II Seminário Brasileiro Livro e História Editorial
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Avançando pelo século XX, chega-se na época em que através da escrita de<br />
autobiografias, as mulheres se tornaram “autoras da narrativa da própria vida”,<br />
conseqüência do acesso à leitura e à escrita, e da conquista de novos espaços, que antes não<br />
as pertenciam, alcançando liberdades e conhecendo a si mesmas. Transformando a fonte<br />
documental em objeto de análise, as autobiografias são resultado do exercício da escrita que<br />
acompanhou a trajetória dessas mulheres, como os diários, as cartas, os cadernos etc, que<br />
alimentaram a composição posterior, da história de suas vidas. Contudo, da escrita à<br />
publicação há um enorme caminho. Durante esse tempo, mecanismos alteram o texto,<br />
inicialmente destinado ao público familiar, alterações essas realizadas por parentes ou<br />
editores responsáveis pela publicação, ou seja, um trabalho de edição se realiza. Segundo<br />
Roger Chartier,<br />
“o estatuto, o significado e a forma dos textos são sempre móveis e instáveis. A<br />
trajetória das narrativas de vida o demonstra claramente, uma vez que conduz o<br />
“mesmo” texto do manuscrito autógrafo ao livro impresso, da reflexão sobre si ao<br />
olhar público, do gesto íntimo e solitário da escrita às decisões, preferências e<br />
censuras dos diferentes autores implicados no processo de publicação. [...] os<br />
autores não escrevem os livros, mas que estes sempre supõem escolhas,<br />
competências e gestos que não são os da escrita, e sim os das empresas editorial e<br />
gráfica” 19 .<br />
As mulheres, ainda que tenham conseguido, através da conquista da leitura e da<br />
escrita, superar diversas dificuldades impostas pela sociedade conservadora, pode-se notar<br />
que na escrita autobiográfica há uma tendência a assumirem os comportamentos que<br />
consideravam aceitáveis para as mulheres. Escrita muitas vezes numa idade mais avançada,<br />
as autobiografias funcionam como um resgate da história familiar, do afastar do<br />
esquecimento, da preservação da memória, que segundo Jacques Le Goff, é particularmente<br />
instável e maleável. E aqui, as lembranças e ausências se fazem presentes, as recordações<br />
são possibilitadas pelo que a memória consegue trazer à tona, e as ausências são resultantes<br />
do que realmente não se consegue lembrar, ou levando em consideração aquilo que não<br />
pode ser transmitido e deve ser censurado, ou seja, as censuras da memória e as censuras da<br />
escrita. Fatos são restaurados, suprimidos, esquecidos... Consciente ou inconscientemente,<br />
19 LACERDA, Lílian de. Álbum de Leitura: memórias de vida, histórias de leitoras. São Paulo: Ed. UNESP,<br />
2003. p. 19. Prefácio de Roger Chartier.<br />
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