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do sujeito. Cada eco corresponde a uma posição diferente, a um ego diferente, a um<br />
reflexo particular, a um ‘se’ (pronome reflexivo) outro. Ainda neste verso, ‘ouvir’ pode<br />
ser escutado como ‘ou vir’, relativo à volta e também à reflexibilidade, dialogando com<br />
o verso anterior, apresentando a alternativa do fracasso da tentativa de construção de<br />
uma subjetividade: “com mim com com consigo ou vir [eco] é ver se se se se se<br />
[multiplicidades]”. Tudo isso leva à consciência que parece perdida em meio à<br />
variabilidade incontrolada. Nunca é demais notar que o poema realiza, formalmente,<br />
esta variabilidade, seja com a metaforização, seja com o recurso ao anagrama, ou com a<br />
ausência de pontuação.<br />
O último verso é uma alternativa positiva, se é que, nessas alturas, possamos<br />
falar assim. Novamente o recurso da repetição, mas agora assonante, pois somente as<br />
vogais se repetem, indicando aí mais semelhança do que redundância. Até aqui<br />
havíamos lido os ecos como repetição que leva à indefinição: a mesma coisa em tempos<br />
diferentes produz uma redundância constante que é também uma variação constante,<br />
algo muito próximo do que costumamos chamar de caos, mas que se definiria melhor<br />
como multiplicidade ou rizoma 1 . Aqui a redundância existe, mas as partículas que se<br />
repetem são apenas parecidas (assonantes), produzindo a semelhança na diferença: ou se<br />
se me lhe (‘semelhe’, se juntarmos as partículas) te sigo. Se a semelhança é dada pela<br />
junção das partículas “se”, “me” e “lhe”, estas, individualmente (mais a partícula “te”)<br />
são pronomes reflexivos (se) e oblíquos (nas três pessoas: me, lhe, te) que se ligam ao<br />
verbo seguir, resultando na multiplicidade de identidades ou caminhos. Portanto, além<br />
das diferenças sonoras entre as partículas existe diferença semântica (de pessoa), que<br />
mina a unidade da subjetividade que emerge no texto. Simultânea e mesmo em simbiose<br />
com a diferença, a semelhança não é uma síntese ou um meio termo entre a<br />
identidade/unidade e a diferença, mas uma construção feita certamente de ambas: a<br />
continuidade de gritos (ritos) domando, precariamente, a multiplicidade textual. Mas<br />
este ‘precariamente’ não parece ser um lamento, pois o poema é, como discurso, apenas<br />
uma descrição que leva a crer mais numa afirmação: (quer-se) um texto morcego / (que)<br />
se guia por ecos. Não há saudade, aqui, da transcendência ou da plenitude, há somente a<br />
descrição/performance de uma tentativa, que pode ser a do texto, a da subjetividade, a<br />
da cultura ou a de qualquer ordem mínima (semelhança) alegre, contínua e vitalmente<br />
ligada à multiplicidade na qual, da qual e contra a qual se constrói.<br />
Da leitura do poema surge a questão da subjetividade e sua estabilidade como<br />
sistema fechado ou organismo. Mais que um aprofundamento no sujeito, que revelaria,<br />
1 Um rizoma, segundo Deuleuze e Guattari, se opõe às raízes e árvores pela sua ausência de pivô central<br />
ou de subdivisões binárias: ele se constitui de linhas que se cruzam e se entrelaçam em qualquer ponto,<br />
sem hierarquias pré-determinadas. Isto implica que, “contra os sistemas centrados (e mesmo<br />
policentrados), de comunicação hierárquica e ligações pré-estabelecidads, o rizoma é um sistema acentrado,<br />
não hierárquico e não significante, sem General, nem memória organizadora ou autômato<br />
central, unicamente definido por uma circulação de estados.” (Deleuze e Guattari, 1995b, p. 33).<br />
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