Baixar material educativo em PDF - Arte na Escola
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Dados Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is de Catalogação <strong>na</strong> Publicação (CIP)<br />
(William Okubo, CRB-8/6331, SP, Brasil)<br />
INSTITUTO ARTE NA ESCOLA<br />
Enigma de um dia / Instituto <strong>Arte</strong> <strong>na</strong> <strong>Escola</strong> ; autoria de Solange Utuari ;<br />
coorde<strong>na</strong>ção de Mirian Celeste Martins e Gisa Picosque. – São Paulo : Instituto<br />
<strong>Arte</strong> <strong>na</strong> <strong>Escola</strong>, 2006.<br />
(DVDteca <strong>Arte</strong> <strong>na</strong> <strong>Escola</strong> – Material <strong>educativo</strong> para professor-propositor ; 42)<br />
Foco: LA-19/2006 Linguagens Artísticas<br />
Contém: 1 DVD ; Glossário ; Bibliografia<br />
ISBN 85-98009-50-4<br />
1. <strong>Arte</strong>s - Estudo e ensino 2. Cin<strong>em</strong>a - Curta-metrag<strong>em</strong> 3. Estética 4. De<br />
Chirico, Giorgio I. Utuari, Solange II. Martins, Mirian Celeste III. Picosque,<br />
Gisa IV. Título V. Série<br />
Créditos<br />
CDD-700.7<br />
MATERIAIS EDUCATIVOS DVDTECA ARTE NA ESCOLA<br />
Organização: Instituto <strong>Arte</strong> <strong>na</strong> <strong>Escola</strong><br />
Coorde<strong>na</strong>ção: Mirian Celeste Martins<br />
Gisa Picosque<br />
Projeto gráfico e direção de arte: Oliva Teles Comunicação<br />
MAPA RIZOMÁTICO<br />
Copyright: Instituto <strong>Arte</strong> <strong>na</strong> <strong>Escola</strong><br />
Concepção: Mirian Celeste Martins<br />
Gisa Picosque<br />
Concepção gráfica: Bia Fioretti<br />
ENIGMA DE UM DIA<br />
Copyright: Instituto <strong>Arte</strong> <strong>na</strong> <strong>Escola</strong><br />
Autor deste <strong>material</strong>: Solange Utuari<br />
Revisão de textos: Soletra Assessoria <strong>em</strong> Língua Portuguesa<br />
Diagramação e arte fi<strong>na</strong>l: Jorge Monge<br />
Autorização de imagens: Ludmilla Picosque Baltazar<br />
Fotolito, impressão e acabamento: Indusplan Express<br />
Tirag<strong>em</strong>: 200 ex<strong>em</strong>plares
DVD<br />
ENIGMA DE UM DIA<br />
Ficha técnica<br />
Gênero: Curta-metrag<strong>em</strong> experimental.<br />
Palavras-chave: Curta-metrag<strong>em</strong>; cin<strong>em</strong>a de poesia; ficção;<br />
pintura metafísica; experiência estética e estésica.<br />
Foco: Linguagens Artísticas.<br />
T<strong>em</strong>a: A partir de uma pintura de De Chirico. A experiência<br />
estética de um vigia de museu ao se transportar ao universo<br />
metafísico do pintor italiano.<br />
Artistas envolvidos: De Chirico (obra), Joel Pizzini Filho (cineasta),<br />
Livio Tragtenberg (músico) e, como ator, Leo<strong>na</strong>rdo Villar.<br />
Indicação: Ensino Médio.<br />
Direção: Joel Pizzini Filho.<br />
Realização/Produção: Pólo Cin<strong>em</strong>atográfica, São Paulo.<br />
Ano de produção: 1996.<br />
Duração: 17’.<br />
Sinopse<br />
O curta-metrag<strong>em</strong> nos arrasta para o interior da pintura Enigma<br />
de um dia, de Giorgio de Chirico, por meio das imagens<br />
oníricas provocadas num vigia de museu ao olhar a pintura. O<br />
perso<strong>na</strong>g<strong>em</strong> “vagueia” por museus e ruas da cidade de São<br />
Paulo. A locação do filme, <strong>na</strong> cidade metropolita<strong>na</strong>, possibilita<br />
apreciar bairros <strong>em</strong> que a arquitetura italia<strong>na</strong> se faz presente,<br />
e também apresenta belíssimas paisagens da Chapada dos<br />
Guimarães, no Mato Grosso.
2<br />
Trama inventiva<br />
Falar s<strong>em</strong> palavras. Falar a si mesmo, ao outro. <strong>Arte</strong>, linguag<strong>em</strong><br />
não-verbal de força estranha que ousa, se aventura a tocar assuntos<br />
que pod<strong>em</strong> ser muitos, vários, infinitos, dos mundos das<br />
coisas e das gentes. São invenções do persistente ato criador<br />
que elabora e experimenta códigos imantados <strong>na</strong> articulação de<br />
significados. Sua riqueza: ultrapassar limites processuais, técnicos,<br />
formais, t<strong>em</strong>áticos e poéticos. Sua ressonância: provocar,<br />
incomodar, abrir fissuras <strong>na</strong> percepção, arranhar a sensibilidade.<br />
A obra, o artista, a época geram linguagens ou cruzamentos e<br />
hibridismo entre elas. Na cartografia, este curta-metrag<strong>em</strong> é<br />
impulsio<strong>na</strong>do para o território das Linguagens Artísticas como<br />
possibilidade de desvendar como elas se produz<strong>em</strong>.<br />
O passeio da câmera<br />
Num dia de exposição <strong>em</strong> um museu, pessoas transitam, passam<br />
e olham as obras. A câmera nos mostra a reação dos espectadores<br />
diante de um quadro que não v<strong>em</strong>os. Desperta nossa<br />
curiosidade: para qual quadro olham? Alguns olham distraidamente,<br />
outros teorizam. Um vigia (<strong>na</strong> pele de Leo<strong>na</strong>rdo Villar)<br />
passa pela frente do quadro. Pára, olha, se espanta, sorri e é,<br />
literalmente, captado por ele.<br />
O que v<strong>em</strong>os, <strong>em</strong> seguida, é uma sucessão de planos <strong>em</strong> que<br />
aparec<strong>em</strong> as torres, as portas <strong>em</strong> forma de arco, os imensos<br />
espaços vazios, estranhas frutas colocadas <strong>em</strong> primeiro plano,<br />
cavalos, descampados, estátuas e texturas. No universo de De<br />
Chirico, o vigia, como um caminhante, vagueia num passeio<br />
onírico, atravessando espaços silenciosos, entre luz e sombra.<br />
A imag<strong>em</strong> do tr<strong>em</strong> estático, numa estação s<strong>em</strong> nome, parece<br />
perdida <strong>em</strong> fragmentos da m<strong>em</strong>ória do perso<strong>na</strong>g<strong>em</strong>. O t<strong>em</strong>po<br />
se inverte, subverte. Torres gigantescas, rampas infinitas. Paisagens<br />
urba<strong>na</strong>s no inconsciente, ao pé de chaminés. Sons acompanham<br />
esta caminhada, ruídos da cidade e do tr<strong>em</strong>, músicos<br />
dão o ritmo da viag<strong>em</strong>.
<strong>material</strong> <strong>educativo</strong> para o professor-propositor<br />
ENIGMA DE UM DIA<br />
A trilha sonora, de Livio Tragtenberg, repete uma mesma música,<br />
Now’s the time, de Charlie Parker, de formas alter<strong>na</strong>das:<br />
no saxofone, no assovio, no piano, mais lento, às vezes mais<br />
rápido, como se testasse as diferenciações de uma melodia<br />
explorando o procedimento jazzístico.<br />
A ce<strong>na</strong> visual fi<strong>na</strong>l satisfaz nossa curiosidade. O vigia está mergulhado<br />
no interior do quadro Enigma de um dia, de De Chirico.<br />
Muitas são as possíveis entradas para este curta-metrag<strong>em</strong>, com<br />
proposições para: Saberes Estéticos e Culturais: a estética do<br />
cin<strong>em</strong>a e seus criadores, a pintura metafísica de De Chirico;<br />
Materialidade: as características materiais da imag<strong>em</strong> fílmica;<br />
Forma-Conteúdo: os el<strong>em</strong>entos da visualidade presentes <strong>na</strong><br />
imag<strong>em</strong> <strong>em</strong> movimento; Patrimônio Cultural: os cineclubes e<br />
cin<strong>em</strong>atecas; Mediação Cultural: o espaço do museu e a experiência<br />
estética e estésica. Neste estudo, o foco é o modo de fazer<br />
o curta-metrag<strong>em</strong>, <strong>na</strong>s Linguagens Artísticas.<br />
Sobre Joel Pizzini e Giorgio De Chirico<br />
(Rio de Janeiro/RJ, 1960) (Volos/Grécia,1888 – Roma/Itália,1978)<br />
Às vezes, eu me perguntava: Por que é que estou fazendo um<br />
filme sobre um assunto tão distante da realidade brasileira, sobre<br />
um pintor italiano metafísico? Fiquei mais tranqüilo quando,<br />
durante a pesquisa, descobri as fortes relações de De Chirico com<br />
a cultura brasileira.<br />
Joel Pizzini 1<br />
Nasce no Rio de Janeiro, mas aos 2 meses de idade vai residir<br />
<strong>em</strong> Dourados, Mato Grosso do Sul. Joel Pizzini t<strong>em</strong> seu primeiro<br />
contato com o cin<strong>em</strong>a logo nos primeiros anos de vida, quando<br />
acompanha sua mãe que não t<strong>em</strong> com qu<strong>em</strong> deixá-lo. Ainda s<strong>em</strong><br />
idade para ver filmes de aventura e bang-bang, pede a seu pai<br />
para que conte detalhadamente cada passag<strong>em</strong>, o que aguça<br />
sua imagi<strong>na</strong>ção e desperta o desejo pelo cin<strong>em</strong>a. Sua decisão<br />
de fazer cin<strong>em</strong>a surge quando vê Limite 2 , único filme do<br />
poeta Mario Peixoto, <strong>em</strong> cópia restaurada <strong>na</strong> Cin<strong>em</strong>ateca<br />
de Curitiba. O cineasta <strong>na</strong>sce desse encontro cin<strong>em</strong>atográ-<br />
3
4<br />
fico. Pizzini se dá conta de que é possível construir um filme<br />
essencialmente poético com a linguag<strong>em</strong> cin<strong>em</strong>atográfica.<br />
De volta a Campo Grande, após um período de estudos <strong>em</strong> Curitiba,<br />
participa do Cine Clube e trabalha <strong>na</strong> Fundação de Cultura do Estado,<br />
desenvolvendo projetos <strong>na</strong> área e fazendo suas primeiras<br />
experiências <strong>em</strong> vídeo. Sua primeira atuação profissio<strong>na</strong>l é como<br />
assistente de direção no filme Guerra do Brasil, de Silvio Back.<br />
Enigma de um dia, lançado <strong>em</strong> 1996, conquista o prêmio de<br />
melhor filme no 24 o Festival de Figueira da Foz/Portugal e no<br />
24 o Festival de Gramado/Brasil. Joel Pizzini atribui os prêmios<br />
ao esmero com que o filme foi realizado. Embora seja um curta-metrag<strong>em</strong>,<br />
foi dedicado a ele um t<strong>em</strong>po de elaboração bastante<br />
fora da média.<br />
Sobre as fortes relações de De Chirico com a cultura brasileira,<br />
Pizzini descobre, por ex<strong>em</strong>plo, que o pintor gaúcho Iberê Camargo<br />
foi aluno de De Chirico. Além disso, o artista italiano pintara<br />
retratos de Clarice Lispector e Li<strong>na</strong> Bo Bardi. Segundo o cineasta,<br />
a própria orig<strong>em</strong> do Museu de <strong>Arte</strong> Cont<strong>em</strong>porânea da USP/<br />
SP t<strong>em</strong> a ver com o De Chirico. O MAC é criado graças à doação<br />
que Francisco Matarazzo fez à USP de cinco quadros do De<br />
Chirico, entre eles o Enigma de um dia, que Oswald de Andrade<br />
e Tarsila do Amaral trouxeram de Paris nos anos 20 do século 20.<br />
Outra descoberta preciosa de Pizzini é um CD de Alberto Savinio<br />
(irmão de De Chirico), utilizado <strong>na</strong> trilha. Só existe um CD de<br />
Savinio, que é considerado também um compositor metafísico,<br />
uma espécie de Erick Satie italiano. Quando o filme passa <strong>em</strong><br />
1997, <strong>em</strong> Veneza, as pessoas se surpreend<strong>em</strong>, porque Savinio<br />
estava sendo recuperado <strong>na</strong>quela época <strong>na</strong> Itália.<br />
Pizzini possui um estilo próprio: o cin<strong>em</strong>a de poesia, buscando<br />
seu indicativo <strong>em</strong> Pier Paolo Pasolini que, <strong>na</strong> década de 60, considera<br />
o cin<strong>em</strong>a como um ma<strong>na</strong>ncial de potencialidades poéticas<br />
por causa da afinidade com o universo dos sonhos.<br />
Joel Pizzini é um cineasta-poeta, com trabalhos destacados<br />
como: O pintor, filme-documentário que explora o processo de<br />
criação do pintor Iberê Camargo; Caramujo-flor (disponível <strong>na</strong>
<strong>material</strong> <strong>educativo</strong> para o professor-propositor<br />
ENIGMA DE UM DIA<br />
DVDteca <strong>Arte</strong> <strong>na</strong> <strong>Escola</strong>), dedicado ao poeta Manoel de Barros;<br />
além do filme-instalação As quatro gares, inspirado no po<strong>em</strong>a<br />
homônimo de Oswald de Andrade, mostrado <strong>em</strong> 1997 no<br />
Projeto <strong>Arte</strong>/Cidade 3 3 , <strong>em</strong> São Paulo.<br />
A partir da afirmação de sua poética, Pizzini aprofunda suas<br />
pesquisas de linguag<strong>em</strong> transitando entre vários suportes<br />
audiovisuais desde vídeo-instalações até performances e<br />
experiências com a dança cont<strong>em</strong>porânea.<br />
De Chirico é fundador da pintura metafísica. Suas obras representam<br />
o que ele chama de “nostalgia do infinito”. As marcas de De<br />
Chirico ressoam no surrealismo, muito <strong>em</strong>bora diga claramente não<br />
ser um artista surrealista. Sua busca <strong>na</strong> pintura metafísica é extrair<br />
dos cenários arquitetônicos adornos clássicos, sombras e perspectivas<br />
incoerentes, composições com objetos do cotidiano, sugestão da<br />
presença huma<strong>na</strong> <strong>em</strong> forma de manequins e estátuas clássicas, que<br />
provocam um clima de mistério, solidão, um ambiente provocador, que<br />
surpreende o observador com imagens indecifráveis.<br />
Para o historiador Gombrich4 , a questão maior da obra de<br />
De Chirico é captar a sensação de estranheza, o inesperado,<br />
criar uma atmosfera enigmática. Para esse efeito, elabora<br />
luzes ilusórias que provocam longas sombras<br />
projetadas, inspira-se <strong>na</strong> arquitetura histórica das cidades<br />
européias. Cores, formas, linhas, códigos de linguag<strong>em</strong> a<br />
serviço do imaginário do artista.<br />
O cenário das cidades onde De Chirico vive, como Florença e Turim,<br />
<strong>na</strong> Itália, apresenta uma extraordinária arquitetura. A luz do verão<br />
refletida <strong>em</strong> suas paredes revela os tons amarelos das pinturas do<br />
artista metafísico e as formas clássicas das esculturas re<strong>na</strong>scentistas<br />
habitam as praças e cenários misteriosos da obra De Chirico5 .<br />
Enigma de um dia é uma obra de 1914 e faz parte do acervo do<br />
Museu de <strong>Arte</strong> Cont<strong>em</strong>porânea da USP/SP. Estranhamente,<br />
De Chirico dá o mesmo nome para outro quadro que retrata a<br />
mesma ce<strong>na</strong> de uma estátua, sua sombra, o muro, as torres, o<br />
horizonte e as portas <strong>em</strong> arco de uma outra perspectiva, que<br />
está no MoMA, <strong>em</strong> Nova Iorque. A existência do Enigma de um<br />
dia “brasileiro” não é conhecida até o fi<strong>na</strong>l da década de 60,<br />
quando é encontrado pelos italianos num catálogo do MAC.<br />
5
6<br />
Na Itália do século 20, este fantástico artista se expressa <strong>na</strong>s<br />
linguagens da pintura e escultura, mostrando a monumentalidade<br />
da arquitetura das cidades por onde passa. Sua obra causa mistério.<br />
Enigma a ser decifrado pelo nosso olhar.<br />
Os olhos da arte<br />
Tenho interesse <strong>em</strong> trabalhar com o que está fora do quadro. É algo<br />
que possibilita alargar a percepção. Pasolini dizia que o cin<strong>em</strong>a de<br />
poesia é aquele <strong>em</strong> que você percebe a câmera. A valorização do que<br />
está fora do quadro me possibilita fazer vigorar o t<strong>em</strong>po da m<strong>em</strong>ória,<br />
numa tentativa de alcançar uma certa transcendência. Acho ainda que<br />
a poesia pulveriza os gêneros.<br />
Joel Pizzini 6<br />
Enigma de um dia: um mergulho <strong>na</strong> experiência estética de um vigia<br />
de museu. Provocação à percepção do espectador que está acostumado<br />
a uma linguag<strong>em</strong> cin<strong>em</strong>atográfica feita pela <strong>na</strong>rrativa <strong>em</strong><br />
t<strong>em</strong>po linear e ao drama próprio dos romances do século 19.<br />
Enigma de um dia é identificado como cin<strong>em</strong>a de poesia. O termo<br />
foi usado pela primeira vez <strong>em</strong> uma conferência do cineasta Pier<br />
Paolo Pasolini7 , depois publicada no livro Empirismo herege.<br />
Dizia ele que, assim como <strong>na</strong> literatura, o cin<strong>em</strong>a possui várias<br />
formas de expressão. A mais “convencio<strong>na</strong>l” seria a prosa presente<br />
no cin<strong>em</strong>a <strong>na</strong>rrativo, cuja preocupação centra-se <strong>em</strong><br />
contar histórias e apresentar os acontecimentos da trama <strong>em</strong><br />
ord<strong>em</strong> lógica, observando relações de causa e efeito. Na prosa,<br />
o importante é o t<strong>em</strong>a, o objeto, aquilo que está sendo<br />
mostrado. Por outro lado, <strong>na</strong> poesia, não importa tanto o que<br />
se fala, mas “como” se fala. O estilo se tor<strong>na</strong> protagonista e as<br />
escolhas do realizador, seja ele poeta ou diretor de cin<strong>em</strong>a, ficam<br />
mais evidentes ao espectador, apesar de seus significados<br />
permanecer<strong>em</strong> mais abertos ou até misteriosos.<br />
Mas o cin<strong>em</strong>a de poesia fala “como”? Qual a feitura <strong>na</strong> sua<br />
linguag<strong>em</strong> cin<strong>em</strong>atográfica? Os el<strong>em</strong>entos principais dessa<br />
linguag<strong>em</strong> pod<strong>em</strong> ser resumidos <strong>em</strong> enquadramentos,<br />
planos, ângulos, movimentos da câmera e montag<strong>em</strong>. Além<br />
desses, há, evident<strong>em</strong>ente, os trabalhos de sonoplastia,
<strong>material</strong> <strong>educativo</strong> para o professor-propositor<br />
Joel Pizzini - Enigma de um dia - Imag<strong>em</strong> do curta-metrag<strong>em</strong><br />
ENIGMA DE UM DIA<br />
cenário, ilumi<strong>na</strong>ção, trucagens e outros efeitos especiais<br />
de pós-produção.<br />
Na proposta estética do cin<strong>em</strong>a de poesia, esses procedimentos<br />
são utilizados de modo a conferir à imag<strong>em</strong> uma des<strong>na</strong>turalização<br />
que impeça qualquer tentativa de representação exterior à própria<br />
imag<strong>em</strong>. O enredo é menos uma história que se conta. Ou<br />
seja, todos os seus el<strong>em</strong>entos pod<strong>em</strong> parecer oníricos e irracio<strong>na</strong>is,<br />
pois as imagens e conteúdos estão no mesmo nível da consciência,<br />
e são exploradas como el<strong>em</strong>entos do inconsciente. É a<br />
linguag<strong>em</strong> do choque e também da persuasão. Trata-se de algo<br />
como as imagens que são liberadas durante o sonho – imagens de<br />
comunicação do nosso presente com o nosso passado. Essa linguag<strong>em</strong><br />
é indireta, pois o outro – o espectador – não participa dessa<br />
comunicação quase intimista do perso<strong>na</strong>g<strong>em</strong>. São imagens subjetivas,<br />
parte do submerso mundo da poesia, no caso do curta<br />
Enigma de um dia, do mundo da obra do artista De Chirico.<br />
Nesse sentido, como espectadores, presenciamos <strong>em</strong> Enigma de<br />
um dia o monólogo interior do vigia do museu provocado pela sua<br />
experiência estética e estésica diante do quadro de De Chirico. O<br />
monólogo interior se tor<strong>na</strong> uma <strong>na</strong>rração da consciência do perso<strong>na</strong>g<strong>em</strong><br />
que dialoga com outros perso<strong>na</strong>gens e situações dramáticas<br />
quase s<strong>em</strong>pre abstratas. São figuras ausentes. É a primeira<br />
7
8<br />
Giorgio de Chirico - Enigma de um dia, 1914<br />
Óleo sobre tela - 80 x 100 cm - Coleção do Museu de <strong>Arte</strong><br />
Cont<strong>em</strong>porânea da Universidade de São Paulo<br />
pessoa vendo o mundo numa inspiração ensimesmada e essencialmente<br />
irracio<strong>na</strong>l, <strong>em</strong> t<strong>em</strong>po e lugar que se misturam o t<strong>em</strong>po todo.<br />
No cin<strong>em</strong>a, aquilo que está mais próximo do monólogo interior<br />
é a subjetividade indireta livre. Por esse procedimento,<br />
o diretor engendra o estado subjetivo desorientado, desorganizado<br />
e contami<strong>na</strong>do do mundo do perso<strong>na</strong>g<strong>em</strong>. Ao mostrar<br />
o perso<strong>na</strong>g<strong>em</strong> dessa forma, ele – o perso<strong>na</strong>g<strong>em</strong> – <strong>em</strong>erge<br />
dentro de uma continuidade não obsessiva da montag<strong>em</strong>,<br />
desliga-se da pormenorização dos gestos e expressões<br />
faciais. Assim, o diretor comunga dos mesmos estados de<br />
alma do perso<strong>na</strong>g<strong>em</strong>.<br />
Joel Pizzini, ao dialogar com a obra de De Chirico, pôde<br />
não ape<strong>na</strong>s explorar, com mais intensidade, o que a<br />
plasticidade da pintura oferecia, mas também inventar um<br />
universo subjetivo daquele que aprecia uma obra de arte,<br />
moldando-o segundo uma lógica não comprometida com<br />
os imperativos da ord<strong>em</strong> linear.<br />
Enigma de um dia é uma poesia do olhar, imagética, que propõe<br />
novas formas de associação entre as imagens, os sons, de<br />
maneira a inquietar e ampliar nossa sensibilidade e escuta para<br />
nossos monólogos subjetivos.
<strong>material</strong> <strong>educativo</strong> para o professor-propositor<br />
ENIGMA DE UM DIA<br />
O passeio dos olhos do professor<br />
Pode ser que Enigma de um dia tenha uma linguag<strong>em</strong> cin<strong>em</strong>atográfica<br />
com a qual nossos olhos e ouvidos estão pouco acostumados.<br />
O contato com esse curta-metrag<strong>em</strong> pede um trabalho<br />
cuidadoso para “não queimar o filme”, de modo a instigar<br />
uma fruição nos alunos provocadora de conexões. Oferec<strong>em</strong>os<br />
uma pauta do olhar que pode ser orientadora neste momento<br />
de planejamento de suas ações:<br />
Como o curta-metrag<strong>em</strong> o toca? Alguma ce<strong>na</strong> o <strong>em</strong>ocionou?<br />
Com relação a sua experiência de espectador da linguag<strong>em</strong><br />
cin<strong>em</strong>atográfica, o que este curta-metrag<strong>em</strong> traz de diferente?<br />
A maneira de mostrar os lugares e os perso<strong>na</strong>gens revela<br />
um ponto de vista objetivo ou subjetivo?<br />
Como você percebe o movimento da câmera? Há cortes,<br />
fusões? E o ritmo? É rápido? Lento?<br />
Qu<strong>em</strong> são e como são os perso<strong>na</strong>gens deste curtametrag<strong>em</strong>?<br />
Há ape<strong>na</strong>s perso<strong>na</strong>gens humanos? Como é a interpretação<br />
dos atores? O figurino revela algo sobre eles?<br />
O fato de possuir quase nenhum diálogo, predomi<strong>na</strong>ndo a<br />
imag<strong>em</strong>, oferece uma experiência perceptiva diferente?<br />
Sobre a trilha sonora: como são as relações entre sons e imagens?<br />
Como o t<strong>em</strong>po interferiu <strong>em</strong> sua apreciação?<br />
Como este curta-metrag<strong>em</strong> solicita o espectador?<br />
Quanto aos seus alunos, o que os encantará e o que causará<br />
estranhamento?<br />
Quais possibilidades você vê para começar o trabalho com o curtametrag<strong>em</strong><br />
junto aos alunos? Para qual faixa etária você o indicaria?<br />
Revendo o curta-metrag<strong>em</strong> algumas vezes, ficamos mais familiarizados<br />
com sua linguag<strong>em</strong> e nos aproximamos mais de sua<br />
poética. Fazer anotações também nos ajuda a estudá-lo e dar<br />
contorno às informações importantes que possibilitam uma<br />
melhor mediação entre você, o curta-metrag<strong>em</strong> e os alunos.<br />
9
qual FOCO?<br />
qual CONTEÚDO?<br />
o que PESQUISAR?<br />
película de celulóide<br />
sensibilizada pela luz<br />
espaços sociais do saber<br />
museus, cineclubes, cin<strong>em</strong>ateca, sala de exibição<br />
suporte<br />
formação de público<br />
relação público e obra,<br />
experiência estética e estésica<br />
ferramentas<br />
Materialidade<br />
câmera com filme, lentes, filtros, projetor<br />
Mediação<br />
Cultural<br />
Zarpanndo<br />
pintura<br />
cuurta-metrag<strong>em</strong><br />
artes plásticas<br />
cin<strong>em</strong>a<br />
Linguagens<br />
Artísticas<br />
Processo de<br />
Criação<br />
ação criadora<br />
música<br />
el<strong>em</strong>entos da<br />
visualidade<br />
Forma - Conteúdo<br />
Saberes<br />
Estéticos e<br />
Culturais<br />
ambiência de trabalho<br />
música eletroacústica,<br />
trilha sonora<br />
história da arte<br />
gênero do cin<strong>em</strong>a<br />
relações entre el<strong>em</strong>entos<br />
da visualidade<br />
estética do cin<strong>em</strong>a<br />
ficção, experimental<br />
do cin<strong>em</strong>a: enquadramento;<br />
planos: close, ângulos, som<br />
movimento da câmera<br />
pintura metafísica<br />
argumento, roteiro, storyboard, montag<strong>em</strong><br />
produtor- artista-pesquisador<br />
locação inter<strong>na</strong> e exter<strong>na</strong>,<br />
ilha de edição, estúdio<br />
do cin<strong>em</strong>a:<br />
não-<strong>na</strong>rrativa,<br />
monólogo subjetivo<br />
cin<strong>em</strong>a de poesia, cin<strong>em</strong>a de prosa<br />
produção coletiva,<br />
relação colaborativa transdiscipli<strong>na</strong>r
12<br />
Percursos com desafios estéticos<br />
No mapa, você pode visualizar as diferentes trilhas para o foco<br />
Linguagens Artísticas. Considerando a sensibilidade, o interesse<br />
e a motivação que o curta-metrag<strong>em</strong> pode gerar, apresentamos<br />
possíveis percursos de trabalho impulsio<strong>na</strong>dores de<br />
projetos para o aprender-ensi<strong>na</strong>r arte. Os percursos aqui sugeridos<br />
não correspond<strong>em</strong> a uma ord<strong>em</strong> seqüencial.<br />
O passeio dos olhos dos alunos<br />
Algumas possibilidades:<br />
Uma proposta é começar pelo título Enigma de um dia,<br />
probl<strong>em</strong>atizando-o. Por meio da conversa, instigue os<br />
alunos a imagi<strong>na</strong>r<strong>em</strong> de qual assunto pode estar falando<br />
um filme com esse título. A conversa deve correr<br />
solta, s<strong>em</strong> a preocupação de acerto ou não sobre o assunto,<br />
pois a intenção é de provocar a imagi<strong>na</strong>ção. Após<br />
a conversa, faça a exibição ape<strong>na</strong>s dos créditos que fi<strong>na</strong>lizam<br />
o curta-metrag<strong>em</strong>. As informações dos créditos<br />
geram outras hipóteses? Que expectativas sobre o curta<br />
se instauram nos alunos? Em seguida, exiba o filme.<br />
Termi<strong>na</strong>da a exibição, o que os alunos identificam como<br />
t<strong>em</strong>a? O que pensam sobre o modo como foi abordado?<br />
Quais conexões faz<strong>em</strong> entre o quadro de De Chirico e o<br />
“enredo” do filme?<br />
Pode ser que os alunos estejam habituados a assistir filmes<br />
que possuam outro movimento, t<strong>em</strong>po, ritmo e <strong>na</strong>rrativa linear.<br />
As imagens, tanto <strong>na</strong> obra de De Chirico como no filme, são<br />
produções oníricas, portanto, particulares e únicas, podendo<br />
instigar interpretações complexas e sensações de estranhamento.<br />
A proposta é mostrar reproduções de obras de artistas<br />
como Magritte ou Salvador Dali, possibilitando uma conversa<br />
sobre o universo onírico desses artistas como provocação do<br />
olhar para a exibição do curta-metrag<strong>em</strong>. Após a exibição, o<br />
que os alunos desvendam do Enigma de um dia?
<strong>material</strong> <strong>educativo</strong> para o professor-propositor<br />
ENIGMA DE UM DIA<br />
Outro modo é, antes da exibição do filme, estimular uma conversa<br />
sobre a experiência de apreciação de obras de arte. O<br />
que os alunos guardam da experiência estética que já tiveram?<br />
L<strong>em</strong>bram de alguma obra <strong>em</strong> especial? O que l<strong>em</strong>bram sobre<br />
ela? Qu<strong>em</strong> já desejou entrar no interior de uma pintura? Após<br />
a exibição de Enigma de um dia, uma discussão sobre a experiência<br />
estética do perso<strong>na</strong>g<strong>em</strong> pode ampliar a percepção do<br />
universo onírico e subjetivo presente no curta-metrag<strong>em</strong>. Como<br />
os alunos contariam o curta-metrag<strong>em</strong> para outras pessoas?<br />
Desvelando a poética pessoal<br />
A proposta, neste momento, é para que seus alunos possam<br />
conhecer e experimentar a criação de imagens por meio de uma<br />
câmera de vídeo. Você pode perguntar qu<strong>em</strong> t<strong>em</strong> <strong>em</strong> casa uma<br />
câmera de vídeo que possa ser trazida à escola. Além da câmera,<br />
será preciso também uma tv e um aparelho de videocassete.<br />
De acordo com o número de câmeras disponíveis, monte grupos<br />
menores. A proposta é utilizar a câmera investigando as<br />
possibilidades dos el<strong>em</strong>entos da linguag<strong>em</strong>, propondo os seguintes<br />
estudos:<br />
Enquadramento<br />
imagens com a câmera <strong>em</strong> posições que, normalmente,<br />
não são vistas no cotidiano, por ex<strong>em</strong>plo, no alto e apontando<br />
para o solo;<br />
imagens com a câmera se aproximando e se afastando<br />
de uma ou mais pessoas e de diferentes objetos;<br />
imagens de vários detalhes como boca, orelha, olho, <strong>na</strong>riz, pé.<br />
Movimento da câmera<br />
<strong>em</strong> frente a uma pintura, um desenho, um espaço da sala<br />
de aula ou da escola, gravar com a câmera se deslocando<br />
com lentidão e velocidade;<br />
gravar, <strong>em</strong> close, tintas de várias cores escorrendo lentamente<br />
no papel e, durante a exibição <strong>na</strong> tela da tv, experimentar<br />
possibilidades de tratamento da imag<strong>em</strong>,<br />
13
14<br />
usando o recurso do videocassete de velocidade acelerada<br />
ou o contrário.<br />
A exibição <strong>na</strong> tv das imagens gravadas é o mote para a discussão<br />
entre grupos sobre os resultados.<br />
Após essas experimentações, proponha aos grupos que escolham<br />
poesias ou frases, assim como lugares para a composição de ce<strong>na</strong>s<br />
com um ou mais alunos falando. A gravação dessas ce<strong>na</strong>s pode<br />
ser feita de diferentes modos, a partir do que foi experimentado e<br />
com a sugestão da duração de 1 minuto. Após a gravação, uma<br />
nova exibição <strong>na</strong> tv engendrará outras discussões.<br />
Outro desafio possível é que os alunos produzam um roteiro<br />
para a gravação de 5 minutos sobre a história de alguém que<br />
conheçam, talvez algum poeta de sua cidade ou alguém da<br />
própria escola ou comunidade.<br />
Ampliando o olhar<br />
Um passeio ao cin<strong>em</strong>a com seus alunos, <strong>em</strong> uma boa sala de<br />
sua cidade, se houver, poderá ser uma oportunidade para<br />
ampliar o olhar. A escolha do filme é fundamental, sendo, de<br />
preferência, cin<strong>em</strong>a <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l. Ao fi<strong>na</strong>l do filme, é importante<br />
que percebam, nos créditos, os nomes dos profissio<strong>na</strong>is que<br />
realizaram essas funções. Será que eles notam diferenças <strong>em</strong><br />
assistir a um filme <strong>em</strong> casa e no cin<strong>em</strong>a?<br />
A fotografia de um filme é fator determi<strong>na</strong>nte <strong>em</strong> sua qualidade.<br />
No entanto, muitas vezes, a olhos desacostumados, ela<br />
não chama a atenção, pela simples falta de conhecimento sobre<br />
sua existência. Você poderá levar para a sala de aula um filme<br />
que tenha pr<strong>em</strong>iações por fotografia. Sugerimos o filme Moça<br />
com brinco de pérolas que pode ser discutido <strong>em</strong> relação à<br />
fotografia, <strong>em</strong> conexão com a pintura de Johannes Vermeer, que<br />
inspirou o romance de Tracy Chevalier, adaptado no filme.<br />
Observando as paisagens <strong>na</strong>turais e urba<strong>na</strong>s, pod<strong>em</strong>os pensar<br />
sobre as luzes e sobre como as sombras incid<strong>em</strong> <strong>na</strong>s formas. Esse<br />
exercício de observação pode, mais uma vez, nos transportar para<br />
o universo metafísico do pintor De Chirico, que relata:
<strong>material</strong> <strong>educativo</strong> para o professor-propositor<br />
ENIGMA DE UM DIA<br />
O relógio do campanário marca meio-dia e meia. O sol está alto e<br />
abrasador no céu. Ilumi<strong>na</strong> casas, palácios, pórticos. Suas sombras no<br />
chão descrev<strong>em</strong> retângulos, quadrados e trapézóides de um negro tão<br />
macio que o olho queimado gosta de refrescar-se neles. Que luz! 8<br />
O pintor De Chirico relata9 que, <strong>em</strong> uma tarde de outono,<br />
estava sentado <strong>em</strong> uma praça da cidade de Florença, <strong>na</strong><br />
Itália. Ele já havia estado no mesmo lugar por inúmeras<br />
vezes, mas <strong>na</strong>quele momento tudo parecia diferente e enigmático.<br />
Como o pintor, os alunos pod<strong>em</strong> fazer expedições<br />
sensoriais para olhar as formas presentes <strong>em</strong> sua cidade,<br />
percebendo a arquitetura de prédios, estações de trens,<br />
praças e monumentos. O que lhes parece diferente do habitual?<br />
O que lhes provoca um sentimento de mistério?<br />
Luis Buñuel exercitou os princípios do cin<strong>em</strong>a de poesia <strong>em</strong><br />
seu filme, O cão andaluz, que pode ser encontrado <strong>em</strong> vídeo<br />
<strong>na</strong>s boas locadoras. Quais s<strong>em</strong>elhanças e diferenças a exibição<br />
desse filme pode provocar no olhar dos alunos <strong>em</strong><br />
relação ao Enigma de um dia?<br />
Uma visita a uma exposição pode proporcio<strong>na</strong>r um diálogo<br />
entre o universo colocado pelos artistas e o mundo particular<br />
de cada um de nós. A arte, como um espelho aberto, nos<br />
revela um mundo imaginário. Que monólogos subjetivos os<br />
alunos vivenciam nessa experiência estética e estésica?<br />
Conhecendo pela pesquisa<br />
Na filosofia, pensamento metafísico <strong>na</strong>sce com as idéias<br />
de pensadores da antiguidade. A chamada filosofia primeira<br />
queria investigar aquilo que é ou existe, a realidade<br />
<strong>em</strong> si. Com o passar do t<strong>em</strong>po, filósofos modernos<br />
questio<strong>na</strong>ram essas possibilidades, trouxeram outras indagações:<br />
pode nosso pensamento conhecer a realidade?<br />
Os artistas metafísicos foram influenciados pela filosofia<br />
de grandes nomes do pensamento moderno. Uma<br />
forma interessante é propor uma pesquisa sobre filósofos<br />
como Schopenhauer, Nietzsche e Weininger, pensadores<br />
estudados por De Chirico.<br />
15
16<br />
A pintura metafísica t<strong>em</strong> outros seguidores, como o artista<br />
Carlos Carrà, que faz uma arte pautada <strong>na</strong> história, preocupada<br />
mais com as formas construídas com geometria: arte<br />
figurativa com preocupações plásticas. Pesquisar sobre esse<br />
artista <strong>na</strong> internet ou <strong>em</strong> livros abre possibilidades para uma<br />
leitura comparativa com as imagens de De Chirico.<br />
Livio Tragtenberg é o compositor da trilha sonora de Enigma<br />
de um dia. Repetindo a música Now’s the time de Charlie<br />
Parker, experimentando variações de ritmos e instrumentos<br />
o compositor recria o universo onírico do filme. A música<br />
eletroacústica e instrumental e um convite à subjetividade<br />
e ao sonho. A pesquisa sobre Tragtenberg pode levar os<br />
alunos a conhecer<strong>em</strong> uma forma musical que foge à<br />
massificação da indústria cultural. A pesquisa pode ser ampliada<br />
focalizando a função da trilha sonora no cin<strong>em</strong>a, no teatro,<br />
<strong>na</strong>s novelas de tv e suas diferenças de intencio<strong>na</strong>lidade.<br />
Todo cin<strong>em</strong>a, seja ele poesia ou prosa, é uma manifestação<br />
artística. O conceito de Pasolini de cin<strong>em</strong>a de poesia se<br />
desenvolveu no t<strong>em</strong>po e pode ser pensado por meio de<br />
outros trabalhos de cineastas, desde Roberto Rossellini que,<br />
com seu Roma, cidade aberta, <strong>em</strong> 1945, i<strong>na</strong>ugurou o neorealismo,<br />
além de outros filmes do cin<strong>em</strong>a moderno, até<br />
Jean-Luc Godard – Alphaville, o próprio Pasolini – Accatone,<br />
Eric Rohmer - O signo do leão, Ber<strong>na</strong>rdo Bertolucci – O<br />
conformista e Marco Bellocchio – De punhos cerrados. A<br />
proposta é uma pesquisa visual, como espectadores desses<br />
filmes, com discussões <strong>em</strong> sala de aula, buscando a<br />
aproximação aos t<strong>em</strong>as do projeto e ampliação do repertório<br />
dos alunos sobre a linguag<strong>em</strong> cin<strong>em</strong>atográfica.<br />
A cin<strong>em</strong>ateca é uma instituição pública ou fundação privada<br />
encarregada de adquirir, conservar, recuperar e difundir obras<br />
cin<strong>em</strong>atográficas, tanto as de um país, quanto as mundiais.<br />
O que os alunos pod<strong>em</strong> pesquisar sobre elas <strong>em</strong> sua cidade?<br />
Há diferenças entre uma cin<strong>em</strong>ateca e um cineclube10 ?<br />
Para pesquisar mais sobre o cin<strong>em</strong>a, você pode trazer para<br />
a classe o filme Cin<strong>em</strong>a Paradiso, realizado <strong>em</strong> 1988, com
<strong>material</strong> <strong>educativo</strong> para o professor-propositor<br />
ENIGMA DE UM DIA<br />
direção e roteiro de Giuseppe Tor<strong>na</strong>tore e música de Andrea<br />
e Ennio Morricone. Com uma linguag<strong>em</strong> cin<strong>em</strong>atográfica que<br />
lhe valeu o Oscar de melhor filme estrangeiro, o filme <strong>na</strong>rra<br />
a história de um cineasta de sucesso que retor<strong>na</strong> à sua<br />
peque<strong>na</strong> cidade <strong>na</strong>tal e retoma l<strong>em</strong>branças de infância. Imagi<strong>na</strong>r<br />
uma infância s<strong>em</strong> tv, refletir sobre a amizade e o acesso<br />
à cultura, conhecer a história e a magia da linguag<strong>em</strong><br />
cin<strong>em</strong>atográfica pod<strong>em</strong> instigar pesquisas envolventes.<br />
Amarrações de sentidos: portfólio<br />
Para a fi<strong>na</strong>lização deste trabalho, pod<strong>em</strong>os pensar <strong>em</strong> dois<br />
momentos diferentes. O primeiro é a criação de um catálogo<br />
que contenha todos os roteiros escritos por seus alunos, inclusive<br />
com desenhos, assim como todas as pesquisas realizadas.<br />
Um texto poético e um outro <strong>na</strong>rrativo pod<strong>em</strong> abrir o catálogo,<br />
contextualizando o projeto realizado.<br />
O segundo é a realização de um festival de vídeo-estética<br />
metafísica-pipoca. Você e seus alunos poderão organizar um<br />
período para a exibição de todos os filmes produzidos por eles<br />
com o acompanhamento de pipocas. Você poderá pedir aos alunos<br />
que escrevam peque<strong>na</strong>s frases que fal<strong>em</strong> do pensamento<br />
estético metafísico nos saquinhos de pipoca ou, então, que coloqu<strong>em</strong><br />
filipetas com esses pensamentos dentro do saquinho.<br />
Valorizando a processualidade<br />
Textos críticos pod<strong>em</strong> ser escritos pelos alunos sobre dois ou três<br />
trabalhos que assistiram, discutindo a idéia, o roteiro, os procedimentos<br />
da linguag<strong>em</strong> cin<strong>em</strong>atográfica, a edição, o trabalho dos<br />
atores, etc. Esses textos pod<strong>em</strong> conduzir um debate que permitirá,<br />
também, a<strong>na</strong>lisar o que puderam estudar neste projeto.<br />
Esse debate e o reolhar sob tudo o que foi feito pod<strong>em</strong> ajudálo<br />
a refletir sobre as proposições pedagógicas realizadas e as<br />
que você poderia ter inventado. Haveria desdobramentos possíveis?<br />
Você buscaria um outro <strong>material</strong> <strong>na</strong> DVDteca? Por qual<br />
dos territórios você e os alunos desejam caminhar agora?<br />
17
18<br />
Glossário<br />
Ângulos – correspond<strong>em</strong> às incli<strong>na</strong>ções da câmera <strong>em</strong> relação ao eixo transversal<br />
do aparelho. Há duas posições destacadas: o plongê (do francês plongée,<br />
mergulho), que é a visão vertical, do alto para baixo, e o contraplongê, a visão<br />
contrária. Fonte: CUNHA, Newton. Dicionário Sesc: a linguag<strong>em</strong> da cultura.<br />
São Paulo: Perspectiva: Sesc São Paulo, 2003, p. 142.<br />
Curta-metrag<strong>em</strong> – formato de cin<strong>em</strong>a <strong>em</strong> que a duração de projeção é inferior<br />
a uma hora. Em 1974, foi criada no Brasil a “Lei do Curta”, que tornou-se<br />
inviável <strong>em</strong> 1990. Essa lei “promoveu a descentralização e a diversidade,<br />
gerou novos núcleos de produção, recolocou o Brasil no mapa da<br />
inovação cin<strong>em</strong>atográfica.” Essa foi, provavelmente, uma das causas da<br />
revitalização do cin<strong>em</strong>a brasileiro. Fonte: .<br />
Estesia – tal termo apresenta-se hoje como irmão da palavra estética,<br />
tendo orig<strong>em</strong> no grego aisthesis, que significa basicamente a capacidade<br />
sensível do ser humano para perceber e organizar os estímulos que lhe<br />
alcançam o corpo. Seu contrário, a “anestesia” é a negação do sensível,<br />
a impossibilidade ou a incapacidade de sentir. Fonte: DUARTE JR., João<br />
Francisco. O sentido dos sentidos: a educação (do) sensível. Curitiba: Criar<br />
Edições, 2001, p.136-137.<br />
Experiência estética – a mais elaborada investigação filosófica ou científica<br />
e a mais ambiciosa <strong>em</strong>presa industrial ou política, quando seus diferentes<br />
constituintes formam uma experiência integral, têm qualidade estética,<br />
de vez que então suas várias partes estão ligadas umas às outras,<br />
e não ape<strong>na</strong>s suced<strong>em</strong> uma a outra. Fonte: DEWEY, John. Tendo uma experiência.<br />
São Paulo: Abril Cultural, 1974, (Os Pensadores).<br />
Movimentos de câmera – além de ocupar uma posição fixa, constante, a<br />
câmera é capaz de se deslocar para seguir uma ação dramática ou para<br />
apresentar outros pontos de vista, seja mantendo ou modificando o plano<br />
de ce<strong>na</strong>. De forma genérica, são basicamente três os tipos de movimento:<br />
travelling – consiste nos deslocamentos horizontal, vertical ou circular executado<br />
sobre um pequeno carro (dolly), com a câmera <strong>na</strong> mão, ou ainda<br />
com o auxílio da grua (estrutura móvel, como a de um braço mecânico);<br />
panorâmica – a câmera move-se <strong>em</strong> seu próprio eixo, s<strong>em</strong>elhante a uma<br />
pessoa que mexe sua cabeça de um lado para outro ou de cima para baixo,<br />
alterando o ângulo de visão; trajetória – combi<strong>na</strong> o “andar” da própria<br />
câmera (o travelling), com o deslocamento do eixo (panorâmico), obtendo-se<br />
um efeito vertiginoso ou agonístico de movimentos simultâneos.<br />
Fonte: CUNHA, Newton. Dicionário Sesc: a linguag<strong>em</strong> da cultura. São Paulo:<br />
Perspectiva: Sesc São Paulo, 2003, p.141-142.
<strong>material</strong> <strong>educativo</strong> para o professor-propositor<br />
ENIGMA DE UM DIA<br />
Música eletroacústica – música realizada a partir do <strong>material</strong> sonoro<br />
gravado e trabalhado experimentalmente por meio de montagens,<br />
colagens e outros tipos de transformações (por oposição a uma concepção<br />
tradicio<strong>na</strong>l de música que partia de abstrações sonoras preconcebidas,<br />
as quais podiam ser notadas <strong>em</strong> uma partitura e realizadas<br />
posteriormente por meio de instrumentos musicais). Fonte: Enciclopédia<br />
Itaú Cultural de <strong>Arte</strong>s Visuais .<br />
Bibliografia<br />
AUMONT, Jacques et al. A estética do filme. Campi<strong>na</strong>s: Papirus, 1995.<br />
CHAUÍ. Marile<strong>na</strong>. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2003.<br />
CHIPP, H.B. Teorias da arte moder<strong>na</strong>. São Paulo: Martins Fontes, 1996.<br />
GOMBRICH, E.H. A história da arte. Rio de Janeiro: LTC , 1995.<br />
TEIXEIRA, Francisco Eli<strong>na</strong>ldo (org.). Documentário no Brasil: tradição e<br />
transformação. São Paulo: Summus, 2004.<br />
Seleção de endereços sobre arte <strong>na</strong> rede internet.<br />
Os sites abaixo foram acessados <strong>em</strong> 8 ago.2005.<br />
ARTE METAFÍSICA. Disponível <strong>em</strong>: .<br />
CINEMA DE POESIA. Disponível <strong>em</strong>: .<br />
CURTA-METRAGEM. Disponível <strong>em</strong>: .<br />
___. Disponível <strong>em</strong>: .<br />
DE CHIRICO. Disponível <strong>em</strong>: .<br />
FILOSOFIA METAFÍSICA. Disponível <strong>em</strong>: .<br />
HISTÓRIA DO CINEMA. .<br />
PASOLINI, Pier Paolo. Disponível <strong>em</strong>: .<br />
PIZZINI, Joel. Disponível <strong>em</strong>: .<br />
___..<br />
TRAGTENBERG, Livio. Disponível <strong>em</strong>: .<br />
19
20<br />
Notas<br />
1 Texto retirado de matéria publicada no jor<strong>na</strong>l Folha de S. Paulo, Caderno<br />
Ilustrada, 30/9/97.<br />
2 Limite é um filme de Mario Peixoto, realizado <strong>em</strong> 1931, considerado um<br />
marco do cin<strong>em</strong>a de poesia no Brasil, com suas imagens oníricas admiravelmente<br />
fotografadas por Edgar Brazil. Disponível <strong>em</strong>: .<br />
3 <strong>Arte</strong>/Cidade é um projeto de intervenção urba<strong>na</strong> com curadoria de Nelson<br />
Brissac Peixoto que ocorre <strong>em</strong> São Paulo desde 1994. Para saber mais<br />
visite: .<br />
4 E.H. GOMBRICH, A história da arte, p. 589.<br />
5 FREZZOTTI,1999:201– Comentário presente no texto Stefania Frezzotti-Bibliografia<br />
dos artistas. In: ARTE in Italia: da Valori Plastici a Corrente. São Paulo: Pi<strong>na</strong>coteca<br />
do Estado, 1999.<br />
6 Texto da entrevista ao jor<strong>na</strong>l Tribu<strong>na</strong> <strong>em</strong> dez<strong>em</strong>bro de 2004. Disponível <strong>em</strong>:<br />
.<br />
7 Pier Paolo Pasolini (1922-1975). Poeta, romancista, ensaísta, uma das<br />
perso<strong>na</strong>lidades mais fortes do cin<strong>em</strong>a italiano. A literatura é, talvez, o fator<br />
que mais favoreceu o cin<strong>em</strong>a de Pasolini. O cineasta parecia ignorar os<br />
cânones do “b<strong>em</strong> filmar”, optando por uma liberdade que marca suas idéias<br />
tanto teóricas como cin<strong>em</strong>atográficas.<br />
8 H.B. CHIPP, Teorias da arte moder<strong>na</strong>, p. 402 a 407.<br />
9 Ibid<strong>em</strong>.<br />
10 O cineclube é uma entidade associativa, de caráter privado, normalmente<br />
gerido por estatuto, desti<strong>na</strong>da a pesquisar, promover debates e exibir obras<br />
cin<strong>em</strong>atográficas. Fonte: .