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História da Província de Santa Cruz - Unama

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www.nead.unama.br<br />

no em pe<strong>da</strong>ços e ca<strong>da</strong> principal que ai se acha leva seu quinhão para convi<strong>da</strong>r a<br />

gente <strong>de</strong> sua aldêa. Tudo enfim assam e cozem, e não fica <strong>de</strong>le cousa que não<br />

comam todos quantos há na terra, salvo aquele que o matou não come <strong>de</strong>le na<strong>da</strong>, e<br />

alem disso man<strong>da</strong>-se tarjar por todo o corpo, porque tem por certo que logo morrerá<br />

se não <strong>de</strong>rramar <strong>de</strong> si aquele sangue tanto que acaba <strong>de</strong> fazer seu oficio.<br />

Algum braço, ou perna, ou outro qualquer pe<strong>da</strong>ço <strong>de</strong> carne costumam assar<br />

no fumo, e te-lo guar<strong>da</strong>do alguns meses, para <strong>de</strong>pois quando o quiserem comer,<br />

fazerem novas festas, e com as mesmas cerimonias tornarem a renovar outra vez o<br />

gosto <strong>de</strong>sta vingança, como no dia em que o mataram, e <strong>de</strong>pois que assim chegam<br />

a comer a carne <strong>de</strong> seus contrários, ficam os ódios confirmados perpetuamente,<br />

porque sentem muito esta injuria, e por isso an<strong>da</strong>m sempre a vingar-se uns dos<br />

outros, como já tenho dito. E se a mulher que foi do cativo acerta <strong>de</strong> ficar prenhe,<br />

aquela criança que pare, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> cria<strong>da</strong> matam-na, e comem-na sem haver entre<br />

eles pessoa alguma que se compa<strong>de</strong>ça <strong>de</strong> tão injusta morte. Antes seus próprios<br />

avós, a quem mais <strong>de</strong>via chegar esta mágoa, são aqueles que com maior gosto o<br />

aju<strong>da</strong>m a comer, e dizem que como filho <strong>de</strong> seu pai se vingam <strong>de</strong>le, tendo para si<br />

que em tal caso não toma esta criatura na<strong>da</strong> <strong>da</strong> mãe, nem crêem que aquela inimiga<br />

semente po<strong>de</strong> ter mistura com seu sangue. E por este respeito, somente lhe dão<br />

esta mulher com que converse: porque na ver<strong>da</strong><strong>de</strong> são eles tais, que não se<br />

haveriam <strong>de</strong> todo ain<strong>da</strong> por vingados do pai se no inocente filho não executassem<br />

esta cruel<strong>da</strong><strong>de</strong>. Mas porque a mãe sabe o fim que hão <strong>de</strong> <strong>da</strong>r a esta criança, muitas<br />

vezes quando se sente prenhe mata-a <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> barriga e faz com que não venha à<br />

luz. Também acontece algumas vezes afeiçoar-se tanto ao marido, que chega a fugir<br />

para sua terra pelo livrar <strong>da</strong> morte. E assim alguns Portugueses <strong>de</strong>sta maneira<br />

escaparam que ain<strong>da</strong> hoje em dia vivem. Porem o que por esta via senão salva ou<br />

por outra qualquer manha oculta, será cousa impossível escapar <strong>de</strong> suas mãos com<br />

vi<strong>da</strong>, porque não costumam <strong>da</strong>-na a nenhum cativo, nem <strong>de</strong>sistirão <strong>da</strong> vingança que<br />

esperam tomar <strong>de</strong>le por nenhuma riqueza do mundo, quer seja macho, quer fêmea,<br />

salvo se o principal, ou outro qualquer <strong>da</strong> aldêa acerta <strong>de</strong> casar com alguma escrava<br />

sua contraria, como muitas vezes acontece, pelo mesmo caso fica liberta<strong>da</strong>, e<br />

assentam em não preten<strong>de</strong>rem vingança <strong>de</strong>la, por comprazerem aquele que a<br />

tomou por mulher, mas tanto que morre <strong>de</strong> sua morte natural, por cumprirem as leis<br />

<strong>da</strong> sua cruel<strong>da</strong><strong>de</strong>, havendo que já nisto não ofen<strong>de</strong>m ao marido costumam quebrarlhe<br />

a cabeça, ain<strong>da</strong> que isto raras vezes, porque se tem filhos não <strong>de</strong>ixam chegar<br />

ninguém a ela, e estão guar<strong>da</strong>ndo seu corpo até que o dêem á sepultura.<br />

Outros Índios doutra nação diferente, se acham nestas partes ain<strong>da</strong> que mais<br />

ferozes, e <strong>de</strong> menos razão que estes. Chamam-se Aimorés, os quais an<strong>da</strong>m por<br />

esta costa como salteadores e habitam <strong>da</strong> Capitania dos Ilhéus até a <strong>de</strong> Porto<br />

Seguro, aon<strong>de</strong> vieram ter do sertão no ano <strong>de</strong> 55 pouco mais ou menos. A causa <strong>de</strong><br />

residirem nesta parte mais que nas outras, é por serem aqui as terras mais<br />

acomo<strong>da</strong><strong>da</strong>s a seu propósito, assim pelos gran<strong>de</strong>s matos que tem on<strong>de</strong> sempre<br />

an<strong>da</strong>m emboscados, como pela muita caça que há nelas que é seu principal<br />

mantimento <strong>de</strong> que se sustentam.<br />

Estes Aimorés são mais alvos e <strong>de</strong> maior estatura que os outros Índios <strong>da</strong><br />

terra, com a língua dos quais não tem a <strong>de</strong>stes nenhuma semelhança nem<br />

parentesco. Vivem todos entre os matos como brutos animais, sem terem<br />

povoações, nem casas em que se recolham. São mui forçosos em extremo e trazem<br />

uns arcos mui compridos e grossos conformes a suas forças, e a frecha <strong>da</strong> mesma<br />

maneira. Estes alarves têm feito muito <strong>da</strong>no nestas Capitanias <strong>de</strong>pois que <strong>de</strong>sceram<br />

a esta costa e mortos alguns Portugueses e escravos, porque são mui bárbaros, e<br />

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