanhã, do autor australia<strong>no</strong> John Mars<strong>de</strong>n, lançadas <strong>no</strong><br />

<strong>Brasil</strong> pela editora Fundamento, vêm marcada na catalogação como “tradução da editora”. A<br />

qualida<strong>de</strong> da tradução <strong>no</strong>s <strong>de</strong>ixa um questionamento do que viria a ser isso.<br />

Porém, o que exatamente existe <strong>de</strong> <strong>literatura</strong> <strong>infanto</strong>-<strong>juvenil</strong> <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>? Em pesquisas à<br />

bibliografia e a sítios eletrônicos <strong>de</strong> busca, <strong>de</strong> editoras, instituições privadas e do gover<strong>no</strong> 6 ,<br />

encontramos poucas informações sobre esse número <strong>no</strong>s dias atuais. Os dados mais recentes<br />

com os quais <strong>no</strong>s <strong>de</strong>paramos, curiosamente, estavam em sítios estrangeiros a respeito do<br />

<strong>no</strong>sso país.<br />

6 Tais como www.fnlij.org.br, www.amigosdolivro.com.br, www.cbl.org.br e http://www.prolivro.org.br.<br />

7


A jornalista Felicity Claire, do sítio eletrônico The Book Seller 7 , relata sua visita à<br />

Bienal do Livro <strong>no</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro em 2009, e afirma que em 2008 o número <strong>de</strong> obras<br />

traduzidas foi <strong>de</strong> 12% da quantida<strong>de</strong> total <strong>de</strong> livros publicados <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> (6.226 títulos <strong>de</strong> um<br />

total <strong>de</strong> 51.129). A jornalista comenta que, contrastivamente, o número <strong>de</strong> obras brasileiras<br />

traduzidas para outras línguas é peque<strong>no</strong> – porém não aponta valores.<br />

Um documento da “Exposições e Feiras da Associação do Comércio Livreiro Alemão<br />

Ltda”, 8 publicado na página <strong>de</strong> internet da famosa feira <strong>de</strong> Frankfurt 9 (Frankfurter<br />

Buchmesse) <strong>de</strong>screve que, em 2007, foram publicados 18.356 <strong>no</strong>vos títulos nacionais <strong>no</strong><br />

<strong>Brasil</strong>, sendo entre eles 5.202 livros <strong>infanto</strong>-juvenis. As cinco línguas mais traduzidas para o<br />

português do <strong>Brasil</strong> foram, nesta or<strong>de</strong>m: inglês, espanhol, italia<strong>no</strong>, francês e alemão. No<br />

mesmo a<strong>no</strong>, foram lançados 5.586 livros traduzidos – só do inglês foram 3.430 títulos. Não<br />

há, porém, informações sobre as obras <strong>de</strong> <strong>literatura</strong> <strong>infanto</strong><strong>juvenil</strong> traduzidas.<br />

De acordo com relatório 10 feito pela Fundação Instituto <strong>de</strong> Pesquisas Econômicas<br />

(FIPE) para o Sindicato Nacional <strong>de</strong> Editores <strong>de</strong> Livros (SNEL) sobre produção e vendas do<br />

setor editorial brasileiro em 2009, dos 22.022 títulos <strong>no</strong>vos (publicados em primeira edição),<br />

9.523 foram do gênero infantil e <strong>juvenil</strong>. Títulos traduzidos somaram 5.807, mas não há<br />

separação <strong>no</strong> relatório sobre os gêneros das obras traduzidas.<br />

Em suma, <strong>de</strong>ntre os poucos documentos que tratam da quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> obras traduzidas<br />

<strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, nenhuma especifica o montante <strong>de</strong>ntro do gênero <strong>infanto</strong>-<strong>juvenil</strong>. Pereira (1996)<br />

aponta a falta <strong>de</strong> estudos na área <strong>de</strong> obras traduzidas <strong>no</strong> âmbito do mercado editorial:<br />

Um rápido exame da bibliografia sobre tradução e editoração revela o quanto<br />

tradutor e editor encontram-se dissociados, pelo me<strong>no</strong>s <strong>no</strong> campo da pesquisa<br />

teórica. (...). Vem-se ampliando a bibliografia sobre tradução (...); sobre editoração,<br />

também existe uma bibliografia consi<strong>de</strong>rável (...). Mas não é comum encontrar-se o<br />

tema “tradução” em relevo <strong>no</strong>s livros sobre editoração, nem tampouco há <strong>de</strong>staque<br />

para o tema “editoração” na bibliografia sobre tradução. Quando alguma obra<br />

estabelece relação entre os dois temas, estas não atingem o aprofundamento<br />

compatível com a sua importância <strong>no</strong>s aspectos práticos da produção do livro.<br />

(PEREIRA, 1996:131).<br />

Se já não se encontram estudos precisos sobre obras traduzidas, quiçá haver pesquisa<br />

sobre o ramo dos <strong>infanto</strong>-juvenis. Apesar da presença maciça <strong>de</strong> obras <strong>infanto</strong>-juvenis<br />

traduzidas <strong>no</strong> país, o trabalho <strong>de</strong> tradução permanece muitas vezes invisível, incógnito,<br />

<strong>de</strong>sprestigiado para a maior parte das pessoas. Enquanto a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tradução para obras<br />

7<br />

Disponível em http://www.thebookseller.com/in-<strong>de</strong>pth/feature/98666-market-snapshot-brazil.html<br />

8<br />

Ausstellungs - Und Messe Gmbh Des Börsenvereins Des Deutschen Buchhan<strong>de</strong>ls<br />

9<br />

Disponível em<br />

http://www.buchmesse.<strong>de</strong>/imperia/celum/documents/Buchmarkt%20<strong>Brasil</strong>ien%20engl.%202010.pdf<br />

10<br />

Disponível em http://www.snel.org.br/files/pesquisaMercado/relatorioAnual/relatorio_anual_2009.pdf<br />

8


tidas como <strong>no</strong>táveis busca tradutores e escritores reconhecidos, obras consi<strong>de</strong>radas “me<strong>no</strong>res”<br />

contam com o trabalho <strong>de</strong> profissionais – ou <strong>de</strong> simples conhecedores <strong>de</strong> línguas – mal<br />

remunerados e ig<strong>no</strong>rados.<br />

3 Estudo <strong>de</strong> caso: Captain Un<strong>de</strong>rpants<br />

As Aventuras do Capitão Cueca (The Adventures of Captain Un<strong>de</strong>rpants) é uma série<br />

criada pelo escritor <strong>no</strong>rte-america<strong>no</strong> Dav Pilkey. Lançada <strong>no</strong>s Estados Unidos em 1997, a<br />

série conta, até o momento (junho <strong>de</strong> 2012), com <strong>no</strong>ve livros, sendo todos, exceto o último, já<br />

traduzidos <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> e publicados pela editora Cosac Naify. A tradução do primeiro volume<br />

foi publicada aqui em 2001.<br />

Essa coleção <strong>de</strong> livros <strong>infanto</strong>-<strong>juvenil</strong>, gran<strong>de</strong> fenôme<strong>no</strong> <strong>de</strong> vendas <strong>no</strong>s Estados<br />

Unidos 11 e <strong>no</strong>s países para os quais foi traduzida 12 , traz a linguagem da criança, e é repleta <strong>de</strong><br />

gírias e expressões idiomáticas peculiares. Os livros da série Capitão Cueca, traduzidos por<br />

diferentes pessoas, a maior parte <strong>de</strong>las profissionais <strong>de</strong>sconhecidos, mostram essa possível<br />

tendência <strong>no</strong> ramo da tradução, <strong>no</strong> qual há espaço para diversas modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> tradução e<br />

tradutores distintos.<br />

Com leitores assíduos em vários países, a coleção consagrou Pilkey como um dos mais<br />

aclamados escritores <strong>de</strong> livros infantis da <strong>literatura</strong> <strong>contemporânea</strong>. Além do título, que já<br />

supõe comicida<strong>de</strong>, as histórias são repletas <strong>de</strong> episódios divertidos e impossíveis (professores<br />

que viram monstros, invenções malucas e privadas falantes, só para citar alguns). Os livros<br />

são escritos em linguagem mais coloquial, e as falas das personagens, principalmente as das<br />

crianças, contêm diversas gírias e expressões típicas da modalida<strong>de</strong> oral.<br />

Jorge e Haroldo (George and Harold), as personagens centrais, são dois meni<strong>no</strong>s<br />

arteiros, que frequentam a quarta série da escola básica Jerome Horwitz. De acordo com a<br />

história, Jorge tem <strong>no</strong>ve a<strong>no</strong>s e “três quartos” e Haroldo tem <strong>de</strong>z a<strong>no</strong>s <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>. Estão sempre<br />

criando situações engraçadas, e às vezes constrangedoras com todos – alu<strong>no</strong>s, professores,<br />

funcionários – e levando o caos à escola. Depois da aula, eles vão para uma casinha em cima<br />

<strong>de</strong> uma árvore, on<strong>de</strong> brincam e criam histórias em quadrinhos (HQ), as quais ven<strong>de</strong>m para os<br />

colegas na hora do recreio. A “editora” chama-se “Quadrinhos Casa na Árvore S/A”. Do<strong>no</strong>s<br />

11<br />

26 milhões <strong>de</strong> cópias vendidas <strong>no</strong>s EUA entre 1997 e 2009, <strong>de</strong> acordo com http://en.wikipedia.org/ wiki/<br />

List_of_best-selling_books#cite_<strong>no</strong>te-177.<br />

12<br />

“The award-winning Captain Un<strong>de</strong>rpants books have received rave reviews across the nation and have been<br />

translated into numerous languages, including Spanish, Italian, Portuguese, Korean, Greek, Norwegian, Dutch,<br />

German, and Hebrew.” http://astore.amazon.com/ kidsourceonline/ <strong>de</strong>tail/0439698626.<br />

9


<strong>de</strong> uma imaginação muito fértil, criam um <strong>no</strong>vo super-herói, o “Capitão Cueca”, protagonista<br />

<strong>de</strong> todos os quadrinhos. As HQ aparecem algumas vezes <strong>no</strong> meio da narrativa.<br />

O objetivo do autor com As aventuras do Capitão Cueca foi criar um estilo que atraísse<br />

as crianças que, assim como ele próprio quando peque<strong>no</strong>, não gostam <strong>de</strong> ler. Produziu, então,<br />

um livro <strong>de</strong> figuras, mas em formato <strong>de</strong> romance, com uma média <strong>de</strong> cento e trinta páginas.<br />

Os capítulos são curtos e as páginas, sempre em preto e branco, <strong>no</strong>rmalmente apresentam<br />

mais imagens do que palavras. Os livros vêm intitulados como “romance épico” (epic <strong>no</strong>vel).<br />

Segundo o escritor, muitas das aventuras do livro são inspiradas em sua própria<br />

infância: as piadinhas, algumas pegadinhas, as histórias em quadrinhos. O autor soube, <strong>de</strong><br />

fato, utilizar sua experiência pessoal e elementos aparentemente apreciados pelas crianças do<br />

mundo todo para criar uma coleção <strong>de</strong> sucesso:<br />

Na infância, o america<strong>no</strong> Dav Pilkey encabeçava a lista <strong>de</strong> maus elementos <strong>de</strong> seu<br />

colégio. Era um meni<strong>no</strong> incontrolável, frequentador assíduo da sala do diretor. Mas<br />

ele soube tirar bom proveito <strong>de</strong>ssa fase. Hoje assina uma das séries <strong>de</strong> livros mais<br />

populares entre as crianças americanas: a do Capitão Cueca, um super-herói<br />

rechonchudo que traja apenas uma capa e a roupa <strong>de</strong> baixo. Pilkey narra peripécias<br />

com vilões absurdos e um bom toque <strong>de</strong> anarquia. Seu tema, <strong>no</strong> fundo, é a maneira<br />

como as crianças lidam com a questão da autorida<strong>de</strong>. (MARTHE, 2001).<br />

Burke (2009), em coluna da Folha <strong>de</strong> São Paulo 13 , escreve sobre personagens dos<br />

livros infantis, suas histórias e crianças “pós-mo<strong>de</strong>rnas”, utilizando os livros do Capitão<br />

Cueca como exemplo:<br />

Os personagens principais, George Beard e Harold Hutchens, que vivem e estudam<br />

numa cida<strong>de</strong>zinha <strong>de</strong> Ohio, são travessos e também simpáticos. O vocabulário<br />

empregado pelas duas crianças ("cool", "nerd", "zap", "aí, cara!") é tão atual quanto<br />

o corte <strong>de</strong> cabelo reto <strong>de</strong> George, mas os truques com os quais se divertem, como<br />

trocar as letras <strong>no</strong> cardápio do almoço na cantina da escola, <strong>de</strong>vem ser tão velhos<br />

quanto as próprias cantinas das escolas. Sob outros aspectos, entretanto, as histórias<br />

não são nem um pouco tradicionais. Po<strong>de</strong>m até ser <strong>de</strong>scritas como pós-mo<strong>de</strong>rnas,<br />

graças não apenas às referências recorrentes a universos alternativos, mas também,<br />

especialmente, ao amor do autor pela paródia e especialmente pelas autorreferências.<br />

O herói, Capitão Cueca, é uma paródia <strong>de</strong> Super-Homem – um sujeito mais<br />

gorducho do que atlético, que canta loas às cuecas <strong>de</strong> algodão enquanto voa em suas<br />

missões para submeter os vilões à justiça. De maneira realmente pós-mo<strong>de</strong>rna, a<br />

divisão entre ficção e realida<strong>de</strong> vai per<strong>de</strong>ndo niti<strong>de</strong>z à medida que as histórias se<br />

<strong>de</strong>senrolam. (BURKE, 2009).<br />

O autor pon<strong>de</strong>ra se as crianças percebem e compreen<strong>de</strong>m as paródias e a<br />

metalinguagem presentes em Capitão Cueca e tantos outros livros, e conclui, com base em<br />

sua própria experiência familiar (o escritor tem dois netos, leitores <strong>de</strong> Captain Un<strong>de</strong>rpants),<br />

que elas <strong>de</strong> fato o fazem, e que isso lhes agrada. Como comentaremos adiante, muitos <strong>de</strong>sses<br />

recursos se per<strong>de</strong>ram na tradução da obra para o português do <strong>Brasil</strong>.<br />

13 Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs2203200909.htm<br />

10


O que chama bastante a atenção na publicação da série <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> é o fato da coleção ter<br />

sido traduzida por pessoas diferentes, quase todas <strong>de</strong>sconhecidas, sendo que os três últimos<br />

volumes foram trabalhados pelo mesmo tradutor. 14 Apenas um volume foi traduzido pela<br />

conhecida escritora Cristine Röhrig e pelo do<strong>no</strong> da editora, Charles Cosac.<br />

O tratamento dado à tradução <strong>de</strong> uma obra <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> fatores diversos: da tipologia do<br />

texto, do autor, da época da publicação <strong>no</strong> país <strong>de</strong> origem e <strong>no</strong> país on<strong>de</strong> foi traduzida – e da<br />

distância temporal que os separa –, da i<strong>de</strong>ologia do texto e do autor, das diferenças entre a<br />

língua <strong>de</strong> partida e a língua <strong>de</strong> chegada, dos objetivos da tradução, do conhecimento e<br />

formação do tradutor, dos interesses e exigências da editora. Por isso, cada tradução engloba<br />

aspectos diferentes que vão do procedimento escolhido para ela até interesses econômicos.<br />

Observa-se que o fato <strong>de</strong> ter havido diferentes tradutores acabou por levar a escolhas<br />

distintas na hora da tradução. Há uma inconsistência <strong>de</strong> alguns termos recorrentes e até<br />

mesmo <strong>no</strong> critério do que traduzir – os <strong>no</strong>mes <strong>de</strong> algumas personagens, por exemplo, são<br />

traduzidos em alguns volumes e não em outros. Em não havendo um glossário, ou uma<br />

diretriz da editora (contatada por e-mail, a editora não respon<strong>de</strong>u se os há) esse resultado não<br />

po<strong>de</strong>ria ser diferente:<br />

Como todo acontecimento, qualquer uso da língua se individualiza por idiossincrasias do<br />

locutor e/ou <strong>de</strong> seu interlocutor (...) Assim, cada uso da língua envolve um conteúdo e uma<br />

forma próprios, produzindo efeitos <strong>de</strong> forma e <strong>de</strong> sentido (como os efeitos estilísticos).<br />

(RANGEL, in BAGNO, 2007:13).<br />

Nos oito volumes traduzidos <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, encontra-se uma inconstância <strong>no</strong> uso <strong>de</strong> certos<br />

termos. Em alguns casos, não há implicações para a escolha lexical (maluco ao invés <strong>de</strong><br />

doido, meni<strong>no</strong> em vez <strong>de</strong> garoto), mas algumas vezes, o procedimento po<strong>de</strong> trazer problemas<br />

para a compreensão, retirar o efeito cômico ou parodístico pretendido pelo autor, ou ainda<br />

atrapalhar a i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> uma personagem, cujo <strong>no</strong>me ocasionalmente varia.<br />

Em um quadro com alguns exemplos, é possível verificar a variabilida<strong>de</strong> na tradução<br />

em diferentes volumes da série, além <strong>de</strong> outros elementos falhos na tradução, os quais<br />

comentaremos na sequência.<br />

14 Não foram encontradas biografias a respeito dos tradutores. Sobre o que traduziu três volumes, encontraram-se<br />

algumas informações. Embora não seja um profissional formado e re<strong>no</strong>mado, Daniel Lembo Schiller se <strong>de</strong>staca<br />

por ser um tradutor “mirim”. Em 2004, com apenas 12 a<strong>no</strong>s, traduziu o sexto volume da série. Depois, traduziu<br />

os dois volumes subsequentes e também <strong>de</strong> Dav Pilkey os livros Ricky Ricota e Superbebê Fraldinha.<br />

11


Tabela 1 – Como alguns itens lexicais foram traduzidos<br />

Termo em inglês Como foi traduzido para o português do <strong>Brasil</strong><br />

Rats!<br />

Mrs. Anthrope (school<br />

secretary)<br />

Mr. Rected (counselor)<br />

Melvin Sneedly<br />

<strong>de</strong>tention room<br />

I’ll get a life.<br />

“Faster than a waistband,<br />

more powerful than boxer<br />

shorts and able to leap tall<br />

buildings without getting a<br />

wedgie” (Trecho da HQ<br />

sempre constante quando<br />

Captain Un<strong>de</strong>rpants surge. É<br />

um chavão que traz humor e<br />

recorrência).<br />

Livros 2 e 3<br />

Sacanagem!<br />

Livro 5<br />

Sra. Castália (único<br />

volume em que o <strong>no</strong>me foi<br />

traduzido)<br />

Livro 4<br />

Sr. Justo (único volume<br />

em que o <strong>no</strong>me foi<br />

traduzido)<br />

Livro 2<br />

Melvin Kapaz (único<br />

volume em que o <strong>no</strong>me foi<br />

traduzido)<br />

Livro 2<br />

sala <strong>de</strong> castigo<br />

Livro 2<br />

Eu vou ter uma vida.<br />

Livro 1<br />

“Era mais rápido que um<br />

elástico solto <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />

esticado, mais po<strong>de</strong>roso<br />

que uma cueca samba<br />

canção, e conseguia pular<br />

sobre arranha-céus sem a<br />

cueca apertar suas pernas”<br />

Livro 2<br />

“Era mais rápido do que<br />

uma cueca esticada, mais<br />

po<strong>de</strong>roso do que um calção<br />

<strong>de</strong> boxeador, e capaz <strong>de</strong><br />

saltar vários prédios sem<br />

fazer esforço”<br />

Livro 4<br />

Ratos!<br />

Livro 5<br />

sala da <strong>de</strong>tenção<br />

Livro 3<br />

“Era mais veloz que um<br />

elástico solto <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />

esticado, mais po<strong>de</strong>roso<br />

do que um calção <strong>de</strong><br />

boxeador, e capaz <strong>de</strong><br />

pular prédios altíssimos<br />

sem per<strong>de</strong>r a cueca”<br />

Livro 4<br />

“Era mais rápido do que<br />

uma cueca lançada, mais<br />

po<strong>de</strong>roso do que um<br />

calção <strong>de</strong> boxeador, e<br />

capaz <strong>de</strong> pular altos<br />

edifícios sem fazer o<br />

me<strong>no</strong>r esforço”<br />

Livro 8<br />

Raios!<br />

Livro 6<br />

sala do castigo<br />

Livro 5<br />

12<br />

“Agiu mais rápido do que<br />

um avião, talvez até mais<br />

rápido que a velocida<strong>de</strong> da<br />

luz, capaz <strong>de</strong> voar até o<br />

teto dos edifícios mais<br />

altos e saltar <strong>de</strong> um para o<br />

outro sem o me<strong>no</strong>r<br />

problema”<br />

Observa-se que alguns itens lexicais fogem da naturalida<strong>de</strong> na língua alvo, pois não são<br />

comuns na Língua Portuguesa do <strong>Brasil</strong> expressões como “Ratos!” para <strong>de</strong>signar insatisfação<br />

ou surpresa, bem como as escolas não têm uma sala <strong>de</strong> <strong>de</strong>tenção, vocábulo com outra<br />

co<strong>no</strong>tação <strong>no</strong> português usual. “Eu vou ter uma vida” também não soa familiar aos ouvidos<br />

brasileiros; comumente diz-se “Eu vou acordar para a vida” ou “Eu vou ficar ligado”. Além


disso, palavras como “Sacanagem” não condizem com um livro infantil. Na língua inglesa,<br />

apesar do estilo informal e do uso constante <strong>de</strong> gírias, o autor não se utiliza <strong>de</strong> termos<br />

inapropriados. O chavão apresentado para a entrada da “personagem principal” da historinha<br />

foi traduzido <strong>de</strong> maneira distinta em cada volume, per<strong>de</strong>ndo-se assim a intenção humorística<br />

do autor em criar um trecho recorrente como o do Superman.<br />

Depara-se também com trechos inteiros modificados. Curiosamente, o quinto livro da<br />

série, traduzido por uma escritora, foi o qual mais apresentou acréscimos, omissões e termos<br />

da variante culta, não condizentes com a característica da obra. Comparando todos os volumes<br />

traduzidos, <strong>no</strong>ta-se que este é o que se afasta mais do estilo “Pilkey”. Ao que parece, o<br />

tradutor-escritor muitas vezes acaba por traduzir mais livremente uma obra e, consciente ou<br />

inconscientemente, ten<strong>de</strong> a aplicar seu estilo <strong>no</strong> texto <strong>de</strong> chegada. Tatiana Belinky alerta para<br />

essa propensão:<br />

Também não se <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>sprezar o perigo que ronda o tradutor quando ele próprio é um<br />

escritor. Normalmente isso é bom, mas nem sempre: até nesse caso existem exceções –<br />

como quando, por exemplo, falta ao tradutor-escritor certa dose <strong>de</strong> saudável humilda<strong>de</strong><br />

pessoal e profissional, para não cair nessa outra tentação – a <strong>de</strong> impor ao leitor o seu<br />

próprio ‘estilo’, em vez do estilo do autor original. E quando o mesmo escritor traduz<br />

vários autores <strong>de</strong> livros diversos, o resultado é que se per<strong>de</strong>m a ‘voz’ e o ‘jeito’ do autor<br />

original, em ‘benefício’ da ‘voz’ do tradutor. (BELINKY, in SILVEIRA, 2004:10).<br />

Questionamos, então, a escolha do tradutor, que precisa ser cuidadosamente selecionado<br />

para a tradução <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada obra, e não simplesmente uma opção baseada em um <strong>no</strong>me<br />

famoso ou um custo me<strong>no</strong>r. Assim como acontecia <strong>no</strong> início do século XX, até hoje a escolha<br />

por um tradutor-escritor po<strong>de</strong> trazer a garantia <strong>de</strong> um texto impecável <strong>de</strong>ntro das regras da<br />

gramática <strong>no</strong>rmativa, mas não necessariamente uma tradução fluente e fiel ao estilo do texto-<br />

fonte.<br />

Uma pesquisa aprofundada e o conhecimento da obra como um todo são essenciais para<br />

um bom trabalho do tradutor. A i<strong>de</strong>ntificação do tradutor com a obra e sua linguagem também<br />

auxilia na fluência <strong>no</strong> texto da língua <strong>de</strong> chegada. No corpus da presente análise-mo<strong>de</strong>lo,<br />

observou-se uma falta <strong>de</strong> familiarida<strong>de</strong> com o texto e o estilo da obra, além da artificialida<strong>de</strong><br />

na tradução <strong>de</strong> termos linguísticos característicos da faixa etária para a qual os livros se<br />

<strong>de</strong>stinam.<br />

O livro, muitas vezes, não está somente ligado à diversão das crianças e dos jovens,<br />

mas, principalmente, ao seu aprendizado. Por isso, <strong>de</strong>ve-se estudar a fundo o mundo <strong>de</strong>sses<br />

peque<strong>no</strong>s leitores, contribuindo, <strong>de</strong>sse modo, para estimulá-los para que sejam leitores ativos<br />

e atentos. O mercado <strong>de</strong> tradução não po<strong>de</strong> ficar <strong>de</strong> fora <strong>de</strong>ssa tarefa.<br />

13


Uma melhor compreensão sobre termos culturais, gíria, oralida<strong>de</strong> e variantes<br />

linguísticas certamente contribuiriam para traduções mais fluentes e fiéis ao tom do texto<br />

original.<br />

Está claro que traduzir não é tarefa fácil. É um processo que não significa simplesmente<br />

substituir um texto da língua <strong>de</strong> partida para língua <strong>de</strong> chegada. Envolve não só a língua, mas<br />

também a cultura, o contexto, o público alvo.<br />

A <strong>literatura</strong> traduzida para o <strong>Brasil</strong>, em especial a <strong>de</strong> <strong>infanto</strong>-juvenis, conquanto<br />

material bastante presente <strong>no</strong> país, ainda não se sortiu <strong>de</strong> estudos aprofundados quanto aos<br />

mol<strong>de</strong>s, diretrizes e atores relacionados à sua tradução. A tradução <strong>de</strong> <strong>infanto</strong>-juvenis nunca<br />

foi exatamente feita com <strong>de</strong>svelo, já que a infância não era tida como público relevante <strong>de</strong>ntro<br />

da socieda<strong>de</strong>. O exímio Monteiro Lobato, por exemplo, foi pioneiro em buscar aprimorar as<br />

traduções nebulosas; a visão a respeito das crianças foi se modificando com o passar das<br />

décadas, mas parece que a serieda<strong>de</strong> da tradução para elas não seguiu, necessariamente, o<br />

mesmo rumo. Traduções imperfeitas e provável indiligência das editoras quanto à seleção <strong>de</strong><br />

tradutores e/ou à revisão das obras traduzidas publicadas mostraram-se frequentes na pesquisa<br />

que realizamos.<br />

A <strong>literatura</strong> <strong>infanto</strong><strong>juvenil</strong> está inserida em um sistema cultural como qualquer outro<br />

tipo <strong>de</strong> <strong>literatura</strong> e o tradutor que se <strong>de</strong>dica a ela <strong>de</strong>ve conhecer com maestria o gênero, seus<br />

leitores, sua linguagem, suas idiossincrasias. Lajolo e Zilberman (2007:11) bem apontaram<br />

que “infantil <strong>de</strong>fine a <strong>de</strong>stinação da obra, não po<strong>de</strong> interferir <strong>no</strong> literário do texto”, e o mesmo<br />

<strong>de</strong>ve se aplicar à tradução <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> <strong>literatura</strong>.<br />

Fica-<strong>no</strong>s claro que há muitos ardis por trás da venda <strong>de</strong> obras trasladadas para a língua<br />

portuguesa – e não somente <strong>de</strong>las, <strong>no</strong>ta-se. Os editores, em sua maioria preocupados somente<br />

com o lucro – o qual é evi<strong>de</strong>ntemente importante e necessário, mas não <strong>de</strong>veria ser o único<br />

mote em se tratando <strong>de</strong> <strong>literatura</strong> –, negligenciam diversos outros aspectos importantes.<br />

Tristemente percebemos que, em geral, a tradução não é vista pelas editoras como parte da<br />

criação e produção cultural, e sim como apenas mais uma etapa técnica, como a diagramação<br />

e a gramatura do papel para impressão.<br />

Referências<br />

BELINKY, Tatiana. Prefácio. In: SILVEIRA, Bren<strong>no</strong>. A arte <strong>de</strong> traduzir. São Paulo:<br />

Melhoramentos, 2004.<br />

BELL, Roger. Translation and Translating. Essex: Longman, 1993.<br />

14


BURKE, Peter. Personagens infantis contemporâneos como o capitão cueca misturam<br />

aventuras tradicionais com ironia e metalinguagem. Trad. Clara Allain. 22/03/2009.<br />

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs2203200909.htm Acesso em 06/03/2011.<br />

CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador. Trad. Reginaldo Carmello<br />

<strong>de</strong> Moraes. São Paulo: UNESP/Imprensa Oficial do Estado <strong>de</strong> São Paulo, 1998.<br />

HALLEWELL, Laurence. O livro <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>: sua história. Trad. Maria Penha Villalobos,<br />

Lório Lourenço <strong>de</strong> Oliveira e Geraldo Gerson <strong>de</strong> Souza. São Paulo: EDUSP, 2005.<br />

LAJOLO, Marisa e ZILBERMAN, Regina. Literatura infantil brasileira: história e histórias.<br />

São Paulo: Ática, 2007.<br />

LATHEY, Gillian (ed.). The Translation of Children’s Literature: A Rea<strong>de</strong>r. Clevendon:<br />

Multilingual Matters, 2006.<br />

___________. The Role of Translators in Children’s Literature: Invisible Storytellers. New<br />

York: Routledge, 2010.<br />

MARTHE, Marcelo. O que é aquilo? Um pássaro, um avião, um X-Salada... Não, é o Capitão<br />

Cueca! Revista Veja, edição 1726 – 14/11/2001.<br />

http://veja.abril.com.br/141101/p_152.html Acesso em 11/01/2010.<br />

MILTON, John. O Clube do Livro e a tradução. Bauru, São Paulo: EDUSC, 2002.<br />

PEREIRA, Helena Bonito Couto. Tradutores e editores: adversários do mesmo time. In:<br />

MILTON, J., LARANJEIRA, M. e AUBERT, H. (orgs.). V Anais do Encontro Nacional <strong>de</strong><br />

Tradutores (UFBA, Salvador, maio <strong>de</strong> 1994). São Paulo: Humanitas, 1996.<br />

PILKEY, Dav. The Adventures of Captain Un<strong>de</strong>rpants. New York: Scholastic, 1997. E<br />

<strong>de</strong>mais volumes da coleção.<br />

PILKEY, Dav. As Aventuras do Capitão Cueca. São Paulo: Cosac Naify, 2001. E <strong>de</strong>mais<br />

volumes da coleção.<br />

RANGEL, Egon <strong>de</strong> Oliveira. Prefácio. In: BAGNO, Marcos. Nada na língua é por acaso: por<br />

uma pedagogia da variação linguística. São Paulo: Parábola Editorial, 2007.<br />

ROBINSON, Douglas. Construindo o tradutor. Trad. Jussara Simões. Bauru, São Paulo:<br />

EDUSC, 2002.<br />

WYLER, Lia. Línguas, poetas e bacharéis: uma crônica da tradução <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>. Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro: Rocco, 2003.<br />

15

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