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anarquista, em oposição a qualquer sedentarismo ou aparelho de estado — que<br />
procede sempre por consolidação de domínios.<br />
O humor é um procedimento textual adotado por Leminski e que funciona bem<br />
com esta moralidade do movimento, já que ele se volta potencialmente contra toda<br />
rigidez. O que pode ser dramático e, portanto, maleável e conforme, numa perspectiva<br />
social, pode ser cômico (denúncia de rigidez e mecanicidade) noutra: o riso da estética<br />
(e da mentalidade) parnasiana, denunciando-lhe o desajeitamento e a inadaptabilidade<br />
em relação à novo sociedade que se configurava no país, é uma das principais frentes de<br />
combate do nosso modernismo (vanguardista?) de 20. O que talvez seja incômodo nos<br />
poemas de Leminski é que eles não tentam repor uma outra maleabilidade relativa<br />
ancorada nalguma profundidade sistêmica (limite da maleabilidade) à qual se deveria<br />
conformar os fluxos agora libertos da mecanicidade que se quis corrigir/punir. Estes<br />
fluxos, pelo contrário, se encontram libertos de toda gravidade (“estrela à solta”),<br />
prontos para fluir e confluir uns com os outros, mas sempre resistentes a refluir para<br />
algum sistema centrado (“abismo onde me encontro”), mesmo que muito maleável. São<br />
fluxos de maleabilidade absoluta.<br />
O riso na poesia de Leminski se volta, então, ao poema concebido como<br />
expressividade ou estruturalidade, como expressão da subjetividade ou como estrutura<br />
significante. Seus textos poéticos não são dotados de um eu lírico travestido de idiota<br />
mecanizado para denunciar e corrigir as rigidezes (idiotices) sistêmicas, mas a própria<br />
idéia de eu lírico, superficial ou profundo, parece-lhes uma idiotice, assim também<br />
como a seriedade estrutural (de certa forma foi isso que procuramos ler em “até ela”). E,<br />
por mais que a sociedade burguesa se autocritique e ria de si mesma, seria interessante<br />
nos perguntarmos se ela suportaria a dessubjetivação e a a-significância quase absolutas<br />
às quais o riso de Leminski parece querer fazê-la atingir, fazendo-a fugir. Isto ocorre<br />
porque os seus poemas (mesmo quando as linhas da poesia se misturam às da dor)<br />
parecem ser atos de alegria, comprometidos mais com a disseminação do desejo na<br />
superfície da vida (do texto, da multiplicidade) do que com a busca/descoberta<br />
responsável das verdades ‘sérias’ e profundas. Poesia de produção e expansão e não de<br />
representação e aprofundamento. Qualquer profundidade que se insinua (qualquer<br />
presença, centralidade, verdade) parece ser atingida pelo riso que funciona (estamos de<br />
acordo com Bergson) como corretivo moral nos seus poemas. Mas a correção de rumos,<br />
aqui, quer se precipitar numa fuga alucinada de qualquer ressocialização sedentária,<br />
criando uma moralidade nômade que ri dos sistemas fechados e centrados e de sua<br />
tentativa de fazer cessar a fuga. Vejamos o poema a seguir:<br />
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