edição 208 impresso pdf - Jornal Copacabana
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ANUNCIE: 2549-1284 / copa@jornalcopacabana.com.br<br />
Chegou a primavera<br />
Foi durante uma das famosas<br />
reuniões de amigos no Buteco do<br />
Jisus, em Botafogo, um bar que não<br />
existe mais e que ficava no Rio de<br />
Janeiro Sem Bala Perdida – uma<br />
cidade que também já não existe. Lá<br />
para as tantas, o papo desandou para<br />
o lado das quatro estações. Pedro<br />
Garganta, um dos mais falantes<br />
e quase nunca convincente, fez a<br />
introdução, no bom sentido:<br />
– A mim agrada, por demais<br />
(sacaram o estilo?!), o clima outonal.<br />
O frescor das folhas, o sol ameno, os<br />
dias são mais radiantes.<br />
Rocha, conhecido nas mesas<br />
e arredores como “o Cacique da<br />
Bambina”, completou:<br />
– A cerveja fica mais gelada. As<br />
mulheres são mais cheirosas e mais<br />
macias.<br />
Foi solicitada a opinião de uma<br />
representante do grupo feminino:<br />
– Prefiro o verão – disse Nina,<br />
uma morena que encostou na mesa um dia<br />
para pedir fósforos e nunca mais abandonou<br />
a turma.<br />
– Aumenta o calor na formosinha, né,<br />
preta? – bombardeou o intrépido Yonzinho<br />
Cantareira, que todas as noites atravessava a<br />
Baía de Guanabara para beber em Botafogo, e<br />
arrastava uma asa caída para o lado da amiga.<br />
Gargalhadas. Beijinho de reencontro nos<br />
copos. Mordidinhas na moela. Bilau Baixinho,<br />
que pecava pelo apelido e hoje seria chamado<br />
de “verticalmente prejudicado”, retomou o fio<br />
da meada:<br />
– Sou mais o inverno. Ventinho frio,<br />
roupinhas quentes, a gente aproveita para<br />
dormir abraçadinhos.<br />
– Dorme abraçadinho quem tem mulher<br />
em casa, ou na casa dos outros, ou mesmo na<br />
zona – completou um que estava meio calado.<br />
– Também encontro vantagens na estação<br />
do frio – pontificou Pedro Garganta. O<br />
inverno tenciona os músculos e enrijece os<br />
doces lábios.<br />
Nina engasgou com uma rodela de<br />
salaminho. Yonzinho partiu em socorro:<br />
– Mastiga devagar, boneca. O salame é<br />
um tira-gosto roliço e traiçoeiro.<br />
Era assim que a banda tocava. Havia<br />
poesia em tudo.<br />
Rocha da Bambina interrompeu a<br />
conversa, levantando-se de braços abertos:<br />
– Oi! Chega até aqui! – gritou, na direção<br />
de uma linda mulher que se aproximava.<br />
Olharam todos, ao mesmo tempo. Aquela<br />
emoção:<br />
– Oh!!! – gemeram todos. Nina, inclusive.<br />
– Vem cá, prima. Vem conhecer os meus<br />
amigos – disse Rocha, sorridente.<br />
– Prazer, pessoal – falou a moça.<br />
O primo puxou a cadeira para a visitante:<br />
– Pessoal, esta aqui é minha prima Vera.<br />
Primavera! Era a estação que estava<br />
faltando.<br />
Garganta deu a volta em torno da mesa e<br />
se aproximou, derretido.<br />
– Conheço você, não sei de onde.<br />
– Conhece Juiz de Fora? Sou de lá.<br />
– Claro – disse Pedro, os braços de polvo<br />
varrendo copos e os ombros da moça. – Vou<br />
a Juiz de Fora pelo menos uma vez por mês.<br />
Fico no Plazza. Você mora onde lá?<br />
– Moro na pensão de Dona Fulo.<br />
O clima pesou um pouco. Nina evitou<br />
o salaminho. Mas Garganta não perdeu a<br />
viagem:<br />
– Sou representante de uma empresa de<br />
tubos e conexões, por isto viajo muito. E você,<br />
Vera, mexe com o quê?<br />
O humor presente em carne e osso, muito<br />
mais carne do que osso. Vera não perdia a<br />
timidez nem a inocência primaveril:<br />
– Mexo com os quadris.<br />
Resolveram falar das últimas cachorradas<br />
políticas. Bobagem ficar perdendo tempo com<br />
as estações do ano.<br />
Do livro O matador de aluguel e outras<br />
figuras (Editora Melhoramentos)