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LEMINSKI SEM LEME

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menos localizado e mais amplo: o horizonte está aberto ao olhar, mas não aos ouvidos.<br />

Além do mais, o olhar no espelho permite um ‘ver-se’ com exatidão (imagem),<br />

possibilitando que o sujeito se torne uma ponte para a transcendência ou a própria<br />

transcendência (caso do romantismo). O texto de que se fala está, portanto, sempre<br />

dependente de seu tempo e de seu espaço para se orientar, fechando a possibilidade de<br />

uma visão transcendente, já que opera por ‘distâncias mínimas’ e delas depende para<br />

sobreviver.<br />

O terceiro verso reforça (ou explicita) este dado: “um texto texto cego”. A<br />

repetição das palavras remete ao tatear de um cego, mais especificamente ao tateio de<br />

um radar, portanto auditivo, mas que, em todo caso precisa de objetos próximos para se<br />

orientar. A palavra ‘cego’, rimando com ‘ecos’ e ‘morcego’, trata de reafirmar ainda<br />

mais as limitações do texto, além de explicitar um recurso muito utilizado por Leminski<br />

em seus poemas (e neste em particular), que é a ocultação de palavras dentro de outras,<br />

multiplicando o sentido do texto: assim, ‘morcego’ já contém ‘cego’ e ambos os semas<br />

contêm ‘ego’. A partir daí se estabelece uma analogia (talvez seja melhor dizer<br />

superposição) entre o texto e o ego, a palavra e a consciência, a linguagem e o sujeito,<br />

todos já portadores da qualidade da cegueira. Qualidade que lhes é inata, pois inscrita no<br />

próprio corpo (da palavra) pelo recurso do anagrama — tomando esta figura num<br />

sentido bem amplo de ocultação de palavras dentro de outras ou numa frase.<br />

O quarto verso (“um eco anti anti anti antigo”) expõe um paradoxo, pois num<br />

sentido, o tateio do eco/ego (outra superposição), de reverberação em reverberação leva<br />

ao antigo, que remete à cultura ou à tradição que só pode ser transmitida de modo<br />

indireto e deformado pela última geração, contemporânea ao texto/sujeito, isto é, só<br />

pode ser absorvida num espaço-tempo circunstancial. Outro sentido, decorrente do<br />

procedimento anagramático, é a leitura como um eco anti-antigo, isto é, novo,<br />

contemporâneo. Pior (ou melhor): se considerarmos cada ‘anti’ como uma negação,<br />

forma-se uma cadeia que se diz e desdiz continuamente: novo-antigo-novo-antigo...<br />

Este paradoxo é o da própria cultura que é ao mesmo tempo um estoque e um fluxo; um<br />

passado que sempre se presentifica e se projeta adiante, continuamente. Estávamos<br />

falando de indivíduo, sujeito, mas aqui já falamos de uma outra coisa, a saber, de uma<br />

coletividade ou pluralidade encerrada sob os nomes de tradição e cultura. O eco, o grito<br />

que retorna não o faz do mesmo modo que saiu: ele volta prenhe de cultura, o que era de<br />

se esperar já que salão em que se move o texto-morcego é o seu contexto: chamemoslhe<br />

provisoriamente de cultura.<br />

Mas há mais confusões para nos enredarmos, pois todo o poema não tem<br />

pontuação e um dos sentidos possíveis é a identidade entre o texto-morcego (que é<br />

também o sujeito, o ego) e o eco: o período poderia ser reescrito assim: Um texto texto<br />

cego, um eco anti anti antigo, um grito na parede rede rede, volta verde verde verde.<br />

Aqui se instaura uma confusão entre o sujeito, o verbo e o predicado. Eis as frases<br />

pacificadoras que a lógica discursiva procuraria no poema: O texto/ego (sujeito) grita<br />

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