AS LAGOAS COSTEIRAS - Georeferencial
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RELATÓRIO<br />
ÁRE<strong>AS</strong> ALAGÁVEIS DO NORTE FLUMINENSE<br />
Área 3- Lagoas do segmento sul da Restinga Norte:<br />
entre a margem direita do Paraíba e o Cabo de São Tomé;<br />
Doutores: Marina Satika Suzuki, Ronaldo Novelli, Dalcio Ricardo de Andrade e<br />
Aristides Arthur Soffiati Netto<br />
2005
2 2<br />
INTRODUÇÃO<br />
Como forma de compensação ambiental, a empresa de energia El Paso destinou à<br />
Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, hoje SEMADUR, a<br />
importância de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) para levantamento das lagoas do norte do<br />
Estado do Rio, todas elas consideradas costeiras. Estes recursos foram repassados ao<br />
Instituto Terra, que, por sua vez, firmou contrato com a Universidade Estadual do Norte<br />
Fluminense e o professor Aristides Arthur Soffiati Netto, para, na condição de consultoria,<br />
efetuarem o levantamento das lagoas do norte fluminense em seus aspectos históricos,<br />
limnológicos, ictiológicos e ornitológicos.<br />
Para tanto, o território compreendido entre os rios Itabapoana e das Ostras, objeto<br />
deste levantamento, foi dividido em cinco áreas, a saber:<br />
Área 1- Lagoas do Tabuleiro e Restinga norte (segmento norte): entre os rios<br />
Itabapoana - Paraíba do Sul - Muriaé;<br />
Área 2- Lagoas da Planície Aluvial: entre os rios Paraíba (margem direita) - Muriaé<br />
(margem direita) - Canal de Jagoroaba;<br />
Área 3- Lagoas do segmento sul da Restinga Norte: entre a margem direita do Paraíba<br />
e o Cabo de São Tomé;<br />
Área 4- Lagoas do Tabuleiro sul - Restinga sul: entre o canal de Jagoroaba e o rio<br />
Macaé, área correspondente ao Parque Nacional de Jurubatiba;<br />
Área 5- Lagoas entre os rios Macaé e das Ostras.<br />
Embora se tenha estabelecido que a ordem a ser seguida, por premência de tempo e<br />
por prioridade de importância, começasse pela área 2, continuando com as áreas 3, 1, 5 e 4,<br />
entendeu o grupo, constituído pelos professores doutores Marina Satika Suzuki, Ronaldo<br />
Novelli, Dalcio Ricardo de Andrade e Aristides Arthur Soffiati Netto, que os trabalhos,<br />
começados com grande atraso, poderiam avançar mais rapidamente com o conhecimento<br />
acumulado pelos estudiosos sobre as lagoas costeiras da Área 3.<br />
Assim fez e apresenta o primeiro relatório do Projeto Estratégia de Conservação do<br />
Litoral Norte do Estado do Rio de Janeiro.
Dr. Aristides Arthur Soffiati Netto<br />
Geologia e sistemas hídricos<br />
3 3<br />
ECOFISIONOMIA E HISTÓRIA<br />
Ainda hoje, o trecho entre a margem direita do rio Paraíba do Sul e a lagoa do Açu,<br />
no interior da maior restinga do Estado do Rio de Janeiro, é pouco conhecido. Os viajantes<br />
naturalistas do século XIX costumavam vir do Rio de Janeiro ou de Salvador pela costa.<br />
Mas, chegando à praia do Cabo de São Tomé, rumavam para Campos tomando uma estrada<br />
que os afastava do litoral e só voltavam a ele descendo o rio Paraíba do Sul até a foz e<br />
passando para a margem esquerda deste, dirigindo-se ao Espírito Santo. Este roteiro foi<br />
percorrido por Maximiliano de Wied-Neuwied, Friedrich Sellow, Georg Wilhelm Freyreiss,<br />
Auguste de Saint-Hilaire, Antonio Muniz de Souza, Charles Ribeyrolles e Jacob Tschudi.<br />
Não se passava na seção meridional da restinga, entre Barra do Furado, Cabo de São Tomé e<br />
a foz do rio Paraíba do Sul. O caminho para o norte só voltava a esta restinga em sua seção<br />
setentrional, entre a margem esquerda do rio Paraíba do Sul e a praia de Manguinhos. Eis<br />
porque a restinga entre Macaé e Barra do Furado foi mais conhecida que o trecho de restinga<br />
entre o Cabo de São Tomé e a margem direita do rio Paraíba do Sul. E o curioso é que, até<br />
hoje, a comunidade científica se dedica mais ao estudo da restinga sul que ao da restinga<br />
norte.<br />
Com relação a este trecho de restinga, existem referências que remontam ao século<br />
XVI, registradas por navegantes que não tocaram em terra por dois grandes medos: os<br />
baixios do Cabo de São Tomé e os temíveis índios goitacás. No século XVIII, Manoel<br />
Martins do Couto Reis percorreu toda a restinga para desenhar sua carta e redigir seu<br />
relatório, ambos famosos. No século XIX, nenhuma informação ultrapassou as que Couto<br />
Reis produziu. Já no século XX, foram produzidos pelo menos duas macro-interpretações<br />
para a formação geológica da restinga e escassos estudos pontuais sobre aspectos<br />
ecossistêmicos da mesma.<br />
Escrevendo em meados do século XVI, Jean de Léry registrou que “A primeiro de<br />
março alcançamos uma região de pequenos baixios, isto é, escolhos e restingas salpicadas de<br />
pequenos rochedos que entram pelo mar e que os navegantes evitam passando ao largo.<br />
Desse lugar avistamos uma terra plana na extensão de 15 léguas...” (LÉRY, 1961). Os<br />
pequenos rochedos a que se refere Léry devem ser falésias ou fragmentos delas. Depois, uma<br />
longa extensão de terras planas, bem típicas das restingas da região, até Macaé, ponto em que<br />
o cristalino confina com o mar e forma várias ilhas, como nota Léry.<br />
Redigido, ao que parece, a partir de 1573/1574 até, talvez, 1590, o Roteiro de todos<br />
os sinais conhecimentos, fundos, baixos, Alturas e derrotas, que há na Costa do Brasil desde
4 4<br />
o Cabo de Santo Agostinho até o estreito de Fernão de Magalhães, atribuído ao cartógrafo<br />
Luís Teixeira, alude a “uma restinga que entra dentro do mar 3 ou 4 léguas e é todo banco de<br />
areia”, coincidente com os parcéis do Cabo São Tomé, conforme comentário de Max Justo<br />
Guedes (TEIXEIRA, 1968).<br />
O Roteiro dos Sete Capitães, de 1651, contém a primeira descrição detalhada desse<br />
trecho da restinga. Os sete fidalgos ganharam terras do governo português entre os rios<br />
Iguaçu (atual lagoa do Açu) e Macaé. O documento traz reclamações dos viajantes pelas<br />
dificuldades em caminhar nos areais, menciona matas nas proximidades do mar e nas<br />
margens de lagoas costeiras, registra charnecas com areia e chavascais, com pontos<br />
alagadiços. No Brasil, charneca é sinônimo de pântano. O significado português da palavra,<br />
contudo, é o de terra arenosa, estéril, que apenas dá ervas bravias. O autor do manuscrito fala<br />
mais de uma vez que, saindo da faixa de areia do litoral e caminhando para o interior,<br />
encontravam-se charnecas com areais salpicados de lugares alagadiços e de matas situadas<br />
não muito longe do mar. Para o interior, alastravam-se as campinas. O contraste entre<br />
restinga e planície aluvial é nítido:<br />
“... caminhamos sobre a marinha e tivemos areais: para suportarmos das fadigas<br />
descemos das marinhas para a campina em razão dos areais; caminhamos<br />
beirando a campina da parte do noroeste; faziam lagos de água, e destas águas é<br />
formado o rio Iguaçu. Ele tem seu nascimento na grande Lagoa-feia, a que lhe<br />
demos o apelido, no fundo saco apantanado traz sua corrente a leste; suas águas<br />
são encanadas por uma espécie de rio, fazendo suas voltas, aonde traz sua<br />
corrente pela parte do sudoeste pelo sítio do curral do capitão Monteiro, na<br />
Costaneira, apelido que ele lhe deu; segue até certa altura da campina, seguindo<br />
para leste para a parte da marinha. Neste lugar finda o dito encanamento. Suas<br />
águas se espraiam pela dita campina, sempre a leste, não muito longe da marinha;<br />
deste lugar fazem sua quebra a procurar o nordeste, isto até a barra do dito Iguaçu,<br />
ao norte do cabo de São Tomé.”(MALDONADO e PINTO, 1894)<br />
Na segunda viagem, efetuada em 1633, os proprietários nomearam as lagoas costeiras<br />
das Bananeiras (entre a restinga e a planície aluvial), Salgada, do Taí e algumas outras que<br />
apresentam dificuldades de localização. As três viagens dos sete capitães constituíram-se na<br />
primeira experiência de reconhecimento da região, permitindo a identificação de quatro<br />
ambientes: as planícies de restinga, as planícies aluviais, as lagoas costeiras e as lagoas<br />
interiores, além de florestas (MALDONADO e PINTO, 1894).<br />
É neste documento que encontramos a nítida distinção entre solos arenosos de<br />
restinga, com florestas densas não muito longe do mar e vegetação herbácea junto às lagoas<br />
costeiras (com bastante probabilidade de ser a taboa, Typha domingensis), e os campos<br />
nativos de planície aluvial, revestidos com plantas herbáceas excelentes para o gado e com<br />
tufos de matas ombrófilas de planície nos pontos mais altos. Menção a uma árvore de nome
5 5<br />
quiriba sugere siriba ou cereíba, planta do gênero Avicennia, exclusivo de manguezais.<br />
Nominam-se também as palmas daiiá, possivelmente coqueiro-indaiá ou simplesmente<br />
indaiá (Attalea dubia), e raraí, cuja espécie não nos foi possível identificar. A fauna também<br />
aparece nele. Registra-se a abundância de peixes, sem, todavia, fornecer-lhes os nomes<br />
vulgares, salvo a piabanha, a existência de muitas aves grandes e pequenas, de veados, de<br />
capivaras e de macacos. Da leitura do texto, transparece a idéia de uma grande diversidade<br />
biológica e de extraordinária biomassa.<br />
Dois mapas de João Teixeira Albernaz, o Velho (1602-1666), ambos de 1631,<br />
mostram bem esta restinga, formando a enseada dos Goitacazes. Acima, o Cabo de São<br />
Tomé e o rio Paraíba do Sul. Para o interior, uma topografia aligeirada assinalando terras<br />
muito baixas junto à costa, terras de mediana altitude ao meio e montanhas ao fundo<br />
(ALBERNAZ, 2000).<br />
Por ordem do Conde de Cunha, capitão geral e vice-rei do Brasil, Manuel Vieira<br />
Leão, sargento-mor e governador da fortaleza do Castelo de São Sebastião da cidade do Rio<br />
de Janeiro, traçou, em 1767, uma carta topográfica da Capitania do Rio de Janeiro. Quanto à<br />
costa entre os rios Macaé e Itabapoana, o cartógrafo assinalou vários acidentes, com a<br />
precisão da época. Na restinga maior, entre o cabo de São Tomé e Manguinhos, pode-se<br />
visualizar toda a complexa rede de defluentes da lagoa Feia convergindo para o rio Iguaçu,<br />
as lagoas de Quivary (Iquipari), de Arasari (Grussaí), Taí Grande e Taí Pequeno, Jacaré e<br />
Bananeiras (LEÃO, 1767).<br />
O mais atento observador da região norte-noroeste fluminense no período colonial foi<br />
o capitão cartógrafo Manoel Martins do Couto Reis. Designado para traçar um mapa da parte<br />
norte da Capitania do Rio de Janeiro pelo vice-rei Luiz de Vasconcellos e Souza, ele redigiu<br />
também uma minuciosa descrição do território que desenhou, entregue à autoridade maior da<br />
colônia em 1785.<br />
Como ninguém até então, o militar percebeu com nitidez os degraus geomorfológicos<br />
do norte-noroeste fluminense. Identificou primeiro a planície, que ele denominou de campos,<br />
separados entre si por pequenos bosques, rios e pântanos. Na vasta planura, notou as<br />
diferenças de solo entre as terras formadas por sedimentos fluviais e as areias acumuladas<br />
por ação oceânica. Também percebeu as diferenças entre a vegetação da planície marinha e a<br />
da planície fluvial. Na primeira, arenosa, pouco aprazível e menos fecunda, a vegetação<br />
mostra-se emboscada e nada propícia a pastagens. Nas adjacências da lagoa Salgada, um<br />
ecossistema de restinga, fez registro dos bosques, salientando seus poucos préstimos e<br />
concluindo:
6 6<br />
“Em aquelas porções de terras areentas, que se terminam nas margens do Mar, e<br />
assim também nas restingas, pouco crescem os matos, são delgados, rasteiros,<br />
tortos, e pela maior parte de má qualidade, mas entre eles nascem algumas<br />
madeiras de muita estimação, e com a circunstância de serem mais sólidas, e rijas<br />
como é o pau-ferro.”(COUTO REIS, 1785).<br />
Referia-se, decerto, às depressões pantanosas intercordões das restingas, com<br />
vegetação apropriada para a pecuária, diminuindo a fertilidade nas proximidades da crista<br />
praial. Na avaliação da fertilidade das terras, Couto Reis volta às restingas. Do interior para a<br />
costa, passa-se das terras montanhosas para as terras planas, que, por sua vez, dividem-se em<br />
restingas, campos e florestas. Os de praia corresponderiam às restingas. Os campos<br />
propriamente ditos constituiriam a planície de massapé. As florestas designariam os<br />
tabuleiros (COUTO REIS, 1785, p.1 e 2).<br />
Na cartografia do militar, as lagoas de restinga merecem destaque especial. Na<br />
restinga examinada, figuram, na margem direita do rio Paraíba do Sul, o caudaloso rio<br />
Iguaçu, a lagoa Salgada (confrontando ao sul com o rio do Veiga e esgotando no brejo do<br />
Martinho e noutras partes baixas), o rio do Veiga (na verdade, uma lagoa alongada que se<br />
dirigia à barra do Açu), as lagoas de Guipari (Iquipari, situada ao pé do cômoro costeiro, tem<br />
sua barra aberta por pescadores quando muito cheia), de Guruçaí, (Grussaí, nome derivado<br />
de Guruçá, caranguejo branco – Ocypode quadrata – que habita a praia, e í, água, comunica-<br />
se com o Paraíba por compridos brejais), de Taí Grande (de fundo avultado, lança seus<br />
excedentes hídricos no brejo do Martinho e noutros que correm para o Paraíba; seu nome<br />
deriva de Intaá, concha comum na região, e í, água; deve referir-se à espécie Anodonta<br />
perlifera (=Anodonta trapezóide)) e de Taí Pequeno (nas cheias, despeja parte de suas águas<br />
na lagoa do Jacaré) (COUTO REIS, 1785, p.11-13).<br />
Diante da infinidade de lagoas existentes na região, o inventário do cartógrafo deixa,<br />
aparentemente, algo a desejar. Todavia, ele esclarece que, além das apontadas, “... há outras<br />
muitas, também avultadas, umas com continuada existência, ainda no tempo das maiores<br />
secas, e outras só o são enquanto há inundações.” (COUTO REIS, 1785, p. 10). As<br />
observações de Couto Reis confirmam a estreita vinculação de grande parte das lagoas da<br />
planície aluvial e de restinga e do tabuleiro às bacias do rio Paraíba do Sul e da lagoa Feia,<br />
colhendo de surpresa condições ambientais hoje não mais existentes.<br />
Em 1817, foi publicada a Corografia Brasílica, de Manoel Aires de Casal, com<br />
poucas referências às restingas do norte fluminense. Acerca dos distributários da Lagoa Feia,<br />
esclarece que eles são vários e que não alcançam o mar por esbarrarem em cômoro alto e<br />
extenso, formado de areia grossa e firme. Acrescenta, no entanto, que estes sangradouros se<br />
reúnem numa lagoa bastante alongada com feitio de rio que vence o cômoro com a força<br />
humana, que anualmente abre nele um vertedouro à enxada, permitindo que as águas escoem
7 7<br />
para o mar pelo rio Furado, fácil e rapidamente entupido por ação das ondas. Outro<br />
escoadouro é o rio Castanheta ou Iguaçu. No rol de Aires de Casal, figuram ainda as duas<br />
lagoas do Taí e a de Saquarema, no que toca a parte da restinga que estamos examinando<br />
(C<strong>AS</strong>AL, 1976).<br />
José Carneiro da Silva, Visconde de Araruama, escreveu uma pequena memória em<br />
1819. Tratando do sistema Lagoa Feia, ele dá notícia dos seus defluentes convergindo para o<br />
rio Iguaçu, que chegava ao mar pela barra do Canzoza, considerado por ele um curso morto<br />
após a abertura da barra do Furado pelo capitão José de Barcelos Machado, em 1688<br />
(SILVA, 1907).<br />
Uma das mais eloqüentes fontes sobre as restingas, no século XIX, é representada<br />
pela cartografia. Em 1839, Conrado Jacob de Niemeyer, Henrique Luiz de Niemeyer<br />
Bellegarde, Julio Frederico Koeler e Carlos Rivierre somavam esforços para reunir as<br />
informações colhidas por eles mesmos e outras fornecidas por Roussin, Miranda e Brito,<br />
Xavier de Brito, de Andrea, Cordeiro e Couto Reis, a fim de que o engenheiro Pedro de<br />
Taulois traçasse a Carta Corográfica da Província do Rio de Janeiro. Pode-se nela encontrar<br />
assinaladas várias lagoas costeiras entre o cabo de São Tomé e a foz do rio Paraíba do Sul.<br />
Registravam os cartógrafos as lagoas Salgada, Bananeiras e Grussaí. Como na carta de Couto<br />
Reis, de 1785, surpreende-se uma configuração geográfica bastante diferente da atual. Entre<br />
o rio Paraíba do Sul e a lagoa do Açu, havia duas seqüências de lagoas conectadas por canais<br />
a se entrelaçarem entre o Cabo de São Tomé e a Lagoa Feia, buscando a barra do Açu como<br />
escoadouro para o mar. Aproveitando-se desta base cartográfica, o Visconde J. de Villiers de<br />
L’Ile Adam publica, em 1846, a Carta Corográfica e Administrativa da Província do Rio de<br />
Janeiro e do Município Neutro. Na restinga em questão, aparecem as lagoas Salgada,<br />
Bananeiras, do Taim Grande e de Urucai (Grussaí) (L’ILE ADAM, 1846).<br />
Bellegarde e Niemeyer voltam à cena em 1865, com a Nova Carta Corográfica da<br />
Província do Rio de Janeiro, bem mais detalhada que a de 1839. Na restinga estudada, a<br />
representação do rio Iguaçu revela-se vigorosa, como um curso d’água bastante volumoso no<br />
qual desembocam os rios da Onça, Novo do Colégio, do Castanhete e do Furado, todos eles<br />
nascendo na lagoa Feia. Acima da barra do rio Açu ou Iguaçu, está assinalado o rio do<br />
Veiga, paralelo à linha de costa, vertendo no sentido norte-sul, em direção à foz do Açu. No<br />
mesmo sentido, sugerindo uma continuidade com o rio do Veiga, posicionam-se as lagoas de<br />
Iquipari e Guruçaí. Dos dois canais atravessando colares de lagoas entre a restinga e a<br />
planície aluvial, restou apenas um, interligando as lagoas do Taí Pequeno, dos Jacarés, das<br />
Bananeiras e Salgada, para atingir também a bacia do Iguaçu através do rio do Colégio<br />
(BELLEGARDE e NIEMEYER, 1865).
8 8<br />
Além dos três deltas propostos por Alberto Ribeiro Lamego em sua interpretação da<br />
formação geológica da planície fluviomarinha do rio Paraíba do Sul, examinados no capítulo<br />
anterior, ele aponta ainda o delta extravasor da lagoa Feia, grande reservatório d’água que<br />
ficou aberto até o advento das restingas. Depois de fechado, a força da água acumulada,<br />
notadamente no período das cheias, sulcou vários canais distributários ao sul do manancial<br />
lacustre. A maior parte reuniu-se no antigo leito do rio Iguaçu que desembocava no ponto<br />
mais baixo da costa, até a abertura da Barra do Furado, em 1688, pelo capitão José de<br />
Barcelos Machado. Diz Lamego que “Com exceção do Carapebas que se dirige para a Barra<br />
do Furado, o caminho natural dessa rede labiríntica era o Rio Açu que também recebe na<br />
margem esquerda o Rio Novo e vai buscar uma saída para o mar, num tortuoso curso entre<br />
restingas.” O trecho sul desta restinga é bastante merecedora da atenção de Lamego, que lhe<br />
aponta as lagoas da Ostra, Salgada, Pau Grande, Taí Grande, Taí Pequeno, do Barreiro, rio<br />
do Veiga, de Quipari e de Guruçaí (LAMEGO, 1955 e 1974).<br />
Curiosas são as informações contidas num mapa articulado em três folhas que<br />
acompanha um relatório geral de uma das empresas que trabalhavam para o extinto<br />
Departamento Nacional de Obras e Saneamento. Entre o Cabo de São Tomé e a margem<br />
direita do rio Paraíba do Sul, foram assinaladas as lagoas do Açu (ainda denominada rio<br />
Açu), Salgada, do Taí Pequeno, de Iquipari e de Grussaí (equivocadamente anotada como<br />
rio do Veiga) (GALLIOLI, 1969).<br />
Uma interpretação recente da formação geológica do delta do Paraíba sustenta que,<br />
findo o último máximo transgressivo, em torno de 5.100 A.P., o mar começa a regredir,<br />
favorecendo a colmatação de uma semilaguna no interior da qual ele avança. Ao norte do<br />
que virá a se transformar no cabo de São Tomé, uma reentrância facilita a acumulação de<br />
areia carreada por ondas provenientes do sul, iniciando-se, assim, a formação da restinga<br />
central. No âmbito da semilaguna, os braços do Paraíba continuam se ramificando e<br />
depositando sedimentos conduzidos de partes altas e avançando até atingir o oceano aberto<br />
com o rebaixamento brusco do nível do mar. Este braço funcionou como espigão hidráulico,<br />
barrando areia e aumentando a progradação da restinga. Daí em diante, a alternância de<br />
eventos transgressivos e regressivos de menor dimensão, de erosão e de construção acaba por<br />
consolidar a restinga norte, a maior da região e do futuro território do Estado do Rio de<br />
Janeiro. A colmatação progressiva da semilaguna, nesta restinga, forma as lagoas Salgada,<br />
das Ostras, da Flecha, do Mololô e outras. A Salgada foi proposta como sítio geológico para<br />
registro no patrimônio mundial (World Heritage Commitee – Unesco) pela presença<br />
significativa de estromatólitos recentes (SRIV<strong>AS</strong>TAVA, 1999). Na falta de uma barragem<br />
sólida, o defluente oceânico do Paraíba do Sul cumpre este papel como uma barragem
9 9<br />
líquida, represando areia na margem direita de sua foz e acumulando este material na<br />
margem esquerda.<br />
No processo de formação da planície aluvial e da restinga, ambas holocênicas, houve<br />
recuos e avanços da linha da costa, o que não sucedeu com a restinga meridional, constituída<br />
há cerca de 120 mil anos A.P. e não imersa pelo último máximo transgressivo. Num<br />
determinado momento, ela chegou mesmo a ultrapassar a linha atual, sobretudo na altura do<br />
Cabo de São Tomé, onde seu recuo deixou como rastro os parcéis até hoje encontrados<br />
naquele ponto (MARTIN, et al., 1984; In: LACERDA, 1984; e 1997).<br />
Pela amostra remanescente de vegetação entre Grussaí e Iquipari, pode-se<br />
reconstituir um cenário em que dois cursos d’água atravessavam a restinga em meio a matas<br />
cerradas que iam diminuindo de altitude à medida que se aproximavam da costa. Tocando-a,<br />
primeiro talvez mantivessem contato permanente com o mar. Em seguida, por força da<br />
energia oceânica, suas desembocaduras foram vedadas por barras arenosas que se abriam<br />
periodicamente por ação das águas acumuladas em sua caixa ou por transgressões marinhas<br />
em eventos de ressaca.<br />
Vegetação, economia e sociedade<br />
O primeiro cientista a se dedicar mais sistematicamente ao estudo da dimensão<br />
biótica das restingas do norte fluminense foi o botânico campista Alberto José de Sampaio.<br />
Em 1915, ele escreveu vários pequenos artigos acerca das avenidas naturais, do efeito dos<br />
ventos sobre a vegetação e do comportamento de saúvas no cômoro das restingas de Grussaí<br />
e Atafona (SAMPAIO, 1915 a, b, c).<br />
Em Fitogeografia do Brasil, livro resultante de um curso ministrado no Museu<br />
Nacional em 1932, o botânico divide as formações vegetais nativas em duas grandes<br />
províncias: a flora amazônica ou hiléia brasileira e a flora geral do Brasil ou extra-<br />
amazônica. Esta é dividida em seis zonas, uma delas a zona marítima que se subdivide em<br />
flora marinha, flora das ilhas costeiras e afastadas e flora halófila ou litorânea. No<br />
entendimento do autor, esta última subdivisão engloba a flora dos manguezais e a flora<br />
psamófila, aquela que medra nas areias de restingas e dunas (SAMPAIO, 1945).<br />
Sampaio desce ainda a detalhes quanto à flora psamófila em sua dimensão<br />
heteróclita, na medida em que as restingas apresentam variações topográficas e pedológicas.<br />
Assim, ele distingue, como integrando a flora psamófila, a flora xerófila lenhosa dos lugares<br />
altos, a flora higrófila das baixadas úmidas e a flora hidrófila dos alagados e lagoas<br />
(SAMPAIO, p. 223-227).<br />
Mais recentemente, Dorothy Sue Dunn de Araujo e Raimundo Henriques<br />
reconheceram que “As restingas ainda são pouco conhecidas com respeito a sua composição
10 10<br />
florística e as formações vegetais ali contidas, especialmente aquelas ao norte do Estado do<br />
Rio de Janeiro como demonstra uma análise da bibliografia existente para restingas até<br />
1982.” (ARAUJO e HENRIQUES in LACERDA, 1984).<br />
As formações vegetais ocorrentes em lagoas de restinga podem ser classificadas em<br />
mata periodicamente inundada, mata permanentemente inundada, herbácea brejosa e<br />
aquática. O primeiro tipo vive permanentemente em lâminas d’água rasas (até 50 cm.)<br />
resultantes de afloramentos de lençol freático. Caracteriza-se por manchas de vegetação<br />
arbórea pouco densas com dominância de Tabebuia cassinoides, cujos exemplares alcançam<br />
altura máxima de 10-15 metros. As matas periodicamente inundadas ocorrem nas depressões<br />
entre cordões arenosos, sujeitas ao afloramento do lençol freático na estação das águas.<br />
Podem apresentar dossel com 20 metros de altura, atingindo alguns indivíduos estatura de 23<br />
metros. Dominam esta formação as espécies Tapirira guianensis, Symphonia globulifera,<br />
Calophyllum brasiliense e Andira fraxinifolia no estrato superior. Mais abaixo, encontra-se<br />
Tabebuia cassinoides. A vegetação herbácea brejosa é encontrada nas depressões<br />
intercaladas às cristas da praia e nas extremidades dos braços de lagoas, ambientes sujeitos a<br />
variações sazonais extremas, ora secos, ora totalmente encharcados. As espécies mais<br />
comuns que ocorrem nestes meios são Typha domingensis, Cladium jamaicense, Sagittaria<br />
lancifolia e várias espécies de gramíneas e ciperáceas. Por fim, a vegetação aquática medra<br />
nas lagoas permanentes, onde mais comumente ocorrem Nymphaea ampla e N. rudgeana,<br />
Nymphoides humboldtiana, Eichhornia azuerea, Leersia hexandra, Eleocharis interstincta,<br />
Utricularia foliosa e U. gibba (ARAUJO, SCARANO, SÁ, KURTZ, ZALUAR,<br />
MONTEZUMA e OLIVEIRA in ESTEVES, 1998). No solo firme e arenoso das restingas,<br />
uma formação vegetal com influência marinha pode ser denominada de psamófila costeira,<br />
com zonação que vai desde vegetação herbácea, junto à costa, até vegetação arbustivo-<br />
arbórea no interior, passando por uma faixa de vegetação arbustiva modelada pelos ventos<br />
(ARAUJO, SCARANO, SÁ, KURTZ, ZALUAR, MONTEZUMA e OLIVEIRA in<br />
ESTEVES, 1998; SAMPAIO, 1915 a, b, 1945, e SOFFIATI, in ESTEVES e LACERDA,<br />
2000). Detalhando mais, um grupo de estudiosos esmiúça estas três zonações em terra firme,<br />
identificando as formações nativas halófila e psamófila reptante, arbustiva fechada de pós-<br />
praia, arbustiva aberta de Clusia, arbustiva aberta de Ericaceae, mata de cordão arenoso e<br />
arbustiva aberta de Palmae (ARAUJO, SCARANO, SÁ, KURTZ, ZALUAR,<br />
MONTEZUMA e OLIVEIRA in ESTEVES, 1998, p. 45-52). Esta tipologia foi estabelecida<br />
com base na restinga meridional da região, formada no Pleistoceno, há cerca de 120 mil anos<br />
antes do presente. No entanto, ela pode ser aplicada à restinga setentrional, datada do<br />
Holoceno, por falta de estudos para ela, salvo levantamento efetuado por Jorge Antonio de<br />
Assumpção Nunes para a vegetação nativa de restinga entre as lagoas de Grussaí e Iquipari,
11 11<br />
que se vale da mesma classificação com ligeiras adaptações (NUNES, 1998). Mas, apenas<br />
em três lagoas das duas restingas da região, encontra-se a formação vegetal nativa de nossa<br />
atenção principal: o manguezal. E estas três lagoas – Grussaí, Iquipari e Açu – situam-se<br />
justamente no segmento sul da restinga setentrional.<br />
As restingas do norte fluminense foram poupadas até o início do século XX,<br />
conquanto não tenham se mantido intocadas. A visão utilitarista não viu qualquer valor no<br />
solo arenoso e pouco fértil para a agropecuária. Não encontrou diversidade de espécies<br />
vegetais e animais para exploração extrativista de alto rendimento, apenas material lenhoso<br />
para geração de energia. Esta concepção é expressa pelos cronistas portugueses, brasileiros e<br />
pelos naturalistas de outros países europeus. Talvez, por tal razão, a restinga meridional da<br />
região tenha permitido a criação de uma das mais ricas unidades de conservação do país – o<br />
Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba.<br />
Em seu livro de estréia, Alberto Ribeiro Lamego exclamava com desprezo:<br />
“No solo das lezírias e restingas, a vegetação halófila, esclerófila e trofófila<br />
transborda em exuberâncias de uma flora teratológica. Tucuns hostis, embaúbas<br />
inúteis, ingazeiros contorcidos, cajueiros aleijões sobem do capacho áspero de<br />
citamíneas e gramíneas, de bromélias e cactáceas em crispações, de arapucas<br />
boiantes e floridas de ninféias e aguapés. Apenas a bignoniácea “tabebuia” dá-nos<br />
a lenha, as formas de calçado e os tamancos!” (LAMEGO, 1934).<br />
Tirando a tabebuia, espécie arbórea de grande valência ecológica, as demais plantas<br />
que medram em solo arenoso costeiro não têm qualquer validade econômica e não merecem<br />
consideração aos olhos de um manipulador da natureza. Esta visão utilitarista emerge<br />
também de outro livro do geólogo, para quem a salvação da restinga consistia em deixar de<br />
ser restinga. Para tanto, preconizava ele a proteção da flora, mesmo reconhecendo-a inferior,<br />
pois a rarefação das espécies arbóreas e arbustivas transformaria a zona ainda esperançosa<br />
num deserto. Daí a sua condenação ao desmatamento, pois ele agravaria ainda mais as<br />
condições já de per si hostis às atividades econômicas. No entanto, é imperioso adubar os<br />
solos arenosos para que eles se tornem propícios à agricultura e à pecuária. Em resumo, a<br />
restinga só prosperaria, segundo Lamego, na medida em que sua ecofisionomia se<br />
aproximasse da planície fluvial (LAMEGO, 1946 e 1974).<br />
Com relação ao segmento sul da restinga meridional, sabe-se que o séquito dos sete capitães<br />
já fazia corte de árvores em pequena escala, provavelmente com um pouco mais de<br />
intensidade do que o praticado pelos indígenas. Na segunda viagem empreendida por eles,<br />
em 1633/1634, foram deixados dois machados, três facões e cinco enxadas para o curraleiro<br />
Valério da Cursunga e para os náufragos encontrados entre os índios pelos fidalgos. Tudo
12 12<br />
indica, porém, que as matas mais visadas situavam-se na planície fluvial, mais densas e de<br />
maior porte (MALDONADO e PINTO, 1894).<br />
A vegetação mais robusta da restinga norte também alimentou as fornalhas de<br />
engenhos e usinas. Em depoimento do topógrafo Paulo Francisco Gomes, sabe-se que a<br />
usina Barcelos, por longos anos, extraiu vegetais do trecho de restinga estudado para<br />
produção de energia e como matéria prima, caso se tratasse de madeira nobre (GOMES,<br />
1999). Mas, depois de rumarem para a planície aluvial, para os tabuleiros e para a região<br />
serrana, neo-europeus mestiços voltaram-se para a restinga com outras intenções. As<br />
pequenas aldeias de pescadores foram sendo invadidas por uma legião de pessoas de Campos<br />
e de várias cidades de Minas Gerais, principalmente, à procura de belezas cênicas e de lazer.<br />
Assim, seis núcleos urbanos se expandiram nesta parte da restinga: Barra do Furado, Farol de<br />
São Tomé, Açu, Grussaí, São João da Barra e Atafona. Barra do Furado, fundada no final do<br />
século XVII, foi o núcleo que deu origem à atual cidade de Quissamã e cresceu<br />
vertiginosamente com a prática de esportes marinhos e com o turismo. De todas, a que mais<br />
se expandiu foi o balneário do Cabo de São Tomé, denominado de Farol. O crescimento<br />
desordenado comprometeu várias lagoas costeiras dentro da planície aluvial, que, naquele<br />
ponto, é protegida do mar pela crista praial. Despejos de esgoto domésticos, efluentes de<br />
frigoríficos e disposição de lixo, principalmente, causam poluição destas lagoas, várias das<br />
quais deveriam contar com manguezais em tempos remotos. O alastramento do núcleo<br />
urbano para norte vem provocando a remoção da vegetação nativa do segmento da restinga<br />
em tela (ROCHA, 1995).<br />
Pouco mais ao norte, o pequeno arraial erguido junto à lagoa do Açu ilustra a<br />
descoberta e a invasão da restinga setentrional em sua parte sul. Num eloqüente depoimento,<br />
Amaro Faustino de Souza, nascido às margens da lagoa Salgada, já bastante idoso, declara:<br />
“Nasci numa cidade e vivo noutra sem ter saído do lugar. Foi a cidade que cresceu. Quando<br />
vim morar no Açu, ainda criança, tinha 13 casas: oito de paia (palha) e cinco de teia (telha).<br />
Hoje é esse mundo que está aí.” (SOUZA, 2000). As reminiscências de Maria Rita Lubatti,<br />
que nasceu no Açu em 1942 e lá viveu até 1954, permitiram-lhe escrever um livro mostrando<br />
Açu, Marreca e Quixaba como lugarejos bucólicos nos quais se praticava um turismo rural<br />
em casas modestas (LUBATTI, 1979).<br />
Do Açu, percorre-se uma longa extensão de praia agreste até chegar-se ao balneário<br />
de Grussaí, passando pela lagoa de Iquipari. A partir do calçamento de uma estrada, na<br />
década de 50, começou a processar-se uma expansão e um adensamento urbanos que<br />
exigiram o sacrifício da vegetação nativa de restinga. A lagoa de Grussaí teve sua barra e seu<br />
leito maior aterrados e ocupados por várias casas de veraneio de pessoas de média renda. Os<br />
danos ao ecossistema já são incalculáveis, inclusive para o manguezal que ainda resiste em
13 13<br />
seu interior. Hoje, nos meses de janeiro e fevereiro, grande parte dos habitantes de Campos<br />
aflui para Grussaí e outra para Atafona.<br />
Como sede de município, São João da Barra mantém uma população relativamente<br />
estável, mas expande-se dia a dia sobre a restinga, sobretudo com financiamento de<br />
compensações que a Petrobras paga ao poder público pela exploração de petróleo na bacia de<br />
Campos.<br />
Por fim, Atafona. Hélvio Santafé dá um depoimento sobre a fisionomia doméstica e familiar<br />
do balneário, com seus freqüentadores, com suas casas, com suas diversões, com sua<br />
geografia. Em suas páginas, aparece uma Atafona que foi se decompondo com a erosão da<br />
margem direita da foz do rio Paraíba do Sul pelo mar e com a invasão de um exército de<br />
turistas desconhecidos, ambos descaracterizando a localidade (SANTAFÉ, 1999). De fato, o<br />
tradicional balneário cresceu desordenadamente. O valão de que fala Hélvio, começava junto<br />
ao manguezal defronte do hotel Norival e seguia na direção de Grussaí, passando por um<br />
lugar até hoje denominado de Coréia, em meio à restinga e ornado de pitangueiras. Findava<br />
numa lagoa, na localidade de Chapéu de Sol, com este nome desde o século XIX. Acrescenta<br />
ele que a explosão imobiliária, começada em 1944, aterrou o valão, dando lugar ao bairro da<br />
Coréia (SANTAFÉ, 1999, p. 71).<br />
Hoje, Atafona se alastrou assustadoramente pela restinga, sacrificando pequenas<br />
lagoas, brejos, valões e vegetação nativa. No lugar deles, surgiram verdadeiras mansões mais<br />
luxuosas que as residências de seus proprietários.<br />
Mas não apenas a urbanização afeta este trecho de restinga. A agropecuária também a<br />
invadiu. O processo de ocupação costuma seguir os seguintes passos: primeiro, efetua-se a<br />
remoção da vegetação nativa, com a destoca. O material lenhoso obtido pode ser aproveitado<br />
como combustível. No solo exposto, aproveita-se a pouca fertilidade acumulada pelo<br />
revestimento vegetal original para o plantio de olerícolas (tomate, pimentão, maxixe, jiló,<br />
abóbora), melancia, abacaxi, maracujá e até cana-de-açúcar. Para prolongar a vida da<br />
lavoura, recorre-se ao emprego de fertilizantes químicos e de agrotóxicos, que contaminam o<br />
aplicador, o produto, o solo e as águas superficiais e subterrâneas. Depois que a agricultura<br />
rouba o humo só produzido com a manutenção da mata, o proprietário parte para a formação<br />
de pastagens pobres, onde cria um gado magro.<br />
A agropecuária e a urbanização deste trecho da restinga são, presentemente, as<br />
atividades responsáveis pela erosão, pelo assoreamento, pelos aterros, pela drenagem total ou<br />
parcial, pela poluição e pela eutrofização dos limnossistemas, notadamente dos três que<br />
interessam a este levantamento. Narandra K. Srivastava reclama que, na importante lagoa<br />
Salgada,
14 14<br />
“Os estromatólitos recentes (...) são localizados numa localidade altamente<br />
poluída, pois ao redor dessa lagoa são situados sítios agropecuários e de lazer, que<br />
muitas vezes utilizam agrotóxicos e outros produtos nocivos criando situações<br />
altamente perigosas para alterações do ambiente hidroquímico da lagoa (...) os<br />
pequenos produtores arrancam as biohermas de estromatólitos para dar lugar à<br />
plantação de tomate, pimentão, batata doce, milho etc (...) o calcário<br />
estromatolítico está sendo utilizado na construção civil (alicerces das casas,<br />
fabricação de ‘cal virgem’) pela população.” (SRIV<strong>AS</strong>TAVA, 1999, p. 7).<br />
Com relação às lagoas que chegam ao mar, a abertura de barra e a pesca predatória<br />
constituem também um sério problema ambiental a ser examinado em cada caso. Já os<br />
ecossistemas vegetais nativos vêm sofrendo desmatamento tanto para fornecimento de<br />
energia quanto para abrir espaço à agricultura, à pecuária e à urbanização. A destruição de<br />
ecossistemas é a maior ameaça à fauna nativa. Norma Crud Maciel denunciou que os<br />
moluscos Cochlorina navicula, Auris bilabiata melanostoma e Streptaxis contusus correm<br />
sérios riscos em virtude da destruição de seus habitats. O primeiro só ocorre na vegetação<br />
psamófila costeira de São João da Barra e da praia de Morobá, no Espírito Santo, não<br />
avançando para o sul. O segundo e o terceiro, além de não contarem com populações<br />
abundantes, limitam-se ao trecho de restinga entre São João da Barra e Macaé (MACIEL, in:<br />
LACERDA, et al., 1984).<br />
Lagoa de Grussaí<br />
Tal qual as lagoas de Iquipari e Açu, a lagoa de Grussaí é um braço do delta do rio<br />
Paraíba do Sul formado na progradação deste no interior de uma semilaguna, a partir de 5<br />
mil anos A.P. Como as outras duas lagoas, seu curso parece a resultante da luta entre as<br />
forças do rio e do mar. A Carta Geológica do Brasil, organizada por Alberto Ribeiro<br />
Lamego em 1954, mostra seu curso paralelo ao do rio Paraíba do Sul, descrevendo um<br />
percurso de sul para norte, como o do rio do qual era auxiliar, talvez indício do predomínio<br />
das correntes marinhas nesta direção. Nesta carta, que expressa uma ecofisionomia não mais<br />
existente quando de sua formulação, a lagoa de Grussaí conecta-se à lagoa do Taí Grande,<br />
que, nascendo no Paraíba do Sul e correndo perpendicularmente a ele, ligava-se às lagoas do<br />
Quitinguta e Câmara até chegar ao brejo do Riscado, também coletor de um outro sistema<br />
linear e paralelo a este constituído pelas lagoas do Taí Pequeno, dos Jacarés, de Bananeiras e<br />
do Pau Grande. Daí em diante, unificadas, de alguma forma estas águas copiosas chegavam<br />
à lagoa do Açu, até hoje ainda conhecida por rio Iguaçu ou Açu. Na altura da localidade de<br />
Pipeiras, havia uma comunicação natural entre os dois sistemas.<br />
Além deste grande alimentador da lagoa de Grussaí, ela também recebia água do<br />
Paraíba do Sul por meio de um canal menor, também perpendicular a ambos, formado pelas
15 15<br />
lagoas do Barreiro e de Curralinho. Este morria nela (LAMEGO, 1955). Com tamanha<br />
adução de água, a lagoa mais parecia um rio e, mesmo que sua barra não se mantivesse<br />
permanente aberta, rompimentos naturais da barra por acúmulo de água doce em seu interior<br />
deveriam ocorrer com freqüência. Criaram-se, assim, condições para a formação de um<br />
manguezal da foz até o ponto alcançado pela intrusão da língua salina, com as três espécies<br />
dominantes na ecorregião: Laguncularia racemosa, Avicennia germinans e Rhizophora<br />
mangle. Por seus remanescentes, pode-se aquilatar que ele penetrava fundo no<br />
limnossistema.<br />
A regulamentação da pesca na lagoa é mais antiga do que se pensa. Fernando José<br />
Martins, que teve acesso aos livros da Câmara Municipal de São João Barra, hoje em grande<br />
parte desaparecidos ou destruídos, informa que, no início do século XVIII, ato de vereança<br />
proibiu a pesca na lagoa de Grussaí (Goroçaí), quando a barra estivesse aberta, veto<br />
extensivo aos habitantes de Campos (MARTINS, 1868).<br />
Pela proibição, toma-se conhecimento de uma prática que até hoje vigora quando da<br />
abertura da barra, momento em que se torna mais fácil a pesca pelo esforço do peixe em<br />
entrar na lagoa. Basta, então, lançar tarrafas ou estender redes de espera.<br />
Devido à carência de documentação, podemos supor que a abertura natural ou<br />
antrópica da barra da lagoa de Grussaí era freqüente e que, por haver equilíbrio entre as<br />
massas líquidas doce e salgada, os impactos eram bem menores que os causados hoje.<br />
Há de se notar uma diferença fundamental entre os manguezais das lagoas costeiras<br />
embutidas em tabuleiros e os manguezais das três lagoas costeiras da seção sul da restinga<br />
setentrional da região. Nas lagoas costeiras de tabuleiros, antigos cursos d’água como<br />
algumas lagoas costeiras de restinga, a declividade das margens limita a área de manguezal,<br />
que fica restrita a uma estreita faixa de terra marginal, só aumentando às custas de redução<br />
do espelho e da lâmina d’água pelo assoreamento do leito do limnossistema. Nas lagoas<br />
costeiras de restinga, as margens planas favorecem o espraiamento das águas e a formação<br />
de uma área de manguezal mais extensa. Não é mais possível estimar a área de manguezal<br />
da lagoa de Grussaí, vistas as profundas mudanças do regime hídrico e a invasão de suas<br />
margens por atividades antrópicas.<br />
O primeiro grande golpe desferido contra a lagoa de Grussaí foi a abertura do Canal<br />
do Quitingute pelo Departamento Nacional de Obras e Saneamento, aproveitando a<br />
seqüência de limnossistemas lênticos formada pelas lagoas do Taí Grande, do Quitingute, do<br />
Pau Grande, do Riscado, do Capim, do Mulaco, do Ciprião, do Caboclo e outras menores.<br />
Assim, as águas que vertiam do rio Paraíba do Sul para o rio Iguaçu ou Açu passaram a<br />
correr para o Canal da Flecha, centralizador dos defluentes da lagoa Feia construído entre<br />
1942 e 1949, que passou a lançar suas águas no mar. Por um lado, foi cortada a conexão da
16 16<br />
lagoa de Grussaí com a lagoa do Taí Grande e, por outro, com a lagoa do Barreiro, que a<br />
abasteciam com águas excedentes do rio Paraíba do Sul. Privada desta fonte à montante, a<br />
lagoa de Grussaí passou a alimentar-se exclusivamente de águas pluviais e do lençol<br />
freático. O balanço hídrico entre a massa líquida da lagoa com o mar foi sendo rompido<br />
pouco a pouco e ela perdeu a capacidade de abrir naturalmente sua barra, exceto em eventos<br />
excepcionais. Assim, a lagoa tendeu para a estabilização vertical da lâmina d’água e para a<br />
dulcificação progressiva de suas águas.<br />
Nas partes alta e média da lagoa, a atividade agropecuária invadiu a invadiu com um<br />
longo aterro no sentido longitudinal. Este aterro sai da margem esquerda em forma de<br />
estrada e retorna a ela 2,5 quilômetros adiante. Em ambas as margens, a vegetação nativa foi<br />
suprimida primeiro pela agricultura e posteriormente pela pecuária. O solo ficou sujeito à<br />
erosão e a lagoa a assoreamento. Fertilizantes químicos e agrotóxicos carreados para sua<br />
bacia causam eutrofização e contaminação.<br />
Atualmente, sua barra passa por um acelerado processo de urbanização, com casas de<br />
classe média a envolvê-la de tal forma que não se pode mais avistar seu espelho em vários<br />
pontos. Este processo está subindo as margens da lagoa e acarretando o principal problema<br />
que a afeta: a poluição causada por esgoto doméstico e lixo. Apesar de sua alta capacidade<br />
de autodepuração, o grande adensamento urbano em sua barra, o lançamento de esgoto in<br />
natura e a contaminação do lençol freático pelas fossas, junto com o despejo de lixo, inibem<br />
os mecanismos de recuperação do ecossistema. Uma pesquisadora da Universidade Estadual<br />
do Norte Fluminense informa que a lagoa manifesta sinais de estresse. Um deles foi uma<br />
crise distrófica ocorrida em outubro de 1995 na parte mais habitada. Segundo ela,<br />
“No caso da lagoa de Grussaí, a crise distrófica provavelmente foi resultado da<br />
ação sinergística de fatores macroclimáticos (brusca alteração de temperatura,<br />
devido à entrada de uma frente fria) e da ação das toxinas produzidas pelas<br />
cianofíceas, uma vez que não foi constatada anoxia durante o período (...) As<br />
alterações hidroquímicas e biológicas resultantes da crise distrófica, observadas na<br />
estação VI, não foram verificadas na estação III, sugerindo que esta região (central<br />
da lagoa) não se encontra sob tão forte impacto ambiental quanto a porção norte da<br />
lagoa (...) A ocorrência de crise distrófica na lagoa de Grussaí somente na região<br />
onde se observa o lançamento de esgoto doméstico não tratado corrobora a<br />
hipótese que esta região do sistema se encontra em estágio acelerado de<br />
eutrofização artificial.”(SUZUKI, 1997).<br />
No que tange ao estado sanitário da lagoa, ela adverte que “Os elevados valores de<br />
coliformes totais e fecais indicam que o lançamento de esgotos ultrapassa a capacidade de<br />
autodepuração do sistema, mesmo quando os valores de salinidade estão em torno de 8 u.s.”<br />
(SUZUKI, 1997, p. 86).
17 17<br />
A estabilização vertical da lâmina d’água por período prolongado imergiu a rizosfera<br />
das populações de plantas exclusivas de manguezal, obrigando-as a um esforço de adaptação<br />
para sobreviver. Os exemplares de Laguncularia racemosa emitiram raízes adventícias com<br />
pneumatóforos aéreos, que podem ser avistados com facilidade nos poucos indivíduos que<br />
restaram. Pode-se presumir que esta tática adaptativa tenha sido disparada pela população de<br />
Avicennia, enquanto lenticelas das árvores de Rhizophora mangle deslocavam-se para a<br />
parte emersa, diante da nova estratégia imposta à lagoa por atividades antrópicas. Presunção<br />
porque nada obsta que Avicennia e Rhizophora mangle tenham vicejado na lagoa em tempos<br />
de saúde ou de existência de condições para o desenvolvimento de um manguezal<br />
poliespecífico. E a base para a suposição são os manguezais encontrados nas congêneres<br />
lagoas de Iquipari e do Açu.<br />
Além da estabilização vertical periódica, o limnossistema vem sendo<br />
progressivamente dulcificado. A substituição de água salobra por água doce cria condições<br />
para que espécies menos tolerantes à salinidade prosperem no sistema e vençam as espécies<br />
exclusivas de manguezal na concorrência por espaço, matéria e energia. Na lagoa de Grussaí,<br />
constata-se que Avicennia e Rhizophora mangle, se um dia ocorreram nela, deixaram de<br />
existir. Restou apenas uma pequena população de Laguncularia racemosa que parece<br />
declinante. Por outro lado, a população de Dalbergia ecastophyla alastra-se e adensa-se<br />
rapidamente. Outra espécie muito comum em manguezais perturbados e resistente à<br />
salinidade é a anonácea mololô (Annona glabra). Chama a atenção uma população de altos e<br />
esguios pés de aninga (Montrichardia arborecens) em busca do sol. Esta espécie habita os<br />
manguezais da região norte e, de lá, tomou rumo meridional, seja espontaneamente, seja por<br />
antropocoria. Um relatório de 1980 situa seu ponto de distribuição meridional no rio Paraíba<br />
do Sul (FEEMA, 1980). Norma Crud Maciel registrou a presença da espécie na lagoa de<br />
Grussaí, que agora tem um novo limite meridional de distribuição em manguezais.
18 18<br />
Interesses sociais e técnicos conflitantes têm desembocado na freqüência cada vez<br />
maior das aberturas de barra da lagoa de Grussaí. Os proprietários e usuários de casas na<br />
seção norte ou final de lagoa, que passa por um rápido e desregrado processo de ocupação e<br />
adensamento urbanos comandam tais aberturas. Durante dez meses do ano, poucos são os<br />
moradores das casas erguidas junto à barra da lagoa. Nos dois meses de veraneio – janeiro e<br />
fevereiro –, o afluxo de turistas proprietários e locatários das habitações aumenta a produção<br />
de lixo e de esgoto lançados no interior do sistema. Como estes meses coincidem com a<br />
estação das chuvas, as águas da lagoa se avolumam e, pelo efeito de vasos comunicantes, as<br />
fossas transbordam. Os veranistas, então, exercem pressão sobre a prefeitura para que ela<br />
abra a barra da lagoa a fim de que as águas poluídas não apenas escoem para o mar, como<br />
também o lençol freático seja rebaixado de modo que as fossas retornem a níveis toleráveis.<br />
Nos momentos de abertura, costuma ocorrer a captura predatória de peixes que tentam entrar<br />
no sistema.<br />
Fig. 1 – Adensamento urbano na barra da lagoa de Grussaí, que corre para o mar na<br />
forma de língua negra. Foto de Dina Lerner (1992).<br />
Lagoa de Iquipari<br />
Correndo ao sul da lagoa de Grussaí e do rio Paraíba do Sul, paralelamente a ambos,<br />
a lagoa de Iquipari também tinha sua nascente no conjunto interligado das lagoas do Taí<br />
Grande e Quitingute. Em sua demanda à costa, ela cruzava uma zona de brejos denominada<br />
Saco da Anta. Pela Carta Geológica do Brasil, organizada por Alberto Ribeiro Lamego em<br />
1954, nota-se, nitidamente, que o rio Paraíba do Sul atuou como molhe hídrico na formação<br />
da restinga central da região. As porções meridional (a maior) e setentrional da restinga<br />
revelam continuidade de orientação pelos cordões e depressões arenosas, testemunhos de
19 19<br />
transgressões e regressões marinhas pretéritas. Acompanhando o curso do Paraíba do Sul, a<br />
planície aluvial dá a impressão de invadir a restinga. Na verdade, porém, esta língua<br />
aluvionar resulta da deposição de sedimentos transportados e assentados sobre a restinga em<br />
suas cheias. Um olhar sobre a restinga revela que todas as lagoas existentes em seu âmbito,<br />
remanescentes de águas do mar aprisionadas por terras, dispõem-se paralelamente à costa,<br />
acompanhando a orientação dos cordões e depressões. Contrariando esta orientação,<br />
sobressai-se o rio Paraíba do Sul, plenamente justificado nesta posição por ser o formador da<br />
restinga, e as lagoas de Grussaí e Iquipari, os três correndo perpendicularmente à costa<br />
(LAMEGO, 1954).<br />
Fernando José Martins informa que, já no século XVII, a lagoa de Iquipari, então<br />
chamada da Lucrécia, era motivo de atenção da Câmara de São João da Barra:<br />
“Em vereança de 8 de fevereiro de 1679, impôs a câmara o preceito que ninguém<br />
de fora, isto é, que não fosse habitante do termo, pudesse pescar no rio e lagoa de<br />
Lucrecia, sob pena de 30 dias de cadeia e tronco de pescoço; por cuja infração fora<br />
condenado em 14 de junho um tal João Fernandes, dos Goitacases, que estivera no<br />
tronco um dia.” (MARTINS, 0000, p. 68).<br />
O mesmo autor acrescenta que, no início do século XVIII, a proibição de pescar na<br />
lagoa de Grussaí com a barra aberta, estabelecida pela Câmara, estendia-se também à lagoa<br />
da Lucrécia, incluídos os habitantes do termo de São Salvador dos Campos de Goitacases<br />
(MARTINS, 0000, p. 68).<br />
A presença atual de exemplares de Laguncularia racemosa e de Rhizophora mangle<br />
da barra até pontos afastados da costa no interior da lagoa leva-nos a presumir a existência<br />
de um manguezal mais pujante em tempos recuados, quando as condições do limnossistema<br />
eram mais favoráveis a este ecossistema vegetal adaptado a áreas localizadas entre a terra e a<br />
água, entre a água doce e a água salgada.<br />
No solo firme das margens, entre Grussaí e Iquipari, Jorge Assumpção procedeu a<br />
um levantamento florístico da área entre Grussaí e Iquipari, concluindo:<br />
“A maior similaridade florística encontrada entre a restinga do complexo lagunar<br />
Grussaí/Iquipari e a de Macaé, RJ, em comparação com a encontrada com a<br />
restinga de Setiba, ES, mostrou a influência da proximidade geográfica na<br />
composição florística, sugerindo que o Cabo de São Tomé não é uma barreira<br />
geográfica à composição florística, podendo ser maior portanto a barreira<br />
representada pelo Rio Paraíba do Sul.” (NUNES, 0000, p. 93).<br />
Sendo possível simular a ecofisionomia da porção sul da restinga, é de se esperar<br />
como resultado uma integração orgânica entre lagoas, vegetação terrestre e vegetação<br />
anfíbia.
20 20<br />
A ameaça maior, em Iquipari, ainda não é a urbanização, muito embora ela se<br />
aproxime com velocidade imprevisível. Vários quiosques construídos em sua barra para a<br />
prática de um pequeno comércio, quase de subsistência, na estação de veraneio e nos finais<br />
de semana, estão se erguendo com a abertura de uma estrada de terra batida até sua margem<br />
esquerda. Na retaguarda, marcham casas construídas em loteamento.<br />
Especialistas do Laboratório de Ciências Ambientais da Universidade Estadual do Norte<br />
Fluminense aproveitaram uma abertura antrópica legal da barra, em setembro de 1996, a fim<br />
de estudar seu comportamento. Foram identificadas 13 espécies de macrófitas distribuídas<br />
em 11 famílias, todas elas monitoradas antes e 75 dias após a abertura. Notou-se a mudança<br />
na freqüência de algumas espécies (<strong>AS</strong>SUMPÇÃO, GAMA, MORENO, SILVA, ARAGÃO,<br />
BUFFON e N<strong>AS</strong>CIMENTO, 1997).<br />
Três outros pesquisadores da mesma Universidade, efetuando a colimetria do<br />
limnossistema, concluíram que a lagoa de Iquipari apresenta boas condições de<br />
balneabilidade (TOTTI, PEDROSA, e SOUZA, 1997).<br />
Há uma diferença entre os manguezais das lagoas de Grussaí e de Iquipari, se é que<br />
podemos denominar de manguezal os exemplares de espécies de mangue espalhados pelas<br />
lagoas, ora reunidos em moitas, ora isolados. Na lagoa de Grussaí, reina soberana a<br />
Laguncularia racemosa. Se outras espécies ocorreram, elas não mais estão representadas.<br />
Na lagoa de Iquipari, encontram-se a Laguncularia racemosa e a Rhizophora mangle. Tal<br />
qual na primeira, entrementes, a estabilização vertical da lâmina d’água por tempo<br />
prolongado submete ambas a estresse, por afogar lenticelas em pneumatóforos e em<br />
rizóforos. A resposta é a mesma que a encontrada em manguezais nesta situação em outros<br />
limnossistemas. Da mesma forma, a dulcificação da água cria condições para plantas menos<br />
tolerantes à salinidade, como Dalbergia ecastophyla, Annona glabra e Acrostichum aureum<br />
prosperarem. A tendência parece ser a morte dos remanescentes do manguezal a<br />
permanecerem as condições apontadas. A menos que seja cabível a conclusão segundo a<br />
qual as espécies exclusivas de manguezal só resistem se recorrerem a artifícios de adaptação<br />
e se ocuparem apenas pequena área.<br />
Lagoa do Açu<br />
No segmento sul da restinga setentrional, a lagoa do Açu se estende por trás da crista<br />
praial, em solo aluvial, penetra na restinga acompanhando a formação do terreno e<br />
desemboca no mar, à feição de um rio. Por tal razão, até hoje é chamada também de rio Açu,<br />
como no passado foi conhecida por rio Iguaçu. Sua vazão era bem conhecida e sua barra<br />
franqueava a entrada de barcos de médio calado. Ela funcionava como distributária da lagoa
21 21<br />
Feia, em regime normal, e do rio Paraíba do Sul, em regime torrencial. Nas palavras de<br />
Lamego,<br />
“Parte dessas águas [da Lagoa Feia] junta-se às do Paraíba nos velhos braços do<br />
primitivo delta que sulcam a planície da Boa Vista, formando os rios Carapebas,<br />
do Viegas, do Furado, Bragança, Quebra-Cangalhas e o córrego da Tapagem (...)<br />
Com exceção do Carapebas que se dirige para a Barra do Furado, o caminho<br />
natural dessa rede labiríntica era o rio Açu que também recebe na margem<br />
esquerda o rio Novo e vai buscar uma saída para o mar, num tortuoso curso entre<br />
restingas ” (LAMEGO, 1955).<br />
Acrescenta ainda Lamego que, do norte, pouco abaixo da lagoa de Iquipari, vertia o<br />
rio do Veiga, paralelo à costa, até chegar ao Açu, onde desembocava (LAMEGO, 1940).<br />
Fotos aéreas, anteriores às obras da Comissão de Saneamento da Baixada Fluminense e do<br />
Departamento Nacional de Obras e Saneamento mostram quão intrincada era a rede de<br />
canais naturais remanescente da formação do delta do rio Paraíba do Sul.<br />
Partindo da descrição um tanto confusa de José Carneiro da Silva, o major<br />
Bellegarde tenta organizar a complexa teia hídrica, talvez mesmo por necessidade de impor<br />
alguma ordem ao caos, ainda que fosse para fins de compreensão. Esclarece ele que<br />
“Não tem esta lagoa [Feia] saída constante para o Oceano, mas sim alguns rios<br />
por onde se esgota, e que reunindo-se ao Sul do Cabo de S. Tomé rompem<br />
naturalmente nos tempos de grandes cheias, a barra chamada do Furado; e são os<br />
rios: o da Onça, o Novo do Colégio, o da Castanheta, o do Barro Vermelho, e o<br />
do Iguaçu. Como o cômoro de areias próximo ao mar, e os ventos reinantes,<br />
muitas vezes conspiram para obstar a saída das águas, acontece que, rodeando<br />
estas então pelo interior do cômoro, vão formar ao Norte do citado Cabo a Lagoa<br />
Iguaçu, que abre para o Oceano a barra denominada Canzonga, e deixa<br />
descobertos os rios e extensos pastos .” (BELLEGARDE, 1837, p. 12).<br />
Desde o século XVIII, pelo menos, as mesmas medidas aplicadas às lagoas de<br />
Goroçaí (Grussaí) e da Lucrécia (Iquipari) pela Câmara de São João da Barra, valiam para a<br />
lagoa da Castanheta (Açu): proibição da pesca com a barra aberta pelos habitantes do termo,<br />
extensiva aos habitantes de São Salvador (Campos) (MARTINS, 0000, p. 133).<br />
Na barra do Açu, adornado por vegetação típica de restinga, encontra-se o manguezal<br />
mais atípico da ecorregião. Manguezal e vegetação de restinga confinam diretamente, com<br />
interpenetrações, provavelmente pelas margens muito planas da lagoa. Graças a esta<br />
singularidade, a biodiversidade vegetal é das mais notáveis. O ecótono quase se dilui e<br />
coloca, ombro a ombro, clúsias, pitangueiras, cactáceas, bromeliáceas, mangue branco,<br />
mangue-de-botão e guaxuma. Indivíduos de mangue vermelho medram com desenvoltura<br />
inesperada para ambiente tão exíguo em meio a mololôs e a escassos exemplares de<br />
Avicennia germinans.
22 22<br />
Mas o grande atrativo deste manguezal-restinga é o mangue-de-botão (Conocarpus<br />
erectus), representado copiosamente por expressivos e cerrados bosques envolvendo a lagoa<br />
junto à sua barra. Segundo informação pessoal de Norma Crud Maciel, nele se encontra a<br />
maior população de Conocarpus erectus do Estado do Rio de Janeiro. Não há dúvida de que<br />
seria a espécie dominante no manguezal do Açu, se considerada como exclusiva deste<br />
ecossistema. Na condição de espécie associada e facultativa, o Conocarpus erectus<br />
cumpriria a função de ecótono, já que o bosque formado por ele vive em condição anfíbia,<br />
começando na parte molhada de lagoa e galgando a restinga extremamente baixa. Contudo,<br />
ainda com base em informação pessoal de Norma Crud Maciel, este bosque estava em<br />
crescimento nos anos de 1980, supondo-se, portanto, que seja recente.<br />
Na lagoa do Açu, as condições para o desenvolvimento do manguezal penetram<br />
cerca de 10 quilômetros lagoa acima. Na localidade denomina Maria Rosa, ele ainda pode<br />
ser encontrado. Aqui, a espécie que domina é a Laguncularia racemosa, com raríssimos<br />
exemplares de Rhizophora mangle, alguns jovens de Conocarpus erectus e nenhum avistado<br />
de Avicennia germinans.<br />
As obras que a Comissão de Saneamento da Baixada Fluminense/Departamento<br />
Nacional de Obras e Saneamento executaram na planície fluviomarinha do rio Paraíba do<br />
Sul, entre 1935 e 1989, aniquilaram o rio Iguaçu e mesmo a lagoa do Açu. Duas,<br />
basicamente, foram as principais responsáveis por reduzir o vigoroso rio/lagoa costeira a<br />
resíduos: o canal de Quitingute e o canal da Flecha. O primeiro privou o limnossistema de<br />
águas extravasadas pelo rio Paraíba do Sul em suas cheias e que fluíam pelas lagoas do Taí<br />
Grande, Quitingute e Brejo do Riscado, daí fazendo conexão com a pequena lagoa das<br />
Ostras, elo de ligação com o Açu quase em sua foz. Aproveitando esta linha de lagoas, o<br />
DNOS escavou o canal de Quitingute e desviou as águas do Paraíba do Sul que vertiam por<br />
elas para o canal da Flecha. Este, construído entre 1942 e 1949, substituiu o chamado rio<br />
Furado, aberto em 1688 pelo Capitão José de Barcelos Machado, e centralizou todos os<br />
distributários da lagoa Feia, que passou a lançar seu excedente hídrico, recebido dos rios<br />
Ururaí, Macabu e dos transbordamentos do Paraíba do Sul pela margem direita, diretamente<br />
no mar. Assim, ele subtraiu águas que antes corriam pelo Açu e contribuíam para manter a<br />
sua barra permanente ou periodicamente aberta. O seccionamento do rio Veiga, proveniente<br />
do norte, também concorreu, em menor escala, para a morte do rio Iguaçu e para o<br />
estiolamento da lagoa do Açu (SOFFIATI in ESTEVES, 1998).
23 23<br />
A praia do Açu apresenta um litoral reto e descampado, no meio do qual a lagoa<br />
quebra a monotonia. A antiga cidade de palha, como era chamada a localidade do Açu, por<br />
suas casas com tetos de fibra vegetal, estação de veraneio de habitantes da área rural<br />
(LUBATTI, 1979), cedeu lugar a casas de alvenaria que se alastram pelo espaço de forma<br />
desordenada.<br />
Fig. 3 – Bosque de Laguncularia racemosa, Conocarpus erectus e Hibiscus<br />
fernambucensis na lagoa do Açu. Foto do autor (31/08/1997).<br />
Jorge Monteiro analisou o processo de produção do ecossistema urbano no Açu,<br />
distinguindo dois momentos. No primeiro, até a década de 1970, o desmembramento do solo<br />
para fins de lotes urbanos partiu de proprietários rurais, valendo-se de suas próprias terras. O<br />
Açu guardava, então, seu aspecto tradicional de balneário de veraneio da população rural. A<br />
partir dos anos de 1980, com o advento da exploração petrolífera na bacia de Campos pela<br />
Petrobras, empresas imobiliárias instalaram-se no local, comprando e vendendo terrenos<br />
para veranistas não apenas provenientes das cidades do norte fluminense, mas de outros<br />
pontos do estado do Rio de Janeiro e de estados vizinhos. Um crescimento acelerado e<br />
desordenado mudou a fisionomia rural do lugar. Observa o autor que
24 24<br />
“O crescimento do Açu é muito mais o crescimento físico do urbano, do que o<br />
crescimento da população urbana (...) Nesse processo de apropriação,<br />
compradores de terra e loteadores degradaram o ambiente (...) de um lado, ocorre<br />
a depreciação ambiental do lote, entendida como as alterações negativas no meio<br />
ambiente local e nas relações de vizinhança e, ao mesmo tempo, ocorre uma<br />
valorização no lote, devido ao crescimento físico do local, com a conseqüente<br />
ampliação da infra-estrutura, dos serviços e das vantagens locacionais.”<br />
(MONTEIRO, 1996).<br />
No que concerne à lagoa do Açu, especificamente, ambas as margens do seu trecho<br />
final estão sendo sitiados por loteamentos que se aproximam do espelho d’água, com casas<br />
que se erguem em poucos dias. Embora o adensamento não tenha alcançado os coeficientes<br />
do centro urbano propriamente dito, a pressão sobre o limnossistema, sobre a vegetação de<br />
restinga e sobre o manguezal remanescentes é iminente. Um dos sinais da perturbação e da<br />
degradação da vegetação nativa é a proliferação de plantas exóticas, sendo a açucena e o<br />
algodão-da-praia os mais comuns. E este processo não se limita à barra. Junto à ponte que<br />
cruza a lagoa na altura de Maria Rosa, há também visíveis sinais de destruição do<br />
manguezal.<br />
A remoção da vegetação de restinga para ampliar o espaço urbano deixou apenas um<br />
invólucro em torno da barra da lagoa, mesmo assim não em toda a sua extensão. Com o solo<br />
desprotegido, a ação das chuvas e principalmente dos ventos está causando o transporte de<br />
sedimentos para o interior do limnossistema e produzindo o assoreamento de seu leito. Este<br />
processo ocorre em toda a extensão do sistema e dificulta a circulação das águas. O risco da<br />
poluição por esgoto cresce à medida que a urbanização se aproxima da lagoa, já havendo<br />
lançamentos nela. O turismo e o veraneio geram lixo, notadamente representado por material<br />
plástico. Os sacos plásticos deslocam-se com grande facilidade em ambiente com ventos<br />
fortes e constantes.<br />
Boa parte do mangue foi suprimida, restando apenas algumas árvores isoladas nos<br />
locais de desmatamento. Num ponto, sobreviveram três expressivos exemplares de Avicennia<br />
germinans. Noutro, a retirada da cobertura protetora do manguezal foi tão radical, que o<br />
intemperismo laterizou o solo. Neste local, foi possível registrar intensa herbivoria por<br />
lagartas nos exemplares restantes de Rhizophora mangle.<br />
Dois outros tensores atuam permanentemente sobre o manguezal do Açu. O primeiro<br />
é a estabilização vertical da lâmina d’água por estar a barra permanentemente fechada. Há<br />
um movimento constituído por pescadores e pequenos proprietários rurais que pleiteia a<br />
abertura da barra.
25 25<br />
O curioso, neste manguezal, é que o afogamento prolongado da rizosfera de plantas<br />
exclusivas de manguezal não as levou a disparar, com a intensidade de outras situações<br />
similares a esta, mecanismos de adaptação, como raízes adventícias com pneumatóforos<br />
aéreos em Laguncularia racemosa e em Avicennia germinans e deslocamento de lenticelas<br />
para as partes emersas dos rizóforos em Rhizophora mangle. É de se indagar sobre a razão de<br />
duas respostas distintas ao mesmo estressor.<br />
Ao contrário das outras lagoas costeiras investigadas neste relatório, a do Açu não<br />
sofre dulcificação. Bem ao contrário, sua concentração de sal é alta. E, com eventos de<br />
estiagem, o estado crônico torna-se agudo, como na seca atípica do verão-inverno de 2000-<br />
2001. Há de se ter presente que a salinidade se concentra em caráter crônico ou agudo por<br />
ação antrópica. A lagoa perdeu a capacidade de abrir naturalmente sua barra pelas profundas<br />
intervenções efetuadas em seu sistema de drenagem pelo Departamento Nacional de Obras e<br />
Saneamento em cinco décadas. Destituída do aporte de água doce, à montante, e situada<br />
num trecho da costa em que a salinidade tende a se concentrar (ver o caso da contígua lagoa<br />
Salgada, que é hipersalina), é de se esperar que os teores de salinidade aumentem no<br />
sistema, a ponto de torná-lo mais salino que o mar. Com efeito, a salinidade do mar situa-se<br />
em cerca de 37 partes por mil. Em dezembro de 1999, a salinidade da lagoa do Açu, na<br />
barra, estando este fechada, era de 28 partes por mil, caracterizando a presença de um<br />
estressor crônico para o manguezal. Em março de 2001, por efeito da estiagem, o teor de<br />
salinidade atingiu 43 partes por mil, enquanto que, em Maria Rosa, cerca de dez quilômetros<br />
acima da barra, a salinidade alcançou, em abril do mesmo ano, 38 partes por mil. Em ambos<br />
os casos, o coeficiente de salinidade ultrapassou o do mar, mostrando que o estressor crônico<br />
atingiu pico agudo por conta de um evento climático (SUZUKI, 2001). Mas, até que ponto, a<br />
escassez de chuvas não pode ser considerada já uma manifestação do aquecimento global,<br />
produzida, ela também, por atividades humanas no Planeta? A raiz pode ser natural, porém a<br />
sua intensificação é, sem dúvida, provocada por interferências antrópicas.<br />
Lagoa Salgada<br />
Limnossistema lêntico hiper-salino, a Lagoa Salgada alcança teores de sal superiores<br />
à Lagoa de Araruama. Nela, processou-se a formação de estromatólitos recentes, bem<br />
descrita por Srivastava (1999) com vistas a transformá-la em monumento geológico e<br />
paleontológico da humanidade pela UNESCO.
Lagoa do Veiga<br />
26 26<br />
A Lagoa do Veiga, originalmente, era estreita e comprida. Oriunda do processo de<br />
transgressão-regressão marinha, deveria ligar as lagoas de Iquipari e do Açu em eras<br />
pretéritas. Segundo Couto Reis (1785), era navegável por pranchas, mas de valor econômico<br />
desprezível. Atualmente, com o crescimento urbano desordenado do Açu, ela foi seccionada<br />
em vários pontos e apresenta aspecto bastante degradado, o que não significa que não possa<br />
ser restaurada e revitalizada, ao menos ao norte da localidade de Açu.<br />
Lagoa do Taí da Praia<br />
Vem a ser um remanescente do complexo formado pelas lagoas do Taí Grande e do<br />
Taí Pequeno. Cercada por propriedades que alcançam sua área de preservação permanente,<br />
urge promover sua demarcação.<br />
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Drª Marina Satika Suzuki/UENF<br />
Lagoas costeiras<br />
LIMNOLOGIA<br />
As lagoas costeiras formam um importante complexo de corpos d’água continentais<br />
que cobre cerca de 13 % dos continentes (BARNES, 1980). KJERFVE (1994) define as<br />
lagoas costeiras como “corpos d’água continentais, geralmente orientadas paralelamente à<br />
costa, separadas do oceano por barreiras, com profundidades que raramente excedem dois<br />
metros. Em geral estão conectadas ao oceano adjacente através de um ou mais canais<br />
estreitos. A extensão e profundidade destes canais governam a intensidade das interações<br />
com o ecossistema marinho. Assim, uma laguna pode ou não estar sujeita a misturas de<br />
marés, e a salinidade pode variar desde aqueles corpos d’água costeiros doces até lagunas<br />
hipersalinas, dependendo do balanço entre a entrada e a saída de água doce e marinha”. Com<br />
uma dinâmica hidroquímica intrínseca relacionada à morfometria e à extensão, à maior ou<br />
menor influência das águas continentais e marinhas, apresentam comumente uma variação<br />
espacial nas variáveis hidroquímicas e nas comunidades que as habitam, das áreas mais<br />
interiores ao continente, em direção ao mar (C<strong>AS</strong>TEL et al., 1996).<br />
O continente sul-americano contribui com 10,3% dos corpos d’água continentais<br />
costeiros (BARNES, 1980). Grande parte do litoral brasileiro apresenta este tipo de<br />
ecossistema, que varia grandemente em tamanho. Suas características peculiares, tais como
31 31<br />
localização fronteiriça entre os ambientes terrestre e marinho, pequena profundidade e<br />
implemento ininterrupto de energia externa através da radiação solar e constante ação dos<br />
ventos, resultam num dos mais elevados índices de produtividade primária dentre todos os<br />
ecossistemas naturais do mundo (COMÍN e VALIELA, 1993; KNOPPERS, 1994).<br />
Atividades antrópicas<br />
Através dos tempos, a ocupação humana, que ocorre preferencialmente em zonas<br />
costeiras e próxima a recursos de água doce, vem trazendo sérios distúrbios aos ambientes<br />
costeiros, geralmente resultando em diminuição dos recursos pesqueiros e de áreas de lazer<br />
(CARMOUZE e V<strong>AS</strong>CONCELOS, 1992; ESTEVES, 1998; SUZUKI et al, 1998;<br />
MAGALHÃES et al, 2001). Os ecossistemas costeiros não só representam pontes de ligação<br />
entre os ecossistemas terrestres e marinhos como também são importantes fontes naturais de<br />
alimentos (peixes e crustáceos), servem como áreas de lazer e, em diversos casos, como<br />
fontes de água doce para abastecimento (se a salinidade assim o permite) e para o despejo de<br />
dejetos industriais e domésticos. A extração de minerais (carbonato de cálcio, sal marinho,<br />
areia) assim como o cultivo de peixes, crustáceos e moluscos são outros tipos de atividades<br />
exercidas em diversas regiões do mundo. Alguns destes usos múltiplos são compatíveis com<br />
o manejo e conservação adequada destes ecossistemas. Porém, outros causam sérios<br />
problemas ecológicos.<br />
Os distúrbios mais freqüentes advêm de:<br />
- diminuição da área alagável através da construção de benfeitorias sobre aterros;<br />
- dragagem e/ou assoreamento dos leitos das lagunas, para exploração mineradora;<br />
- despejo de esgotos domésticos e industriais não tratados diretamente em suas águas;<br />
- e, no caso de sistemas isolados do mar, as aberturas de barra de areia que os<br />
separam do mar.<br />
Estes distúrbios modificam a hidrodinâmica e a ciclagem interna de nutrientes,<br />
reduzem o número de hábitats litorais e podem resultar em diminuição da biodiversidade e<br />
aceleração do processo de colmatação da lagoa. As ações descritas podem ter como<br />
conseqüência o comprometimento de seu uso múltiplo, pois a capacidade de acumular<br />
nutrientes potencializa o processo de eutrofização, além de propiciar o acúmulo de elementos<br />
tóxicos (LACERDA, 1994).
32 32<br />
Dentre os distúrbios causados pela ação antrópica, o aporte excessivo de nutrientes,<br />
resultado do despejo de esgotos domésticos, industriais e agropecuários, pode ser apontado<br />
como o fator modificador mais importante da dinâmica lagunar natural.<br />
As respostas à entrada excessiva de nutrientes e matéria orgânica nos sistemas<br />
lagunares estão associadas a variáveis intrínsecas a cada tipo de lagoa, tais como sua<br />
morfometria, relação superfície/volume, formas de ligação com o ambiente marinho<br />
(influência das marés), tempo de residência das massas d’água e quantidade e qualidade dos<br />
aportes alóctones (KJERFVE, 1994). Porém, geralmente os sistemas respondem com o<br />
crescimento também excessivo de populações de algas e/ou macrófitas aquáticas, que<br />
desencadeiam uma série de reações de causa e efeito, alterando o metabolismo natural e as<br />
características originais da lagoa (AZEVEDO e CARMOUZE, 1994; CARMOUZE et al.,<br />
1994a, 1994b; SUZUKI et al, 2002). Entre estas reações, podem ser incluídas as<br />
possibilidades de desenvolvimento de cor e de odor na água, de populações capazes de<br />
liberar toxinas no meio, de anoxia nas camadas mais profundas da coluna d’água ou mesmo<br />
em regiões do corpo d’água, resultando em perdas da qualidade cênica e em altos custos para<br />
o tratamento da água para abastecimento. Muitos autores têm documentado o crescimento<br />
em importância da cadeia detritívora, em detrimento da redução da cadeia de herbivoria, nos<br />
ambientes aonde o processo de eutrofização artificial vem se acelerando (THOMAZ, 1995;<br />
PHLIPS e BADILAK, 1996; C<strong>AS</strong>TEL et al., 1996; SOROKIN et al., 1996).<br />
Os impactos antrópicos são especialmente mais severos naqueles corpos d’água<br />
costeiros protegidos ou isolados, caracterizados por pouca ou nenhuma troca de água com<br />
corpos d’água maiores, funcionando como verdadeiros depósitos de materiais. Em tais<br />
ambientes, o incremento na disponibilidade de nutrientes resulta geralmente no crescimento<br />
acelerado da comunidade fitoplanctônica, de macroalgas ou macrófitas flutuantes, que, por<br />
sua vez, inibem o crescimento de macroalgas bentônicas, macrófitas enraizadas e<br />
microfitobentos devido ao decréscimo da penetração de luz, ao crescimento de epífitas e a<br />
ocorrência de condições redutoras no hipolímnio e sedimento (NIENHUIS, 1992; DUARTE,<br />
1995, VIAROLI et al., 1996).<br />
O controle da eutrofização, que pode ser acelerada com os diversos tipos de<br />
interferência humana, está entre os maiores problemas para o manejo e a conservação destes<br />
ecossistemas.
As lagoas de Grussaí, Iquipari e Açu<br />
33 33<br />
As lagoas de Grussaí, Iquipari e Açu são típicas lagoas costeiras isoladas na região<br />
Norte Fluminense. As lagoas de Grussaí e Iquipari são submetidas a intermitentes aberturas<br />
da barra de areia. Grussaí com periodicidade pelo menos anula e Iquipari geralmente bienal.<br />
A lagoa do Açu vem, nos últimos dois anos, também sofrendo aberturas anuais, o que não<br />
acontecia desde 1996. As lagoas de Grussaí e Iquipari localizam-se inteiramente no<br />
município de São João da Barra; enquanto a do Açu apresenta sua porção norte no município<br />
de São João da Barra e a porção mediana e sul no município de Campos dos Goytacazes,<br />
hemidelta sul do rio Paraíba do Sul. Geologicamente embasadas sobre depósitos<br />
sedimentares quaternários fluvio-marinhos, suas gêneses estão relacionada à formação da foz<br />
do rio Paraíba do Sul.<br />
Estas lagoas, amplamente utilizadas como balneários pela população regional,<br />
apresentam uma forma muito alongada, dispondo-se paralelamente à costa por mais de 7 km<br />
cada uma. As lagoas são isoladas do mar por um fino cordão de areia (±50 m) formado por<br />
processo geomorfológico de consolidação de dunas. O cordão de areia impede as trocas<br />
naturais de água com o mar, exceto em ocasiões em que ocorram grandes ressacas<br />
(tormentas que resultam em uma maior variação da amplitude de maré, causada por correntes<br />
ou ventos fortes).<br />
A lagoa de Grussaí apresenta por volta de 30% de sua área localizada na zona urbana<br />
do Distrito de Grussaí (porção Norte). Nesta porção, recebe, durante todo ano, uma carga de<br />
esgotos domésticos não tratados. Este aporte, que vem crescendo nas últimas décadas e<br />
apresenta uma elevação no período de verão, vem modificando as condições naturais da<br />
lagoa. Por vezes, observa-se um grande desenvolvimento de algas, as quais alteram<br />
drasticamente a coloração (que muda para um verde bem escuro) e causam mau odor à água.<br />
A ocupação humana das margens, que vem ocorrendo de forma desordenada e especulativa,<br />
principalmente a partir da década de 80, diminuiu a área alagável da lagoa, que, em períodos<br />
de grande pluviosidade, atinge as casas ribeirinhas. Desta forma, o esvaziamento da lagoa se<br />
tornou uma prerrogativa social e, de tempos em tempos, a lagoa de Grussaí tem a barra de<br />
areia rompida, ou com auxílio de máquina retroescavadeira ou apenas com remoção manual<br />
(pás). O restante de sua bacia de drenagem é ocupado por pastagens e por uma mata de<br />
restinga em sua margem esquerda. Esta mata de restinga separa as porções centrais das<br />
lagoas de Grussaí e Iquipari. A lagoa de Iquipari não apresenta área urbana. Entretanto, sua<br />
bacia de drenagem tem sido utilizada para a monocultura de cana-de-açúcar e pastagem,<br />
assim como na lagoa do Açu. Esta também apresenta uma pequena porção, norte, urbanizada<br />
pelo Distrito de Barra do Açu.
34 34<br />
O solo arenoso e pobre em nutrientes (podzol hidromórfico – CIDE, 1997) torna esta<br />
região imprópria para a agricultura extensiva, sendo as áreas não urbanizadas adjacentes às<br />
lagoas utilizadas principalmente como pastagem. A manutenção do nível d'água das lagoas<br />
de Grussaí e Iquipari se faz pelo aporte de água doce via lençol freático, observado<br />
principalmente em suas porções sul, e entrada atmosférica, uma vez que não apresentam<br />
nascente ou afluente. Na lagoa do Açu, observa-se a adução de água doce do rio Paraíba do<br />
Sul através do canal de São Bento e Quitingute.<br />
Por sua latitude, a região estudada está submetida à incidência solar intensa,<br />
favorecendo a evaporação. O anticiclone tropical do Atlântico semifixo é responsável pela<br />
manutenção de dias ensolarados a maior parte do ano e a dominância de ventos subúmidos<br />
do setor Nordeste (FIDERJ, 1978). A região apresenta elevada incidência de precipitação nos<br />
meses de novembro a janeiro, uma diminuição no mês de fevereiro e novamente uma<br />
elevação nos meses de março e abril. A baixa incidência de chuvas nos meses de maio a<br />
agosto caracteriza o período de seca. O volume total de chuvas, em torno de 1000 mm anuais<br />
e temperaturas médias entre 20 e 30C, caracterizam o clima da região como tropical sub-<br />
úmido seco, com grande excesso de água no verão, megatérmico, com calor bem distribuído<br />
o ano todo, segundo a classificação de Thornthwaite (FIDERJ, 1978).<br />
Dois períodos bem distintos podem ser definidos a partir da variação sazonal de<br />
temperatura: um de outubro a abril, com temperaturas médias acima de 25C, caracterizando<br />
o verão; e outro com temperaturas mais amenas, com temperaturas médias superiores à 19C<br />
(INMET, Estação Campos - RJ).<br />
Caracterização hidroquímica<br />
Lagoas de Grussaí e de Iquipari<br />
As lagoas de Grussaí e Iquipari, localizadas no município de São João da Barra, entre<br />
as coordenadas 21°42'S e 21°48’S de latitude e 41°02’E e 41°03’W de longitude, por<br />
apresentarem gênese e características morfométricas e fisiográficas comuns, serão estudadas<br />
juntas. Ambas podem ser divididas em três regiões que apresentam características<br />
biogeoquímicas distintas:<br />
1) A porção mais distal, localizada na região sul, oposta à barra de areia, apresenta os<br />
menores valores de condutividade elétrica [geralmente menores que 1000 µS.cm -1 , pH (entre<br />
6,0 e 7,5) e saturação de oxigênio (subsaturação), que indicam o aporte subterrâneo de água<br />
doce. Esta porção apresenta ainda uma extensa área alagável, colonizada intensamente por
35 35<br />
macrófitas aquáticas enraizadas emersas ou livre-flutuantes como Typha dominguensis Pers.,<br />
Pontederia cf. lanceolata L., Eichhornia crassipes (Mart.) Solms, Salvinia L. spp e Pistia<br />
stratiotes L., que formam extensos bancos. Estas se desenvolvem devido principalmente à<br />
pequena profundidade da coluna d’água, que não excede um metro, a qual permite a<br />
utilização tanto de recursos de fundo (nutrientes do sedimento) como os aquáticos, e à<br />
abundância de água doce (baixa salinidade - < 1 u.s.].<br />
A intensa coloração da água (cor de coca-cola), em função da presença de ácidos<br />
húmicos e fúlvicos carreados da região brejosa e da restinga adjacente, que, além de diminuir<br />
a penetração de luz na coluna d’água pela presença de cor, alteram a qualidade óptica da<br />
água, minimizam o crescimento de organismos subaquáticos nesta região.<br />
2) O corpo principal da lagoa, de águas mais claras que a porção distal, apresenta<br />
gradiente, ao longo desta porção, de condutividade elétrica entre a porção distal (“doce”) e a<br />
região mais próxima ao mar (mais salgada) (de 1000 a 10000 µS.cm -1 em períodos de barra<br />
fechada), refletindo a influência crescente da água do mar (aumento da condutividade<br />
elétrica). Com profundidades de coluna d’água que podem alcançar mais de um metro, o<br />
corpo principal apresenta uma região litorânea reduzida e a comunidade fitoplanctônica pode<br />
aparecer então como principal fonte de matéria orgânica interna do sistema. A intensa<br />
atividade metabólica da comunidade fitoplanctônica durante os períodos de barra fechada<br />
pode ser traduzido pelos valores próximos à saturação ou supersaturação de oxigênio<br />
dissolvido e valores de pH que podem chegar a mais que 10 (geralmente acima de 8,5).<br />
3) A região mais próxima à barra de areia que separa a lagoa do mar apresenta os<br />
maiores valores de condutividade elétrica, influenciada indiretamente pelo “spray” marinho e<br />
diretamente pelo processo de abertura da barra (10000 a 20000 µS.cm -1 em períodos de barra<br />
fechada).<br />
Lagoa do Açu<br />
A lagoa do Açu localiza-se nos municípios de Campos dos Goytacazes e São João da<br />
Barra, entre as latitudes 21º55’ e 22ºS e longitudes 40º57’ e 41º 00’ W. A variação horizontal<br />
observada para as lagoas de Grussaí e Iquipari também pôde ser observada na lagoa do Açu<br />
entre 2000 e 2001, onde os valores de condutividade elétrica mostram-se menos salobros na<br />
região sul (mais distal da barra de areia que a separa do mar, com valores entre 20-25<br />
mS.cm -1 ) e mais salobros nas estações próximas à barra (em torno de 40-50mS.cm -1 ),<br />
próximo à barra. Entretanto, pode-se observar também que a lagoa do Açu apresenta valores<br />
de condutividade elétrica muito mais elevados que aqueles verificados em Grussaí ou
36 36<br />
Iquipari. A lagoa do Açu, ao contrário das de Grussaí e de Iquipari, apresenta entrada de<br />
água superficial através dos canais Quitingute e São Bento, que aduzem água do rio Paraíba<br />
do Sul. Todavia, com o fechamento das comportas, esta adução foi impedida e as águas da<br />
lagoa tornaram-se, ao final de 2001, hipersalinas na porção norte, mais próximo à barra, onde<br />
foram encontrados valores de salinidade de até 44 u.s. Em função da elevada salinidade<br />
(próxima à do mar), observa-se o desenvolvimento de manguezais (Avicenia germinans,<br />
Laguncularia racemosa e Rhizophora mangle) ao longo de suas margens. A região mais<br />
interior é densamente colonizada por macrófitas aquáticas emersas, especialmente Typha<br />
domingensis (Taboa), que cobre boa parte das regiões brejosas próximas ao Farol de São<br />
Tomé.<br />
As águas da lagoa do Açu apresentaram uma certa homogeneidade dos valores de<br />
pH ao longo das porções mais continentais, com valores girando em torno de 7,8; e a porção<br />
mais próxima à barra, com valores mais elevados, em torno de 8,1.<br />
Os maiores valores de OD, assim como os de pH, foram observados na porção<br />
próxima à barra, geralmente acima da saturação. De forma geral, as demais porções<br />
apresentaram valores de O.D. abaixo da saturação, com valores médios em torno de 80%,<br />
sendo que os meses mais frios tenderam a apresentar os menores valores, relacionados à<br />
diminuição da atividade biológica.<br />
Lagoa Salgada<br />
A Lagoa Salgada localiza-se na região norte do Estado do Rio de Janeiro, no litoral<br />
do município de Campos, próximo ao Cabo do São Tomé (21°54'S e 41°02'W e 21°56'S e<br />
40°59'E). É uma lagoa hipersalina, apesar de se localizar a cerca de 4 km do mar e não<br />
apresentar nos dias de hoje conexão direta com este. A salinidade apresentou valores<br />
mensurados de até 63 u.s., pH alcalino em torno de 8,9, uma coluna d'água anóxica em<br />
determinados pontos mais rasos ou subsaturada (em pontos mais profundos), com elevadas<br />
temperaturas em função de sua pequena coluna d’água e elevada concentração de sais. Esta<br />
lagoa abriga as únicas ocorrências de estromatólitos recentes na América do Sul (Srivastava,<br />
1999). Além dos estromatólitos, em suas margens não se observa o crescimento de vegetação<br />
em função da formação de um tapete salino entremeado de bactérias e/ou microalgas<br />
resistentes.
Lagoa do Veiga<br />
37 37<br />
Trata-se de um corpo d’água intensamente colonizado por Nimphoydes (macrófita<br />
aquática enraizada de folhas flutuantes). A amostragem revelou os seguintes dados<br />
- Condutividade elétrica microS/cm;<br />
- pH próximo a neutralidade (7,16);<br />
- Saturação de oxigênio relativamente baixa, mas que não é limitante à vida<br />
subaquática (58% saturação). Esta baixa concentração de oxigênio possivelmente está<br />
relacionada à carga orgânica, seja autóctone (macrófitas) ou alóctone (lixo e<br />
infiltração de esgotos), e que no processo degradativo demanda oxigênio.<br />
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Introdução<br />
ICTIOFAUNA<br />
Na região Norte Fluminense, encontramos lagoas que são de extrema importância<br />
como reservas de peixes, além de servirem como atrativos turísticos. Diversas espécies de
40 40<br />
peixes presentes nestas lagoas são exploradas para a alimentação de comunidades locais ou<br />
mesmo comercializadas, gerando renda.<br />
Os diversos sistemas lagunares desta região apresentam muitos processos físicos e<br />
funcionais em comum, mas também apresentam diferenças estruturais que os separam em<br />
essência. Dentre os diversos tipos de lagoas presentes nesta região, as lagoas costeiras se<br />
destacam pela intensa ação antrópica exercida sobre elas, tanto pela pesca quanto pela<br />
urbanização.<br />
As lagoas de Grussaí, Iquipari e do Açu, avaliadas na primeira etapa deste projeto e<br />
descritas no presente relatório, são lagoas costeiras onde processos antrópicos de<br />
comunicação com o mar são estabelecidos periodicamente e conhecidos como abertura da<br />
barra.<br />
Ao proceder esta comunicação da lagoa com o mar adjacente, é introduzida nas<br />
mesmas uma nova comunidade de peixes, além de acelerar o processo de salinização que já<br />
ocorria pelo spray marinho e por processo de percolação.<br />
Cada sistema costeiro lagunar apresenta características próprias, determinadas<br />
principalmente pelo número e tamanho de entradas (ligações com o mar); tamanho da<br />
barreira de areia e condições ambientais, como ventos, correntes de maré, aporte fluvial e<br />
pluviosidade. Estes fatores são responsáveis pela variação do gradiente de salinidade e<br />
circulação do sistema, os quais atuam diretamente no balanço hidrossalino, na qualidade da<br />
água e nos níveis de eutrofização (KJERFVE, 1994).<br />
Um dos principais fatores de zonação desses ecossistemas é a salinidade, que atua<br />
diretamente no potencial osmótico dos organismos e na diversidade da comunidade. De<br />
acordo com a influencia da maré, a salinidade pode variar de zero até condições de<br />
hipersalinidade (ROSS e EPPERLY, 1985). Deste modo, Muller (1978), classifica-as como<br />
hipohalinas, mesohalinas e hiperhalinas.<br />
No interior das lagoas, o teor salino varia em um gradiente horizontal, onde quanto<br />
mais próximo ao mar, maior a salinidade e, à medida que se desloca em sentido ao<br />
continente, vai diminuindo. Junto com o gradiente de salinidade, variam também a flora, a<br />
fauna, a quantidade de nutrientes dissolvidos e outras variáveis físico-químicas (C<strong>AS</strong>TEL et<br />
al., 1996).<br />
As lagoas costeiras são consideradas ambientes de alta produtividade, comparáveis às<br />
áreas estuarinas e de ressurgência. O recebimento de águas marinhas e fluviais, a alta taxa de<br />
sedimentação, a baixa profundidade, a alta penetração de luz e a constante homogeneização<br />
da coluna d'água, causada pelos ventos litorâneos, proporcionam uma elevada produtividade<br />
primária e uma rápida mineralização da matéria orgânica (CARMOUZE, 1994; UFRJ -<br />
Petrobrás, 1994).
41 41<br />
Esses ecossistemas são ambientes rasos, sujeitos à deposição de sedimentos. Possuem<br />
vida curta na escala geológica devido ao processo de assoreamento que tem sido acelerado<br />
devido ao impacto antropogênico, pelo despejo de efluentes domésticos e industriais,<br />
excessiva exploração mineral e pesqueira, ocupação desordenada das margens e<br />
rebaixamento dos níveis d'água através de aterros, comprometendo toda a estrutura<br />
geomorfológica, físico-química e bioecológica do sistema (AZEVEDO, 1984; COUTINHO,<br />
1986; UFRJ - Petrobrás, 1993, 1994).<br />
As lagoas costeiras são utilizadas como áreas de crescimento e/ou reprodução por<br />
diversos organismos, principalmente espécies de peixes, que constituem notável recurso<br />
pesqueiro explorado por pescadores artesanais (COUTINHO, 1986; YAÑEZ-ARANCIBIA,<br />
1986).<br />
Na região Norte Fluminense, as lagoas costeiras vêm sofrendo altos níveis de<br />
degradação, devido à sobrepesca, ao despejo de esgoto in natura, a agricultura e<br />
bovinocultura em suas margens.<br />
Material e métodos<br />
A coleta de informações acerca da ictiofauna das lagoas do Norte Fluminense está<br />
baseada na aplicação de questionários pelos pesquisadores envolvidos no projeto.<br />
O público alvo é composto de pescadores e moradores do entorno de cada lagoa,<br />
presentes no dia da visitação da equipe à lagoa. Entretanto, tal público tradicionalmente tem<br />
dificuldade em fornecer informações sobre a ocorrência de espécies de pequeno porte que<br />
não possuem atrativo econômico ou não são utilizadas na alimentação.<br />
Para a obtenção de informações a cerca deste grupo de espécies, foi realizado um<br />
esforço de pesca com arrastão de malha 5 mm e peneira de malha 2 e 6 mm.<br />
Apenas nas lagoas do Açu, Grussaí e Iquipari, alvo deste primeiro relatório,<br />
consideraram-se avaliações recentes realizadas pela UENF, com uso de captura por rede de<br />
espera, conforme descrito adiante.<br />
Nos relatórios vindouros, acerca das demais lagoas, a metodologia de aplicação do<br />
questionário e da coleta de peixes de pequeno porte será pormenorizada.<br />
A lagoa do Açu localiza-se entre os municípios de Campos dos Goytacazes e São<br />
João da Barra. Já as lagoas de Grussaí e de Iquipari situam-se adjacentes a balneários de São<br />
João da Barra.<br />
As três lagoas são similares em alguns aspectos, como na estreita faixa de areia que<br />
as separam do mar. Apenas no caso da lagoa de Grussaí, essa faixa supera os 100m. As
42 42<br />
demais são inferiores a 50m. Tais lagoas recebem aporte de água de córregos e possuem<br />
gradiente de salinidade, aumentando à medida que se aproxima da barra.<br />
O esforço de captura foi determinado após testes a priori, realizados da seguinte<br />
maneira: foram dispostos 3 jogos de redes encabeçadas durante 5 dias e pôde-se observar que<br />
o número de espécies se repetiam em todos os jogos de redes a partir do terceiro dia de<br />
coleta. No teste realizado a priori, verificou-se que não havia diferença significativa<br />
(p entre a biomassa média acumulativa a partir do terceiro dia de coleta. Desta<br />
maneira, pôde-se determinar que três conjuntos de redes durante três dias são o suficiente<br />
para se representar a estrutura da comunidade para tempos curtos como os meses.<br />
O posicionamento das redes na lagoa foi feito de tal forma que, os jogos ficassem em<br />
locais onde pudessem “cruzar” a lagoa de margem a margem. A tendência foi sempre<br />
colocar os jogos numa posição perpendicular ao canal existente, com uma distância entre os<br />
jogos de aproximadamente 500m.<br />
Para a amostragem da ictiofauna, foi empregado um esforço de pesca de 3 dias de<br />
coletas consecutivos/mês/lagoa, totalizando 36 coletas/ano, no período de junho/2002 a<br />
maio/2003. Três jogos de redes, cada um composto de quatro redes encabeçadas com malhas<br />
de 20, 25, 30 e 40mm entrenós adjacentes, foram dispostos ao longo da barra da Lagoa do<br />
Açu. Na lagoa de Iquipari, foram empregados puçás (50 cm de diâmetro e malha de 2mm) e<br />
redes de arrasto, além das citadas redes de espera.
Resultados<br />
43 43<br />
Na lagoa do Açu, foram capturados indivíduos, pertencentes a 6 ordens, 7<br />
famílias, 10 gêneros e 10 espécies. A lista das espécies capturadas é apresentada na tabela 1.<br />
Tabela 1. Lista de espécies capturadas na barra da lagoa do Açu.<br />
ORDEM FAMÍLIA ESPÉCIE Nome Popular<br />
Clupeiformes Engraulidae Cetengraulis edentulus (Cuvier, 1829) Sardinha boca larga<br />
Siluriformes Ariidae Genidens genidens (Valenciennes, 1840) Bagre guri<br />
Pleuronectiformes Soleidae Achirus lineatus (Linnaeus, 1758)<br />
Trinectes paulistanus (Ribeiro, 1915)<br />
Atheriniformes Atherinidae Xenomelaniris brasiliensis (Quoy e Gaimard,<br />
1824)<br />
Linguado<br />
Linguado<br />
Peixe rei<br />
Anguiliformes Belonidae Strongylura timucu (Walbaum, 1972) Peixe agulha<br />
Perciformes Cichlidae Geophagus brasiliensis (Quoy e Gaimard, 1824)<br />
Tilapia rendalli (Boulenger, 1896)<br />
Gerreidae Diapterus rhombeus (Cuvier, 1829)<br />
Eugerres brasilianus (Cuvier, 1830)<br />
Acará<br />
Tilápia<br />
Carapicu<br />
Carapeba<br />
Na lagoa de Iquipari, foram capturados indivíduos pertencentes a 10 ordens, 23<br />
famílias e 36 espécies (tabela 2), sendo diversos de origem marinha, conseqüência da coleta<br />
ter sido feita após uma abertura da barra.<br />
Tabela 2. Lista de espécies capturadas na lagoa de Iquipari.<br />
ORDEM FAMÍLIA ESPÉCIE Habitat<br />
Elopformes Elopidae<br />
Clupeiformes Engraulidae<br />
Clupeidae<br />
Siluriformes Ariidae<br />
Auchenipteridae<br />
Elops saurus<br />
Cetengraulis edentulus<br />
Platanichtys platana<br />
Genidens genidens<br />
Arius grandecassis<br />
Parauchenipterus striatulus<br />
marinho<br />
marinho<br />
marinho<br />
marinho<br />
marinho<br />
dulcícola
Callichthyidae<br />
Loricariidae<br />
Pimelodidae<br />
Pleuronectiformes Soleidae<br />
Tetraodontidae<br />
Hoplosternum litoralle<br />
Loricariichthys sp.<br />
Rhamdia sp.<br />
Achirus lineatus<br />
Spheroides sp.<br />
44 44<br />
dulcícola<br />
dulcícola<br />
dulcícola<br />
marinho<br />
marinho<br />
Atheriniformes Atherinidae Xenomelaniris brasiliensis marinho<br />
Characiformes Characidae<br />
Curimatidae<br />
Erythrinidae<br />
Cyprinodontiformes Anablepidae<br />
Poeciliidae<br />
Perciformes Cichlidae<br />
Gerreidae<br />
Centropomidae<br />
Mugilidae<br />
Eleotrididae<br />
Gobiidae<br />
Scianidae<br />
Astyanax bimaculatus<br />
Astyanax fasciatus<br />
Hyphessobrycon bifasciatus<br />
Hyphessobrycon flammeus<br />
Hyphessobrycon cf. leutkeni<br />
Oligasarcus hepsetus<br />
Cyphocharax gilbert<br />
Hoplias malabaricus<br />
Jenynsia multidentata<br />
Phalloceros caudimaculatus<br />
Phallopthychus januarius<br />
Poecilia vivípara<br />
Geophagus brasiliensis<br />
Cichlasoma facetum<br />
Diapterus rhombeus<br />
Gerres aprion<br />
Centropomus parallelus<br />
Mugil curema<br />
Mugil liza<br />
Dormitador maculatus<br />
Eleotriu pisoni<br />
Awaous fajasica<br />
Micropogonias funieri<br />
dulcícola<br />
dulcícola<br />
dulcícola<br />
dulcícola<br />
dulcícola<br />
dulcícola<br />
dulcícola<br />
dulcícola<br />
dulcícola<br />
dulcícola<br />
dulcícola<br />
dulcícola<br />
dulcícola<br />
dulcícola<br />
marinho<br />
marinho<br />
marinho<br />
marinho<br />
marinho<br />
marinho<br />
marinho<br />
marinho<br />
marinho<br />
Leuronecteformes Pralicthyidae Paralicthys sp. marinho<br />
Na lagoa de Grussaí, foram capturados indivíduos pertencentes a cinco ordens, doze<br />
famílias e quinze espécies, conforme pode ser observado na tabela 3.<br />
Tabela 3. Lista de espécies capturadas na lagoa de Grussaí.<br />
ORDEM FAMÍLIA ESPÉCIE Habitat<br />
Clupeiformes Engraulidae<br />
Cetengraulis edentulus<br />
marinho<br />
Atheriniformes Atherinidae Xenomelaniris brasiliensis marinho
Characiformes Characidae<br />
Erythrinidae<br />
Cyprinodontiformes Anablepidae<br />
Poeciliidae<br />
Perciformes Cichlidae<br />
Bibliografia<br />
Gerreidae<br />
Centropomidae<br />
Mugilidae<br />
Gobiidae<br />
Scianidae<br />
Astyanax bimaculatus<br />
Hyphessobrycon bifasciatus<br />
Hoplias malabaricus<br />
Jenynsia multidentata<br />
Phalloceros caudimaculatus<br />
Poecilia vivípara<br />
Geophagus brasiliensis<br />
Cichlasoma facetum<br />
Eugerres brasilianus<br />
Centropomus parallelus<br />
Mugil liza<br />
Awaous fajasica<br />
Micropogonias funieri<br />
45 45<br />
dulcícola<br />
dulcícola<br />
dulcícola<br />
dulcícola<br />
dulcícola<br />
dulcícola<br />
dulcícola<br />
dulcícola<br />
marinho<br />
marinho<br />
marinho<br />
marinho<br />
marinho<br />
AZEVEDO, L.S.P., 1984. Considerações geoquímicas das lagunas do litoral leste do Estado<br />
do Rio de janeiro. In: LACERDA, L.D., ARAUJO, D.S.D., CERQUEIRA, R. & TURCQ,<br />
B. (orgs), Restingas: Origem, Estrutura e Processos. CEUFF, Niterói: 123: 135.<br />
CARMOUZE, J. P.1994. Metabolismos dos ecossistemas aquáticos: fundamentos teóricos,<br />
métodos de estudo e análises químicas. 1ed. São Paulo: Edgard Blucher/Fapesp. 254p.<br />
C<strong>AS</strong>TEL, J., CAUMETTE, P., HERBERT, R. 1996. Eutrophication gradients in coastal<br />
lagoons as exemplified by the bassin d'Ácachon and the Étang du Prévost. Hydrobiologia<br />
329:ix - xxviii.<br />
COUTINHO, P.N., 1986. Sugestões para o gerenciamento de estuários. Arq. cien. Mar., 25:<br />
77-86.<br />
KJERFVE, B., 1994. Coastal Lagoon Processes. Amsterdam, ELSEVIER. 577P.<br />
MULLER, K., 1978. Locomotor Activity of Fish and Enviromental Oscillations. In:<br />
THORPE, J.E., 1978. Rhythmic Activity of Fishes. Academic Press. New York. 1-20.<br />
ROSS, S. W., & EPPERLY, S. P., 1985. Utilization of shallowestuarine nursery areas by<br />
fishes in Pamlico Sound and adjacent tributaries. Chapter 10: 207-232. In: YAÑEZ-<br />
ARANCIBIA, A. Fishe Community Ecology in Estuaries and Coastal Lagoons: Towads an<br />
Ecossystem Integration. Editorial Universitaria. UNAM. PUAL-ICML, México, D. F., 654p.<br />
UFRJ - PETROBRÁS, 1993. Estudos ecológicos nas lagoas costeiras da região norte<br />
fluminense. Convenio PETROBRÁS/BIORIO/UFRJ. Relatórios técnicos.<br />
UFRJ - PETROBRÁS, 1994. Estudos ecológicos nas lagoas costeiras da região norte<br />
fluminense. Convenio PETROBRÁS/BIORIO/UFRJ. Relatórios técnicos.
46 46<br />
YAÑEZ-ARANCIBIA, A., 1986. Ecologia de la zona costeira: Analisis de siete topicos.<br />
Editorial AGT, México, D.F., 189p.<br />
FAUNA DE VERTEBRADOS TERRESTRES E ALADA<br />
Dr. Ronaldo Novelli – UENF/LCA.<br />
Licenciando Viviane Araujo Dalbon – Biologia/UENF/LCA.<br />
Licenciando Luis Sérgio de Araujo Cordeiro Júnior – Biologia/UENF/LCA.<br />
Área de estudo<br />
Lagoa do Açu<br />
A lagoa do Açu localiza-se em área costeira da planície da região Norte Fluminense,<br />
separada do mar apenas por uma estreita faixa de areia (barra), fazendo divisa com dois<br />
municípios desta região: Campos dos Goytacazes e São João da Barra (21 o 55’ S 40 o 59' W)<br />
(figura 1).<br />
Figura 3 – Mapa do litoral fluminense constando à lagoa do Açu e no destaque a barra da lagoa do<br />
Açu (seta).<br />
Esta lagoa representou, através da pesca artesanal, uma importante fonte de renda<br />
para a comunidade local, constituída basicamente por pescadores. Atualmente, este<br />
ecossistema mostra-se pobre em diversidade de peixes, fruto da sobrepesca e da atuação<br />
antrópica, principalmente na regulação do nível da água e/ou modificações no sistema<br />
fluvial, através de implantação de comportas, que alteram a dinâmica de toda a lagoa.<br />
No passado, com uma freqüência anual, a comunidade local rompia a faixa de areia<br />
que separa a lagoa do mar, na intenção de adentrar peixes de maior valor econômico, os
47 47<br />
denominados “peixes brancos” (representados pela tainha, carapeba, carapicu e robalo),<br />
peixes estes característicos de ambientes marinhos e mixohalinos, além do camarão<br />
verdadeiro. Esta se manteve fechada por 11 anos consecutivos, sendo aberta em dezembro de<br />
2003 e abril de 2005. Com a abertura de barra, o sistema melhorou, pois anteriormente as<br />
suas águas hipersalinas prejudicava até o manguezal que contorna suas margens.<br />
Havia um comprometimento da qualidade do meio ambiente adequado para o<br />
manguezal, principalmente se o nível da água permanecesse baixo por muito tempo,<br />
intensificando o processo de hipersalinização, o qual ainda é presente devido à entrada da<br />
água do mar por percolação. Atualmente, o sistema deixou de ser hipersalino e tornou-se<br />
mixohalino (anteriormente de 47 %o para 20 %o), passando as plântulas de Laguncularia<br />
racemosa (mangue branco) a crescer, recolonizando áreas degradadas.<br />
Em toda a margem da lagoa do Açu, encontram-se manguezais e restingas, embora<br />
apresentando sinais de desequilíbrio ecológico. Hoje, toda a área de influência direta ou<br />
indiretamente ligada à lagoa do Açu encontra-se altamente alterada devido às obras de<br />
drenagem e retificações efetuadas no sentido de sanear a baixada local e viabilizar as<br />
atividades agrícolas e a bovinocultura na região.<br />
Embora o ecossistema em questão esteja sendo vítima de uma acentuada deterioração<br />
ambiental, ele ainda mantém condições adequadas para a sobrevivência dos peixes e muitas<br />
aves.<br />
Lagoas de Iquipari e Grussaí<br />
Iquipari/Grussaí.<br />
Especificamente as lagoas de Iquipari e Grussaí são contornadas pela restinga de<br />
Num dos poucos estudos realizados nesta região, Nunes (1998), delimitou uma<br />
transecção de 25 ha no sentido mar/interior, no complexo lagunar Grussaí/Iquipari, que<br />
possui uma área de aproximadamente 4800 ha. O sistema lagunar de Iquipari apresenta um<br />
formato alongado e com perímetro de 10 Km. Consiste em barramento natural de um<br />
pequeno curso d’água de segunda ordem, o antigo rio Iquipari, sistema este resultante de<br />
canais abandonados na região deltaica do rio Paraíba do Sul.
48 48<br />
Fig. 4 – Lagoas de Grussaí (abaixo) e Iquipari (acima) com parcela de<br />
vegetação de restinga<br />
O sistema lagunar de Grussaí apresenta forma alongada com cerca de 8km de<br />
extensão e média 100 m de largura. Sua área superficial de 1 km 2 é isolada do mar por um<br />
fino cordão de areia.<br />
De acordo com Nunes (1998), a fitofisionomia e a fitossociologia mostram<br />
particularidades que situam o complexo lagunar Grussaí/Iquipari como um novo elemento<br />
dentro das restingas descritas no Estado do Rio de Janeiro.<br />
Material e métodos<br />
Para a caracterização da fauna das lagoas do Açu, Iquipari, Grussaí e Salgada,<br />
precisa-se conhecer a fitofisionomia da restinga e do mangue adjacente, que influi<br />
enormemente na composição específica e estrutura das comunidades que vivem próximas às<br />
lagoas. Para tanto, descrevem-se as vegetações típicas destes ecossistemas, usando-se faixas<br />
longitudinais características a partir da praia. Dividiu-se a região 3 em ecossistema de<br />
restinga, ecossistema de manguezal e ecossistema lacustre.
Ecossistema de restinga<br />
49 49<br />
A restinga da região 3 foi divida em duas áreas que englobam a restinga do Açu e as<br />
restingas de Grussaí/ Iquipari. Um dos métodos utilizados para o estudo da fauna de restinga<br />
para região 3 foi o qualitativo, procurando-se abordar o passado (histórico e antecedentes da<br />
fauna), o presente (dados atualizados, pelo menos nos últimos 10 anos) e futuro<br />
(perspectivas, que serão abordadas no último relatório).<br />
Métodos para estudo da Restinga do Açu<br />
Dividiu-se a restinga do Açu em duas faixas, devido a sua pequena extensão:<br />
Faixa 1, próxima ao litoral, com espécies de vegetais baixos (vegetação herbácea),<br />
com predomínio dos halófilos, psamófilos reptantes e xerófilos, com domínio de salsa<br />
da praia (Ipomoea imperatis), capim estrela (Panicum racemosus), capim<br />
(Sporobolus virginicus) e diversos cactos, sendo o mandacaru (Cereus<br />
fernambucensis) o mais comum;<br />
- Faixa 2, com uma vegetação mais alta (arbustiva), misturando as vegetações típicas<br />
de diferentes faixas (devido à pequena extensão da restinga), com domínio de<br />
pitangueira (Eugenia sulcata), aroeira (Schinus terembitilifolius), quixabinha (Scutia<br />
arenicola) e diversos cactos (Cereus fernambucensis e Pilosocereus arrabidae). Esta<br />
faixa está bastante degradada, restando somente fragmentos de mata de restinga, em<br />
poucos pontos próximos da borda da lagoa do Açu.
Restinga de Grussaí e Iquiparí<br />
50 50<br />
Baseados em estudos anteriores, dividimos a restinga de Grussaí/Iquipari em 4 faixas.<br />
Por sua enorme extensão (sentido leste-oeste, com mais de mais de 20 km) e arbustos altos,<br />
passamos a chamá-la de floresta de restinga. Os detalhes das faixas estão no delineamento<br />
amostral.<br />
Delineamento amostral<br />
A área da restinga da região 3 foi estudada, quanto a sua fauna e flora, através de<br />
amostragens qualitativas.<br />
Para tanto, utilizou-se o seguinte método de classificação para fauna:<br />
R=residente; MB=migrante boreal; MA= migrante austral; MD=migrante diurno;<br />
Oc=ocasional; CO=comum.<br />
A metodologia em relação à flora foi realizada tanto por observação direta, através de<br />
amostragens qualitativas, nas diferentes faixas, priorizando a composição especifica, como<br />
também utilizamos os dados da metodologia aplicada na tese de mestrado de Nunes (1998),<br />
que utilizou 18 quadrados de 0.25m 2 , com lançamentos aleatórios e estratificados. Este autor,<br />
na Zona 1, amostrou a partir de 50 m da linha de maré alta, 18 a 200 m e 18 a 300 m,<br />
somando 54 parcelas.<br />
Fig. 5 – Visão aero<br />
fotográfica do<br />
complexo da Lagoa<br />
do Açu, vendo-se ao<br />
alto a Lagoa Salgada
Ecossistema Manguezal do Açu (figs 5 e 6)<br />
51 51<br />
O manguezal do Açu não apresenta faixas nítidas devido sua extensão ser muita<br />
pequena. A vegetação se mistura devido à estreita faixa, dominada principalmente pelo<br />
mangue branco (Laguncularia racemosa) em toda a faixa próxima da lagoa. O mangue<br />
vermelho (Rhizophora mangle) é escasso, aumentando em número a partir da localidade de<br />
Maria da Rosa. O mangue siribeira ou preto (Avicennia germinans) está representado por um<br />
indivíduo arbóreo de cerca de 8 metros de altura. Ainda existe preservado o mangue de botão<br />
(Conocarpus erectus), sendo este seu limite sul, mais preservado.<br />
Ecossistema Manguezal de Iquipari e Grussaí<br />
Os manguezais das lagoas de Iquipari e Grussaí foram reduzidos a pequenas manchas<br />
em seu entorno. Na lagoa de Grussaí, encontra-se o mangue branco (Laguncularia<br />
racemosa); na lagoa de Iquipari, predomina o mangue branco e em menor quantidade o<br />
mangue vermelho. No passado, encontrava-se também o mangue preto (Avicennia<br />
germinans), que agora é raro.<br />
Resultados<br />
Flora<br />
A grande extensão da Zona 1 (Formação Praial Graminoide), a particularidade da<br />
Zona 2 (Formação Praial com Moitas), o alto IVC do calombo (Pera glabrata) e a topografia<br />
sem grandes variações de altura apresentadas pela restinga do complexo lagunar<br />
Grussaí/Iquipari, situam esta área como um novo elemento dentro do mosaico formado pelas<br />
restingas descritas para o Estado do Rio de Janeiro.<br />
As espécies que melhor caracterizam cada zona, com base na fitossociologia são: na<br />
zona 1, Remiria marítima, Ipomoea imperatis e Sporobolus virginicus; na zona 2, por<br />
Schinus terebinthifolius, Eugenia sucata e Pilosocereus arrabidae; na zona 3, por Pera<br />
glabrata, Eugenia sulcata e Syderoxylon obtusifolium e, na zona 4, por Maytenus obtusifolia,<br />
Pera glabrata e Protium heptaphyllum.<br />
A primeira ocorrência de Clusia spiritu-sanctensis (abaneiro) foi citada por Nunes<br />
(1998) para a restinga lagunar de Grussaí e Iquipari.
Avifauna<br />
52 52<br />
Foram catalogadas 42 espécies de aves, incluídas em 19 famílias, para o sistema<br />
lacustre de Grussaí /Iquipari e Açu, utilizando-se somente estudos qualitativos. Segue uma<br />
lista de espécies, com alguns dados biológicos observados. Este estudo é preliminar, pois<br />
ainda não foram realizados trabalhos de estrutura de comunidades, nem levantamentos<br />
específicos para esta área. Para tanto, utilizou-se o seguinte método de classificação para a<br />
fauna:<br />
Aves<br />
MI=migrante (espécie visitante); MB=migrante boreal; MA= migrante austral;<br />
MD=migrante diurno; OC=ocasional; CO=comum; RA= raro; R=residente; RE=restinga;<br />
MG=mangue; CA = campo; LA = borda da lagoa.<br />
Alcedinidae Ceryle<br />
americana<br />
Alcedinidae Ceryle<br />
torquata<br />
Anatidae Dendrocygna<br />
viduata<br />
Anatidae Amazonetta<br />
brasiliense<br />
Aramidae Aramus<br />
guarauna<br />
Ardeidae Casmerodius<br />
albus<br />
Martimpescadorpequeno<br />
OC; LA Vive nas bordas das lagoas<br />
ou cruzando-as de um lado<br />
ao outro.<br />
Martim R; CO; LA Comum o ano inteiro.<br />
pescador grande<br />
Costuma cruzar as lagoas<br />
na busca de peixes.<br />
Geralmente solitário.<br />
Irerê OC; LA Pousam nas áreas alagadas<br />
próximas as lagoas<br />
Marreca-pévermelho<br />
RA; LA Muito rara na área.<br />
Carão RA; OC Muito raro no local. Mais<br />
comum na lagoa Feia, em<br />
Canto Sobrado.<br />
Garça branca<br />
grande<br />
R; LA; MD Muito comum. Ocorre o<br />
ano inteiro. Migrantes<br />
diurnos, deslocando-se das<br />
áreas de repouso para as de<br />
alimentação. * reproduz na<br />
lagoa do Açu de setembro a<br />
dezembro, formando<br />
colônias de mais de 5000<br />
indivíduos, junto com<br />
Egretta thula.
53 53<br />
Ardeidae Egretta thula Garça branca R; LA; MD Muito comum. Ocorre o<br />
pequena<br />
ano inteiro. Migrantes<br />
diurnos, deslocando-se das<br />
áreas de repouso para as de<br />
alimentação. * reproduz na<br />
lagoa do Açu de setembro a<br />
dezembro, formando<br />
colônias de mais de1000<br />
indivíduos.<br />
Ardeidae Ardeola<br />
striata<br />
Ardeidae Euxenura<br />
maguari<br />
Cathartidae Cathartes<br />
aura<br />
Cathartidae Cathartes<br />
burrovianus<br />
Cathartidae Coragypsis<br />
atratus<br />
Charadriidae Tringa<br />
flavipes<br />
Charadriidae Tringa<br />
melanoleuca<br />
Charadriidae Charadrius<br />
collaris<br />
Socó cagão R; LA Muito comum. Ocorre o<br />
ano inteiro, sempre<br />
solitário.<br />
Cegonha/João<br />
grande<br />
Urubu-decabeçavermelha<br />
RA; OC Raro no local. Aparece só<br />
no verão, em pequenos<br />
bandos (até 2 indiv.)<br />
RA; MI Embora raro, sempre<br />
encontrado em pouca<br />
quantidade. Não é<br />
residente.<br />
Urubutinga RA; MI Embora raro, sempre<br />
encontrado em pouca<br />
quantidade. Não é<br />
residente.<br />
Urubu comum OC A região não apresenta<br />
condições favoráveis para<br />
grandes bandos de urubus,<br />
devido aos constantes<br />
ventos nordestes de elevada<br />
intensidade.<br />
Maçarico<br />
pequeno de<br />
perna amarela<br />
Maçarico<br />
grande de perna<br />
amarela<br />
Batuira de<br />
coleira<br />
MB; CO Muito comum. Ocorre de<br />
agosto a maio. Migra para<br />
o Canadá e Alasca em<br />
junho e julho, retornando<br />
em agosto para o Brasil.<br />
Sua população pode chegar<br />
a mais de 10.000<br />
indivíduos no verão.<br />
MB; CO Muito comum. Ocorre de<br />
agosto a maio. Migra para<br />
o Canadá e Alasca em<br />
junho/ julho, retornando em<br />
agosto para o Brasil. Sua<br />
população pode chegar a<br />
mais de 10.000 indivíduos<br />
no verão.<br />
R; CO Muito comum. Ocorre o<br />
ano inteiro.
Charadriidae Charadrius<br />
collaris<br />
Charadriidae Vanellus<br />
chilensis<br />
Columbidae Columbina<br />
minuta<br />
Columbidae Columbina<br />
talpacoti<br />
Columbidae Leptotila<br />
rufaxilla<br />
54 54<br />
Batuira de CO; R Encontrado todo o ano.<br />
coleira<br />
Nidifica na praia adjacente.<br />
Quero-quero R; CO; RE; Comum o ano inteiro.<br />
CA Pousa no chão forrageando.<br />
Sempre em pequenos<br />
Rolinha da<br />
restinga<br />
Rolinha caldo<br />
de feijão<br />
grupos.<br />
RA; RE Característica da restinga.<br />
Encontrados em áreas<br />
adjacentes.<br />
CO; R Comum no campo e na<br />
zona urbana.<br />
Juriti CO; R Ocorre sempre em pequeno<br />
número.<br />
Cuculidae Guira guira Anu branco Co; RE Muito comum. Ocorre o<br />
ano inteiro, forrageando em<br />
Cuculidae Crotophaga<br />
ani<br />
pequenos bandos.<br />
Anu R; CO; RE Comum o ano inteiro.<br />
Pousa no chão forrageando.<br />
Sempre em pequenos<br />
grupos.<br />
Cuculidae Guira guira Anu branco R; CO; RE Comum o ano inteiro.<br />
Pousa no chão forrageando.<br />
Sempre em pequenos<br />
grupos.<br />
Falconidae Falco<br />
sparverius<br />
Falconidae Polyborus<br />
plancus<br />
Falconidae Milvago<br />
chimachima<br />
Falconidae Falco<br />
femoralis<br />
Icteridae Cassicus<br />
haemorrhous<br />
Laridae Rhynchops<br />
nigra<br />
Quiri-quiri OC Ocasional, pouco estudo na<br />
região.<br />
Carcará CO; R Muito comum. Costuma<br />
ficar na borda das lagoas.<br />
Gavião pinhé/ Oc; RE Raro de se encontrar.<br />
Carrapateiro<br />
Costuma visitar a restinga a<br />
Gavião de<br />
coleira<br />
procura de presas.<br />
RA Aparece quando está a<br />
procura de presa.<br />
Guaxe MI; CO nidifica na restinga<br />
próxima ou mangue,<br />
geralmente no verão e<br />
início do outono.<br />
Talha-mar RA; OC Raro no local. Aparece só<br />
no verão, em pequenos<br />
bandos.<br />
Mimidae Mimus gilvus Sabiá da praia R;RA Ameaçado.Capturado pela<br />
comunidade local
Motacillidae Anthus<br />
lutescens<br />
Picidae Colaptes<br />
campestris<br />
Strigidae Athene<br />
cunicularia<br />
Thraupidae Euphonia<br />
chlorotica<br />
55 55<br />
Peruinho CO; CA; RE Muito comum o ano<br />
inteiro; vive no chão<br />
forrageando.<br />
Pica-Pau-docampo<br />
Coruja<br />
buraqueira<br />
RA Raro na restinga próxima.<br />
Vive também na zona<br />
urbana.<br />
CO; R Muito comum. Encontrada<br />
o ano inteiro. Nidifica em<br />
buracos, principalmente no<br />
verão e outono.<br />
Vivi (Fim-fim) CO;R Sempre em pequeno<br />
número.<br />
Threskiornithidae Ajaia ajaja Colhereiro RA; OC Só aparece no verão. Muito<br />
raro. Sempre em pouca<br />
Tyranidae Fluvicola<br />
negeta<br />
Tyranidae Tyranus<br />
melancholicus<br />
Tyranidae Pitangus<br />
sulphuratus<br />
Tyranidae Todirostrum<br />
cinereum<br />
Tyranidae Furnarius<br />
rufus<br />
Lavadeira CO; RE;<br />
MG<br />
Viuvinha Tyranidae Arundinicola<br />
leucocephala<br />
quantidade.<br />
Comum. Sempre próximo<br />
da lagoa.<br />
Suiriri CO; RE Muito comum. Ocorre o<br />
ano inteiro.<br />
Bem-te-vi CO; R Uma das aves mais comum<br />
no campo.<br />
Relógio CO; R Comum, mais encontrado<br />
sempre em pequeno<br />
número.<br />
João-de-barro CO; R Comum na região. Constrói<br />
ninhos na primavera.<br />
R; MG Muito comum, ocorrendo<br />
geralmente em casais,<br />
pousados nas árvores do<br />
mangues, ou em áreas<br />
brejosas (na taboa).<br />
Ocorrem espécies de aves migratórias, principalmente na lagoa do Açu, Norte<br />
Fluminense, sendo que, entre estas, sete são migratórias transcontinentais do hemisfério<br />
norte e cinco migratórias ocasionais. Os maçaricos que apresentaram maior freqüência de<br />
ocorrência foram: Tringa melanoleuca e Tringa flavipes. Menos comuns foram: Pluvialis<br />
dominica, Pluvialis squatarola, Calidris alba, Calidris fuscicollis, Arenaria interpres. Estes<br />
chegam à lagoa do Açu no mês de agosto, permanecendo até o final de maio, quando<br />
retornam a sua área de reprodução, nas tundras do Canadá e Alasca. Foi observada e<br />
registrada em fita digital uma ocorrência rara de Larus cirrocephallus. As espécies<br />
Ajaia ajaja e Rhinchops nigra tiveram ocorrências ocasionais na primavera e no verão.
56 56<br />
Conclui-se então que esta é uma nova área utilizada por aves em suas rotas migratórias<br />
transcontinentais, sendo também utilizada por visitantes ocasionais.<br />
As populações de Tringa melanoleuca e Tringa flavipes, chegaram a ultrapassar mais de<br />
1000 indivíduos por ponto observado. Estima-se que sua densidade ultrapasse mais de<br />
20.000 aves no ecossistema do Açu.<br />
Herpetofauna<br />
Foram catalogadas 8 espécies de répteis, incluídas em 6 famílias para os sistemas<br />
lacustres de Grussaí, Iquipari e Açu, utilizando-se somente estudos qualitativos. Segue uma<br />
lista de espécies, com alguns dados biológicos observados.<br />
Répteis<br />
Boidae Boa<br />
constrictor<br />
Chelidae Geochelone<br />
carbonaria<br />
Colubridae Leimadophis<br />
poecilogyrus<br />
Colubridae Liophis<br />
miliaris<br />
Colubridae Mastigodryas<br />
bifossatus<br />
Crocodilidae Caimam<br />
latirostris<br />
Teidae Tupinambis<br />
teguixim<br />
Viperidae Bothrops<br />
jararaca<br />
Jibóia CO;R Comum na região.<br />
Jabuti de<br />
cabeça<br />
vermelha<br />
Cobra<br />
capim<br />
Cobra<br />
d’água<br />
Jararacuçu<br />
do brejo<br />
RA Raro. Ameaçado.<br />
CO; R Comum na vegetação herbácea<br />
CO; R<br />
(campos secos), próximo a brejos e<br />
lagoas.<br />
Comum na região.<br />
CO; R Comum na região.<br />
Jacaré<br />
papo<br />
amarelo<br />
do RA; LA Raramente visto nas lagoas da região.<br />
Teiú OC Muito caçado na região. Ainda<br />
encontrado nas restingas densas.<br />
Jararaca RA; OC Raramente vista na região
Mastofauna<br />
57 57<br />
Foram catalogadas 14 espécies de mamíferos, incluídas em 11 famílias para os<br />
sistemas lacustres de Grussaí, Iquipari e Açu, utilizando-se somente estudos qualitativos:<br />
Mamíferos<br />
Bradypodidae Bradypus<br />
torquatus<br />
Canidae Atelocynus<br />
microtis<br />
Preguiça de<br />
coleira<br />
RA; RE Ameaçado de extinção.<br />
Cachorro do RA Raramente visto nas restingas<br />
mato.<br />
próximas as lagoas.<br />
Caviidae Cavia aperea Preá CO Muito caçada na região. Ainda<br />
comum.<br />
Caviidae Agouti paca Cotia RA<br />
Dasypodidae Cabassous<br />
tatouay<br />
Tatú RA Raro. Muito perseguido por<br />
caçadores.<br />
Dasypodidae Dasypus Tatú RA Raro. Muito perseguido por<br />
novemcinctus<br />
caçadores.<br />
Dasypodidae Euphractus<br />
sexcinctus<br />
Desmodontinae Desmodus<br />
rotundus<br />
Didelphidae Didelphis<br />
aurita<br />
Leporidae Silvilagus<br />
brasiliensis<br />
Molossidae Molossus<br />
molossus<br />
Mustelidae Lutra<br />
longicaudis<br />
Myrmecophagidae Tamandua<br />
tetradactyla<br />
Procyonidae Procyon<br />
cancrivorus<br />
Tatú RA Raro. Muito perseguido por<br />
caçadores.<br />
Morcego R; CO Comum. Costuma invadir<br />
regiões urbanas próximas.<br />
Gambá R; CO; CA; Comum. Costuma invadir<br />
RE regiões urbanas próximas.<br />
Tapiti RA<br />
Morcego CO; RE Mais comum em zona urbana.<br />
Lontra CO; LA Ainda comum nas lagoas da<br />
regiao<br />
Tamanduá<br />
mirim<br />
Guaxinim<br />
(mão<br />
pelada)<br />
OC Ameaçado de extinção. Ainda<br />
aparece nas restingas próximas<br />
as lagoas da região.<br />
RA Encontrado nas restingas<br />
proximas as lagoas.
58 58<br />
Fig. 6 – Lagoas Salgada e do Açu vistas do norte para o sul<br />
1 – Barra do Açu; 2 – lagoa Salgada; 3 – praia; 4 – manguezal (com<br />
predomínio de Laguncularia racemosa); 5 - restinga baixa, antropizada
Lagoa Salgada<br />
59 59<br />
A lagoa Salgada apresenta uma fauna pobre, devido às constantes alterações em seu<br />
contorno. As incessantes invasões dos fazendeiros, através de cercas, diminuíram em muito<br />
seu espelho d’ água. As aberturas e fechamentos de seu canal, que a liga à lagoa do Açu,<br />
causaram sua hipersalinidade, acarretando o empobrecimento da fauna aquática.<br />
As aves são ainda os principais grupos avistados na lagoa Salgada. Em observação<br />
não sistemática, as aves ribeirinhas, como o maçarico grande de perna amarela (Tringa<br />
melanoleuca) e o maçarico pequeno de perna amarela (Tringa flavipes), são as mais<br />
encontradas. Ocasionalmente gaivotas (Laridae), como Larus dominicanus e Larus<br />
cirrocephalus, ocorrem no inverno.
60 60<br />
PROPOST<strong>AS</strong><br />
Em sua totalidade, a Área 3 se inclui na Reserva da Biosfera da Mata Atlântica como<br />
área de experimentação e de recuperação. Portanto, já existe para ela um plano de proteção,<br />
muito embora a figura da Reserva da Biosfera não seja forte. Há, também, várias Áreas de<br />
Preservação Permanente (APP), conforme artigo 2º da Lei Federal nº 4.771/65,<br />
regulamentado pela Resolução Conama nº 303/2002. Cumpre lembrar ainda a Lei Estadual º<br />
3.239/1999, que institui a Política Estadual dos Recursos Hídricos.<br />
Tendo por base as análises empreendidas neste relatório, propõe-se:<br />
1- Criação de uma Unidade RAMSAR envolvendo todas as cinco áreas previstas neste projeto.<br />
2- Demarcação das lagoas segundo os Planos de Manejo de Usos Múltiplos de Lagoa ou<br />
Laguna (PMUL's), conforme estabelecido na Lei Estadual nº 3.239/1999, implicando em sua<br />
restauração e revitalização.<br />
3- Proteção especial para a Lagoa Salgada, proposta como monumento geológico e<br />
paleontológico da humanidade.<br />
4- Criação de um conjunto de Unidades de Conservação interligadas para proteger as lagoas de<br />
Grussaí, Iquipari, Açu, Salgada, do Veiga e do Taí da Praia, bem como os últimos<br />
remanescentes de vegetação nativa de restinga neste segmento da restinga norte da região,<br />
estendendo-a, de forma contínua até a planície aluvial à retaguarda do Cabo de São Tomé,<br />
onde ainda existe um significativo remanescente do grande banhado da região. Pode-se<br />
pensar numa grande Área de Proteção Ambiental com unidades de conservação mais<br />
restritivas em seu interior.<br />
5- Criação de corredores ecológicos para interligar fragmentos de ecossistemas.<br />
6- Demarcação das Áreas de Preservação Permanente que se situarem fora das unidades de<br />
conservação restritivas.<br />
7- Aprofundamento dos estudos sobre os ecossistemas existentes na área.<br />
OBSERVAÇÃO: as obras assinaladas em negrito referem-se, no todo ou em parte, à área 3,<br />
objeto deste relatório.
61 61<br />
IMAGENS DE ARQUIVO DA REGIÃO ESTUDADA<br />
Imagem da Lagoa Feia (direita) e o complexo lagunar do Açu e Lagoa Salgada<br />
(esquerda)
62 62<br />
Imagem da Lagoa de Grussai (primeiro plano) e lagoa de Iquipari (plano superior).<br />
Ao centro a floresta de restinga. Observam-se grandes áreas da restinga degrada em<br />
seu entorno.
63 63<br />
Vista do interior para o mar do complexo lagunar Iquipari/Grussai.<br />
(Lagoa de Grussai a direita e lagoa de Iquipari, a esquerda)
64 64<br />
Vista lateral do complexo lagunar Iquipari/Grussai.<br />
(Lagoa de Grussai no primeiro plano e acima a lagoa de Iquipari)