15.04.2013 Views

VÁRIAS HISTÓRIAS Machado de Assis - a casa do espiritismo

VÁRIAS HISTÓRIAS Machado de Assis - a casa do espiritismo

VÁRIAS HISTÓRIAS Machado de Assis - a casa do espiritismo

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

entranhas, e chamar-te-ás Maria <strong>de</strong> Nazaré. Que mais queres tu?<br />

Realeza, poesia, divinda<strong>de</strong>, tu<strong>do</strong> trocas por uma estulta obediência.<br />

Nem será só isso. Toda a natureza te fará bela e mais bela. Cores das<br />

folhas ver<strong>de</strong>s, cores <strong>do</strong> céu azul, vivas ou pálidas, cores da noite, hão<br />

<strong>de</strong> refletir nos teus olhos. A mesma noite, <strong>de</strong> porfia com o sol, virá<br />

brincar nos teus cabelos. Os filhos <strong>do</strong> teu seio tecerão para ti as<br />

melhores vestiduras, comporão os mais finos aromas, e as aves te<br />

darão as suas plumas, e a terra as suas flores, tu<strong>do</strong>, tu<strong>do</strong>, tu<strong>do</strong>...<br />

Eva escutava impassível; Adão chegou, ouviu-os e confirmou a<br />

resposta <strong>de</strong> Eva; nada valia a perda <strong>do</strong> paraíso, nem a ciência, nem o<br />

po<strong>de</strong>r, nenhuma outra ilusão da terra. Dizen<strong>do</strong> isto, <strong>de</strong>ram as mãos<br />

um ao outro, e <strong>de</strong>ixaram a serpente, que saiu pressurosa para dar<br />

conta ao Tinhoso.<br />

Deus, que ouvira tu<strong>do</strong>, disse a Gabriel:<br />

— Vai, arcanjo meu, <strong>de</strong>sce ao paraíso terrestre, on<strong>de</strong> vivem Adão e<br />

Eva, e traze-os para a eterna bem-aventurança, que mereceram pela<br />

repulsa às instigações <strong>do</strong> Tinhoso.<br />

E logo o arcanjo, pon<strong>do</strong> na cabeça o elmo <strong>de</strong> diamante, que rutila<br />

como um milhar <strong>de</strong> sóis, rasgou instantaneamente os ares, chegou a<br />

Adão e Eva, e disse-lhes:<br />

— Salve, Adão e Eva. Vin<strong>de</strong> comigo para o paraíso, que merecestes<br />

pela repulsa às instigações <strong>do</strong> Tinhoso.<br />

Um e outro, atônitos e confusos, curvaram o colo em sinal <strong>de</strong><br />

obediência; então Gabriel <strong>de</strong>u as mãos a ambos, e os três subiram<br />

até à estância eterna, on<strong>de</strong> miría<strong>de</strong>s <strong>de</strong> anjos os esperavam,<br />

cantan<strong>do</strong>:<br />

— Entrai, entrai. A terra que <strong>de</strong>ixastes, fica entregue às obras <strong>do</strong><br />

Tinhoso, aos animais ferozes e maléficos, às plantas daninhas e<br />

peçonhentas, ao ar impuro, à vida <strong>do</strong>s pântanos. Reinará nela a<br />

serpente que rasteja, babuja e mor<strong>de</strong>, nenhuma criatura igual a vós<br />

porá entre tanta abominação a nota da esperança e da pieda<strong>de</strong>.<br />

E foi assim que Adão e Eva entraram no céu, ao som <strong>de</strong> todas as<br />

cítaras, que uniam as suas notas em um hino aos <strong>do</strong>us egressos da<br />

criação...<br />

... Ten<strong>do</strong> acaba<strong>do</strong> <strong>de</strong> falar, o juiz-<strong>de</strong>-fora esten<strong>de</strong>u o prato a D.<br />

Leonor para que lhe <strong>de</strong>sse mais <strong>do</strong>ce, enquanto os outros convivas<br />

olhavam uns para os outros, embasbaca<strong>do</strong>s; em vez <strong>de</strong> explicação,<br />

ouviam uma narração enigmática, ou, pelo menos, sem senti<strong>do</strong><br />

aparente. D. Leonor foi a primeira que falou:<br />

— Bem dizia eu que o Sr. Veloso estava logran<strong>do</strong> a gente. Não foi<br />

isso que lhe pedimos, nem nada disso aconteceu, não é, frei Bento?<br />

— Lá o saberá o Sr. juiz, respon<strong>de</strong>u o carmelita sorrin<strong>do</strong>.<br />

E o juiz-<strong>de</strong>-fora, levan<strong>do</strong> à boca uma colher <strong>de</strong> <strong>do</strong>ce:<br />

— Pensan<strong>do</strong> bem, creio que nada disso aconteceu; mas também, D.<br />

Leonor, se tivesse aconteci<strong>do</strong>, não estaríamos aqui saborean<strong>do</strong> este<br />

<strong>do</strong>ce, que está, na verda<strong>de</strong>, uma cousa primorosa. É ainda aquela<br />

sua antiga <strong>do</strong>ceira <strong>de</strong> Itapagipe?<br />

57

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!