17.04.2013 Views

O Diabo eo dilema brasileiro - João de Pina-Cabral

O Diabo eo dilema brasileiro - João de Pina-Cabral

O Diabo eo dilema brasileiro - João de Pina-Cabral

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

dos mais respeitados autores académicos <strong>brasileiro</strong>s, como Nina Rodrigues ou<br />

Gilberto Freyre – que tão perplexos <strong>de</strong>ixam os franceses.<br />

Uma diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>mónios<br />

Saltemos agora dos primórdios da Época Mo<strong>de</strong>rna que moldaram o Brasil para a<br />

viragem do século XX, quando a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> nacional brasileira foi finalmente<br />

consolidada através <strong>de</strong> um discurso assumidamente “mo<strong>de</strong>rnista”. Bernardo<br />

Guimarães (1825-1884), o poeta regionalista romântico, <strong>de</strong>screve assim o seu sabá<br />

sertanejo:<br />

Taturana, uma bruxa amarela,<br />

Resmungando com ar carrancudo,<br />

Se ocupava em frigir na panela<br />

Um menino com tripas e tudo.<br />

(...)<br />

Mamangara frigia, nas banhas<br />

Que tirou do cachaço <strong>de</strong> um fra<strong>de</strong>,<br />

Adubado com pernas <strong>de</strong> aranha,<br />

Fresco lombo <strong>de</strong> um frei dom aba<strong>de</strong>.”<br />

(in Bilac 1912: 151)<br />

A persistência e pertinência do tropo <strong>de</strong>moníaco continua presente, jogando<br />

este um papel central nos discursos <strong>de</strong> auto-i<strong>de</strong>ntificação nacional, tanto por parte dos<br />

que, acreditando que o <strong>de</strong>mónio os po<strong>de</strong> afectar materialmente, querem usá-lo para<br />

fins práticos através da sedução ou do exorcismo, como dos que, <strong>de</strong>screndo da<br />

existência material do <strong>de</strong>mónio, jogam com a polarida<strong>de</strong> entre o É<strong>de</strong>n e o Ha<strong>de</strong>s<br />

como chave interpretativa para a concepção do país. Este último, afinal, é o <strong>de</strong>mónio<br />

que emerge da obra das gran<strong>de</strong>s figuras literárias – Olavo Bilac, Guimarães Rosa,<br />

Ariano Suassuna, <strong>João</strong> Ubaldo Ribeiro e tantos mais. Esse também é o <strong>de</strong>mónio dos<br />

mo<strong>de</strong>rnistas paulistanos, tornado famoso no grito <strong>de</strong> Oswald <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>: “A<br />

antropofagia é o que nos une.” (1990 [1928]: 47) Não estamos mais aí perante o<br />

Satanás contrareformista da Época Mo<strong>de</strong>rna, mas sim perante o Demónio<br />

sociologisado do mo<strong>de</strong>rnismo.<br />

23

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!