senar instituto - Canal do Produtor
senar instituto - Canal do Produtor
senar instituto - Canal do Produtor
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
clima, pela pobreza e pela falta completa de acesso a políticas públicas ou serviços que possam garantir-lhe pelo menos a sobrevivência, a se<br />
decidir migrar, mesmo sem recursos, objetivos ou subjetivos, para enfrentar a “cidade grande”:<br />
“Na cidadezinha, fazem a feira, assistem à missa, participam das festas, vendem o que resta de sua produção. E, também, a cidade um pouco<br />
maior, aonde vão de vez em quan<strong>do</strong>. E observa: o ônibus, o trem, o caminhão, o jeep, o automóvel; o rádio <strong>do</strong> bar, que toca música, dá<br />
notícias, irradia futebol; o consultório <strong>do</strong> médico, a farmácia, o posto de saúde, tão longes; as ruas iluminadas; o cinema; o mo<strong>do</strong> de vestir<br />
das pessoas; a variedade de alimentos no armazém; a escola. Depois, já nos anos 60 e 70, a televisão toma, no bar, muitas vezes o lugar <strong>do</strong><br />
rádio. Até nas pequenas cidades ou vilarejos lá está ela, no alto, colocada no ponto de encontro ou na praça: to<strong>do</strong>s estão ven<strong>do</strong> a novela das<br />
oito. Como na música notável de Chico Buarque, vêem o Brasil na TV. Observam tu<strong>do</strong> e conversam. E recebem cartas de parentes,<br />
compadres e vizinhos m morar na cidade – cartas escritas e lidas pelo favor de quem é alfabetiza<strong>do</strong>. E as cartas também falam de outra vida,<br />
melhor, muito melhor. A cidade não pode deixar de atraí-los.”<br />
Ninguém sabe dizer como a decisão foi tomada. To<strong>do</strong>s mencionam um parente, que estava no Rio ou em São Paulo, e que funcionou como a<br />
ponte para a travessia, como o ponto de apoio para se lançar “no meio <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>”. Mas como foi exatamente que o primeiro <strong>do</strong>s retirantes<br />
decidiu cair na estrada, como pioneiro, ninguém sabe dizer. “Ouvia falar de uma vida melhor, né? Dizia que tinha trabalho aqui.” E tinha<br />
mesmo. O irmão de Seu Francisco, João, achou trabalho e foi ele que acolheu os outros irmãos que engrossavam o fluxo da migração. Seu<br />
João se ajeitou logo e mandava dinheiro para a família que ficou no Ceará. A história de vida, narrada por Francisco, mostra que João acertou<br />
na escolha – logo que chegou arranjou trabalho na construção de um prédio em Copacabana. E dali nunca mais saiu - foi zela<strong>do</strong>r <strong>do</strong> mesmo<br />
prédio e lá se aposentou como porteiro. Com o trabalho de João e o dinheiro que mandava, a vida da família melhorou lá em Hidrolândia. Seu<br />
Francisco contava o tempo, esperan<strong>do</strong> a hora em que ele mesmo pudesse refazer o caminho aberto pelo irmão e partir também para o Rio de<br />
Janeiro.<br />
Manancial com pouca água<br />
Hidrolândia, no Ceará, semi-ári<strong>do</strong> nordestino, nasceu às margens <strong>do</strong> Rio Botoque, que hoje corta a cidade de 19 252 habitantes (IBGE,<br />
2009). O rio Botoque já deu o nome à cidade, que também se chamou Cajazeiras e Cajazeiras <strong>do</strong> Timbó. O nome atual vem de uma<br />
fonte de águas sulfurosas, que atraiu romarias à cidade, em busca de seus efeitos curativos “milagrosos”. O povoa<strong>do</strong> tem origem no<br />
século XVIII, quan<strong>do</strong> em torno da Casa Grande se reuniam agrega<strong>do</strong>s e serviçais <strong>do</strong>mésticos. Em 1882 já é um povoa<strong>do</strong>, e é elevada a<br />
município em 1957. O Índice de Desenvolvimento Humano de Hidrolândia, em 2000, era de 0,638, No ranking <strong>do</strong> IDH municipal <strong>do</strong><br />
Ceará, ocupava a 77ª posição, entre os 184 municípios cearenses. No ranking nacional, estava na 3972ª posição, entre os 5.560<br />
municípios brasileiros. A cidade tem uma rede de serviços de saúde com seis estabelecimentos, que oferecem 25 leitos para<br />
internação. A rede de ensino fundamental dispõe de 46 escolas; o ensino médio tem duas escolas e a rede de pré-escolar tem 41<br />
escolas.<br />
O dinheiro <strong>do</strong> irmão chegava pelo correio, num processo lento entre a emissão da remessa e o recebimento. Era um tempo de dificuldades,<br />
isolamento e fome. “Um telegrama levava quinze, às vezes vinte dias pra chegar lá na roça”, lembra Seu Francisco. E a sua impressão,<br />
olhan<strong>do</strong> para o passa<strong>do</strong> é que “a gente vivia igual índio”.<br />
Pai, mãe e <strong>do</strong>ze filhos dedica<strong>do</strong>s ao roça<strong>do</strong> da família, à mercê <strong>do</strong> tempo bom ou ruim, no silêncio <strong>do</strong> sertão sem eletricidade, parcamente<br />
ilumina<strong>do</strong> à luz <strong>do</strong> candeeiro. A família tirava seu alimento da lavoura e se sobrasse alguma coisa, vendia. “E vivia era só disso mesmo.<br />
Naquele tempo não tinha emprego na roça, não. Plantava arroz, feijão, milho. Criava galinha, porco, cabrito, e tinha uma vaquinha, só pra o<br />
leite. Quan<strong>do</strong> matava um animal, vendia na feira, para comprar uma roupa, uma coisa. Mas isso que sobrava para vender não tinha valor<br />
quase nenhum. Por que isso to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> tinha lá”.<br />
66