senar instituto - Canal do Produtor
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UM UNIVERSO DOMÉSTICO<br />
Maria Sabino<br />
Veio de Manhuaçu, Minas Gerais<br />
Mora na Mangueira, Rio de Janeiro<br />
Eu já plantei café de meia<br />
Eu já plantei canaviá<br />
Café de meia não dá lucro<br />
Canaviá cachaça dá<br />
Mãe Severina, Jongo <strong>do</strong> Quilombo São José<br />
Dona Maria Sabino ainda faz broa de milho. A receita é caprichada e a vizinhança na Mangueira é fã. O que difere a broa de agora da que<br />
fazia, ainda pequena, lá no interior de Minas, no sítio em Manhuaçú, é a maneira de assar – o fogão a gás na favela <strong>do</strong> Rio substituiu o fogão<br />
de lenha, com as brasas no fun<strong>do</strong> e na tampa da panela, improvisan<strong>do</strong> um forninho. A menina Maria embrulhava a broa, pegava a chaleira<br />
com café e levava a merenda para os pais e os irmãos mais velhos que já estavam na roça desde a madrugada.<br />
São poucas coisas que Dona Maria mantém guardadas no coração como memória <strong>do</strong> tempo em que viveu na roça, em Manhuaçu, Zona da<br />
Mata mineira. As primeiras lembranças que surgem são <strong>do</strong> fogão a lenha, <strong>do</strong> candeeiro, da lamparina, coisas que marcaram sua infância e<br />
mocidade. Na roça, a família plantava feijão, mandioca, milho. Maria teve pouca experiência direta com o trabalho na terra porque a partir<br />
<strong>do</strong>s sete anos ficou responsável por tomar conta <strong>do</strong>s irmãos menores e cozinhar para a família. Uma família com pai, mãe e 22 filhos. Mas<br />
Maria não se importava, porque qualquer serviço era melhor <strong>do</strong> que o roça<strong>do</strong> na madrugada.<br />
Dona Maria conta que o que a família plantava, colhia de ano em ano, tinha que guardar o “de comer” até a próxima colheita, e se o estoque<br />
acabasse no meio <strong>do</strong> ano, passava necessidade: “O que colhia não dava até o fim <strong>do</strong> ano de jeito nenhum. Passei muita fome na vida, mas<br />
muita fome mesmo.” O pai era meeiro na plantação de café de uma fazenda e <strong>do</strong> que colhia, metade era devi<strong>do</strong> ao <strong>do</strong>no da terra. A outra<br />
metade ele vendia.<br />
A figura da mãe da família é uma presença forte nas lembranças de Maria, talvez porque, mais <strong>do</strong> que nunca, com a vida que tem na cidade,<br />
sua indignação com a condição das mulheres na área rural aumente, e a lembrança da mãe sacrificada ganhe peso maior. Maria, hoje,<br />
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