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II Seminário Brasileiro Livro e História Editorial

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<strong>II</strong> <strong>Seminário</strong> <strong>Brasileiro</strong> <strong>Livro</strong> e <strong>História</strong> <strong>Editorial</strong><br />

A influência francesa nas escolas da província da Paraíba no Século XIX<br />

Sara Cavalcanti Pinto Bandeira 1<br />

(Universidade Federal da Paraíba – UFPB/CNPq/PIBIC)<br />

Socorro de Fátima Pacífico Barbosa 2<br />

(Universidade Federal da Paraíba – UFPB/CNPq)<br />

Resumo:<br />

O projeto Uma história da Leitura: os livros didáticos na Paraíba no Segundo Reinado<br />

incide sobre a história dos livros escolares e a sua utilização nas escolas paraibanas no<br />

século XIX. Este trabalho tem por objetivo mostrar a utilização de compêndios franceses<br />

nas escolas paraibanas no referido século, bem como a sua importância na educação das<br />

crianças. A obtenção destes dados se deu através de fontes primárias como os Relatórios<br />

dos Presidentes da Província da Paraíba, e as Leis e Regulamentos da Instrução da Paraíba<br />

no Período Imperial. Nosso suporte teórico sobre a <strong>História</strong> da Leitura é Ana Maria<br />

Galvão (2003), Socorro Barbosa (2007), Marisa Lajolo e Regina Zilberman (1996),<br />

referentes aos aspectos relacionados à produção, circulação e recepção do texto escrito em<br />

contextos escolares e não-escolares. Através deste trabalho concluímos que a influência<br />

dos compêndios franceses nas escolas paraibanas acontecia de forma tão constante como<br />

no restante do país, assim como a sua grande utilização na educação das crianças se dava<br />

através de livros de cunho moral (principalmente livros de leitura e religiosos) que serviam<br />

para o ensino dos bons costumes para as crianças.<br />

Palavras-chave:<br />

Compêndios escolares, <strong>História</strong> da Leitura, Século XIX.<br />

1 Sara Cavalcanti Pinto Bandeira é estudante da graduação de Letras (português-francês) da Universidade<br />

Federal da Paraíba desde o ano de 2007. Há um ano e meio é bolsista do Projeto de Iniciação Científica<br />

(PIBIC), financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento e Pesquisa (CNPq). Trabalha no Projeto<br />

Uma história da Leitura: os livros didáticos na Paraíba no Segundo Reinado, coordenado pela professora<br />

Drª. Socorro de Fátima Pacífico Barbosa, e foi ganhadora do Prêmio Jovem Pesquisador, em 2008.<br />

2 Socorro de Fátima Pacífico Barbosa coordena o projeto PIBIc Uma história da Leitura: os livros didáticos<br />

na Paraíba no Segundo Reinado.É professora Associada I da UFPB, pesquisadora do CNPq e autora de<br />

Jornal e literatura: a imprensa brasileira no século XIX, pela Nova Prova e A invenção de uma escrita:<br />

Anchieta, os jesuítas e suas histórias pela EPURS.


1. Introdução<br />

O projeto Uma história da Leitura: os livros didáticos na Paraíba no Segundo<br />

Reinado incide sobre a história dos compêndios utilizados nas escolas paraibanas durante o<br />

século XIX, através de dados que auxiliem a construção desta história.<br />

Para um levantamento dos compêndios utilizados no século XIX, pesquisamos,<br />

primeiramente, nos Relatórios dos Presidentes da Província da Paraíba, disponíveis no site<br />

www.crl.edu/content/provopen.htm, do ano de 1837 ao ano de 1889 (os anos de 1822 a<br />

1836 não constam nos relatórios), intervalo este que marca parte do Período Imperial<br />

<strong>Brasileiro</strong>. Na seção de Educação dos relatórios, pesquisamos nomes de compêndios<br />

religiosos e de literatura adotados nas escolas paraibanas na época pelo Presidente da<br />

Província. Nestes Relatórios encontramos não somente nomes de livros, mas também seus<br />

autores – em sua grande maioria estrangeiros – , e o motivo de tal compêndio ter sido<br />

adotado ou de ter sido rejeitado pela direção da escola. Encontramos também a quantidade<br />

de exemplares pedidos e a dificuldade da adoção destes livros devido à escassez dos cofres<br />

públicos. E ainda, resoluções tomadas pelos diretores escolares a respeito da educação na<br />

escola, como, por exemplo, o método de ensino mais propício a ser utilizado em sala de<br />

aula.<br />

Pesquisamos também nos Relatórios Manuscritos e Correspondências dos<br />

Presidentes da Província encontrados no Arquivo Histórico de João Pessoa, e ainda, nos<br />

Arquivos da Assembléia Legislativa da Paraíba, compreendidos pelos livros das Coleções<br />

das Decisões do Governo do Império do Brasil. Em todos estes Relatórios e Arquivos,<br />

buscamos os nomes dos livros adotados nas escolas paraibanas no período imperial e os<br />

anos em que foram adotados, além dos comentários que, por ventura, os presidentes da<br />

Província faziam acerca desses compêndios. Quando possível, fazíamos comparações com<br />

outras províncias brasileiras, como foi o caso dos arquivos da Assembléia Legislativa da<br />

Paraíba, que não só falavam da situação escolar paraibana, como traziam as novidades das<br />

demais escolas de todo o Império brasileiro, principalmente do grande pólo educacional da<br />

época, o Rio de Janeiro, com o Colégio Imperial de Pedro <strong>II</strong>.<br />

Outras fontes também foram utilizadas, como as Leis e Regulamentos da Instrução<br />

da Paraíba no Período Imperial, disponíveis no site www.cchla.ufpb.br/leituranapb, que


complementaram os resultados encontrados nos Relatórios e nos Arquivos dos Presidentes<br />

da Província da Paraíba. Através destas Leis e Regulamentos, pudemos compreender de<br />

forma bastante clara, a situação que se encontravam as escolas paraibanas. Pudemos ter<br />

acesso às normas das escolas, como também às regras direcionadas aos professores,<br />

diretores e alunos. Foi-nos permitido conhecer o regime escolar, entre outras coisas como<br />

as disciplinas que deveriam ser ministradas pelos professores, a quantidade de alunos de<br />

cada escola, além do nome de compêndios que seriam mais apropriados “à inteligência dos<br />

alunos”, como os próprios presidentes da Província declaravam.<br />

Para uma mais ampla compreensão da situação política e do conjunto dos padrões<br />

de comportamento, das crenças, das instituições e de outros valores morais e materiais,<br />

característicos da sociedade imperial brasileira do século XIX, fizemos também estudos da<br />

<strong>História</strong> da Paraíba paralelos à história do Segundo Reinado brasileiro, e à <strong>História</strong> do<br />

<strong>Livro</strong> no Brasil, com a finalidade de melhor compreender a sociedade naquela época.<br />

2. A produção de livros no século XIX<br />

Sabe-se que o desenvolvimento escolar no Brasil se deveu, antes de tudo, à presença<br />

da Corte, como também ao crescimento dos negócios com os países europeus, como<br />

Inglaterra. De acordo com Marisa Lajolo e Regina Zilberman, em A Formação da Leitura<br />

no Brasil (1998), devido ao aumento populacional, aparecem na sociedade, cada vez mais,<br />

novas escolas que necessitam de livros, mas que, a Impressão Régia, sozinha, não tem<br />

condições de atender. A decisão, então, é importar estes livros de Portugal. Contudo, apesar<br />

do desenvolvimento livresco e do aumento escolar, a Instrução Pública continuava precária,<br />

e não eram poucas as reclamações a respeito dela. Planos estabelecidos pelo governo para<br />

melhorar este quadro foram feitos, mas de nada adiantou.<br />

Mesmo após a Independência do Brasil, quando D. Pedro I anunciou que a instrução<br />

primária seria gratuita para todos, pouco foi feito pela educação pública. O rei passou,<br />

então, o cargo de regulamentação da instrução para as províncias: cada estado cuidaria de<br />

sua Instrução Pública. Mas as Províncias, em seus parcos orçamentos e distantes da Corte,<br />

têm dificuldades de levar adiante esta tarefa que lhes foi imposta. Pouquíssimas escolas,<br />

como o Colégio Pedro <strong>II</strong>, fundado no Rio de Janeiro, em fins de 1837, foram classificadas


positivamente na qualidade de seus professores e de seu ensino. Na maioria dos casos<br />

prevalece a classificação dos professores como desinteressados, despreparados e<br />

autoritários; dos alunos como distraídos e indiferentes nas aulas; e das escolas sempre com<br />

péssimas instalações.<br />

A grande importação de livros, tendo em vista sanar, então, a falta de material<br />

didático, corroborou para o surgimento de outro problema. Inicia-se um novo discurso, de<br />

cunho nacionalista, que proclamava a inadequação dos livros portugueses para a juventude<br />

brasileira. Entretanto, os compêndios portugueses que ignoravam completamente a<br />

Independência de 22, bem como o obstinado nacionalismo do século XIX, continuaram<br />

circulando pelas escolas brasileiras.<br />

Ao lado da cultura portuguesa, estava também a francesa que passou a ser preferida,<br />

como uma alternativa ao jugo literário de Portugal. Contudo, o estudo da literatura francesa<br />

só ocorreu tardiamente, formando leitores a partir da adolescência. Antes disso, os alunos<br />

estavam submetidos às leituras de seletas, antologias e manuais, que quase não despertavam<br />

o interesse pela leitura (LAJOLO E ZILBERMAN, 1998).<br />

Os livros no Brasil, em sua grande maioria, eram pedidos de outros países, de<br />

autores estrangeiros, fato este devido ao que Hallewell (1985) explica em O <strong>Livro</strong> no<br />

Brasil:<br />

Os primeiros compêndios escolares brasileiros foram impressos pela Impressão<br />

Régia, mas esta primeira tentativa deveu-se às guerras napoleônicas, que<br />

interromperam os suprimentos normais da Europa. Depois que estes foram<br />

restabelecidos, durante muitos anos pouco mais ouvimos falar de livro escolares<br />

brasileiros. Não apenas o mercado era muito pequeno para interessar qualquer<br />

editora nacional como também os métodos primitivos de ensino usados por muitas<br />

escolas dispensavam o uso de livros. (HALLWELL, 1985, p.143-144)<br />

Socorro Barbosa, em seu livro Jornal e Literatura: a imprensa brasileira no século<br />

XIX (2007), sobre a história da leitura no período imperial no Brasil, nos mostra que, no<br />

século XIX, os livros eram comumente vendidos “em boticas e armazéns de secos e<br />

molhados” como se verifica no jornal “A Regeneração” em 16 de Janeiro de 1862, ou ainda<br />

“ao lado de peças de chapéus, camisas e botas”. As Bibliotecas Públicas no Brasil eram<br />

pouquíssimas. <strong>Livro</strong>s eram considerados como símbolo de status e de poder; os grandes<br />

detentores de riquezas possuíam terras, escravos, jóias, louças, pratarias e livros. Nos<br />

álbuns de família, fotos eram tiradas com livros nas mãos.


Circe Bittencourt, em <strong>Livro</strong> Didático e Conhecimento Histórico: Uma história do<br />

saber escolar (1993), por sua vez, declara que a origem do livro didático esteve vinculada<br />

ao poder político. Para ela, os livros didáticos foram feitos para que o Estado pudesse<br />

controlar o saber a ser divulgado pela escola. O Governo, ora aliado à Igreja, ora seu<br />

discordante, esteve sempre imbuído neste processo, em quase todas as fases de formação ou<br />

modificação do livro escolar, ditando a maneira como eles deveriam ser feitos e quais<br />

poderiam ser estudados. Este extremo controle muito se deveu ao medo do Estado da<br />

disseminação do livro, importante e conflitante veículo de comunicação da população, bem<br />

como “iluminação” das classes inferiores, “naturalmente” separada da sociedade.<br />

3. Os compêndios franceses na Paraíba<br />

O Liceu Paraibano, primeiro colégio de prestígio da Paraíba, foi fundado em 1836,<br />

segundo nos registra Irineu Ferreira Pinto, em seu livro Datas e Notas para a <strong>História</strong> da<br />

Paraíba (1977). Este trabalho sobre a historiografia paraibana, reeditado pela Editora<br />

Universitária, da Universidade Federal da Paraíba, visa, acima de tudo, resgatar a história<br />

do estado paraibano. Segundo o livro, no dia 24 de Março de 1836 “é creado o Lyceu<br />

Parahybano pela lei nº11 desta data, aproveitando-se as cadeiras de humanidades já<br />

existentes” (PINTO, 1977).<br />

Através dos Relatórios dos Presidentes da Paraíba, acompanhamos o<br />

desenvolvimento do Liceu Paraibano, como também de outras escolas públicas e<br />

particulares que surgiam no estado. A partir da fundação do Colégio Imperial de Pedro <strong>II</strong>,<br />

no Rio de Janeiro, em 1837, todas as escolas do Brasil, inclusive as da Paraíba, tomaram<br />

como base o seu sistema de ensino, os seus livros, e o seu regime.<br />

Segundo Barbosa em seu artigo Leitores e <strong>Livro</strong>s nos Jornais Paraibanos: uma<br />

história de leituras 3 (2006, p.1), “para quem lê os livros do século XIX paraibano, a<br />

província não tinha vida cultural e intelectual, sempre justificada pela alta taxa de<br />

analfabetismo, pela falta de boas escolas e pela condição da província”. Mas a realidade<br />

não é bem esta.<br />

3 Este texto foi apresentado em mesa redonda no XXI Jornada de Estudos Lingüísticos do Nordeste em 2006.


De fato, por diversas vezes, nos relatórios dos presidentes da província da Paraíba,<br />

deparamo-nos constantemente com reclamações por parte dos presidentes com relação às<br />

escolas, aos professores, às bibliotecas e às parcas verbas destinadas ao ensino público. Mas<br />

isto não quer dizer que a Província da Paraíba não tinha vida cultural e intelectual. Segundo<br />

pesquisas que realizamos nos Relatórios das demais províncias do Brasil, verificamos que<br />

os mesmos problemas aconteciam em outras províncias, como Bahia, Espírito Santo, Mato<br />

Grosso e Minas Gerais, por exemplo: não havia dinheiro, nem bibliotecas, nem professores<br />

preparados nas escolas. Esta situação não permaneceu durante todo o século XIX. Assim<br />

como na Paraíba a educação se desenvolveu consideravelmente durante o passar dos anos,<br />

ainda que aos poucos, nas demais províncias do Brasil, o mesmo ocorreu. Percebemos que<br />

todas as províncias tiveram suas dificuldades, e assim como o estado paraibano, elas<br />

encontraram meios de solucioná-los.<br />

Pudemos perceber também que, assim como na Paraíba, havia uma dificuldade<br />

muito grande das demais províncias de uniformizar o ensino nas escolas. Muitos<br />

compêndios diferentes eram utilizados por diversas cidades dentro de um mesmo estado.<br />

Era muito comum haver reclamações de presidentes em referência à escassez dos Cofres<br />

Públicos que dificultava o desenvolvimento das escolas, e a compra de novos compêndios<br />

para as crianças. Excetuando as Províncias mais desenvolvidas (Rio de janeiro, São Paulo,<br />

Ceará, Amazonas, e Maranhão, por exemplo), as demais possuíam a mesma dificuldade que<br />

a Paraíba: ter boas escolas, com bons professores, bons alunos e com uma Biblioteca<br />

Pública organizada.<br />

Barbosa (2007) ainda nos afirma que a distância entre as práticas de leitura da Corte<br />

e das Províncias, inclusive a Paraíba, não eram limitadas. Segundo ela, a pesquisa em<br />

jornais e periódicos revela que a circulação da cultura letrada se dava de forma muito mais<br />

intensa do que se imaginava, desmentindo a idéia de que as Províncias viviam<br />

“culturalmente isoladas” do restante do país e o mundo, mantendo, no máximo, contato<br />

com a Corte, ou a capital da República:<br />

Ao contrário, os jornais e periódicos revelam que havia um movimento intenso<br />

entre as províncias, o que incluía a troca de jornais, o recebimento de livros, a<br />

crítica literária, tudo isso apresentado em notas que, por si só, já constituem fonte<br />

de documentos e de pesquisas para uma história da leitura no Brasil que não se<br />

limite às fontes bibliográficas tradicionais. (BARBOSA, 2007, p.83-84)


Durante o decorrer do século XIX, na Paraíba, aconteceram muitas adoções de<br />

traduções e de livros franceses, propriamente ditos, nas escolas. Podemos citar alguns<br />

encontrados na segunda parte do arquivo referente às Leis e Regulamentos relativos a<br />

Instituições Educacionais da Paraíba. Nas Disposições Gerais da Resolução 26, que se<br />

refere à Lei provincial nº 7 de 4 de Junho de 1846, o presidente Frederico Carneiro de<br />

Campos emite uma relação de compêndios pelos quais os professores deveriam se orientar<br />

na ministração das matérias. Entre eles estavam: Gramática Francesa, por Emílio Seven,<br />

Aventuras de Telémaco, e Teatro, de Voltaire; Aritmética, de Bezout, Álgebra por Lacroix,<br />

Geometria e Trigonometria, por Legandre. Em 1953, encontramos uma relação de livros<br />

pertencentes à Biblioteca do Liceu Paraibano 4 que, entre suas obras, havia Fábulas de La<br />

Fontaine, Dicionários, Gramáticas e Glossários da Língua Francesa, entre outros livros de<br />

Filosofia, Geografia e <strong>História</strong> de escritores franceses.<br />

A partir, então, destas relações, escolhemos alguns livros que tiveram grande<br />

importância ou grande destaque pelos presidentes, na educação infantil das crianças<br />

paraibanas do século XIX.<br />

3.1. Catecismo Histórico, de Claude Fleury<br />

Circe Bittencourt (1993) expõe os diferentes tipos de materiais tradicionais da<br />

escola no século XIX. Entre eles, os catecismos, freqüentemente adotados nas escolas para<br />

utilização dos alunos, podiam ser tanto religiosos quanto relacionados à agricultura, à<br />

língua portuguesa, ou o que quer que fosse. Seu sistema de perguntas e respostas era muito<br />

bem quisto pelos professores, pois este sistema facilitaria a absorção do conteúdo pelo<br />

aluno.<br />

No ano de 1848, um compêndio é bastante destacado pelo seu atual presidente da<br />

província da Paraíba por ser um livro considerado de grande merecimento e apropriado à<br />

capacidade dos meninos: o Catecismo Histórico, de Claude Fleury, padre e escritor francês.<br />

Segundo pesquisas realizadas, foi no ano de 1683, em Paris, a primeira publicação deste<br />

tipo de compêndio. O Catecismo Histórico “toma consciência das necessidades de voltar<br />

4 A relação completa dos livros está disponível no site: www.cchla.ufpb.br/leituranapb.


ao método histórico na apresentação da doutrina” 5 . Claude Fleury foi o primeiro a se<br />

preocupar com a leitura do catecismo para letrados. Para tentar minimizar esse problema,<br />

ele resolveu acrescentar figuras ao Catecismo Histórico “a fim de que possa servir ao<br />

mesmo tempo de catecismo e de figura da história sagrada” 6 . E em uma última pesquisa,<br />

feita nos Extratos sobre o Ensino nos Relatórios dos Presidentes da Província de São Paulo 7<br />

no período imperial, o Catecismo Histórico foi “impresso por ordem da Assembléia”, a fim<br />

de ser distribuído nas escolas primárias da província de São Paulo.<br />

Ao pesquisarmos nos <strong>Livro</strong>s das Coleções das Decisões do Governo do Império<br />

do Brasil, da Assembléia Legislativa, ao final de alguns livros, pudemos encontrar<br />

catálogos de obras que se achavam à venda na Typographia Nacional. Entre livros de física,<br />

química, história e trigonometria, encontramos o Catecismo Histórico, do francês Abbade<br />

Fleury.<br />

Por fim, nas pesquisas que realizamos nos Relatórios das demais províncias do<br />

país, nos deparamos com a adoção deste livro em grandes províncias como Pernambuco,<br />

Maranhão, Amazonas, Alagoas e Rio Grande do Sul, províncias estas, bastante adiantadas<br />

no seu desenvolvimento educacional.<br />

3.2. Palavras de um Crente, Felicité Robert de Lamennais<br />

O compêndio Palavras de um Crente, traduzido do original Paroles d’un Croyant<br />

do padre francês Felicité Robert de Lamennais, foi motivo de dissensões entre os<br />

presidentes. Adotado inicialmente em 1837, pelo presidente Basílio Quaresma Torreão, o<br />

compêndio permaneceu no Liceu Paraibano até o ano de 1839, quando, após muitas<br />

críticas, foi substituído pela Tabela de Doutrinas, sugerida pelo presidente João José de<br />

Moura Magalhaens.<br />

De acordo com nossas pesquisas, Hughes Félicité Robert de Lamennais 8 nasceu<br />

em Saint-Malo, na França, em 19 de junho de 1782. Foi um escritor notável, vindo a ser<br />

5<br />

Disponível em: www.catolicanet.com/?system=dicionario&action=verbetes&id=387. Acesso em: 13 de<br />

Setembro de 2007.<br />

6<br />

Disponível em: contasabertas.uol.com.br/noticias/imagens/estudo_wednesday.pdf. Acesso em: 13 de<br />

setembro de 2007.<br />

7<br />

Disponível em: www.histedbr.fae.unicamp.br/doc1_15.htm. Acesso em: 17 de Setembro de 2007.<br />

8<br />

Disponível em: www.herodote.net/histoire/synthese.php?ID=252. Acesso em: 18 de Abril de 2008.


uma importante figura influente e contestada na história da Igreja Católica francesa por<br />

conceber a idéia de reviver o Catolicismo Romano como uma chave para a reforma moral<br />

da sociedade.<br />

Em 1814, aos 34 anos de idade, Lamennais foi ordenado padre, e no ano seguinte,<br />

alcançou subitamente a fama ao tentar combinar a política liberal com o Catolicismo<br />

Romano, almejando um novo despertar da Igreja e uma melhor formação do clero.<br />

Lamennais era um liberal em suas crenças políticas e advogava a separação do Estado da<br />

Igreja, a liberdade de consciência, educação e imprensa.<br />

Em 1830, juntamente com Henri Dominique Lacordaire, o conde Charles de<br />

Montalembert, e um grupo de escritores do Catolicismo Romano Liberal, Lamennais<br />

fundou o jornal L'Avenir. Neste diário, seus autores defendiam os princípios democráticos e<br />

a separação da Igreja do Estado, o que lhes acarretou problemas com a hierarquia<br />

eclesiástica francesa e com o governo do rei Luís Filipe de França. A hostilidade ao poder e<br />

à hierarquia católica levam o L'Avenir a ser condenado pelos censuradores e denunciado ao<br />

papa.<br />

Em 15 de Agosto de 1832, o Papa Gregório XVI desautorizou as opiniões de<br />

Lamennais na Encíclica "Mirari vos", numa censura implícita, denunciando as “opiniões<br />

funestas” difundidas pelos liberais e condenando também a liberdade de imprensa.<br />

Renunciando ao exercício de suas funções de padre, e para se justificar,<br />

Lamennais publicou alguns meses mais tarde Palavras de um crente (Paroles d'un<br />

croyant), em 1834. A defesa de sua posição política tornou-se um sucesso imediato. Mas,<br />

novamente, sua visão foi condenada. Desta vez, de maneira explícita na Encíclica<br />

"Singulari nos", em Julho de 1834, onde foram citados tanto o autor quanto a obra.<br />

O Palavras de um Crente foi considerado como um livro proibido pela Igreja<br />

Católica. Em todo o Brasil, segundo nossas pesquisas, o livro de Lamennais não foi<br />

adotado senão na Paraíba. O único registro encontrado deste livro foi a sua presença na<br />

Biblioteca do Liceu do Ceará, em 1868; mas não há registro de adoção deste compêndio em<br />

mais nenhuma escola de todo o Império. O que nos desperta o interesse neste livro é a razão<br />

de sua adoção. <strong>Livro</strong> aparentemente religioso, Palavras de um Crente, na verdade, é um<br />

Disponível em: pt.wikipedia.org/wiki/F%C3%A9licit%C3%A9_Robert_de_Lamennais. Acesso em: 28<br />

de Maio de 2008.


livro de caráter revolucionário, escrito dentro do contexto da Revolução Francesa. O autor,<br />

que era padre ao escrever a obra, utiliza-se de versículos bíblicos para sustentar suas<br />

opiniões contra os governantes detentores do poder da sociedade, incluindo até mesmo, a<br />

própria Igreja Católica.<br />

Após dois anos de adoção nas escolas paraibanas, o livro foi substituído em 1839,<br />

pela Tabela de Doutrinas:<br />

Com razão aparece alguma repugnância em aceitar-se para compêndio das escolas<br />

o opúsculo intitulado – Palavras de um Crente. Nem pelo seu estilo, nem pelas suas<br />

doutrinas ele pode convir às capacidades dos alunos. Devendo os meninos ser<br />

instruídos nos seus deveres, e nos primeiros elementos da Moral, e da Religião,<br />

muito importa que a sua pequena compreensão, seja fortificada pelo socorro de<br />

modelos bem escolhidos, tanto por um estilo fácil, tanto por uma composição clara,<br />

e correta, que, contendo em si idéias precisas e exatas, sirvam de despertar a<br />

atividade, e sagacidade do espírito. Julgo conveniente que para as escolas desta<br />

Província se adote a Tabela de Doutrinas, que, por aviso da Secretaria de Estado<br />

dos Negócios do Império de 16 de Agosto de 1833, foi mandada observar pelos<br />

professores das Escolas de Primeiras Letras da Capital do Império, e província do<br />

Rio de Janeiro”. (PARAÍBA, 1839)<br />

3.3. <strong>História</strong> de Simão de Nantua, de Mr. De Jussieu<br />

No ano de 1848, dois compêndios são bastante destacados pelo atual presidente<br />

como sendo livros considerados de grande merecimento e apropriados à capacidade dos<br />

meninos. O segundo livro, <strong>História</strong> de Simão de Nantua, também chamado “O Mercador<br />

de Feiras”, de Mr. De Jussieu, foi primeiramente pedido pelo Presidente da Província em<br />

1848, sendo pedido novamente numa remessa de mais 60 livros em 1850. Este foi o<br />

compêndio “a quem a sociedade de Instrução Elementar conferiu o prêmio destinado para<br />

o livro mais conveniente à instrução moral e civil dos moradores da cidade e do campo.<br />

Trasladado da língua francesa por Philippe Pereira de Araújo e Castro” 9 . Neste mesmo<br />

ano de 1848, o presidente manda comprar “alguns” livros do Tesouro de Meninas, ou<br />

diálogo entre uma sábia aia e suas discípulas da primeira distinção, de Jeanne Marie<br />

Leprice de Beaumont, e traduzido por Joaquim Ignácio de Frias, para ser distribuído<br />

9 Disponível em: www.caminhosdoromance.iel.unicamp.br/biblioteca/0047/index.htm. Acesso em: 10 de<br />

outubro de 2007.


também ao discípulos. No ano de 1850, o presidente José Vicente de Amorim Bezerra,<br />

manda comprar mais 60 exemplares do mesmo compêndio para fazer distribuição nas<br />

escolas.<br />

Simão de Nantua, ou o Mercador de Feiras, de Mr. De Jussieu, é um livro que<br />

conta a história de uma viagem feita a cavalo pelo personagem Simão, originário da cidade<br />

Nantua. No decorrer da sua viagem, Simão tem o dever de ensinar todos aqueles que ele<br />

encontra pelas províncias francesas, enquanto vende suas mercadorias na feiras, e<br />

hospedando-se em casas de pessoas conhecidas ou não, ou até mesmo em estalagens. Com<br />

ele, vai o seu amigo de viagem, que não possui um nome na narrativa, se apresentando<br />

como narrador-testemunha, narrando todo o decorrer da sua viagem com Simão (SENA,<br />

2008).<br />

Este é um bom exemplo para se dar de uma obra sobre civilidade, muito comum nas<br />

escolas do século XIX. De acordo com a análise de Sena (2008), Simão de Nantua<br />

versa sobre princípios que vão desde a religião cristã, a moral e a prudência,<br />

orientando a conduta de todos – homens, mulheres, jovens ou crianças –, o que<br />

evidencia que Simão de Nantua não possui um domínio sobre algo específico,<br />

divagando sobre diversas áreas do conhecimento. (SENA, 2008)<br />

3.4. Tesouro de Meninas, de Jeanne Marie Leprice de Beaumont<br />

Tesouro de Meninas aparece nos registros dos presidentes da Paraíba somente uma<br />

vez, no ano de 1850, quando o presidente José Vicente de Amorim Bezerra, manda<br />

comprar mais alguns exemplares deste compêndio.<br />

Não há muitos registros sobre este livro, tampouco análises sobre ele no Brasil. A<br />

mais recente e completa foi feita por Fabiana Sena (2008), professora doutora da<br />

Universidade Federal da Paraíba, que, em sua análise desta obra, nos declara que:<br />

Magasin des enfants ou Dialogues entre une sage gouvernante et ses élèves, da<br />

autoria de Pauline de Montmorin, conhecida como Madame Leprince Beaumont,<br />

foi publicada em 1757, cuja versão portuguesa recebeu o título Tesouro de Meninas<br />

em 1774 pelo padre português Joaquim Ignácio de Frias. (SENA, 2008)


De acordo com SENA (2008), esta obra pertence a uma tradição de livros de leitura<br />

feitos para ensinar regras de conduta para os moços, daí, portanto, o seu caráter pedagógico.<br />

Logo nas primeiras páginas do compêndio, Joaquim Ignácio de Frias escreve um texto<br />

destinado à Madame Leprince Beaumont, para justificar a tradução feita por ele na língua<br />

portuguesa, destinada, inclusive à mocidade portuguesa. Segundo Joaquim Ignácio de Frias,<br />

o objetivo desta tradução seria educar as crianças desde cedo, para que recebam a nobre<br />

educação que deve acompanhá-las por toda a sua vida, e ainda, torná-las dóceis, obedientes<br />

e virtuosas.<br />

3.5. Tratado de Pedagogia, de Mr. Daligault<br />

Pouco se sabe sobre esta obra. Mas sua importância foi bastante significativa, já que<br />

este livro foi comprado para sanar as dificuldades da falta de preparo dos professores. Seu<br />

registro nos relatórios dos presidentes da Paraíba acontece somente em 1866, quando o<br />

presidente da província manda comprar 50 exemplares da obra Tratado de Pedagogia, de<br />

Mr. Daligault, diretor de uma das mais consideradas escolas Normais da França, e traduzida<br />

(em língua vulgar) pelo Dr. Joaquim Pires Machado Portella, para serem revendidos a<br />

preço de custo aos professores que vinham apresentando muitas dificuldades no magistério,<br />

provavelmente devido a sua falta de vocação para a profissão; compêndio “cujo mérito é<br />

servir de guia àqueles que bem compreendem as várias obrigações que sobrecarregam o<br />

lugar do mestre”. (PARAÍBA, 1866)<br />

4. Conclusões<br />

Através dos Relatórios dos Presidentes da Província da Paraíba e dos demais<br />

arquivos e materiais pesquisados, constatamos que cada presidente tem uma característica<br />

própria de administração. Uns se apresentam mais flexíveis e cuidadosos, sempre<br />

preocupados em adotar os melhores compêndios em vista do melhor aproveitamento dos<br />

alunos, pois ao presidente é que cabia o papel de escolher os materiais de leitura mais<br />

apropriados para serem adotados nas escolas. Outros presidentes se mostram menos<br />

pacientes adotando medidas mais radicais, e deixando sob a responsabilidade dos


professores a responsabilidade de adotar o melhor método de educação, como também os<br />

melhores compêndios para os seus alunos.<br />

Concluímos que grande foi a importância da produção de livros francesa na<br />

educação paraibana, como também foi em todo o Brasil. Percebemos que a Paraíba não se<br />

encontrava em estado de isolamento cultural e intelectual como muito se acreditava, no<br />

século XIX (BARBOSA, 2007). Sempre preocupados com a melhor forma de ensino, e<br />

com os melhores compêndios a serem dados pelos alunos, a quase totalidade dos<br />

presidentes da província paraibana procurava acompanhar as novidades que surgiam na<br />

Corte e no mundo:<br />

Há elementos de instrução indispensáveis que devem estar ao alcance de todos. (...)<br />

Aprenda o discípulo por um método expedito e claro a ler, escrever e contar; saiba a<br />

gramática de sua língua; escolham-se para a sua leitura livros simples e bem<br />

apropriados (...): é muito provável que por estes meios o professor consiga levar<br />

suavemente o aluno até ao fim de seus estudos com proveito deste, e com a mais<br />

nobre e legítima satisfação para si. (PARAÍBA, 1869)<br />

Os compêndios franceses, muito importantes no ensino da leitura, sempre eram<br />

utilizados como forma de ensino dos bons costumes e da boa educação, como vimos em<br />

Simão de Nantua, de Mr. De Jussieu, e Tesouro de Meninas, de Jeanne Marie Leprice de<br />

Beaumont. Até o final do século XIX, grande foi a influência da literatura francesa no<br />

Brasil; esta esteve sempre presente nas escolas paraibanas, seja em livros de leitura, seja em<br />

livros de outras disciplinas, como Geografia, <strong>História</strong>, Filosofia, Algébra, entre outras,<br />

como vimos anteriormente.<br />

Pudemos observar também, através de um caso não comum no Brasil de se adotar<br />

um compêndio que defendia idéias revolucionárias, como Palavras de um Crente, de<br />

Felicité Robert de Lamennais. Isso demonstra o quanto os acontecimentos da sociedade<br />

francesa influenciavam a sociedade brasileira, ao ponto de se adotar para o ensino infantil,<br />

um livro que foi tão popular quando da sua publicação, em 1834, na França, mesmo<br />

possuindo uma linguagem tão complicada ao nível das crianças.<br />

E por fim, vemos a importância da literatura francesa, ainda que não somente para<br />

instruir as crianças, mas também os professores, como demonstra a adoção do compêndio<br />

Tratado de Pedagogia, de Mr. Daligault, obra esta tão importante nas escolas da França, e<br />

utilizada também na Paraíba.


5. Referências:<br />

BARBOSA, Socorro de Fátima P. Jornal e Literatura: a imprensa brasileira no século<br />

XIX. Porto Alegre: Nova Prova, 2007.<br />

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. <strong>Livro</strong> Didático e Conhecimento Histórico: Uma<br />

história do saber escolar. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo, 1993.<br />

HALLEWELL, Lawrence. O <strong>Livro</strong> no Brasil. Trad. M. da Penha Villalobos e Lólio L.<br />

Oliveira. São Paulo: T.A. Queiroz, 1985.<br />

LAJOLO, Marisa & ZILBERMAN, Regina. A Formação da Leitura no Brasil. 3.ed. São<br />

Paulo: Ática, 1996, p. 120-233<br />

PINTO, Irineu Ferreira. Datas e Notas para a <strong>História</strong> da Paraíba. João Pessoa: Editora<br />

Universitária/UFPB, 1977. v. 2<br />

SENA, Fabiana. A tradição da civilidade nos livros de leituras no Império e na Primeira<br />

República. Tese de Doutorado. Universidade Federal da Paraíba, 2008.

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