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Margarida Ottoni - O Planeta dos Homens Sem Cor (pdf(rev)

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O PLANETA DOS<br />

HOMENS SEM COR<br />

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O PLANETA DOS<br />

HOMENS SEM COR<br />

MARGARIDA OTTONI<br />

2. a Edição<br />

Orientação da<br />

Dra. Eliane Mazur Rozenblum<br />

Capa:<br />

Arthur Henrique Braga


NAVEGANDO AS ÁGUAS DO SIM<br />

Francisca Nóbrega<br />

Este romance chegou às nossas mãos cercado de<br />

estranhamentos. Perguntas inundaram o espírito de to<strong>dos</strong> os que o<br />

lemos. O rosto da Editora assumiu nuanças de prata e fogo. Ao mesmo<br />

tempo iluminado pela preciosa aparição, ao mesmo tempo ardendo no<br />

temor diante do inesperado. Este era o mais diferente de to<strong>dos</strong> os textos<br />

que já tínhamos recebido para oferecer: sem flores, sem aves, sem<br />

animais, sem mitos. Antes, a presença inusitada de um engenho<br />

mecânico a introduzir-se no espaço poético de um cenário urbano. Era a<br />

surpresa!<br />

Não de súbito, nem sem ponderações, tornamo-nos familiares e<br />

íntimos com O <strong>Planeta</strong>: esta narrativa que se tece sobre uma situação<br />

impossível de se apresentar no mundo que conhecemos, porque fundada<br />

na hipótese de uma inovação surpreendente.<br />

Começamos a questionar as geografias estáticas <strong>dos</strong> limites<br />

humanos, tão bem simbolizada no nosso receio de ir aonde não estamos.<br />

Lançamo-nos, pouco a pouco, nas aventuras do homem tecnológico,<br />

ascendendo do herói diário e pedestre, do herói ponto ou traço, para o<br />

herói futuro e mecanizado <strong>dos</strong> espaços sem fronteiras. Compreendemos<br />

que lançar O <strong>Planeta</strong> era o mesmo que lançar-nos ao <strong>Planeta</strong> — não<br />

apenas mundo, mas cosmo. Aplaudimos a hora de sair <strong>dos</strong> projetos, para<br />

projetar-nos, fiéis ao lance que nos encoraja pelos rumos novos,<br />

desbravadores do espaço aberto que, para nós, ainda eram as águas do<br />

não.<br />

E aqui está O <strong>Planeta</strong> <strong>dos</strong> <strong>Homens</strong> sem <strong>Cor</strong>. Como sempre, é<br />

<strong>Margarida</strong> <strong>Ottoni</strong> que nos dá o toque e o impulso. Cantora da semente<br />

que brota emergente do subterrâneo para a terra, cantora do aventureiro<br />

que imerge da tona para o fundo, cantora do viajante que trilha pontes e


une cidades, cantora de travessias, <strong>Margarida</strong> agora aciona as asas da<br />

imagem nova. A surpresa que nos traz é não trazer duendes, mas discos<br />

voadores. A gente acostumou-se a imaginar com asas fluidas. Ela nos<br />

força a imaginar com asas de metal. Não se perde no tempo vago do "Era<br />

uma vez..." Encontra-se no tempo do agora, milimetrado a régua e<br />

compasso, compassado milímetro a milímetro pela regularidade de um<br />

discurso perfeito. <strong>Margarida</strong> promove, aqui, o difícil diálogo entre a<br />

Ciência e a Arte. Se aquela é hoje a forma que informa toda a nossa<br />

compreensão e avaliação da realidade, esta é como sempre a portadora<br />

da força de linguagem que preside o próprio falar da ciência. Por isso, O<br />

<strong>Planeta</strong> redimensiona os hábitos narrativos na nossa Editora, para<br />

redimensionar os hábitos de leitura de nossos leitores.<br />

Numa estrutura fluente de começo-meio-fim, arquiteta-se uma<br />

estória com certa anomalia.<br />

Mas esta anomalia tende para o aceitável, pois o senso comum já<br />

a aceita e o pensamento científico a sustenta.<br />

Anima<strong>dos</strong>, oferecemos O <strong>Planeta</strong> aos nossos leitores.<br />

Impulsiona<strong>dos</strong>, garantimos nosso crescimento, inaugurando a<br />

estante da Ficção Científica.<br />

Desafia<strong>dos</strong>, penetremos juntos, mais adentro <strong>dos</strong> segre<strong>dos</strong> da<br />

vida, rumo ao mistério poético que, mais que tudo, nos transforma em<br />

argonautas .do desconhecido, navegadores das águas novas do pode-<br />

ser.


Madrugada de verão.<br />

1<br />

Desperta no leito, de olhos perdi<strong>dos</strong> no pedaço de céu estrelado<br />

que a janela emoldurava, eu ouvia, quieta, o marulhar das ondas ao<br />

longe.<br />

Recordava a festa do meu aniversário daquela noite; <strong>rev</strong>ia o<br />

grupinho de jovens amigos, to<strong>dos</strong> mais ou menos da minha idade, e a<br />

alegria que, juntos, desfrutamos, a dançar e a bater papo, numa<br />

barulhada incrível até tarde.<br />

— Uma festança! — disseram-me.<br />

Como de hábito, nós a realizamos no clube à beira-mar do qual<br />

papai é sócio-proprietário desde o tempo em que eu era criança.<br />

Quando a diretoria mandou construir, ao lado da sede, um prédio de<br />

apartamentos, meu pai foi um <strong>dos</strong> primeiros compradores. A partir de<br />

então, nossa família, residente no subúrbio, acostumou-se a veranear<br />

no apartamento e a fazer essa festa.<br />

Uma imagem surgia-me, de vez em vez, interpondo-se à<br />

seqüência <strong>dos</strong> fatos lembra<strong>dos</strong>: a de um rapaz moreno, de sorriso largo<br />

e olhar insistente — Flávio. Segundo Celeste, minha melhor amiga, ele<br />

estava interessado em mim.<br />

Permanecia acordada, enquanto to<strong>dos</strong> dormiam. E da cama,<br />

junto à janela, observava a Lua Cheia que clareava de leve o quarto.<br />

Como parecia cansada no seu lento e eterno caminhar!<br />

Para atrair o sono, resolvi contar as estrelas:<br />

— Cinco do Cruzeiro do Sul, mais a Estrela-d'Alva, que, aliás,<br />

não é estrela, mais as Três Marias, mais...<br />

O tempo ia passando, eu contando as luzinhas do céu, os<br />

pensamentos vindo e indo, e o sono... nada!<br />

Súbito, interrompeu-se o silêncio da noite. Um zumbido fino e


egular de motor fez-me sentar e ficar à escuta. Que seria? Ronco de<br />

carro ou de motocicleta não era; barulho de avião ou de helicóptero,<br />

também não. Era um som diferente de to<strong>dos</strong> que já ouvira. Muito<br />

incômodo, agredia-me os ouvi<strong>dos</strong> até deixá-los doendo! Entretanto, não<br />

podia dizer que fosse alto ou forte.<br />

Curiosa, ergui-me, cheguei à janela, debrucei-me. Vi o mar,<br />

quebrando na praia distante, a piscina prateada de luar e o clube<br />

fechado e escuro. Nada mais! Contudo, o ruído fino e desagradável que<br />

me fazia tampar os ouvi<strong>dos</strong> pairava no ar amedrontando-me. Seria uma<br />

máquina infernal? Estaria no pavimento térreo? No telhado?<br />

Pouco a pouco, o gramado, em frente à portaria, foi-se<br />

ruborizando à luz que vinha do alto, e o som terrível começou a baixar<br />

de intensidade. Arregalei os olhos, assustada. Havia algo ali! Um objeto<br />

muito grande, circular e metálico, dava voltas e mais voltas sobre o<br />

clube, estendia os faróis para a piscina, para o campo de esporte, para o<br />

prédio, como se estivesse à procura de alguém ou de alguma coisa. Ia e<br />

vinha. ora devagar, ora depressa, subia e descia facilmente, deslocava-<br />

se para a direita e para a esquerda, em linha reta ou em espiral. Piscava<br />

múltiplas cores e girava como pião.<br />

Senti o coração pular dentro do peito. Quis gritar para chamar<br />

meus pais que dormiam no quarto ao lado, mas faltou-me a voz. Dos<br />

lábios, saiu-me apenas um murmúrio entrecortado de medo:<br />

— Meu Deus! Isto é um...<br />

Devagar, a coisa estranha aproximou-se do gramado. A menos<br />

de um metro do solo, imobilizou-se, e o ruído incomodativo cessou. As<br />

luzes, porém, continuaram a varrer o local.<br />

Fiquei rija de espanto, com to<strong>dos</strong> os senti<strong>dos</strong> presos à misteriosa<br />

aparição. Ah! Se tivesse comigo a máquina fotográfica! Se houvesse<br />

mais alguém acordado para testemunhar o que acontecia! Se tivesse<br />

ânimo para ir acordar meus pais!<br />

Em vez disso, um torpor nunca antes experimentado amorteceu-<br />

me os gestos e perturbou-me as idéias. Ainda que desejasse desviar os<br />

olhos do objeto que via, não o conseguiria nem por um instante.


Comecei, então, a sentir uma força irresistível dominar-me,<br />

suscitando-me a vontade de ir lá fora, para vê-lo de perto. Seria por<br />

natural curiosidade minha, ou viria da atração inevitável daquele enge-<br />

nho? Impossível descobrir, inútil querer raciocinar, sob tamanha tensão<br />

nervosa!<br />

Como autômato, deixei a janela, corri à sala, girei o trinco da<br />

porta, puxei-a para trás, acendi a luz do corredor e, qual um raio, desci<br />

a escada. Num minuto cheguei à portaria. Abri-a com mãos trêmulas e<br />

vi-me a alguns metros da máquina fantástica!<br />

Inconsciente do perigo, corri para ela, mesmo descalça,<br />

magoando os pés nas pedrinhas do chão. Atingi o gramado e continuei<br />

a avançar, resoluta até que, sem forças, estaquei ofegante e confusa.<br />

Da nave, um farol de cor alaranjada iluminou o lugar e pegou-<br />

me em cheio. Cobri os olhos com as mãos, estonteada, e desequilibrei-<br />

me. Cai de bruços e assim fiquei, paralisada, sentindo o latejar<br />

acelerado do coração, que parecia querer saltar do peito.<br />

Surpreendentemente, o ruído infernal recomeçou, e o engenho<br />

ergueu-se como um bólido. Um momento depois, o silêncio e a paz<br />

haviam voltado. Rolando no chão, virei-me para o céu e ainda pude vê-<br />

lo afastar-se, até desaparecer entre as estrelas.<br />

Senti nas costas a umidade do solo. Sentei-me e observei o<br />

ambiente que readquirira a habitual tranqüilidade noturna. Olhei o<br />

gramado muito próximo e rememorei todo o acontecimento. Ainda<br />

trêmula, ergui-me e examinei o lugar onde pousara o objeto terrificante.<br />

Nada existia de anormal, nem sequer vestígio! Ele partira sem deixar<br />

marcas de sua passagem.<br />

Suspirei, aliviada. Ajeitei os cabelos e a roupa e já ia voltando ao<br />

prédio, quando percebi um vulto a distância. Parei para fixá-lo. Ele veio,<br />

então, ao meu encontro. À luz pardacenta do luar, não consegui<br />

distinguir-lhe as feições, mas notei, pelo porte, que se tratava de um<br />

homem. Vestia macacão escuro, calçava botas claras e usava capacete à<br />

moda <strong>dos</strong> corredores de automóvel de Fórmula 1.<br />

— Deve ser um motoqueiro metido a bacana! — pensei. — Vou


esperá-lo para saber se também viu o disco voador.<br />

Aguardei, pois, que se aproximasse, para falar--lhe. Enquanto<br />

caminhava, ele retirou o capacete e o colocou debaixo do braço. A luz da<br />

lua banhou-o da cabeça aos pés.<br />

Estremeci de pavor ao vê-lo de perto! E não pude conter um grito<br />

de repulsa. O homem tinha as mãos e o rosto pratea<strong>dos</strong>!<br />

— É um marciano! — concluí. E, louca de medo, pus-me a<br />

correr, desesperada.<br />

Alcancei a portaria do edifício, entrei espavorida e tranquei a<br />

porta rapidamente. Exausta e ofegante, encostei-me à parede. Senti as<br />

pernas fraquejarem, meu corpo foi deslizando, sentei-me no degrau e<br />

tudo se apagou diante de meus olhos.<br />

2<br />

As luzes frouxas da manhã começavam a iluminar o saguão do<br />

edifício, quando voltei do desmaio. O primeiro pensamento que me veio<br />

foi de horror ao relembrar o encontro com o homem prateado. Que visão<br />

alucinante fora aquela? Teria sido engano? Decerto que não. Ele devia<br />

ser — ora, não havia a menor dúvida! — ele só podia ser o passageiro do<br />

disco voador!<br />

Incitada pela idéia, fiquei à escuta <strong>dos</strong> sons que vinham de fora.<br />

Além do chuá contínuo das ondas e do barulho de algum veículo pela<br />

estrada próxima, nada mais ouvia! Que alívio! Estava salva!<br />

Que devia fazer, então? Subir a escada, naturalmente, e voltar<br />

pra cama. A curiosidade, porém, provocava-me a abrir a porta e<br />

espreitar. Torci devagar, devagarinho, o trinco e descerrei a porta. Pela<br />

fresta, alonguei o olhar até ao gramado. Não vi ninguém e resolvi


entreabri-la mais um pouco. Acabei por escancará-la num ímpeto. E saí<br />

para dar uma espiada ao redor.<br />

Encontrei o que pressentia: o terrível indivíduo, sentado ali, num<br />

banco ao lado da porta. Ao ver-me, levantou-se, e eu, diante dele, baixei<br />

os olhos, morta de medo.<br />

— Bom dia! — cumprimentou-me.<br />

Com o rabo <strong>dos</strong> olhos, fitei a mão que estendia para mim. Que<br />

surpresa! Era da cor das minhas! Ergui o olhar para ele e soltei um<br />

"Oh!" de espanto. Sua face era branca também. Não me teria enganado?<br />

Fixei-o de novo, mais admirada ainda. E, apontando-lhe o rosto, gritei:<br />

quê?<br />

incrédulo:<br />

— A pele!... Eu vi! Era prateada! Eu vi! Por que mudou? Por<br />

O moço sorriu. Tinha dentes bonitos. Exclamou com ar<br />

— Prateada?!<br />

Aproximou-se, para que eu o pudesse ver melhor. Exibiu as<br />

mãos. <strong>Sem</strong> dúvida,, ele era branco, mais do que eu. Os cabelos? Negros,<br />

como os meus.<br />

cabeça.<br />

— Foi por este motivo que fugiu? Confirmei com um bater de<br />

— Por que essa idéia?<br />

Confesso que já não me sentia tão assustada como antes. A<br />

atitude cordial e simples do rapaz devolveu-me boa parte da serenidade<br />

perdida. Contei:<br />

não viu?<br />

— Vi um disco voador ali! — E apontei para o gramado. — Você<br />

Ele se mostrou surpreso:<br />

— Eu? Claro que não!<br />

— Pois eu vi! — retruquei. — Estava acordada, quando<br />

apareceu. Eu o vi da janela. Desci e corri para ele. Cheguei bem perto.<br />

Era grande, metálico e expelia luzes coloridas.<br />

— Ah!... E depois?<br />

— Foi embora e, quando me voltei, havia um homem prateado


com uma roupa igualzinha à sua.<br />

existem!<br />

assunto:<br />

— Igualzinha?<br />

— Isso mesmo! Pensei que fosse um marciano!<br />

— Marciano? Logo agora que já se sabe que marcianos não<br />

— Tem razão — concordei, meio sem graça. Ele mudou de<br />

— Sabe que você é muito bonita? Como se chama?<br />

— Neide. E você?<br />

— Tálbor.<br />

— Que nome esquisito! — exclamei, ficando séria. — Parece até<br />

nome de marciano!<br />

risada.<br />

E voltei a mirá-lo, com ar desconfiado, enquanto ele caía na<br />

— De novo? — perguntou. Encontrávamo-nos no pátio do<br />

edifício, deserto àquela hora matutina. Tálbor, sempre bem-humorado,<br />

começou a contar:<br />

— Se você fosse a minha casa, ia ficar admirada. To<strong>dos</strong> temos<br />

nomes originais. De marcianos, como você diz! Meu irmão chama-se<br />

Tínger, e minha irmã, Telga.<br />

— Não diga! Nunca vi ninguém com esses nomes! Por que vocês<br />

são diferentes?<br />

— Diferentes? Bem, meu pai é um homem excêntrico! Nossa<br />

casa, por exemplo, parece um charuto. Foi construída sobre uma<br />

coluna cilíndrica. É giratória, para que possamos voltá-la para leste ou<br />

para oeste.<br />

— Formidável! Onde fica?<br />

— Longe — disse ele. E mudou de assunto novamente: — Sabe<br />

que é a primeira vez que venho aqui?<br />

— Não conhece o clube? Puxa! Ele é jóia! Tem to<strong>dos</strong> os<br />

esportes, sabe? Por enquanto, é cedo, mas, assim que abrir, vou levá-lo<br />

para ver as instalações. Agora, só posso mostrar a piscina, quer?<br />

Ele não disse nem sim, nem não, e resolvi conduzi-lo até lá.


— Venha!<br />

Saí à frente, deixando que me seguisse. Não lhe ouvi os passos e<br />

virei-me para aguardá-lo. Estava quase a meu lado. Tinha pés enormes,<br />

meti<strong>dos</strong> em botas que pareciam pesadas, contudo andava com leveza,<br />

como se flutuasse. Desconfiada, ergui os olhos para seu rosto,<br />

pensando outra vez que ele fosse o estranho passageiro do disco voador.<br />

Analisei-lhe as feições. Eram regulares, como -as das pessoas que eu<br />

conhecia. Procurei, então, convencer-me de que não havia razão para<br />

temê-lo. Tratava-se de um ser humano normal. E até bem avançado! O<br />

macacão e as botas que usava eram muito pra-frente.<br />

Dei-lhe razão:<br />

Sentindo-se observado, ele me perguntou:<br />

— Ainda pensa que sou marciano? <strong>Cor</strong>ei e não consegui mentir:<br />

— Penso no homem esquisito que vi. Ele se vestia como você.<br />

— Ora! Um homem esquisito! Não foi impressão sua?<br />

Enquanto falava comigo, olhava-me fixamente dentro <strong>dos</strong> olhos.<br />

— Deve ter sido. Em seguida, confessei:<br />

— Acho que você é um motoqueiro. Conversando, chegamos à<br />

margem da piscina cujas águas puras e azuis refletiam a claridade<br />

tênue da manhã. Indaguei:<br />

— Que tal?<br />

— Ótima! — respondeu, sem aproximar-se da borda. Ainda<br />

assim, o reflexo da água deu-lhe certo tom azulado e translúcido que<br />

me pôs uma vez mais em dúvida. Por isso, afastei-me dele.<br />

A distância de alguns metros, voltei-me para vê-lo. Ele<br />

caminhava em minha direção, seguro e alegre. Fitei a superfície líquida<br />

e não consegui distingui-lo. Por quê? Seria pela luz ofuscante do Sol à<br />

minha frente, que me impedia de enxergar direito, ou Tálbor era mesmo<br />

um homem fora do comum?<br />

A suposição de estar junto de um ser de outro planeta deixava-<br />

me sobressaltada, não obstante o jeito amigo que lhe notava nas<br />

atitudes. Para dirimir a dúvida, achei melhor submetê-lo a uma prova<br />

E a primeira idéia que me veio pus em prática.


— Quer dar um mergulho? — convidei, quase certa de que<br />

responderia "não"<br />

hora.<br />

— É cedo.<br />

— Que nada! — insisti. — A água é fresca e agradável a esta<br />

E sem esperar resposta:<br />

— <strong>Cor</strong>ro ao apartamento, visto o maio e já volto. É um<br />

instantinho só. Você tem calção, não tem? Adoro cair na água, quando<br />

não há ninguém, sabe? Mais tarde, vem muita gente. .. Assim falando,<br />

afastei-me depressa.<br />

— Até já! — gritei.<br />

Ele me chamou, tentando fazer-me mudar de idéia:<br />

— Neide! Venha cá! Não vá! É cedo para isto! Deixe para mais<br />

tarde! Neide! Volte, por favor!<br />

3<br />

No apartamento, reinava absoluto silêncio. Papai e mamãe<br />

dormiam. Cansa<strong>dos</strong> da festa, era provável que acordassem tarde.<br />

Fui ao quarto, vesti o maio e o short e, pé ante pé, dirigi-me à<br />

cozinha para beber um copo de leite gelado.<br />

Mamãe despertou ao roçar quase imperceptível de meus passos.<br />

— Bom dia, querida! — exclamou, perto de mim. — Pronta para<br />

sair? Que horas são?<br />

— Bom dia, mamãe! — Consultei o relógio da sala. — Quase<br />

sete horas — respondi.<br />

— E já vai para a piscina? Garanto que não comeu nada!<br />

— Vou beber um copo de leite. Ela acabara de amarrar o robe.<br />

— Nada disso! — retrucou. — Vou fazer café.


— Não tenho fome. Aquela doçada de ontem ainda está aqui,<br />

mamãe! — E levei a mão ao estômago.<br />

— Um cafezinho é bom — concluiu ela. Entrou na cozinha, pôs<br />

a chaleira ao fogo.<br />

talheres...<br />

forma.<br />

— Neide! — pediu. — Estenda a toalha, ponha as xícaras e os<br />

Abriu a geladeira, retirou o leite, o queijo, a manteiga e o pão-de-<br />

— Que tal um queijo quente? — sugeriu.<br />

— Oh, não, mamãe! Assim só está bom.<br />

Por dentro, eu era um vulcão de impaciência. Preferia não<br />

comer, queria ir-me, porque o rapaz me esperava. Embora o<br />

considerasse muito perigoso, ansiava por vê-lo de novo, conversar com<br />

ele, decifrá-lo .<br />

— Tomara que ande depressa! — pensei, aflita, enquanto ela<br />

arrumava a refeição.<br />

<strong>Cor</strong>ri à sala e consultei o relógio outra vez: sete e vinte. Puxa!<br />

Que demora para ferver uma chaleira de água!<br />

Papai acordou nesse instante. Olhou para a sala, viu-me à<br />

janela, chamou-me:<br />

— Neide! O jornal já veio?<br />

O clube costumava mandar uma kombi à banca mais próxima,<br />

aos domingos, para trazer jornais. Depois, um <strong>dos</strong> emprega<strong>dos</strong> ia<br />

entregá-los de porta em porta.<br />

— Ainda não veio, pai.<br />

— Não? Que horas são?<br />

— Sete e vinte e cinco.<br />

— Tão cedo! Gritou por mamãe:<br />

— Consuelo! Por que este rebuliço a esta hora? Nós fomos<br />

dormir às duas da manhã!<br />

Mamãe baixou o fogo da chaleira e foi ao quarto.<br />

— Que rebuliço, Tião? É esta menina — apontou para mim —<br />

que vai sair. Estou fazendo café. Você não quer?


— Quero, sim!<br />

Levantou-se, calçou os chinelos. Veio para a sala e, à falta do<br />

jornal do dia, pegou o da véspera para reler.<br />

Debrucei-me à janela outra vez e olhei para a piscina. Não havia<br />

ninguém por lá. Onde estaria Tálbor? <strong>Cor</strong>ri os olhos por toda parte, mas<br />

não o descobri. Ah, se pudesse esquecê-lo, em vez de procurá-lo!<br />

Papai, vendo-me debruçada a observar o exterior, indagou:<br />

— Que foi? Está procurando alguém?<br />

A frase deixou-me gelada. <strong>Sem</strong> saber, ele acertara no alvo.<br />

Como, porém, dizer-lhe que desejava ver um moço estranho que<br />

mudava de cor, um homem capaz de andar sem que eu lhe ouvisse os<br />

passos? Que pensaria meu pai, se lhe contasse que vira um disco<br />

voador de madrugada?<br />

— Estou vendo se Celeste já desceu — menti.<br />

— Claro que não desceu, minha filha! Você se esquece de que<br />

todo mundo foi dormir tarde?<br />

E fitando-me, incisivo:<br />

— Que aconteceu com você, hoje, para acordar tão cedo? Deu<br />

formiga na cama? Viu passarinho verde?<br />

Comecei a rir. Tive vontade de responder: "Vi homem prateado!"<br />

Da cozinha, chegou o aroma do café.<br />

— Podem vir — avisou mamãe. Voltei-me para o relógio, antes<br />

de sair da sala.<br />

Sete e meia! Imaginei que, a essa hora, Tálbor se cansara de<br />

esperar e já se fora, pensando que eu não voltaria. Que maçada!<br />

Sentamo-nos à mesa. Havia torradas, geléia, queijo e biscoitos,<br />

além do pão com manteiga e do café com leite de costume. Também o<br />

que sobrara do bolo de aniversário ali estava.<br />

— Tião! Você vai querer suco de laranja? — indagou mamãe.<br />

— Hoje, não! Estou sem vontade. Comi demais na festa.<br />

— Eu também — esclareci para evitar que ela começasse a<br />

dizer: "Coma isto, coma aquilo."<br />

Em vez de fome, eu tinha pressa. Quanto mais rápido, melhor!


Se não, Tálbor desistiria. Aliás, já verificara que perto da piscina ele não<br />

se encontrava. Talvez tivesse ido ao bar para comer ou beber alguma<br />

coisa. Mas, não! Só abria às oito!<br />

Ante a fartura da nossa primeira refeição, pensei: "Poderia até<br />

convidá-lo. Se ele é humano, deve ter fome, como toda gente."<br />

los na testa.<br />

Engoli o último pedaço de pão e perguntei:<br />

— Posso ir, não é?<br />

— Que pressa! — observou mamãe. — Você quase não comeu. ..<br />

— Não tenho fome — repeti, enquanto me inclinava para beijá-<br />

Deixei-os à mesa do café e dirigi-me à porta. No corredor,<br />

respirei, aliviada. Afinal, livre! Perdera, entretanto, quarenta minutos.<br />

Ainda encontraria Tálbor? Ou, aborrecido comigo, teria resolvido ir-se<br />

embora?<br />

A correr, desci a escada e cheguei à portaria. A saída, uma<br />

surpresa! Celeste aguardava-me no banco. E estava de maio também.<br />

Pelo visto, teria de apresentá-la a Tálbor.<br />

4<br />

Domingo, no clube, é dia de grande afluência de sócios. Uns vão<br />

à piscina, outros preferem os campos de esporte, outros buscam os<br />

jogos de salão. Muitos chegam para almoçar e ficam a tarde inteira.<br />

Em janeiro, as famílias que possuem apartamento aproveitam as<br />

férias escolares para um período de repouso. O prédio fica apinhado de<br />

gente. Meus pais e eu gostamos de passar dois meses ali, e já faz oito<br />

anos que nunca faltamos. Confesso que para mim não pode haver férias<br />

melhores.


Durante o ano letivo, vamos nos fins-de-semana, como a maioria<br />

<strong>dos</strong> associa<strong>dos</strong>. <strong>Sem</strong>pre combino as idas com Celeste, minha boa<br />

amiga. Somos da mesma idade, entendemo-nos muito bem. Entre nós<br />

não há segre<strong>dos</strong>.<br />

Naquele domingo, porém, vacilei antes de tocar no assunto que<br />

me afligia. Na verdade, tinha receio de contar-lhe o ocorrido. Talvez<br />

risse de mim. Há tantas pessoas que não acreditam em discos voadores!<br />

Arrisquei uma pergunta:<br />

indagação:<br />

Que foi?<br />

— Você ouviu um barulhão esta noite, Celeste?<br />

— Eu? Que nada! Bati na cama, e foi um sono só!<br />

Voltou-se para mim, com os grandes olhos azuis cheios de<br />

— Que barulho?<br />

— Assim, feito um zumbido agudo, ou um ronco forte...<br />

— Ronco? — repetiu, franzindo a testa. — Ah, não ouvi, não!<br />

Olhei-a de frente. Estive a ponto de narrar-lhe o que me<br />

acontecera, mas não tive coragem.<br />

— Não sei ao certo... Ela começou a rir.<br />

— Ronco, não é? Vai ver que foi um disco voador, hem? Há um<br />

empregado, no clube, que diz que já viu um, mas a gente não acredita<br />

em bobagens. Você acredita?<br />

— Eu?!<br />

Senti o rosto quente e virei-me para o lado oposto a fim de<br />

impedir que me visse ruborizada. E tratei de rir também, embora sem<br />

vontade.<br />

Chegamos à piscina; havia diversas pessoas ali.<br />

— Vamos cair n'água? — perguntou Celeste.<br />

— Já, não! Vamos até ao bar. Quero comprar balas.<br />

— Mentira! Você quer é ver se alguém está lá! A frase deixou-me<br />

atônita. Inexplicavelmente, ela acertara. Ou lera no meu rosto a<br />

ansiedade que me consumia?<br />

— Alguém? — repeti, com voz insegura.


— Flávio!<br />

Foi minha a vez de achar graça. E ri tanto, que ela se convenceu<br />

da exatidão do prognóstico.<br />

No bar, porém, não encontrei quem procurava. Convenci-a, pois,<br />

a acompanhar-me até à praia. De lá, fomos ao campo de tênis, ao de<br />

basquete e ao de voleibol. Voltamos à piscina, fomos ao salão e ao bar<br />

novamente. Percorremos o clube duas vezes, sem resultado. Não estava<br />

em parte alguma o misterioso personagem da madrugada. Então,<br />

comecei a duvidar de mim mesma, de meus olhos., de minha mente. -<br />

"Disco voador não existe" pensei. "Tálbor também não!" Logo, reagi:<br />

"Existe, sim! Como não? Eu o vi, falei com ele, tenho certeza!" Contudo,<br />

havia desaparecido. Voltaria?<br />

A contragosto, ligava a figura do moço simpático à do homem<br />

prateado, e tal pensamento me assustava muito. Ainda assim, gostaria<br />

de <strong>rev</strong>ê-lo. Tratava-se de uma inquietação a que não me podia furtar.<br />

A tarde, obcecada pela idéia, tornei a circular pelo clube e voltei<br />

à praia. Em vão! Cansei-me e não o achei. Nem me livrei do<br />

desassossego.<br />

Foi um dia angustiante aquele, cheio de segredo e dúvida, de<br />

ansiedade e decepção. Fiquei tão perturbada, que o pessoal notou e<br />

comentou o meu comportamento.<br />

— Que há com você? — quis saber Celeste.<br />

— Ela está no mundo da Lua! — criticou Flávio.<br />

— Parece doente — disse mamãe, à noite.<br />

Na verdade, sentia-me abatida e febril. A cabeça doía-me como<br />

se fosse explodir. Posto o termômetro, verificamos: 38 graus.<br />

— É gripe — sentenciou papai. Enganou-se. O que eu tinha era<br />

um desespero contido, espécie de consumição perniciosa que crescia e<br />

me queimava por dentro.<br />

Mamãe deu-me um chá de limão com aspirina e mandou-me<br />

para a cama. Fechou a janela, lembrando o perigo <strong>dos</strong> golpes de ar para<br />

quem toma suadouro. Não protestei. Era melhor assim. Não veria o céu,<br />

nem as estrelas, nem discos voadores.


— Mamãe, fique comigo!<br />

Ela se sentou a meu lado e me acariciou os cabelos. Em poucos<br />

minutos, adormeci.<br />

5<br />

Acordei sobressaltada, como se alguém me houvesse sacudido.<br />

Havia claridade no quarto, embora muito suave. Começava a raiar um<br />

novo dia.<br />

Um só pensamento me veio: o de abrir a janela e olhar para fora.<br />

Surpreendentemente, o mal-estar que me prostrara na véspera se<br />

convertera em boa disposição.<br />

Finquei os cotovelos no peitoril e percorri com os olhos to<strong>dos</strong> os<br />

cantos avistáveis do clube. Depois, fixei a praia distante: o mar agitado,<br />

a areia branca, o Sol nascente e um bando de gaivotas que ia e vinha, a<br />

pouca altura, para mergulhar e, rápido, emergir...<br />

Divisei um vulto que caminhava devagar, ao longo da orla<br />

marítima. De quando em quando, abaixava-se e recolhia algo que<br />

guardava nos bolsos. Observando-lhe o físico e o traje, reconheci-o.<br />

Troquei de roupa às carreiras e saí porta afora, em direção à<br />

praia. E fui correndo, receosa de que desaparecesse. Mas, enquanto<br />

corria, minha cabeça voava dessa a outra idéia: seria certo ir ao<br />

encontro de alguém cuja presença tantas dúvidas semeava em meu<br />

espírito? Talvez houvesse perigos que eu ignorava.<br />

Ele me avistou de longe. Acenou para mim e veio alcançar-me a<br />

meio caminho. Reparei que seus pés não se enterravam na areia, como<br />

os meus. Pareciam pairar a alguns centímetros do solo. E as pegadas?<br />

Óh, Deus! Não as vi!


Antes que me recuperasse do assombro, ele começou a explicar:<br />

— Não pude esperá-la ontem. Desculpe-me. Tinha hora<br />

marcada, precisava ir. Como está você?<br />

de persuasão.<br />

— Bem, ou melhor, à noite, tive febre — respondi, vacilante.<br />

— Nervosa ainda? Mostrou-se cordial:<br />

— Esqueça os maus pensamentos, por favor! Sejamos amigos.<br />

Em meus olhos, a força indescritível de suas pupilas tinha poder<br />

— Está certo!<br />

A onda de sobressaltos que me vinha abalando foi cedendo lugar<br />

a uma confortadora sensação de paz. De repente, como por encanto,<br />

percebi que não mais o temia, embora duvidasse de sua condição hu-<br />

mana. Que olhar prodigioso!<br />

— Somos amigos? — perguntou.<br />

— Somos!<br />

— Então, ajude-me!<br />

Inclinou-se para recolher conchinhas.<br />

— Preciso de muitas, de preferência diferentes entre si. Quero<br />

também amostras vegetais: flores, folhas, raízes...<br />

colaboração?<br />

— Para quê?<br />

— Para um trabalho que faço. Posso contar com sua<br />

— Claro!<br />

Ficamos mais de uma hora a executar a tarefa. À medida que lhe<br />

entregava os espécimes, ele os colocava nos bolsos. Estes, porém,<br />

nunca pareciam cheios.<br />

— Sabe que já são cinco e meia? — disse-lhe eu, consultando o<br />

relógio de pulso.<br />

chão.<br />

— Já?<br />

Ergueu o rosto e examinou o céu, de norte a sul, de leste a oeste.<br />

— Vamos descansar um pouco? — convidou sentando-se no<br />

— Vamos — respondi, enquanto pensava se também ele sujaria


os fundilhos de areia, como eu.<br />

Sentei-me a seu lado, observando-o. Vi-o retirar um cigarro do<br />

bolso e levá-lo à boca. <strong>Sem</strong> acendê-lo, começou a fumar.<br />

— Ué! Estava aceso? — estranhei.<br />

— Acendeu-se ao calor de meus lábios: 37 graus. Basta um<br />

trago para acendê-lo.<br />

acendeu.<br />

— Quê? — admirei-me. — Não é possível!<br />

— Sério. Quer experimentar?<br />

— Deus me livre!<br />

— Então, veja de novo.<br />

Pegou outro cigarro apagado, colocou-o na boca, e ele se<br />

— Que bacana! -- falei.<br />

— Quem inventou isto?<br />

— Meu pai. Por quê?<br />

— Porque ele devia tirar patente deste invento, sabe?<br />

Tálbor começou a rir.<br />

— Uma coisa à-toa, como esta?<br />

— À-toa? — repeti, de queixo caído.<br />

— Se você visse tudo que temos lá em casa, não se<br />

entusiasmava tanto! — concluiu. E continuou a fumar, sereno.<br />

Fiquei atenta ao cigarro. Ele o fumou até ao fim. Nada sobrou.<br />

Mas uma coisa notei durante o tempo em que estava aceso: o rosto de<br />

Tálbor mudou levemente de tom, ruborizou-se.<br />

Perguntei-lhe de supetão:<br />

— Você acredita em discos voadores?<br />

Na certa, não esperava de mim tal pergunta, pois demorou muito<br />

a responder. Entretanto, não me surpreendeu quando disse, de forma<br />

lacônica, mas sincera:<br />

— Sim.<br />

Depois, voltou o olhar para o meu e indagou:<br />

— Você não tem medo, não é?<br />

De fato, não tinha. Nesse momento, então, sentia uma


tranqüilidade que jamais experimentara e plena confiança em sua<br />

palavra.<br />

— Veja! — disse-me apontando para o horizonte. — Lá vem um!<br />

Pos-se de pé, ergueu os braços e gesticulou. Levantei-me,<br />

também, ao ver o disco aproximar-se.<br />

Era igual ao da véspera. Zumbia, girava e emitia luzes de cores<br />

vivas. Em segun<strong>dos</strong>, chegou à praia e, rapidamente, imobilizou-se. Em<br />

cima, abriu--se uma tampa e, por ali, saiu uma passarela que se<br />

estendeu até nós.<br />

Enfim, estava confirmada a suspeita que me preocupara por<br />

mais de vinte e quatro horas. Tálbor era um ser extraterrestre. E eu<br />

sempre soubera disto, embora me agitasse num mar de dúvidas.<br />

Ninguém na Terra muda de cor ou anda sem pisar!<br />

— Neide!<br />

Tálbor fixava-me, persuasivo, e estendia-me a mão.<br />

— Vamos?<br />

Não vacilei. Dirigi-me para a rampa a passos firmes e, sem olhar<br />

para trás, embarquei rumo a um mundo desconhecido.<br />

6<br />

Por dentro, a nave era ampla e silenciosa. Tinha dois<br />

compartimentos contíguos: o primeiro, uma sala-de-estar funcional,<br />

onde cadeiras, mesas e utensílios, embuti<strong>dos</strong> nas paredes, surgiam,<br />

quando necessários, ao toque de botões; o segundo, uma cabina de<br />

comando cheia de painéis, pinos luminosos e aparelhos complexos.<br />

Várias portas em derredor, todas fechadas. Não vi ninguém. Tálbor


sussurou-me:<br />

— Não há perigo.<br />

Olhei à volta. Reparei que as paredes do veículo, transparentes<br />

de dentro para fora, permitiam ver com exatidão o mundo que nos<br />

cercava. Lembrei-me, então, de que, ao# contrário, de fora para dentro,<br />

eram opacas: do exterior, ninguém conseguia ver o que se passava ali<br />

dentro. Compreendi, por isso, que o disco não precisava de janela.<br />

Outra coisa deixou-me estupefata: as muitas telas panorâmicas <strong>dos</strong><br />

aparelhos. Cada qual se destinava a mostrar aspecto diferente da Terra.<br />

Nelas, viam-se homens semelhantes a Tálbor se movimentarem em<br />

pontos diversos de nosso planeta. Ao pé de cada imagem, havia<br />

registros e gráficos, incompreensíveis para mim.<br />

Tálbor mudara de cor. Em conseqüência das luzes vermelhas<br />

dentro da nave, ele tornou-se rubro, e isso me fez estremecer de susto.<br />

Ao notar meu espanto, explicou:<br />

— Sou um homem sem cor. Minha pele toma a coloração<br />

ambiente. Por isso à noite, ao luar você me achou prateado.<br />

— Já sei. Chama-se mimetismo essa propriedade da pele —<br />

falei, pensando no camaleão.<br />

— Acho que sim. Nos animais terrestres, o mimetismo é uma<br />

forma de autodefesa, não é? Em nós, trata-se de um fenômeno<br />

inexplicável. Na Terra há homens amarelos, negros, brancos. .. Entre<br />

nós, não há diferenças raciais.<br />

— Você me assusta! — reclamei.<br />

— Não há motivo. Somos amigos.<br />

Apertou um botão na parede. Imediatamente, abriu-se uma<br />

gaveta que continha vários frascos. Escolheu um para oferecer-me:<br />

— Beba, por favor!<br />

E, como eu hesitasse, esclareceu:<br />

— É um antídoto à ação do raio ultralux, paralisante, que é<br />

mortal, em poucos meses, para os seres da Terra. Ontem, você foi<br />

atingida e estará salva com esta poção. Beba!<br />

Obedeci-lhe e notei que meu gesto o alegrara.


— Muito bem! Se seguir minhas instruções sempre, nada de<br />

mal lhe acontecerá.<br />

Uma porta abriu-se, e dois homens, pareci<strong>dos</strong> com ele na cor e<br />

no traje, vieram procurá-lo. Reparei que ficaram muito tempo juntos,<br />

em silêncio. Comentei com Tálbor, depois que se foram:<br />

— Não ouvi vozes.<br />

— Para quê? — perguntou. — Podemos nos entender sem falar.<br />

— Mas você fala comigo.<br />

— Falo? Engano seu!<br />

Ante meu ar de surpresa, expôs:<br />

— É uma transmissão de pensamentos o que se passa.<br />

— Entre nós dois também?<br />

— Também.<br />

Levei a mão direita aos lábios e exclamei:<br />

— Que horror!<br />

Minha boca não se moveu. Compreendi que ele não mentia.<br />

Entretanto, se não me tivesse <strong>rev</strong>elado a verdade, eu jamais a teria<br />

percebido. Depois, refletindo no caso, achei-o sensacional. Se a gente<br />

fosse igual a eles, poderia entender to<strong>dos</strong> os idiomas da Terra.<br />

— Você também adivinha o que penso? — indaguei.<br />

—Adivinhar, não! Contra a sua vontade, não há transmissão. É<br />

preciso que você se dirija a mim para que eu possa captar seu<br />

pensamento. Entende?<br />

— Claro! É como conversar sem abrir a boca.<br />

— Exato!<br />

Fui-lhe fazendo perguntas sobre perguntas para saciar minha<br />

enorme curiosidade. Respondeu-me, sempre solícito, à maioria delas.<br />

Fiquei sabendo que fora escolhida por me considerarem bem dotada,<br />

capaz de receber e transmitir mensagens sem embaraços .<br />

— Não é fácil encontrar um ser acessível ao nosso contato.<br />

Certa vez, por exemplo, tentei aproximar-me de um empregado do<br />

clube, e ele quase provocou um desastre.<br />

Outras <strong>rev</strong>elações me fez. Contou-me que era habitante do


planeta Vigo, da estrela Canópus. Sua profissão — pescador espacial —<br />

ele a exercia de galáxia em galáxia, recolhendo espécimes para estu<strong>dos</strong><br />

científicos. Quando havia possibilidade, atraía seres humanos também.<br />

— Mas sempre os devolvemos a seus mun<strong>dos</strong>. Não se preocupe!<br />

Não sei dizer quanto tempo viajamos, porque meu relógio parou<br />

tão logo embarquei no disco. Deslumbrada, vi o espaço sideral, negro e<br />

imenso, ir crescendo à proporção que nele mergulhávamos. Lá, entre<br />

milhares de pontos luminosos, como pequena lâmpada a luzir, o Sol!<br />

Acolá, a Terra e, nela, o Brasil, minha família, meus amigos.. .<br />

— Você me enganou! — falei, virando-me para Tálbor, que<br />

permanecia a meu lado.<br />

— Não! — respondeu. — Você sabia desde o princípio.<br />

Tinha razão. Não me podia queixar. Minha curiosidade<br />

arrastara-me até ali. Por sorte, tudo corria bem. Mas o futuro, como<br />

seria?<br />

7<br />

Junto à nave, meteoritos passavam depressa, obrigando o<br />

veículo a desviar-se seguidamente. Dentro, nem a mais leve trepidação!<br />

Tálbor continuou a dar explicações:<br />

— Estudamos agora a Terra. Conhecemos os elementos que a<br />

compõem e algumas espécies vegetais e animais...<br />

Parou, indeciso, como se algum receio o impedisse de contar<br />

toda a história. Mas prosseguiu:<br />

— Começamos o estudo <strong>dos</strong> seres humanos. Em cada país de<br />

seu planeta, há dezenas de pescadores nossos. Veja!<br />

Apontou para os painéis que eu já havia notado. Atentando bem,


econheci aspectos de Paris, Nova Iorque, Tóquio e de outras cidades do<br />

mundo. Percebi, de novo, que cada tela acompanhava os movimentos de<br />

um pescador espacial de Vigo.<br />

— Como vê, estamos em toda parte, tentando contatos com<br />

seres humanos. Ao mesmo tempo, somos controla<strong>dos</strong>, e tudo que<br />

observamos transmitimos à nave mais próxima.<br />

E, com b<strong>rev</strong>e sorriso:<br />

— Engraçado, como são complica<strong>dos</strong> vocês, na Terra! E tão<br />

diferentes entre si no físico., na cultura, nos hábitos, no idioma, nos<br />

sentimentos. ..<br />

astro.<br />

desc<strong>rev</strong>ia:<br />

— Vocês não?<br />

Ele não respondeu. Mostrou-me, a distância, a luz pálida de um<br />

— Eis o nosso mundo! — exclamou. Silenciei, enquanto ele o<br />

— É menor que a Terra, embora maior que a Lua. Tem<br />

gravidade, ar atmosférico, água, vegetais, animais...<br />

— E petróleo?<br />

— Para quê? Não precisamos dele. Usamos a energia de<br />

Canópus. Ela nos fornece luz, calor, força motriz...<br />

— E há muitos países?<br />

— É constituído de um só, onde as leis, os costumes, a religião<br />

e o governo são iguais, em qualquer latitude ou longitude.<br />

A nave entrou em órbita do planeta. À primeira vista,<br />

decepcionou-me. Não era azul e brilhante como a Terra vista do Espaço.<br />

Envolto em nuvens, à semelhança de Vênus, Vigo tinha cores sombrias.<br />

— Gosta? — perguntou o rapaz.<br />

— Muito! — respondi, com a intenção de ser gentil.<br />

A chegada ao planeta foi surpreendente. A nave circulou-o<br />

algumas vezes. Depois sob<strong>rev</strong>oou uma cidade e, desc<strong>rev</strong>endo uma<br />

espiral, aproximou-se dela.<br />

— Esta é Vigópolis, a capital do país. Como vê, não se<br />

assemelha a nenhuma das cidades da Terra.


De fato era muito diferente. As casas pareciam grandes balões,<br />

presos a colunas cilíndricas. Variavam de feitio e de cor. Não tinham<br />

telhado nem janelas. Decerto, seriam opacas de fora para dentro e<br />

transparentes de dentro para fora.<br />

— Ah, que casas lindas! — falei.<br />

— Não são de barro, cimento e ferro. Usamos um metal sintético,<br />

aliás o mesmo com que fabricamos os veículos espaciais. Daí, serem<br />

leves e móveis. Voam.<br />

— Voam?<br />

— Voam — repetiu. — As colunas de sustentação são fixas. As<br />

casas, não. Quando nos mudamos de bairro ou de cidade, levamos as<br />

moradias, ou melhor. vamos com elas. Basta adaptá-las, no novo local,<br />

às bases construídas pela prefeitura.<br />

— Espantoso!<br />

Nesse instante, o disco voador em que viajávamos aproximou-se<br />

de uma das colunas em que havia vaga e pousou.<br />

— Ué! — estranhei. — O disco também utiliza a coluna?<br />

— Por que não?<br />

— E como se desce daqui?<br />

— Você verá — foi a resposta.<br />

Com um giro rápido, a nave ajustou-se à base, e um alçapão<br />

abriu-se na parte inferior. Olhei para o buraco de saída, longo, circular<br />

e sombrio.<br />

— Vou entrar pelo cano! — recordei a piada. Tálbor foi o<br />

primeiro a descer. O cano não pareceu escorregadio. Ao contrário, nele<br />

se abrandava a queda, amparando a pessoa. Fiquei doida para<br />

experimentá-lo. Que delícia foi a descida! O tubo era feito de anéis<br />

acolchoa<strong>dos</strong> que se moviam.<br />

chão.<br />

a minha idéia.<br />

— E como é que se sobe? — quis saber, assim que cheguei ao<br />

— É só ligar a chave ao contrário, como nas escadas rolantes.<br />

— Bacana! Posso experimentar de novo? Tálbor achou divertida


— Está bem, menina! Suba!<br />

Ligou a chave, e eu subi; torceu-a para o lado oposto, e desci.<br />

Uma, duas, três vezes. Depois, aumentou a velocidade, julgando que me<br />

assustava. Qual! Dei risadas com a brincadeira!<br />

maior barato!<br />

menor valor...<br />

— Chega? — perguntou.<br />

— Agora chega! Mas vou lhe dizer uma coisa: este invento é o<br />

— Lá em casa, temos um igual. Você vai acabar não dando o<br />

— Duvido!<br />

Na rua, fazia frio. A roupa que eu usava — uma calça comprida<br />

de brim e uma blusa de malha sem mangas — não me protegia, e<br />

comecei a tremer. Tálbor pegou uma caixinha do tamanho da de<br />

fósforos e disse-me:<br />

— Ponha-a no bolso. É um aquecedor corporal. Assim fiz, e<br />

um halo de calor envolveu-me,<br />

dando-me conforto. Então, ergui os olhos para o céu. Era cor de<br />

gelo, como nos dias nubla<strong>dos</strong> da Terra. Sob aquela luz baça, to<strong>dos</strong> os<br />

habitantes de Vigo tornavam-se brancos, muito páli<strong>dos</strong>; pareciam anê-<br />

micos.<br />

— Aonde vamos? — perguntei a Tálbor.<br />

— Primeiro, a minha casa. Você será nossa hóspede. Meus pais<br />

e meus irmãos já foram avisa<strong>dos</strong> de nossa chegada. Estão a nossa<br />

espera para o almoço.<br />

Lembrei-me de que ainda estava em jejum. Além do remédio que<br />

ele me fizera beber, eu nada tinha ingerido. Que apetite senti! Depois,<br />

pensei nas comidas que iria encontrar e desanimei. Decerto aquele povo<br />

não comia o que a gente come no Brasil: feijão, arroz, farinha, bife,<br />

batata. ..<br />

Tálbor veio ao encontro do meu pensamento:<br />

— Você vai apreciar a refeição. Garanto!<br />

Tomou-me o braço e fez-me subir na pista rolante que passava<br />

na rua. Vendo-me desequilibrar, amparou-me.


— Em b<strong>rev</strong>e, estará acostumada. Não temos veículos na<br />

superfície. Nossas pistas nos levam a to<strong>dos</strong> os lugares, com segurança e<br />

rapidez. Os que têm pressa tomam o centro da faixa, que é mais veloz;<br />

os que não a têm, como nós, seguem pela beirada. Nos cruzamentos, há<br />

desvios à direita e à esquerda, o que, na Terra, vocês chamam de t<strong>rev</strong>o,<br />

balão, retorno...<br />

— Ah! Isto é bom!<br />

— Tudo aqui é bom — concluiu o viguense. — Você nunca se<br />

esquecerá desta viagem.<br />

8<br />

Tálbor, felizmente, era bem-educado e não se impacientava com<br />

a torrente de porquês despejada sobre ele. Às vezes, eu nem<br />

precisava indagar. Contava-me com naturalidade:<br />

— Para viagens longas, usamos os minidiscos ou os subtrens.<br />

Todas as moradias têm, pelo menos, um ou dois de cada.<br />

— São individuais?<br />

— Alguns, sim. A maioria dá para três ou quatro pessoas, como<br />

um automóvel. Veja!<br />

Apontou para um deles que voava a grande velocidade. Outros<br />

vinham em sentido contrário.<br />

— Vai bater! — gritei.<br />

— Não vai, não! Os minidiscos, como os grandes, possuem<br />

radar para proteger o vôo. São movi<strong>dos</strong> a energia estelar. Você irá usar<br />

um <strong>dos</strong> nossos com freqüência.<br />

— E os subtrens?<br />

— Ah, estes são muito utiliza<strong>dos</strong> no rigor do inverno ou do


verão. Imagine que, no calor, temos uma temperatura média de 80<br />

graus centígra<strong>dos</strong> à sombra; no frio, ela cai a 120 abaixo de zero. Como<br />

não podemos viver esses perío<strong>dos</strong> na superfície de Vigo, passamos ao<br />

subsolo, onde construímos outras cidades. Estas colunas que<br />

sustentam as casas são profundas e unem as moradias externas às<br />

subvigâneas — subterrâneas, como diria você. Nas estações<br />

temperadas, como esta agora, acumulamos provisões e realizamos tudo<br />

que depende da vida ao ar livre. Nas estações extremas, dedicamo-nos<br />

aos estu<strong>dos</strong>.<br />

— É incrível como podem viver tanto tempo embaixo do chão!<br />

Tálbor completou:<br />

— Os subtrens são movi<strong>dos</strong> a energia centro-planetária. Nesta<br />

época quase não os usamos, mas você poderá conhecê-los, se quiser.<br />

— Quero, sim!<br />

Senti-me penalizada ao saber das dificuldades climáticas do<br />

planeta. Insisti:<br />

— Vocês não se sentem mal lá embaixo?<br />

— Não. Tudo é perfeito: ar, luz, água, temperatura ...<br />

A propósito, informou:<br />

— No planeta vizinho, por exemplo, a situação é mais difícil,<br />

porque não há estação temperada. O povo vive permanentemente<br />

enterrado. Quem passar próximo ou pousar julgará que é desabitado.<br />

— Puxa! — exclamei. — Você me fez pensar em Marte, o vizinho<br />

da Terra. A gente pensava que tinha habitantes e falava nos marcianos<br />

como se existissem mesmo. Agora, descobrimos que é deserto . Quem<br />

sabe se lá também....<br />

— Nunca fui a Marte — atalhou ele.<br />

Assim conversando, chegamos à rua onde Tálbor morava.<br />

Saltamos para a calçada, bem diante da coluna de sua casa. <strong>Cor</strong>ri para<br />

o escorregador, enquanto ele ligava a chave de subida. Num instante<br />

encontrava-me na sala.<br />

A primeira pessoa que vi logo me agradou: uma mocinha como<br />

Celeste, de olhos azuis e muito risonha. Nem precisou ser-me


apresentada.<br />

— É Telga! — adivinhei.<br />

Em seguida, surgiram os outros membros da família: pai, mãe e<br />

irmão — este, um menino de nove anos provavelmente.<br />

— Um musicista — adiantou a irmã.<br />

Todas as pessoas vestiam macacões, de cores e feitios diversos,<br />

conforme a idade e o sexo. Cederam--me um, de Telga, estampado e<br />

muito elegante. Não usavam sapatos; nem precisavam deles, pois<br />

não pisavam o assoalho. Levitavam à altura de alguns centímetros.<br />

O dia foi cheio de surpresas. Pude verificar que a residência, à<br />

semelhança da nave, era equipada de móveis e utensílios embuti<strong>dos</strong><br />

que surgiam ao toque de botões. Os alimentos, até que saborosos,<br />

foram postos sobre a mesa por ganchos automáticos. Os familiares de<br />

Tálbor mostraram-se cordiais e hospitaleiros. Os irmãos, conversadores,<br />

contaram-me, entre outras coisas, que os viguenses davam muita im-<br />

portância aos exercícios físicos: atletismo, natação e jogos desportivos.<br />

Um destes, o predileto do povo, era o da bola, praticado exclusivamente<br />

com a cabeça; pernas e braços só eram utiliza<strong>dos</strong> para correr em<br />

direção à bola ou para equilibrar o corpo na hora de cabeceá-la.<br />

Tínger exibiu suas qualidades artísticas. Sentou--se ao<br />

concertino — um instrumento semelhante a uma orquestra, com piano,<br />

violinos, violoncelos, clarinetes, bateria, saxofone e flautas — que tocava<br />

à medida que ele dedilhava algumas teclas. Tudo que em nosso planeta<br />

exige uma equipe, ali era executado por uma pessoa. E a suavidade da<br />

música produziu em mim um completo relaxamento físico e espiritual!<br />

Caía a tarde quando um visitante chegou. Tratava-se de um<br />

homem corpulento e barbudo, vestido numa capa comprida até aos pés.<br />

Foi entrando, sem cerimônia, cumprimentando os presentes com ar<br />

autoritário e, parando diante de mim, declarou:<br />

— Vim buscá-la!


9<br />

A determinação dele apavorou-me.<br />

— Vim buscá-la! — repetiu, tentando segurar--me o braço.<br />

Esquivei-me e corri para junto de Tálbor, confiante na proteção<br />

de que me dera mostras tantas vezes durante a viagem.<br />

Ele se interpôs entre mim e o recém-chegado.<br />

— Deixe-a por minha conta, meu caro Zelfo. Eu a trouxe até<br />

aqui, eu a levarei até lá.<br />

O outro, porém continuou no mesmo tom severo:<br />

— Há grande expectativa no Centro de Ciências. Desde que<br />

recebemos a notícia de que você tinha conseguido pescar um espécime<br />

humano terrestre, estamos a postos. O Grão-Sábio convocou to<strong>dos</strong> os<br />

especialistas .<br />

Tive vontade de xingá-lo. Aquele brutamontes me chamava de<br />

"espécime"! E ainda usava palavras que me feriam a sensibilidade.<br />

"Pescar"! Ninguém me pescara. Se estava em Vigo, era porque decidira<br />

ir.<br />

lá!<br />

Zelfo mostrou-se impaciente.<br />

— Jamais poderíamos supor que você não a levasse direto para<br />

— Lamento muito. — desculpou-se Tálbor Atrás dele, eu<br />

acompanhava a discussão. Decidiam meu destino e não me<br />

consultavam, como se eu fosse mesmo um espécime pescado. Com o<br />

coração aos pulos, ouvia ora um, ora outro, desconfiando de que me<br />

havia metido na maior enrascada. E lamentava ter acreditado nas<br />

promessas de Tálbor. Que segurança haveria para mim, se ele ia<br />

entregar-me às autoridades?<br />

Zelfo retirou-se tão abruptamente como havia entrado. E o alívio<br />

que sua ausência me trouxe, embora passageiro, arrancou-me lágrimas.


A família comoveu-se com minha tristeza. Telga correu para mim e<br />

abraçou-me.<br />

é boníssimo...<br />

Não quero ir!<br />

me:<br />

— Não se assuste — murmurou-me ao ouvido. — O Grão-Sábio<br />

— Mas eu não quero ir! — bradei desesperada. — Não quero ir!<br />

Voltei-me contra Tálbor:<br />

— Você mentiu! Perverso! Malvado!<br />

Minha reação deixou-o surpreso. Ainda assim, tentou acalmar-<br />

— Não menti...<br />

— Mentiu, sim! Mentiu!. . .<br />

Dei-lhe as costas e enfiei o rosto nas mãos, para abafar o choro<br />

convulso que me transtornava. E, enquanto eu soluçava baixinho, ele<br />

começou a explicar:<br />

— Contei-lhe tudo na viagem, lembra-se?<br />

Era verdade. Contara, sim. Dissera, inclusive, que, sempre que<br />

possível, buscavam atrair seres humanos de outros planetas para<br />

estu<strong>dos</strong> científicos.<br />

— Mas você também disse que sempre devolve cada pessoa a<br />

seu mundo — recordei, menos agressiva.<br />

— Exato, — confirmou ele — e é o que vai acontecer a você!<br />

— Não vai! — protestei. — Eu vi a cara dele... daquele homem<br />

horrível, o Zelfo!<br />

Olhei-o de soslaio. Ele parecia sereno.<br />

— O Zelfo? Ele é vai<strong>dos</strong>o, só isso! Queria ter o prazer de levá-la,<br />

ele próprio, à presença do Grão-Sábio. Não deixei, porque este<br />

dever é meu. Recebi a missão, vou cumpri-la até o fim. Quanto a<br />

você, acho que está zangada à toa.<br />

— À toa? Sei lá o que vão fazer comigo!<br />

E mirei-o, com olhar de dúvida. Foi a conta: a contemplação<br />

daqueles olhos atraentes transmitiu--me a confiança de que carecia.<br />

— Nada de mal — expôs. — Você será interrogada e submetida


a uma série de testes. Ninguém a afligirá. São exames indolores e<br />

inofensivos que visam complementar nossos arquivos. Temos apare-<br />

lhagem moderníssima para o registro imediato de todas as reações<br />

físicas e psíquicas de uma pessoa. Já possuímos cadastros de<br />

experiências realizadas com seres de vários planetas, para estu<strong>dos</strong><br />

comparativos.<br />

— E depois? — perguntei, com voz débil.<br />

— Você voltará à Terra. Eu mesmo a levarei.<br />

Acreditando nele, aquiesci. Despedi-me da família e embarquei,<br />

em sua companhia, no minidisco, rumo ao Centro de Ciências.<br />

10<br />

Ao chegar, tive uma surpresa: ninguém a minha espera!<br />

— Ora! O Zelfo não disse que o Grão-Sábio convocou to<strong>dos</strong> os<br />

especialistas para me conhecerem? — perguntei a Tálbor.<br />

— Convocou, mesmo! Devem estar ansiosos por este momento.<br />

No interior da sala, como à entrada, não encontrei vivalma. Só<br />

paredes lisas, luzes em profusão e, ao centro, uma cadeira de braços.<br />

— Sente-se! — orientou-me ele.<br />

— Para quê?<br />

— Para ser apresentada a to<strong>dos</strong>.<br />

Sentei-me e fiquei aguardando os cidadãos, que, diziam,<br />

estavam ansiosos por me conhecer. Mas o tempo foi passando, foi<br />

passando, e eles não apareceram. Virei-me para um lado e para o outro,<br />

impaciente.<br />

— Acho que desistiram.<br />

— Não desistiram, não! Espere um pouco mais. Afinal, quando


as luzes diminuíram, e eu já<br />

estava cansada de ficar sentada, Tálbor me disse:<br />

— Vamos?<br />

— Aonde?<br />

— Para casa, naturalmente.<br />

— Para casa? E os sábios?<br />

— Já terminaram o primeiro teste. Amanhã cedo, voltaremos.<br />

Na rua, crivei-o de perguntas. Fiquei sabendo que os cientistas<br />

me haviam observado através das paredes, que na cadeira adaptaram<br />

um computador de reações simples e que aquelas luzes nada mais eram<br />

do que câmaras de profundidade.<br />

— Puxa! — exclamei. — Nunca pensei que pudesse funcionar<br />

desse jeito. Não é que foi fácil?<br />

Tálbor alegrou-se, ao ver-me despreocupada.<br />

— Não lhe disse? — perguntou, afirmando.<br />

— Tem razão Só espero que seja sempre assim.<br />

11<br />

É surpreendente que duas pessoas de mun<strong>dos</strong> tão distantes<br />

possam ser tão parecidas como Celeste e Telga! Não só fisicamente —<br />

estatura, idade, peso e traços fisionômicos — mas por dentro também.<br />

Ambas são muito boazinhas.<br />

Desde o primeiro dia em que a vi, Telga tornou--se minha amiga.<br />

Tão logo voltei do Centro de Ciências, ela veio sentar-se a meu lado e<br />

puxou conversa. Contei-lhe o acontecido, e ela achou graça do fato de<br />

eu ter esperado tanto tempo pelos cientistas e da minha pena por não<br />

os ter conhecido.


— É assim mesmo — explicou. — Eles nos observam, com<br />

precisão, através de aparelhos especiais, enquanto nós nem os vemos!<br />

desses.<br />

— Vocês também se sentam naquela cadeira?<br />

— Sim. Geralmente . quando adoecemos, fazemos um exame<br />

— Ah! Foi por isso que Tálbor não se incomodou com a demora!<br />

— Claro! Por ser pescador espacial, ele é obrigado a exames<br />

periódicos. Só os muito sadios podem exercer essa profissão.<br />

— E mulher, pode?<br />

— Pode, sim. Mas eu não quero. Prefiro ser noticiarista, uma<br />

atividade muito interessante para quem gosta de esc<strong>rev</strong>er, como eu.<br />

Vou ter oportunidade de colher notícias, redigi-las, divulgá-las! Com o<br />

avanço da ciência espacial, essa profissão assume importância cada vez<br />

maior.<br />

— Puxa, Telga! Você é formidável — exclamei com entusiasmo.<br />

— Quando Tálbor regressa das viagens, ele me desc<strong>rev</strong>e os<br />

outros mun<strong>dos</strong>, o clima, os costumes, tudinho. Depois, aproveito as<br />

informações e esc<strong>rev</strong>o contos. Que tal?<br />

Fiquei curiosa.<br />

— Posso lê-los?<br />

— Você sabe ler a nossa escrita? Se souber, eu até vou gostar,<br />

porque comecei a esc<strong>rev</strong>er sobre a Terra.<br />

Vibrei com a novidade.<br />

— Oba! Que idéia genial, Telga! Mas, mesmo que eu não saiba<br />

ler, posso ajudá-la, contando coisas interessantes. Você quer?<br />

— Se quero!<br />

— Em primeiro lugar, você precisa saber que a Terra é um<br />

planeta com milhões de anos de existência. Gira em torno de uma<br />

estrela que chamamos Sol — estrela de quinta grandeza! 'O Sol brilha<br />

tanto que não se pode ficar olhando para ele!<br />

— O nosso sol é Canópus, mas nunca o vemos — lamentou<br />

minha amiga. — Vigo está sempre envolto em nuvens.<br />

Prossegui:


— Temos um satélite, a Lua. Embora sem vida, ela é muito<br />

importante, porque regula as marés de nosso planeta. Quando a Lua<br />

está cheia, é bonita à beca! A coisa mais linda do mundo é uma noite<br />

enluarada à beira-mar.<br />

Telga estava presa às minhas palavras, fascinada. De queixo<br />

caído, parecia sonhar com o que ouvia<br />

— Fale do céu — pediu.<br />

— O céu é azul de dia; o mar também.<br />

— Céu azul? Deve ser maravilhoso! Lembrei-me das cores<br />

sombrias da natureza viguense e tive pena de Telga.<br />

planeta.<br />

— Mas quando chove fica cinzento.<br />

— Como aqui?<br />

— Mais ou menos.<br />

Ela queria que eu continuasse a discorrer sobre a Terra.<br />

— Fale do mar, por favor.<br />

— Ah! O mar ocupa mais de dois terços da superfície do<br />

— Tudo isso? Aqui é meio a meio — informou. — Agora, diga:<br />

qual é a superfície da Terra?<br />

— Certinho, certinho, não sei. Mas é superior a 500 milhões de<br />

quilômetros quadra<strong>dos</strong>.<br />

— Muito maior que Vigo! Deve ter milhões de habitantes, hem?<br />

Esbocei um sorriso e já ia responder, quando Tálbor, que<br />

escutava a conversa, deu um palpite quase certo:<br />

cinco.<br />

— Não são milhões, minha irmã. São bilhões, provavelmente<br />

Ela voltou-se para ele.<br />

— E qual o lugar mais bonito, mano?<br />

— O Brasil! — respondeu, fitando-me de modo significativo. —<br />

Especialmente uma certa praia, em noite de Lua Cheia.<br />

Agradeci, encabulada.<br />

— Bondade sua!<br />

Tínger surgiu à porta e atrapalhou o bate-papo.


— Está na hora de jantar.<br />

Durante a refeição, a família quis saber como se realizara a<br />

minha primeira experiência no Centro de Ciências. Contei toda a<br />

história, inclusive minha vã expectativa pelo aparecimento <strong>dos</strong> sábios!<br />

Rimos juntos do episódio. E houve quem narrasse vários fatos, em<br />

condições semelhantes.<br />

Depois Tínger convidou-me para ver seus brinque<strong>dos</strong>.<br />

— São to<strong>dos</strong> eletrônicos — informou. Telga, porém, opôs-se:<br />

— Nada disso! Ela vai ficar comigo aqui, para ler meus contos.<br />

— E amanhã? — sugeriu o menino.<br />

— Só à tarde — disse Tálbor. — Pela manhã, vou levá-la, de<br />

novo, ao Centro de Ciências.<br />

— Posso ir junto?<br />

— Não, senhor! Aquilo não é lugar para crianças. Vendo-o<br />

acabrunhado com os foras que levou,<br />

prometi:<br />

— Quando eu voltar, a gente brinca, está bem, Tínger?<br />

Fiquei até tarde, sentada na sala, entre Telga e Tálbor, ouvindo<br />

os contos que ela esc<strong>rev</strong>era, já que não os sabia ler. Um deles, apenas<br />

esboçado, tinha por cenário a Terra e por personagens uma jovem ter-<br />

restre e um pescador espacial viguense.<br />

distante.<br />

— Que nome devo dar à heroína? — indagou.<br />

— Celeste! — sugeri, pensando em homenagear minha amiga<br />

— Você gosta? — perguntou ao irmão mais velho.<br />

Ele nada respondeu. Puxou um cigarro do bolso, levou-o aos<br />

lábios e, fumando silencioso e com ar pensativo, continuou a ouvir o<br />

desenrolar do romance inacabado.<br />

Fixei-o atentamente. Parecia um galã.


12<br />

No dia seguinte, conheci um viguense muito afável. Era moço<br />

como Tálbor, magrinho e risonho. Falava muito, perguntava demais, por<br />

dever de ofício.<br />

No começo, pensei que fosse o namorado de Telga, pois notei<br />

grande cordialidade entre ambos. Depois soube que era funcionário do<br />

Centro de Ciências, como Zelfo. Enquanto este secretariava o Grão-<br />

Sábio, Lau exercia a função de noticiarista da entidade: daí seu bom<br />

relacionamento com Telga.<br />

Chegou cedo à casa de Tálbor para ent<strong>rev</strong>istar--me. Trouxe<br />

autorização assinada por Zelfo. Logo que me viu, começou a elogiar-me:<br />

— Uma moça bonita, hem, Tálbor! Além de eficiente, você<br />

mostrou que é um rapaz de bom gosto!<br />

Fiquei embaraçada, sem saber o que dizer. Ele insistiu:<br />

— São todas bonitas assim?<br />

Tálbor não deu resposta. Limitou-se a convidá-lo a sentar-se.<br />

Telga veio assistir à ent<strong>rev</strong>ista e foi alvo de outra série de lisonjas.<br />

Lau trouxera uma lista de perguntas. Mostrou-a a Tálbor, que as<br />

leu em silêncio.<br />

Sentei-me diante do noticiarista, com o coração batendo célere.<br />

Não era pelo receio do que pudesse ser perguntado, mas pela<br />

oportunidade de uma experiência nova. Até aquele dia, nunca fora<br />

ent<strong>rev</strong>istada!<br />

O moço explicou, de início:<br />

— Temos um relatório, assinado por Tálbor, sobre todas as<br />

fases do trabalho que desenvolveu até a sua chegada a Vigo. Primeira<br />

pergunta: Que sentiu, quando avistou o objeto voador diante de sua<br />

janela?<br />

— O que todo mundo sente: medo! Ele fazia um barulho


horrível!<br />

— Contou a alguém o que viu?<br />

— Não. Tentei, mas não tive coragem.<br />

— Quando desconfiou que estava lidando com um ser<br />

extraterrestre?<br />

o chão.<br />

Voltei os olhos para Tálbor. Ele mantinha os seus volta<strong>dos</strong> para<br />

— No primeiro instante — respondi.<br />

— Teve medo dele?<br />

— Pavor! — falei, com ênfase.<br />

Acho que Tálbor estremeceu. Tive a impressão de tê-lo magoado.<br />

Tratei, pois, de emendar:<br />

quente.<br />

— Foi só no começo. Agora, é diferente.<br />

— Gosta dele, então?<br />

A pergunta encabulou-me. Penso que corei, porque senti o rosto<br />

— Dele e de to<strong>dos</strong> aqui!<br />

Lau voltou' ao assunto principal:<br />

— É verdade que, na Terra, a maioria das pessoas afirma que<br />

disco voador não existe?<br />

— É sim, mas muita gente, ao contrário, conta que já viu, que já<br />

falou com seus passageiros e, até, que foi levada por eles ...<br />

— Como você!<br />

— Pois é! — confirmei, com um sorriso amarelo.<br />

— E o Governo o que faz?<br />

— Que Governo? Na Terra, há muitos governos, e eles não se<br />

metem nisso! As pessoas que acreditam, sim! Há associações que<br />

congregam os que crêem na existência de discos voadores.<br />

— Onde?<br />

— Em vários países: França, Portugal, Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong>... No<br />

Brasil, por exemplo, há grupos que fazem vigílias, observando o céu,<br />

para descobrir a passagem de objetos voadores.<br />

— Boa notícia!


Telga meteu-se na ent<strong>rev</strong>ista.<br />

— Neide, conte como são descritos estes objetos. Procurei<br />

relembrar o que lera a respeito.<br />

— Não há coincidência. Uns dizem que parecem bacias ou pires;<br />

outros, que parecem balões, charutos e até moringas. As luzes também<br />

variam. E os tripulantes? Há quem diga que são pequenos e verdes.<br />

Tálbor e Lau entreolharam-se. Telga <strong>rev</strong>elou mais:<br />

— Dependem da origem, Neide. Há muitas naves espaciais de<br />

outros planetas. Daí, as diferenças.<br />

Fiquei muito surpresa.<br />

— Nunca 'imaginei! — disse. — Aliás, até o começo de 1976,<br />

pensava que os discos fossem marcianos .<br />

To<strong>dos</strong> riram, e eu também.<br />

Lau ainda tinha perguntas importantes a fazer. Com ar de quem<br />

pretende arrancar um grande segredo, inquiriu:<br />

— Agora, diga-me como são os discos voadores da Terra.<br />

Tive vontade de chamá-lo de bobo.<br />

— A Terra não tem!<br />

— Como não? Já cruzamos com vários a caminho da Lua.<br />

Compreendi a que se referia.<br />

— As Apoios? Ah! Só vão até à Lua.<br />

— Só? Fale a verdade.<br />

— Juro!<br />

Lau consultou o relógio e pôs-se de pé.<br />

— Não posso prolongar mais a ent<strong>rev</strong>ista. Sei que tem de ir,<br />

ainda hoje, ao Centro de Ciências, não é verdade? Muito obrigado pelas<br />

informações. Foram excelentes!<br />

Despediu-se. Telga foi levá-lo ao escorregador. Fiquei só com<br />

Tálbor. Perguntei-lhe:<br />

— Está na hora de irmos?<br />

Ele me olhou com certo quê de piedade.<br />

— Está — confirmou. — Gostaria de não ir? Aborreceu-me seu<br />

jeito pie<strong>dos</strong>o. Se tinha pena


os ombros.<br />

de mim, por que me atraíra até Vigo? Fingi-me de forte. Sacudi<br />

— Já que é preciso...<br />

Meu descaso contagiou-o. Mudou de tom:<br />

— Vou carregar a bateria do minidisco é volto para chamá-la.<br />

— Posso ir já — retruquei.<br />

— Se quiser! — respondeu, procurando mostrar-se indiferente.<br />

Saímos juntos. Esperei que cuidasse do veículo e, depois, sentei-<br />

me a seu lado, como se fosse uma estranha. No caminho, mal trocamos<br />

algumas palavras. Dir-se-ia que estávamos zanga<strong>dos</strong>.<br />

13<br />

O relógio de Tálbor marcava dez horas viguenses quando<br />

chegamos ao Centro de Ciências. Como na véspera, não vi ninguém.<br />

Desta vez, entretanto, não me surpreendi.<br />

Entramos na mesma sala. No lugar da cadeira de braços,<br />

computadora de reações simples, do dia anterior, encontrei uma esfera<br />

transparente e vazia, com uma porta aberta. Compreendi que<br />

realizariam o teste no interior dela.<br />

— Vou? — perguntei a Tálbor.<br />

Fez-me um movimento afirmativo de cabeça.<br />

Banquei a corajosa e entrei na bola, sem hesitar. Quando,<br />

porém, olhei para trás e o vi do lado de fora, senti-me perdida. Estendi a<br />

mão para chamá-lo. Tarde demais! A bola fechou-se. As luzes<br />

apagaram-se. E tudo girou à volta.<br />

Senti-me como pena solta ao vento, leve e sem destino. Gritei de<br />

medo, mas, suponho, ninguém me ouviu. Depois, um a um,


acenderam-se focos luminosos nas cores do arco-íris, to<strong>dos</strong> dispostos<br />

ao redor da sala. A bola transparente desapareceu. Vi-me colocada bem<br />

no ponto de convergência das luzes, recebendo sobre mim o jato <strong>dos</strong><br />

sete focos acesos. Percebi, então, o que se passava: estavam tentando<br />

reproduzir a luz branca da Terra. Por um minuto, alegrei-me — parecia<br />

sentir o brilho e a tepidez do Sol!<br />

Tão rápida como surgira, apagou-se a luz solar. O ambiente<br />

tornou-se sombrio. Saído não sei de onde, apareceu a um canto um<br />

diva. Entendi que deveria usá-lo. Deitei-me, sentindo-me tensa. Eis que<br />

o leito começou a mover-se num suave embalo. Adormeci.<br />

Jamais poderei saber o que se passou durante as horas em que<br />

dormi. Só sei que, ao despertar, senti-me exausta, como se tivesse<br />

trabalhado muito. Dentro de mim, uma sensação de vazio!<br />

Ergui-me, vacilante. Divisei um vulto, de pé, no canto oposto e<br />

reconheci-o imediatamente: Zelfo, o mal-encarado. Então esforcei-me<br />

para não cair. E consegui caminhar até ele, de queixo erguido e olhar<br />

desafiador. Detestava-o.<br />

demonstrasse.<br />

Zelfo, decerto, sabia da minha aversão, embora não o<br />

— Por hoje, basta! Você necessita de recarga.<br />

Apertou um botão, uma porta abriu-se, e apareceu Tálbor. <strong>Cor</strong>ri<br />

para ele e pendurei-me em seu braço.<br />

— Vamos embora! — implorei.<br />

No caminho, apesar de cansada, contei-lhe toda a experiência.<br />

Ele explicou-me quanto pôde. As provas tinham por finalidade verificar:<br />

primeiro, os efeitos da ausência súbita da gravidade nos seres ter-<br />

restres; segundo, o aspecto da pele à luz solar. E frisou:<br />

— Um homem viguense não pode tomar banho de sol.<br />

— Não? Que pena!<br />

— Lau me disse que Zelfo está empenhado em descobrir a Teoria<br />

da Mutação das <strong>Cor</strong>es.<br />

— E para que me fizeram dormir?<br />

— Para pesquisar as funções de seu organismo e as reações de


sua mente. Foi um exame longo e profundo. Sua carga físico-mental,<br />

que é limitada, ficou exaurida. Você precisa da pausa de algumas horas<br />

para refazer-se. A este processo natural que, na Terra, vocês chamam<br />

recuperação, nós, em Vigo, damos o nome de recarga. O tempo<br />

necessário para a recarga físico-mental varia, no indivíduo, conforme a<br />

pressão atmosférica e a força de gravidade do planeta de origem. Zelfo<br />

calcula que você, habitante da Terra, precisará de oito a dez horas<br />

viguenses para recarga completa. Só depois voltará a ser submetida a<br />

novos testes.<br />

— Quanto tempo gasta um ser do seu planeta para obter essa<br />

recarga físico-mental?<br />

— Muito menos. A pressão atmosférica e a gravidade de Vigo<br />

estão sob controle. Nosso progresso científico pôs em equilíbrio as<br />

influências do meio. Nas pessoas sadias, a recarga é quase automática.<br />

— Espantoso! Você nunca fica exausto?<br />

— Nunca!<br />

— Que coisa absurda!<br />

— Absurda? Vocês, na Terra, ignoram muitas das próprias<br />

peculiaridades, especialmente no que se refere à força mental. Só o<br />

progresso científico fará com que compreendam.<br />

Vendo-me espantada diante do que dizia, esclareceu :<br />

— Estou falando de seres humanos, adultos e sãos, em<br />

condições normais, entende?<br />

Em tom de pesar, acrescentou:<br />

— Posso verificar que há um abismo entre terrestres e<br />

viguenses. Não pensei que duas horas de testes chegassem a esgotá-la.<br />

Se tivesse que viver aqui, sua capacidade vital seria insuficiente.<br />

Olhei-o, muito admirada. Que pretendia dizer com a frase "Se<br />

tivesse que viver aqui. .."? Ele prometera levar-me de volta à Terra!<br />

Tálbor notou meu desapontamento.<br />

— Estou falando em tese, Neide! Não temos a menor intenção de<br />

retê-la em Vigo. Da mesma forma, se eu quisesse permanecer na<br />

Terra...


— Seria um super-homem! — exclamei.<br />

— Ou uma bomba humana! Quem sabe? Estávamos chegando a<br />

casa, e Tínger esperava--me, ansioso, para brincar, como eu prometera.<br />

— Esta recreação vai lhe fazer bem — comentou Tálbor.<br />

O menino conduziu-me à sala <strong>dos</strong> brinque<strong>dos</strong> eletrônicos. Fiquei<br />

encantada! Era um universo em miniatura. Eu quis logo procurar a<br />

Terra. Ele me indicou os dois planetas, Terra e Vigo. Tão distantes entre<br />

si!<br />

— Puxa! — reparei. — São mun<strong>dos</strong> opostos! Depois, Tínger<br />

exibiu sua coleção de veículos espaciais; to<strong>dos</strong> do tamanho de caixas de<br />

fósforos, mas perfeitamente idênticos aos reais. Peguei o Apoio, o<br />

Sputnik, o Soyuz, o Viking.<br />

Mostrou-me também a variedade de ufos. Eram ou circulares,<br />

como pratos; ou boju<strong>dos</strong>, como balões; ou compri<strong>dos</strong>, como charutos;<br />

ou ainda cúbicos, como da<strong>dos</strong>.<br />

Contou-me uma coisa que me deixou estarrecida:<br />

— Estas naves cúbicas são do planeta Raz, onde os homens são<br />

pequenos e verdes. Sabe por quê? Têm clorofila na pele. Ouvi Tálbor<br />

dizer que eles são meio gente, meio planta.<br />

14<br />

As experiências científicas prosseguiram por vários dias, sempre<br />

na parte da manhã. À tarde, ficava livre, para fazer o que me agradasse.<br />

Pedi aos meus amigos viguenses que me levassem a passeios.<br />

Desejava conhecer a capital e. se possível, outras metrópoles de Vigo.<br />

Aproveitando o dia da folga semanal, fizemos um piquenique<br />

numa cidade subviganea. Tomamos o subtrem e fomos até ao lago


artificial.<br />

Uma experiência inesquecível! Nunca pensei que pudesse existir,<br />

sob o chão, exatamente tudo o que existe em cima. As casas eram<br />

confortáveis, o meio de transporte excelente, e havia parques, museus,<br />

bibliotecas, igrejas, teatros, escolas...<br />

O lago artificial, maravilhoso, tinha barquinhos a motor e<br />

submarinos panorâmicos. Embaixo da água, havia reproduções de<br />

seres marinhos de diversos planetas. Vibrei de entusiasmo, quando<br />

reconheci a baleia, a tartaruga, o peixe-espada e outros.<br />

Telga levou um cozinheiro automático — espécie de robô, onde<br />

se despejam os ingredientes da comida, por um lado, e, pelo outro, se<br />

retiram os pratos feitos.<br />

Lau fez parte do grupo. Não se afastou de mim um segundo<br />

sequer, cheio de mesuras e lisonjas. Perguntou-me:<br />

— Você tem namorado?<br />

Pensei em Flávio e quase disse que sim. Como não gosto de<br />

mentir, fiquei calada, e ele, julgando que eu considerasse Tálbor meu<br />

namorado, cochichou-me :<br />

— Eu sei de tudo. Ele está doido de ciúmes! Não era verdade.<br />

Lau queria fofocar e ficava inventando histórias. Nesse mesmo instante,<br />

Tálbor divertia-se, jogando bola com Tínger. Nem parecia notar a<br />

presença do noticiarista ao meu lado!<br />

Mais tarde, Telga tirou retratos. Que decepção! Não apareci em<br />

nenhum; via-se apenas a roupa, de tecido viguense.<br />

— Pudera — disse Lau. — Esta câmara só serve para pessoas e<br />

coisas de nosso planeta!<br />

À hora de vestirmos os trajes de banho, aí sim, reparei a<br />

diferença entre mim e eles! Minha pele, cor de mel, queimada do Sol; a<br />

deles, da cor ambiente, branco-gelo. Lembrei-me de que as figuras <strong>dos</strong><br />

nossos museus de cera pareciam mais humanas. A iluminação no<br />

subsolo, por processos ópticos, reproduzia a de fora, e eles se<br />

mantinham, como ao ar livre, excessivamente páli<strong>dos</strong>. Em casa, com as<br />

lâmpadas acesas, tomavam uma coloração, mas jamais se as-


semelhavam a nós. Por isso eu gostava de ver Tálbor fumar — o rubor<br />

da chama deixava-lhe o rosto meio rosado, e eu julgava ver nele uma<br />

pessoa da Terra!<br />

Ao fim da tarde, resolvemos regressar. Logo veio a noite, e meus<br />

amigos começaram a escurecer. Só não ficaram negros de todo, porque<br />

as ruas eram iluminadas.<br />

Na viagem, observei que os rapazes conversavam a um canto do<br />

trem. Tálbor sorria, de leve, enquanto escutava a tagarelice de Lau.<br />

Pouco depois, veio sentar-se junto a mim para <strong>rev</strong>elar o que ouvira:<br />

— Sabe o que ele me contou a seu respeito? Que os primeiros<br />

resulta<strong>dos</strong> <strong>dos</strong> testes foram ótimos. Os registros indicam que você pode<br />

suportar uma prova mais demorada.<br />

— Isto é bom? — perguntei.<br />

— Muito! Diminui seu tempo de recarga físico--mental,<br />

permitindo-lhe uma permanência longa fora de seu mundo, em<br />

absoluta segurança.<br />

— Ah! Não me interessa, Tálbor! — disse, com espontaneidade.<br />

Senti que a frase o contrariara. Respondeu, no mesmo tom:<br />

— Interessa muito mais do que você possa imaginar! Será que<br />

você não entende? É uma conquista universal, a equiparação de dois<br />

mun<strong>dos</strong> diversos, a igualdade de seres humanos diferentes! Levou as<br />

mãos à cabeça. Insistiu:<br />

— Preste atenção! Nem você pode ficar aqui muito tempo, nem<br />

eu posso prolongar minha estada na Terra. Falta-nos capacidade vital<br />

para suportar as diferenças. Mas, se os estu<strong>dos</strong> derem certo, os ha-<br />

bitantes da Terra poderão viver em Vigo; os de Vigo, poderão ficar na<br />

Terra! Isto não significa nada para você?<br />

Eu o olhava, entre surpresa e assustada.<br />

— Significa, sim! — falei, sem convicção. — É uma grande<br />

conquista para seu povo.<br />

até aqui. . .<br />

— Para o seu também!<br />

— Para o meu, não! — protestei. — Nós não temos meios de vir


Ele continuava agitado.<br />

— Vamos buscá-los! — exclamou.<br />

— Vocês? — dei uma risada. — Você pensa que, como eu, vão<br />

acreditar nas suas palavras? Duvido! Na Terra, quase todo mundo tem<br />

má vontade com disco voador. É até ridículo!<br />

— Ridículo, por quê?<br />

— Não sei por quê, mas é! Se alguém fala que viu alma do outro<br />

mundo, o pessoal acredita; se fala que viu disco voador, faz zombaria.<br />

Quer saber de uma? Disco voador é como as lendas, que o povo ouve e<br />

repete, mas não dá crédito.<br />

Tálbor não estava convencido.<br />

— E você? Que fará, quando chegar à Terra?<br />

— É no que tenho pensado muito. Conto ou não conto? Até<br />

Celeste, minha amiga, é capaz de não entender.<br />

Ele voltou ao assunto <strong>dos</strong> testes:<br />

— Para nós, tudo o que está acontecendo é sério e importante.<br />

Por isso, estou contente com o resultado.<br />

sobre a sua.<br />

— Então, conte comigo! — arrematei, pousando minha mão<br />

O subtrem acabava de chegar à porta subterrânea da casa de<br />

meus amigos. Descemos do veículo e subimos à moradia. Lau despediu-<br />

se, cheio de bajulações, como sempre.<br />

Tálbor advertiu-o:<br />

— Acho melhor não espalhar o que me contou. Enquanto o<br />

Grão-Sábio não autorizar, os resulta<strong>dos</strong> devem ser manti<strong>dos</strong> em sigilo.<br />

deve!<br />

Depois que ele se foi, comentou comigo:<br />

— Não é mau esse rapaz, mas fala muito. Às vezes até o que não<br />

Telga e Tínger desc<strong>rev</strong>eram para os pais o piquenique. Ela<br />

mostrou os retratos que havia tirado.<br />

— Vejam só! A Neide não aparece! — falou o menino.<br />

— Sabe o que vou fazer? — disse Telga. — Vou pedir ao Lau<br />

uma câmara que sirva para você. Quero fotografá-la. Quando você


partir, guardarei a lembrança destes dias tão bons!<br />

— Posso pedir uma coisa? — perguntei.<br />

— Tudo! — foi a resposta dela.<br />

— Dê-me uma dessas fotos. Quero levá-la comigo para a Terra.<br />

— Tire a que quiser!<br />

Entregou-me todas. Sentei-me para observá-las com calma. E<br />

estava entretida a escolhê-las, quando o videofone tilintou.<br />

Tálbor:<br />

três.<br />

Tínger correu, para acendê-lo. Era Zelfo. Tinha um recado para<br />

— Esteja dentro de duas horas a bordo da nave número trinta e<br />

Fiquei atônita com o chamado. Olhei para ele, à procura de<br />

explicação. Pareceu-me perturbado. Telga indagou:<br />

— Vai levar a Neide de volta?<br />

— Desta vez, não!<br />

Olhou-me, profunda e demoradamente. E concluiu:<br />

— Fique tranqüila!<br />

Partiu sem que antes eu lhe dissesse uma só palavra. À noite, na<br />

cama, chorei, pensando em mamãe, papai, Celeste e todo o pessoal da<br />

Terra. Acho que foi também pela ausência de Tálbor. <strong>Sem</strong> ele, eu não<br />

saberia viver no planeta Vigo.<br />

15<br />

— Neide! Neide! Você está chorando?<br />

Olhei para a porta aberta do quarto. Apesar da escuridão<br />

reinante, pude ver, pela roupa clara, que Telga ali se encontrava. Quis<br />

disfarçar, mas não pude.


— Não é nada! — respondi, fungando.<br />

Ela soprou o comutador — é como se faz em Vigo — para<br />

acender a luz. Sentou-se ao pé da cama, enquanto eu enterrava o rosto<br />

no travesseiro para abafar os soluços.<br />

— Que aconteceu? Diga! — insistia, — Você esteve tão alegre o<br />

dia todo! Agora, começa a chorar.. .<br />

— É saudade, Telga ... Saudade de casa ... Chorei alto, sem pejo<br />

e sem dissimulação. Ela se inclinou e me tocou os ombros suavemente,<br />

procurando consolar-me.<br />

— Saudade? — repetiu. — Você quer dizer falta?<br />

— Quero! Falta de mamãe, de papai, de to<strong>dos</strong>...<br />

— De Tálbor?<br />

Virei-me, num salto. Enxuguei o rosto nas mangas do pijama.<br />

Tive vontade de negar, de dizer que não me importava, nem um<br />

pouquinho com a ausência dele. Mas, por que mentir, se lhe sentia a<br />

falta mesmo? E até receio de permanecer ali, sabendo-o distante!<br />

Desabafei-me com ela. Contei-lhe toda a história de nós dois,<br />

inclusive do horror que ele me causara, à primeira vista, por ser<br />

prateado.<br />

— Prateado, como?<br />

— O luar é uma luz prateada, entende? Telga olhava-me de<br />

modo equívoco,<br />

— Gostaria de entender. Gostaria mais ainda de ver!<br />

— O luar?<br />

— Tudo! Se pudesse...<br />

— Ah! — exclamei. — Você veria o nosso céu, o Sol, que parece<br />

uma bola de fogo; a Lua, que parece um disco de prata; as estrelas, que<br />

parecem velas acesas ao longe. . . E as pessoas? São muito diferentes.. .<br />

sorriso.<br />

— Eu sei. Tálbor já me contou como são. Ela esboçou um<br />

— Quem diria que você ia sentir falta dele um dia, hem? Onde<br />

ficou o horror que ele lhe inspirou?<br />

A essa altura da conversa, recordei os primeiros instantes de


nosso encontro. Confessei:<br />

— Não sei! Sou muito curiosa, Telga! Não resisti à tentação de<br />

averiguar a verdade. Eu bem que desconfiava que ele não era terrestre,<br />

mas fui em frente!<br />

— Agora, está arrependida, não é?<br />

— Oh, não! — exclamei, com sinceridade. — Arrependida, não!<br />

Valeu a pena conhecer vocês. Estou só com saudade.<br />

vez?<br />

Exemplifiquei:<br />

— Imagine-se na Terra uma porção de tempo!<br />

— Ah!<br />

— Aliás, — acrescentei — você bem que podia ir!<br />

— Para meter medo às pessoas? — pilheriou.<br />

— Não! Para visitar-me.<br />

— Boa idéia! Quem sabe se o Tálbor me leva, ao menos uma<br />

— Ia ser legal! — falei, entusiasmada.<br />

Depois, lembrei-me do rebuliço que haveria em casa com a<br />

presença de uma hóspede viguense. E comentei a saudade que ela ia<br />

sentir, se ficasse algum tempo na Terra.<br />

— Para nós, isto não é problema, Neide! Temos a Pedra de Vigo!<br />

— Pedra de Vigo? — indaguei curiosa. — Que negócio é esse?<br />

— Tálbor não lhe mostrou?<br />

Continuei na expectativa. Ela, então, foi ao quarto buscar um<br />

broche com uma pedrinha, branca como neve, lisa como seixo, circular<br />

e miúda como um botão de camisa. Colocou-o na palma da minha mão.<br />

— Veja! Esta pedra emite radiações, quando fora de Vigo. É um<br />

meio de localização a distância. Nós to<strong>dos</strong> a temos. Se um viguense, na<br />

Terra ou noutro planeta, se vir em dificuldades, ele pode entrar em<br />

contato com a nave mais próxima. A pedra emite ondas que indicam o<br />

lugar exato onde ele se encontra.<br />

Vendo-me boquiaberta de espanto, perguntou:<br />

— Dá para compreender? Por exemplo, se eu for à Terra, levo o<br />

broche. Se sentir saudade, estabeleço contato com uma nave, envio


uma mensagem para casa e recebo notícias.<br />

Pulei da cama, excitada.<br />

— Diga como funciona.<br />

— É só aquecer a pedra, friccionando-a.<br />

— Que maravilha! — comentei. — Ah, se eu tivesse uma...<br />

Telga começou a rir.<br />

— Adivinhona! — exclamou. — Tenho uma para lhe dar, sim!<br />

Sabe por quê? Quando penso na sua partida, fico com pena. Mas, um<br />

dia, você vai ter que ir embora. Levando a pedra, você se comunica com<br />

a gente.<br />

Fiquei radiante com a sugestão.<br />

— Posso levar mesmo? E onde está? — eu ardia de curiosidade.<br />

Ela segurou-me uma das mãos, tirou do bolso do pijama um<br />

anel pequeno e o colocou em meu dedo mínimo. A pedra era igualzinha<br />

à sua: branca, leitosa, sem brilho e até feia!<br />

— Comprei-o ontem, pensando em sua ida. Fiquei olhando o<br />

anel, encantada com ele como<br />

se fosse a maior jóia do mundo.<br />

— Tálbor também usa, não é? — perguntei.<br />

— Usa, sim, no cinto.<br />

Compreendia, agora, por que as naves espaciais de Vigo sabiam,<br />

exatamente, em que lugar se encontrava cada pescador espacial.<br />

Lembrei-me <strong>dos</strong> painéis que focalizavam Paris, Tóquio, Nova Iorque e<br />

outras cidades da Terra. Que pedrinha fabulosa! — pensei, excitada<br />

com mais essa novidade.<br />

essa pedra.<br />

— Puxa! — reclamei. — Seu irmão nunca pensou em me dar<br />

Ela justificou:<br />

— Ele tem mais juízo que eu, não <strong>rev</strong>ela segre<strong>dos</strong> a seres de<br />

outros planetas. Mas, para mim, você já é um pouquinho viguense,<br />

sabe?<br />

— Eu? — comecei a rir. — Tálbor me disse que não tenho<br />

capacidade vital para ser viguense.


Acabei de falar e lembrei-me <strong>dos</strong> testes a que deveria submeter-<br />

me ainda. Queixei-me:<br />

— Ah, Telga! Amanhã, tenho de ir ao Centro de Ciências,<br />

sozinha. Vai ser horrível!<br />

você!<br />

Ela prometeu:<br />

— Não vai, não! Peço ao Lau que a leve. Ele vai adorar ir com<br />

Aceitei o oferecimento, porque não havia outro remédio, não<br />

queria ir só. Quanto ao Lau, pouco me importava que adorasse sair<br />

comigo. Eu não sentia nada em relação a ele.<br />

16<br />

Acordei cedo, apesar de ter dormido muito pouco naquela noite.<br />

Havia dois grandes motivos para não ter sono. O primeiro era a<br />

novidade da Pedra de Vigo, que me fez sonhar acordada horas a fio; o<br />

segundo, a ida ao Centro de Ciências sem a companhia de Tálbor, o que<br />

me desencorajava.<br />

Enquanto tomávamos a refeição matinal, Telga cochichou-me:<br />

— Já contei a meus pais o que fiz. Eles aprovaram.<br />

Sabia que falava do anel em meu dedo. Nem quis pensar no que<br />

diria Tálbor, quando soubesse que ela me dera uma Pedra de Vigo!<br />

— Acho melhor você não usá-lo aqui — aconselhou-me ela. —<br />

Se Lau o vir, vai botar a boca no mundo!<br />

Estava certa. O noticiarista não perdia ocasião de fofocar.<br />

Poderia denunciar Telga, e o anel seria confiscado.<br />

lo.<br />

— Tem razão — respondi e fui correndo ao quarto para guardá


Lau chegou pouco depois. Trouxe a câmara fotográfica especial<br />

para mim. Explicou:<br />

— É a que usamos para objetos e seres de outros planetas.<br />

E, puxando-me pela mão:<br />

— Vá vestir sua roupa terrestre, beleza!<br />

Em meia hora bateu uma porção de fotos. Entregou-me a<br />

maioria delas. Reservou algumas para si e disse, com sorriso amarelo:<br />

interessado.<br />

— Faço coleção de retratos de moças bonitas, sabe?<br />

Deixei todas as minhas nas mãos de Telga.<br />

— Escolha as que preferir.<br />

— Vou tirar uma para Tálbor também, posso? — perguntou.<br />

— Claro! E para Tínger, se ele quiser. O menino ficou<br />

— Quero, sim! Você é a melhor hóspede que já tivemos. Nunca<br />

ninguém de outro planeta brincou comigo.<br />

E indagou:<br />

— Quando é que a gente vai brincar de novo?<br />

— Qualquer dia, Tínger! Lau chamou-me da porta:<br />

— Vamos, beleza! Está na hora <strong>dos</strong> testes.<br />

Olhei ao redor, com pena de sair. Gostava de estar naquela casa.<br />

Por minha vontade, não iria a lugar nenhum, especialmente sem Tálbor.<br />

— Vamos — acedi, com desânimo.<br />

No minidisco, ele voltou a cortejar-me:<br />

— Sabe que você tem os olhos mais bonitos que já vi?<br />

— Obrigada.<br />

— E os cabelos também!<br />

— Obrigada — respondi.<br />

— Se você não fosse a namorada de Tálbor, eu a convidava para<br />

ir comigo ao teatro esta noite.<br />

Não dei importância à insinuação.<br />

— Não sou namorada de ninguém!<br />

— Então, aceita?<br />

Pensei como seria enfadonho aturar-lhe os galanteios por mais


tempo que o indispensável. Ir ao teatro, porém, era algo que gostaria de<br />

fazer.<br />

— Eu, você e Telga, está bem?<br />

— Ótimo! Após o jantar, estarei lá, para buscá-las.<br />

Passei toda a manhã no Centro de Ciências. Fui submetida a<br />

provas de avaliação <strong>dos</strong> senti<strong>dos</strong>: visão, olfato, paladar, tato e audição.<br />

Depois repetiram comigo o teste da esfera transparente e das luzes do<br />

arco-íris. Desta vez, não me perturbei com eles.<br />

Zelfo apareceu entre a primeira e a segunda parte das<br />

experiências. Veio trazendo instrumentos para auscultar-me o cérebro<br />

— e não o tórax, como se faz na Terra. Nem sequer me disse "olá". Para<br />

ele, eu não passava de um espécime a ser pesquisado. Pouco me<br />

importei. Para mim, ele não passava de um careta!<br />

À noite, um espetáculo surpreendente! O teatro de Vigópolis<br />

apresentava artistas e cores numa pantomima. Assisti a uma peça<br />

representada por seres multicolori<strong>dos</strong> cujo tom variava conforme a<br />

intensidade dramática ou satírica da cena. Aproveitando-se da mutação<br />

de cores da pele, utilizavam-na para expressar sentimentos diversos.<br />

Vestiam roupas sumárias que deixassem à vista a maior parte da<br />

epiderme, o que significava mais para o espetáculo do que belos trajes.<br />

O efeito era conseguido graças a inúmeros focos luminosos. Observei<br />

que o vermelho exprimia coragem; o azul, amor; o amarelo, tristeza; e o<br />

verde, alegria.<br />

Enquanto apreciava a cena, refleti no porquê da obsessão <strong>dos</strong><br />

viguenses pelas luzes e pelas cores. "Está na cara", concluí, com bom<br />

humor.<br />

orelha.<br />

— Gosta? — perguntou Lau, com os lábios quase tocando-me a<br />

— Acho lindo! — respondi, esquivando-me dele. Na volta,<br />

conversamos a respeito de Tálbor. O noticiarista contou-nos que ele<br />

estava viajando, para pesquisar as atividades <strong>dos</strong> terrestres em Marte.<br />

— Há veículos espaciais da Terra pousa<strong>dos</strong> no planeta<br />

vermelho. Você sabia?


— Sabia — respondi. — Mas não são tripula<strong>dos</strong>.<br />

— Ah, não? — piscou um olho para mim. — Você está<br />

mentindo, beleza!<br />

— Eu? — protestei. — Por que haveria de mentir? Estou dizendo<br />

o que li nos jornais. Quando Talbor voltar, você saberá que não sou<br />

mentirosa. Ele procurou desculpar-se:<br />

incorrigível!<br />

— Faz parte da minha profissão duvidar de tudo e de to<strong>dos</strong>.<br />

Voltei-me pra Telga.<br />

— Você pretende agir assim também, quando for noticiarista?<br />

— Oh, não! — respondeu sem hesitar. — Lau é um fofoqueiro<br />

Caímos na risada. Ele não se ofendeu com as palavras de Telga.<br />

Decerto, considerou a frase um elogio.<br />

Ainda sorridentes, chegamos a casa. Despedimo-nos de Lau e<br />

subimos pelo escorregador. Na sala, encontramos a mãe de Telga a<br />

nossa espera. Parecia preocupada.<br />

— Acabei de saber que o Grão-Sábio está passando muito mal.<br />

Zelfo assumiu, provisoriamente, a direção do Centro de Ciências —<br />

contou.<br />

A notícia deixou-me aturdida, como se tivesse levado uma<br />

pancada na cabeça. Nada poderia ser pior. Zelfo era, em Vigo, a única<br />

pessoa que eu temia.<br />

17<br />

O Grão-Sábio, por suas qualidades, podia ser comparado a uma<br />

combinação de homens famosos da Terra, como Pasteur, Fleming,<br />

Sabin, Von Braun, Einstein, Carlos Chagas, Osvaldo Cruz, César Lattes


e outros. Embora nunca o tivesse conhecido pessoalmente, admirava-o<br />

pelo seu saber incomensurável. Em qualquer parte de Vigo, falava-se<br />

dele sempre com respeito e devoção. O governo <strong>rev</strong>erenciava-o. A ele o<br />

povo devia quase todas as conquistas científicas, algumas, inclusive,<br />

incompreensíveis para nós.<br />

Das que mais a empolgavam, Telga citou-me:<br />

— As naves interplanetárias, o metal sintético e a levitação.<br />

— Levitação? Não é natural?<br />

— Não. Depende de treinamento, mas é tão agradável!<br />

E Lau <strong>rev</strong>elou-me:<br />

— O metal sintético é paratérmico.<br />

— Paratérmico? Nós dizemos antitérmico.<br />

— Não é a mesma coisa. Paratérmicos são os materiais que nos<br />

protegem contra as agressões térmicas externas, transformando-as em<br />

temperaturas compatíveis à nossa vida.<br />

ambos:<br />

— Formidável!<br />

Muitos outros empreendimentos notáveis foram <strong>rev</strong>ela<strong>dos</strong> por<br />

— Nas cidades subvigâneas cultivamos to<strong>dos</strong> os gêneros<br />

alimentícios à luz artificial.<br />

— O trabalho não nos cansa, em decorrência do processo<br />

automático de recarga físico-mental.<br />

— A água que bebemos e o ar que respiramos estão livres de<br />

poluição, graças aos nossos laboratórios de purificação.<br />

— O Grão-Sábio é um gênio! Dedicou toda a vida ao estudo.<br />

Fundou o Centro de Ciências, comprovou teorias, ensinou-as aos<br />

outros. E só trabalha para o bem da humanidade!<br />

— Puxa! — exclamei. — Este homem é o maior!<br />

A conversa entabulara-se no minidisco, de manhã, enquanto<br />

viajávamos para o Centro de Ciências. Telga resolveu acompanhar-me<br />

até lá e ficar a minha espera, do lado de fora, certamente para<br />

encorajar-me.<br />

— Você está muito apreensiva! É por causa do Zelfo? —


perguntara, cedo, ao ver-me demasiado agitada.<br />

Não neguei. Todo o meu ser era uma pilha de nervos!<br />

Lau também estava excitado, se bem que por outro motivo. A<br />

doença do Grão-Sábio oferecia um prato cheio de assuntos para sua<br />

tagarelice, embora a notícia não tivesse sido ainda divulgada.<br />

Ali, no interior do veículo, podia falar com liberdade:<br />

— Uma criatura boníssima! — exclamou, referindo-se ao<br />

enfermo. — Apesar de ser importante, é simples, dispensa honrarias.<br />

Tem um lema: "A Ciência a serviço do homem."<br />

— E o Zelfo? — perguntei. — Qual o seu lema? "O homem a<br />

serviço da ciência"?<br />

sonora.<br />

Lau e Telga riram muito. O noticiarista pilheriou:<br />

— "O homem e a ciência a serviço de Zelfo"! Soltou uma risada<br />

— Estou brincando, hem? Ele é meu amigo, mas, infelizmente,<br />

muito vai<strong>dos</strong>o.<br />

— É o oposto do Grão-Sábio, como diz meu irmão — comentou<br />

a moça. — Não sei como pode substituí-lo.<br />

Lau defendeu-o:<br />

— É competente e dedicado!<br />

— Tomara que o Grão-Sábio fique bom depressa! — disse eu,<br />

expressando meu mais sincero voto.<br />

— Tomara mesmo! — concordou Telga. Nunca me senti tão<br />

exausta após os testes como nesse dia. Nem tão confusa! É bem<br />

verdade que nunca fora submetida a tantas provas difíceis! A pior delas<br />

foi a do índice de Capacidade Vital Comparativa. Tálbor já me havia<br />

descrito a experiência, e pude reconhecê-la. Entretanto, fracassei.<br />

Tenho certeza de que causei grande decepção aos especialistas .<br />

Zelfo entrou qual uma fera no laboratório onde me encontrava e<br />

olhou-me como se eu fosse um verme. Conferiu os da<strong>dos</strong> <strong>dos</strong> painéis,<br />

tomou anotações, chamou um auxiliar.<br />

— Deve ser o secretário interino — pensei. Observei o<br />

homem: pequeno, gordo, barrigudo, porém simpático. A primeira coisa


que fez, ao entrar, foi cumprimentar-me com mo<strong>dos</strong> educa<strong>dos</strong>. Pensei<br />

em dizer-lhe que o resultado obtido na pesquisa era falso, que fora<br />

provocado pela depressão em que me encontrava desde a véspera à<br />

noite. Lamentavelmente, seria impossível explicar-lhe o motivo.<br />

Vi-o sair preocupado, e fiquei triste. Quais seriam para mim as<br />

conseqüências das provas mal sucedidas? A calcular pela cara<br />

amarrada de Zelfo, podia aguardar a pior. Se, ao menos, Tálbor esti-<br />

vesse perto de mim, para tirar-me as dúvidas! Afinal, só por ele eu fazia<br />

tanto sacrifício, dia após dia, sem reclamar!<br />

Saí do Centro de Ciências muito mais inquieta do que quando lá<br />

entrei. Quase não consegui conversar com meus amigos. Lembro-me de<br />

que só me interessei por uma coisa: saber quem era o homem gordo e<br />

barrigudo, de maneiras gentis.<br />

— É Mingo, o novo" secretário — informou Lau. — Homem de<br />

valor! Já ganhou vários prêmios de Ciências, como Zelfo, mas não ficou<br />

vai<strong>dos</strong>o.<br />

opinei.<br />

— Penso que ele é quem deveria substituir o Grão-Sábio —<br />

Depois, permaneci calada o resto da viagem. Entendi quando<br />

Telga perguntou a Lau:<br />

programadas.<br />

— Você acha que o Grão-Sábio vai morrer?<br />

— Ele está tão velhinho!<br />

— Tálbor já foi avisado?<br />

— Não, porque Zelfo não quer que se interrompam as atividades<br />

— Fica tudo como estava? Ele deu um muxoxo.<br />

— Nem tudo! — exclamou.<br />

Não dei importância ao que diziam. Sentia-me cansada,<br />

aborrecida e triste. Queria chegar a casa, recolher-me ao quarto e ficar<br />

só com meus pensamentos. A meditação, após o fracasso, é ótimo<br />

remédio; ajuda a aceitar a derrota e a <strong>rev</strong>igorar o ânimo.<br />

Se fosse verdadeira a teoria da recarga físico--mental, como<br />

afirmavam os viguenses, eu poderia ficar bem disposta, dentro de


algumas horas. E mostraria àquele brutamontes, na próxima vez, que<br />

os terrestres são gente de fibra.<br />

18<br />

Não cheguei a realizar meu intento. O dia seguinte foi cheio de<br />

situações imp<strong>rev</strong>istas, a começar pela chegada intempestiva de Lau às<br />

seis horas da manhã.<br />

Quem se levantou para atendê-lo foi Telga. Eu também já estava<br />

acordada, pensando nas dificuldades que me envolviam. Sabia que a<br />

culpa era minha. Se não fosse curiosa, não me teria metido numa en-<br />

crenca tão grande. Agora precisava sair dela com dignidade.<br />

Enquanto meditava, tinha nas mãos os objetos que ganhara de<br />

Telga e de Tálbor: o anel com a Pedra de Vigo e o aquecedor corporal<br />

que recebera à minha chegada. Ambos eram valiosos. Quando eu vol-<br />

tasse à Terra, serviriam para comprovar a história que ia narrar.<br />

Pressenti movimento na sala e tratei de levantar-me, pensando<br />

que Lau viera mais cedo por ordem de Zelfo. Decerto, o mal-encarado<br />

pretendia repetir as provas da véspera, para comparar os resulta<strong>dos</strong>.<br />

Guardei os objetos, recolhi a cama à parede, arrumei-me e dirigi-<br />

me à sala. Antes, porém, de lá chegar, uma frase de Lau, captada por<br />

mim ao acaso, gelou-me da cabeça aos pés:<br />

— Ele vai tirar-lhe a pele.<br />

Estaquei, horrorizada. Tirar a pele? De quem? A minha? Mas era<br />

uma idéia absurda, uma monstruosidade! Não podia crer! Zelfo não<br />

tinha o direito de sacrificar-me!<br />

Entrei na sala, mais pálida que eles, com as pernas bambas de<br />

pavor. Os dois perceberam logo que eu sabia da notícia. <strong>Cor</strong>reram para<br />

amparar-me. Enquanto Telga puxava um sofá para recostar-me, Lau<br />

começou a falar à beca:<br />

— Não se preocupe, que eu não vou deixar! Desde ontem, à


noite, que sei disto. Ele me contou a intenção que tem: fazê-la dormir e<br />

retirar parte de sua pele para exames. Zelfo quer decifrar o mistério da<br />

mutação de cores de nossa epiderme e acha que precisa analisar a sua.<br />

Fiquei num dilema atroz, sem saber o que fazer. Se guardasse segredo,<br />

em benefício da ciência, que seria de você? Eu sei que o Grão-Sábio<br />

jamais permitiria uma experiência dessas, mas Zelfo agora tem o poder<br />

nas mãos. Infelizmente, é frio e calculista. Para ele, você representa<br />

apenas material de pesquisa...<br />

— Cobaia! — completei, com voz chorosa.<br />

— Não se assuste! — interveio Telga. — Lau não vai deixar que<br />

isso lhe aconteça, não é, Lau?<br />

— Evidente! Pensei a noite toda, quase fiquei maluco de tanto<br />

pensar! Uma pequena bonita como você, de quem a gente gosta tanto,<br />

ser descascada como se fosse um fruto? De jeito nenhum! Mas, melhor<br />

que discutir com Zelfo, é deixá-lo na mão. Já resolvi tudo!<br />

— Quê? — indaguei.<br />

— A fuga!<br />

— Fuga?! — repeti, cheia de esperança.<br />

— Exato! É a única saída. Tenho tudo articulado. Você vai voltar<br />

a seu planeta. E quanto antes melhor!<br />

— A Terra? — suspirei, aliviada. — Que bom!<br />

— Preste atenção! Vamos sair daqui agora. tomar o subtrem e<br />

descer numa cidade litorânea, onde há uma base de naves<br />

interplanetárias. Lá, um de meus irmãos — Lio — é comandante<br />

espacial. Já videofonei a ele, dizendo que preciso de ajuda. Ele nos<br />

aguarda.<br />

Telga prosseguiu a explicação:<br />

— Às dez horas, mais ou menos, aviso o Centro de Ciências de<br />

que você está ainda esgotada e pede licença para ir à tarde. Vocês terão,<br />

pelo menos, oito horas livres. Que tal?<br />

irmãos.<br />

Abracei-os, comovida. Cheguei a beijá-los, como se fossem meus<br />

— Quanta bondade! — exclamei.


Depois, perguntei se não temiam as conseqüências por conspirar<br />

contra o progresso científico de Vigo.<br />

— Não creio que nos aconteça grande coisa — disse Lau. —<br />

Mingo é contra a idéia de Zelfo. O Grão-Sábio ainda está vivo, p<strong>rev</strong>alece<br />

a sua orientação. Ele jamais...<br />

— Eu sei, é boníssimo! — atalhei.<br />

Telga preparou-nos uma refeição ligeira. Fui ao quarto para<br />

buscar os presentes que havia ganho. Tomei a fotografia do piquenique<br />

para levá-la também. Fitei-a por alguns segun<strong>dos</strong>, pensando em Tálbor,<br />

ali tão risonho naquele dia, sem desconfiar de que era o último em que<br />

nos veríamos. Naquela mesma noite, viajara. Quando voltasse, não me<br />

acharia. Disso eu tinha pena. Preferiria regressar à Terra, como viera,na<br />

companhia dele.<br />

recomendei:<br />

Coloquei os objetos no bolso. Abracei minha amiga e<br />

— Diga aos outros que levo saudades. Diga a Tálbor...<br />

A voz falseou. Enrubesci. Lau interpretou:<br />

— Diga a Tálbor que ela gosta muito dele!<br />

Descemos pelo escorregador ate ao subsolo e tomamos o<br />

subtrem da casa.<br />

— São sete horas — informou ele. — Por sorte, não estamos no<br />

verão nem no inverno. Quase ninguém se utiliza <strong>dos</strong> caminhos<br />

subvigâneos nesta época. Poderemos tirar vantagem disto. Antes do<br />

meio-dia, chegaremos à base.<br />

Durante a viagem, para distrair-me, Lau contou casos de sua<br />

infância e episódios da História de Vigo. E referiu-se à origem do<br />

homem. Segundo eles, o ser humano não veio do macaco; as pessoas de<br />

qualquer planeta do Universo são descendentes <strong>dos</strong> deuses<br />

astronautas.<br />

A cidade litorânea dividia-se em duas partes: uma, balneária,<br />

para recreação do povo à beira--mar; outra privativa das naves<br />

interplanetárias.<br />

Para esta nos dirigimos, utilizando a pista rolante, idêntica à de


Vigópolis. Quando lá chegamos, Lio já se encontrava a nossa espera.<br />

Recebeu-nos cordialmente e, após ligeira conversação com Lau, propôs-<br />

se a ajudar-me.<br />

— É justo. — disse — Não se pode aceitar que Zelfo abuse da<br />

autoridade que tem.<br />

Feitas as despedidas, embarcamos no disco voador, eu e o<br />

comandante. Rápido, ele acionou o motor para a decolagem. Em poucos<br />

minutos, Vigo nada mais era que uma luz branca e pálida, na<br />

imensidão negra do espaço sideral.<br />

19<br />

Uma hora fazia que viajávamos, entreti<strong>dos</strong> a conversar. Lio, um<br />

homem alto, calvo e maduro, gostava de bater papo, contar casos e<br />

fazer perguntas, tal como o irmão. Para mim foi ótimo ter com quem<br />

trocar idéias. Enquanto conversávamos, a viagem ia prosseguindo, e eu<br />

não sentia o tempo passar.<br />

— Sou estudante — contei. — Pretendo dedicar-me aos astros.<br />

— Vai ser astronauta?<br />

— Oh, não! Astrônoma..<br />

— Ah! Meu filho mais velho vai seguir essa mesma carreira. Já<br />

está fazendo o curso, lá no Centro de Ciências em Vigópolis.<br />

— E ele gosta do Zelfo? — perguntei, lembrando-me da cara<br />

antipática do famoso cientista.<br />

— Mais ou menos. Diz que é um ótimo professor, porém muito<br />

ríspido. O mais querido de to<strong>dos</strong> os mestres é Mingo.<br />

— Está certo! — exclamei. — Ele não é mau nem posudo!<br />

Acabei de falar e tomei um susto.


— Vai bater! — gritei.<br />

O comandante também vira o perigo. Uma nave de forma cúbica<br />

aproximava-se velozmente da nossa. Pelo jeito, pretendia atingir-nos.<br />

Ele, então, manejou pinos e alavancas, para proteger o veículo sob sua<br />

direção.<br />

contou.<br />

Desviou-se a tempo. O cubo passou por nós como um foguete.<br />

— Não pensei que fosse encontrar esta gente na viagem —<br />

— Senão teria vindo noutro disco mais novo. Este é muito bom<br />

para o vôo, tem muita estabilidade, mas não possui os aparelhos mais<br />

modernos: Radar de Longo Alcance, Raio Ultralux, paralisante...<br />

— Já conheço! — pensei.<br />

— ... Campo de Força Tangencial!<br />

— Campo de força, o quê?<br />

— Tangencial! Uma espécie de armadura invisível . Tudo que<br />

nele toca, sai na tangente, sem atingir a nave.<br />

— Ah! Isto é bom! — respondi, mas logo me lembrei de que não<br />

tínhamos a proteção do tal campo de força, e fiquei preocupada. O<br />

homem deu-me explicações:<br />

— Estes veículos cúbicos são do planeta Raz.<br />

— Eu sei. Tínger, o irmão de Tálbor, já me contou. Disse-me<br />

até que os habitantes são meio gente e meio planta!<br />

— De fato! É um povo detestável, sabe? Acontece que, nesta<br />

época do ano, nunca saem do planeta, porque é o tempo das chuvas por<br />

lá. Por isso, não pensei em encontrá-los no caminho. No estio, eles<br />

enchem o Universo com seus da<strong>dos</strong> colori<strong>dos</strong>. Vão buscar água e<br />

alimentos em outros mun<strong>dos</strong>. São bandi<strong>dos</strong> do Espaço!<br />

— Será que tentavam...<br />

Não terminei de falar. Tive um arrepio, só de pensar que pudesse<br />

ser seqüestrada por aqueles bandi<strong>dos</strong>!<br />

— É verdade que são verdes? — indaguei, com voz trêmula.<br />

O comandante não pôde responder. O cubo luminoso surgiu,<br />

novamente, e veio direto para nós. Em vão, Lio tentou escapulir. A nave


de Raz, como se fosse um ímã, atraiu a nossa.<br />

Por alguns minutos, as duas ficaram unidas. Um ser semi-<br />

humano, pequeno e verde, com cabelos de folhas e mãos e pés que<br />

pareciam raízes, entrou no disco. Agarrou-nos, amarrou-nos e levou-<br />

nos para o cubo. Lá chegando, acionou o motor para partir e<br />

abandonou o disco voador à deriva.<br />

Fomos joga<strong>dos</strong> a um canto, como se jogam os far<strong>dos</strong>. Olhei para<br />

o comandante, e ele para mim. Em seus olhos pude ler um grande<br />

temor. Imagine eu! Compreendi que estava em maus lençóis. Lio nada<br />

poderia fazer por mim. Nem por ele, coitado! Nosso destino pertencia ao<br />

povo de Raz.<br />

Analisei o interior da nave. Outros homenzinhos verdes havia ali<br />

dentro, to<strong>dos</strong> repulsivos, parecendo mais vegetais que humanos,<br />

principalmente quando gesticulavam ou moviam a cabeça. Tinham<br />

olhos brancos, como a seiva das árvores. Vestiam-se de verde e<br />

comunicavam-se entre si emitindo sons ininteligíveis-.<br />

Comecei a pensar: — Se nós não conseguimos entendê-los, com<br />

certeza, eles não nos entendem também. — Embora morta de medo,<br />

resolvi verificar se estava certa. Dirigi-me ao comandante:<br />

— O senhor, por acaso, sabe dizer o que vão fazer conosco?<br />

Ele correu os olhos, ao redor, apreensivo. Vendo que os<br />

pequenos monstros se mantinham imperturbáveis, compreendeu o que<br />

se passava e respondeu:<br />

— Não sei. Até hoje, ninguém que tenha sido capturado voltou<br />

para contar. Fala-se muita coisa horrível a respeito deles...<br />

frase.<br />

<strong>rev</strong>elando:<br />

Arrependeu-se, decerto, do que ia dizer, pois interrompeu a<br />

— Conte! — pedi. — Conte, por favor! Preciso saber! Conte!<br />

Ele hesitou por algum tempo, mas tanto insisti, que acabou<br />

— Fala-se que não há animais no planeta, e que os razenses são<br />

carnívoros. Daí...<br />

Foi-me fácil compreender. Era por isso que ninguém voltava de


Raz, e pouco se sabia a respeito do misterioso mundo <strong>dos</strong> homens<br />

verdes.<br />

Não pude mais conversar. Baixei a cabeça e fechei os olhos, para<br />

não ver os abomináveis antropófagos que nos levavam para casa como<br />

quem leva gado para o corte.<br />

Chorar, não chorei. Sofri, calada, a expectativa de.um<br />

condenado à morte. Senti raiva e muita vontade de fugir, sumir e até<br />

vingar-me! Idéias vãs! Sabia, perfeitamente, que não havia esperança.<br />

Ficamos atentos aos menores gestos de nossos captores.<br />

Percebemos quando a nave pousou e quando a porta foi aberta. Fomos<br />

carrega<strong>dos</strong> nos braços — seria melhor dizer nos galhos — <strong>dos</strong><br />

humanóides e coloca<strong>dos</strong> num veículo escuro que saiu a toda velocidade.<br />

Chegamos rápido ao destino: um campo coberto de relva, onde havia<br />

uma porção de jaulas.<br />

Ao contrário do que supusera o Comandante Lio, não chovia. A<br />

noite começava, e o céu, muito límpido, estava pontilhado de estrelas.<br />

Fitei-as, com lágrimas nos olhos. Qual delas seria o Sol?<br />

A mão áspera de um <strong>dos</strong> seqüestradores puxou--me pelo braço<br />

para um lado, e outro mostrengo arrastou o comandante para o oposto.<br />

Fui encerrada numa jaula, onde encontrei apenas uma tigela<br />

com água. Olhando ao redor, antes que o negrume da noite cobrisse o<br />

local, pude ver outras prisões iguais à minha, todas ocupadas.<br />

20<br />

A natureza, em Raz, é muito exuberante, parecida com a da<br />

Terra. E o céu azul e o sol radioso, como no Brasil.<br />

A prisão que me destinaram ficava no meio de um vasto campo,


cercado de jardins e limitado por denso bosque. Descobri que um riacho<br />

corria nas proximidades, pois, de onde me encontrava, ouvia muito bem<br />

o rolar das águas sobre os seixos.<br />

Um jardim zoológico — eis como classifiquei o conjunto de<br />

gaiolas onde viviam seres <strong>dos</strong> mais diversos aspectos, provavelmente<br />

oriun<strong>dos</strong> de planetas diferentes. A maioria tinha forma humana, como<br />

eu. Alguns, porém, eram monstruosos. Quase to<strong>dos</strong> emitiam vozes:<br />

falavam, gritavam, urravam. Os agressivos sacudiam as grades,<br />

tentando arrancá-las. Havia tratadores. Dois razenses abasteciam as<br />

jaulas, uma vez ao dia, com água e alimentos, frutos apenas. Havia<br />

médicos veterinários também. Estes examinavam os animais presos —<br />

entre eles, eu — todas as manhãs. Entravam nas gaiolas, empunhando,<br />

além <strong>dos</strong> aparelhos necessários, um chicote, para amansar os bravos.<br />

Nunca esqueciam a balança. E isto me fez pensar, ao fim de três dias de<br />

cativeiro, que talvez não fosse um jardim zoológico aquela série de<br />

jaulas, mas algo muito pior.<br />

— A história de Joãzinho e Maria, em versão cósmica —<br />

imaginei, cheia de horror.<br />

Os mansos, como Lio e eu, tinham direito a um passeio, embora<br />

amarra<strong>dos</strong>. Era a única hora boa para mim. Aproveitava-a para<br />

caminhar ao sol. O comandante, ao contrário, preferia a sombra.<br />

<strong>Sem</strong>pre trocávamos algumas palavras, quando passávamos um pelo<br />

outro.<br />

alegrou-o.<br />

usá-la?<br />

Disse-lhe no segundo dia:<br />

— Tenho a Pedra de Vigo. Acho que vou usá-la. A notícia<br />

— Que bom! Perdi a minha ao ser agarrado por eles. Sabe como<br />

— É só friccioná-la, não é?<br />

Ele confirmou. Logo, perguntou, muito intrigado :<br />

— Como a conseguiu?<br />

— Foi presente de Telga. Ela me deu escondido.<br />

— Graças a Deus! — exclamou. Mas caiu no desânimo de novo


e disse: — Não creio que venham até cá. To<strong>dos</strong> têm receio destes<br />

homens verdes. A esta hora, em Vigo, já sabem que fomos captura<strong>dos</strong>; o<br />

disco voador, que ficou à deriva, por certo foi encontrado vazio.<br />

Ninguém ignora que estamos em perigo.<br />

— O senhor acha.. .<br />

Fomos afasta<strong>dos</strong> um do outro com brutalidade, o que me<br />

impediu de perguntar-lhe se achava que seu povo nos deixaria morrer<br />

em Raz, sem tentar salvar-nos .<br />

Não podia crer que gente tão boa, como Tálbor, Telga, Lau e,<br />

principalmente, o Grão-Sábio, cruzasse os braços, deixando-nos<br />

entregues à má sorte. Ia usar a Pedra de Vigo até não poder mais!<br />

Foi o que fiz no segundo e no terceiro dias, só parando para<br />

comer e dormir. Na verdade, não dormia, só cochilava. Quem pode<br />

dormir direito, estando aflita?<br />

No dia seguinte, contei a Lio o que fizera. Mostrei-lhe os de<strong>dos</strong><br />

cheios de bolhas, de tanto esfregá-los na pedra do anel.<br />

— Continue!<br />

— Onde fica sua jaula? — indaguei, pensando em salvá-lo, caso<br />

viesse alguém buscar-me. No íntimo, alimentava a esperança de que tal<br />

fato acontecesse .<br />

ponte.<br />

— Do outro lado do riacho. — respondeu. — Há uma pequena<br />

Um puxão repentino afastou-o de mim. Compreendemos que<br />

seria mais seguro conversarmos afasta<strong>dos</strong>, já que os razenses não<br />

conseguiam decifrar o que dizíamos. E foi o que fizemos.<br />

De longe, ele avisou:<br />

— Minha gaiola é a quinta, depois do canteiro de flores.<br />

Naquela noite, enquanto fitava o céu, através da grade, à espera<br />

de que surgisse algum disco voador, comecei a rememorar os<br />

acontecimentos em que me envolvera desde o dia do meu aniversário.<br />

Quanto tempo havia passado? As horas, os dias, as semanas e os<br />

meses, eu os sabia contar pela medida de tempo utilizada na Terra. Por<br />

acaso, gastava Vigo ou Raz 24 horas no movimento de rotação e 365


dias e 6 horas no de translação?<br />

Lembrava-me a todo momento de meus pais, não só porque<br />

sentia saudade deles, mas porque os imaginava cheios de preocupação<br />

com o meu desaparecimento. Coita<strong>dos</strong>! Decerto, não dormiam nem<br />

comiam, de tristeza. E a polícia estaria à minha procura, os jornais<br />

noticiando, o povo comentando. . .<br />

Súbito, pareceu-me ouvir um zumbido fino e regular. Era um<br />

som que se sobrepunha ao do correr das águas do riacho e ao do<br />

farfalhar da brisa no arvoredo. Vinha crescendo de intensidade à<br />

medida que os segun<strong>dos</strong> passavam.<br />

Reconheci-o, quando se aproximou, pois agredia os ouvi<strong>dos</strong>, até<br />

fazê-los doer, embora não fosse alto nem forte. Com o coração aos<br />

pulos, agarrei-me às grades e ergui os olhos.<br />

Divisei, imediatamente, uma nave a dar voltas e mais voltas<br />

sobre o jardim zoológico, riscando com o brilho <strong>dos</strong> faróis a mata, o rio,<br />

o jardim e as prisões. Ia e vinha, ora depressa, ora devagar, subia e<br />

descia com facilidade, deslocava-se para a direita e para a esquerda, em<br />

linha reta ou em espiral. Era grande, circular, metálica e girava como<br />

pião.<br />

— Um disco de Vigo! — pensei, radiante.<br />

Devagar, ele foi se aproximando da relva. A menos de um metro<br />

do solo, imobilizou-se. e o ruído incomodativo cessou.<br />

Percebi, então, que os homenzinhos verdes avançavam e o<br />

cercavam, arma<strong>dos</strong> com <strong>rev</strong>ólveres cúbicos. E vi também o farol de raio<br />

ultralux, paralisante, atingi-los, um a um. Ficaram to<strong>dos</strong> inertes,<br />

estendi<strong>dos</strong> no chão!<br />

A tampa do disco abriu-se, e uma passarela surgiu. Em seguida,<br />

apareceu um vulto cujas feições não pude distinguir de onde me<br />

encontrava. Desceu a rampa e dirigiu-se à minha gaiola. Dei um grito<br />

de alegria. Pelo porte e pelo andar, reconheci-o. Era Tálbor! E viera em<br />

meu socorro!<br />

Depois, foi uma agitação sem igual! Ele abriu a jaula e libertou-<br />

me. Juntos, corremos à de Lio e o retiramos dela. Em poucos minutos,


embarcamos.<br />

Não tivemos sossego, porém. Os razenses, refeitos da ação da luz<br />

paralisante, comunicaram-se com os responsáveis pelo jardim<br />

zoológico, e estes, com os chefes. Imediatamente, três cubos voadores<br />

decolaram para caçar-nos. Por sorte, a nave de Tálbor estava equipada<br />

com radar de longo alcance e campo de força tangencial. Ante o poderio<br />

viguense, os homens verdes nada conseguiram. Após algumas<br />

investidas inúteis, regressaram a Raz.<br />

Durante a viagem, tínhamos muito que conversar. Tálbor relatou<br />

como tudo se passara:<br />

— Eu voltava de Marte, anteontem, quando avistei uma nave<br />

nossa à deriva. Fui inspecioná-la e verifiquei que estava vazia. Notei<br />

sinais de violência no interior. Reboquei-a para Vigo e, lá chegando,<br />

comuniquei o ocorrido. Informaram-me do que Lau realizara. Fiquei<br />

preocupadíssimo, imaginando os riscos que vocês poderiam estar<br />

enfrentando. Em casa, Telga me disse que lhe dera um anel com a<br />

Pedra de Vigo. Não esperei mais. Vim para cá sozinho mesmo, porque a<br />

tripulação estava de folga. Dei voltas e mais voltas pelo espaço,<br />

buscando captar a radiação da pedra, até que, de repente, recebi os<br />

sinais!<br />

— Ah! — exclamei. — Veja meus de<strong>dos</strong>! Mostrei-lhe as pontas,<br />

feridas. Ele tomou-me as mãos entre as suas, delicadamente.<br />

— Tenho remédio para isto.<br />

Foi buscar uma pomada e fez o curativo. Lio pediu notícias:<br />

— Que aconteceu a Lau?<br />

— Não sei. Não tive tempo de falar com ele.<br />

— E Zelfo? — indaguei.<br />

— Estava uma fera!<br />

Passamos a contar-lhe o que vimos no planeta Raz. Desc<strong>rev</strong>i as<br />

pessoas esquisitas que viviam enjauladas.<br />

— Que farão com elas? — perguntei.<br />

— Ninguém sabe o que eles fazem com os prisioneiros. Fala-se<br />

muita coisa horrível, inclusive que são invencíveis, mas resolvi tentar o


esgate de vocês e tive sorte. Nós três, por enquanto, somos os únicos<br />

entes que escaparam de Raz.<br />

— E os outros? — disse, penalizada, lembrando--me <strong>dos</strong> que<br />

ficaram presos.<br />

— Vou enviar mensagens aos diversos planetas civiliza<strong>dos</strong>,<br />

<strong>rev</strong>elando o que vi e ensinando como dominar os homens verdes. Talvez<br />

sejam liberta<strong>dos</strong> também.<br />

— Puxa, Tálbor! Você é formidável!<br />

Calei-me e fiquei a olhá-lo com infinita admiração. Estava diante<br />

de um herói, simples e bon<strong>dos</strong>o que eu jamais haveria de esquecer.<br />

21<br />

A chegada a Vigópolis foi um acontecimento nacional. O povo<br />

encontrava-se nas ruas à nossa espera. Antes de pousarmos, já to<strong>dos</strong><br />

batiam palmas.<br />

Lio disse a Tálbor.<br />

— Você merece esta recepção. Foi um grande feito!<br />

— Eu? — respondeu ele. — Esta manifestação é para nós três.<br />

— Nós? — admirei-me.<br />

— Não se esqueça do que lhe disse no caminho: somos os únicos<br />

que foram a Raz e de lá conseguiram voltar.<br />

— É mesmo!<br />

O comandante, que assumira a direção da nave desde o<br />

momento em que nela havia entrado, quis saber onde Tálbor preferia<br />

descer.<br />

— Ora, no meio do povo. Vamos dar-lhe este prazer.<br />

E voltando-se para mim:


— Prepare-se para receber milhões de abraços! Assim que<br />

saímos do escorregador, fomos alvo das mais efusivas demonstrações de<br />

carinho. No meio de tanta gente, só não me perdi de Tálbor, porque eu e<br />

ele nos conservamos de mãos dadas.<br />

Depois, foi a vez <strong>dos</strong> parentes e <strong>dos</strong> amigos. Conheci a esposa e<br />

os filhos de Lio. Abracei Lau com muita amizade. E tive grande alegria<br />

em reencontrar a família de Tálbor, especialmente Telga.<br />

O Centro de Ciências enviou um grupo de funcionários para dar-<br />

nos as boas-vindas. Quem representou o Grão-Sábio foi Mingo.<br />

— Ué! Que foi feito de Zelfo? — perguntei a Lau.<br />

— Foi substituído. O Grão-Sábio restabeleceu--se e reassumiu o<br />

cargo, no dia exato em que o Tálbor chegou aqui rebocando a nave<br />

perdida. Foi um rebu!<br />

Comecei a rir.<br />

— E daí? — indaguei, fervendo de curiosidade.<br />

— Bem! — gaguejou ele. — Fui chamado à presença do Grão-<br />

Sábio e admoestado por ele. Então, contei toda a verdade, tintim<br />

por tintim!<br />

— Oba! — gritei. Ele prosseguiu:<br />

— Ontem saiu a substituição de Zelfo por Mingo, o que agradou<br />

a to<strong>dos</strong>. Menos a Zelfo, é claro!<br />

Rimos juntos. Olhei-o de frente.<br />

— Você ainda é amigo dele? Lau confessou:<br />

— Ainda! Ele tem defeitos, mas é competente e dedicado. Por<br />

enquanto, está meio zangado comigo.<br />

meus.<br />

Sei que isto passa. Nossa amizade começou na infância.<br />

Segurou-me o queixo e ergueu meu rosto, fixando os olhos nos<br />

— Diga-me uma coisa: na Terra ninguém tem defeitos?<br />

— Se tem! — respondi. — À beca!<br />

— E você não perdoa?<br />

— Perdôo, sim! — disse prontamente. — Mas a maioria, não!<br />

Por este motivo, Tálbor acha que os terrestres são complica<strong>dos</strong>.


— Há séculos, já fomos assim. Hoje, vivemos na era da razão!<br />

Na casa de Tálbor, fizemos uma festa. Dançamos, ao som do<br />

concertino, até tarde. Ensinei a Tínger alguns sambas e pedi à Telga<br />

que colasse papel pardo nas lâmpadas. Ah, que beleza! Eles ficaram<br />

parecendo brasileiros, na cor e no ritmo!<br />

A grande novidade, soube-a no dia seguinte, quando compareci<br />

ao Centro de Ciências, para submeter-me ao último teste. Após a<br />

realização deste, Mingo cumprimentou-me e agradeceu muito a cola-<br />

boração por mim prestada aos cientistas viguenses.<br />

— Sua atuação, hoje, foi maravilhosa! — foram as primeiras<br />

palavras que me disse.<br />

— É porque estou feliz!<br />

— Então, saiba que estamos felizes também. Obtivemos a<br />

resposta mais importante para nós. Conseguimos achar o índice de<br />

Capacidade Vital Comparativa entre viguenses e terrestres.<br />

— Isto é bom? — perguntei.<br />

— Muito! — esclareceu. — Sabendo o índice, partiremos, agora,<br />

para a solução da parte definitiva de pesquisa, que é o prolongamento<br />

da estada de viguenses na Terra, e vice-versa.<br />

jeito maroto.<br />

Tálbor apertou-lhe a mão e exclamou:<br />

— Parabéns! Este resultado final me interessa!<br />

— Sei disto — respondeu o especialista, piscando um olho, com<br />

Havia uma pergunta que me atormentava há algum tempo:<br />

— Posso saber por que vocês têm tanto interesse em viver na<br />

Terra e em trazer os terrestres a Vigo?<br />

— Pode! É para ajudá-los a encontrar o caminho da razão, como<br />

já fizemos em outros planetas, visando a segurança de todo o Universo.<br />

Lembrei-me, imediatamente, <strong>dos</strong> homens verdes.<br />

— Por que não fazem o mesmo em Raz?<br />

— Claro que vamos fazer! Será a nossa próxima etapa, conforme<br />

o ideal do Grão-Sábio!<br />

Ao sair, pensei nos planos de Zelfo. Indaguei de Tálbor:


— E a Teoria da Mutação das <strong>Cor</strong>es? Foi resolvida?<br />

— Não! Esta vai demorar mais tempo. Todavia, acabará sendo<br />

descoberta. Zelfo continua a pesquisá-la .<br />

Olhei-o com dó. Se não fosse tão pálido, Tálbor seria um belo<br />

rapaz. Por um instante, arrependi-me de ter fugido de Zelfo, atrasando o<br />

estudo que desenvolvia.<br />

— Se ele aceitasse um pedacinho só de pele, bem que eu daria!<br />

— falei de coração.<br />

comigo:<br />

Terra!<br />

Ele se comoveu. Protestou:<br />

— De forma alguma! Eu não permitiria! E meio desconfiado<br />

— Estou achando é que você tem vergonha de andar comigo na<br />

— Oh, não! Que idéia, Tálbor!<br />

Confesso que não fui muito sincera. Não era por vergonha que<br />

preferia vê-lo de uma cor só. Para mim não fazia diferença. Gostava<br />

dele assim mesmo. Pensava na confusão que provocaria, em nosso<br />

meio, a mutação de cores <strong>dos</strong> viguenses.<br />

Em casa, contamos à família a grande novidade. A alegria foi<br />

geral. Telga logo avisou:<br />

cabeça.<br />

— Você vai ter que me levar à Terra, mano!<br />

— Se nossos pais permitirem...<br />

— Claro! — responderam eles. — Nas férias escolares.<br />

— E eu? — perguntou Tínger. — Posso ir?<br />

— Quando crescer! — disse Tálbor, pondo--lhe a mão na<br />

Lau chegou à tarde, com toda a corda, falando da descoberta do<br />

índice. Contou que já havia combinado com o irmão uma viagem à<br />

Terra, para uma longa permanência, assim que a segunda parte <strong>dos</strong><br />

estu<strong>dos</strong> de Mingo estivesse pronta.<br />

— Vou realizar o melhor trabalho de minha vida!<br />

— E a cor da pele? — perguntou Tálbor que me parecia ainda<br />

cismado com a questão.


— Eu me pinto, ora! — foi a resposta imediata do noticiarista.<br />

To<strong>dos</strong> riram dele, menos eu. Fechei os olhos, por um instante, e<br />

imaginei-os pinta<strong>dos</strong> da minha cor. Ia ser fácil. Bastava usar os<br />

produtos de beleza que mamãe tinha sobre a penteadeira. Havia uma<br />

base, de cor morena, que ia ficar ótima na Telga!<br />

com ele:<br />

assunto:<br />

— Vou direto ao Brasil — explicou Lau. — É uma grande nação!<br />

Notamos que Tálbor ficou sério repentinamente. Lau pilheriou<br />

— Não precisa ter ciúme. Minha intenção é percorrer todo o país.<br />

Encabulamos os dois, eu e Tálbor. Por sorte, Telga mudou de<br />

— Mano! Conte o que viu em Marte. Há gente lá?<br />

Escutei-o desc<strong>rev</strong>er o solo vermelho e pedregoso do planeta.<br />

Referiu-se também às sondas vikings. Completou:<br />

animais...<br />

— Por onde andei, não vi ninguém, nem vegetação, nem<br />

— Deve ser como a Lua — lembrei. Ficamos a bater papo até<br />

tarde, naquela noite, entusiasma<strong>dos</strong> com planos de futuros encontros,<br />

ora na Terra, ora em Vigo. E no dia seguinte, após a refeição matinal,<br />

despedi-me da família.<br />

— Volte b<strong>rev</strong>e! — disse o casal.<br />

— Você volta, não é? — perguntou Tínger.<br />

— Claro! Voltarei sempre.<br />

Lau e Telga foram até à nave. Despedimo-nos com longos<br />

abraços. Ela me falou baixinho:<br />

— Agora, sei como vou terminar aquele conto que estou<br />

esc<strong>rev</strong>endo, o do pescador espacial de Vigo e da moça da Terra...<br />

— Sabe? Como vai ser?<br />

Ela caiu na risada e exclamou:<br />

— Você também sabe! Sabia mesmo. Por isso, corei.<br />

Quase à hora da largada, chegou um mensageiro com um ramo<br />

de flores, gentileza de Mingo.<br />

Eu, Tálbor e dois tripulantes embarcamos no disco voador que


começou a funcionar e a piscar luzes. Ergueu-se, ganhou aceleração e,<br />

ligeiro, afastou-se do planeta.<br />

Voltei à Terra, como queria, na mesma nave em que fui para<br />

Vigo e com a mesma pessoa! Desta vez, porém, a ansiedade que me<br />

agitava não era por medo do desconhecido, mas pela saudade<br />

antecipada do que eu deixava para trás. Felizmente, tinha certeza de<br />

poder <strong>rev</strong>ê-los.<br />

Voando à velocidade da luz, num instante, avistamos o Sol,<br />

resplendente e rubro como uma fogueira, em meio aos planetas,<br />

planetóides e satélites integrantes do seu sistema. Com facilidade,<br />

reconheci a Terra, azul e luminosa, cuja visão me causava imenso bem.<br />

— Falta pouco — disse Tálbor. — Está contente? Não menti.<br />

— Contente e um pouco triste!... Dá para entender?<br />

Ele pôs a mão no meu ombro.<br />

— Dá, sim — respondeu.<br />

Com brandura, puxou-me o rosto e fitou-me nos olhos, como<br />

tinha por hábito fazer quando queria influenciar-me.<br />

— Sorria! Está tudo ótimo! Mas não se esqueça de uma coisa:<br />

observe sempre a pedra do anel. Quando ela começar a pulsar, você já<br />

sabe que eu e Telga estamos chegando.<br />

Sorri, ao ouvir a promessa.<br />

— Está ótimo! — repeti, esperançada. Aproximando-se da<br />

cidade, a nave sob<strong>rev</strong>oou os bairros algumas vezes, desc<strong>rev</strong>endo<br />

espirais. Começou a descer, e eu divisei a praia, o clube, o prédio de<br />

apartamentos e a piscina.<br />

Amanhecia, e tudo estava deserto. Tálbor pediu aos tripulantes<br />

que parassem o veículo no gramado, em frente à portaria. Num minuto,<br />

eles executaram a manobra. Em seguida, abriram a tampa do disco<br />

voador e estenderam a passarela.<br />

Era o momento da despedida. Abraçamo-nos demoradamente.<br />

— Amigos? — perguntou-me ele.<br />

— Amigos! — exclamei.<br />

Desci a rampa sem olhar para trás, corri em direção à porta do


edifício e voltei-me para dar-lhe adeus. Ele acenou para mim e fechou a<br />

nave. Ouvi o zumbir do motor e vi o disco girar, piscar luzes e alçar.<br />

vôo. Acompanhei-o com os olhos, comovida, até perdê-lo de vista na<br />

amplidão...<br />

Agora, que estou só, um novo problema se me depara: contar<br />

essa história. Será que meus pais vão acreditar em mim? Já posso<br />

imaginar o que dirão as pessoas.<br />

— Quase morremos de aflição! — exclamará mamãe, entre<br />

lágrimas, quando me vir entrar.<br />

— Onde esteve? — argüirá papai.<br />

— Não foi sonho? — perguntará Celeste, ao ouvir a narrativa.<br />

— É mentira! — afirmarão quase to<strong>dos</strong>.<br />

Ergo a cabeça e observo o prédio. Não há luzes nem sons. Dir-<br />

se-ia que os veranistas já se foram. ou que — idéia absurda! — o tempo<br />

não passou desde a minha ida.<br />

Toco a porta do hall, e ela se abre. Diante da escada, paro<br />

enternecida. Mais alguns degraus e estarei em casa nos braços de meus<br />

pais. Depois, virão os vizinhos, os amigos, os parentes, os repórteres ...<br />

Muito rebuliço deverá provocar a novidade. Os céticos rirão de<br />

mim, e os mal<strong>dos</strong>os falarão horrores . Haverá quem me acuse de<br />

mentirosa ou louca. Em compensação, um grande número de pessoas<br />

acreditará na história. E tudo ficará esclarecido quando Tálbor voltar e<br />

trouxer Telga.<br />

Não me preocupo mais. Subo a escada a correr e, com o coração<br />

ansioso, estendo o dedo para a campainha.<br />

Fim


<strong>Ottoni</strong>, <strong>Margarida</strong>.<br />

097p O <strong>Planeta</strong> <strong>dos</strong> <strong>Homens</strong> sem <strong>Cor</strong> / <strong>Margarida</strong> <strong>Ottoni</strong>; capa<br />

de Arthur Henrique Braga; orientação da Dra. Eliane Mazur Ro-<br />

zenblum. 2ª. ed. — Rio de Janeiro: Ed. de Orientação Cultural,<br />

1980.<br />

1. Ficção brasileira. I. Título.<br />

CDD — 869.93<br />

80-0029 CDU — 869.0 (81) – 3<br />

Copyright ® 1977 by Editora de Orientação Cultural Ltda.<br />

Rua Barata Ribeiro, 512 — Tel.: 236-3405 — Rio de Janeiro, RJ<br />

É proibido reproduzir este livro ou partes dele sob qualquer forma.<br />

Impresso no Brasil — Printed in Brazil<br />

Impresso nas oficinas da Editora Brasil-América (EBAL) S. A.


Esta é <strong>Margarida</strong> <strong>Ottoni</strong>:<br />

na verdade, <strong>Margarida</strong> Moita Benedicto <strong>Ottoni</strong>,<br />

professora, poetisa — como se diz;<br />

poeta — como preferimos dizer.<br />

PREMIADA desde 1969, até hoje. Primeiro com o "Orlando<br />

Dantas" conferido ao conto Sino de Belém, com que participou do<br />

concurso promovido pelo Diário de Notícias, do Rio, patrocinado pelo<br />

INL — MEC, conto publicado em 1971 pela Livraria São José. Depois,<br />

ganhou por dois anos segui<strong>dos</strong> o "Prêmio Estado da Guanabara"; em<br />

1972, com seus Dois Meninos na Transamazônica; em 1973, com<br />

Aventuras da Ponte Rio — Niterói. Depois ainda, em 1977, ganhou o<br />

"João-de-Barro" de Belo Horizonte, quando um júri infantil escolheu-a<br />

por suas Travessuras no Fundo do Mar.<br />

APLAUDIDA por milhares de telespectadores, só em 1978, teve<br />

sete de seus livros de histórias leva<strong>dos</strong> ao ar pelo Canal 2, a TV-<br />

Educativa do Rio de Janeiro. O exercício do magistério, em diferentes<br />

setores, proporcionou-lhe inspiração para grande número de suas<br />

criações literárias, como o poema lírico Ontem e Hoje e o romance de<br />

sabor realista Escola da Vida, semimemórias editadas em 1970 e<br />

utilizado pela então ESPEG, no mesmo ano, como único texto da prova<br />

de Sociologia Educacional do concurso para provimento em cargos de<br />

Professores Primários EP-1.<br />

PARTICIPANTE, é filiada à Associação Brasileira de Educação, ao<br />

Instituto de Professores Públicos e Particulares, ao Elos Clube do Rio de<br />

Janeiro, à União Brasileira de Escritores, à Fundação Nacional do Livro<br />

Infantil e Juvenil, ao Sindicato <strong>dos</strong> Escritores do Município do Rio de<br />

Janeiro e à Ordem <strong>dos</strong> Velhos Jornalistas, de que é 2. a Bibliotecária.<br />

ATUANTE e em plena forma, enriquece sua produção destinada<br />

às crianças (Dois Peraltas e um Disco Voador, A Caminho do Espaço,<br />

Os Vegetais Falantes, Aventuras no Reino Submarino, Um Preto...


Um Branco) com suas incursões pela alma do público juvenil. A este já<br />

deu Na Taba <strong>dos</strong> Peitos-de-Fogo. A este entrega agora O <strong>Planeta</strong> <strong>dos</strong><br />

<strong>Homens</strong> sem <strong>Cor</strong>.<br />

IMORTAL, foi eleita, por unanimidade, para a Academia<br />

Brasileira de Literatura Infantil e Juvenil, sediada em São Paulo.<br />

Esta é <strong>Margarida</strong> <strong>Ottoni</strong>:<br />

na verdade, Poeta. E só.<br />

Esta obra foi digitalizada e <strong>rev</strong>isada pelo grupo Digital Source para proporcionar,<br />

de maneira totalmente gratuita, o benefício de sua leitura àqueles que não podem<br />

comprá-la ou àqueles que necessitam de meios eletrônicos para ler. Dessa forma, a<br />

venda deste e-book ou até mesmo a sua troca por qualquer contraprestação é<br />

totalmente condenável em qualquer circunstância. A generosidade e a humildade é<br />

a marca da distribuição, portanto distribua este livro livremente.<br />

Após sua leitura considere seriamente a possibilidade de adquirir o original, pois<br />

assim você estará incentivando o autor e a publicação de novas obras.<br />

Se quiser outros títulos nos procure :<br />

http://groups.google.com/group/Vicia<strong>dos</strong>_em_Livros, será um prazer recebê-lo<br />

em nosso grupo.<br />

http://groups.google.com/group/Vicia<strong>dos</strong>_em_Livros<br />

http://groups.google.com/group/digitalsource

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