Djalma Limongi Batista - Cineclube Brasil
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evista cineclubebrasil<br />
novembro 2004<br />
24<br />
<strong>Cineclube</strong><br />
artigo<br />
A iniciativa de exibir filmes nacionais e promover debates em<br />
espaços alternativos e para públicos novos é uma aventura<br />
no <strong>Brasil</strong>. A primeira dificuldade é a mais essencial: a captação<br />
de recursos. Dificilmente o governo ou órgãos privados costumam<br />
(ou costumavam) financiar este tipo de atividade. E enfocar<br />
o cinema brasileiro, em exibições públicas e regulares, é também<br />
uma batalha contra preconceitos históricos e um certo<br />
reacionarismo ainda existente nas áreas da educação e cultura.<br />
Os cineclubes tiveram força, em nível nacional, em tempos<br />
infelizmente remotos. Hoje, a prática do cineclubismo e o termo<br />
“cineclube”, para o grande público e para os neo-intelectuais<br />
que costumam freqüentar os circuitos de “cinema de<br />
arte”, devem possuir muito pouco significado. Parecem, para<br />
muitos, uma expressão arcaica. As salas de exibição que<br />
ainda se preocupam em mostrar filmes brasileiros não apenas<br />
para “cumprir a lei” são pouquíssimas quando comparadas<br />
às salas multiplex, de exibição estritamente comercial, que<br />
proliferam nas megalópoles do País.<br />
Existem públicos hoje no <strong>Brasil</strong> (como existiam nos anos 80,<br />
70, 60...) que carecem do cinema como expressão da cultura<br />
popular brasileira, não como expressão de mímica cultural<br />
ianque. O cinema norte-americano e o europeu dominam o<br />
mercado brasileiro. Em pleno início do século XXI, nem mesmos<br />
nos circuitos de “cinema de arte” é possível assistir com<br />
freqüência a filmes gerados dentro da própria América Latina.<br />
Onde estão esses filmes? Em festivais elitistas e em raras<br />
mostras no circuito alternativo.<br />
O município de São Gonçalo, o segundo maior em população do<br />
estado do Rio de Janeiro — 833 mil habitantes, segundo o<br />
anuário estatístico fluminense de 1998 —, possui oficialmente<br />
três salas de cinema. Duas se encontram dentro de um shopping.<br />
Niterói, cidade vizinha e muito menor em números de população<br />
e área geográfica, tem mais de 10 salas. Em São Gonçalo, a<br />
exibição de filmes é feita segundo uma demanda comercial em<br />
âmbito estadual/nacional. Quer dizer, os filmes em cartaz são os<br />
mesmos já exibidos em outras grandes cidades e de comprovado<br />
sucesso de bilheteria. Estes filmes também são sucesso de<br />
público em São Gonçalo. Não importa se é um besteirol marqueteiro<br />
produzido pela Xuxa, um enlatado norte-americano ou uma animação<br />
alienante dos estúdios Disney. Filmes de qualidade artística<br />
e técnica, com conteúdo que sirva ao público em seu contexto<br />
social, político, cultural, etc., raramente são vistos naquela cidade.<br />
Em 1998, foi apresentado um projeto à Secretaria de Educação<br />
e Cultura de São Gonçalo, com a proposta transformadora de<br />
o o cineclube cineclube e e a a aventura aventura do<br />
do<br />
cinema cinema na na educação<br />
educação<br />
Chico Serra<br />
exibir filmes em espaços alternativos e em escolas públicas, como<br />
forma de linguagem popular para tornar possível uma reflexão<br />
sobre a cultura e a história brasileiras. O público/espectador, ao<br />
assistir a filmes brasileiros (e também estrangeiros) transgressores<br />
— no sentido artístico, político, estético e técnico —, dificilmente<br />
deixaria de ser atraído pelo audiovisual como força de transformação<br />
cultural/artística/política.<br />
O projeto <strong>Cineclube</strong> da Subsecretaria de Cultura da Prefeitura<br />
de São Gonçalo nasceu em outubro de 1998, coordenado<br />
por mim e por David Castro Alves (técnico) e com<br />
apoio de Igor Cabral e Sonia Hernandez, então estudantes<br />
do curso de cinema da Universidade Federal Fluminense<br />
(UFF), e do secretário João Luiz de Souza. Apesar da<br />
escassez de recursos, extraídos a fórceps da Prefeitura,<br />
mantínhamos uma programação mensal, no Centro Cultural<br />
de São Gonçalo e em escolas públicas, com filmes 100%<br />
brasileiros e algumas obras estrangeiras.<br />
Contou ainda com apoio inestimável da Funarte; do Centro Técnico<br />
Audiovisual (CTAv), através da Wanda Ribeiro; da Aliança<br />
Francesa; do Departamento de Cinema e Vídeo da UFF; da<br />
Faculdade de Formação de Professores (Universidade do<br />
Estado do Rio de Janeiro), em São Gonçalo; da Prefeitura de<br />
Niterói, através do então diretor do Departamento de Ciência e<br />
Tecnologia, Barroco, que coordenou nos anos 80 o <strong>Cineclube</strong><br />
“Cantareira”, promovendo ampla programação de filmes<br />
brasileiros para alunos de ensino médio; e de outras inúmeras<br />
empresas e instituições que cederam filmes e vídeos, apostando<br />
sempre na sua exibição para um público novo e com poucas<br />
condições de subsidiar e/ou mesmo assistir a um cinema livre da<br />
colonização euro-norte-americana. Afinal, os cinemas sãogonçalenses<br />
estão colonizados, como estão os do circuito<br />
comercial no Rio e no <strong>Brasil</strong> todo; por isso, os filmes ruins (no<br />
sentido cultural) que fazem sucesso no Rio de Janeiro, em São<br />
Gonçalo ou em qualquer outra cidade do <strong>Brasil</strong> são quase sempre<br />
os mesmos.<br />
Ficou provadoi que as escolas municipais e estaduais estão<br />
prontas para receber o cinema como arma de guerrilha cultural,<br />
combatendo certas sabotagens cometidas na educação pública<br />
pelo governo federal e todos os outros governos e forças<br />
coletivas e individuais que insistem em deseducar para domesticar<br />
o povo. A grande maioria dos alunos das escolas visitadas<br />
que assistiram a projeções em 16mm e em vídeo pelo <strong>Cineclube</strong><br />
tornou-se simpatizante desta nova linguagem — que, para eles,<br />
era uma experiência nova, tanto no seu conteúdo técnico (a<br />
projeção cinematográfica), como no seu próprio espetáculo (os<br />
filmes). Em pesquisas realizadas, a maior parte desses<br />
estudantes, com idade entre 14 e 40 anos, afirmou nunca ter