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VÁRIAS HISTÓRIAS Machado de Assis - a casa do espiritismo

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ser que entrasse também nisso um pouco <strong>de</strong> amor-próprio, uma<br />

intenção <strong>de</strong> diminuir os obséquios <strong>do</strong> mari<strong>do</strong>, para tornar menos dura<br />

a aleivosia <strong>do</strong> ato.<br />

Foi por esse tempo que Rita, <strong>de</strong>sconfiada e medrosa, correu à<br />

cartomante para consultá-la sobre a verda<strong>de</strong>ira causa <strong>do</strong><br />

procedimento <strong>de</strong> Camilo. Vimos que a cartomante restituiu-lhe a<br />

confiança, e que o rapaz repreen<strong>de</strong>u-a por ter feito o que fez.<br />

Correram ainda algumas semanas. Camilo recebeu mais duas ou três<br />

cartas anônimas, tão apaixonadas, que não podiam ser advertência<br />

da virtu<strong>de</strong>, mas <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> algum preten<strong>de</strong>nte; tal foi a opinião <strong>de</strong><br />

Rita, que, por outras palavras mal compostas, formulou este<br />

pensamento: — a virtu<strong>de</strong> é preguiçosa e avara, não gasta tempo nem<br />

papel; só o interesse é ativo e pródigo.<br />

Nem por isso Camilo ficou mais sossega<strong>do</strong>; temia que o anônimo<br />

fosse ter com Vilela, e a catástrofe viria então sem remédio. Rita<br />

concor<strong>do</strong>u que era possível.<br />

— Bem, disse ela; eu levo os sobrescritos para comparar a letra com<br />

as das cartas que lá aparecerem; se alguma for igual, guar<strong>do</strong>-a e<br />

rasgo-a...<br />

Nenhuma apareceu; mas daí a algum tempo Vilela começou a<br />

mostrar-se sombrio, falan<strong>do</strong> pouco, como <strong>de</strong>sconfia<strong>do</strong>. Rita <strong>de</strong>u-se<br />

pressa em dizê-lo ao outro, e sobre isso <strong>de</strong>liberaram. A opinião <strong>de</strong>la é<br />

que Camilo <strong>de</strong>via tornar à <strong>casa</strong> <strong>de</strong>les, tatear o mari<strong>do</strong>, e po<strong>de</strong> ser até<br />

que lhe ouvisse a confidência <strong>de</strong> algum negócio particular. Camilo<br />

divergia; aparecer <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> tantos meses era confirmar a suspeita<br />

ou <strong>de</strong>núncia. Mais valia acautelarem-se, sacrifican<strong>do</strong>-se por algumas<br />

semanas. Combinaram os meios <strong>de</strong> se correspon<strong>de</strong>rem , em caso <strong>de</strong><br />

necessida<strong>de</strong>, e separaram-se com lágrimas.<br />

No dia seguinte, estan<strong>do</strong> na repartição, recebeu Camilo este bilhete<br />

<strong>de</strong> Vilela: "Vem já, já, à nossa <strong>casa</strong>; preciso falar-te sem <strong>de</strong>mora."<br />

Era mais <strong>de</strong> meio-dia. Camilo saiu logo; na rua, advertiu que teria<br />

si<strong>do</strong> mais natural chamá-lo ao escritório; por que em <strong>casa</strong>? Tu<strong>do</strong><br />

indicava matéria especial, e a letra, fosse realida<strong>de</strong> ou ilusão,<br />

afigurou-se-lhe trêmula. Ele combinou todas essas cousas com a<br />

notícia da véspera.<br />

— Vem já, já, à nossa <strong>casa</strong>; preciso falar-te sem <strong>de</strong>mora, — repetia<br />

ele com os olhos no papel.<br />

Imaginariamente, viu a ponta da orelha <strong>de</strong> um drama, Rita subjugada<br />

e lacrimosa, Vilela indigna<strong>do</strong>, pegan<strong>do</strong> da pena e escreven<strong>do</strong> o<br />

bilhete, certo <strong>de</strong> que ele acudiria, e esperan<strong>do</strong>-o para matá-lo.<br />

Camilo estremeceu, tinha me<strong>do</strong>: <strong>de</strong>pois sorriu amarelo, e em to<strong>do</strong><br />

caso repugnava-lhe a idéia <strong>de</strong> recuar, e foi andan<strong>do</strong>. De caminho,<br />

lembrou-se <strong>de</strong> ir a <strong>casa</strong>; podia achar algum reca<strong>do</strong> <strong>de</strong> Rita, que lhe<br />

explicasse tu<strong>do</strong>. Não achou nada, nem ninguém. Voltou à rua, e a<br />

idéia <strong>de</strong> estarem <strong>de</strong>scobertos parecia-lhe cada vez mais verossímil;<br />

era natural uma <strong>de</strong>núncia anônima, até da própria pessoa que o<br />

ameaçara antes; podia ser que Vilela conhecesse agora tu<strong>do</strong>. A<br />

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