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Sobre o jornal Letras Fluminenses - Seminário Brasileiro sobre ...

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II <strong>Seminário</strong> <strong>Brasileiro</strong> Livro e História Editorial<br />

<strong>Letras</strong> <strong>Fluminenses</strong>: a quixotesca aventura literária de Luiz Magalhães<br />

Ana Paula Campos de Almeida 1<br />

Universidade Federal Fluminense/Programa de Pós-Graduação em Ciência da Arte, aluna.<br />

Resumo:<br />

Em junho de 1950, Niterói, no Estado do Rio de Janeiro, viu circular o primeiro número de<br />

<strong>Letras</strong> <strong>Fluminenses</strong>. Com 12 páginas, o “periódico de Arte e Literatura” – como expresso em seu<br />

editorial de estréia - reunia, no corpo de redação, conceituados intelectuais da cidade àquela<br />

época: Eduardo Luís Gomes Filho, Lyad de Almeida, Augusto dos Anjos, Luís Lamego, Luiz<br />

Palmier, Geir Campos e Horácio Pacheco, entre outros escritores, que, animados pelo professor e<br />

crítico literário Luiz Magalhães, fundador do LF, resolveram se aventurar na publicação de suas<br />

obras em papel <strong>jornal</strong>. O projeto literário niteroiense perdurou, com vários hiatos de publicação,<br />

até 1991, depois de pelo menos 116 edições, um ano antes da morte de Magalhães. Este artigo<br />

aborda a relação entre <strong>jornal</strong>ismo e literatura, entre autor e leitor, tendo como cenário o <strong>Letras</strong><br />

<strong>Fluminenses</strong>.<br />

Palavras-chave<br />

Literatura; Jornalismo Literário; Circulação de Idéias.<br />

O relacionamento entre Jornalismo e Literatura é antigo. Bem antes do surgimento das<br />

faculdades de Jornalismo e a consequente profissionalização do setor, as redações dos periódicos<br />

brasileiros eram repletas de escritores e artistas. Romancistas, prosadores, poetas, pintores e<br />

caricaturistas encontravam ali um emprego, exercendo um ofício próximo de suas aspirações<br />

pessoais e até mesmo uma grata notoriedade junto ao público não acostumado a comprar livros.<br />

Além, é claro, da segurança proporcionada por um salário fixo. De Machado de Assis a Lima<br />

Barreto, são incontáveis os nomes de literatos que também foram críticos e <strong>jornal</strong>istas.<br />

A dissociação entre esses dois universos iniciou-se no país durante a década de 1950,<br />

quando da transformação dos diários em empresas. A historiadora Ana Paula Goulart Ribeiro<br />

aponta que, àquela época, “a imprensa foi deixando de ser definida como um espaço de<br />

1 Graduada em Comunicação Social/Jornalismo (Universidade Gama Filho,1988) e Produção Cultural (Universidade<br />

Federal Fluminense, 2006), é mestranda em Ciência da Arte, na Universidade Federal Fluminense. Autora dos livros<br />

Luís Antônio Pimentel e a vida cultural na Niterói dos anos 1930 (EdUFF, 2008) e Niterói e seus pintores (LL<br />

Editora, 1994), atualmente coordena a Assessoria de Comunicação Social e Eventos da Editora da Universidade<br />

Federal Fluminense. Tem experiência nas áreas de Comunicação e Artes, com ênfase em Jornalismo/Assessoria de<br />

Comunicação e Produção Cultural. apaulacampos@yahoo.com


comentário, da opinião e da experimentação estilística e começou a ser pensada como um lugar<br />

neutro, independente” (RIBEIRO, p.148).<br />

Apesar de Alceu Amoroso Lima defender o texto <strong>jornal</strong>ístico como gênero literário<br />

criado “sob pressão”, as novas regras quanto à estrutura – uso do lead 2 e da pirâmide invertida 3 –<br />

e à linguagem – despida de metáforas ou adjetivos desnecessários – engessaram de certa forma a<br />

liberdade de criação de quem pretendia, com a profissão de <strong>jornal</strong>ista, produzir literatura. Aos<br />

poucos, os espaços dedicados à publicação de contos e poesias foram-se escasseando nos<br />

vespertinos, substituídos pela crônica, a resenha e a crítica.<br />

Mesmo assim, por diferente via, os impressos em papel <strong>jornal</strong> continuaram a fazer<br />

circular a criação tanto de reconhecidos escritores quanto de postulantes a novos literatos. Trata-<br />

se, aqui, dos jornais literários, geralmente produzidos por um grupo de abnegados escritores e<br />

viabilizados economicamente através de venda avulsa, de rateio de custos por quotas ou da<br />

captação de anúncios publicitários. Um dos mais representativos daquela época era o Jornal de<br />

<strong>Letras</strong> criado, em 1949, pelos irmãos Condé: João, José e Elysio, no Rio de Janeiro. 4<br />

Foi exatamente no Jornal de <strong>Letras</strong> que o professor e crítico literário Luiz Maganhães se<br />

inspirou para lançar o <strong>Letras</strong> <strong>Fluminenses</strong>. Publicado em Niterói, o <strong>jornal</strong> franqueava suas<br />

paginas à circulação de obras de autores não apenas da capital do estado do Rio de Janeiro, onde<br />

era editado e impresso, como também do interior, como explica seu editorial de estreia.<br />

O caso é que sentimos necessidade de uma publicação deste gênero, uma necessidade<br />

espiritual que se traduziria num empreendimento material, presente a todos os sentidos. E<br />

aqui se encontra LETRAS FLUMINENSES, que não aspira à consagração pública, mas<br />

pretende viver da simpatia que lhe outorgue o presumível leitor. Somos um grupo sem<br />

pretensões, e procuramos fazer um <strong>jornal</strong> dentro de nossas escassas possibilidades, para<br />

atender aos nossos anseios, anímicos e à divulgação dos valores da terra, a decantável Velha<br />

Província de todos os tempos, cujas reservas nos domínios da cultura são de molde a<br />

encorajar-nos no empreendimento.<br />

Ilustração 1: Cabeçalho de <strong>Letras</strong> <strong>Fluminenses</strong>, 1957.<br />

2 Abertura do texto respondendo às questões básicas: quem, o que, como, quando, onde e por quê.<br />

3 Ordenação das informações a partir daquela considerada a mais importante.<br />

4 Com o tempo, a publicação alcançaria tal expressividade que mereceu elogios do filósofo, ensaísta, ficcionista,<br />

dramaturgo e militante de esquerda Jean-Paul Sartre.


Para efeito de análise, classificamos os textos publicados em <strong>Letras</strong> <strong>Fluminenses</strong> em duas<br />

categorias: os com características <strong>jornal</strong>ísticas (cobertura de eventos, perfis, entrevistas, mini-<br />

resenhas e crítica literária, mais os de cunho de serviço, como anúncios de concursos, agenda,<br />

registros de posse de acadêmicos etc.) e os literários (poesia, prosa, conto, panegíricos, ensaios,<br />

crônicas, artigos <strong>sobre</strong> literatura...). Se na primeira fase do LF (1950 a 1958) havia um “corpo de<br />

redação”, na segunda e mais duradoura (1979 a 1991) cabia ao próprio Magalhães a realização<br />

dos textos <strong>jornal</strong>ísticos, além da cobertura fotográfica dos eventos.<br />

Destes, apenas ficava de fora a coluna de crítica, batizada de “Na estante”, assinada no<br />

início da década de 1980 por Mário Newton Filho, substituído, em 1982, por Lyad de Almeida,<br />

e, a partir de 1989, por Geir Campos. Se Newton Filho e Lyad costumavam assinalar as<br />

“qualidades” do trabalho abordado, Geir era o terror dos autores, com sua pena afiada e<br />

encharcada de ácida crítica, como no trecho abaixo no qual analisa publicação do poeta, tradutor<br />

e ensaísta Haroldo de Campos:<br />

Alguns “tradutores tupiniquins” hão por bem, aproveitando de certo modo a inspiração<br />

alheia para suprirem a falta de alguma própria, realizarem seus trabalhos tradutórios com<br />

uma liberdade “criativa” (ou “criadora”) tão grande que o texto original fica as vezes<br />

impossível de se distinguir. É o caso do paulistano Haroldo de Campos, em seu livro Deus e<br />

o Diabo no “Fausto” de Goethe, publicado em São Paulo pela editora Perspectiva, da qual<br />

ele é conselheiro editorial...<br />

Com base material para suas conjecturas tradutórias, se assim se pode dizer, o Autor<br />

transcreve os textos alemães de duas cenas do Faust II, de Goethe, por ele “traduzidas”; mas<br />

Haroldo de Campos tem sempre o cuidado de deixar bem claro que o que ele faz não são<br />

propriamente “traduções” e, sim, nesse caso específico, “transluciferações”. (A essa<br />

desmemoria parricida chamarei “transluciferações”. SIC.) (<strong>Letras</strong> <strong>Fluminenses</strong>, mar/abr<br />

1990, p.3)<br />

Geir levava prestígio ao <strong>Letras</strong> <strong>Fluminenses</strong>, mas não o suficiente para torná-lo<br />

economicamente lucrativo. Para manter seu <strong>jornal</strong>, Luiz Magalhães assumiu, desde a primeira<br />

hora, todas as fases de produção do periódico, cuja sede funciona em seu apartamento, em Icaraí.<br />

Era ele quem recolhia o material, editava, compunha, diagramava, levava o original à gráfica e<br />

acompanhava a produção, distribuía os exemplares, agenciava e cobrava os anunciantes, além de<br />

postar as assinaturas, enviadas para várias regiões do país e também para o exterior.<br />

Para manter as edições de <strong>Letras</strong> <strong>Fluminenses</strong> era preciso financiamento, senão para<br />

remunerar os escritores, pelo menos, quitar a conta da gráfica. Ao longo dos anos, Luiz<br />

Magalhães experimentou diferentes fórmulas de captação de recursos, que, de certa maneira,<br />

influenciaram a área editorial. O primeiro número foi vendido em quatro livrarias da cidade, a<br />

Cr$2,00 o exemplar, com assinatura anual a Cr$20,00. A edição de estreia contou com um único<br />

anúncio, de 1/5 de página, da Loteria do Estado do Rio de Janeiro.


Já no terceiro número, o tablóide traz 11 patrocinadores: ENO (sal de fruta, ilustração 2),<br />

Steel (engenharia), A Elétrica (loja de lustres), Banco Predial, Companhia Americana de<br />

Intercâmbio (importadora de ferro, aço e metais), Loteria do Estado, Forja (material de<br />

construção), Mesbla, Livraria e Papelaria Ideal, Cia. Brasileira de Energia Elétrica e Moreira dos<br />

Cofres (siderurgia). Na mesma edição o diretor do tablóide convida o público a enviar seus<br />

textos, que seriam publicados depois de aprovados por uma “comissão editorial”, cujos membros<br />

não figuravam nos créditos do <strong>jornal</strong>.<br />

Ilustração 2: <strong>Letras</strong> <strong>Fluminenses</strong>, n. 3, outubro, 1950, p.3.<br />

Na década de 1980, Luiz Magalhães encontrou nas escolas particulares um anunciante<br />

com grande potencial, passando a publicar informes publicitários de página inteira <strong>sobre</strong> o<br />

sistema de ensino de instituições locais, como o Colégio Santa Catarina, o Centro Educacional e<br />

o Colégio Figueiredo Costa. Em 1982, o número 30 do <strong>jornal</strong> traz, pela primeira vez, a Confraria<br />

do <strong>Letras</strong> <strong>Fluminenses</strong>. Trata-se de uma lista de 23 escritores e simpatizantes que passaram a<br />

contribuir financeiramente para a subsistência do periódico. Ao pé da coluna, a chamada:<br />

“Inscreva-se na Confraria de LETRAS FLUMINENSES e concorra para o progresso da<br />

comunidade intelectual”.


Interessante perceber que um número considerável de signatários tem seus textos<br />

publicados do corpo do tablóide. Apesar de não ser uma regra, pois havia outros colaboradores<br />

nãoconfrades, acreditamos que o fato de apoiar financeiramente o <strong>jornal</strong> pressionava, de certa<br />

maneira, para que tais financiadores não tivessem seus textos vetados, pelo menos, não<br />

sistematicamente. Não avaliaremos, aqui, a influência dessa situação na qualidade das obras<br />

veiculadas, mas, sim, no relacionamento entre escritor e leitor em <strong>Letras</strong> <strong>Fluminenses</strong>.<br />

Em princípio, o público de um <strong>jornal</strong> literário constitui-se de interessados em livros e<br />

literatura. Assim, partimos do pressuposto de que tais leitores não abarcam a totalidade dos<br />

homens e mulheres de uma determinada sociedade, mas apenas uma parte, uma “fração da corte,<br />

do clero, da magistratura e da burguesia rica”, nas palavras de Jean-Paul Satre (1989, p.68). O<br />

leitor, singularmente considerado por Sartre como “homem de bem” integra o mesmo grupo<br />

social do escritor, por mais que este queira negar:<br />

É a burguesia que o lê, e só ela que o sustenta [o escritor] e que decide quanto à sua glória. É<br />

em vão que ele finge recuar para considerá-la em conjunto: para julgá-la, seria necessário,<br />

em primeiro lugar que ele saísse de dentro dela, e não há outra maneira de sair senão<br />

experimentando os interesses e a maneira de viver de uma outra classe. Como ele não se<br />

decide a fazer isso, vive na contradição e na má-fé, pois sabe, e ao mesmo tempo não quer<br />

saber, para quem escreve. (1989, p.95)<br />

No caso de <strong>Letras</strong> <strong>Fluminenses</strong>, o escritor e o leitor se confundem e se completam. Não<br />

que o periódico fosse lido apenas por seus colaboradores, mas acreditamos que, em sua maioria,<br />

por leitores muito próximos a eles, compartilhando, assim, o mesmo horizonte de expectativas<br />

do qual nos fala Hans Robert Jauss. O termo, cunhado pela teoria literária conhecida como<br />

Estética da Recepção, diz respeito à “soma das normas estéticas, ideológicas e sociais que são<br />

válidas no momento da publicação de uma obra literária” (DIRSCHERL, 1982, p.1). Ora, como<br />

um <strong>jornal</strong>, por suas próprias características, nasce para o rápido consumo, é de se esperar que a<br />

produção literária – quase sempre inédita – veiculada por ele diga respeito aos valores em voga<br />

no momento de sua publicação.<br />

O que poderíamos dizer, então, do leitor implícito, conceito cunhado por Wolfgang Iser,<br />

colega de Jauss na Universidade de Constança, berço da teoria? Se para Iser o leitor implícito<br />

constitui-se daquele imaginado pelo autor ao escrever sua obra, no caso de nosso tablóide,<br />

possivelmente ambos – autor e leitor – sejam, figurativamente, a mesma pessoa, ao<br />

compartilharem das mesmas referências e valores. Se uma poesia fala de um parque ou uma rua<br />

de Niterói, por exemplo, o leitor, sendo morador da mesma cidade do escritor, ou próximo a ela,<br />

não terá dificuldade em imaginá-la e, possivelmente, até mesmo a conheça.


Por outro lado, em <strong>jornal</strong>ismo há a noção de leitor médio, citado por Flora Sussekind<br />

(1993, p. 28), consumidor de uma linguagem mais acessível e menos rebuscada, como vimos,<br />

encontrada nos periódicos brasileiros a partir da década de 1950. Em oposição, há o conceito do<br />

leitor ideal, imaginado por Proust para o consumidor de livros, caracterizado pelo refinamento e<br />

percepção apurada. Acreditamos que o público de <strong>Letras</strong> <strong>Fluminenses</strong> , assim como de outros<br />

suplementos literários, se encaixe na categoria cunhada por Proust. De toda forma, essa<br />

dualidade entre leitores de <strong>jornal</strong> e de livro desperta o interesse na investigação <strong>sobre</strong> como tais<br />

suportes operam na difusão do texto literário.<br />

Roger Chartier (2002, p.62) adverte que, ao longo da história do livro, ocorreu a divisão<br />

entre o estudo das condições técnicas e materiais de produção ou de difusão dos objetos<br />

impressos (e aqui, incluímos os eletrônicos e virtuais) e dos textos que eles transmitem. Chartier<br />

sugere diferentes motivos para o fenômeno. Entre eles, a tradição ocidental de colocar em lados<br />

opostos as noções de “pureza da idéia” e de “corrupção da matéria” e a criação de uma estética<br />

que aborda apenas o conteúdo da obra, desconsiderando as características do suporte pelo qual é<br />

difundida. De modo inverso, tentaremos, a seguir, analisar a relação do colaborador de <strong>Letras</strong><br />

<strong>Fluminenses</strong> com o livro e com o <strong>jornal</strong> como suportes de publicação de seus textos.<br />

Livro x Jornal<br />

Persiste, nesses tempos de e-books, blogs, páginas pessoais e revistas virtuais, o fetiche<br />

do livro enquanto lugar privilegiado do escritor. É através dele que o autor espera alcançar sua<br />

longevidade e glória. Antônio Olinto, em Jornalismo e literatura (1955, p.7) nos fala do desejo<br />

de permanência do escritor, satisfeito por meio da publicação de sua obra em livro, suporte mais<br />

afeito a ideias que tratam das questões da alma ou outras, de interesse mais duradouro. Como,<br />

então, saciar tal busca através do <strong>jornal</strong>?<br />

Com prazo de vida préfixado, de maneira geral, em um dia apenas, o periódico aborda<br />

essencialmente informações para consumo imediato. Essa efemeridade do <strong>jornal</strong>, no entanto, não<br />

subjuga Olinto. Para o crítico literário, o conteúdo das palavras independe do veículo que a<br />

divulga e pode, sim, ter sua permanência:<br />

Não é pelo fato de ter um feitio material conservável e guardável que um livro pode aspirar a<br />

essa permanência. Aí, também, temos de retroceder ao que a obra tenha de vivo, jovem,<br />

forte, humano, pungente, lírico. No caso do <strong>jornal</strong>, é preciso que a transitoriedade do corpo<br />

não atinja a desejada solidez do sentido. Eu diria até que o <strong>jornal</strong> é exatamente uma contínua<br />

luta pela fixação de realidades, uma tentativa de captar, nos acontecimentos cotidianos,<br />

algumas verdades particulares e permanentes da vida do homem. (idem)


No caso do <strong>Letras</strong> <strong>Fluminenses</strong>, o objetivo de seus idealizadores consistia, em primeiro<br />

lugar, em fazer circular a produção literária, principalmente de novos escritores, que não<br />

encontravam espaço em outro meio. No entanto, a fórmula não descartava a busca pela<br />

impressão dos escritos na forma idealizada do livro. Prova disso é a Editora <strong>Letras</strong> <strong>Fluminenses</strong>,<br />

projeto que nasce junto com o primeiro número, como explícito em nota na página 6:<br />

O lançamento de LETRAS FLUMINENSES foi objeto de longo e acurado estudo. E, de<br />

permeio aos debates que se travaram para se chegar à realidade que é, agora, êste <strong>jornal</strong>,<br />

surgiu a idéia de organização de uma editôra, que viria atender, de algum modo, a tantos<br />

autores, nossos conterrâneos, que não têm tido ensejo de ver editadas as suas obras, já pelo<br />

alto custo da mão de obra, como pela indiferença com que, via de regra, os editores<br />

costumam encarar o lançamento de novos escritores. Decidimos, por isso, auxiliar, com a<br />

formação da editora “<strong>Letras</strong> <strong>Fluminenses</strong>”, todos aquelês que pretendem levar a cabo a<br />

publicação de algum trabalho.<br />

Programados já se encontram, para as primeiras edições de LETRAS FLUMINENSES, a<br />

‘Antologia de Contos de Autores <strong>Fluminenses</strong>’, que enfeixará produções de autores de quase<br />

todos os municípios do Estado do Rio.”<br />

No terceiro número do periódico, de outubro de 1950, a direção do <strong>jornal</strong> explica o<br />

sistema de financiamento da editora, com capital inicial de Cr$ 100.000,00, divididos em quotas<br />

de Cr$ 200,00 a serem adquiridas pelos sócios. “A ideia tomou vulto e as adesões foram<br />

inúmeras”, segue em editorial, “tanto que resolvemos levá-la para um plano mais vasto,<br />

procurando interessar um número cada vez maior de intelectuais”. Otimista, anuncia o bom<br />

andamento do projeto: “Já estão prontos vários livros de poesia, prosa e didáticos, de vários<br />

autores, aguardando a instalação definitiva da Sociedade, o que se dará logo após terem sido<br />

tomadas todas as quotas, operação que se está desenvolvendo rapidamente”.<br />

Até o momento, identificamos 13 obras 5 que chegaram a público através da empreitada<br />

de Luiz Magalhães, o que aponta para o <strong>jornal</strong> como local de ensaio e conhecimento do autor<br />

que, no fundo, almeja ver sua obra impressa em livro. Wanderlino Teixeira Leite Netto, autor do<br />

livro Passeio das <strong>Letras</strong> na taba de Araribóia: a literatura em Niterói no século XX, lembra com<br />

carinho do <strong>jornal</strong>ista, com o qual travou amizade a partir dos anos 1980.<br />

Entrei no mundo literário de Niterói em 1981 pelas mãos do Jacy Pacheco. Foi ele quem<br />

acreditou no meu trabalho e me apresentou aos escritores da cidade, inclusive o Luiz<br />

Magalhães. Nosso encontro aconteceu provavelmente no Calçadão da Cultura, onde eram<br />

5 Vida alegre (contos), de Hélio Alves de Araújo (s/data); Pequeninos (poemas curtos), de Lyad de Almeida<br />

(s/data); Nove poetas (poemas), de Arino Peres, Edson Rodrigues Chaves, Hélio Alves de Araújo, Luis Antônio<br />

Pimentel, Marly Medalha, Millene Raoux Lemos, Nildo de Oliveira Viana, Paulo Renato, Sávio Soares de Souza<br />

(s/data); Tankas e Haicais, de Lyad de Almeida (s/data); Mosaico (poemas em prosa), de Xavier Placer (s/data); O<br />

mar. O mar (poemas), de Xavier Placer (s/data); Dia dos instintos (crônicas), de José Orsino Reis (s/data);<br />

Filosofando (prosa e verso) Renato de Lacerda (s/data); 37 Poetas (coletânea de poemas, s/data); A casa, de Xavier<br />

Placer (1989), Pelai (crônicas), de Mário da Fonseca Xavier (s/data); Cartuns, de Xavier Placer (1990); e Poetas de<br />

Resende, de Artur de Almeida (s/ data).


ealizados os aniversários do <strong>Letras</strong> <strong>Fluminenses</strong>. Ele me atendeu muito bem, pois era<br />

interessado em abrir portas e caminhos para pessoas que estavam começando. (Entrevista à<br />

autora em 28 de junho de 2007).<br />

Não tardou a Wanderlino também imprimir seus contos e crônicas no <strong>Letras</strong>, o que o<br />

encorajou a investir na carreira de escritor. “Apesar de ter, naquela época, um livro publicado em<br />

forma de edição do autor, ver meus textos selecionados e impressos no <strong>jornal</strong> me<br />

entusiasmaram!”, afirma Wanderlino, para quem o <strong>Letras</strong> <strong>Fluminenses</strong> incentivou vários outros<br />

escritores a arriscarem novos voos, do papel <strong>jornal</strong> para o livro impresso.<br />

Referências<br />

Ilustração 3: <strong>Letras</strong> <strong>Fluminenses</strong>, n. 115, maio/junho, 1991, capa.<br />

BAHIA, Juarez. Jornal, História e Técnica: História da Imprensa no Brasil. São Paulo: Ed.<br />

Ártica, 4a Edição, 1990.<br />

LIMA, Alceu Amoroso. O <strong>jornal</strong>ismo como gênero literário. Rio de Janeiro: Agir, 2ª Edição,<br />

1963.<br />

PIZA, Daniel. Jornalismo Cultural. São Paulo: Editora Contexto, 2003.<br />

RIBEIRO, Ana Paula Goulart. Jornalismo, literatura e política: a modernização da imprensa<br />

carioca nos anos 1950. In: Estudos Históricos, no 31. Rio de Janeiro: Centro de Pesquisa e<br />

Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas, 2003.<br />

ROGER, Chartier. Os desafios da escrita: tradução de Flávia M. L. Moretto. São Paulo: Editora<br />

UNESP, 2002.<br />

SARTRE, Jean-Paul. Que é Literatura?. São Paulo: Ática, 1989.<br />

SÜSSEKIND, Flora. Papéis colados. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1993. OLINTO, Antonio.<br />

Jornalismo e Literatura. Rio de Janeiro: MEC, 1955.

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