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o frontispício da primeira edição da missa em dó maior, op. 86, de beethoven © dr auditório do que à celebração litúrgica na Igreja. A Missa em Dó maior, op. 86, escrita em 1807, surgiu de uma encomenda do príncipe Nikolaus II Esterházy, o quarto e último empregador de Haydn, que pretendia celebrar, assim, o dia onomástico da mulher, a princesa Josepha Maria Hermenegild. Essa era uma tradição anual para a qual Haydn, sobretudo, e também Johann Nepomuk Hummel (1778-1837) tinham contribuído com várias obras. A essência musical da Missa em Dó maior pode surpreender se considerarmos que foi escrita numa época em que a música de Beethoven era caracterizada por um ímpeto e um vigor expressivos que, não estando totalmente ausentes da Missa, surgem aqui bem mais contidos e, quase sempre, reservados a dar ênfase a algumas palavras específicas. Toda a obra é de natureza menos dramática e, de certa forma, até mais ingénua na sua expressão. Disto é um bom exemplo o início do Kyrie, já que são os baixos, em uníssono e piano – numa referência óbvia à tradição do canto a cappella –, que dão o mote, sendo precisos 06 alguns compassos introdutórios, quase murmurados, com instrumentos em pianissimo, antes de termos a sensação que entrámos verdadeiramente na obra. O carácter geral é sereno e alegre, conferindo sentido às palavras do próprio Beethoven que, alguns anos mais tarde, descrevia o que tencionava ilustrar no início desta Missa: “O católico entra na Igreja, ao domingo, vestido com as suas melhores roupas e com humor alegre e festivo. Dessa mesma maneira, o Kyrie eleison introduz toda a obra.”. Um outro aspecto, com dimensões quase cómicas, que merece referência, já que parece ser outro indício da importância que Beethoven dava a este início, é o curioso andamento indicado: Andante con moto assai vivace quasi Allegretto ma non troppo!* As outras quatro grandes secções da Missa também refletem esta ideia de espiritualidade partilhada pela comunidade, possivelmente simbolizada pela verticalidade da escrita para coro, audível em vários momentos, como por exemplo no etéreo e magistral início do Sanctus. Muitas vezes, um grupo mais reduzido de “fiéis” (cantores solistas ou secções específicas do coro) começa por entoar uma frase, seguindo-se-lhe logo o coro
que assim lhes responde ou, simplesmente, a eles se junta, criando um efeito sonoro poderoso e comovente, como é bem audível no Gloria. O coro tem um papel predominante em relação aos solistas, embora estes tenham também os seus momentos de relevo, como no Credo ou no Benedictus, música de assumido lirismo. Sendo esta a primeira obra sacra concluída por Beethoven, só pode parecer natural que, por vezes, o compositor tenha também, e à imagem de outros compositores da época, feito uso das técnicas contrapontísticas de Bach e de Händel – que Mozart, aliás, havia já explorado em quantidade nas suas obras sacras. Tal é particularmente notável no empolgante final do Gloria (Cum Sancto Spiritu) e também no final do Credo. Outro aspecto relevante é o facto da Missa ser uma das várias obras emblemáticas de Beethoven em que a tonalidade de Dó menor toma um significado particular, estando associada à turbulência, em oposição à luminosidade de Dó maior. O exemplo mais marcante desta oposição que podemos encontrar nesta Missa encontra-se no Agnus Dei final, escrito na tonalidade sombria de Dó menor. Beethoven confere-lhe um carácter quase aflitivo que só serena no Dona nobis pacem, como aliás era tradição, com a modulação para Dó maior. No entanto, surpreendentemente, Beethoven faz voltar, por momentos, a angústia (e o Dó menor) do Agnus Dei, seguida de uns extraordinários e inquietantes murmúrios sobre a palavra miserere. No final, e em jeito de conclusão, Beethoven reutiliza parte da música do Kyrie inicial, conferindo assim uma unidade cíclica a uma obra marcada por secções muito distintas. Oportunidade, também, para o compositor terminar a obra da mesma forma que a começou: por um murmúrio apaziguador que, depressa, volta ao silêncio. Vale ainda a pena referir a perspicaz descrição que dela fez E. T. A. Hoffmann, já que parece sintetizar adequadamente a sensação de muitos ouvintes passados e presentes: “Antes mesmo de termos visto ou ouvido uma nota desta obra, pensávamos que Beethoven estaria ao mesmo nível desses dois grandes mestres [Haydn e Mozart] no que toca ao estilo e à coerência; todavia, a expressão, a forma de compreender as palavras litúrgicas, não correspondeu às nossas expetativas. os jardins do palácio da família esterházy em eisenstadt, por albert c. dies © dr 077
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