Ciclo comemorativo - Academia Brasileira de Letras
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Estas cartas completam o perfil do gigante <strong>de</strong> Os sertões. Se falta a elas o<br />
tom lírico, também ausente na sua obra escrita, estão bem presentes os traços<br />
<strong>de</strong> coração e da sua “meiga e profunda afetivida<strong>de</strong>” nestas mensagens<br />
<strong>de</strong> carinho, que nunca suspeitaram a luz da publicida<strong>de</strong>.<br />
Faltarão cartas <strong>de</strong> amor, mas para Eucli<strong>de</strong>s, mais do que para qualquer<br />
outro, estas não <strong>de</strong>viam passar <strong>de</strong> dois leitores, conforme a observação justa<br />
<strong>de</strong> Henry Bor<strong>de</strong>au, e ele <strong>de</strong> certo não as escreveu...<br />
Mas nestas cartas está todo o Eucli<strong>de</strong>s íntimo, no carinho com que pensava<br />
nos amigos, no cuidado com que atendia aos seus apelos, na preocupação<br />
com seus <strong>de</strong>veres e no escrúpulo em cumpri-los, nas suas angústias, nas<br />
suas mágoas, nas suas amarguras, sempre discreto e pundonoroso, no seu<br />
i<strong>de</strong>alismo incurável e até no seu “pessimismo abominável”, como ele próprio<br />
dizia.<br />
Fernando <strong>de</strong> Azevedo, na conferência “O homem Eucli<strong>de</strong>s da<br />
Cunha”, em homenagem a Francisco Venancio Filho, diria:<br />
Amigo, Eucli<strong>de</strong>s da Cunha? Amigos <strong>de</strong> Eucli<strong>de</strong>s? Pois não. Ninguém o<br />
foi com mais fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> e mais calor; ninguém lhe levou vantagem na capacida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> atraí-los, conquistá-los e prendê-los. “Meiga e profunda afetivida<strong>de</strong>”,<br />
era a <strong>de</strong> Eucli<strong>de</strong>s, no <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Afrânio Peixoto; “amigo boníssimo”,<br />
chamou-lhe Firmo Dutra; “amigo tão seguro e <strong>de</strong> trato tão suave, na<br />
sua singeleza afetuosa”, observa, <strong>de</strong> sua parte, Domício da Gama; “é agreste”,<br />
reconhecia Coelho Neto; “fruto selvagem, <strong>de</strong> aparência híspida; <strong>de</strong>scascado,<br />
porém, no âmago é um favo”. É que Eucli<strong>de</strong>s tinha o culto da amiza<strong>de</strong>,<br />
colocava acima <strong>de</strong> tudo, <strong>de</strong> suas pretensões mais caras e <strong>de</strong> suas ambições<br />
mais legítimas, a dádiva preciosa <strong>de</strong> um coração aberto. Eucli<strong>de</strong>s dava-se<br />
a todos com essa aceitação e tolerância que não eram qualida<strong>de</strong>s suas,<br />
mas se alimentavam da admiração e do culto da inteligência como do foco<br />
interior em que tomava consciência das afinida<strong>de</strong>s eletivas. Gostava, por<br />
isto, <strong>de</strong> substituir a frieza e a troca protocolar por esses contatos, essas conversações<br />
espontâneas, <strong>de</strong> viva voz ou à distância, em que nada se pu<strong>de</strong>sse<br />
ocultar a outrem, essas efusões <strong>de</strong>pois das quais não fosse possível duvidar<br />
nem <strong>de</strong> sua nobreza <strong>de</strong> alma nem <strong>de</strong> sua sincerida<strong>de</strong> radical.<br />
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Alberto Venancio Filho