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II Seminário Brasileiro Livro e História Editorial

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<strong>II</strong> <strong>Seminário</strong> <strong>Brasileiro</strong> <strong>Livro</strong> e <strong>História</strong> <strong>Editorial</strong><br />

Quebrando o silêncio em busca da liberdade: memória e luta das escritoras Carolina<br />

Nabuco e Narcisa Amália.<br />

Thatiane Abreu 1<br />

Graduanda do curso de <strong>História</strong> da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e bolsista de<br />

Iniciação Científica PIBIC/CNPq.<br />

Resumo:<br />

O trabalho tem por objetivo a análise das práticas de leitura e obras da poetisa e<br />

jornalista Narcisa Amália e da escritora-memorialista Carolina Nabuco, ao longo de suas<br />

vidas. Através desse exame busca-se recuperar as práticas de leitura das mulheres da época,<br />

e também da escrita feminina, destacando a escrita autobiográfica com suas memórias e<br />

ausências, e ainda as lutas das mulheres por seus direitos e liberdades. E é através de cada<br />

uma dessas escritoras, com seus pontos de aproximação e afastamento, que se procura<br />

resgatar as mulheres do silêncio que por muito tempo estiveram submetidas, silêncio da<br />

fala, dos gestos, das expressões e da escrita. Além da história social e política, o trabalho<br />

também se baseia na história cultural - com Roger Chartier e Robert Darnton e suas<br />

histórias do livro e da leitura -, e de gênero - com a história das mulheres de Michelle<br />

Perrot -, pois a história cultural passou a valorizar grupos particulares, originando trabalhos<br />

de gênero. A história política e a história cultural possibilitam a análise das maneiras de<br />

socialização e do papel dos meios de comunicação em evidenciar os movimentos dos atores<br />

históricos na sociedade.<br />

Palavras-chave:<br />

Carolina Nabuco; Narcisa Amália; práticas de leitura; poesia; escrita autobiográfica.<br />

1 Aluna da graduação do curso de <strong>História</strong> da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, cursando o sétimo<br />

período, participo, desde agosto de 2008, como bolsista de Iniciação Científica PIBIC/CNPq, da pesquisa<br />

<strong>Livro</strong>s e Impressos: Poder, Cultura e Idéias no Brasil (1862-1917), coordenada pela professora Dra. Tânia<br />

Maria Tavares Bessone da Cruz Ferreira. Tendo como atividade principal a identificação e coleta das resenhas<br />

sobre livros existentes nas revistas e periódicos da segunda metade do século XIX, trabalho realizado<br />

principalmente na Biblioteca Nacional Em decorrência da pesquisa desenvolvida apresentei uma produção<br />

técnico-científica no evento intitulado 17ª Semic, na UERJ, em outubro de 2008, recendo por esta<br />

apresentação a Menção Honrosa do Prêmio Iniciação à Ciência. E-mail: thati.abreu@hotmail.com<br />

1


“Lembro-me da emoção que me saltou no dia em que, tendo mais ou menos<br />

aprendido o alfabeto, eu descobri subitamente como se fazia a fusão das letras e exclamei:<br />

Ah! É assim? Então eu sei ler!” 2 , essa é Maria Carolina Nabuco de Araújo, ou apenas<br />

Carolina Nabuco, como ficou conhecida no mundo literário. Carioca, nascida no final do<br />

Oitocentos, filha do historiador e senador do Império Joaquim Nabuco, Carolina relata,<br />

através de sua autobiografia, Oito décadas, principalmente a sua infância e mocidade, a<br />

paixão desde cedo pelas letras, e com menos intensidade, a vida adulta, já como biógrafa,<br />

romancista e memorialista.<br />

“Como há-de a mulher revelar-se artista se os preconceitos sociais exigem que o seu<br />

coração cedo perca a probidade, habituando-se ao balbucio de insignificantes frases<br />

convencionais?” 3 , eis Narcisa Amália de Campos, jornalista, poetisa, professora, líder<br />

feminista e defensora da Abolição e da República. Nascida na região norte fluminense de<br />

São João da Barra, no início da segunda metade do século XIX, filha de professores, sendo<br />

seu pai, Jácome de Campos, também poeta. Apesar do talento reconhecido no Brasil e em<br />

Portugal, Narcisa Amália publicou apenas um livro de poesia durante toda a sua vida.<br />

Através das trajetórias dessas duas escritoras, que traçaram caminhos diversos<br />

durante suas vidas, podem-se analisar as práticas de leituras reservadas às mulheres, os<br />

agentes que interferiram nas suas relações com o mundo das letras, as permissões e<br />

censuras, a quebra das regras impostas, a transformação das leitoras em escritoras, as<br />

conseqüências de seus escritos na sociedade e a maneira pela qual, cada uma a sua maneira,<br />

conseguiram romper com os valores vigentes e romperam o silêncio reservado às mulheres,<br />

e “não é somente o silêncio da fala, mas também o da expressão, gestual ou escriturária”. 4<br />

E o objetivo maior é mesmo esse, resgatar e dar voz às mulheres brasileiras, como leitoras,<br />

escritoras e transformadoras da sociedade.<br />

Se Narcisa Amália tinha pais professores, e conseqüentemente, oportunidades de<br />

freqüentar escolas desde menina, tendo contato com a leitura e a escrita, e Carolina<br />

Nabuco, em função do trabalho de seu pai, ter realizado grande parte de seus estudos no<br />

exterior, em colégios na Inglaterra e na França, ou, posteriormente, com professores<br />

2 NABUCO, Carolina. Oito Décadas. Rio de Janeiro: José Olympio, 1973. p.9.<br />

3 MUZART, Zahidé Lupinacci (org.). Escritoras brasileiras do século XIX. Florianópolis: Editora Mulheres;<br />

Santa Cruz do Sul, RS: EDUNISC, 2004. p.51. Publicado originalmente no periódico O Garatuja, Resende,<br />

19 de abril de 1889.<br />

4 PERROT, Michelle. As mulheres ou os silêncios da história. Bauru, SP: EDUSC, 2005. p. 10.<br />

2


estrangeiros particulares, a grande maioria das mulheres enfrentou inúmeras dificuldades<br />

para terem acesso à alfabetização. Inicialmente, a formação das meninas estava restrita ao<br />

ensino do português e de uma segunda língua, freqüentemente, o francês, além do<br />

aprendizado da matemática básica, canto, costura e bordado, normalmente caracterizando o<br />

ensino doméstico, muitas vezes com o acréscimo do conhecimento de algo ligado às artes,<br />

religião, história, literatura, geografia entre outras.<br />

As mães que possuíam algum nível de instrução eram responsáveis pela iniciação<br />

das filhas no mundo das primeiras letras, sendo assim, formadoras das futuras leitoras.<br />

Essas mães se achavam na obrigação e no direito de, por um lado, incentivar o processo de<br />

leitura das filhas, e, por outro, de cuidar para que não gastassem todo o seu tempo somente<br />

no ato de ler, deixando de lado os afazeres domésticos das moças ou o aprendizado deles, e<br />

mesmo a censura radical de algumas obras consideradas impróprias, contudo, as meninas<br />

buscavam em suas leituras algo que ia além da intenção de algum tipo de aprendizado útil,<br />

desejam leituras que também divertissem. Segundo Robert Darnton, as pessoas liam para<br />

salvar suas almas, refinar suas maneiras, consertar suas máquinas, seduzir os namorados,<br />

informar-se sobre as atualidades e simplesmente para se entreter. Assim, dentro dos<br />

conhecimentos que possuíam, as mães decidiam os objetos que poderiam ser lidos, os<br />

modos de leitura e o tempo necessário para essa atividade, sendo os romances e poesias, os<br />

gêneros mais utilizados pelas mães, o que demonstra os restritos impressos aos quais<br />

tinham acesso às mulheres da época.<br />

A mãe de Carolina Nabuco, D. Evelina Torres Soares Ribeiro Nabuco de Araújo foi<br />

a responsável por ensinar à filha, a língua francesa. Carolina conta que:<br />

“aos cinco anos começou a deliciosa aventura de estudar com minha mãe. Ganhei<br />

uma carteira de colegial para meu tamanho, mas em cujo banco cabíamos as duas.<br />

[...] Eu tinha verdadeira avidez de aprender tudo o que me quisessem ensinar.<br />

Minha Mãe familiarizou-me cedo com o francês, que era para ela uma segunda<br />

língua materna. Abriu-se com isso, para mim, o acesso à delícia dos livros da<br />

Condessa de Ségur, hoje quase todos traduzidos, mas que naquele tempo só<br />

existiam nas edições de capa percalina vermelha da série da “Bibliothèque Rose”.<br />

As lições de Mamãe corroboravam com minha ansiedade em entender as histórias<br />

do livro, que eu manuseava com delícia antecipada aplicando-me em adivinhar o<br />

sentido”. 5<br />

5 NABUCO, Carolina. Oito Décadas. Rio de Janeiro: José Olympio, 1973. p. 9.<br />

3


As meninas só puderam oficialmente passar a freqüentar as escolas brasileiras a<br />

partir de 1827, quando no Império, a “pedagogia do progresso” 6 , defendida pela elite<br />

brasileira, acreditava que somente através da educação poder-se-ia alcançar o tão desejado<br />

progresso e a civilização, e que, sendo assim, a instrução deveria atingir todos os segmentos<br />

livres da sociedade, independente de gênero ou classe social. Fez-se notar um aumento da<br />

escolarização feminina, com a ampliação de escolas exclusivas para meninas, além do<br />

aumento das instituições de ensino gratuito. Contudo, apesar da enxurrada de discursos<br />

sobre a instrução, pouco foi efetivamente realizado nesse intuito. Como conseqüência do<br />

crescente ingresso feminino aos institutos de ensino, percebeu-se um maior acesso às<br />

leituras e, por conseguinte a uma iniciação no mundo da escrita, através dos diários, que<br />

mais tarde seriam fundamentais na realização das autobiografias, dos jornais e também dos<br />

livros.<br />

As moças, inicialmente, tinham acesso ao mundo das letras, como ouvintes de vozes<br />

masculinas, onde acabavam por conhecer os romances e o conteúdo dos jornais. Com o<br />

aumento do acesso à leitura pelo público feminino, as mulheres passaram a ler de forma<br />

mais independente, tanto para outras mulheres, quanto de maneira individual e em silêncio.<br />

Porém, ainda que a leitura oralizada persistisse, era uma prática que já pressentia seu fim.<br />

Os indivíduos passaram a realizar leituras privadas, em silêncio. Assim, poderiam ler textos<br />

de sua preferência ou ainda aqueles considerados imorais, à noite ou quando achassem<br />

melhor, em algum local mais reservado. Segundo Roger Chartier, a leitura é sempre uma<br />

prática encarnada em gestos, em espaços, em hábitos. A leitura não é somente uma<br />

operação abstrata de intelecção; ela é engajamento do corpo, inscrição num espaço, relação<br />

consigo e com os outros.<br />

Os romances eram leituras recorrentes para o público feminino. Com o intuito de<br />

preservar a moral da época, era recomendado às moças, que realizassem leituras mais<br />

suaves e simples, com amores românticos e bem sucedidos, mais compatíveis com as suas<br />

capacidades e que deveriam preservar a pureza de suas almas. As indicações de leituras<br />

davam prioridades àqueles que enraizassem as virtudes e os princípios morais como, por<br />

exemplo, Mulheres Célebres, de Joaquim Manuel de Macedo, onde escreveu sobre figuras<br />

6 MACHADO, Humberto F. & NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das. O Império do Brasil. Rio de Janeiro:<br />

Nova Fronteira, 1999. p. 226.<br />

4


femininas de vulto histórico, destacando sempre as suas virtudes e o comportamento<br />

exemplar que guiaram suas vidas, podendo citar também o romance do escritor francês<br />

Bernardin de Saint-Pierre, Paulo e Virgínia. Contudo, acreditava-se que os romances não<br />

tinham como função nem instruir, nem moralizar as jovens moças. A leitura de obras como<br />

Lucíola, de José de Alencar, O Primo Basílio, do português Eça de Queiroz, entre outros,<br />

era concebida como contrária aos bons costumes da época, por tratar, por exemplo, da<br />

infidelidade feminina, sendo assim, considerada prejudicial à juventude e pouco proveitosa<br />

como fonte de conhecimento. Porém, as leituras clandestinas, realizadas no silêncio,<br />

sempre permitiram certas ousadias. Segundo a historiadora francesa Michelle Perrot,<br />

“o acesso ao livro e à escrita, modo de comunicação distanciada e serpentina,<br />

capaz de enganar as clausuras e penetrar na intimidade mais bem guardada, de<br />

perturbar um imaginário sempre disposto às tentações do sonho, foi-lhes por muito<br />

tempo recusado, ou parcimoniosamente adiado, como uma porta entreaberta para o<br />

infinito do desejo”. 7<br />

“Sempre fui dada à leitura, mas os livros para crianças que existiam nas livrarias do<br />

Brasil eram só os que nos vinham da França” 8 , relata Carolina Nabuco. Suas leituras<br />

estavam inicialmente restritas aos escritores de língua francesa e inglesa, ainda não lia nada<br />

em português. Em uma passagem de Oito Décadas, relata que um amigo quis lhe ofereceu<br />

um livro, do qual ela muito gostaria. “Se o livro for em português não vale a pena mandar<br />

porque não leio português” 9 , disse ela ao rapaz, que lhe presenteou com A Ceia dos<br />

Cardeais, de Júlio Dantas, porém, foi a leitura de Os Contos de Eça de Queiroz que a<br />

causou encantamento e foi responsável pela sua iniciação em língua portuguesa.<br />

Narcisa Amália também possuía uma vontade ávida de adquirir novos<br />

conhecimentos. Aos quatro anos já iniciava seu aprendizado das primeiras letras, e aos seis,<br />

entrava para o colégio, com o objetivo de continuar os estudos em gramática portuguesa,<br />

onde dois anos mais tarde, iniciaria o aprendizado de música, se formando na escola aos<br />

dez anos, tendo atingido nota máxima em todas as provas. Ainda em sua cidade natal, São<br />

João da Barra, aprendeu francês e latim nas aulas do padre-mestre Joaquim Francisco da<br />

7 PERROT, Michelle. As mulheres ou os silêncios da história. Bauru, SP: EDUSC, 2005. p. 10.<br />

8 NABUCO, Carolina. Oito Décadas. Rio de Janeiro: José Olympio, 1973. p. 173.<br />

9 Idem, ibidem. p. 9-52.<br />

5


Cruz Paula. Tendo se mudado para Resende, em função da doença do pai, Narcisa<br />

continuou seus estudos, completados no Atheneu Resendense, onde se mostrou ótima aluna<br />

em diversas disciplinas, como nas línguas inglesa e francesa, geografia, história, botânica,<br />

retórica, sendo também orientada pelo pai sobre essas matérias, expandindo assim, seus<br />

conhecimentos.<br />

Mesmo após seu primeiro casamento, precoce aos 13 anos de idade, Narcisa<br />

Amália, sem deixar de lado suas “obrigações” domésticas, auxiliava sua mãe na escola<br />

onde trabalhava, e sempre que possível, continuava seus estudos dos clássicos portugueses<br />

e franceses, além de história universal e principalmente na análise dos poetas e romancistas<br />

brasileiros, como Gonçalves Dias, Machado de Assis, Fagundes Varela, Álvares de<br />

Azevedo, José de Alencar, Casimiro de Abreu, Castro Alves – influência marcante em suas<br />

poesias sobre a Abolição - entre outros. Em seus artigos, Narcisa fazia indicações de<br />

leituras, principalmente às mulheres, como os clássicos Schiller, Voltaire, Bossuet etc.<br />

Com seus escritos em defesa da Abolição, da República, e ainda pela emancipação<br />

feminina, Narcisa Amália é considerada a primeira mulher a trabalhar profissionalmente<br />

como jornalista, utilizando as suas letras em nome da liberdade. Narcisa, através de seus<br />

escritos, defendia o direito das moças a uma educação de qualidade, declarando que<br />

“suponho ter sido eu, no Brasil, quem primeiro ergueu a voz clamante contra o estado de<br />

ignorância e de abatimento em que jazíamos”, que considerava um direito fundamental,<br />

numa sociedade onde ainda a grande maioria das mulheres eram analfabetas, estando<br />

excluídas do acesso à cultura e a melhores condições de lutarem por seus direitos. Foi<br />

acusada inúmeras vezes de atentar contra o pudor das mães de família da época, como no<br />

artigo publicado no periódico A Família, onde Narcisa relata que,<br />

“afirmaram que as minhas opiniões eram auridas em livros cuja leitura importava<br />

em atentado ao pudor da mãe de família. Espíritos machos recearam, porventura,<br />

que, a um meu aceno suas esposas abandonassem o pot au feu e, tomando o bordão<br />

de peregrinas, marchassem em demanda da terra da emancipação”. 10<br />

10 MUZART, Zahidé Lupinacci (org.). Escritoras brasileiras do século XIX. Florianópolis: Editora<br />

Mulheres; Santa Cruz do Sul, RS: EDUNISC, 2004. p.552. Publicado originalmente no periódico A Família,<br />

em 31 de dezembro de 1889.<br />

6


Exaltava ainda os homens que deixavam de lado o preconceito e também lutavam<br />

pelos direitos da mulher, ajudando a conscientizar a população, como em carta a José<br />

Palmela, publicada no periódico A República, onde o agradecia por não “assistir impassivel<br />

á agonia moral da mais nobre metade do genero humano” e continuou a escrever sobre a<br />

obra do autor “A aristocracia do genio e da belleza feminil na antiguidade”, afirmando que<br />

“ha muito que sentíamos a necessidade de um trabalho meritorio que advogasse perante a<br />

sociedade os interesses da mulher”. 11 As mulheres não só conquistaram espaço nos<br />

periódicos tradicionais, como fundaram os seus próprios jornais. Narcisa Amália criou, em<br />

outubro de 1884, um periódico quinzenal, o Gazetinha – folha dedicada ao bello sexo, um<br />

suplemento do Tymburitá, jornal de Resende, tendo colaborado nos periódicos locais e de<br />

várias localidades brasileiras, além da revista portuguesa, Artes e Letras. Os periódicos<br />

femininos eram caracterizados como um novo espaço de leitura e escrita, espaço também<br />

fundamental para a propagação da expressão feminina, e que traziam artigos sobre<br />

instrução, poesia, teatro, literatura, moda, colunas sociais, receitas culinárias e ainda<br />

esclarecimentos sobre a situação da mulher na sociedade. Assim, os periódicos femininos<br />

da segunda metade do século XIX apresentavam um discurso que era comum em sua<br />

grande maioria: a emancipação das mulheres.<br />

No início da década de 1870, Narcisa Amália, que foi fortemente influenciada pelo<br />

pai e o avô, na sua formação humanitária, liberal e instruída no amor à liberdade e à razão,<br />

lutava pelas causas da República e da Abolição, colaborando intensamente, com seus<br />

artigos e poesias, em um jornal de propaganda abolicionista, editado no Rio de Janeiro, o<br />

periódico A República. E sua luta pelas causas da pátria causou grande choque na sociedade<br />

conservadora da época, que acreditava que às mulheres estava reservado o trabalho<br />

doméstico, com os cuidados da casa, do marido e dos filhos, sendo a política um assunto<br />

reservado aos homens. Os periódicos abolicionistas divulgavam seus escritos e poemas<br />

sobre a Abolição e a República, como esses:<br />

“Meu Deus, quando há-de esta raça,<br />

Que genuflexa rebrama<br />

Erguer-se de pé, ungida<br />

11 A República, de 11 de maio de 1873. Consultado na Biblioteca Nacional.<br />

7


Das crenças livres na chama?” 12<br />

“Salve! oh! salve Oitenta-e-Nove<br />

Que os obstaculos remove!<br />

Em que o heroismo envolve<br />

O horror da maldição!” 13<br />

As figuras masculinas foram marcantes na vida e nas obras das duas escritoras. Para<br />

o bem e para o mal. Narcisa Amália foi amplamente influenciada pelo pai, o professor e<br />

poeta Jácome de Campos, em sua trajetória como escritora. Foi incentivada por ele a<br />

publicar seu livro Nebulosas, em 1872. Neste, os poemas exaltavam a natureza,<br />

demonstrava o amor à pátria e as lembranças da infância, e ainda a ajudou a escolher quais<br />

poesias deveriam constar no livro, algumas delas já publicadas em periódicos da época.<br />

Pode-se ainda mencionar os amigos escritores e poetas, como Ezequiel Freire, também<br />

incentivador da publicação de seu livro, que muito respeitavam e admiravam seu trabalho, e<br />

ainda por quem nutriam paixões, fazendo poesias em sua homenagem. E foi, muito em<br />

função dessas amizades, que Narcisa Amália conheceu o ódio do ex-marido. Enciumado de<br />

suas atividades literárias, dos freqüentes saraus em sua residência, o senhor Francisco Cleto<br />

da Rocha, mais conhecido por Rocha Padeiro, em função de sua atividade comercial,<br />

proibiu Narcisa de exercer seu gosto pelas letras, tendo por isso, sido abandonado pela<br />

esposa.<br />

Em função disso, Francisco Rocha passa a divulgar uma calúnia que, segundo o<br />

biógrafo da escritora, João Oscar, teria a afetado para o resto da sua vida e influenciado<br />

decisivamente o fim de sua carreira. Segundo o marido, Narcisa nunca teria feito um só<br />

poema, pois seu livro teria sido escrito por vários de seus amantes. Nessa época, era comum<br />

que se duvidasse da autoria feminina, e também dos temas escolhidos, como política, por<br />

exemplo. E não foi só o marido que afirmou não ser de Narcisa as poesias por ela<br />

assinadas. O memorialista Múcio Teixeira, por considerar de elevada grandeza o livro de<br />

poesias, não via como possível ou algo aceitável, que ele tivesse saído da pena de uma<br />

mulher. Assuntos ligados à política ou a questões sobre a pátria, não eram destinados às<br />

mulheres, logo, não poderiam ter sido produzidos pela alma feminina.<br />

12 OSCAR, João. Narcisa Amália: vida e poesia. Campos, RJ: Lar Cristão, 1994. Publicado originalmente no<br />

periódico “Echo Americano”, Rio de Janeiro, em 29 de março de 1872.<br />

13 AMÁLIA, Narcisa. Nebulosas. Rio de Janeiro: B. L. Garnier, 1872. Poesia intitulada “Pesadelo”.<br />

8


Mulher que defendia a Abolição, a República, os estudos e a emancipação das<br />

mulheres, Narcisa Amália superou a dominação vigente na sociedade patriarcal da época,<br />

alcançando uma liberdade moral e intelectual bastante surpreendente. Infelizmente, sua<br />

militância foi se enfraquecendo ao passar dos anos. Sua luta pelas causas sociais e sua<br />

participação no meio literário foram rareando, principalmente após os seus cinqüenta anos.<br />

Alguns acreditam que foi em função dos preconceitos sociais sobre a mulher, a escritora e a<br />

militante fervorosa. Outros creem que a sua rápida incursão pela literatura deveu-se a sua<br />

origem humilde e à dificuldade em permanecer no mundo literário. Não creio. Seu único<br />

livro fez sucesso no Brasil e em Portugal, e o editor francês B. L. Garnier logo se<br />

prontificou a publicar Nebulosas, tendo recebido inúmeras críticas favoráveis. Enfim, o<br />

fator do preconceito e da tendência a deixar no esquecimento aquelas que incomodam o<br />

andar regrado da sociedade, parece fator predominante.<br />

Narcisa Amália era considerada e festejada pelos intelectuais da época, tendo sido<br />

muito provavelmente a primeira mulher a prefaciar uma obra masculina, do livro de seu<br />

grande amigo Ezequiel Freire, Flores do Campo. Todavia, a moral dos séculos XIX e XX<br />

foi uma das causadoras do esquecimento das poesias de Narcisa, e de toda a sua luta pela<br />

melhoria de vida de seus contemporâneos. Pouco restou da grande mulher que é<br />

normalmente lembrada por ter casado diversas vezes, sem sucesso. Porém, como bem<br />

afirma Maria de Lourdes Eleutério,<br />

“Narcisa Amália é referência e reverência daquelas mulheres que pretendem<br />

dedicar-se à literatura. E isto ocorre em grande parte porque a poeta, autora de um<br />

único livro, fez dele o ideal, o guia das leitoras que almejavam realizar o melhor na<br />

criação artística. Narcisa foi assim um pólo de força de vontade e de inspiração e<br />

realização para inúmeras vocações, e isto mesmo em condições desfavoráveis”. 14<br />

Carolina Nabuco, por sua vez, apresenta em sua obra e vida, a influência<br />

fundamental de uma figura masculina, Joaquim Nabuco, seu pai. Muitas vezes ausente<br />

devido ao trabalho, a jovem Carolina não deixa de expressar o grande carinho, estima e<br />

consideração pela figura paterna, que cita inúmeras vezes no desenrolar de sua<br />

autobiografia. A lembrança do pai se faz presente na casa de Botafogo, nos passeios em<br />

14 ELEUTÉRIO, Maria de Lourdes. Vidas de romances: as mulheres e o exercício de ler e escrever no<br />

entresséculos, 1890-1930. Rio de Janeiro, Topbooks, 2005. p. 113.<br />

9


Paquetá, nos hotéis europeus onde tantas vezes se hospedaram, e ainda na embaixada<br />

brasileira em Washington. A figura política é lembrada, assim como o pai leitor, intelectual<br />

e historiador apaixonado pelas letras, e como a filha viria a ser mais tarde, também<br />

memorialista e biógrafo. A biblioteca do pai é lembrada, assim como a influência em sua<br />

formação como leitora e escritora, e um episódio mereceu atenção:<br />

“De todos os presentes que recebi na infância o que maior alegria me causou foi<br />

trazido por meu pai, inesperadamente, uma tarde ao voltar da cidade. Pareceu-me<br />

um verdadeiro milagre receber de uma só vez quatro livros (incrivelmente quatro!)<br />

da pena de minha querida Condessa de Ségur. Meu pai deve ter tido, naquele dia,<br />

um inesperado reforço às suas finanças”. 15<br />

A sua iniciação no mundo literário ocorreu devido aos concursos em jornais de que<br />

participava, sendo algumas vezes premiada, e assim tendo seus contos publicados em<br />

diversos periódicos, como O Jornal, nos Diários Associados e no Jornal do Brasil. Os anos<br />

de 1920 foram dedicados a escrita da biografia do pai, A vida de Joaquim Nabuco,<br />

referindo-se a ela como o “meu livro”, publicado em 1929, que lhe rendeu um prêmio da<br />

Academia Brasileira de Letras, tendo sido traduzido, mais tarde, para o espanhol, em 1944,<br />

e para o inglês. Além de crítica literária, publicou ainda ficção, contos, conferências,<br />

literatura infantil e de viagem, livros didáticos, outras biografias, como A vida de Virgílio<br />

de Melo Franco, em 1962; e Santa Catarina de Sena – sua ação e seu ambiente, em 1950;<br />

os ensaios Visão dos Estados Unidos à luz de sua literatura e O ladrão de guarda-chuvas,<br />

ambos de 1967; a publicação utilizada pelo público escolar, Catecismo historiado –<br />

doutrina cristã para primeira comunhão, de 1940 e ainda dois romances, Chama e cinzas,<br />

de 1974, com o qual ganhou seu segundo prêmio da Academia Brasileira de Letras; e A<br />

sucessora, em 1934, esse último que lhe traria alguns problemas e mais quatro reedições até<br />

1953, sendo traduzida para o espanhol e o italiano.<br />

O romance A sucessora foi um grande sucesso editorial, de caráter psicológico e<br />

social, que, se por um lado se caracterizou pelo estilo moderno da escrita, por outro, os<br />

diversos preconceitos que ainda persistiam na época, também estavam presentes, com<br />

destaque aos referentes às mulheres, com sua imagem ideal “identificada com beleza,<br />

submissão espontânea ao homem, modéstia, pureza etc. E, acima de tudo, sua possibilidade<br />

15 NABUCO, Carolina. Oito Décadas. Rio de Janeiro: José Olympio, 1973. p. 9-10.<br />

10


de autorealização, inteiramente dependente da vontade ou da mediação do homem (pai,<br />

marido ou filho)”. 16 Contudo, enfrentou problemas. O romance Rebeca, da escritora inglesa<br />

Daphe du Maurier, editado em 1940, e de enredo muito semelhante A sucessora, foi<br />

comprovado como plágio da obra de Carolina Nabuco. O best-seller inglês também foi um<br />

êxito de vendas, fazendo sucesso por longos anos.<br />

Se “não é possível definir como os leitores assimilavam seus livros”, por ser a<br />

leitura um grande mistério, ela, contudo, tem uma história, 17 e sobre a de Carolina Nabuco,<br />

informações apontam que lia poesias, contos, romances, destacando os já mencionados da<br />

Condessa de Ségur; a Bíblia e alguns poemas religiosos; os dramaturgos franceses Racine,<br />

Corneille e Molière, utilizados nas escolas; pequenas histórias de Flaubert; na literatura<br />

portuguesa, Júlio Dantas e Eça de Queiroz, com A ceia dos cardeais do primeiro, Os contos<br />

e A cidade e as serras do segundo; os periódicos Fon-Fon!, Jornal do Brasil e O Jornal; os<br />

semanários de humor Punch, Le rire e A careta, inglês, francês e brasileiro,<br />

respectivamente; livros de catecismo religioso; os romances de Afrânio Peixoto; livros de<br />

ficção; além dos autores clássicos, como Shakespeare, Voltaire, Victor Hugo, Goethe,<br />

Fénelon entre outros.<br />

As leituras ainda proporcionaram as mulheres novas maneiras de socialização, em<br />

situações até então vedadas ao feminino, como os saraus, salões, serões etc. Carolina<br />

Nabuco nos relata que “eu e uma amiguinha chilena [...] líamos em voz alta, ou<br />

recitávamos versos desses poetas [Lamartine e Musset], enquanto nossas mãos (delas ou<br />

minhas) corriam muito de leve sobre o piano à guisa de um acompanhamento distante”.<br />

Eram também recorrentes os saraus organizados por Narcisa Amália, onde jovens poetas,<br />

como Luís Murat e Raimundo Correia, e algumas amigas faziam versos improvisados e<br />

declamava-os, no que chamavam de bate-papo literário, com músicas tocadas ao piano,<br />

muitas vezes executadas pela própria Narcisa. Michelle Perrot afirma que “a irrupção de<br />

uma presença e de uma fala feminina em locais que lhe eram até então proibidos, ou pouco<br />

familiares, é uma inovação do século XIX”. 18<br />

16 COELHO, Nelly Novaes. Dicionário crítico de escritoras brasileiras. São Paulo: Escrituras Editora, 2002.<br />

p. 109-110.<br />

17 DARNTON, Robert. O beijo de Lamourette: mídia, cultura e revolução. São Paulo:<br />

Companhia das Letras, 1990.<br />

18 PERROT, Michelle. As mulheres ou os silêncios da história. São Paulo: Contexto, 2007. p. 9.<br />

11


Avançando pelo século XX, chega-se na época em que através da escrita de<br />

autobiografias, as mulheres se tornaram “autoras da narrativa da própria vida”,<br />

conseqüência do acesso à leitura e à escrita, e da conquista de novos espaços, que antes não<br />

as pertenciam, alcançando liberdades e conhecendo a si mesmas. Transformando a fonte<br />

documental em objeto de análise, as autobiografias são resultado do exercício da escrita que<br />

acompanhou a trajetória dessas mulheres, como os diários, as cartas, os cadernos etc, que<br />

alimentaram a composição posterior, da história de suas vidas. Contudo, da escrita à<br />

publicação há um enorme caminho. Durante esse tempo, mecanismos alteram o texto,<br />

inicialmente destinado ao público familiar, alterações essas realizadas por parentes ou<br />

editores responsáveis pela publicação, ou seja, um trabalho de edição se realiza. Segundo<br />

Roger Chartier,<br />

“o estatuto, o significado e a forma dos textos são sempre móveis e instáveis. A<br />

trajetória das narrativas de vida o demonstra claramente, uma vez que conduz o<br />

“mesmo” texto do manuscrito autógrafo ao livro impresso, da reflexão sobre si ao<br />

olhar público, do gesto íntimo e solitário da escrita às decisões, preferências e<br />

censuras dos diferentes autores implicados no processo de publicação. [...] os<br />

autores não escrevem os livros, mas que estes sempre supõem escolhas,<br />

competências e gestos que não são os da escrita, e sim os das empresas editorial e<br />

gráfica” 19 .<br />

As mulheres, ainda que tenham conseguido, através da conquista da leitura e da<br />

escrita, superar diversas dificuldades impostas pela sociedade conservadora, pode-se notar<br />

que na escrita autobiográfica há uma tendência a assumirem os comportamentos que<br />

consideravam aceitáveis para as mulheres. Escrita muitas vezes numa idade mais avançada,<br />

as autobiografias funcionam como um resgate da história familiar, do afastar do<br />

esquecimento, da preservação da memória, que segundo Jacques Le Goff, é particularmente<br />

instável e maleável. E aqui, as lembranças e ausências se fazem presentes, as recordações<br />

são possibilitadas pelo que a memória consegue trazer à tona, e as ausências são resultantes<br />

do que realmente não se consegue lembrar, ou levando em consideração aquilo que não<br />

pode ser transmitido e deve ser censurado, ou seja, as censuras da memória e as censuras da<br />

escrita. Fatos são restaurados, suprimidos, esquecidos... Consciente ou inconscientemente,<br />

19 LACERDA, Lílian de. Álbum de Leitura: memórias de vida, histórias de leitoras. São Paulo: Ed. UNESP,<br />

2003. p. 19. Prefácio de Roger Chartier.<br />

12


essas mulheres, que deixaram suas vidas registradas, perceberam que a “impossibilidade de<br />

falar de si mesma acaba por abolir o próprio ser, ou ao menos, o que se pode saber dele”. 20<br />

Nota-se na escrita autobiográfica um comprometimento com a verdade, associada,<br />

com a intenção de dar maior credibilidade, a documentos, fotografias, trechos de<br />

periódicos, que ajudem a recriar, mais do que uma história pessoal, uma história da<br />

coletividade de uma época, trabalho reforçado pela edição. E alguns fatores foram<br />

responsáveis pela publicação desses relatos, num momento em que a expressão feminina<br />

ainda encontrava dificuldades, mas que, porém, já tinham conseguido realizar algumas<br />

conquistas relevantes, devido aos novos olhares da sociedade sobre as mulheres,<br />

principalmente no que tange a publicação de seus escritos. Além do que se lia, como se lia,<br />

a presença dos impressos em suas vidas, o percurso como escritoras, ainda fazem-se nítidas<br />

também as tensões, dominações e opressões destinadas às mulheres nesses escritos.<br />

Devido à revisão na área da literatura, a escrita feminina, que por muito tempo<br />

esteve à margem, pôde enfim ser recuperada, analisada, dando voz não só as autoras, mas<br />

também à existência das mulheres que viveram nos séculos XIX e XX. Outro fator, diz<br />

respeito ao fim da censura do regime militar, sucedendo um grande volume de publicações<br />

de autoria feminina, entre os anos de 1970 e 1980, principalmente das autobiografias. O<br />

movimento feminista, a partir de 1960, também colaborou para a publicação dos escritos<br />

femininos. Segundo Lílian de Lacerda,<br />

“o silêncio das mulheres e de suas obras e produções até esse período pode, então,<br />

ser interpretado, como forma de censura ideológica e cultural. Essa censura parece<br />

motivada por um pensamento hegemônico que definia um certo modo de ser e de<br />

viver para as mulheres. As muitas transformações ocorridas no sistema social que<br />

eclodem em 1980 são, portanto, promotoras da projeção editorial das escritas<br />

femininas, especificamente as de cunho memorial. [...] as lutas e conquistas dos<br />

movimentos sociais, são fatores favoráveis às formas de publicização do “eu” [...]”.<br />

21<br />

Assim, através das duas escritoras selecionadas, pode-se ter um panorama da<br />

iniciação feminina no mundo das letras, das dificuldades em ter acesso aos conhecimentos e<br />

ao mesmo tempo da quebra de barreiras em adquiri-los, conquistando seus espaços nos<br />

20 PERROT, Michelle. As mulheres ou os silêncios da história. Bauru, SP: EDUSC, 2005. p. 11.<br />

21 LACERDA, Lílian de. Álbum de Leitura: memórias de vida, histórias de leitoras. São Paulo: Ed. UNESP,<br />

2003. p. 52.<br />

13


jornais, na literatura e, juntamente com eles, principalmente, um espaço de liberdade dentro<br />

da sociedade brasileira. A discreta Carolina Nabuco não questionou, criticou, ou se<br />

posicionou claramente sobre a situação feminina em seus escritos, porém, em sua<br />

autobiografia está clara a dificuldade que teve em se adequar aos modelos de feminilidade<br />

impostos às mulheres de sua época, e que foram a princípio recusados, e apenas adquiridos<br />

aos poucos, por força dos processos de socialização, fundamentais à formação feminina.<br />

Contudo, não se tem notícias que tenha casado ou tido filho, atitude inesperada para uma<br />

mulher, o que demonstra a possibilidade de escolha dos próprios caminhos.<br />

Narcisa Amália, por outro lado, na sua trajetória literária e jornalística, foi uma<br />

incansável defensora da Abolição, da República e da emancipação feminina, conquistando<br />

inimigos e o horror de grande parte da sociedade patriarcal em que vivia. Contudo, casou-se<br />

duas vezes, e separou-se em ambos os casos, algo também nada bem visto pelos<br />

conservadores, uma mulher que abandonava a família, ainda que também não tivesse tido<br />

filhos. Aos poucos, todos os preconceitos que a envolveram por ser mulher, escritora,<br />

militante e as calúnias sobre seu trabalho foram enfraquecendo-a, a ponto de deixar para<br />

trás a sua vida de lutas e sucesso literário. Assim, cada uma à sua maneira, essas escritoras<br />

abriram caminhos para as outras mulheres, não somente no mundo literário, mas também<br />

nos direitos conquistados, deixando-lhes uma sociedade menos incompreensível às<br />

necessidades das mulheres, quebrando o silêncio que por muito tempo a cercearam,<br />

podendo enfim lutarem por suas liberdades.<br />

Referências bibliográficas:<br />

Fontes Impressas<br />

NABUCO, Carolina. Oito Décadas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.<br />

A República, de 11 de maio de 1873. Consultado na Biblioteca Nacional.<br />

Bibliografia<br />

AMÁLIA, Narcisa. Nebulosas. Rio de Janeiro: B. L. Garnier, 1872.<br />

CHARTIER, Roger. A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os<br />

séculos XIV e XV<strong>II</strong>. Brasília: Editora UnB, 1994.<br />

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COELHO, Nelly Novaes. Dicionário crítico de escritoras brasileiras. São Paulo:<br />

Escrituras Editora, 2002.<br />

DARNTON, Robert. O beijo de Lamourette: mídia, cultura e revolução. São Paulo:<br />

Companhia das Letras, 1990.<br />

ELEUTÉRIO, Maria de Lourdes. Vidas de romances: as mulheres e o exercício de ler e<br />

escrever no entresséculos, 1890-1930. Rio de Janeiro, Topbooks, 2005.<br />

LACERDA, Lílian de. Álbum de Leitura: memórias de vida, histórias de leitoras. São<br />

Paulo: Ed. UNESP, 2003.<br />

LAJOLO, Marisa. A formação da leitura no Brasil. São Paulo: Ática, 1999.<br />

LE GOFF, Jacques. <strong>História</strong> e Memória. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2003.<br />

MACHADO, Humberto F. & NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das. O Império do<br />

Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.<br />

MORAIS, Maria Arisnete Câmara de. Leituras de mulheres no século XIX. Belo Horizonte:<br />

Autêntica, 2002.<br />

MUZART, Zahidé Lupinacci. Escritoras brasileiras do século XIX. Florianópolis: Editora<br />

Mulheres; Santa Cruz do Sul, RS: EDUNISC, 2004.<br />

OSCAR, João. Narcisa Amália: vida e poesia. Campos, RJ: Lar Cristão, 1994.<br />

PERROT, Michelle. Minha história das mulheres. São Paulo: Contexto, 2007.<br />

_____. As mulheres ou os silêncios da história. Bauru, SP: EDUSC, 2005.<br />

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