a metáfora da vida real: um estudo de letras de rap em londrina.
a metáfora da vida real: um estudo de letras de rap em londrina.
a metáfora da vida real: um estudo de letras de rap em londrina.
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
A METÁFORA DA VIDA REAL: UM ESTUDO DE LETRAS DE RAP EM<br />
LONDRINA.<br />
Ana Paula GOMES (UEL)<br />
REFERÊNCIA:<br />
GOMES, Ana Paula. A <strong>metáfora</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> <strong>real</strong>: <strong>um</strong><br />
<strong>estudo</strong> <strong>de</strong> <strong>letras</strong> <strong>de</strong> <strong>rap</strong> <strong>em</strong> Londrina. In: CELLI –<br />
COLÓQUIO DE ESTUDOS LINGUÍSTICOS E<br />
LITERÁRIOS. 3, 2007, Maringá. Anais... Maringá,<br />
2009, p. 95-106.<br />
1. INTRODUÇÃO<br />
ISBN: 978-85-99680-05-6<br />
Esta comunicação t<strong>em</strong> como objetivo apresentar os resultados obtidos com o<br />
projeto <strong>de</strong> iniciação cientifica <strong>real</strong>izado a partir <strong>da</strong> participação no projeto <strong>de</strong> pesquisa<br />
“Leitura, Ritmo e Poesia: Práticas <strong>de</strong> poéticas orais dos Rappers <strong>de</strong> Londrina”,<br />
<strong>de</strong>senvolvido junto ao <strong>de</strong>partamento <strong>de</strong> Letras Clássicas e Vernáculas <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
Estadual <strong>de</strong> Londrina. Dentre as metas do projeto <strong>de</strong> pesquisa a ser<strong>em</strong> alcança<strong>da</strong>s,<br />
<strong>de</strong>stacamos a análise <strong>da</strong> construção <strong>de</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>de</strong> discursos <strong>de</strong> sujeitos envolvidos<br />
no <strong>rap</strong>, que foi o aspecto que direcionou o projeto <strong>de</strong> iniciação cientifica, on<strong>de</strong><br />
analisamos composições <strong>de</strong> <strong>rap</strong>pers <strong>da</strong> Zona Norte <strong>de</strong> Londrina 1 ressaltando nestas a<br />
presença <strong>de</strong> <strong>metáfora</strong>s.<br />
O movimento hip hop compreen<strong>de</strong> <strong>um</strong>a manifestação cultural que engloba<br />
música, <strong>da</strong>nça, poesia, artes visuais (no grafite) e mobilização social (alguns integrantes<br />
do movimento consi<strong>de</strong>ram também <strong>um</strong> quinto el<strong>em</strong>ento que é a conscientização) e,<br />
principalmente, compreen<strong>de</strong> a valorização <strong>da</strong> ascendência étnica negra, o conhecimento<br />
histórico <strong>da</strong> luta dos negros e <strong>de</strong> sua herança cultural e o combate ao preconceito racial.<br />
A partir <strong>de</strong>sta investigação estu<strong>da</strong>mos os <strong>rap</strong>s, que acreditamos ser<strong>em</strong> criados como se<br />
foss<strong>em</strong> <strong>um</strong> mosaico, contando a história do cotidiano dos moradores <strong>de</strong> periferias.<br />
Dessa forma, são <strong>em</strong>prega<strong>da</strong>s várias figuras <strong>de</strong> linguag<strong>em</strong>, muitas vezes, para amenizar<br />
a dureza do cotidiano que é “canta<strong>da</strong> e conta<strong>da</strong>” <strong>em</strong> <strong>rap</strong>s locais. Como po<strong>de</strong>mos<br />
perceber na colocação <strong>de</strong> João Lindolfo Filho:<br />
1 Apesar <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> grupos <strong>de</strong> <strong>rap</strong> na Zona Norte( CITAR NOMES DE OUTROS GRUPOS!<br />
QUAIS SÃO?), optamos pelo Grupo Pira Pura que se mostrou como <strong>um</strong> dos mais engajado no<br />
movimento. Embasamos nossos <strong>estudo</strong>s <strong>em</strong> duas canções do primeiro álb<strong>um</strong> do grupo: Maré e Palavras.<br />
95
“As criações <strong>de</strong> canções que discorriam sobre o próprio cotidiano<br />
eram <strong>um</strong>a <strong>da</strong>s únicas opções para esses <strong>rap</strong>azes, que tinham<br />
geralmente <strong>um</strong>a vi<strong>da</strong> <strong>de</strong> muito risco e, geralmente, bastante curta, no<br />
trânsito entre a miséria e a violência. Para <strong>um</strong> ru<strong>de</strong>, a única maneira <strong>de</strong><br />
ser livre dos bairros <strong>de</strong> lata <strong>de</strong> West Kingston era <strong>um</strong> single <strong>de</strong><br />
sucesso ou <strong>um</strong> tiro <strong>de</strong> polícia” (LINDOLFO FILHO, 2004, p132).<br />
Assim sendo, o <strong>rap</strong> torna-se a voz <strong>de</strong> negros <strong>da</strong>s periferias <strong>em</strong> vários países do<br />
mundo. Esta voz é criva<strong>da</strong> por <strong>um</strong>a linguag<strong>em</strong> poética capaz <strong>de</strong> traduzir a <strong>real</strong>i<strong>da</strong><strong>de</strong> do<br />
mundo <strong>em</strong> que viv<strong>em</strong> os <strong>rap</strong>pers <strong>em</strong> signos conotativos. Daí <strong>de</strong>corr<strong>em</strong> inúmeras figuras<br />
<strong>de</strong> sentido, tais como metonímias, hipérboles, sinédoque e <strong>metáfora</strong>s. 2<br />
Sendo o <strong>rap</strong> rico <strong>em</strong> figuras <strong>de</strong> sentido, preten<strong>de</strong>mos com este projeto fazer <strong>um</strong><br />
recorte para estu<strong>da</strong>r a <strong>metáfora</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong>s <strong>letras</strong>, que muitas vezes resulta <strong>da</strong>s<br />
impressões sensíveis que o indivíduo possui tanto <strong>de</strong> atos subjetivos quanto sociais.<br />
Os jovens <strong>da</strong> periferia sofr<strong>em</strong> <strong>um</strong> processo <strong>de</strong> invisibili<strong>da</strong><strong>de</strong> perante a socie<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />
segundo o sociólogo Luiz Eduardo Soares:<br />
“Por força <strong>da</strong> projeção <strong>de</strong> preconceitos ou por conta <strong>da</strong> indiferença<br />
generaliza<strong>da</strong>, perambulam invisíveis pelas gran<strong>de</strong>s ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s brasileiras<br />
muitos jovens pobres, especialmente os negros - sobre os quais se<br />
ac<strong>um</strong>ulam, além dos estigmas associados à pobreza, os que <strong>de</strong>rivam<br />
do racismo. Um dia, <strong>um</strong> traficante dá a <strong>um</strong> <strong>de</strong>sses meninos <strong>um</strong>a arma.<br />
Quando <strong>um</strong> <strong>de</strong>sses meninos nos parar na esquina, apontando-nos esta<br />
arma, estará provocando <strong>em</strong> ca<strong>da</strong> <strong>um</strong> <strong>de</strong> nós <strong>um</strong> sentimento- o<br />
sentimento do medo, que é negativo, mas é <strong>um</strong> sentimento. Ao fazêlo,<br />
saltará <strong>da</strong> sombra <strong>em</strong> que <strong>de</strong>saparecera e se tornará visível. A arma<br />
será o passaporte para a visibili<strong>da</strong><strong>de</strong>...O sujeito que não era visto<br />
impõe-se a nós. Exige que o trat<strong>em</strong>os como <strong>um</strong> sujeito. Recupera<br />
visibili<strong>da</strong><strong>de</strong>, recompõe-se como sujeito, se reafirma e reconstrói. Põese<br />
<strong>em</strong> marcha <strong>um</strong> movimento <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> si, <strong>de</strong> autocriação. Se<br />
havia dívi<strong>da</strong> (fala-se tanto na gran<strong>de</strong> dívi<strong>da</strong> social), eis aí a fatura”.<br />
(SOARES; 2005, p.215).<br />
Perceb<strong>em</strong>os que o crime, na maioria <strong>da</strong>s vezes, é a forma que alguns jovens se<br />
utilizam para sair <strong>de</strong> sua invisibili<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>de</strong> seu ostracismo social, e com esta atitu<strong>de</strong><br />
almejam conquistar <strong>um</strong>a posição <strong>de</strong> “respeito” na comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>em</strong> que viv<strong>em</strong>. Não<br />
buscamos “justificar” a criminali<strong>da</strong><strong>de</strong>, mas a incursão pelo mundo poético do <strong>rap</strong> nos<br />
possibilitou compreendê-la como o produto <strong>de</strong> <strong>um</strong>a socie<strong>da</strong><strong>de</strong> injusta e <strong>de</strong>sigual, on<strong>de</strong> o<br />
pobre e o negro são os que mais sofr<strong>em</strong> as conseqüências.<br />
2 Segundo Salvatore D’onofrio a produção <strong>de</strong> qualquer metass<strong>em</strong>a (<strong>de</strong>finível como <strong>um</strong> tropo pelo qual<br />
<strong>um</strong> s<strong>em</strong><strong>em</strong>a é substituído por outro) requer a manipulação <strong>de</strong> s<strong>em</strong>as, <strong>em</strong> virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong>a palavra persistir<br />
n<strong>um</strong>a parcela do sentido primário, enquanto outra é modifica<strong>da</strong>. No fundo, trata-se s<strong>em</strong>pre <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />
processo <strong>de</strong> transferência <strong>de</strong> sentido <strong>de</strong> <strong>um</strong> contexto para outro, com vistas a pôr <strong>em</strong> evidência o<br />
parentesco que existe entre os objetos. Na formulação <strong>de</strong> <strong>um</strong> tropo <strong>de</strong> sentido, junto com o contexto<br />
intralingüístico, intervêm engrenagens extralingüísticas, provenientes do background cultural do autor.<br />
Por isso, o analista <strong>de</strong>ve observar não apenas o contexto sintagmático, mas também o contexto<br />
paradigmático. Com efeito, o tropo não é só <strong>um</strong>a figura <strong>de</strong> retórica, <strong>um</strong> ornato <strong>de</strong> estilo, mas é sobretudo<br />
o receptáculo <strong>de</strong> <strong>um</strong> significado antropológico.<br />
96
Dentro <strong>de</strong>ste processo <strong>de</strong> invisibili<strong>da</strong><strong>de</strong> social, existe na socie<strong>da</strong><strong>de</strong> o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> micro grupos que buscam se manifestar e se tornar visíveis para a<br />
socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, segundo José Machado Pais:<br />
“Nas socie<strong>da</strong><strong>de</strong>s mo<strong>de</strong>rnas os jovens têm ca<strong>da</strong> vez mais se juntado <strong>em</strong><br />
micro grupos <strong>de</strong> sociabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s, nos quais discut<strong>em</strong> suas perspectivas<br />
<strong>em</strong> visões do mundo para questionar o tecido social que os cerca,<br />
trazendo para o seio <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> seus principais anseios, por meio <strong>de</strong><br />
atitu<strong>de</strong>s criativas, que por isso t<strong>em</strong> alargado a marg<strong>em</strong> <strong>de</strong> tolerância <strong>da</strong><br />
dominação. São as tribalizações urbanas, <strong>de</strong> acordo com a ótica <strong>de</strong><br />
Maffesoli (1997). Eles po<strong>de</strong>m se caracterizar também por tipos <strong>de</strong><br />
ind<strong>um</strong>entária, <strong>de</strong> comportamento, <strong>de</strong> cabelo e principalmente pela<br />
preferência e até pela criação <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>de</strong>terminado gênero <strong>de</strong> música”.<br />
(PAIS, 2004, p. 127-128).<br />
O movimento Hip hop que é <strong>um</strong> micro grupo por meio do qual jovens <strong>da</strong><br />
periferia externam seus anseios e <strong>de</strong>monstram a relutância <strong>em</strong> aceitar os rótulos que a<br />
socie<strong>da</strong><strong>de</strong> lhes impinge. O movimento Hip hop é oriundo dos Estados Unidos e<br />
caracteriza-se por:<br />
“<strong>um</strong>a cultura inventa<strong>da</strong> por jovens afro-americanos a partir <strong>de</strong><br />
influência afro-Jamaicana, reinventa<strong>da</strong> nas periferias <strong>da</strong>s gran<strong>de</strong>s<br />
metrópoles do planeta e que t<strong>em</strong> não só garantido aos jovens <strong>de</strong>ssas<br />
áreas o resgate <strong>da</strong> auto-estima, a sensação <strong>de</strong> pertencimento, por seu<br />
teor contestatório, como também t<strong>em</strong> preenchido lacunas <strong>de</strong>ixa<strong>da</strong>s<br />
pela educação formal”. (I<strong>de</strong>m, 2004, p.128).<br />
Muitos jovens encontram no movimento Hip hop <strong>um</strong> caminho para sair <strong>da</strong><br />
invisibili<strong>da</strong><strong>de</strong> pois, por meio <strong>de</strong> suas <strong>letras</strong> polêmicas e <strong>um</strong>a atitu<strong>de</strong> contestatória, faz<strong>em</strong><br />
com que a socie<strong>da</strong><strong>de</strong> encare seus piores pesa<strong>de</strong>los. Como diz a canção “Família” do<br />
grupo Pira Pura <strong>da</strong> Zona Norte <strong>de</strong> Londrina: “Real pesa<strong>de</strong>lo virou trilha sonora”.<br />
Nesse sentido, os <strong>rap</strong>s passam a ser entendidos, por <strong>um</strong>a gran<strong>de</strong> parcela <strong>da</strong><br />
socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, como <strong>letras</strong> que faz<strong>em</strong> apologia à violência, ao tráfico <strong>de</strong> drogas e ao mundo<br />
do crime <strong>em</strong> geral. O <strong>estudo</strong> <strong>de</strong> várias <strong>letras</strong> nos mostrou que o crime é <strong>um</strong> t<strong>em</strong>a<br />
bastante recorrente na cultura <strong>rap</strong>, mas não há apologia a ele, pelo menos no conjunto <strong>de</strong><br />
<strong>letras</strong> <strong>da</strong> zona Norte <strong>de</strong> Londrina. O que ocorre é a crítica do sujeito que, vulnerável à<br />
pobreza e s<strong>em</strong> perspectiva <strong>de</strong> ascensão social, engana-se ao optar pelo mundo do crime.<br />
Logo, o <strong>rap</strong> nos coloca <strong>em</strong> contato com <strong>um</strong>a <strong>real</strong>i<strong>da</strong><strong>de</strong> que não quer<strong>em</strong>os aceitar, com<br />
erros dos quais não quer<strong>em</strong>os nos redimir.<br />
Encontramos no movimento hip hop, <strong>rap</strong>s que <strong>de</strong>ixam transparecer que o mundo<br />
que cerca os participantes do movimento atua direta ou indiretamente no processo <strong>de</strong><br />
composição. Assim, o <strong>rap</strong> é tomado como <strong>um</strong> fenômeno artístico, no qual o sujeito<br />
criador é capaz <strong>de</strong> “transformar” o cotidiano n<strong>um</strong>a linguag<strong>em</strong> poética. Nas palavras <strong>de</strong><br />
Norma Goldstein:<br />
“A própria orig<strong>em</strong> <strong>da</strong> palavra arte implica <strong>um</strong>a ativi<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
transformadora <strong>real</strong>iza<strong>da</strong> pelo hom<strong>em</strong>. Esta ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>, por sua vez,<br />
traz s<strong>em</strong>pre, direta ou indiretamente, certas marcas <strong>da</strong>s condições<br />
concretas <strong>em</strong> que ela se efetua”. (GOLDSTEIN; 2003; p.13)<br />
97
O movimento hip hop é <strong>um</strong>a expressão artística sensível aos dramas cotidianos<br />
do País e às condições <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s periféricas. O movimento hip hop t<strong>em</strong><br />
como <strong>um</strong> dos objetivos <strong>da</strong>r <strong>um</strong>a i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> a adolescentes que não encontravam <strong>em</strong><br />
outras manifestações <strong>de</strong> tribos urbanas guari<strong>da</strong> para po<strong>de</strong>r<strong>em</strong> expressar sua <strong>real</strong>i<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />
Assim, perceb<strong>em</strong>os na fala <strong>de</strong> alguns dos integrantes do movimento hip hop <strong>de</strong><br />
Londrina, como a <strong>de</strong> Rafinha, Rafael Lopes Amarins, a importância que a cultura <strong>rap</strong><br />
t<strong>em</strong> para ele se afirmar como sujeito social.<br />
“o <strong>rap</strong> pra mim foi tudo enten<strong>de</strong>u [...] aqui os vizinho <strong>de</strong> casa me vê<br />
como Rafinha, mas é aquele Rafinha que o Rap fez, enten<strong>de</strong>u? É o<br />
que eu sou hoje é o <strong>rap</strong> que fez.” 3<br />
Este processo <strong>de</strong> transformação e relação <strong>de</strong> pertencimento é muito recorrente no<br />
movimento hip hop <strong>de</strong> Londrina, on<strong>de</strong> muitos são salvos <strong>da</strong> criminali<strong>da</strong><strong>de</strong>, ao se<br />
vincular<strong>em</strong> aos i<strong>de</strong>ais <strong>da</strong> cultura <strong>rap</strong>. Sendo que:<br />
“A história do hip hop está liga<strong>da</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sua orig<strong>em</strong> às lutas e<br />
conquistas políticas dos negros norte-americanos nos anos <strong>de</strong> 1960.<br />
Como l<strong>em</strong>bra o jornalista Spensy Pimentel, <strong>em</strong> seu trabalho <strong>de</strong><br />
conclusão <strong>de</strong> curso O livro vermelho do hip hop, dois li<strong>de</strong>res negros<br />
americanos foram assassinados naquela déca<strong>da</strong>: Malcom X, <strong>em</strong> 1964,<br />
e Martin Luther King, <strong>em</strong> 1968. As lutas dos negros contra<br />
discriminação e por maior participação política, duramente reprimi<strong>da</strong>s<br />
durante o período, evoluíram para estratégias mais agressivas, como<br />
aquelas <strong>em</strong>preendi<strong>da</strong>s por organizações como os Black Panthers<br />
(Panteras Negras). (ZENI; 2004, p.6)<br />
Em Londrina, não encontramos nos grupos <strong>de</strong> <strong>rap</strong> <strong>um</strong>a postura agressiva como a<br />
dos Panteras Negras, pelo contrário, <strong>em</strong> to<strong>da</strong>s as apresentações que conseguimos estar<br />
presentes, a organização e o comportamento são irrepreensíveis, mostrando com isto o<br />
modus operandi dos grupos <strong>da</strong> região que prima pela paz. Com este comportamento,<br />
não estamos dizendo que eles se calam ante as injustiças e os probl<strong>em</strong>as sociais<br />
existentes. Encontramos <strong>rap</strong>s repletos <strong>de</strong> críticas à socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, principalmente àqueles<br />
que <strong>de</strong>veriam estar fazendo algo para minimizar a <strong>de</strong>sigual<strong>da</strong><strong>de</strong> social, mas que estão <strong>de</strong><br />
braços cruzados.<br />
Ao nos <strong>de</strong>pararmos com <strong>letras</strong> tão polêmicas como as <strong>de</strong> <strong>rap</strong>, <strong>de</strong>cidimos estu<strong>da</strong>r<br />
mais <strong>de</strong>talha<strong>da</strong>mente a presença <strong>de</strong> <strong>metáfora</strong>s <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>las, pois segundo Jakobson:<br />
“aplicando-se à relação mensag<strong>em</strong> <strong>em</strong>itente, conclui que a poesia<br />
metafórica po<strong>de</strong>ria ‘ser compreendi<strong>da</strong> como <strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong> poesia na<br />
qual a mensag<strong>em</strong> está intimamente liga<strong>da</strong> ao <strong>em</strong>itente’, e este se torna<br />
<strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong> filtro <strong>em</strong> que to<strong>da</strong>s as coisas se fun<strong>de</strong>m através <strong>de</strong> sua<br />
própria personali<strong>da</strong><strong>de</strong>”. (apud Lafetá; 2003; 66)<br />
Compreen<strong>de</strong>mos que as <strong>letras</strong> <strong>de</strong> <strong>rap</strong> são <strong>um</strong>a forma <strong>de</strong> poesia oral que sofre<br />
influências do cotidiano dos indivíduos, possuindo <strong>um</strong>a ligação intrínseca entre o sujeito<br />
que a enuncia e o seu cotidiano.<br />
3 Entrevista <strong>real</strong>iza<strong>da</strong> pelas alunas Ana Paula Gomes e Flávia Heloisa Unbeha<strong>um</strong> Ferraz com Rafael<br />
Lopes Amarins Mc <strong>da</strong> Zona Norte <strong>de</strong> Londrina, no dia 18 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2006.<br />
98
2. BREVE ESTUDO SOBRE AS METÁFORAS DO RAP<br />
Conceituar “<strong>metáfora</strong>” não é <strong>um</strong>a tarefa fácil. Des<strong>de</strong> Aristóteles até os dias<br />
atuais, o conceito <strong>de</strong> <strong>metáfora</strong> passou por muitas transformações e, não raramente,<br />
enquanto <strong>um</strong> tropo <strong>de</strong> linguag<strong>em</strong>, a <strong>metáfora</strong> se tornou algo intrínseco ao cotidiano dos<br />
indivíduos. Não buscamos, aqui, <strong>da</strong>r <strong>um</strong>a <strong>de</strong>finição tout court, mas probl<strong>em</strong>atizá-la<br />
segundo a visão <strong>de</strong> alguns teóricos, tanto do campo <strong>da</strong> lingüística quanto <strong>da</strong> literatura,<br />
que se <strong>de</strong>bruçaram sobre o t<strong>em</strong>a.<br />
Começamos por Salvatore D’Onofrio (2003), que indica haver <strong>um</strong> sentido lato e<br />
stricto para a <strong>metáfora</strong>. Em suas palavras:<br />
“é preciso distinguir a <strong>metáfora</strong> n<strong>um</strong> sentido amplo, como onipresente<br />
princípio <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong>, <strong>da</strong> <strong>metáfora</strong> n<strong>um</strong> sentido estrito, como tropo<br />
ou figura <strong>de</strong> estilo. No sentido genérico, o metaforismo está presente<br />
na economia primitiva do sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> referência do hom<strong>em</strong>. Como<br />
observa Oswaldino Marques, a língua primitiva não conhece<br />
adjetivação (fusão universal com o particular) e o processo <strong>de</strong><br />
atribuição é <strong>real</strong>izado pelo enca<strong>de</strong>amento mecânico do particular com<br />
o particular (subjetivação composta). Assim, por ex<strong>em</strong>plo, <strong>em</strong> lugar<br />
<strong>de</strong> dizer ‘cão preto’ o primitivo diz ‘cão gralha’ (gralha= pássaro <strong>de</strong><br />
cabeça preta). (D’ONOFRIO, 2003, p.38)<br />
Como po<strong>de</strong>mos perceber, D’Onofrio afirma que a <strong>metáfora</strong> po<strong>de</strong> ser<br />
compreendi<strong>da</strong> tanto no sentido lato, quando faz<strong>em</strong>os uso <strong>de</strong> <strong>um</strong> certo tipo <strong>de</strong><br />
pensamento abstrato (comparativo) no dia-a-dia, ou n<strong>um</strong> sentido estrito, quando a<br />
tomamos como <strong>um</strong>a figura <strong>de</strong> linguag<strong>em</strong>. O crítico literário atenta para o fato <strong>de</strong> que a<br />
<strong>metáfora</strong> encontra-se presente n<strong>um</strong>a “linguag<strong>em</strong> primitiva”, isto é, a maneira como<br />
substantivamos os termos concretos e, principalmente, abstratos ocorre com base n<strong>um</strong><br />
substrato metafórico, pelo qual a observação <strong>da</strong>s coisas na natureza sugere a palavra.<br />
No mesmo sentido, o filósofo Ernest Cassirer (2003) afirma que a criação <strong>da</strong><br />
<strong>metáfora</strong> está condiciona<strong>da</strong> à necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão a<strong>de</strong>qua<strong>da</strong> do espírito h<strong>um</strong>ano.<br />
Em suas palavras:<br />
“O hom<strong>em</strong> quisesse ou não, foi forçado a falar metaforicamente, e isto<br />
não porque não lhe fosse possível frear sua fantasia poética, mas antes<br />
porque <strong>de</strong>via esforçar-se ao máximo para <strong>da</strong>r expressão a<strong>de</strong>qua<strong>da</strong> às<br />
necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s crescentes <strong>de</strong> seu espírito”. (CASSIER, 2003, p.103)<br />
Em Cassier, <strong>de</strong>paramos-nos com <strong>um</strong> conceito <strong>de</strong> <strong>metáfora</strong> que visa à expressão<br />
dos anseios do artista, sendo que a ela t<strong>em</strong> passado ca<strong>da</strong> vez mais a ser <strong>um</strong>a linguag<strong>em</strong><br />
liga<strong>da</strong> ao indivíduo e à sua <strong>real</strong>i<strong>da</strong><strong>de</strong> espiritual e social.<br />
A relação entre <strong>metáfora</strong> e cotidiano também está presente na visão dos<br />
lingüistas Lakof e Johnson (2002). Para eles, a <strong>metáfora</strong> é a linguag<strong>em</strong> influencia<strong>da</strong><br />
pelo cotidiano dos indivíduos. São <strong>metáfora</strong>s que resultam: “<strong>da</strong>s m<strong>em</strong>órias e <strong>da</strong>s<br />
impressões sensíveis que tive e dos atos, tanto internos quanto externos que <strong>real</strong>izei.”<br />
(LAKOF; JOHNSON, 2002, p.310)<br />
Nessa <strong>de</strong>finição, ficam endossados os aspectos sociais e subjetivos <strong>da</strong> <strong>metáfora</strong><br />
como <strong>um</strong> tropo <strong>de</strong> linguag<strong>em</strong>. Ou seja, po<strong>de</strong>-se dizer que a <strong>metáfora</strong> é o substrato <strong>da</strong><br />
99
linguag<strong>em</strong> e, à proporção que vai se tornando <strong>um</strong>a “convenção social”, o substantivo<br />
passa a ser referente e liberta-se <strong>da</strong> aura conotativa que tinha <strong>em</strong> seu momento <strong>de</strong><br />
criação.<br />
O fato é que muitas <strong>metáfora</strong>s ain<strong>da</strong> são apreendi<strong>da</strong>s não apenas no texto<br />
poético, mas no linguajar cotidiano. Nessa linha <strong>de</strong> raciocínio, D’Onofrio aponta para o<br />
fato <strong>de</strong> que a <strong>metáfora</strong> vai se <strong>de</strong>sgastando com o t<strong>em</strong>po até se tornar <strong>um</strong>a linguag<strong>em</strong><br />
com<strong>um</strong>.<br />
“A capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> metafórica <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> h<strong>um</strong>ana é atesta<strong>da</strong>,<br />
diacronicamente, pela existência <strong>de</strong> inúmeras <strong>metáfora</strong>s <strong>de</strong> uso, <strong>da</strong>s<br />
quais se per<strong>de</strong>u o sentido <strong>de</strong> tropo e que compõ<strong>em</strong> a linguag<strong>em</strong><br />
com<strong>um</strong>: ‘cair <strong>em</strong> si’, ‘pressão <strong>de</strong> medo’, etc. Ain<strong>da</strong> no sentido<br />
genérico qualquer texto artístico po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado <strong>um</strong>a gran<strong>de</strong><br />
<strong>metáfora</strong> por seu sentido conotativo, por inventar personagens<br />
análogas aos seres reais, por atribuir s<strong>em</strong>as h<strong>um</strong>anos a animais ou a<br />
entes inanimados, pela ficcionali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> seu universo do discurso.”<br />
(D’ONOFRIO, 2003; p.39)<br />
Alg<strong>um</strong>as <strong>metáfora</strong>s sofreram <strong>um</strong> certo “<strong>de</strong>sgaste” pelo uso, sendo que elas,<br />
muitas vezes, encontram-se profun<strong>da</strong>mente a<strong>de</strong>ri<strong>da</strong>s ao vocabulário dos indivíduos que<br />
acabam n<strong>em</strong> se <strong>da</strong>ndo conta <strong>de</strong> sua existência, como por ex<strong>em</strong>plo “levantar o barraco”,<br />
“entrar pelo cano”, entre muitas outras expressões <strong>em</strong>prega<strong>da</strong>s no cotidiano.<br />
Para corroborar sua reflexão, D’Onofrio vale-se <strong>da</strong> seguinte afirmação <strong>de</strong><br />
Roland Barthes:<br />
“A <strong>metáfora</strong> <strong>real</strong>iza-se quando se mistura a correspondência <strong>de</strong> duas<br />
ca<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> significantes cujos termos não são mais associados segundo<br />
o uso tradicional. Dessa violência nasce evi<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente <strong>um</strong>a<br />
informação muito forte, situa<strong>da</strong> a igual distância do banal (ausência <strong>de</strong><br />
informação pela redundância) e do absurdo (ausência <strong>de</strong> informação,<br />
pelo não-sentido). É essa mediani<strong>da</strong><strong>de</strong> entre banal e absurdo que<br />
possibilita a correção do <strong>de</strong>svio e o entendimento <strong>da</strong> <strong>metáfora</strong>.”<br />
(BARTHES apud D’ONOFRIO, 2003, p.40)<br />
Ao utilizar a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> Barthes sobre <strong>metáfora</strong>, D’Onofrio traz à tona alguns<br />
aspectos relevantes sobre esta figura <strong>de</strong> linguag<strong>em</strong> que merec<strong>em</strong> ser abor<strong>da</strong>dos. Ao<br />
<strong>em</strong>pregar os termos “violência” e “forte”, Barthes expõe <strong>um</strong> lado agressivo <strong>da</strong> <strong>metáfora</strong>,<br />
como se ela estivesse se impondo sobre a linguag<strong>em</strong> ou tentando fazer com que as<br />
frases e/ou palavras <strong>de</strong>ixass<strong>em</strong> <strong>um</strong>a impressão marcante no leitor. Se formos analisar<br />
mais a fundo, quando nos utilizamos <strong>de</strong> <strong>metáfora</strong>s é exatamente isto o que quer<strong>em</strong>os:<br />
que o receptor preste atenção ao que estamos dizendo, isto é, <strong>em</strong>pregamos palavras com<br />
<strong>um</strong> grau <strong>um</strong> pouco mais elevado <strong>de</strong> elaboração, o que exige do receptor mais atenção<br />
para compreen<strong>de</strong>r o que está sendo enunciado. É por isso que Barthes <strong>em</strong>prega a<br />
<strong>metáfora</strong> “impressões digitais na nossa alma” para explicar como a <strong>metáfora</strong> age sobre<br />
os receptores. Em outras palavras, a <strong>metáfora</strong> b<strong>em</strong> elabora<strong>da</strong> t<strong>em</strong> a tendência <strong>de</strong> atingir<br />
o imaginário dos receptores.<br />
Mo<strong>de</strong>sto Carone Neto (1974), por sua vez, nos traz várias facetas <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong><br />
metafórica, fazendo a junção <strong>de</strong>sta figura <strong>de</strong> linguag<strong>em</strong> com sentido visual (na <strong>metáfora</strong><br />
visual), com o processo <strong>de</strong> montag<strong>em</strong> cin<strong>em</strong>atográfica (na montag<strong>em</strong> metafórica) e com<br />
o <strong>em</strong>prego <strong>de</strong> <strong>um</strong> sentido <strong>de</strong>sconhecido <strong>em</strong> (a <strong>metáfora</strong> absoluta).<br />
100
A <strong>metáfora</strong> visual, segundo Carone Neto, consiste <strong>em</strong>: “sua especial aptidão para<br />
evocar, na mente do leitor, imagens s<strong>em</strong>elhantes àquelas produzi<strong>da</strong>s pelo sentido <strong>da</strong><br />
visão” (CARONE NETO, 1974, p.70). Como ex<strong>em</strong>plo <strong>de</strong> <strong>metáfora</strong> visual, Carone Neto<br />
a <strong>de</strong>fine como aquela <strong>em</strong> que t<strong>em</strong>:<br />
“especial aptidão para evocar, na mente do leitor, imagens<br />
s<strong>em</strong>elhantes àquelas produzi<strong>da</strong>s pelo sentido <strong>da</strong> visão...é o<br />
<strong>de</strong>sdobramento <strong>de</strong> <strong>metáfora</strong>s <strong>de</strong> <strong>um</strong>a “visibili<strong>da</strong><strong>de</strong>” tão manifesta que<br />
se torna possível absorve-las s<strong>em</strong> a inspeção.” (I<strong>de</strong>m, 1974, p. 70-71).<br />
No trecho do <strong>rap</strong> “Maré”: “Não quero vê é é na hora do saco<strong>de</strong>, nego tr<strong>em</strong>e mais<br />
que pan<strong>de</strong>iro no pago<strong>de</strong>”, constatamos a presença <strong>da</strong> <strong>metáfora</strong> visual, pois apesar do<br />
efeito provocado ser hiperbólico (“tr<strong>em</strong>e mais do que”), duas imagens são aciona<strong>da</strong>s <strong>de</strong><br />
modo a conferir <strong>um</strong> sentido exagerado para <strong>um</strong>a pessoa que tr<strong>em</strong>e. Nosso conhecimento<br />
visual do tr<strong>em</strong>er do pan<strong>de</strong>iro acaba por se voltar imageticamente ao indivíduo que tr<strong>em</strong>e<br />
como tal instr<strong>um</strong>ento, criando assim <strong>um</strong>a associação visual.<br />
No processo <strong>de</strong> <strong>metáfora</strong> como montag<strong>em</strong>, o autor se utiliza <strong>da</strong> <strong>de</strong>finição <strong>de</strong><br />
montag<strong>em</strong> <strong>de</strong> Eisenstein que significa:<br />
“<strong>um</strong>a síntese mental, <strong>em</strong> que pormenores isolados (fragmentos) se<br />
un<strong>em</strong>, n<strong>um</strong> nível mais elevado do pensamento, através <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />
maneira <strong>de</strong>susa<strong>da</strong>, <strong>em</strong>ocional, <strong>de</strong> raciocinar - diferente <strong>da</strong> forma lógica<br />
com<strong>um</strong>. ‘montag<strong>em</strong> é a idéia que nasce <strong>da</strong> colisão <strong>de</strong> duas toma<strong>da</strong>s<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes’... o fragmento, uni<strong>da</strong><strong>de</strong> material <strong>de</strong> que se vale a<br />
composição, e a produção <strong>de</strong> significados, chamado por Eisenstein <strong>de</strong><br />
‘terceiro termo’, circunstância que aproxima o processo <strong>da</strong> montag<strong>em</strong><br />
do processo metafórico <strong>em</strong> cuja forma literal se observa a junção<br />
‘alógica’ <strong>de</strong> el<strong>em</strong>entos estranhos <strong>um</strong> ao outro para engendrar <strong>um</strong>a<br />
possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> s<strong>em</strong>ântica que não po<strong>de</strong> ser encontra<strong>da</strong> <strong>em</strong> nenh<strong>um</strong> dos<br />
termos <strong>da</strong> equação consi<strong>de</strong>rados isola<strong>da</strong>mente”. (CARONE NETO,<br />
1974, p.103-104).<br />
Com a criação <strong>de</strong>ste terceiro termo, entramos <strong>em</strong> contato com o aspecto crítico<br />
que faz parte <strong>da</strong> i<strong>de</strong>ologia do movimento hip hop, como ex<strong>em</strong>plo o <strong>rap</strong> “Maré” do grupo<br />
Pira Pura, <strong>em</strong> que eles afirmam que possu<strong>em</strong> o “cérebro blin<strong>da</strong>do”. Nessa expressão,<br />
t<strong>em</strong>os <strong>um</strong>a montag<strong>em</strong>, no sentido eisesteiniano do termo, pois duas palavras distintas,<br />
inclusive no que diz respeito a suas classes gramaticais, como “cérebro” e “blin<strong>da</strong>do”,<br />
se un<strong>em</strong> para criar <strong>um</strong> terceiro significado. Desse modo, a “blin<strong>da</strong>g<strong>em</strong>” do cérebro não<br />
diz respeito ao uso <strong>de</strong> alg<strong>um</strong>a proteção para a cabeça. A junção dos dois termos, n<strong>um</strong>a<br />
sintaxe inusual (<strong>um</strong>a vez que blin<strong>da</strong>g<strong>em</strong> é para objetos e passagens e não para cérebros),<br />
r<strong>em</strong>ete à mentali<strong>da</strong><strong>de</strong> dos indivíduos do grupo que é fecha<strong>da</strong> ou cega (pois blin<strong>da</strong>r v<strong>em</strong><br />
do francês “blin<strong>de</strong>r” = “cegar”) para i<strong>de</strong>ologias diferentes <strong>da</strong>s do movimento hip hop.<br />
É claro que o conceito <strong>de</strong> Eisenstein <strong>de</strong>riva <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> cin<strong>em</strong>atográfica, na<br />
qual há <strong>um</strong>a profun<strong>da</strong> correlação com os i<strong>de</strong>ogramas estu<strong>da</strong>dos por Ernest Fenollosa.<br />
Em seu artigo “O princípio cin<strong>em</strong>atográfico e o i<strong>de</strong>ograma”, Sierguéi Eisenstein afirma<br />
que o haicai <strong>de</strong> Kyorocu:<br />
Madruga o dia.<br />
O castelo está cercado.<br />
De gritos <strong>de</strong> patos selvagens.<br />
101
é <strong>um</strong> ex<strong>em</strong>plo típico <strong>de</strong> montag<strong>em</strong> na qual há <strong>um</strong>a sucessão <strong>de</strong> toma<strong>da</strong>s <strong>de</strong> modo a<br />
produzir <strong>um</strong>a combinação <strong>de</strong> “dois ou três pormenores <strong>de</strong> tipo material [que] produz<br />
<strong>um</strong>a representação perfeitamente acaba<strong>da</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong>a outra espécie – psicológica”<br />
(EISENSTEIN, 2000, p.153). É a sensação <strong>de</strong> alvora<strong>da</strong> n<strong>um</strong> castelo <strong>em</strong> meio à natureza<br />
selvag<strong>em</strong> que as imagens buscam transmitir e tornam-se <strong>metáfora</strong> à medi<strong>da</strong> que não<br />
interessa o aspecto iconográfico <strong>da</strong>s palavras, mas o estado psicológico <strong>da</strong> paisag<strong>em</strong> que<br />
elas revelam.<br />
Adiante, Eisesntein questiona o conceito <strong>de</strong> enca<strong>de</strong>amento na montag<strong>em</strong>, ao<br />
qual sobrepõe o <strong>de</strong> “colisão”. Cont<strong>rap</strong>ondo-se a Pudóvkin, Eisenstein afirma: “Eu lhe<br />
cont<strong>rap</strong>us minha concepção <strong>da</strong> montag<strong>em</strong> como colisão. Concepção segundo a qual, <strong>da</strong><br />
colisão <strong>de</strong> dois fatores <strong>de</strong>terminados, surge <strong>um</strong> conceito” (I<strong>de</strong>m, p. 159). Tal citação<br />
corrobora a noção <strong>de</strong> “cérebro blin<strong>da</strong>do” como <strong>um</strong>a <strong>metáfora</strong> <strong>em</strong> montag<strong>em</strong>, <strong>um</strong>a vez<br />
que ela expressa <strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ologia do grupo, que também é do movimento Hip hop, a partir<br />
<strong>da</strong> colisão <strong>de</strong> dois substantivos cérebro (como gerador <strong>de</strong> idéias) e blin<strong>da</strong>do (como<br />
imune a outras i<strong>de</strong>ologias).<br />
Por último, Carone Neto trata <strong>da</strong> <strong>metáfora</strong> absoluta, a qual se aprofun<strong>da</strong> na<br />
inefabili<strong>da</strong><strong>de</strong> dos sentidos por ela gerados e gerar e propõe:<br />
“que palavras familiares, introduzi<strong>da</strong>s <strong>em</strong> contexto lógico-discursivo,<br />
r<strong>em</strong>et<strong>em</strong> para significados e referentes que correspon<strong>de</strong>m a<br />
expectativas ‘normais’. No caso <strong>da</strong>s <strong>metáfora</strong>s ‘absolutas’ <strong>de</strong> Trakl,<br />
esses mesmos termos produz<strong>em</strong>-se graças a maneira <strong>de</strong> selecioná-las,<br />
características do poeta - formações inusita<strong>da</strong>s que ten<strong>de</strong>m, através <strong>da</strong><br />
frustração mais ou menos generaliza<strong>da</strong> <strong>de</strong>ssas expectativas, a invali<strong>da</strong>r<br />
qualquer leitura interessa<strong>da</strong> na apreensão <strong>de</strong> ‘conteúdos’ conhecidos,<br />
com isso r<strong>em</strong>etendo o leitor ao encontro <strong>de</strong> coisas apenas<br />
pressenti<strong>da</strong>s. Mas trata-se ain<strong>da</strong> <strong>de</strong> <strong>metáfora</strong>s na medi<strong>da</strong> <strong>em</strong> que o<br />
poeta, para evocar a presença <strong>de</strong>sse ser <strong>de</strong>sconhecido, recorre a <strong>um</strong><br />
patrimônio verbal existente... pois os signos aqui articulados são<br />
meras sinalizações <strong>de</strong> algo fun<strong>da</strong>mentalmente diverso <strong>da</strong>quilo que<br />
habitualmente <strong>de</strong>signam, essa ‘outra coisa’ é no caso <strong>da</strong> <strong>metáfora</strong><br />
absoluta i<strong>de</strong>ntificável à <strong>real</strong>i<strong>da</strong><strong>de</strong> evasiva do ‘indizível’. (CARONE<br />
NETO; 1974; p.93).<br />
Dessa forma, a <strong>metáfora</strong> absoluta encontra-se no campo <strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong><strong>de</strong>, pois,<br />
ao exprimir o inefável, valoriza as apreensões sensórias <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> receptor e se torna:<br />
“<strong>um</strong> meio verbal para apreensão <strong>de</strong> ‘algo’ que não é verbalmente<br />
exprimível. Seria <strong>um</strong>a forma do ‘significar’ <strong>em</strong> que aquilo que é<br />
‘significado’ permanece no escuro. Seria <strong>um</strong> meio do conhecimento<br />
cujo objeto se eva<strong>de</strong> obstina<strong>da</strong>mente”. (I<strong>de</strong>m, 1974, p. 94)<br />
Ao entrarmos <strong>em</strong> contato com a teoria <strong>de</strong> <strong>metáfora</strong> absoluta, nos <strong>de</strong>paramos com<br />
<strong>um</strong>a forma mais subjetiva <strong>de</strong> criação, sendo que esta subjetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> nas <strong>letras</strong> <strong>de</strong> <strong>rap</strong> está<br />
liga<strong>da</strong> ao cotidiano dos indivíduos <strong>de</strong> modo que, ao compor<strong>em</strong> suas <strong>letras</strong>, eles se val<strong>em</strong><br />
<strong>de</strong> situações e sentimentos vivenciados <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> seu meio social. Nos versos:<br />
A canoa <strong>da</strong> panela tá fura<strong>da</strong><br />
Naufraga a família<br />
102
Vira-lata chuta toco<br />
A vi<strong>da</strong> é como <strong>um</strong> jogo.<br />
perceb<strong>em</strong>os que ocorre, novamente, o efeito montag<strong>em</strong> o que reflete <strong>um</strong> estado<br />
psicológico <strong>de</strong> penúria, no qual se encontra o lugar <strong>de</strong> on<strong>de</strong> fala o enunciador. Agora, se<br />
nos concentrarmos no primeiro verso: “a canoa <strong>da</strong> panela tá fura<strong>da</strong>”, isolando-o <strong>da</strong><br />
“colisão” com os outros que se segu<strong>em</strong>, ter<strong>em</strong>os <strong>um</strong> ex<strong>em</strong>plo bastante claro <strong>da</strong> <strong>metáfora</strong><br />
absoluta. Ou seja, trata-se <strong>de</strong> <strong>um</strong>a expressão que significa “algo”, mas o que é<br />
significado ain<strong>da</strong> permanece obscuro. Apenas conseguimos conferir <strong>um</strong> sentido <strong>de</strong><br />
negativi<strong>da</strong><strong>de</strong> ao texto <strong>de</strong>vido à <strong>metáfora</strong>, s<strong>em</strong>, contudo, conseguir verbalizar o que ela<br />
está enunciando <strong>de</strong> <strong>um</strong>a perspectiva lógica. Esse tipo <strong>de</strong> <strong>metáfora</strong> alcança <strong>um</strong><br />
significado mais claro quando é percebi<strong>da</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> seu contexto <strong>de</strong> enunciação, pois<br />
fun<strong>de</strong> vários el<strong>em</strong>entos presentes no cotidiano dos moradores <strong>da</strong> periferia como panela<br />
po<strong>de</strong>ndo dizer respeito à e fura<strong>da</strong> como a ausência <strong>de</strong> comi<strong>da</strong>.<br />
Partindo <strong>de</strong> <strong>um</strong>a análise que liga a <strong>metáfora</strong> ao cotidiano dos indivíduos<br />
envolvidos, voltamos nossos <strong>estudo</strong>s para a teoria <strong>de</strong> <strong>metáfora</strong> dos lingüistas Lakoff e<br />
Johnson, que <strong>em</strong> Metáforas <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> cotidiana afirmam:<br />
“A função primeira <strong>da</strong> <strong>metáfora</strong> é <strong>da</strong>r <strong>um</strong>a compreensão parcial <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />
tipo <strong>de</strong> experiência <strong>em</strong> termos <strong>de</strong> <strong>um</strong> outro tipo <strong>de</strong> experiência. Isso<br />
po<strong>de</strong> envolver similari<strong>da</strong><strong>de</strong>s preexistentes isola<strong>da</strong>s, a criação <strong>de</strong> novas<br />
similari<strong>da</strong><strong>de</strong>s e assim por diante”. (LAKOFF; JOHNSON, 2002, p.<br />
254).<br />
Dentro <strong>de</strong>ste processo <strong>de</strong> <strong>da</strong>r <strong>um</strong>a compreensão parcial <strong>de</strong> <strong>um</strong> tipo <strong>de</strong><br />
experiência, levando <strong>em</strong> conta outro tipo <strong>de</strong> experiência, po<strong>de</strong>mos pressupor que para<br />
apreen<strong>de</strong>r o sentido <strong>de</strong> <strong>um</strong>a <strong>metáfora</strong> absoluta é necessária a ocorrência <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />
experiência s<strong>em</strong>elhante ou <strong>de</strong> <strong>um</strong> acontecimento que se ass<strong>em</strong>elhe ao sentido<br />
transmitido pela <strong>metáfora</strong>. Sob <strong>um</strong> outro prisma, a <strong>metáfora</strong> passa a ter sentido ao se<br />
ligar a experiências apreendi<strong>da</strong>s pelo sujeito.<br />
Isso não é <strong>um</strong>a característica apenas <strong>da</strong> <strong>metáfora</strong> absoluta. No verso do <strong>rap</strong><br />
“Palavras”, “Serv<strong>em</strong> <strong>de</strong> transporte e a boca é o terminal” (grifo nosso), encontramos o<br />
contexto <strong>de</strong> similari<strong>da</strong><strong>de</strong>s metafóricas com a vi<strong>da</strong> cotidiana dos <strong>rap</strong>pers, à medi<strong>da</strong> que a<br />
<strong>metáfora</strong> surge a partir <strong>de</strong> algo existente no dia-a-dia <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>em</strong> geral. Neste<br />
trecho t<strong>em</strong>os a junção <strong>de</strong> dois itens distintos que são “boca” e “terminal” 4 que são<br />
utilizados para dizer <strong>um</strong> terceiro it<strong>em</strong> <strong>em</strong> que as palavras po<strong>de</strong>m levá-los para on<strong>de</strong><br />
quiser<strong>em</strong>, como os ônibus que sai do terminal.<br />
Desse modo, retomamos a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> <strong>metáfora</strong> visual, que toma duas imagens<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes no caso boca e terminal e criam <strong>um</strong>a <strong>real</strong>i<strong>da</strong><strong>de</strong> distinta. Po<strong>de</strong>mos, <strong>de</strong><br />
modo sucinto, <strong>de</strong>fini-la como o resultado <strong>de</strong> <strong>um</strong>a operação dialética do pensamento, <strong>em</strong><br />
que dois sentidos opostos se un<strong>em</strong> para formar <strong>um</strong> terceiro sentido.<br />
As três formas <strong>metáfora</strong>s i<strong>de</strong>ntifica<strong>da</strong>s nas <strong>letras</strong> <strong>de</strong> <strong>rap</strong>, aqui estu<strong>da</strong>s,<br />
<strong>de</strong>monstram que o <strong>rap</strong>, entendido como <strong>um</strong>a categoria poética oral, vale-se também <strong>de</strong><br />
<strong>um</strong> jogo com a palavra e o sentido. Este trabalho com a linguag<strong>em</strong>, característico <strong>da</strong><br />
“função poética” <strong>de</strong>sdobra-se <strong>em</strong> duas funções que a <strong>metáfora</strong> ocupa na letra <strong>de</strong> <strong>rap</strong>. A<br />
primeira, conforme já apontamos, é a <strong>de</strong> “amenizar” o estilo naturalista formado por<br />
<strong>um</strong>a <strong>de</strong>scrição crua e áci<strong>da</strong> <strong>da</strong> <strong>real</strong>i<strong>da</strong><strong>de</strong>. A <strong>metáfora</strong>, nesse sentido, neutraliza o caráter<br />
4 Terminal urbano, on<strong>de</strong> entram e sa<strong>em</strong> ônibus.<br />
103
<strong>de</strong>notativo <strong>da</strong> palavra e opera n<strong>um</strong>a esfera <strong>de</strong> significação que se liga à <strong>real</strong>i<strong>da</strong><strong>de</strong> s<strong>em</strong><br />
ser referencial. Daí advém a “amenização”. Uma outra função po<strong>de</strong> ser também<br />
observa<strong>da</strong> com relação ao <strong>em</strong>prego <strong>da</strong> <strong>metáfora</strong> nas <strong>letras</strong> <strong>de</strong> <strong>rap</strong>: causar no ouvinte o<br />
“estranhamento”. Nesse sentido, a linguag<strong>em</strong> metafórica diferencia-se <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong><br />
ordinária, apesar <strong>de</strong> explorar ambientes e situações próximas do cotidiano do sujeito<br />
ouvinte. Logo o estranhamento <strong>de</strong>corre do fato <strong>de</strong> o cotidiano ser apresentado na letra<br />
<strong>de</strong> <strong>rap</strong> por outras palavras, ou melhor, pela junção <strong>de</strong> palavras que possibilitam <strong>um</strong><br />
modo diferenciado <strong>de</strong> falar sobre as coisas do mundo. Há, com isso, <strong>um</strong> impacto sobre o<br />
ouvinte, pois não sendo linguag<strong>em</strong> ordinária, a linguag<strong>em</strong> metafórica do <strong>rap</strong> chama<br />
atenção para os sentidos <strong>da</strong> letra e para as várias possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> representação do<br />
mundo no universo <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong>.<br />
3-À GUISA DE CONCLUSÃO<br />
Os <strong>da</strong>dos acima levantados indicam que os sujeitos envolvidos no movimento<br />
hip hop se utilizam <strong>de</strong> situações <strong>de</strong> seu cotidiano, as quais reflet<strong>em</strong> o abandono e a<br />
criminali<strong>da</strong><strong>de</strong> que permeiam, principalmente, a região periférica <strong>de</strong> Londrina. Ao<br />
fazer<strong>em</strong> menção a <strong>um</strong> lugar com<strong>um</strong> como o terminal urbano (no <strong>rap</strong> “Palavras”) os<br />
<strong>rap</strong>pers levam os ouvintes muitas vezes a se i<strong>de</strong>ntificar<strong>em</strong> com o ambiente <strong>de</strong> suas<br />
composições, permitindo <strong>um</strong>a relação <strong>de</strong> <strong>em</strong>patia social com seus ouvintes. Em nossas<br />
pesquisas, pu<strong>de</strong>mos observar que <strong>um</strong>a <strong>da</strong>s funções do movimento hip hop é a <strong>de</strong> livrar<br />
os indivíduos <strong>da</strong> criminali<strong>da</strong><strong>de</strong> e que os compositores utilizam seus <strong>rap</strong>s como <strong>um</strong><br />
instr<strong>um</strong>ento <strong>de</strong> diss<strong>em</strong>inação i<strong>de</strong>ológico-moral, por meio do qual se posicionam contra<br />
as injustiças sociais. Nesse sentido, para os <strong>rap</strong>s tornam-se <strong>um</strong>a forma <strong>de</strong> alerta para que<br />
seus ouvintes enxergu<strong>em</strong> que o crime é <strong>um</strong> caminho s<strong>em</strong> volta para o “Jardim <strong>da</strong><br />
Sau<strong>da</strong><strong>de</strong>”. 5<br />
Portanto, além <strong>de</strong> possuir <strong>um</strong>a forte crítica aos governantes e à socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>em</strong><br />
geral, o <strong>rap</strong> t<strong>em</strong> a função <strong>de</strong> proporcionar aos moradores <strong>da</strong> periferia <strong>um</strong>a segun<strong>da</strong><br />
chance na vi<strong>da</strong>, <strong>de</strong> viver fora do mundo do crime. As <strong>metáfora</strong>s utiliza<strong>da</strong>s serv<strong>em</strong><br />
muitas vezes para amenizar certas situações <strong>de</strong>scritas <strong>em</strong> suas <strong>letras</strong> e provocar nos<br />
ouvintes <strong>um</strong> certo estranhamento, capaz <strong>de</strong> levá-los a refletir sobre o <strong>real</strong> significado <strong>de</strong><br />
sua <strong>real</strong>i<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />
5 Jardim <strong>da</strong> Sau<strong>da</strong><strong>de</strong> é <strong>um</strong> dos c<strong>em</strong>itérios <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Londrina.<br />
104
REFERÊNCIAS<br />
CARONE NETTO, Mo<strong>de</strong>sto. Metáfora e Montag<strong>em</strong>. São Paulo: Perspectiva, 1974.<br />
D'ONOFRIO; Salvatore. Teoria do Texto 2. 1º Edição. São Paulo: Ática, 2003.<br />
EISENSTEIN, Serguéi. O princípio cin<strong>em</strong>atográfico e o i<strong>de</strong>ograma. In: CAMPOS,<br />
Haroldo <strong>de</strong> (org.). I<strong>de</strong>ograma. Lógica. Poesia. Linguag<strong>em</strong>. 4. ed. São Paulo: Edusp,<br />
2000. p. 149-166.<br />
JAKOBSON,Roman. Lingüística, poética e comunicação. Trad. José Paulo Paes. São<br />
Paulo: Cultrix, 1977.<br />
GOLDSTEIN, Norma. Versos, Sons, Ritmos.São Paulo. Série Princípios. Editora Ática,<br />
2003.<br />
LAKOFF, George ; JOHNSON, Mark. Metáforas <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> Cotidiana.São Paulo:<br />
Mercado <strong>de</strong> Letras, 2002.<br />
LAFETÁ, João Luiz. A Representação do Sujeito Lírico na Paulicéia Desvaira<strong>da</strong>. In:<br />
BOSI, Alfredo ( Org). Leitura <strong>de</strong> Poesia. São Paulo: Ática, 2003.<br />
LINDOLFO FILHO, João. Hip Hopper: Tribos Urbanas, Metrópoles e Controle Social.<br />
PAIS, José Machado; BLASS, Leila M. Silva (org). In: Tribos urbanas: produção<br />
artística e i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s. São Paulo: Annabl<strong>um</strong>e, 2004.<br />
PIMENTEL, Spensy. O Livro Vermelho do Hip Hop. S/d. Disponível <strong>em</strong>:<br />
www.<strong>real</strong>hiphop.com.br Acesso <strong>em</strong> 18 <strong>de</strong> nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2004.<br />
SOARES, Luiz Eduardo. Cabeça <strong>de</strong> Porco. Rio <strong>de</strong> Janeiro. Objetiva, 2005.<br />
ZENI, Bruno. O negro drama do <strong>rap</strong>: entre a lei do cão e a lei <strong>da</strong> selva. Disponível <strong>em</strong>:<br />
www.scielo.br Acesso <strong>em</strong> 20 <strong>de</strong> Fevereiro <strong>de</strong> 2005.<br />
105
106