Scarlatti e a música no reino dos melômanos - ECA-USP
Scarlatti e a música no reino dos melômanos - ECA-USP
Scarlatti e a música no reino dos melômanos - ECA-USP
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
análise matemática e fria da harmonia colocaria a perder 2 . Mesmo defendendo teses<br />
antagônicas, ambos parecem entender a <strong>música</strong> como uma arte imitativa, muito próxima<br />
do pensamento de Charles Batteux, comentado por Dahlhaus em sua Estética Musical:<br />
“A estética da imitação do século XVIII, à qual Charles<br />
Batteux proporcio<strong>no</strong>u a versão mais rigorosa e mais eficaz, concebia<br />
a expressão afetiva musical como representação e descrição de<br />
paixões. Ao ouvinte cabe o papel de um expectador sere<strong>no</strong>, de um<br />
observador que julga da semelhança ou dissemelhança de uma<br />
pintura. Nem ele se sente exposto aos afetos que se encontram<br />
musicalmente representa<strong>dos</strong> nem o compositor revela o seu íntimo<br />
agitado numa manifestação ressonante, pela qual espera do ouvinte<br />
compaixão, simpatia.” (DAHLHAUS, 1986, p.59)<br />
A <strong>música</strong>, de acordo com Batteux em seu Les beaux arts réduits à un même<br />
principe, por sua falta de clareza, ocuparia uma posição me<strong>no</strong>r entre as artes e estaria<br />
fora do âmbito das Belas Artes. Sua forma puramente instrumental não seria mais que<br />
um “ruído agradável” - somente aliada ao texto, a <strong>música</strong> seria capaz de transmitir<br />
ideias claras sobre contextos defini<strong>dos</strong>. Desprovida de palavras, ela não seria capaz de<br />
representar nenhum objeto ou situação com clareza, sendo, portanto, uma arte obscura e<br />
imprecisa.<br />
O conceito de <strong>música</strong> absoluta e a auto<strong>no</strong>mização da <strong>música</strong> entre os séculos XVIII<br />
e XIX<br />
O conceito de <strong>música</strong> absoluta surgiu <strong>no</strong> final do século XVIII e se desenvolveu<br />
<strong>no</strong> decorrer do século seguinte. Pensadores do romantismo alemão, como Wilhelm<br />
Heinrich Wackenroder, Ludwig Tieck e E. T. A. Hoffmann desenvolveram a idéia de<br />
uma <strong>música</strong> “pura”, desvinculada de qualquer outra referência que não ela própria. A<br />
<strong>música</strong> pura, em oposição à <strong>música</strong> chamada “aplicada”, é a <strong>música</strong> que, para ser<br />
compreendida, não depende de nenhuma relação com quaisquer fatos objetivos da vida,<br />
2 “Esquecida a melodia e estando a atenção do músico voltada inteiramente para a harmonia, tudo se<br />
dirigiu pouco a pouco para este <strong>no</strong>vo objeto; os gêneros, os mo<strong>dos</strong>, as escalas, tudo recebeu uma <strong>no</strong>va<br />
fisio<strong>no</strong>mia: foram as sucessões harmônicas que regulamentaram a marcha das partes. Tendo essa marcha<br />
usurpado o <strong>no</strong>me de melodia, não foi possível ig<strong>no</strong>rar, de fato, nessa <strong>no</strong>va melodia, os traços de sua mãe;<br />
e tendo-se <strong>no</strong>sso sistema musical tornado assim, aos poucos, puramente harmônico, não é de espantar que<br />
o acento oral tenha sido prejudicado e que a <strong>música</strong> tenha perdido para nós quase toda a sua energia.”<br />
(ROUSSEAU, 1781, p.176)