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Língua inaugural, primordial, se confunde com a divindade que nos constitui, mas as<br />
diferenças lingüísticas (a variedade de línguas) são um sinal da imperfeição e da<br />
discórdia dos homens, alijando-os da perfeição universal, homogênea e concordante.<br />
Até aqui poderíamos dizer que há uma espécie de saudade da origem, do<br />
momento em que o homem estava em paz consigo, com a natureza e com Deus. Apenas<br />
alguns inconvenientes a esta leitura, como no quarto verso que parece remeter ao<br />
circunstancial e à vivência imediata das sensações, mas que poderia muito bem ser<br />
resolvido com o argumento de que se trata de uma ingenuidade do homem mais<br />
próximo, temporal e culturalmente, da natureza. Por trás desta leitura paira a sombra de<br />
uma presença, algo ou alguém doador do sentido, dotado de uma unidade essencial.<br />
Mas esta unidade original pode remeter tanto a um mundo ordenado e hierarquizado<br />
quanto a uma espécie de caos primordial. A leitura que remete à presença de um Ser vai<br />
na primeira direção, mesmo que fora deste Ser o mundo seja um caos: há uma unidade<br />
pré-existente que, por sua vontade, pode concertar (ou desconcertar) o universo.<br />
Se atentarmos para os versos do terceiro quarteto (este poema se constrói por<br />
quartetos), parece que eles tomam uma outra direção:<br />
Um idioma perfeito,<br />
quase não tinha objeto.<br />
Pronomes do caso reto,<br />
nunca acabavam sujeitos.<br />
Notamos que suas rimas são estruturadas de maneira diferente dos anteriores: são<br />
opostas (ABBA) enquanto que os dois primeiros quartetos se constroem por rimas<br />
alternadas (ABAB). Em primeiro lugar, isto marca uma diferença formal a partir deste<br />
ponto do poema e que corresponderá a uma diferença de sentido: a alternância rímica<br />
corresponde àquela língua original e perfeita, da qual a simetria certamente seria uma<br />
característica. As rimas opostas, embora simétricas, representam uma dissonância no<br />
andamento contínuo dos versos anteriores: insere-se uma simetria de outra ordem, que<br />
tem o sabor de uma assimetria. Esta é reforçada pelo tamanho dos períodos que, nos<br />
versos anteriores, coincidiam com os quartetos. Neste quarteto há dois períodos, cada<br />
um correspondendo a um dístico: novamente uma simetria de outra ordem, que perturba<br />
o andamento inicial e constante do poema. Se atentarmos ainda mais, vemos (ouvimos)<br />
que todos os versos deste quarteto, na verdade, rimam entre si: ‘perfeito/objeto’ e<br />
‘reto/sujeito’ são rimas imperfeitas: outra simetria local que leva a uma assimetria em<br />
relação ao resto do poema. Mas esta rima continuada também ocorre no primeiro<br />
quarteto (mim/fiz/fim/aquis), o que parece ser um indício de que o poema já nasceu<br />
prenhe de uma certa assimetria geral, pois a rima continuada (toante) mina a simetria da<br />
alternância desde o início. Somente o segundo quarteto tem uma alternância rímica bem<br />
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