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No. 23/1979

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Eu nao falo de Portugal pelo que eu vi, mas<br />

pelo que li e vivi. Nao posso vos encantar,<br />

como o fez meu conterraneo, Odylo Costa,<br />

filho, das mesmas terras do Maranhao - a<br />

vos falar da agua cantante da Serra da Es-<br />

trela, do Mercado da Covilha, do Alto de<br />

Mogadouro, das Pedras do Algarves, perto<br />

das falesias onde se debrucara o Sonho do<br />

Infante; Nem das acoteias, nem de ouvir o<br />

Mirandes, da Aldeia Transmontana. Nem<br />

vos transmitir o saber de Jose Antonio de<br />

Freitas, amigo de Eca de Queiroz, amigo do<br />

rei Dom Luis, primeiro maranhense a per-<br />

tencer a Academia das Ciencias de Lisboa,<br />

grande tradutor de Shakespeare, extraordi-<br />

nario revolvedor de papeis historicos. na<br />

Torre do Tombo e a quem devemos, segun-<br />

do Rui Barbosa, a descoberta do documen-<br />

to fundamental que nos permitiu ganhar a<br />

causa das Missoes.<br />

Minha Lisboa tem ainda o tempo dos cafes<br />

Martinho e Montanha, a Perfumaria Gode-<br />

froy, a Taberna Inglesa, o Cassino Lisboen-<br />

se, no Largo da Abegoaria, que eu soube<br />

ter-se transformado em Bordalo Pinheiro;<br />

que nem o tempo nem a vida me deixaram<br />

viver com os olhos, e como sao sonhos, pas-<br />

so a dizer como o mestre Jorge Luis Borges<br />

que s6 o sonho e eterno porque nao se mo-<br />

difica nunca. Portugal sempre foi um so-<br />

nho constante em minha vida. Uma mudan-<br />

ca qualquer em qualquer sonho e outro<br />

sonho. Acompanhei os monges dos Jeroni-<br />

mos que mais recentemente vivi nas paginas<br />

escritas por Candido Dias dos Santos, no<br />

seu livro "Os Monjes de Sao Jeronimo", em<br />

que o Mosteiro deserto e lento, em ver-se<br />

olhado, nos olha indiferente, a nos que<br />

passamos, enquanto definitivos ficam nos<br />

marmores brancos as invisiveis sandalias<br />

de oracao que pastoreiam as noites da eter-<br />

nidade entre as redondilhas e os sonetos de<br />

Camoes, e ecoa para sempre o cantar dos<br />

Luziadas.<br />

Manuel Bandeira, o grande poeta brasileiro,<br />

daqueles que moram no Olimpo, que este<br />

ano completa cem anos do seu nascimento,<br />

num soneto muito difundido no Brasil de-<br />

dicou-lhe estes tercetos admiraveis:<br />

"Enquanto o fero canto ecoar na mente<br />

da estirpe que em perigos sublimados<br />

plantou a cruz em cada continente, nao<br />

morrera sem poetas nem soldados a lingua<br />

em que cantaste rudemente as armas e os<br />

baroes assinalados. "<br />

Gongora dizia que o tempo tem caricias pa-<br />

ra as coisas velhas. E com carinho que me<br />

permito recontar a Academia das Ciencias<br />

de Lisboa o meu caminho academico.<br />

Contei na Academia Brasileira:<br />

- Eu era bem jovem, publicara a "Cancao<br />

Inicial" e, festejado na provincia, elegeram-<br />

me para o que se chamava o "Alto Sodali-<br />

cio". Escrevi ao velho avo, que morava na<br />

roca, lavrando a terra de machado e foice<br />

num lugar que ele mesmo batizara de "Sal-<br />

vacao", dizendo do meu grande feito e da<br />

minha alegria. Com a noticia chegada, sol-<br />

taram-se fogos de festa naquela casa de bar-<br />

ro, e houve sorrisos e orgulhos. A vizinha,<br />

dona Tudinha, sem saber o motivo, pergun-<br />

tou ao velho a razao da folganca:<br />

- Meu neto Jose entrou para a Academia.<br />

E ela, curiosa, perguntou :<br />

- E o que e academia, seu Assuero?<br />

Ele respondeu :<br />

- Eu nao sei. Eu sei que e "coisa grande".<br />

"Coisa grande", aqui se guardam os valores<br />

espirituais.<br />

Academico, no Maranhao, da Academia<br />

Brasileira de Letras, socio da Academia das<br />

Ciencias de Lisboa.<br />

E coisa grande.<br />

Maior de todas.<br />

Agradeco-lhes, a todos e a cada um, a una-<br />

nimidade da escolha, a grandeza do gesto.<br />

Agora peco licenca. Vou sentar-me a espera<br />

da passagem do tempo.<br />

Algum dia, um estudante em tese de mes-<br />

Documento digitalizado pela equipe de Mundorama - Divulgação Científica em Relações Internacionais (http://www.mundorama.net).

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