VÁRIAS HISTÓRIAS Machado de Assis - a casa do espiritismo
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ficasse, e ficou. Quem sabe? Era tu<strong>do</strong> passageiro, cousas <strong>de</strong> uma<br />
noite, namoro <strong>de</strong> São João; afinal, ele era amigo da <strong>casa</strong>, e tinha a<br />
estima da família; bastava que pedisse a moça, para obtê-la. E<br />
<strong>de</strong>pois esse Queirós podia não ter meios <strong>de</strong> <strong>casa</strong>r. Que emprego era<br />
o <strong>de</strong>le na Santa Casa? Talvez alguma cousa reles... Nisto, olhou<br />
obliquamente para a roupa <strong>de</strong> Queirós, enfiou-se-lhe pelas costuras,<br />
escrutou o bordadinho da camisa, apalpou os joelhos das calças, a<br />
ver-lhe o uso, e os sapatos, e concluiu que era um rapaz caprichoso,<br />
mas provavelmente gastava tu<strong>do</strong> consigo, e <strong>casa</strong>r era negócio sério.<br />
Podia ser também que tivesse mãe viúva, irmãs solteiras... Rangel<br />
era só.<br />
— Tio Rufino, toque uma quadrilha.<br />
— Não posso; flauta <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> comer faz indigestão. Vamos a um<br />
víspora.<br />
Rangel <strong>de</strong>clarou que não podia jogar, estava com <strong>do</strong>r <strong>de</strong> cabeça: mas<br />
Joaninha veio a ele e pediu-lhe que jogasse com ela, <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong>. —<br />
"Meia coleção para o senhor, e meia para mim", disse ela, sorrin<strong>do</strong>;<br />
ele sorriu também e aceitou. Sentaram-se ao pé um <strong>do</strong> outro.<br />
Joaninha falava-lhe, ria, levantava para ele os belos olhos, inquieta,<br />
mexen<strong>do</strong> muito a cabeça para to<strong>do</strong>s os la<strong>do</strong>s. Rangel sentiu-se<br />
melhor, e não tar<strong>do</strong>u que se sentisse inteiramente bem. Ia marcan<strong>do</strong><br />
à toa, esquecen<strong>do</strong><br />
alguns números, que ela lhe apontava com o <strong>de</strong><strong>do</strong>, — um <strong>de</strong><strong>do</strong> <strong>de</strong><br />
ninfa, dizia ele, consigo; e os <strong>de</strong>scui<strong>do</strong>s passaram a ser <strong>de</strong> propósito,<br />
para ver o <strong>de</strong><strong>do</strong> da moça, e ouvi-la ralhar: "O senhor é muito<br />
esqueci<strong>do</strong>; olhe que assim per<strong>de</strong>mos o nosso dinheiro..."<br />
Rangel pensou em entregar-lhe a carta por baixo da mesa; mas não<br />
estan<strong>do</strong> <strong>de</strong>clara<strong>do</strong>s, era natural que ela a recebesse com espanto e<br />
estragasse tu<strong>do</strong>; cumpria avisá-la. Olhou em volta da mesa: to<strong>do</strong>s os<br />
rostos estavam inclina<strong>do</strong>s sobre os cartões, seguin<strong>do</strong> atentamente os<br />
números. Então, ele inclinou-se à direita, e baixou os olhos aos<br />
cartões <strong>de</strong> Joaninha, como para verificar alguma coisa.<br />
— Já tem duas quadras, cochichou ele.<br />
— Duas, não; tenho três.<br />
— Três, é verda<strong>de</strong>, três. Escute...<br />
— E o senhor?<br />
— Eu duas.<br />
— Que duas o quê? São quatro.<br />
Eram quatro; ela mostrou-lhas inclinada, roçan<strong>do</strong> quase a orelha<br />
pelos lábios <strong>de</strong>le; <strong>de</strong>pois, fitou-o rin<strong>do</strong> e abanan<strong>do</strong> a cabeça: "O<br />
senhor! o senhor!" Rangel ouviu isto com singular <strong>de</strong>leite; a voz era<br />
tão <strong>do</strong>ce, e a expressão tão amiga, que ele esqueceu tu<strong>do</strong>, agarrou-a<br />
pela cintura, e lançou-se com ela na eterna valsa das quimeras. Casa,<br />
mesa, convivas, tu<strong>do</strong> <strong>de</strong>sapareceu, como obra vã da imaginação,<br />
para só ficar a realida<strong>de</strong> única, ele e ela, giran<strong>do</strong> no espaço, <strong>de</strong>baixo<br />
<strong>de</strong> um milhão <strong>de</strong> estrelas, acesas <strong>de</strong> propósito para alumiá-los.<br />
Nem carta, nem nada. Perto da manhã foram to<strong>do</strong>s para a janela ver<br />
sair os convida<strong>do</strong>s <strong>do</strong> baile fronteiro. Rangel recuou espanta<strong>do</strong>. Viu<br />
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