baixar artigo completo em pdf - Gláuks

142
Gláuks
forte estratégia de resistência, porque toda vez que o sujeito
local sente a necessidade de marcar sua identidade em distinção
à identidade do ‘forasteiro’, do ‘alheio’, do ‘estrangeiro’, surge a
recorrência do idioma Guarani, no caso de Roa Bastos. Essas
lacunas são exemplos do linguajamento proposto por Mignolo,
conforme já exposto, e se apresentam por lacunas, uma vez que
fragmentam e vulneram o discurso construído na língua deixada
pelo colonizador e tudo o que ele acarreta, ou seja, propiciam
brechas discursivas que são compreendidas no sentido amplo da
sentença pelo indivíduo autóctone, detentor maior do idioma
Guarani, mas cujo entendimento fica fragmentado para o sujeito
não-local.
A atitude da lacuna metonímica por parte do falante local
ou por parte do escritor que privilegia a cultura local acaba
proporcionando, dentro de sua própria ação, outros dois eventos
de ordem linguística e cultural: a ab-rogação e a apropriação. O
uso do Guarani nos textos de Roa Bastos é um caso de abrogação,
pois demonstra certo desprezo do escritor em relação
ao idioma do antigo algoz e, simultaneamente, demonstra
também o orgulho no uso da fala nativa. No entanto, a
apropriação é o fenômeno inverso, ou seja, os indivíduos locais
se apropriam – rigorosamente – da língua do opressor,
modificando-a, mesclando-a, dando-lhe a cor local para melhor
fazer uso dela em termos de contra-ataque. Por esse viés, a
atitude lembra uma notória estratégia de guerra pela qual se
vence mais facilmente o inimigo quando se fala e se entende o
idioma dele. Logo, todos esses atributos linguísticos e culturais
fomentam a estrutura do pensamento liminar.
Riram às gargalhadas. Condenados a uma morte segura, a
vintena de peões ainda se divertia nos seus últimos minutos,
com pensamentos risonhos de uma tranqüila e desesperada
ironia. Os tiros de Harry Way e seus homens continuavam
batendo nos troncos com assovios secos. Dele não se