16.04.2013 Views

senar instituto - Canal do Produtor

senar instituto - Canal do Produtor

senar instituto - Canal do Produtor

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

“...e trabalho lá é só na<br />

roça, trabalho duro,<br />

arrancan<strong>do</strong> toco!”<br />

empurrou André de volta para São Paulo. Esse era o destino, já que o horizonte em Águas Belas era estreito. Lazer? Jogar futebol.<br />

Transporte? Pé e bicicleta, que a mãe man<strong>do</strong>u de São Paulo para o irmão, vez em quan<strong>do</strong> um baile, um forró na cidade, distante mais de uma<br />

hora. Ele diz que mesmo nos piores momentos, quan<strong>do</strong> a colheita não era boa, “nunca ninguém aju<strong>do</strong>u, nem governo, nem ninguém”.<br />

Trabalho não tinha e, segun<strong>do</strong> ele, a oferta é ruim até hoje. A região onde vivia faz parte <strong>do</strong> Polígono das Secas, e ainda que os perío<strong>do</strong>s de<br />

estiagem sejam menores <strong>do</strong> que no sertão, a falta de chuvas é o pesadelo recorrente: “a gente fazia sempre uma reserva, guardava um<br />

boca<strong>do</strong> para dar para o ano. Mas teve época de passar seis meses sem chover”. Então, depois de meses de trabalho – “e trabalho lá é só na<br />

roça, trabalho duro, arrancan<strong>do</strong> toco!” – a família vê to<strong>do</strong> o investimento ir por terra, literalmente. E aí, o que falta lá? André responde sem<br />

hesitar, outra vez rin<strong>do</strong> da situação: “Lá faz falta tu<strong>do</strong>!”.<br />

Se alguém por mim perguntar<br />

Diga que eu só vou voltar<br />

Quan<strong>do</strong> eu me encontrar<br />

Preciso me Encontrar, Cartola<br />

A vida na roça, na verdade fica reduzida a cada dia, como a tese <strong>do</strong>s Alcoólicos Anônimos ao contrário – hoje, eu consegui comer, hoje a<br />

semente brotou, ao invés de “hoje eu não bebi”. O risco de voltar à estaca zero é permanente. E então, o que é um mo<strong>do</strong> de vida, começa a se<br />

tornar um mo<strong>do</strong> de não-vida, onde tu<strong>do</strong> é interdita<strong>do</strong>, num reino de desesperança. É disso que fala André, quan<strong>do</strong> narra a rotina de<br />

dificuldades. Como outros migrantes, Jackson André não renega a vida na área rural e nem a possibilidade de viver da agricultura. “Se tivesse<br />

condições, eu estava lá até hoje. Na roça <strong>do</strong>s outros não, mas se a terra fosse minha, ten<strong>do</strong> condições, eu tava lá.” Em São Paulo, depois de<br />

um perío<strong>do</strong> procuran<strong>do</strong> trabalho, se adaptan<strong>do</strong> a nova vida, André voltou a estudar e está na primeira série <strong>do</strong> Ensino Médio. Seu grupo de<br />

amigos é forma<strong>do</strong> basicamente de outros jovens migrantes, até mesmo de Águas Belas. A namorada trabalha na Associação de Mora<strong>do</strong>res<br />

de Paraisópolis, e André trabalha de dia como frentista, num posto de gasolina e estuda a noite. Tem casa com luz elétrica, televisão, rádio,<br />

som, e tem talvez um sentimento de pertencimento. Mesmo que na base da pirâmide, ele se sente um homem <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, está no páreo. E,<br />

só para constar, o sorriso de André, hoje, é orna<strong>do</strong> com um aparelho ortodôntico. Não é o pratea<strong>do</strong>, daqueles antigões. É moderno, mais<br />

discreto. Colocou em São Paulo.<br />

57

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!