18.04.2013 Views

Monografia - Faculdade de Comunicação da UFBA - Universidade ...

Monografia - Faculdade de Comunicação da UFBA - Universidade ...

Monografia - Faculdade de Comunicação da UFBA - Universidade ...

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

MARIA ANTONIA SANTOS DAMASIO<br />

A CAMISINHA NOS<br />

ANAIS DA<br />

PUBLICIDADE<br />

AINDA HÁ ESPAÇO PARA O<br />

PRAZER?<br />

Um estudo sobre o preservativo e suas<br />

diversas formas <strong>de</strong> utilização.<br />

MARIA ANTONIA SANTOS DAMASIO


A CAMISINHA NOS ANAIS DA PUBLICIDADE,AINDA HÁ ESPAÇO PARA<br />

O PRAZER?<br />

APONTAMENTOS SOBRE O PRESERVATIVO E SUAS DIVERSAS FORMAS DE<br />

UTILIZAÇÃO<br />

<strong>Monografia</strong><br />

Apresenta<strong>da</strong> no Curso <strong>de</strong> Graduação <strong>da</strong> <strong>Facul<strong>da</strong><strong>de</strong></strong> <strong>de</strong><br />

<strong>Comunicação</strong> <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>da</strong> Bahia como requisito<br />

parcial à obtenção <strong>de</strong> grau <strong>de</strong> bacharel em comunicação, com<br />

habilitação em jornalismo<br />

_<br />

ORIENTADORA: PROF.ANNAMARIA JATOBÁ<br />

SALVADOR<br />

1997<br />

10


RESUMO<br />

Após o advento <strong>da</strong> AIDS e sua constituição enquanto epi<strong>de</strong>mia<br />

generaliza<strong>da</strong>, o uso <strong>da</strong> camisinha passou a ser sugerido como uma<br />

forma segura <strong>de</strong> prevenção <strong>da</strong> síndrome sexualmente adquiri<strong>da</strong>.<br />

É no contexto <strong>da</strong>s campanhas preventivas que po<strong>de</strong>mos analisar <strong>de</strong> que maneira é<br />

trata<strong>da</strong> na mídia, a imagem pública do preservativo­ se efetivamente são<br />

acentua<strong>da</strong>s as suas características profiláticas e, principalmente, se são consi<strong>de</strong>rados os<br />

aspectos sócio­culturais implicados na sua utilização.<br />

Para tanto, proce<strong>de</strong>mos a análise do discurso tanto <strong>de</strong> campanhas preventivas<br />

realiza<strong>da</strong>s pelo Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong> e Organizações não governamentais liga<strong>da</strong>s á<br />

prevenção <strong>da</strong> AIDS, quanto <strong>de</strong> um anúncio comercial.<br />

Concluimos pela dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> enfrenta<strong>da</strong> pelos publicitários em formular<br />

campanhas preventivas, uma vez que o discurso <strong>da</strong> publici<strong>da</strong><strong>de</strong>, em sua essência, vai <strong>de</strong><br />

encontro ao discurso <strong>da</strong>s campanhas preventivas. A possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> se viabilizar<br />

campanhas que dêem conta <strong>de</strong>stas questões passa, necessariamente, pela formulação <strong>de</strong><br />

uma política preventiva, que envolva tanto profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, quanto <strong>de</strong><br />

comunicação.<br />

11<br />

________________ _ SUMÁRIO


LISTA DE ILUSTRAÇÕES............................................................................................08<br />

LISTA DE ANEXOS.......................................................................................................09<br />

1­ Introdução........................................................................................................................13<br />

2­ Camisinha: consi<strong>de</strong>rações gerais <strong>de</strong> sua utilização preventiva.......................................24<br />

2.1­ Aspectos históricos do uso do preservativo e sua relação com a epi<strong>de</strong>mia <strong>da</strong> AIDS.....32<br />

2.1.2­ Etimologia........................................................................................................................42<br />

2.2­ Aspectos técnicos implicados no uso <strong>da</strong> camisinha e sua relação com a epi<strong>de</strong>mia <strong>da</strong><br />

AIDS.................................................................................................................................44<br />

2.2.1­ Permeabili<strong>da</strong><strong>de</strong>/vazamento <strong>da</strong> camisinha.........................................................................55<br />

2.2.2­ Rompimento do preservativo............................................................................................57<br />

2.2.3­ Possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> camisinha escorregar..............................................................................62<br />

2.3­ Classificação <strong>da</strong> camisinha enquanto método <strong>de</strong> barreira..................................................66<br />

2.3.1­ O condom e os reais fatores <strong>de</strong> proteção às DST/AIDS.....................................................69<br />

2.4­ Aspectos Sócio­culturais implicados no uso <strong>da</strong> camisinha e sua relação com a<br />

epi<strong>de</strong>mia <strong>da</strong> AIDS .............................................................................................................72<br />

2.4.1 A camisinha colocando em cheque as questões <strong>de</strong> gênero, o machismo e a infi<strong>de</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong>.73<br />

2.4.2­ O preservativo nas relações estáveis..................................................................................75<br />

2.4.3 ­ O preservativo nas relações não estáveis...........................................................................77<br />

2.4.4 ­ A camisinha nas relações extraconjugais ..........................................................................78<br />

2.4.5­ A camisinha nas relações homossexuais............................................................................79<br />

2.4.6­ Problematizando a relação uso/não uso..............................................................................80<br />

2.4.7­ A camisinha e as interdições religiosas..............................................................................88<br />

3­ A camisinha nos anais <strong>da</strong> publici<strong>da</strong><strong>de</strong>................................................................................99<br />

3.1­ O fenômeno <strong>da</strong> publici<strong>da</strong><strong>de</strong>.............................................................................................. 102<br />

3.1.1­ O anúncio enquanto produto cultural.................................................................................103<br />

3.1.2­ A publici<strong>da</strong><strong>de</strong> e a máquina do <strong>de</strong>sejo.................................................................................105<br />

3.1.3­ A publici<strong>da</strong><strong>de</strong> e os modos <strong>de</strong> vi<strong>da</strong>......................................................................................106<br />

3.1.4­ A publici<strong>da</strong><strong>de</strong> e o imaginário..............................................................................................108<br />

3.1.5­ A imagem do objeto (camisinha)........................................................................................110<br />

3.1.6­ O processo <strong>de</strong> significação <strong>da</strong> imagem...............................................................................114<br />

3.1.7­ .A publici<strong>da</strong><strong>de</strong> como espaço preventivo.............................................................................115<br />

12


3.1.8­ O discurso publicitário.......................................................................................................118<br />

3.2­ Decupagens <strong>da</strong>s campanhas................................................................................................120<br />

3.2.1­ Jontex Espermici<strong>da</strong>.............................................................................................................121<br />

3.2.2­ .3.2.2­ A campanha GAPA/96...........................................................................................129<br />

3.2.3­ A campanha do “Bráulio”...................................................................................................134<br />

4­ Conclusão............................................................................................................................145<br />

Referências bibliográficas...................................................................................................149<br />

Anexos.................................................................................................................................152<br />

_______________________________________________APRESENTAÇÃO<br />

13


A escolha do preservativo masculino, enquanto objeto <strong>de</strong>stes<br />

apontamentos, po<strong>de</strong> parecer estranha à primeira vista. Entretanto, é<br />

plenamente justificável ao se constatar que, após o advento <strong>da</strong> AIDS,<br />

o uso <strong>da</strong> camisinha foi acentua<strong>da</strong>mente sugerido no mundo inteiro,<br />

através <strong>de</strong> campanhas publicitárias.<br />

O caráter emergencial <strong>de</strong>stas campanhas, contudo, impossibilitou<br />

uma reflexão mais profun<strong>da</strong> acerca <strong>da</strong> inserção do preservativo na<br />

rotina sexual dos brasileiros, naquele momento. No entanto, em 1997,<br />

a primeira campanha ANTI­AIDS, organiza<strong>da</strong> pelo Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>,<br />

completa <strong>de</strong>z anos e o preservativo ain<strong>da</strong> não foi <strong>de</strong>vi<strong>da</strong>mente<br />

apresentado aos usuários. Não foram esclareci<strong>da</strong>s suas indicações,<br />

eficácia preventiva/profilática e especificações. Enfim, nenhum<br />

amplo <strong>de</strong>bate com a socie<strong>da</strong><strong>de</strong> foi promovido, acerca do significado<br />

<strong>da</strong> sua utilização, ou avalia<strong>da</strong>s as maneiras com as quais a população<br />

li<strong>da</strong> com o método, nem tampouco foi levado a conhecimento público a<br />

importância assumi<strong>da</strong> pelo preservativo ao longo <strong>da</strong> história <strong>da</strong><br />

humani<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

A camisinha continua sendo sub­utiliza<strong>da</strong> no Brasil 1 e vista pelo<br />

senso comum como um objeto que “corta o clima” e “impe<strong>de</strong> o<br />

prazer”.<br />

1 LINSKIN,L,et al. Condoms:Now more than ever. Population Reports H(8) 1990 p.5<br />

14


Sabemos que o preservativo, necessariamente, refere­se ao órgão<br />

sexual masculino. A condição do pênis, seja enquanto órgão<br />

copulador, instrumento <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r ou <strong>de</strong> prazer, não é abertamente<br />

discuti<strong>da</strong>. A camisinha, como objeto diretamente ligado ao falo,<br />

também não o é. Contraditoriamente, tanto a literatura médica quanto<br />

a antropológica, <strong>de</strong>dicam inúmeras páginas à <strong>de</strong>scrição e análise do<br />

pênis, tanto do ponto <strong>de</strong> vista científico, quanto social. Já a<br />

camisinha, não segue a mesma sorte.<br />

Percorremos as livrarias <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, em busca <strong>de</strong> algum título que<br />

pu<strong>de</strong>sse <strong>da</strong>r conta <strong>da</strong> história <strong>da</strong> camisinha, suas contra­indicações<br />

­ se houvessem­, e curiosi<strong>da</strong><strong>de</strong>s: na<strong>da</strong> foi encontrado. Visitamos o<br />

Centro Especializado em Reprodução Humana <strong>de</strong> Salvador (CEPARH), a<br />

<strong>Facul<strong>da</strong><strong>de</strong></strong> Baiana <strong>de</strong> Medicina, o Grupo Gay <strong>da</strong> Bahia e o Centro <strong>de</strong><br />

Orientação Sorológia(COAS), mas não encontramos qualquer publicação<br />

nesse sentido. Foi naquele momento que percebemos a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

fazer uma abor<strong>da</strong>gem do preservativo envolvendo sua história,<br />

funções, vantagens e <strong>de</strong>svantagens <strong>de</strong> sua utilização. Era clara a<br />

dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> que teríamos para encontrar fontes bibliográficas.<br />

Finalmente, visitando o GAPA/BA, nos <strong>de</strong>paramos com uma publicação <strong>de</strong><br />

1997 intitula<strong>da</strong> : “Preservativo Masculino: Hoje, mais necessário do<br />

que nunca!” A já cita<strong>da</strong> publicação do Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>, foi <strong>de</strong><br />

gran<strong>de</strong> importância neste nosso trabalho, pois nos ofereceu <strong>da</strong>dos<br />

consistentes e indicou outras fontes.<br />

Decidimos utilizar as próprias campanhas publicitárias para<br />

analisarmos a forma como era trabalha<strong>da</strong> a “imagem” <strong>da</strong> camisinha.<br />

15


Dividimos o trabalho em duas partes: uma diz respeito às<br />

consi<strong>de</strong>rações gerais acerca <strong>da</strong> utilização profilática do<br />

preservativo ­ aspectos históricos, técnicos e sócio­culturais<br />

implicados no seu uso; a outra, refere­se a análise <strong>da</strong>s campanhas<br />

propriamente ditas. Por se tratar a publici<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> um campo<br />

específico <strong>da</strong> comunicação, <strong>de</strong> cujos conceitos nos apropriamos para a<br />

análise <strong>da</strong>s campanhas, reservamos um capítulo, anterior às<br />

<strong>de</strong>cupagens, para explicar as suas peculiari<strong>da</strong><strong>de</strong>s técnicas e<br />

funções.<br />

Esclarecemos que, com estes apontamentos, não preten<strong>de</strong>mos<br />

encerrar a discussão acerca <strong>de</strong> tão amplo e complexo objeto <strong>de</strong><br />

estudo, mas, apenas, fornecer alguns elementos, ain<strong>da</strong> que<br />

incipientes, para futuras análises mais aprofun<strong>da</strong><strong>da</strong>s.<br />

16


CAPÍTULO 1<br />

INTRODUÇÃO<br />

O condon, ou preservativo, apareceu novamente na or<strong>de</strong>m do dia,<br />

em diversos setores <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>. Como também a prevenção, através<br />

<strong>de</strong> seu uso tem sido a única arma disponível no combate à AIDS,<br />

sexualmente transmissível. A necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> controlar a epi<strong>de</strong>mia e<br />

garantir a continuação <strong>da</strong>s práticas sexuais penetrativas, <strong>de</strong> forma<br />

segura, foram agrupa<strong>da</strong>s em torno do único método masculino com<br />

características profiláticas: O preservativo. Po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>preen<strong>de</strong>r o<br />

papel <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> relevância e notorie<strong>da</strong><strong>de</strong> assumi<strong>da</strong> pelo preservativo,<br />

após o advento <strong>da</strong> AIDS, posto que 74% dos infectados com o vírus HIV<br />

o foram por via sexual, enquanto os outros 26% foram contaminados<br />

através do uso compartilhado <strong>de</strong> drogas injetáveis e transfusões<br />

realiza<strong>da</strong>s com sangue contaminado. 2<br />

A AIDS, Constituindo­se como epi<strong>de</strong>mia generaliza<strong>da</strong>, trouxe<br />

novamente à tona o uso do preservativo, num momento em que outros<br />

métodos contraceptivos já o superavam na preferência dos usuários. A<br />

2 Simpósio A Epi<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> AIDS na Bahia­ realização grupo HIVi<strong>da</strong>, 30/11/96, PAF, <strong>UFBA</strong>)<br />

17


síndrome provocou o segundo “boom” <strong>de</strong> utilização do preservativo. 3<br />

Sendo a única medi<strong>da</strong> preventiva capaz <strong>de</strong> proteger ambos os parceiros<br />

do vírus HIV, sua importância profilática foi reavalia<strong>da</strong> e seu uso<br />

recomen<strong>da</strong>do pela comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> científica.<br />

Os primeiros casos <strong>de</strong> AIDS foram <strong>de</strong>tectados no início <strong>da</strong> déca<strong>da</strong><br />

<strong>de</strong> 80. O sinal <strong>da</strong> aparição <strong>da</strong> misteriosa doença foi o aumento , em<br />

jovens americanos, dos casos graves do Sarkoma <strong>de</strong> Kaposi, uma espécie<br />

<strong>de</strong> câncer <strong>de</strong> pele. O <strong>de</strong>rmatologista Alvin Fredman Kien, em Nova<br />

York, foi quem chamou a atenção para o surto, uma vez que<br />

anteriormente os casos <strong>de</strong> Sarkoma eram raros, não contagiosos e<br />

atacavam somente os idosos. Enquanto isto, na Califórnia, as<br />

investigações revelaram a existência <strong>de</strong> uma doença que matava os<br />

homossexuais, predispondo­os ao Sarkoma <strong>de</strong> Kaposi e à pneumonia por<br />

pneumocystis carinii. 4<br />

Era a comprovação do surgimento <strong>da</strong> Síndrome <strong>da</strong> Imuno<strong>de</strong>ficiência<br />

Adquiri<strong>da</strong>. Síndrome por se tratar não <strong>de</strong> uma única doença, mas <strong>de</strong> um<br />

conjunto <strong>de</strong> sintomas e manifestações. Imuno<strong>de</strong>ficiência porque<br />

atacava o sistema <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa do organismo, <strong>de</strong>ixando­o susceptível às<br />

infecções. E, por fim, adquiri<strong>da</strong>, porque a AIDS é contraí<strong>da</strong> através<br />

do vírus HIV. A AIDS é uma Doença Sexualmente Transmissível. 5<br />

3 O primeiro “boom” foi registrado nas campanhas públicas do século XIX, realiza<strong>da</strong>s nos Estados Unidos e Europa. Estas<br />

campanhas buscavam promover a contracepção e o controle <strong>da</strong> natali<strong>da</strong><strong>de</strong>, num momento em que os métodos<br />

anticoncepcionais estavam em pleno <strong>de</strong>senvolvimento.<br />

4 MORAIS DE SÁ, Carlos Alberto et al. Corpo a Corpo contra a AIDS. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Ed. Reunter,1994.<br />

5 Vi<strong>de</strong> fig. 05 ­08, <strong>de</strong> produção do Centro <strong>de</strong> Orientação e Apoio Sorológico, anexa<strong>da</strong>s no final do capítulo 2..<br />

18


O vírus do HIV, no caso do contágio sexual, penetra no<br />

organismo através dos linfócitos ­ células presentes nas secreções <strong>da</strong><br />

vagina e do pênis­ e ganha a corrente sangüínea, via vasos capilares.<br />

A partir <strong>de</strong> então, 10 bilhões <strong>de</strong> vírus são fabricados diariamente no<br />

organismo infectado. A <strong>de</strong>fesa do corpo é <strong>de</strong> responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s<br />

células CD4 que existem em número <strong>de</strong> 800 a 1.000 numa pessoa sadia. A<br />

síndrome avança consumindo o número <strong>de</strong> células <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa, ocasionando<br />

a baixa do sistema imunológico, tornando o ambiente propício a<br />

infecções.<br />

A <strong>de</strong>tecção <strong>da</strong> soropositivi<strong>de</strong> ­ presença <strong>de</strong> anticorpos do vírus<br />

na corrente sanguínea­ é feita através dos exames <strong>de</strong> sorologia Elisa<br />

e Western Blot. Os exames <strong>de</strong>vem ser repetidos <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> 1, 3 e 6<br />

meses uma vez que, imediatamente após o contágio, não há tempo hábil<br />

para formação <strong>de</strong> anticorpos do HIV pelo organismo infectado.<br />

As outras DST, tanto viróticas como o herpes, ou mesmo as<br />

bacterianas como a gonorréia, sífilis e a clamídia, assumem uma<br />

importância muito gran<strong>de</strong> no panorama <strong>de</strong> controle <strong>da</strong> AIDS. Isto<br />

porque as DST são porta <strong>de</strong> entra<strong>da</strong> para o HIV por causa <strong>da</strong>s<br />

microlesões que provocam, e pelo fato <strong>de</strong> a infecção levar a um<br />

aumento <strong>de</strong> glóbulos brancos, ou seja, os linfócitos on<strong>de</strong> o vírus se<br />

aloja . Estudos em vários países indicam que a presença <strong>de</strong> uma DST<br />

aumenta <strong>de</strong> 4 a 18 vezes as chances <strong>de</strong> uma pessoa adquirir o vírus <strong>da</strong><br />

AIDS.<br />

O Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong> estima que 70% <strong>da</strong>s DST em homens são<br />

trata<strong>da</strong>s em balcões <strong>de</strong> farmácia. “ Na maioria <strong>da</strong>s vezes não são<br />

19


medicados corretamente e o farmacêutico não fala no uso do<br />

preservativo” diz a infectologista Maria Eugênia Lemos Fernan<strong>de</strong>s,<br />

diretora <strong>da</strong> Family Health International do Brasil. 6<br />

No Brasil, em São Paulo, em 1982 foi <strong>de</strong>tectado o primeiro caso<br />

<strong>de</strong> AIDS. 7 . Em 1997, já se somam 30 milhões <strong>de</strong> notificações em todo o<br />

mundo, sendo 110 mil só no Brasil. 8 Esses números, embora<br />

preocupantes, representam um pequeno percentual <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Na<br />

Bahia, por exemplo, existe uma projeção estima<strong>da</strong> <strong>de</strong> 10.000 prováveis<br />

soropostivos, num universo <strong>de</strong> 3.000 notificados, segundo <strong>da</strong>dos<br />

obtidos no Centro <strong>de</strong> Orientação e Apoio Sorológico, em 1996.<br />

Em São Paulo a AIDS é a principal causa <strong>de</strong> morte em mulheres em<br />

estado fértil, segundo Inês Dourado, médica do Instituto <strong>de</strong> saú<strong>de</strong><br />

coletiva <strong>da</strong> <strong>UFBA</strong>. 9<br />

A Organização Mundial <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> estima que, no ano 2.000 haverá<br />

cerca <strong>de</strong> 15 milhões <strong>de</strong> órfãos, com menos <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong>, por<br />

causa <strong>da</strong> AIDS.<br />

A população frente à AIDS <strong>de</strong>para­se com questões sociais<br />

gravíssimas que se convertem na pauperização <strong>da</strong> síndrome. Neste<br />

sentido, um artigo publicado na Folha <strong>de</strong> São Paulo, em 29 <strong>de</strong> novembro<br />

<strong>de</strong> 1996, pelo médico infectologista, do Instituto Emílio Ribas, Caio<br />

Rosenthal, é bastante esclarecedor. O médico afirma que a pobreza, a<br />

6<br />

BIANCARELLI, Aureliano. O Mapa <strong>da</strong>s DST. Folha <strong>de</strong> São Paulo, São Paulo, 01 <strong>de</strong>z 95, cad varie<strong>da</strong><strong>de</strong>s p 1­3.<br />

7<br />

AIDS­Boletim Epi<strong>de</strong>miológico Programa Nacional <strong>de</strong> Combate às Doenças Sexualmente Transmissíveis. Ministério <strong>da</strong><br />

Saú<strong>de</strong>, ano V, no. 9.<br />

8 a<br />

AIDS no TRT <strong>de</strong>bate realizado no dia 30/10/97 , na sala <strong>da</strong> Escola <strong>de</strong> Magistrados <strong>da</strong> Justiça do Trabalho 5 .Região.<br />

9<br />

A EPIDEMIA DE AIDS na BAHIA. Simpósio realizado pelo grupo HIVi<strong>da</strong>, em 30/11/96, no PAF/Ondina <strong>da</strong> <strong>UFBA</strong>.<br />

20


discriminação e o analfabetismo, são os três fatores <strong>de</strong> maior risco<br />

para a disseminação <strong>da</strong> doença no planeta.<br />

Quando este artigo foi publicado, a estimativa mundial <strong>de</strong><br />

soropositivos notificados, segundo a OMS, era <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> 26 milhões.<br />

Isso significaria 7.000 novos casos por dia. Desse total, 90% são<br />

habitantes do terceiro mundo. Um ano <strong>de</strong>pois, temos notícia <strong>de</strong> que a<br />

previsão para o ano 2.000 é <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> 40 milhões <strong>de</strong> notificações.<br />

O impacto <strong>de</strong>mográfico e econômico é assustador. A maioria dos<br />

infectados, segundo o infectologista, está na faixa dos 20 aos 40<br />

anos, justamente a mais produtiva e a que garante o suporte familiar.<br />

Mais <strong>de</strong> 80% <strong>da</strong>s mortes também ocorrem nessa faixa. O efeito negativo<br />

nos indicadores sociais é evi<strong>de</strong>nte, observa. Diminuem a força <strong>de</strong><br />

trabalho, a ren<strong>da</strong> familiar, o acesso à educação, o cui<strong>da</strong>do com os<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes e cai a expectativa <strong>de</strong> vi<strong>da</strong>. Este conjunto <strong>de</strong> aspectos,<br />

<strong>de</strong> alta relevância social, é <strong>de</strong>nominado “pauperização <strong>da</strong> AIDS”.<br />

Esses <strong>da</strong>dos, por si só, justificariam a urgência <strong>de</strong> ações<br />

educativas e a intensificação <strong>de</strong> campanhas, uma vez que a única arma<br />

eficaz <strong>de</strong> que dispomos no combate à AIDS é a prevenção.<br />

Segundo o infectologista, para brecar a epi<strong>de</strong>mia, o dinheiro<br />

<strong>de</strong>veria ser aplicado em programas <strong>de</strong> prevenção, cui<strong>da</strong>dos básicos com<br />

a saú<strong>de</strong> e na promoção dos direitos humanos. O médico citou o exemplo<br />

<strong>da</strong> Tailândia, que conseguiu impedir cerca <strong>de</strong> 2 milhões <strong>de</strong> novos casos<br />

com um agressivo programa <strong>de</strong> prevenção e distribuição <strong>de</strong><br />

preservativos.<br />

21


No Brasil, o Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong> lançou o Programa Nacional <strong>de</strong><br />

Combate à AIDS em maio <strong>de</strong> 1985, com poucos recursos. No final <strong>de</strong><br />

1986, foi instituí<strong>da</strong> a notificação obrigatória às Secretarias <strong>de</strong><br />

Saú<strong>de</strong>, dos casos <strong>de</strong>tectados pelos médicos.<br />

A primeira campanha preventiva que fez referência à contaminação<br />

sexual, só foi leva<strong>da</strong> ao ar em 1987, por ocasião do carnaval, quando<br />

se temia a entra<strong>da</strong> <strong>de</strong> turistas estrangeiros contaminados.<br />

Ao longo <strong>de</strong>stes <strong>de</strong>z anos, sucessivas campanhas foram lança<strong>da</strong>s<br />

pelo Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>, tendo como foco principal o estímulo ao uso<br />

<strong>de</strong> preservativos. Também as Organizações não governamentais liga<strong>da</strong>s à<br />

prevenção <strong>da</strong> AIDS, veicularam campanhas na mídia. Essas campanhas<br />

acabaram por favorecer o aquecimento do mercado no que diz respeito à<br />

<strong>de</strong>man<strong>da</strong> por preservativos. Em meados dos anos 80, o mercado comercial<br />

<strong>de</strong> preservativos no Brasil foi estimado em 60 milhões <strong>de</strong> uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s.<br />

Somente no primeiro quadrimestre <strong>de</strong> 96, foram comercializa<strong>da</strong>s cerca<br />

<strong>de</strong> 55,4 milhões <strong>de</strong> preservativos. 10 Estes números são suficientes para<br />

<strong>de</strong>monstrar que os fabricantes <strong>de</strong> preservativos acabam lucrando com as<br />

campanhas preventivas.<br />

Se por um lado a Indústria <strong>de</strong> fabricantes <strong>de</strong> preservativos lucra<br />

com as campanhas, os gran<strong>de</strong>s laboratórios lucram com a ven<strong>da</strong> dos<br />

medicamentos utilizados no tratamento dos soropositivos. O fato é que<br />

a AIDS se converte em um mercado promissor para alguns empresários.<br />

10 Brasil. Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>. Secretaria <strong>de</strong> Assistência à Saú<strong>de</strong>. PNDST/AIDS: Preservativo Masculino: Hoje mais<br />

necessário do que nunca! Texto Marcio Ruiz Shiavo. Brasília: Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>, 1997, p 18.<br />

22


O boletim do GAPA/Bahia, publicado em agosto/96, após a<br />

conferência Internacional <strong>de</strong> AIDS, realiza<strong>da</strong> em Vancouver, no Canadá,<br />

<strong>de</strong>nuncia o <strong>de</strong>scaso dos meios <strong>de</strong> comunicação que, preocupados com a<br />

ven<strong>da</strong> <strong>de</strong> jornais e o aumento <strong>da</strong> audiência, reproduziram informações<br />

incorretas, anunciando, precipita<strong>da</strong>mente, a cura <strong>da</strong> AIDS.<br />

O otimismo exagerado teve conseqüências boas e más. Os<br />

soropositivos em estado avançado <strong>de</strong> AIDS aventaram a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong><br />

reabilitação, os recém­soropositivados, sonharam em zerar o HIV no<br />

sangue. No entanto, os inibidores <strong>de</strong> protease não po<strong>de</strong>m ser<br />

administrados sem o rigoroso acompanhamento <strong>da</strong> carga viral­ exame que<br />

<strong>de</strong>tecta a quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> vírus por ml <strong>de</strong> sangue­ A prescrição <strong>de</strong>stes<br />

medicamentos <strong>de</strong>ve ser feita no momento a<strong>de</strong>quado. A auto medicação<br />

implica sérios riscos à saú<strong>de</strong>, uma vez que não se tem certeza<br />

absoluta sobre a toxici<strong>da</strong><strong>de</strong> que po<strong>de</strong>m trazer os longos tratamentos,<br />

ou, ain<strong>da</strong>, as chances potenciais <strong>de</strong> o vírus criar resistência aos<br />

inibidores <strong>de</strong> protease.<br />

Todos estes <strong>de</strong>talhes <strong>de</strong>vem ser observados quando do anúncio <strong>de</strong><br />

novi<strong>da</strong><strong>de</strong>s no tratamento <strong>da</strong> síndrome. A perspectiva <strong>de</strong> cura faz com<br />

que algumas pessoas potencialmente expostas ao risco <strong>de</strong> contaminação,<br />

abandonem o uso <strong>de</strong> camisinha.<br />

A maneira mais rápi<strong>da</strong> <strong>de</strong> difundir a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> usar<br />

preservativos, é através <strong>da</strong> utilização <strong>da</strong> mídia. O preservativo<br />

voltou à cena numa situação emergencial, on<strong>de</strong> buscava­se o controle<br />

<strong>da</strong> epi<strong>de</strong>mia.<br />

23


É no contexto <strong>da</strong>s campanhas publicitárias, sejam as realiza<strong>da</strong>s<br />

pelo Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>, por organizações não governamentais ou<br />

pelos fabricantes, que a imagem do preservativo po<strong>de</strong> ser analisa<strong>da</strong><br />

com maior proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>. Determinados clichês sociais refletem a pouca<br />

atenção que o povo brasileiro dá ao preservativo. O estigma <strong>da</strong><br />

“subtração do prazer” que acompanha a camisinha é, em boa medi<strong>da</strong>,<br />

reforçado pela pouca informação que se tem a respeito <strong>da</strong> varie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

marcas e mo<strong>de</strong>los existentes.<br />

O núcleo central <strong>de</strong>sta análise diz respeito à forma como é<br />

abor<strong>da</strong><strong>da</strong> a recomen<strong>da</strong>ção do uso do preservativo nas campanhas<br />

publicitárias ANTI­AIDS no Brasil. Para tanto, selecionamos <strong>de</strong>ntre as<br />

inúmeras campanhas institucionais realiza<strong>da</strong>s pelo Ministério <strong>da</strong><br />

saú<strong>de</strong>, a campanha do Bráulio, veicula<strong>da</strong> em 6 <strong>de</strong> setembro/95. Esta<br />

campanha foi, sem dúvi<strong>da</strong> alguma, a que mais agitou a socie<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />

provocando reações diversas que culminaram com a sua supressão, por<br />

<strong>de</strong>terminação <strong>da</strong> Presidência <strong>da</strong> República, logo no primeiro dia após a<br />

sua veiculação. 11<br />

A campanha que representa a participação <strong>da</strong>s organizações não<br />

governamentais liga<strong>da</strong>s à prevenção <strong>da</strong> AIDS foi a realiza<strong>da</strong> em 1996,<br />

pelo Grupo <strong>de</strong> Apoio à Prevenção a AIDS ­GAPA­ . Foi a última campanha<br />

multimídia produzi<strong>da</strong> pela ONG e sua escolha servirá <strong>de</strong> parâmetro para<br />

diferenciar as campanhas institucionais <strong>da</strong>s campanhas promovi<strong>da</strong>s por<br />

enti<strong>da</strong><strong>de</strong>s não governamentais. Por fim, a Johnson & Johnson foi eleita<br />

11 Informação confirma<strong>da</strong>, via telefone, em 18/11/97, pelo setor <strong>de</strong> atendimento <strong>da</strong> Agência Master, em Brasília.<br />

24


como representante dos fabricantes, em função <strong>de</strong> ser a lí<strong>de</strong>r do<br />

mercado. A peça <strong>de</strong> 30 segundos foi cedi<strong>da</strong> pela Dualibi Petit<br />

Zaragoza, agência que produz os anúncios <strong>da</strong> Johnson, e diz respeito<br />

ao lançamento do “Jontex espermici<strong>da</strong>”. As características do anúncio<br />

do fabricante diferem completamente <strong>da</strong>s campanhas preventivas. Essas<br />

especifici<strong>da</strong><strong>de</strong>s serão trata<strong>da</strong>s <strong>de</strong>talha<strong>da</strong>mente quando <strong>da</strong> análise<br />

individual <strong>da</strong>s campanhas.<br />

O objetivo fun<strong>da</strong>mental é <strong>de</strong>tectar <strong>de</strong> que maneira as campanhas,<br />

aqui recorta<strong>da</strong>s, exploram a imagem do preservativo ­ se acentuam<br />

suas características contraceptivas ou profiláticas­ se estimulam ou<br />

não a sua utilização regular.<br />

“Numerosas campanhas <strong>de</strong> alerta contra a AIDS e em favor <strong>da</strong>s<br />

camisinhas continuam piegas, burras e emperra<strong>da</strong>s. Nunca se atrevem a<br />

mostrar o ato sexual e o prazer que o acompanha.” 12<br />

Pensar positivamente o uso do preservativo, envolve<br />

potencializar e estimular o diálogo entre os parceiros, levando em<br />

conta a complexi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong>, e, consi<strong>de</strong>rando atitu<strong>de</strong>s que<br />

reforcem a confiança e a intimi<strong>da</strong><strong>de</strong> do casal, seja ele homo ou<br />

heterossexual. Significa <strong>de</strong>svincular a imagem <strong>da</strong> camisinha à<br />

12 TOSCANI,Oliviero. A publici<strong>da</strong><strong>de</strong> é um cadáver que nos sorri. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Ediouro, 1996, p 179.<br />

25


promiscui<strong>da</strong><strong>de</strong>, ausência ou per<strong>da</strong> <strong>de</strong> prazer e satisfação. Enfim,<br />

implica investir em mo<strong>de</strong>los e acessórios que ofereçam maior conforto<br />

e proporcionem um aumento <strong>da</strong> sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong> dos usuários.<br />

Estes apontamentos preten<strong>de</strong>m levar em consi<strong>de</strong>ração, não apenas<br />

as vantagens profiláticas do preservativo,mas, também, alguns<br />

inconvenientes relacionados à sua utilização, apontados pelos<br />

usuários e referen<strong>da</strong>dos pelo senso comum, tais como: “ a camisinha<br />

corta o clima”, “ impe<strong>de</strong> o prazer” “causa dor e mal­estar”. Todos<br />

estes aspectos acabam influenciando negativamente na formação <strong>da</strong><br />

imagem pública do preservativo, fazendo com que pessoas que sequer o<br />

utilizaram, acabem por reproduzir tais afirmações. Nesse sentido, o<br />

cui<strong>da</strong>do com a constituição <strong>de</strong> um conceito equivocado acerca <strong>da</strong><br />

camisinha é essencial para o controle <strong>da</strong> pan<strong>de</strong>mia 13 <strong>da</strong> AIDS.<br />

A or<strong>de</strong>m segui<strong>da</strong> nestes apontamentos prioriza os fatos que<br />

incentivaram o uso do preservativo. Desta forma, perceberemos alguns<br />

“ saltos” na cronologia <strong>de</strong> sua história social e <strong>de</strong> produção, no<br />

<strong>de</strong>correr dos tópicos.<br />

No final do capítulo dois, anexamos alguns <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong><br />

usuários <strong>de</strong> preservativos, 14 além <strong>de</strong> ilustrações que dizem respeito às<br />

recomen<strong>da</strong>ções acerca <strong>de</strong> sua utilização preventiva. 15<br />

13 O conceito <strong>de</strong> pan<strong>de</strong>mia implica na constituição <strong>de</strong> uma epi<strong>de</strong>mia generaliza<strong>da</strong>.<br />

14 A ilustração e os comentários presentes na figura 01 , foram retirados do livro Métodos para não engravi<strong>da</strong>r­<br />

Educação e avaliação, editado no Rio <strong>de</strong> janeiro,pela Cultura Médica, em 1986.<br />

15 A figuras 2,3,4,5,6,7,e 8 fazem parte do material informativo do Centro <strong>de</strong> Orientação e Apoio Sorológio <strong>da</strong> Bahia<br />

(COAS) e Grupo Lésbico <strong>da</strong> Bahia.<br />

26


Nos anexos, reproduzimos parte do material informativo do<br />

Centro <strong>de</strong> Orientação Sorológica/Bahia, Grupo Gay <strong>da</strong> Bahia e Grupo <strong>de</strong><br />

Apoio à Prevenção à AIDS, distribuído no ano <strong>de</strong> 1996 e que diz<br />

respeito ao uso do preservativo.<br />

CAPÍTULO 2<br />

CAMISINHA: CONSIDERAÇÕES GERAIS DE SUA UTILIZAÇÃO<br />

PREVENTIVA<br />

27


A história do preservativo <strong>de</strong>monstra que ora ele esteve ligado<br />

às ações contraceptivas, ora às práticas preventivas. É ao segundo<br />

nível <strong>de</strong> atuação <strong>da</strong> camisinha, que iremos nos reportar incisivamente.<br />

Este, diz respeito à capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> intrínseca do preservativo <strong>de</strong><br />

oferecer proteção contra as DST/AIDS. No entanto, como é um método<br />

reversível, os benefícios <strong>de</strong>correntes sua utilização só po<strong>de</strong>rão ser<br />

plenamente gozados, se observa<strong>da</strong>s as recomen<strong>da</strong>ções <strong>de</strong> uso.<br />

A regulari<strong>da</strong><strong>de</strong> com a qual utilizamos o preservativo também<br />

influencia <strong>de</strong>cisivamente na diminuição dos riscos <strong>de</strong> exposição às<br />

DST/AIDS. Neste particular, <strong>de</strong>tectamos a dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> enfrenta<strong>da</strong>s<br />

pelas enti<strong>da</strong><strong>de</strong>s envolvi<strong>da</strong>s com a prevenção <strong>da</strong> síndrome, não apenas em<br />

introduzir o uso do preservativo, nas diferentes classes sociais mas,<br />

também, <strong>de</strong> assegurar a sua utilização consistente.<br />

Atualmente, embora o uso <strong>de</strong> camisinhas seja mundial, pesquisas<br />

realiza<strong>da</strong>s no início dos anos 90 <strong>de</strong>notam que, em alguns países, os<br />

índices <strong>de</strong> utilização são mais significativos que em outros, senão<br />

vejamos: No Japão, 69% dos usuários <strong>de</strong> anticoncepcionais utilizam<br />

preservativos; na Dinamarca, Finlândia e Suécia, cerca <strong>de</strong> 20%,<br />

Espanha 21%; Estados Unidos 14%.<br />

Nos <strong>de</strong>mais países <strong>de</strong>senvolvidos a prevalência do uso varia <strong>de</strong><br />

5,5% a 15% do total <strong>de</strong> usuários <strong>de</strong> anticoncepcionais, com tendência<br />

ascen<strong>de</strong>nte.<br />

28


Nos países em <strong>de</strong>senvolvimento, ao contrário, o uso <strong>de</strong><br />

camisinhas é reduzido: uma média <strong>de</strong> 4% dos usuários <strong>de</strong> contraceptivos<br />

adotam a camisinha usualmente. 16<br />

O sucesso <strong>da</strong> camisinha no Japão está associado a pelo menos um<br />

fator: os mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> preservativos japoneses são menos espessos e<br />

mais anatômicos. Isto porque os padrões internacionais <strong>de</strong> controle <strong>de</strong><br />

quali<strong>da</strong><strong>de</strong> dos preservativos são estabelecidos pela norma ISO 4074(<br />

Internacional Organization for Standization), no entanto, ca<strong>da</strong> país<br />

<strong>de</strong>fine outros critérios para normalização e regulamentação <strong>de</strong>sses<br />

produtos, tais como espessura e diâmetro.<br />

No Brasil, o preservativo é pouco utilizado. As pesquisas nessa<br />

área são segmenta<strong>da</strong>s e ain<strong>da</strong> localiza<strong>da</strong>s. As estimativas resultantes,<br />

a <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r <strong>da</strong> metodologia aplica<strong>da</strong>, po<strong>de</strong>m variar muito. Por razões<br />

mercadológicas as indústrias <strong>de</strong> preservativo não fornecem <strong>da</strong>dos<br />

precisos sobre a sua produção e comercialização. Sabe­se, por<br />

exemplo, segundo informações do setor <strong>de</strong> assuntos públicos <strong>da</strong> própria<br />

Johnson e Jonhson, fabricante do Jontex, que a marca ocupa a<br />

li<strong>de</strong>rança no mercado <strong>de</strong> preservativos. No entanto, a empresa não<br />

fornece informação <strong>de</strong> percentuais ou números precisos. Outros<br />

fatores contribuem para que as estimativas <strong>de</strong> uso não correspon<strong>da</strong>m à<br />

reali<strong>da</strong><strong>de</strong>: Os mecanismos <strong>de</strong> controle dos órgãos públicos e<br />

organizações não governamentais que trabalham em planejamento<br />

16 LINSKIN,L, et al. 1990. Op cit. Id. Ibid.<br />

29


familiar também <strong>de</strong>ixam a <strong>de</strong>sejar. Por fim, o volume <strong>de</strong> camisinhas<br />

contraban<strong>de</strong>a<strong>da</strong>s é ignorado.<br />

Através <strong>de</strong> fontes do próprio Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>, selecionamos<br />

algumas <strong>da</strong>s mais recentes pesquisas realiza<strong>da</strong>s <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1990 para<br />

analisar o uso <strong>de</strong> preservativos na região Nor<strong>de</strong>ste e regiões<br />

metropolitanas do Rio, Recife e Curitiba. Um estudo encomen<strong>da</strong>do e<br />

realizado em 1991 pela BENFAM, abrangeu a região Nor<strong>de</strong>ste do Brasil e<br />

<strong>de</strong>tectou <strong>da</strong>dos importantes sobre uso <strong>de</strong> métodos contraceptivos pelas<br />

mulheres. 39,1% <strong>da</strong>s mulheres em estado fértil estavam utilizando<br />

algum método mo<strong>de</strong>rno <strong>de</strong> contracepção. Destas, apenas 1,1% relatou o<br />

uso regular <strong>de</strong> preservativos. Entre as mulheres casa<strong>da</strong>s ou com união<br />

consensual, a proporção foi <strong>de</strong> 1,4%. Quanto à intenção <strong>de</strong> uso no<br />

futuro, o preservativo foi apontado como método preferido por 2,2%<br />

<strong>de</strong> to<strong>da</strong>s que relataram <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> utilizar algum anticonceptivo. Note­<br />

se que este percentual ficou bem abaixo <strong>da</strong>s que <strong>de</strong>verão optar por<br />

métodos como DIU (3,3%) injeções (6,7%) ou tabelinha(6,4%) e muito<br />

inferior ao percentual <strong>da</strong>s que preten<strong>de</strong>m utilizar a pílula (39,1%)<br />

ou ain<strong>da</strong> submeter­se a métodos irreversíveis <strong>de</strong> esterilização<br />

cirúrgica(31,1%). 17<br />

A ressalva com relação a estas pesquisas diz respeito ao recorte<br />

<strong>da</strong>do por elas, ou seja, ficam restritas ao universo <strong>de</strong> mulheres em<br />

i<strong>da</strong><strong>de</strong> fértil, em geral casa<strong>da</strong>s ou com parceiros fixos, subestimando,<br />

<strong>de</strong>sta forma, o uso do preservativo.<br />

17 FERRAZ e A FERREIRA, I.Q. RUTEMBERGN SOARES,MP. Pesquisa sobre saú<strong>de</strong> familiar no Nor<strong>de</strong>ste do Brasil<br />

30


Com relação a esta problemática, dois trabalhos recentes<br />

realizados por Arru<strong>da</strong> e Cols. são bastante ilustrativos. 18<br />

O primeiro <strong>de</strong>les é a pesquisa sobre saú<strong>de</strong> reprodutiva e<br />

sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong> dos jovens brasileiros, abrangendo homens e mulheres na<br />

faixa etária dos 15 a 24 anos, resi<strong>de</strong>ntes nas regiões metropolitanas<br />

do Rio <strong>de</strong> Janeiro, Recife e Curitiba. No estudo, <strong>de</strong>tectou­se um<br />

elevado índice <strong>de</strong> adolescentes e jovens com experiência sexual. No<br />

Rio <strong>de</strong> janeiro, 83% dos homens e 42% <strong>da</strong>s mulheres relataram já terem<br />

tido relações sexuais; em Curitiba, esses índices foram <strong>de</strong> 73% para<br />

os homens e 38% para as mulheres. Já em Recife, 78% dos homens e<br />

25% <strong>da</strong>s mulheres relataram ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> sexual pré­marital. Entretanto,<br />

no que se refere ao uso <strong>de</strong> algum anticoncepcional,poucos foram os<br />

jovens que relataram o uso na primeira relação sexual: 22% dos homens<br />

e 31,7% <strong>da</strong>s mulheres no Rio <strong>de</strong> Janeiro; 23,5% dos homens e 26,8% <strong>da</strong>s<br />

mulheres em Curitiba; 22,5% dos homens e 22% <strong>da</strong>s mulheres em Recife.<br />

As pesquisas apontam também as razões que levam os jovens ao não<br />

uso <strong>de</strong> medi<strong>da</strong>s preventivas na primeira relação, quais sejam:<br />

imprevisibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> relação, <strong>de</strong>sconhecimento dos métodos<br />

anticoncepcionais e <strong>de</strong>spreocupação quanto ao seu uso. O que <strong>de</strong>nota a<br />

carência <strong>de</strong> informações dos jovens quanto as reais probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

ocorrência <strong>da</strong> gravi<strong>de</strong>z não planeja<strong>da</strong>, bem assim dos riscos <strong>de</strong><br />

1991.Rio <strong>de</strong> Janeiro. BENFAM/DHS,1992 p.76­78.<br />

18 ARRUDA, JM FERRAZ et al. Pesquisa sobre saú<strong>de</strong> reprodutiva e Sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong> do jovem Rio <strong>de</strong> Janeiro, Recife e<br />

Curitiba. 1990. Rio <strong>de</strong> Janeiro. BENFAM,1992, pg 133/146.<br />

31


contaminação <strong>da</strong>s Doenças Sexualmente Transmissíveis, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a primeira<br />

relação.<br />

Esses <strong>da</strong>dos revelam a urgência <strong>de</strong> uma política educacional no<br />

sentido <strong>de</strong> possibilitar aos adolescentes acesso não só à informação<br />

acerca dos contraceptivos, como também o acesso ao preservativo<br />

enquanto mercadoria. Negar a existência <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> sexual ativa dos<br />

adolescentes <strong>de</strong> na<strong>da</strong> adianta. Não se trata <strong>de</strong> incentivar o início <strong>da</strong><br />

vi<strong>da</strong> sexual <strong>de</strong>stes jovens, uma vez que as pesquisas <strong>de</strong>monstram que,<br />

com ou sem o consentimento dos pais ou responsáveis, o contato com a<br />

sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong> é ca<strong>da</strong> vez mais prematuro. Ignorar tais evidências<br />

implica colocar em risco a saú<strong>de</strong> e a vi<strong>da</strong> <strong>de</strong>sses jovens.<br />

Não basta criar uma expectativa <strong>de</strong> acesso, é necessária uma ação<br />

conjunta que dê conta do processo como um todo ( apresentação dos<br />

principais métodos, vantagens e <strong>de</strong>svantagens até a disponibilização<br />

dos mesmos).<br />

O método apontado como mais utilizado nestas pesquisas foi a<br />

pílula, segui<strong>da</strong> do coito interrompido.<br />

Ocorre que, as pílulas são especialmente contra­indica<strong>da</strong>s para<br />

mulheres adolescentes que menstruam há menos <strong>de</strong> quatro anos, pois seu<br />

organismo ain<strong>da</strong> não está complemente amadurecido para receber tamanha<br />

<strong>de</strong>scarga hormonal. 19<br />

O coito interrompido, por sua vez, é a forma mais antiga <strong>de</strong><br />

contracepção, sendo um método que, assim como o preservativo, não<br />

19 SOS CORPO­ Grupo <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> <strong>da</strong> Mulher­ Recife. Viagem ao Mundo <strong>da</strong> Contracepção um guia sobre os<br />

32


apresenta efeitos colaterais. No entanto, este método apresenta<br />

implicações psicológicas negativas principalmente para o homem que,<br />

no clímax <strong>da</strong> relação, tem que interromper o ato e retirar o pênis<br />

antes <strong>da</strong> ejaculação. É uma relação <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconforto e preocupação<br />

também para a mulher que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do autocontrole do parceiro. Esta é<br />

uma situação <strong>de</strong> tensão permanente, que requer conhecimento do corpo,<br />

para <strong>de</strong>tectar com precisão a hora <strong>da</strong> interrupção, o que em<br />

parceiros sem muita experiência sexual e adolescentes que normalmente<br />

têm ejaculação precoce é ain<strong>da</strong> mais complicado.<br />

Já os índices do uso do preservativo, na pesquisa, revelam<br />

diferenças bastante significativas. Da análise do comportamento<br />

sexual dos jovens casais que utilizaram preservativos na primeira<br />

relação sexual nas 3 regiões metropolitanas, <strong>de</strong>preen<strong>de</strong>­se que os<br />

adolescentes homens relataram duas vezes ou mais o uso <strong>da</strong> camisinha<br />

em relação às mulheres. Se apenas as jovens tivessem sido ouvi<strong>da</strong>s,<br />

haveria uma subestimativa quanto ao uso do preservativo. Outro<br />

aspecto importante e revelador é o cruzamento <strong>de</strong> <strong>da</strong>dos entre o uso<br />

regular <strong>da</strong> camisinha e a freqüência <strong>de</strong> relações sexuais manti<strong>da</strong>s nos<br />

últimos trinta dias anteriores à pesquisa e o respectivo estado<br />

marital dos entrevistados:<br />

métodos anticoncepcionais. Angela T. <strong>de</strong> Freitas. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Ed Rosa dos Tempos lt<strong>da</strong>.1990,p 124.<br />

33


Distribuição percentual dos adolescentes e jovens que usaram<br />

preservativos nos trinta dias anteriores à pesquisa,Brasil­1990<br />

CIDADE HOMENS<br />

RIO DE<br />

JANEIRO<br />

UNIDOS<br />

HOMENS NÃO<br />

UNIDOS<br />

MULHERES<br />

UNIDAS<br />

34<br />

MULHERES NÃO<br />

UNIDAS<br />

12,5 32,4 2,3 5,1<br />

CURITIBA 14,7 34,1 4,8 12,2<br />

RECIFE 18,8 40,4 3,8 15,3<br />

Tab.1 Fonte: ARRUDA et al.Op.cit.,1992,p.133­146<br />

A pílula foi o método mais reportado por mulheres e homens nas<br />

três ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do estado marital. A camisinha foi o<br />

segundo método mais reportado pelos homens, tendo uma importância<br />

maior entre os jovens não unidos. Em Recife, entre esses jovens, o<br />

preservativo chegou a superar a pílula. Para as mulheres, o segundo<br />

método mais usado varia segundo a ci<strong>da</strong><strong>de</strong> e o estado marital. No Rio<br />

<strong>de</strong> Janeiro as casa<strong>da</strong>s, ou em união, reportaram a abstinência<br />

periódica; as não uni<strong>da</strong>s, o coito interrompido. Em Curitiba os<br />

métodos citados foram, respectivamente, o preservativo e o coito


interrompido. Em Recife as casa<strong>da</strong>s ou uni<strong>da</strong>s reportaram o<br />

preservativo; as não uni<strong>da</strong>s, a esterilização.<br />

Um outro trabalho bastante representativo que <strong>de</strong>monstrou a<br />

subestimativa do uso <strong>da</strong> camisinha no Brasil, foi realizado por Berquó<br />

e Souza em 1991, em Campinas, São Paulo. 20<br />

O objetivo <strong>da</strong> pesquisa era avaliar o uso <strong>de</strong> preservativos pelos<br />

homens e, em caso afirmativo, com que fim esta prática estava sendo<br />

exerci<strong>da</strong>­ prevenção <strong>de</strong> DST/AIDS, prevenção <strong>de</strong> gravi<strong>de</strong>z in<strong>de</strong>seja<strong>da</strong> ou<br />

ambos os propósitos.<br />

O estudo incluiu homens na faixa etária dos <strong>de</strong>zoito aos trinta<br />

anos, pressupondo que a maioria seria <strong>de</strong> solteiros, o que aumentaria<br />

a probabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> relações sexuais com múltiplos parceiros,<br />

justificando ain<strong>da</strong> mais o uso freqüente do preservativo.<br />

A totali<strong>da</strong><strong>de</strong> dos entrevistados “sabia o que era“ e/ou “conhecia<br />

o preservativo” e questionados acerca <strong>da</strong> função do preservativo, mais<br />

<strong>de</strong> 79% <strong>de</strong>les respon<strong>de</strong>ram que servia “ para evitar gravi<strong>de</strong>z e as<br />

DST/AIDS”, os <strong>de</strong>mais dividiram­se em percentuais aproximados, entre<br />

evitar a gravi<strong>de</strong>z e evitar as DST/AIDS. Cerca <strong>de</strong> 80% <strong>da</strong> amostragem,<br />

mais <strong>de</strong> 2/3 dos quais eram solteiros, já haviam usado preservativo<br />

alguma vez. Em média 75% dos entrevistados haviam mantido relações<br />

sexuais nos 30 dias anteriores à pesquisa. Destes, no entanto,<br />

apenas 29,8% relataram o uso regular do preservativo. Este baixo<br />

nível <strong>de</strong> uso <strong>de</strong> certa forma tenta parecer justificável por fatores<br />

20 BERQUÓ, E . e SOUZA, MR. Homens adultos: Conhecimento e uso do Condom. In Loyola M (org).AIDS e<br />

35


como “ relações estáveis”, “relações não promíscuas”, “bom<br />

conhecimento sobre a parceira” e “uso <strong>de</strong> outro método pela<br />

parceira”. Enfim, questões que envolvem variáveis <strong>de</strong> gênero e<br />

preconceitos culturais arraigados que serão objeto <strong>de</strong> análise mais<br />

adiante.<br />

2.1 ASPECTOS HISTÓRICOS DO USO DO PRESERVATIVO E SUA<br />

RELAÇÃO COM A EPIDEMIA DA AIDS<br />

A história do preservativo profilático, camisa <strong>de</strong> vênus, condon<br />

ou como é popularmente conheci<strong>da</strong>, a camisinha, nos remete a milênios.<br />

Sabe­se que há aproxima<strong>da</strong>mente três mil anos os egípcios já revestiam<br />

o pênis. Capas <strong>de</strong> couro, marfim ou chifre, eram os artefatos<br />

utilizados para adornar o falo, o que, segundo eles, melhorava o<br />

<strong>de</strong>sempenho e aumentava a eficácia sexual masculina. Na mesma época,<br />

há registro do uso <strong>de</strong> pele do intestino <strong>de</strong> carneiro para envolver o<br />

órgão masculino, como forma <strong>de</strong> evitar a fecun<strong>da</strong>ção. 21<br />

Em 1564, o médico anatomista e fisiólogo Gabrielle Fallópio fez<br />

a primeira <strong>de</strong>scrição escrita do preservativo. O anatomista criou um<br />

envoltório <strong>de</strong> linho para o pênis, afirmando que seu uso impediria a<br />

Sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Rio <strong>de</strong> Janeiro. Relume Dumará/UERJ,1994 p.171­182.<br />

21 SOS CORPO­ Grupo <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> <strong>da</strong> Mulher­ Recife, op cit. 1990 ,p. 69<br />

36


disseminação <strong>de</strong> doenças, em especial a sífilis que assolava a<br />

Europa, à época. 22<br />

“ Embora o invento pu<strong>de</strong>sse ter efeitos contraceptivos,esse caráter<br />

iria marcar a história do único método masculino disponível 23 ”<br />

As epi<strong>de</strong>mias <strong>de</strong> DST, migraram <strong>da</strong> Europa para a América, trazi<strong>da</strong>s<br />

pelos colonizadores europeus. A sífilis se espalhou pelo “Novo<br />

Mundo”, sendo que no Brasil, a partir do século XVI, <strong>de</strong>ixou um rastro<br />

<strong>de</strong> morte nos lares e bordéis. Também no contexto <strong>da</strong>s gran<strong>de</strong>s<br />

plantações <strong>de</strong> cana­<strong>de</strong>­açúcar, durante os séculos XVII e XVIII o<br />

processo <strong>de</strong> sifilização se intensificou. 24<br />

As diferentes formas <strong>de</strong> colonização <strong>de</strong>terminaram as diferentes<br />

maneiras <strong>de</strong> li<strong>da</strong>r com essas doenças venéreas. No Brasil, no ambiente<br />

voluptuoso <strong>da</strong> Casa gran<strong>de</strong>, não se fazia uso <strong>de</strong> medi<strong>da</strong>s preventivas.<br />

Somente em meados do século XIX, disciplinas como higiene<br />

social, incluí<strong>da</strong>s pelas instituições religiosas, passaram a fazer<br />

parte <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> intelectual brasileira. A medicina mo<strong>de</strong>rna gradualmente<br />

veio a tomar forma, no curso do último século, exercendo influência<br />

crescente na classe alta e classe média emergente.<br />

22 Brasil. Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>, op cit.1997, p.7<br />

23 ________________ op cit, 1990,p 69.<br />

24 PARKER, Richard. Corpos Prazeres e Paixões. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Ed. Best seller. 1991 p.46­47.<br />

37


As primeiras referências escritas ao uso do preservativo como<br />

contraceptivo são registra<strong>da</strong>s nas poesias eróticas edita<strong>da</strong>s na<br />

Inglaterra, no início do século XVIII. 25<br />

Casanova (1725­1798), em suas memórias, também menciona as<br />

proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s profiláticas e contraceptivas do preservativo,<br />

referindo­se a ele como “ repouso para a alma”.<br />

Na França, os preservativos são conhecidos como “ capas<br />

inglesas” e na Inglaterra, como “cartas francesas” . Esta <strong>de</strong>nominação<br />

advém do fato <strong>de</strong> que, antigamente, muitos preservativos vinham parar<br />

nas praias <strong>da</strong> Inglaterra, on<strong>de</strong> eram ironicamente <strong>de</strong>nominados <strong>de</strong><br />

“cartas francesas”, embora os britânicos reivindiquem a invenção do<br />

produto.<br />

Os preservativos, inicialmente produzidos com membranas <strong>de</strong> intestinos<br />

<strong>de</strong> animais, eram caros e pouco confortáveis . A produção era limita<strong>da</strong><br />

e mal <strong>da</strong>va conta <strong>da</strong> <strong>de</strong>man<strong>da</strong> européia. No entanto, com o advento <strong>da</strong><br />

vulcanização, na meta<strong>de</strong> do século XIX, foi possível a introdução <strong>de</strong><br />

preservativos <strong>de</strong> borracha que, produzidos em escala industrial,<br />

custavam menos que os preservativos <strong>de</strong> membrana animal, o que<br />

possibilitou a difusão do seu uso. 26<br />

A vulcanização <strong>da</strong> borracha possibilitou o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong>s<br />

primeiras tecnologias mo<strong>de</strong>rnas <strong>de</strong> contracepção, com a fabricação <strong>de</strong><br />

preservativos, diafragmas e capas cervicais. O acesso e a<br />

disponibilização mercadológica <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s quanti<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

25 Brasil. Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>. Op. Cit. 1997,id.ibid. ( o autor não faz referência aos títulos e poetas)<br />

38


preservativos geraram mu<strong>da</strong>nças comportamentais significativas, quais<br />

sejam:<br />

1. Diminuição do uso <strong>de</strong> métodos naturais ( abstinência periódica e<br />

coito interrompido. 27<br />

2. Utilização em massa do preservativo, incentivado por<br />

campanhas públicas realiza<strong>da</strong>s nos Estados Unidos e Europa, a partir<br />

<strong>da</strong> segun<strong>da</strong> meta<strong>de</strong> do século XIX, o que representou o primeiro boom<br />

<strong>da</strong> utilização <strong>de</strong> preservativos.<br />

O século XIX foi um dos momentos históricos mais relevantes no<br />

que diz respeito à concepção <strong>da</strong>s mo<strong>de</strong>rnas teorias sexuais que<br />

buscavam <strong>de</strong>svincular o sexo <strong>de</strong> seu caráter meramente reprodutivo.<br />

O <strong>de</strong>bate entre as diversas correntes científicas no que diz<br />

respeito ao comportamento sexual humano foi mais acirrado no Século<br />

XIX. À época havia basicamente duas linhas <strong>de</strong> pensamento acerca <strong>da</strong><br />

sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong>: os mo<strong>de</strong>rnistas, <strong>de</strong>ntre os quais <strong>de</strong>stacavam­se Sigmund<br />

Freud e Havelock Ellis, e os vitorianos oitocentistas.<br />

O mo<strong>de</strong>rnismo sexual representou uma reação ao vitorianismo­ or<strong>de</strong>m<br />

moral vigente à época, que estabelecia padrões e regulamentava as<br />

várias esferas do social, inclusive a sexual. O vitorianismo não era<br />

monolítico, isto é , não influenciou <strong>da</strong> mesma maneira diferentes<br />

países <strong>da</strong> América e Europa, tendo entrado em <strong>de</strong>clínio somente no<br />

final do século.<br />

26 ________________op cit, 1997, p.8.<br />

27 SOS CORPO­ Grupo <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> <strong>da</strong> Mulher­ Recife, op cit, 1990 p. 69<br />

39


Os vitorianos sustentavam que a experiência sexual era uma<br />

ameaça à moral e um <strong>de</strong>sperdício <strong>da</strong> energia vital. Os mo<strong>de</strong>rnistas, ao<br />

contrário, eram entusiastas sexuais. Consi<strong>de</strong>ravam sexo uma ativi<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

humana inteiramente prazerosa.<br />

No campo <strong>da</strong> sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong> feminina, os vitorianos quase negavam a<br />

existência sexual <strong>da</strong> mulher, enquanto que os mo<strong>de</strong>rnistas tentavam<br />

<strong>de</strong>monstrar a igual<strong>da</strong><strong>de</strong> sexual <strong>da</strong> mulher com o homem, travando<br />

gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong>bates e trazendo à tona a paradoxal necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> não só <strong>de</strong><br />

companheirismo, mas também <strong>de</strong> varie<strong>da</strong><strong>de</strong> na vi<strong>da</strong> erótica.<br />

Um dos pilares <strong>da</strong> i<strong>de</strong>ologia vitoriana consistia na opinião <strong>de</strong><br />

que a masturbação invariavelmente levava a gran<strong>de</strong>s enfermi<strong>da</strong><strong>de</strong>s e<br />

até à loucura. Em contraparti<strong>da</strong>, um dos maiores representantes e<br />

<strong>de</strong>fensores <strong>da</strong> mo<strong>de</strong>rna teoria sexual, Henry Havelock Ellis, afirmava<br />

que havia nenhuma evidência ligando a masturbação a qualquer <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m<br />

física ou mental. A suposição <strong>de</strong> tal conexão era incompatível com a<br />

enorme predominância <strong>da</strong> masturbação. Ellis alegava que a<br />

masturbação po<strong>de</strong>ria ser uma legítima fonte <strong>de</strong> relaxamento mental. O<br />

cientista fun<strong>da</strong>mentava suas alegações citando a evidência <strong>de</strong><br />

masturbação tanto entre os animais, como entre os homens <strong>de</strong> quase<br />

to<strong>da</strong>s as culturas <strong>de</strong> que tinham conhecimento mais profundo. 28<br />

O século XIX, também representou um marco <strong>da</strong> anticoncepção.<br />

Nesta época houve o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> técnicas que proporcionaram a<br />

28 Para maiores informações acerca <strong>de</strong>sse assunto, ver Paul Robinson: A mo<strong>de</strong>rnização do sexo:ensaios sobre<br />

Ellis, Kinsey, Masters & Johnson.Rio <strong>de</strong> Janeiro: Civilização Brasileira.1977.<br />

40


criação dos contraceptivos mo<strong>de</strong>rnos e o estímulo ao uso <strong>de</strong> métodos<br />

não­naturais.<br />

O impacto <strong>da</strong> utilização do preservativo <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ou gran<strong>de</strong>s<br />

controvérsias no âmbito <strong>da</strong> medicina e instituições religiosas. O<br />

preservativo foi taxado , não apenas como imoral, contrário aos bons<br />

costumes, mas também prejudicial à saú<strong>de</strong>.<br />

Os questionamentos levantados pelos vitorianos acerca <strong>da</strong>s<br />

conseqüências <strong>da</strong> utilização dos preservativos, diziam mais respeito<br />

à or<strong>de</strong>m moral vigente à época, que a evidências cientificamente<br />

comprova<strong>da</strong>s.<br />

“Alguns médicos diziam que a anticoncepção causava esterili<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

e ninfomania entre as mulheres e, nos homens, <strong>de</strong>terioração<br />

mental, palpitações e amnésia. Além disso, para esses médicos a<br />

anticoncepção também provocava câncer e tendência ao suicídio,<br />

em homens e mulheres. Sobre o preservativo, especificamente,<br />

médicos americanos do fim do século XIX sustentavam que ‘ele<br />

produz lesões <strong>de</strong>vido à sua presença irritante como corpo<br />

estranho e aos agentes químicos usados em sua fabricação, além<br />

<strong>de</strong> outros efeitos graves, inseparáveis <strong>de</strong> seu uso’.” 29<br />

29 Brasil. Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>,,op cit,1997,p.8<br />

41


Apesar <strong>de</strong> tanta polêmica e restrições, no início <strong>de</strong>ste século os<br />

preservativos <strong>de</strong> borracha já estavam amplamente disponíveis. 30<br />

A disponibilização e a difusão do uso, trouxeram à luz alguns<br />

problemas relativos à quali<strong>da</strong><strong>de</strong> e durabili<strong>da</strong><strong>de</strong> do preservativo. Os<br />

usuários apontavam, com freqüência, orifícios e <strong>de</strong>feitos <strong>de</strong><br />

fabricação, durante o ato sexual. Era constante o rompimento e a<br />

vali<strong>da</strong><strong>de</strong> dos preservativos expirava entre três a quatro meses.<br />

Atualmente, o prazo <strong>de</strong> vali<strong>da</strong><strong>de</strong> do preservativo, observa<strong>da</strong>s as<br />

condições <strong>de</strong> armazenamento e transporte e a temperatura local, é <strong>de</strong><br />

três anos.<br />

Essas queixas, muito embora em gran<strong>de</strong> parte fossem soluciona<strong>da</strong>s<br />

já na déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 30, com o <strong>de</strong>senvolvimento do processo <strong>de</strong> fabricação<br />

do látex, iriam marcar profun<strong>da</strong>mente a imagem do preservativo, ain<strong>da</strong><br />

nos dias <strong>de</strong> hoje. É muito comum ouvirmos pessoas justificarem o não<br />

uso do método porque:“ O preservativo rompe”, “ possui orificiozinhos<br />

através dos quais o esperma po<strong>de</strong> atravessar”, “ a camisinha<br />

escorrega”, to<strong>da</strong>s essas afirmações acompanharam a trajetória do uso<br />

do preservativo e, ain<strong>da</strong> hoje, embora possam ser rechaça<strong>da</strong>s ao<br />

fun<strong>da</strong>mento <strong>de</strong> pesquisas científicas, conforme veremos <strong>de</strong>talha<strong>da</strong>mente<br />

no item 2.2, continuam sendo reproduzi<strong>da</strong>s, contribuindo negativamente<br />

para a formação <strong>de</strong> sua imagem. Impermeabili<strong>da</strong><strong>de</strong> e resistência são<br />

fatores “ sine qua non” para a confiabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>ste produto. 31<br />

30 _______________,op cit, 1997, p 8<br />

31 _______________,op cit,1997,p 60/62.<br />

42


O advento do látex permitiu que as indústrias <strong>de</strong>ssem um salto em<br />

matéria <strong>de</strong> quali<strong>da</strong><strong>de</strong>. O látex é a seiva <strong>da</strong> seringueira concentra<strong>da</strong> e<br />

estabiliza<strong>da</strong>. É bem mais fácil <strong>de</strong> ser trabalha<strong>da</strong> que a borracha<br />

dissolvi<strong>da</strong> e permite a produção, a custos menores, <strong>de</strong> preservativos<br />

com membranas mais finas e <strong>de</strong> maior durabili<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

No Brasil, são poucas as informações relativas às práticas<br />

contraceptivas utiliza<strong>da</strong>s antes dos anos 60. Até o golpe militar <strong>de</strong><br />

64, não há registros <strong>de</strong> ações institucionais <strong>de</strong> estímulo ao<br />

planejamento familiar. Entretanto, a Benfam ( Socie<strong>da</strong><strong>de</strong> Civil <strong>de</strong> Bem­<br />

Estar familiar), fun<strong>da</strong><strong>da</strong> em 1965, representou um marco <strong>da</strong> oferta <strong>da</strong><br />

contracepção no país, bem como um estímulo ao planejamento familiar.<br />

A partir <strong>da</strong> sua fun<strong>da</strong>ção, proliferaram­se incentivos similares que<br />

acabaram por constituir uma re<strong>de</strong> nacional <strong>de</strong> centros especializados<br />

na oferta <strong>de</strong> meios anticoncepcionais. 32<br />

A invenção <strong>da</strong> pílula, em 1960, alterou <strong>de</strong>finitivamente a<br />

história <strong>da</strong> contracepção humana, assumindo a preferência dos<br />

usuários, <strong>de</strong>ntre os <strong>de</strong>mais métodos anticoncepcionais. Tal preferência<br />

se <strong>da</strong>va por vários fatores, <strong>de</strong>ntre os quais po<strong>de</strong>mos citar: o “<br />

caráter científico” legitimado pela endocrinologia, a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>sassociar contracepção <strong>de</strong> sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong> . A pílula era um produto<br />

para ser ingerido como um remédio qualquer, sem necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

conhecimento dos órgãos sexuais. 33<br />

32 SOS CORPO – Grupo <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> <strong>da</strong> Mulher­ Recife, op cit, 1990.p 16/17.<br />

33 ________________,op cit,1990,p.110.<br />

43


A introdução <strong>da</strong> pílula no país coincidiu com a construção <strong>de</strong><br />

Brasília, implantação <strong>de</strong> indústrias automobilísticas e gran<strong>de</strong>s<br />

rodovias. A imagem <strong>da</strong> pílula foi associa<strong>da</strong> como “ mais um fator <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento”. Além <strong>de</strong>sses aspectos, há que se consi<strong>de</strong>rar que o<br />

seu uso não prescin<strong>de</strong> <strong>de</strong> qualquer interrupção antes, durante ou após<br />

o coito, não interferindo diretamente na relação sexual.<br />

Já o uso do preservativo tem como gran<strong>de</strong> inconveniente a<br />

interrupção <strong>da</strong>s “ preliminares” para sua colocação. Este fator<br />

reforça a crença <strong>de</strong> que este método “ corta o clima”. 34<br />

Os métodos hormonais ( pílulas e injeções), os dispositivos<br />

intra­uterinos (DIU), espermici<strong>da</strong>s, diafragmas e o preservativo são<br />

os principais contraceptivos reversíveis utilizados e disponíveis no<br />

Brasil até o início <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> noventa.<br />

Todos esses métodos possuem vantagens e <strong>de</strong>svantagens, sendo que<br />

nenhum <strong>de</strong>les é capaz <strong>de</strong> oferecer 100% <strong>de</strong> eficácia.<br />

O condom ou preservativo, no entanto, possui dois aspectos que o<br />

diferencia dos <strong>de</strong>mais:<br />

1.É o único método contraceptivo masculino, reversível.<br />

2.É o único método que além <strong>de</strong> proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s contraceptivas, possui<br />

proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s profiláticas, comprova<strong>da</strong>mente eficazes, para ambos os<br />

parceiros, oferecendo, também, a quase completa ausência <strong>de</strong> efeitos<br />

colaterais. 35<br />

34 Brasil.Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>.op cit, 1997 p 73.<br />

35 ____________________ op cit, 1997, p 9.<br />

44


Acontece que, com a crescente incidência <strong>de</strong> doenças sexualmente<br />

transmissíveis e em especial <strong>da</strong> AIDS, o uso consistente ­durante<br />

to<strong>da</strong>s as relações sexuais­ do preservativo voltou a ser sugerido, o<br />

que parece constituir um processo <strong>de</strong> reabilitação do condom no mundo<br />

inteiro.<br />

Segundo a Organização Mundial <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> (OMS) :<br />

“Quando usado <strong>de</strong> maneira correta e consistente, o preservativo<br />

dá boa proteção anticoncepcional e reduz, efetivamente, os riscos <strong>de</strong><br />

propagação <strong>de</strong> diversas DST, sendo o único meio mecânico <strong>de</strong> proteção<br />

contra a transmissão do vírus <strong>da</strong> imuno<strong>de</strong>ficiência humana(HIV). 36 ”<br />

Neste particular, as DST, embora apresentem um risco à saú<strong>de</strong> e<br />

um aumento <strong>da</strong> probabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> contrair o HIV/AIDS, po<strong>de</strong>m ser<br />

controla<strong>da</strong>s e cura<strong>da</strong>s por medicamentos e antibióticos. A AIDS, no<br />

entanto, não tem cura e a prevenção é a única forma possível <strong>de</strong><br />

controlar a disseminação do vírus. 37<br />

Neste contexto, a participação do movimento gay americano foi<br />

salutar para o que veio a ser conhecido como SAFER SEX ( Sexo<br />

Seguro). Dentre outras medi<strong>da</strong>s, em 1983 o movimento elaborou manuais<br />

que ensinavam os indivíduos a se proteger <strong>da</strong> AIDS e a levar uma vi<strong>da</strong><br />

sexual sem riscos para si e para os outros. As precauções englobavam<br />

os infectados ou não. Essas discussões começaram a produzir efeito ao<br />

questionar posições mais radicais e moralistas, presentes no âmbito<br />

<strong>da</strong> Igreja, <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> científica e <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> como um todo. As<br />

36 World Health Organization (WHO). Specifications and Gui<strong>de</strong>lines for Condom Procurement.Genebra,1992.<br />

45


ecomen<strong>da</strong>ções <strong>da</strong> Organização Mundial <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> em 1990, chegaram a<br />

sugerir explicitamente:<br />

1.” Não tenha relações sexuais com parceiros casuais ou<br />

<strong>de</strong>sconhecidos”.<br />

2.” Não tenha relações sexuais com pessoas com muitos parceiros<br />

sexuais diferentes, como prostitutos e prostitutas”. 38<br />

Tais fórmulas do tipo “não faça mais sexo” eram contrapostas<br />

pelo movimento gay com “faça sexo com mais cui<strong>da</strong>do” 39<br />

A concepção <strong>de</strong> sexo mais seguro inclui o estímulo ao uso regular<br />

do preservativo e significa tê­lo novamente em lugar <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque<br />

entre os <strong>de</strong>mais métodos contraceptivos.<br />

O estímulo ao uso do preservativo visa tornar mais segura a vi<strong>da</strong><br />

sexual, preservando a quali<strong>da</strong><strong>de</strong> e a quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> dos encontros sexuais<br />

<strong>de</strong> ca<strong>da</strong> um. 40 O sexo <strong>de</strong>sprotegido ­ sem utilização <strong>de</strong> preservativo­<br />

expõe as pessoas situações <strong>de</strong> risco, envolvendo a contaminação com<br />

diversas DST inclusive a AIDS.<br />

2.1.2 ETIMOLOGIA<br />

Nos dicionários etimológicos <strong>da</strong> língua portuguesa, disponíveis<br />

na biblioteca do curso <strong>de</strong> Letras <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>da</strong> Bahia,<br />

37 TERTO,V.Sexo Seguro (...)Boletim Pela Vid<strong>da</strong>, ano III, No.14, <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1992.<br />

38 OMS. Prevenção contra a transmissão sexual do vírus <strong>da</strong> imuno<strong>de</strong>ficência humana. Genebra.1990.p 15.<br />

39 TERTO,V. op cit, 1992,p.117.<br />

40 ________op cit, id.ibid.<br />

46


não há registro <strong>de</strong> como foi constituí<strong>da</strong> a expressão “ Camisa <strong>de</strong><br />

vênus”.<br />

Quanto à palavra condom, sua origem também é <strong>de</strong>sconheci<strong>da</strong>.<br />

Existem, em ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, duas versões. Uma <strong>de</strong>las, a mais famosa, dá<br />

conta <strong>de</strong> que o termo se refere a um célebre “ Doutor Condom”, médico<br />

do século XVII que teria oferecido este método contraceptivo ao Rei<br />

Carlos II <strong>da</strong> Inglaterra. No entanto, a maioria dos etimologistas<br />

concor<strong>da</strong> que esta versão é fictícia.<br />

A segun<strong>da</strong> versão é a mais aceita internacionalmente e afirma<br />

que o vocábulo condom ter­se­ia originado do latim Condus que<br />

significa receptáculo, por sua vez, uma <strong>de</strong>rivação do persa Kendu ou<br />

Kondu, cujo significado literal é “ vaso comprido <strong>de</strong> armazenamento,<br />

feito do intestino <strong>de</strong> um animal”. 41<br />

Já acerca <strong>da</strong> expressão preservativo profilático, só existem<br />

ocorrências dos termos, separa<strong>da</strong>mente. Os resultados aqui <strong>de</strong>scritos<br />

foram pesquisados no Dicionário etimológico Nova Fronteira <strong>da</strong> Língua<br />

Portuguesa, editado em 1982. 42<br />

PRESERVATIVO­ O primeiro registro escrito <strong>de</strong>ste vocábulo na<br />

língua portuguesa <strong>da</strong>ta <strong>de</strong> 1614, no primeiro volume <strong>da</strong> primeira parte<br />

<strong>da</strong> história dos religiosos <strong>da</strong> Companhia <strong>de</strong> Jesus, composto pelo Padre<br />

Sebastiam Gonçalves. De origem latina, é uma <strong>de</strong>rivação do radical (<br />

Morfema Lexical Básico) PRESERV que significa conservar, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r,<br />

41 Brasil. Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>. Op cit., 1997, p.07.<br />

42 CUNHA, Geraldo Antonio <strong>de</strong>. Dicionário Etmológico Nova Fronteira <strong>da</strong> Língua Portuguesa. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Nova<br />

Fronteira,1982.<br />

47


esguar<strong>da</strong>r. É o resultado <strong>da</strong> evolução do latim tardio PRAESERVÃRE do<br />

século XVI para o latim medieval PRAESERVATIO­ÕNIS e, finalmente,<br />

PRAESERVÁTIVUS, já no século XVIII.<br />

PROFILÁTICO­ Deriva <strong>de</strong> profilaxia: emprego <strong>de</strong> meios para evitar<br />

doenças. PROFHYLAXIA­ A primeira ocorrência registra<strong>da</strong> graficamente<br />

em português se <strong>de</strong>u em 1873. Palavra <strong>de</strong> origem grega PROPHÝLAXIS<br />

significa precaução. O latim científico se apropriou <strong>de</strong>ste termo e<br />

criou, então, PROPHYLAXIS. A formação, por fim, se concretizou , por<br />

processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>rivação sufixal dupla, a partir do grego<br />

PROPHYLEKTIKÓS.<br />

2.2.ASPECTOS TÉCNICOS IMPLICADOS NO USO DA CAMISINHA E SUA<br />

RELAÇÃO COM A EPIDEMIA DA AIDS<br />

A camisinha é uma capa <strong>de</strong> borracha flexível e resistente que tem<br />

o formato do pênis. Na extremi<strong>da</strong><strong>de</strong> superior possui uma bor<strong>da</strong> flexível<br />

e na ponta uma saliência arredon<strong>da</strong><strong>da</strong> on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>posita o sêmen.<br />

Existem vários tipos: lubrifica<strong>da</strong>s e não lubrifica<strong>da</strong>s, mais espessas<br />

e mais <strong>de</strong>lica<strong>da</strong>s, colori<strong>da</strong>s e perfuma<strong>da</strong>s. Enfim, existe uma gran<strong>de</strong><br />

varie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> marcas e mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> preservativos. Entretanto, todos que<br />

se encontram à disposição no mercado nacional e internacional <strong>de</strong>vem<br />

estar compatibilizados com padrões <strong>de</strong> segurança regulamentados pela<br />

norma ISO 4074. As características específicas tais como : diâmetro,<br />

espessura, são <strong>de</strong>fini<strong>da</strong>s por ca<strong>da</strong> país, <strong>de</strong>vendo a<strong>de</strong>quar­se aos<br />

48


padrões anatômicos <strong>da</strong> população masculina local. As camisinhas<br />

japonesas, por exemplo, são menores e menos espessas que o padrão<br />

utilizado pelos americanos e brasileiros.<br />

No caso do Brasil, a responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> pelo controle <strong>de</strong> quali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>da</strong>s camisinhas é do INMETRO ( Instituto Nacional <strong>de</strong> Metrologia,<br />

Normalização e Quali<strong>da</strong><strong>de</strong> Industrial). O INMETRO adotou o Regulamento<br />

Técnico <strong>de</strong> Quali<strong>da</strong><strong>de</strong> número 9 ( RTQ­9)para regulamentar a produção e<br />

comercialização <strong>de</strong> preservativos masculinos confeccionados em látex<br />

<strong>de</strong> borracha natural.<br />

A RTQ­9 estabelece uma série <strong>de</strong> requisitos técnicos para<br />

testagem dos produtos, incluindo aspectos como comprimento e<br />

largura, condições <strong>de</strong> permeabili<strong>da</strong><strong>de</strong>/orifícios, capaci<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

volumétrica, pressão <strong>de</strong> estouro, envelhecimento/<strong>de</strong>terioração durante<br />

o armazenamento, resistência à tração e especificações quanto à<br />

embalagem e rotulagem do produto. 43<br />

Os preservativos são produzidos em massa e separados em lotes<br />

que contém <strong>de</strong> 35.000 a 150.000 uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s. Ca<strong>da</strong> lote <strong>de</strong>ve ser<br />

constituído por preservativos do mesmo mo<strong>de</strong>lo, comprimento, largura e<br />

superfície. A proporção máxima <strong>de</strong> preservativos, em ca<strong>da</strong> um <strong>de</strong>les,<br />

para a qual se permite que haja diferença em relação aos padrões<br />

estabelecidos, é <strong>de</strong>nomina<strong>da</strong> Nível <strong>de</strong> Quali<strong>da</strong><strong>de</strong> Aceitável (NQA).<br />

Para nos certificarmos <strong>de</strong> que os padrões <strong>de</strong> quali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

brasileiros estão compatíveis com as exigências internacionais<br />

43 Brasil. Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>, op.cit., 1997, p.20.<br />

49


estabeleci<strong>da</strong>s pela norma ISO 4074, e <strong>de</strong>sta forma <strong>de</strong>preen<strong>de</strong>r o nível<br />

<strong>de</strong> confiabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s camisinhas brasileiras, analisaremos a tabela<br />

a seguir:<br />

Percentuais máximos <strong>de</strong> preservativos não conformes por lote,<br />

segundo o RTQ­9 e a ISO 4074<br />

REQUISITO DE RTQ­9 ISO 4074<br />

50


PADRÃO<br />

Comprimento e<br />

largura<br />

Verificação <strong>de</strong><br />

vazamento<br />

Capaci<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

volumétrica e<br />

pressão <strong>de</strong><br />

estouro<br />

Estabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong><br />

cor<br />

Resistência à<br />

tração<br />

Embalagem e<br />

rotulagem<br />

4,0%* 4,0%*<br />

0,4% 0,4%<br />

1,5%* 1,5%<br />

­­­­ 4,0%<br />

2,5% 2,5%<br />

1,0% 1,0%<br />

TAB 2 *Percentuais <strong>de</strong> NQA aceitáveis para ca<strong>da</strong> parâmetro,individualmente<br />

Po<strong>de</strong>­se observar que, com exceção do critério <strong>de</strong> estabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong><br />

cor dos preservativos­ inexistente na norma brasileira­ os <strong>de</strong>mais<br />

percentuais aceitáveis <strong>de</strong> preservativos fora dos padrões são os<br />

mesmos tanto na ISO 4074 quanto no RTQ­9.<br />

Da análise <strong>da</strong> tabela acima, <strong>de</strong>nota­se que os aspectos que mais<br />

comprometem a imagem <strong>da</strong> camisinha­ maiores problemas <strong>de</strong>tectados com<br />

relação à confiabili<strong>da</strong><strong>de</strong>­ tais como vazamento e estouro representam<br />

percentuais <strong>de</strong> 0,4 e 1,5% respectivamente. Estes percentuais revelam<br />

51


que os preservativos operam em uma margem <strong>de</strong> segurança bastante<br />

confortável, po<strong>de</strong>ndo­se inferir que os preservativos produzidos no<br />

país são <strong>de</strong> boa quali<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

Os lotes que porventura possuam um NQA abaixo do estabelecido,<br />

isto é, apresentem uma porcentagem acima <strong>da</strong> permiti<strong>da</strong> <strong>de</strong><br />

preservativos fora dos padrões estabelecidos, <strong>de</strong>vem ser rejeitados,<br />

sendo <strong>de</strong>struídos pelo fabricante, com a supervisão direta do INMETRO.<br />

De todos os <strong>de</strong>mais métodos <strong>de</strong> barreira, a camisinha é o único<br />

masculino. O condom é, reconheci<strong>da</strong>mente, segundo a Organização<br />

Mundial <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>,” o único meio mecânico <strong>de</strong> proteção contra o vírus<br />

<strong>da</strong> imuno<strong>de</strong>ficiência humana (HIV) e <strong>de</strong> outras DST as quais po<strong>de</strong>m<br />

aju<strong>da</strong>r a aumentar a transmissão do HIV” 44 , uma vez que as DST<br />

proporcionam ferimentos na genitália. Através <strong>de</strong>ssas fissuras e<br />

ferimentos, o vírus po<strong>de</strong> penetrar, via vasos capilares, e ganhar a<br />

corrente sangüínea.<br />

No entanto, para que <strong>de</strong>sfrutemos <strong>da</strong> segurança ofereci<strong>da</strong> pelo<br />

preservativo, precisamos observar, passo a passo, as instruções <strong>de</strong><br />

uso que normalmente acompanham as embalagens. Qualquer <strong>de</strong>scuido em<br />

relação a uma <strong>da</strong>s etapas, po<strong>de</strong>rá comprometer a integri<strong>da</strong><strong>de</strong> do<br />

produto, expondo, <strong>de</strong>sta forma, o usuário a situações <strong>de</strong> risco (<br />

enten<strong>da</strong>­se risco neste caso, a gravi<strong>de</strong>z in<strong>de</strong>seja<strong>da</strong> e/ou contaminação<br />

com Doenças Sexualmente Transmissíveis, inclusive a AIDS).<br />

44 WHO, Global Programe on AIDS. Op cit., agosto/95, p.4.<br />

52


As instruções <strong>de</strong> uso abaixo relaciona<strong>da</strong>s foram retira<strong>da</strong>s <strong>de</strong><br />

embalagens <strong>de</strong> preservativos 45 , folhetos produzidos pelo Ministério <strong>da</strong><br />

Saú<strong>de</strong>, um livro <strong>de</strong> medicina intitulado: Métodos para não engravi<strong>da</strong>r­<br />

Educação e avaliação 46 , bem assim do material <strong>de</strong> divulgação cedido<br />

pela Johnson & Johnson, e buscam o maior <strong>de</strong>talhamento possível <strong>da</strong>s<br />

normas <strong>de</strong> utilização:<br />

1. A embalagem <strong>de</strong>ve ser aberta iniciando­se pelo picote no sentido<br />

vertical e somente na hora do uso.<br />

2. Não se <strong>de</strong>ve utilizar objetos cortantes, afiados ou pontiagudos<br />

para abrir a embalagem.<br />

3. O preservativo <strong>de</strong>ve ser colocado assim que ocorrer a ereção,<br />

antes <strong>de</strong> qualquer contato genital ou penetração. Isso aju<strong>da</strong> a<br />

evitar o contágio <strong>de</strong> Doenças Sexualmente Transmissíveis, através<br />

<strong>da</strong>s secreções libera<strong>da</strong>s pelo organismo antes do ato sexual.<br />

4. A camisinha vem enrola<strong>da</strong> e, para colocá­la, <strong>de</strong>ve­se <strong>de</strong>senrolar um<br />

pouco, observando que a parte mais oleosa ( lubrifica<strong>da</strong>) é a parte<br />

externa do preservativo.<br />

5. Enrosca­se cui<strong>da</strong>dosamente a parte saliente( reservatório do<br />

sêmen), apertando a ponta do preservativo com os <strong>de</strong>dos indicador e<br />

polegar, <strong>de</strong> modo a evitar a retenção <strong>de</strong> ar no seu interior, o que<br />

po<strong>de</strong> causar a ruptura durante o ato sexual.<br />

45 Vi<strong>de</strong> figura 2<br />

46 PASSOS, Mauro Romero Leal, et al. Métodos para não engravi<strong>da</strong>r­ Educação e avaliação.Rio <strong>de</strong> Janeiro:Cultura<br />

Médica.1986., p 57<br />

53


6. Coloca­se então o anel do preservativo na glan<strong>de</strong> e vai­se<br />

<strong>de</strong>senrolando, cui<strong>da</strong>dosamente, o restante <strong>da</strong> borracha até à altura<br />

dos pelos on<strong>de</strong> se fixa o anel. A esta altura é preciso ter cui<strong>da</strong>do<br />

para não romper a camisinha com a unha.<br />

7. O uso <strong>de</strong> produtos gordurosos ou à base <strong>de</strong> petróleo tais como<br />

vaselina interferem quimicamente no látex <strong>da</strong> camisinha, provocando<br />

o seu rompimento<br />

8. As camisinhas em sua maioria já vêm lubrifica<strong>da</strong>s, caso necessite<br />

<strong>de</strong> uma lubrificação extra, utilize­se <strong>de</strong> gel lubrificante solúvel<br />

em água.<br />

9. Após a ejaculação, o pênis, ain<strong>da</strong> ereto, <strong>de</strong>ve ser imediatamente<br />

retirado <strong>da</strong> vagina ou do ânus. Essa medi<strong>da</strong> é <strong>de</strong> extrema importância<br />

uma vez que a continuação <strong>de</strong> movimentos pós­coitais po<strong>de</strong>m importar<br />

no vazamento do esperma na região genital. Além disso, o esperma,<br />

após cinco minutos <strong>da</strong> ejaculação, começa a se liquefazer, havendo a<br />

possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> escorrer pelos pelos pubianos. Deve­se lembrar<br />

também que após a ejaculação, o pênis ten<strong>de</strong> a voltar ao tamanho<br />

normal, tornando o condom mais folgado. 47<br />

10. Após a retira<strong>da</strong> do pênis, <strong>de</strong>ve­se segurar o preservativo, junto à<br />

base, e ao retirá­lo <strong>da</strong>r um nó e em segui<strong>da</strong> jogá­lo no lixo. Os<br />

preservativos são one­way, significa que NÃO po<strong>de</strong>m ser<br />

reutilizados. Para ca<strong>da</strong> nova relação, um novo preservativo <strong>de</strong>verá<br />

ser utilizado.<br />

47 ____________., 1986 Op cit. p 57­58.<br />

54


Embora essas instruções pareçam <strong>de</strong>masia<strong>da</strong>mente simples, muitos<br />

usuários erram em alguma fase do processo, o que muitas vezes po<strong>de</strong><br />

custar­lhes uma gravi<strong>de</strong>z in<strong>de</strong>seja<strong>da</strong>, contaminação com Doenças<br />

Sexualmente Transmissíveis ou até mesmo uma exposição ao vírus <strong>da</strong><br />

AIDS.<br />

Estes riscos não po<strong>de</strong>m ser calculados precisamente porque, para<br />

que tais fatos ocorram, é necessária a combinação <strong>de</strong> outros fatores.<br />

No caso <strong>da</strong> gravi<strong>de</strong>z, por exemplo, mesmo que haja contato do<br />

espermatozói<strong>de</strong> com a genitália feminina, para que haja fecun<strong>da</strong>ção é<br />

necessário que a mulher esteja em período fértil.<br />

Quanto à exposição as DST/AIDS é preciso saber se a quanti<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> vírus com a qual hipoteticamente entrou­se em contato é<br />

suficiente para a contaminação. Teoricamente, para uma única relação<br />

sexual <strong>de</strong>sprotegi<strong>da</strong> ( sem camisinha) entre uma pessoa contamina<strong>da</strong> com<br />

o vírus do HIV e uma pessoa soronegativa, existe 0,03% <strong>de</strong> chance <strong>de</strong><br />

contágio. No entanto, esse percentual <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser tão confiável<br />

quando se <strong>de</strong>tectam pessoas que num único ato, são contamina<strong>da</strong>s com o<br />

vírus, segundo nos informa Regina Brasil, médica infectologista,<br />

membro do comitê HIVi<strong>da</strong>, uma <strong>da</strong>s Organizações Não Governamentais<br />

(ONGs) <strong>de</strong> combate à AIDS, que acompanhou uma paciente que contraiu o<br />

HIV através <strong>de</strong> um único contato sexual. 48 Ain<strong>da</strong> acerca <strong>de</strong>ste aspecto,<br />

o livro Heterossexuali<strong>da</strong><strong>de</strong>, lançado este ano pela Bertrand Brasil, <strong>de</strong><br />

48 AIDS no TRT <strong>de</strong>bate realizado na Justiça do Trabalho no dia 30/10/97, com a participação <strong>da</strong>s ONGs HIVi<strong>da</strong> e<br />

55


autoria dos sexólogos Willian H. Masters e Virgínia E. Johnson,<br />

afirma que o risco <strong>de</strong> alguém infectar­se com o HIV , praticando sexo<br />

vaginal heterossexual uma única vez com uma pessoa, é <strong>de</strong> 1 para 500<br />

para uma mulher e 1 para 700 para um homem. Ressalvando­se que a<br />

mulher por uma questão <strong>de</strong> anatomia tem mais probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

contaminação via sexual. Para o caso <strong>de</strong> um único episódio <strong>de</strong> sexo<br />

anal com uma pessoa infecta<strong>da</strong>, os autores apresentam números <strong>da</strong> or<strong>de</strong>m<br />

<strong>de</strong> 1 para 50 ou 100. 49<br />

Nenhum método contraceptivo é 100% seguro. As falhas <strong>de</strong>tecta<strong>da</strong>s<br />

com relação à camisinha muitas vezes <strong>de</strong>correm do manuseio incorreto<br />

por parte do usuário; no entanto, as pessoas costumam responsabilizar<br />

o preservativo atribuindo­lhe má quali<strong>da</strong><strong>de</strong>:” O preservativo rompe,<br />

vaza, escorrega...” Por certo que isto po<strong>de</strong> mesmo acontecer.<br />

Entretanto, antes <strong>de</strong> afirmar categoricamente que o preservativo<br />

falhou é necessária uma investigação rigorosa <strong>da</strong>s condições <strong>de</strong> uso e<br />

armazenamento do produto. 50<br />

Vários fatores interferem na eficácia <strong>da</strong> camisinha. Existe,<br />

neste particular, um diferencial referente às estimativas <strong>de</strong> eficácia<br />

<strong>de</strong> um método preventivo, qual seja a existência <strong>da</strong> eficácia téorica (<br />

ou do método ) e <strong>da</strong> eficácia do uso ( ou típica). Em relação à<br />

camisinha, a eficácia teórica diz respeito à sua capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> intríseca<br />

<strong>de</strong> prevenção ( tanto <strong>da</strong> gravi<strong>de</strong>z in<strong>de</strong>seja<strong>da</strong> quanto <strong>da</strong>s DST/AIDS),<br />

GAPA/Bahia<br />

49 “Um tratado sobre a sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong>”. Tribuna <strong>da</strong> Bahia, 05 nov 97.,ca<strong>de</strong>rno <strong>de</strong> varie<strong>da</strong><strong>de</strong>s, p 1..<br />

50 Brasil. Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>. Op cit. 1997., p 10 e p 59.<br />

56


quando utiliza<strong>da</strong> correta e constantemente, sem erros ou negligência.<br />

Inclui, portanto, apenas a “falha do método”. A eficácia <strong>de</strong> uso, por<br />

sua vez, é estima<strong>da</strong> levando­se em consi<strong>de</strong>ração as ações dos usuários­<br />

antes, durante e após a relação sexual. Inclui, também, a possível<br />

falha do usuário.<br />

Há métodos que quase não exigem ação alguma por parte do<br />

usuário, mas são irreversíveis, como por exemplo a ligadura tubária,<br />

a vasectomia. Funcionam como movimentos cardíacos em nosso corpo: não<br />

precisamos parar e or<strong>de</strong>nar ao nosso coração para que pulse, muito<br />

pelo contrário, ele trabalha continuamente em movimento<br />

involuntário. Se assim não fosse, durante a noite estaríamos<br />

con<strong>de</strong>nados à eterna vigília, sob pena <strong>de</strong> que durante o sono o nosso<br />

coração voluntarioso parasse <strong>de</strong> bater.<br />

Já os outros métodos contraceptivos como os hormonais orais,<br />

diafragma, espermici<strong>da</strong>s e o preservativo, exigem do usuário ações<br />

apropria<strong>da</strong>s e sistemáticas. Por isso as taxas <strong>de</strong> eficácia teórica e<br />

<strong>de</strong> uso <strong>de</strong>sses métodos variam <strong>de</strong> forma significativa. Fatores como<br />

maturi<strong>da</strong><strong>de</strong> do casal, motivação para o uso do método, níveis <strong>de</strong><br />

instrução ( do homem e <strong>da</strong> mulher), duração do relacionamento e<br />

experiência anterior com o método estão diretamente relacionados à<br />

oscilação dos níveis <strong>de</strong> eficácia. 51<br />

No caso do preservativo são teoricamente admiti<strong>da</strong>s como falhas<br />

do método as hipóteses do rompimento durante a relação sexual­ o que<br />

51 Brasil. Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>.Op cit. 1997., p 36.<br />

57


po<strong>de</strong>ria ser causado por forte pressão ejaculatória, ina<strong>de</strong>qua<strong>da</strong><br />

manipulação do produto ou ain<strong>da</strong> pela fricção <strong>de</strong>corrente <strong>da</strong><br />

insuficiente lubrificação vaginal. O rompimento também po<strong>de</strong> ser<br />

facilitado pela <strong>de</strong>terioração do preservativo em função do tempo<br />

excessivo <strong>de</strong> armazenamento, exposição à luz solar, calor, umi<strong>da</strong><strong>de</strong> e<br />

outras condições adversas. Porém, mesmo neste caso, raramente a falha<br />

<strong>de</strong> método correspon<strong>de</strong>ria ao fracasso do objetivo, pois este <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> “<br />

do tamanho e localização do vazamento, quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> e viscosi<strong>da</strong><strong>de</strong> do<br />

sêmen, quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> organismos patológicos necessários para a<br />

infecção e, ain<strong>da</strong>, ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> coital pós­ejaculatória. 52<br />

Reconhecer as possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> falha do preservativo, em<br />

especial quanto ao rompimento, implica consi<strong>de</strong>rar os relatos e<br />

queixas dos usuários, atribuindo­lhes a importância necessária no<br />

processo <strong>de</strong> solidificação do preservativo enquanto método seguro.<br />

Isto significa levar as experiências empíricas para os laboratórios a<br />

fim <strong>de</strong> que sejam utilizados critérios mais rigorosos <strong>de</strong> avaliação<br />

que assegurem maior confiabili<strong>da</strong><strong>de</strong> ao produto. Afinal, o fator<br />

insegurança po<strong>de</strong> vir a macular ain<strong>da</strong> mais a imagem do preservativo,<br />

aju<strong>da</strong>ndo a incorporar a idéia <strong>de</strong> que além <strong>de</strong> incômodo o método não é<br />

confiável.<br />

São três as preocupações mais constantes levanta<strong>da</strong>s por usuários<br />

potenciais ou eventuais do preservativo: permeabili<strong>da</strong><strong>de</strong>/vazamento,<br />

52 ______________________Op. cit. 1997.,p 37<br />

58


possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> rompimento durante a relação sexual, possibili<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>da</strong> camisinha escorregar.<br />

Ca<strong>da</strong> uma <strong>de</strong>ssas questões que influenciam <strong>de</strong>cisivamente o uso ou<br />

não do preservativo, serão analisa<strong>da</strong>s a seguir, separa<strong>da</strong>mente.<br />

2.2.1 PERMEABILIDADE/VAZAMENTO DA CAMISINHA<br />

Em que pese o fato dos resultados <strong>da</strong>s pequisas embasa<strong>da</strong>s em<br />

<strong>da</strong>dos clínicos e epi<strong>de</strong>miológicos confirmarem o alto grau <strong>de</strong> proteção<br />

propiciado pelo preservativo, para a maioria <strong>da</strong> população esse ain<strong>da</strong><br />

não é um método confiável.<br />

A possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> camisinha conter poros que permitam a<br />

passagem <strong>de</strong> microorganismos patogênicos alarma uma parte<br />

significativa <strong>de</strong> usuários. Outra hipótese levanta<strong>da</strong> seria a<br />

existência <strong>de</strong> orifícios originados no próprio processo <strong>de</strong> produção.<br />

Neste caso, o mais preocupante é a possível passagem do HIV , que é<br />

30 vezes menor que a cabeça do espermatozói<strong>de</strong> humano. Os agentes<br />

causadores <strong>da</strong>s DST como gonorréia , herpes e sífilis também têm<br />

proporções muito menores que os 3 microns correspon<strong>de</strong>ntes a cabeça do<br />

espermatozói<strong>de</strong>.<br />

Estas hipóteses, entretanto, não se confirmam em duas pesquisas<br />

que visaram <strong>de</strong>tectar poros naturais em camisinhas, por meio <strong>de</strong> exames<br />

microscópicos. Numa <strong>de</strong>las, realiza<strong>da</strong>s pelo Instituto Nacional <strong>de</strong><br />

Saú<strong>de</strong> , nos Estados Unidos , os pesquisadores utilizaram um<br />

microscópio eletrônico para ampliar os preservativos duas mil vezes.<br />

Nenhum poro foi <strong>de</strong>tectado, mesmo quando os preservativos foram<br />

59


esticados. Outro estudo <strong>de</strong>monstrou que nenhuma <strong>da</strong>s 40 marcas <strong>de</strong><br />

preservativos mais usa<strong>da</strong>s no mundo apresentava poros. Nestes testes,<br />

os preservativos foram ampliados cerca <strong>de</strong> 30 mil vezes. Também foram<br />

realizados testes que simularam os esforços aos quais os<br />

preservativos são submetidos durante o ato sexual, concluindo­se que<br />

o HIV, o vírus do herpes simples e <strong>da</strong> hepatite B, e a clamídia<br />

trachomatis não conseguem ultrapassar a membrana <strong>de</strong> um preservativo<br />

intacto, mesmo mediante os mais rigorosos estímulos mecânicos.<br />

Entretanto, um outro estudo <strong>de</strong> laboratório <strong>de</strong>tectou, em 29 <strong>da</strong>s<br />

89 amostras <strong>de</strong> preservativos testados, poros e vazamentos. As<br />

amostras foram colhi<strong>da</strong>s aleatoriamente <strong>de</strong> lotes diversos e os testes<br />

empregaram microesferas <strong>de</strong> dimensões compatíveis com as do HIV, mas<br />

em concentrações até cem vezes maiores do que a do HIV no sêmen<br />

humano. Além disso, no interior dos preservativos, as microesferas<br />

foram submeti<strong>da</strong>s a condições equivalentes a mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z minutos <strong>de</strong><br />

ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> coital pós­ejaculatória. Observa­se contudo que mesmo nos<br />

casos em que a resistência dos preservativos mostrou­se menor, os<br />

vazamentos foram inferiores a 0,01% do volume total. Com base nisso,<br />

os autores do estudo concluíram que as camisinhas mesmo no pior dos<br />

casos oferecem 10 mil vezes mais proteção contra o HIV do que sua<br />

eventual não utilização. 53<br />

2.2.2 ROMPIMENTO DO PRESERVATIVO<br />

53 ______________________.Op.cit.1997.,p. 61<br />

60


A possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> rompimento pós­ejaculatório é sem dúvi<strong>da</strong>,<br />

<strong>de</strong>ntre as outras sob análise, a hipótese <strong>de</strong> risco mais temerária pois<br />

é a que proporcionaria uma maior exposição ao vírus <strong>da</strong> AIDS e <strong>de</strong>mais<br />

DST.<br />

O rompimento po<strong>de</strong> acontecer por uma série <strong>de</strong> motivos:<br />

inexperiência com o preservativo que leva ao manuseio incorreto,<br />

utilização <strong>de</strong> lubrificantes que <strong>de</strong>terioram o látex (óleos minerais<br />

ou, ain<strong>da</strong>, <strong>de</strong>rivados <strong>de</strong> petróleo, a exemplo <strong>da</strong> vaselina), fricção<br />

<strong>de</strong>corrente <strong>da</strong> falta <strong>de</strong> lubrificação vaginal e, ain<strong>da</strong>, armazenamento e<br />

transporte <strong>de</strong> camisinhas em condições ina<strong>de</strong>qua<strong>da</strong>s.<br />

Quanto ao manuseio, esse quadro só po<strong>de</strong> ser revertido com<br />

vivência e informação.<br />

Para uma população composta em gran<strong>de</strong> parte por analfabetos, é<br />

difícil fazer crer que a existência <strong>de</strong> manuais <strong>de</strong> instrução nas<br />

embalagens possa evitar os problemas com o manuseio.<br />

Para reconhecer a vali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> camisinha é necessário observar as<br />

condições <strong>de</strong> sua embalagem, se as caixas estão amassa<strong>da</strong>s, os<br />

envelopes abertos ou mal lacrados. Este procedimento é visto com<br />

naturali<strong>da</strong><strong>de</strong> em se tratando, por exemplo, <strong>de</strong> um produto enlatado. Os<br />

consumidores são informados no sentido <strong>de</strong> verificarem a aparência <strong>de</strong><br />

tais mercadorias e não levarem para casa latas estufa<strong>da</strong>s ou<br />

amassa<strong>da</strong>s. O mesmo cui<strong>da</strong>do <strong>de</strong>ve ser tomado com relação às camisinhas.<br />

A percepção po<strong>de</strong> se <strong>da</strong>r táctil ou visualmente posto que, caso estejam<br />

visguentas e <strong>de</strong>scolori<strong>da</strong>s <strong>de</strong>vem ser imediatamente <strong>de</strong>scarta<strong>da</strong>s.<br />

61


O olfato também po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong> muita utili<strong>da</strong><strong>de</strong> nesta fase <strong>de</strong><br />

reconhecimento <strong>da</strong> vali<strong>da</strong><strong>de</strong>. As camisinhas normalmente não exalam<br />

odores fortes e <strong>de</strong>sagradáveis. Este é um sinal <strong>de</strong> <strong>de</strong>terioração do<br />

látex.<br />

Quando corretamente armazena<strong>da</strong>s, as camisinhas têm um prazo <strong>de</strong> 3 anos<br />

<strong>de</strong> vali<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

Existem no mercado mo<strong>de</strong>los lubrificados e não lubrificados <strong>de</strong><br />

preservativos. Numa relação vaginal, por exemplo, além <strong>da</strong> aju<strong>da</strong> do<br />

lubrificante presente na camisinha, o órgão genital feminino<br />

encarrega­se <strong>de</strong> produzir sua própria lubrificação íntima. No<br />

entanto, a falta <strong>de</strong>sta lubrificação po<strong>de</strong> causar irritação <strong>da</strong> mucosa<br />

vaginal, <strong>de</strong>ixando­a susceptível a irritações e ferimentos causados<br />

pelo excesso <strong>de</strong> fricção e, ain<strong>da</strong>, provocar a ruptura do preservativo.<br />

Numa relação anal, os cui<strong>da</strong>dos <strong>de</strong>vem ser ain<strong>da</strong> mais intensos,<br />

uma vez que tal mucosa não possui lubrificação própria. O ânus é por<br />

natureza uma região ain<strong>da</strong> mais vasculariza<strong>da</strong> que a vagina , e ao<br />

contrário <strong>de</strong>sta, não possui uma cama<strong>da</strong> protetora, o que torna sua<br />

película interna menos resistente e mais propensa a fissuras. No caso<br />

<strong>de</strong> um contato do sêmen contaminado com o vírus do HIV com a mucosa<br />

anal, as possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s reais <strong>de</strong> contágio são ain<strong>da</strong> maiores por ser<br />

uma região <strong>de</strong> rápi<strong>da</strong> absorção, face a presença <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> quanti<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> vasos capilares.<br />

A lubrificação íntima é um processo natural <strong>da</strong> mulher,<br />

preparando seu corpo para o ato sexual. Esta lubrificação ocorre a<br />

partir <strong>de</strong> estímulos sexuais, e é um importante requisito para que o<br />

62


ato sexual não se manifeste <strong>de</strong> forma dolorosa e <strong>de</strong>sconfortável.<br />

Entretanto, em muitas mulheres esse processo <strong>de</strong> lubrificação se dá <strong>de</strong><br />

forma insuficiente, é a chama<strong>da</strong> “ secura vaginal”.<br />

A “ secura vaginal” dificulta a penetração e provoca uma<br />

irritação no local, durante e após o ato sexual, facilitando,<br />

inclusive o rompimento dos preservativos. A falta <strong>da</strong> lubrificação<br />

natural se dá em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> inúmeros fatores <strong>de</strong>ntre os quais:<br />

modificações hormonais <strong>de</strong>correntes <strong>da</strong> menopausa ­ quando ocorre uma<br />

que<strong>da</strong> na taxa <strong>de</strong> hormônio feminino, principal responsável pelo<br />

fenômeno <strong>da</strong> lubrificação­ variações durante o ciclo menstrual, ou<br />

ain<strong>da</strong>, durante a amamentação, problemas emocionais ­ preocupação em<br />

sentir dores, expectativa, stress ou ansie<strong>da</strong><strong>de</strong>­, efeitos <strong>de</strong> certos<br />

medicamentos como tranquilizantes, drogas para úlcera ou pressão<br />

alta, mulheres com infecções específicas como vaginites. 54<br />

Para os casos citados, on<strong>de</strong> a mulher <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> produzir<br />

quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> suficiente <strong>de</strong> lubrificação íntima, ou ain<strong>da</strong> nos casos <strong>de</strong><br />

penetração anal, o usuário <strong>de</strong>ve utilizar­se <strong>de</strong> lubrificantes solúveis<br />

em água.<br />

Quanto às condições <strong>de</strong> armazenamento e transporte, estas<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m <strong>da</strong> ação do usuário. Num país <strong>de</strong> clima tropical como o<br />

Brasil, a exposição dos preservativos à luz solar, umi<strong>da</strong><strong>de</strong> e/ou calor<br />

excessivos po<strong>de</strong>m fazer com que o látex se <strong>de</strong>teriore em questão <strong>de</strong><br />

meses.<br />

54 Informações forneci<strong>da</strong>s pela Assessoria <strong>de</strong> Imprensa do fabricante nacional Johnson e Jonhson.<br />

63


As condições <strong>de</strong> armazenamento e transporte apropriados <strong>de</strong>vem ser<br />

observa<strong>da</strong>s e garanti<strong>da</strong>s pelo INMETRO em todos os locais <strong>de</strong><br />

estocagem dos preservativos, seja o <strong>de</strong>pósito <strong>da</strong>s indústrias, armazéns<br />

do cais do porto, caminhões que os transportam, <strong>de</strong>pósitos dos<br />

distribuidores e/ou almoxarifados dos órgãos públicos e não<br />

governamentais que atuem na prevenção <strong>de</strong> DST/AIDS. 55<br />

Com relação aos preservativos importados, existe ain<strong>da</strong> um fator<br />

agravante: a <strong>de</strong>mora entre o <strong>de</strong>sembarque e a efetiva liberação. Isto<br />

porque é necessário aguar<strong>da</strong>r que os fiscais do INMETRO coletem<br />

amostras dos lotes, realizem os testes­ que em função <strong>da</strong> gran<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>man<strong>da</strong> e existência <strong>de</strong> apenas dois laboratórios cre<strong>de</strong>nciados para<br />

este fim, requer um tempo excessivo­ e por fim, emitam o Certificado<br />

<strong>de</strong> Conformi<strong>da</strong><strong>de</strong>. Esse certificado é concedido apenas uma vez após a<br />

verificação <strong>da</strong> conformi<strong>da</strong><strong>de</strong> do produto com os padrões estabelecidos<br />

pelo RTQ­9. Tal verificação é feita através <strong>de</strong> testes laboratoriais<br />

previstos neste regulamento, com amostras representativas <strong>da</strong> linha <strong>de</strong><br />

produção ou lotes colhidos na fábrica ou <strong>de</strong>pósito <strong>da</strong> empresa. No<br />

caso dos preservativos nacionais, a checagem amostral <strong>de</strong> verificação<br />

<strong>da</strong> manutenção do certificado <strong>de</strong> conformi<strong>da</strong><strong>de</strong> pós concessão é feita<br />

duas vezes por ano. No caso dos importados, são testa<strong>da</strong>s amostras <strong>de</strong><br />

ca<strong>da</strong> lote que chega ao país.<br />

O cumprimento <strong>de</strong>sse burocrático sistema torna lento o processo<br />

<strong>de</strong> distribuição dos preservativos, acabando por estimular a <strong>de</strong>man<strong>da</strong><br />

55 Brasil. Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>, op.cit.,1997,p.32.<br />

64


para os preservativos contraban<strong>de</strong>ados, os quais não oferecem<br />

segurança quanto ao controle <strong>de</strong> quali<strong>da</strong><strong>de</strong>, pois as suas embalagens<br />

não trazem i<strong>de</strong>ntificação <strong>da</strong> marca.<br />

De qualquer sorte, nem todos os tipos <strong>de</strong> rompimento implicam o<br />

mesmo índice <strong>de</strong> risco. Os rompimentos efetuados na base do<br />

preservativo representam um grau <strong>de</strong> exposição muito menor­ seja a<br />

gravi<strong>de</strong>z in<strong>de</strong>seja<strong>da</strong> ou a microorganismos causadores <strong>da</strong>s DST/AIDS ­<br />

que um buraco na extremi<strong>da</strong><strong>de</strong>. Em pelo menos 3 estudos realizados para<br />

<strong>de</strong>tectar rompimentos, quase 30% <strong>de</strong>stes ocorreram na base do<br />

preservativo. 56<br />

Há que se consi<strong>de</strong>rar, também, que os casos <strong>de</strong> rompimento<br />

ocorridos no ato <strong>da</strong> colocação ou até mesmo antes <strong>da</strong> ejaculação,<br />

envolvem menor risco <strong>de</strong> exposição às doenças, inclusive porque, neste<br />

momento, ain<strong>da</strong> é possível substituir a camisinha. A este respeito, as<br />

pesquisas constatam que <strong>de</strong> 25 a 70% dos casos <strong>de</strong> rompimento ocorrem<br />

no momento <strong>da</strong> colocação ou retira<strong>da</strong> <strong>da</strong> camisinha, por problemas <strong>de</strong><br />

manuseio incorreto. Um estudo monitorado <strong>de</strong> casais, que durou cerca<br />

<strong>de</strong> 24 meses, realizado nas Ilhas <strong>de</strong> Barbados e Santa Lucia, <strong>de</strong>tectou<br />

um índice <strong>de</strong> rompimento <strong>de</strong> 7% nos preservativos. Mais <strong>da</strong> meta<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sses rompimentos ocorreu no momento <strong>da</strong> colocação ou retira<strong>da</strong> do<br />

preservativo. 57<br />

56 FINGER, WR. STEINER,M. MANUEL, J e PIEDRAHITA, C. How Human use affects condom breikage. Network<br />

( Family health Internacional _FHI) 12(3):10­13 july 1991.<br />

57 PIEDRAHITA,C.HINSON,R.FOLDESY R et al. Latex Condom breakage study Barbados and St. Lucia condom lot<br />

site.FHI, Research Triangle park, North Carolina. September, 1990,12p.<br />

65


2.2.3 POSSIBILIDADE DA CAMISINHA ESCORREGAR<br />

A possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> do preservativo <strong>de</strong>slizar um pouco ­ slip down­<br />

ou, até mesmo, <strong>de</strong> escorregar e sair ­ slip off­ do pênis, durante o<br />

ato sexual, foi objeto <strong>de</strong> pesquisas cujos resultados são bastante<br />

diversos.<br />

Os índices <strong>de</strong> slip down ou slip off <strong>da</strong> camisinha, seja durante o<br />

uso efetivo em ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> coital ou momentos <strong>de</strong> colocação ou retira<strong>da</strong><br />

não estão tão bem documentados quanto os índices <strong>de</strong> rompimento. 58<br />

Percebemos, neste particular, a dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> se estabelecer uma<br />

<strong>de</strong>finição clara e precisa sobre o significado <strong>de</strong> <strong>de</strong>slizar e<br />

escorregar. Por exemplo, o preservativo <strong>de</strong>slizou para baixo ou para<br />

cima? Chegou a sair do pênis ou apenas <strong>de</strong>slocou­se um pouco? O fato<br />

ocorreu antes ou após o ato sexual?<br />

A omissão <strong>de</strong>ssas especifici<strong>da</strong><strong>de</strong>s nas pesquisas interfere<br />

diretamente na constituição <strong>de</strong> uma análise mais consistente. O<br />

próprio Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong> utiliza como fonte os <strong>da</strong>dos coletados <strong>de</strong><br />

uma pesquisa realiza<strong>da</strong> na África, em oito países, sem sequer nominar<br />

a todos. 59<br />

Os índices <strong>de</strong> <strong>de</strong>slizamento relatados, apontam variações <strong>de</strong> 0,0%<br />

em Gana até 9,3% no Quênia, sendo que o índice médio dos oito países<br />

chegou a 3,3%. Já o índice <strong>de</strong> escorregamento e que<strong>da</strong> do preservativo,<br />

durante o coito, foi <strong>de</strong> 3,1%.<br />

58 Brasil. Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>. Op cit. , 1997, p. 64.<br />

59 _______________________.Op cit, 1997.,p 63<br />

66


Sem dúvi<strong>da</strong>, esses fatores precisam ser melhor estu<strong>da</strong>dos, <strong>de</strong>vendo<br />

ser investigados particularmente os casos ocorridos no Brasil, com<br />

todos os <strong>de</strong>talhes e cui<strong>da</strong>dos que uma pesquisa <strong>de</strong>ste nível requer.<br />

Neste sentido, mais uma vez, as hipóteses minimizadoras <strong>de</strong>stes<br />

fatores convergem para a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> informação e orientação mais<br />

precisa a respeito <strong>da</strong> eficácia do preservativo quando utilizado <strong>de</strong><br />

maneira correta e habitual.<br />

Se consi<strong>de</strong>rarmos os índices <strong>de</strong> falha dos métodos contraceptivos<br />

em geral, veremos que o preservativo oferece um percentual <strong>de</strong><br />

eficácia bastante elevado. De acordo com a tabela <strong>da</strong> organização<br />

Mundial <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>, publica<strong>da</strong> em 1992, on<strong>de</strong> mesmo em comparação com<br />

outros métodos contraceptivos, inclusive as intervenções cirúrgicas<br />

irreversíveis tais como a laqueadura tubária e a vasectomia, o<br />

preservativo apresentou um alto índice <strong>de</strong> eficácia.<br />

Índices téorico e típico <strong>de</strong> falha dos métodos contraceptivos por 100<br />

mulheres/ano <strong>de</strong> uso.<br />

MÉTODOS ÍNDICE TEÓRICO<br />

DE FALHAª<br />

ÍNDICE TÍPICO<br />

DE FALHAª<br />

67


Laqueadura 0,1 0,15<br />

Vasectomia 0,2 0,4<br />

Hormonal oral 0,1 1­8<br />

Injetáveis 0­0,4 0,3­0,4<br />

D.I.U. 0,0­2 3<br />

Preservativo 2 10­15<br />

Espermici<strong>da</strong>s b 3 21<br />

Diafragma 3­7 8­21<br />

“tabelinha”c 1­9 20 d<br />

TAB 3­ Fonte: OMS,1992.<br />

Notas:<br />

a Porcentagem estima<strong>da</strong> <strong>de</strong> gravi<strong>de</strong>z aci<strong>de</strong>ntal por 100 mulheres no<br />

primeiro ano <strong>de</strong> uso.<br />

b Incluem espumas, cremes, geléias e supositórios vaginais<br />

c Incluindo os métodos do ritmo, muco cervical, temperatura basal e<br />

sintotérmico.<br />

d Combinação dos índices <strong>de</strong> falha <strong>de</strong> todos os métodos e abstinência<br />

períodica.<br />

A “ tabelinha” é um método construído com base em probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />

por isso sua eficácia é limita<strong>da</strong>. O funcionamento consiste em<br />

<strong>de</strong>tectar o período fértil e evitar as relações sexuais com penetração<br />

vaginal neste período. Quando não se i<strong>de</strong>ntifica com exatidão o dia <strong>da</strong><br />

ovulação, existe um alto risco <strong>de</strong> haver fecun<strong>da</strong>ção. Além do mais, o<br />

68


espermatozói<strong>de</strong> po<strong>de</strong> sobreviver <strong>de</strong> oito horas até cerca <strong>de</strong> dois ou<br />

três dias, a <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r do local <strong>da</strong> genitália feminina on<strong>de</strong> ele se<br />

encontre.<br />

Quando combinado a um espermici<strong>da</strong> o preservativo apresenta<br />

índices <strong>de</strong> falha <strong>de</strong> 0,8 a 1,9 gravi<strong>de</strong>zes por cem mulheres, no<br />

primeiro ano <strong>de</strong> uso. Observa­se que é bastante eleva<strong>da</strong> a eficácia do<br />

preservativo como método anticoncepcional, embora isto possa variar<br />

em função <strong>da</strong>s características socioeconômicas e <strong>de</strong>mográficas dos<br />

parceiros. Seus índices típicos <strong>de</strong> falha são mais elevados que os <strong>da</strong><br />

laqueadura, vasectomia e injetáveis­ métodos cujo funcionamento<br />

não requer qualquer ação por parte dos usuários. O preservativo é<br />

muito mais eficaz do que os métodos <strong>de</strong> abstinência períodica (<br />

tabelinha) e os <strong>de</strong>mais métodos <strong>de</strong> barreira.<br />

A partir <strong>de</strong>ste ano o preservativo masculino ganhou um novo<br />

aliado no combate à DST/AIDS: trata­se do FEMIDOM­ a camisinha<br />

feminina. O condon feminino foi lançado nacionalmente, em 01/12/97 ­<br />

Dia Mundial <strong>de</strong> Luta contra a AIDS. O FEMIDOM é um saco feito <strong>de</strong><br />

poliuretano, que se a<strong>da</strong>pta à vagina, preso pelos anéis flexíveis <strong>de</strong><br />

suas extremi<strong>da</strong><strong>de</strong>s. Assim como o preservativo masculino, o FEMIDOM é<br />

lubrificado e <strong>de</strong>scartável e foi inspirado pela necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

prevenção <strong>da</strong> AIDS, uma vez que ve<strong>da</strong> completamente o contato <strong>da</strong>s<br />

secreções genitais. No entanto, a disponibilização do FEMIDOM ain<strong>da</strong><br />

se encontra restrita aos órgãos <strong>de</strong> planejamento familiar. Não se po<strong>de</strong><br />

avaliar sua aceitação com precisão, uma vez que é preciso um<br />

69


espaçamento <strong>de</strong> tempo entre o lançamento e o uso sistemático para que<br />

possam ser efetua<strong>da</strong>s pesquisas mais conclusivas.<br />

2.3 CLASSIFICAÇÃO DA CAMISINHA ENQUANTO MÉTODO<br />

CONTRACEPTIVO DE BARREIRA<br />

A camisinha ,assim como o diafragma, capas cervicais, pessários,<br />

esponjas e o FEMIDOM, compõem o quadro dos métodos contraceptivos <strong>de</strong><br />

barreira. Todos estes métodos estão assim classificados porque<br />

impe<strong>de</strong>m, através <strong>de</strong> algum instrumento ou material, a passagem dos<br />

espermatozói<strong>de</strong>s através do canal cervical. 60<br />

Semanticamente barreira quer dizer, segundo o Dicionário Aurélio<br />

Buarque <strong>de</strong> Holan<strong>da</strong>, trincheira, obstáculo, lugar escarpado, toca ou<br />

loca escava<strong>da</strong> no barranco, qualquer forma <strong>de</strong> obstáculo com que a<br />

socie<strong>da</strong><strong>de</strong> dificulte o acesso a grupos ou instituições, impedindo a<br />

mobili<strong>da</strong><strong>de</strong> social.<br />

Desta forma, fazer referência ao preservativo, enquanto método<br />

<strong>de</strong> barreira, é cientificamente correto, no entanto, po<strong>de</strong> auxiliar na<br />

construção <strong>da</strong> imagem equivoca<strong>da</strong> <strong>de</strong> um objeto que impe<strong>de</strong> não só a<br />

gestação, mas o contato íntimo, a troca, o prazer.<br />

Existe um entendimento prático social no sentido <strong>de</strong> perceber a<br />

camisinha como um veto ao prazer. A rejeição ao preservativo habita<br />

a esfera <strong>da</strong> cultura, e, portanto, está presente no imaginário<br />

coletivo. Conceitos equivocados acerca do condom são apreendidos,<br />

70


incorporados, “naturalizados” e reproduzidos. Dentro do rico acervo<br />

que compõe o imaginário social em relação ao preservativo,<br />

<strong>de</strong>stacamos duas frases que retratam este estigma: “ usar camisinha<br />

é como chupar bala sem tirar o papel” ou “ é como tomar banho <strong>de</strong><br />

chuveiro usando capa <strong>de</strong> chuva”.<br />

Certamente não po<strong>de</strong>mos ignorar a existência <strong>de</strong> alguns<br />

inconvenientes que dizem respeito ao uso <strong>de</strong> camisinhas. Trazê­los a<br />

nível <strong>da</strong> discussão explícita é a única forma <strong>de</strong> buscar soluções que<br />

possam vir a atenuar esses incômodos 61 .<br />

No que tange às frases seleciona<strong>da</strong>s, ambas fazem referência à<br />

per<strong>da</strong> <strong>de</strong> sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong> causa<strong>da</strong> pelo preservativo. A forma mais<br />

eficiente <strong>de</strong> diminuir esse “ mal­estar” talvez resi<strong>da</strong> no conhecimento<br />

dos diversos mo<strong>de</strong>los e especificações existentes no mercado. Mais<br />

<strong>de</strong>licados, coloridos, menos espessos, mais resistentes, lubrificados<br />

ou não. Enfim, existem diferentes tipos <strong>de</strong> preservativo e pelo menos<br />

um <strong>de</strong>ve se a<strong>de</strong>quar às necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> usuário.<br />

Antes <strong>de</strong> formar um juízo <strong>de</strong> valor negativo e tão <strong>de</strong>finitivo em<br />

relação ao preservativo, <strong>de</strong>veríamos nos sentir estimulados a procurar<br />

um tipo mais a<strong>de</strong>quado às nossas exigências pessoais. É assim que<br />

fazemos com relação ao perfume que utilizamos, por exemplo. Nem todos<br />

os odores nos agra<strong>da</strong>m ou combinam com a química do nosso corpo. Não<br />

<strong>de</strong>sistimos <strong>de</strong> <strong>de</strong>sfrutar <strong>da</strong> magia e bem­estar proporcionados pelos<br />

perfumes porque, à primeira vista, este ou aquele não nos cai bem.<br />

60 SOS CORPO – Grupo <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> <strong>da</strong> Mulher­ Recife, op.cit., 1990, p.65.<br />

71


Até encontrarmos o nosso “ tipo i<strong>de</strong>al” <strong>de</strong> fragância, certamente<br />

teremos experimentado uma infini<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>las.<br />

Os preservativos são encontrados em diversos tamanhos e<br />

varie<strong>da</strong><strong>de</strong>s nas farmácias, supermercados e postos <strong>de</strong> planejamento<br />

familiar. A disponibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> comercialização <strong>da</strong> camisinha é um<br />

fator muito importante para o aumento <strong>da</strong> sua utilização . Não é tão<br />

aceitável a alegação do não uso por não encontrá­la disponível.<br />

Farmácias, mercearias, motéis e até mesmo banca <strong>de</strong> revistas<br />

comercializam o preservativo, sendo que em alguns estabelecimentos<br />

po<strong>de</strong>mos adiquiri­lo em qualquer hora do dia ou <strong>da</strong> noite.<br />

Se havia algum incômodo em dirigir­se ao balconista <strong>da</strong> drogaria<br />

mais próxima e pedir­lhe um preservativo, esse problema foi<br />

solucionado pela pratici<strong>da</strong><strong>de</strong> do auto­serviço <strong>da</strong>s prateleiras dos<br />

supermercados: entramos, escolhemos e pagamos sem qualquer rubor.<br />

Se a dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> acesso residir na total impossibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

aquisição através <strong>da</strong> compra, ain<strong>da</strong> assim po<strong>de</strong>mos adquirir<br />

preservativos via enti<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> planejamento familiar ou ONGS liga<strong>da</strong>s<br />

ao combate às DST/AIDS.<br />

Em Salvador, por exemplo, os usuários po<strong>de</strong>m recorrer ao COAS,<br />

Centro <strong>de</strong> Orientação e Apoio Sorológico, on<strong>de</strong> efetuarão suas<br />

inscrições, o que lhes garantirá, além <strong>de</strong> informações acerca <strong>da</strong><br />

prevenção <strong>da</strong>s DST/AIDS, uma cota mensal <strong>de</strong> 12 preservativos.<br />

61 Vi<strong>de</strong> figura 1.<br />

72


O GAPA ( Grupo <strong>de</strong> Apoio à Prevenção à AIDS) <strong>de</strong> Salvador também<br />

distribui gratuitamente camisinhas para pessoas previamente<br />

inscritas. A distribuição é feita em dias pré­<strong>de</strong>terminados e o acesso<br />

aos preservativos é assegurado aos usuários que possuem pouco po<strong>de</strong>r<br />

aquisitivo.<br />

2.3.1 O CONDOM E OS REAIS FATORES DE PROTEÇÃO ÀS DST/AIDS<br />

O condom, além <strong>de</strong> oferecer proteção aos usuários quanto ás<br />

DST/AIDS, é também indicado nos seguintes casos: prevenção <strong>de</strong><br />

gravi<strong>de</strong>z in<strong>de</strong>seja<strong>da</strong>, sendo anticonceptivo seguro, eficaz , reversível<br />

e <strong>de</strong> acesso relativamente fácil, proteção <strong>da</strong> mulher contra os riscos<br />

<strong>de</strong> doença inflamatória pélvica, e <strong>de</strong> câncer cervical causado por<br />

vírus <strong>de</strong> transmissão sexual, além <strong>de</strong> oferecer proteção <strong>da</strong>s grávi<strong>da</strong>s<br />

contra as infecções do líquido amniótico. 62<br />

No entanto, para nos certificarmos <strong>da</strong>s reais vantagens<br />

preventivas do preservativo­ em relação às DST/AIDS­ nos reportamos a<br />

uma pesquisa, realiza<strong>da</strong> em 1993, que buscou estabelecer os reais<br />

fatores <strong>de</strong> proteção às DST e Infecções do Superior, oferecidos pelos<br />

principais métodos contraceptivos, inclusive o preservativo. 63 Foram<br />

<strong>de</strong>tectados diferentes níveis <strong>de</strong> proteção. O fato <strong>de</strong> “ <strong>da</strong>r proteção”<br />

62<br />

BRASIL. Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>. Op cit. 1997, p 35.<br />

63<br />

BARNHART,K e SONDHEIMER,S. Contraception Choice and Sexualy Transmited Disease(STD). The Current<br />

Opinion<br />

in Obstetrics and Gynecology 5(6):823­828 (<strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1993).<br />

73


significa que o método possui algum efeito protetor, mas po<strong>de</strong> não<br />

impedir completamente a transmissão <strong>de</strong> enfermi<strong>da</strong><strong>de</strong>s.<br />

As DST po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong> natureza bacteriana ou virótica.Dentre as<br />

DST bacterianas po<strong>de</strong>mos citar as infecções por clamídia, gonorréia,<br />

tricomoníase, candidíase, etc. As DST viróticas incluem herpes,<br />

infecções do trato reprodutivo, AIDS e câncer cervical <strong>de</strong> origem<br />

virótica.<br />

O preservativo se <strong>de</strong>staca neste cenário <strong>de</strong> métodos<br />

contraceptivos, uma vez que é o único capaz <strong>de</strong> oferecer forte<br />

proteção contra as DST, tanto <strong>de</strong> origem bacteriana, como as <strong>de</strong><br />

origem virótica, em especial a AIDS, bem assim <strong>da</strong>s infecções do<br />

aparelho reprodutor superior.<br />

Os métodos naturais como abstinência períodica (utilização <strong>de</strong><br />

“tabelinha”) não oferecem qualquer proteção em relação às DST/AIDS e<br />

Infecções do Aparelho Reprodutor Superior. Isto porque o método<br />

consiste em perceber o ritmo do próprio ciclo menstrual, localizar o<br />

período fértil e evitar as relações sexuais com penetração vaginal<br />

apenas neste período. Nos outros dias do ciclo, a ejaculação na<br />

região vaginal é permiti<strong>da</strong>.<br />

Já o diafragma, oferece boa proteção entre as DST bacterianas e<br />

IARS, no entanto, em relação às DTS <strong>de</strong> origem virótica, os estudos<br />

74


apontam apenas um certo grau <strong>de</strong> proteção contra o câncer cervical 64 . O<br />

herpes e a AIDS não são enquadrados nesta cobertura.<br />

O DIU, por sua vez, em função do seu processo <strong>de</strong> funcionamento<br />

que suscita inflamações, aumenta o risco <strong>de</strong> se contrair DST<br />

bacterianas e IARS. De outro passo, o Dispositivo não oferece<br />

qualquer proteção contra as DST viróticas.<br />

Esta pesquisa <strong>de</strong>monstra ain<strong>da</strong> que o uso <strong>de</strong> hormonais orais<br />

aumenta o risco <strong>de</strong> clamídia, não oferecendo proteção quanto às DST<br />

viróticas. As pílulas oferecem boa proteção quanto as Infecções do<br />

Aparelho reprodutor superior.<br />

Os hormonais injetáveis não oferecem qualquer proteção com<br />

relação as DST/AIDS <strong>de</strong> um modo geral, e quanto as Infecções do<br />

Aparelho Reprodutor Superior(IARS), não há <strong>da</strong>dos suficientes que<br />

apontem para a comprovação esta cobertura.<br />

Dos meios cirúrgicos, foi <strong>de</strong>tecta<strong>da</strong> proteção parcial quanto às<br />

IARS, apenas no caso <strong>da</strong> laqueadura tubária.<br />

Deste modo, po<strong>de</strong>mos concluir pelas vantagens profiláticas do<br />

preservativo, mesmo em relação aos métodos que <strong>de</strong>tém a preferência<br />

dos usuários <strong>de</strong> contraceptivos atualmente.<br />

64 O Câncer cervical está intimamente relacionado à procriação freqüente e precoce e, também, às infecções do aparelho<br />

reprodutor.<br />

75


2.4 ASPECTOS SOCIO­CULTURAIS IMPLICADOS NO USO DA CAMISINHA<br />

E SUA RELAÇÃO COM A EPIDEMIA DA AIDS<br />

O conhecimento <strong>de</strong> que a camisinha representa a garantia <strong>da</strong><br />

continui<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> práticas sexuais penetrativas, com segurança, não<br />

implica, necessariamente, mu<strong>da</strong>nça <strong>de</strong> comportamento por parte <strong>da</strong><br />

população. Nesse sentido, é preciso compreen<strong>de</strong>r que existem vários<br />

aspectos socio­culturais que interferem diretamente na <strong>de</strong>cisão pelo<br />

uso do preservativo.<br />

A maioria dos homens e mulheres acham dispensável o uso <strong>da</strong><br />

camisinha em relações estáveis, consi<strong>de</strong>rando o seu uso mais<br />

apropriado para as relações casuais ou em fase <strong>de</strong> conhecimento<br />

inicial.<br />

A proposição do uso <strong>da</strong> camisinha suscita questões <strong>de</strong> gênero, diz<br />

respeito a atitu<strong>de</strong>s que envolvem po<strong>de</strong>r e prazer.<br />

Não é a mulher quem “veste a camisinha”, mas sim o homem e,<br />

portanto, a forma possível <strong>de</strong> resolver esse impasse é a negociação.<br />

No entanto, para as mulheres entra em jogo um risco mais imediato<br />

neste momento: o medo <strong>da</strong> discriminação, <strong>da</strong> per<strong>da</strong> do parceiro e do<br />

status.<br />

A mulher, para propor o uso do preservativo, terá que<br />

justificá­lo em uma <strong>da</strong>s duas funções: anticonceptiva ou preventiva <strong>de</strong><br />

DST/AIDS. Para a primeira função, existem, em contraparti<strong>da</strong>, outros<br />

contraceptivos eficazes e mais práticos, tais como a pílula e o<br />

D.I.U., que não prescin<strong>de</strong>m <strong>da</strong> intermediação do parceiro.<br />

76


Como preventivo, o preservativo envolve outros critérios além <strong>de</strong><br />

valores relacionados à saú<strong>de</strong>. O uso <strong>da</strong> camisinha traz à tona a idéia<br />

<strong>de</strong> comportamentos sexuais irregulares ou <strong>de</strong>sviantes do mo<strong>de</strong>lo<br />

monogâmico.<br />

2.4.1 A CAMISINHA COLOCANDO EM CHEQUE AS QUESTÕES DE<br />

GÊNERO, O MACHISMO E A FIDELIDADE<br />

A camisinha como elemento inserido <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> complexa e priva<strong>da</strong><br />

esfera <strong>da</strong> sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong>, envolve questões <strong>de</strong> gênero e uma série <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>terminantes culturais, tais como machismo e infi<strong>de</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

As questões <strong>de</strong> gênero são, no limite, as <strong>de</strong>finições <strong>de</strong><br />

masculini<strong>da</strong><strong>de</strong> e feminili<strong>da</strong><strong>de</strong>: revelam a existência <strong>de</strong> diferentes<br />

papéis sociais para o homem e para a mulher. Este estado <strong>de</strong> oposição<br />

fun<strong>da</strong>mental está presente em to<strong>da</strong> a vi<strong>da</strong> cotidiana:<br />

“À exploração <strong>da</strong> mulher pelo homem, característica <strong>de</strong> outros<br />

tipos <strong>de</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> ou <strong>de</strong> organização social, mas nota<strong>da</strong>mente do<br />

tipo patriarcal­agrário­ tal como o que dominou longo tempo no<br />

Brasil­ convém a extrema especialização ou diferenciação dos<br />

sexos. Por essa diferenciação exagera<strong>da</strong>, se justifica o chamado<br />

padrão duplo <strong>de</strong> morali<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>da</strong>ndo ao homem to<strong>da</strong>s as liber<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> gozo físico do amor e limitando o <strong>da</strong> mulher a ir para a cama<br />

com o marido, to<strong>da</strong> a santa noite em que ele estiver disposto a<br />

77


procriar: Gozo acompanhado <strong>de</strong> obrigação, para mulher, <strong>de</strong><br />

conceber, parir, ter filho, criar menino.” 65<br />

Atualmente essas noções foram recicla<strong>da</strong>s, sofrendo ajustes aqui<br />

e ali, mas continuam váli<strong>da</strong>s em sua essência. O machismo é um<br />

comportamento social, que segue a lógica do regime patriarcal: o<br />

homem é a imagem do sexo forte e nobre; a mulher, o fraco e belo.<br />

Dispondo <strong>de</strong>sta “superiori<strong>da</strong><strong>de</strong> física e moral”, o homem gozava do<br />

privilégio <strong>da</strong> liber<strong>da</strong><strong>de</strong> sexual quase absoluta. O patriarca mantinha<br />

relações sexuais com sua mulher, amantes e concubinas. 66 Seus filhos<br />

eram estimulados a ter uma vi<strong>da</strong> sexual ativa precocemente. 67<br />

No caso específico <strong>da</strong> mulher há que se consi<strong>de</strong>rar que, como não<br />

é ela quem utiliza a camisinha, a <strong>de</strong>cisão pelo uso <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá <strong>de</strong><br />

negociação com o seu parceiro e do grau <strong>de</strong> abertura para o diálogo<br />

existente nesta relação. Algumas mulheres não ousam pedir o uso do<br />

preservativo com medo <strong>de</strong> sofrerem agressões físicas ou <strong>de</strong> serem<br />

abandona<strong>da</strong>s.<br />

Para o homem o uso <strong>da</strong> camisinha, além <strong>de</strong> impor uma rotina sexual<br />

diferente, remete a questões bastante <strong>de</strong>lica<strong>da</strong>s. Segundo Eloíse<br />

Andra<strong>de</strong>, assistente social do COAS ( Centro <strong>de</strong> Orientação e Apoio<br />

Sorológico), a utilização <strong>da</strong> camisinha envolve pelo menos 2 fatores:<br />

65 FREYRE, Gilberto. Decadência do patriarcado rural e <strong>de</strong>senvolvimento urbano.6 a . ed.Rio <strong>de</strong> Janeiro: Livraria José<br />

Olympio editora, 1981. Pg 93.<br />

66 PARKER, R.1991.Op cit., p 59.<br />

67 _________.Op cit., p 58 e 61.<br />

78


1­medo <strong>da</strong> impotência: <strong>de</strong>vido à interrupção do ato sexual para<br />

colocação do preservativo, existe o temor <strong>de</strong> não conseguir segurar a<br />

ereção.<br />

2­medo <strong>da</strong> comparação: durante a colocação do preservativo, to<strong>da</strong>s as<br />

atenções são volta<strong>da</strong>s para o pênis que é exposto e nesse momento sua<br />

dimensão e rigi<strong>de</strong>z po<strong>de</strong>m ser melhor analisa<strong>da</strong>s pela(o) parceira (o).<br />

Para diferentes tipos <strong>de</strong> relação, teremos diferentes formas <strong>de</strong><br />

nos relacionar com o preservativo. 68 Sua proposição envolve as<br />

especifici<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong>s relações interpessoais, sejam elas: estáveis ­<br />

casamentos ou uniões consensuais­, não estáveis ­ pessoas solteiras­,<br />

extraconjugais­ envolvimentos casuais com uma terceira pessoa, ou,<br />

ain<strong>da</strong>, a condição <strong>de</strong> “amante”­ ou homossexuais.<br />

2.4.2 0 PRESERVATIVO NAS RELAÇÕES ESTÁVEIS:<br />

É difícil imaginar que casais que nunca conversaram sobre a sua<br />

vi<strong>da</strong> sexual possam discutir o uso <strong>da</strong> camisinha ou <strong>de</strong> questões como as<br />

Doenças Sexualmente Transmissíveis e a AIDS, após anos <strong>de</strong> convívio<br />

sem nunca haver externado qualquer preocupação nesse sentido.<br />

Muitos homens não admitem que uma mulher possa propor­lhes o uso<br />

do preservativo. A mulher que carrega camisinha na bolsa teme ser<br />

vista como fácil, ofereci<strong>da</strong> ou experiente <strong>de</strong>mais 69 . Esse <strong>da</strong>do aponta<br />

para a representação do papel sexual <strong>da</strong> mulher num contexto on<strong>de</strong> a<br />

68 TERTO, V. 1992.Op. Cit p. 119.<br />

69 BRASIL.Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>. 1997.Op cit., p 71.<br />

79


passivi<strong>da</strong><strong>de</strong> é o comportamento esperado e legitimado, inclusive pelas<br />

próprias mulheres.<br />

Não é <strong>da</strong>do à mulher tomar iniciativas neste campo, pois tal<br />

atitu<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ser vista com <strong>de</strong>sconfiança pelo parceiro.<br />

Tal proposição suscita a questão <strong>da</strong> fi<strong>de</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> 70 . Ora, se o casal<br />

mantém uma relação monogâmica, por que necessitaria lançar mão do uso<br />

<strong>da</strong> camisinha? Neste sentido, propor a utilização do preservativo<br />

po<strong>de</strong>ria equivaler a colocar em dúvi<strong>da</strong> o comportamento do homem ou <strong>da</strong><br />

mulher. Desta forma muitos casais, e principalmente as mulheres,<br />

optam por “ apostar no parceiro” ao invés <strong>de</strong> tentar estabelecer um<br />

diálogo franco, maduro e sincero.<br />

To<strong>da</strong>via, a proposta do diálogo po<strong>de</strong> ser inócua se não levarmos<br />

em conta as diferenças <strong>de</strong> gênero, nos diversos segmentos <strong>da</strong><br />

população. Para serem eficazes, as propostas <strong>de</strong> prevenção têm que se<br />

encaixar num quadro <strong>de</strong> significados constituído com vivências e<br />

experiências <strong>de</strong> êxitos e <strong>de</strong>rrotas que as mulheres trazem <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />

si, principalmente as cama<strong>da</strong>s médias e baixas urbanas, menos<br />

informa<strong>da</strong>s, <strong>de</strong> menores recursos, on<strong>de</strong> a epi<strong>de</strong>mia se espalha<br />

silenciosamente. Antes <strong>de</strong> exigir mu<strong>da</strong>nças em comportamentos sexuais<br />

arraigados, temos que conhecer o significado simbólico <strong>de</strong>ssas medi<strong>da</strong>s<br />

e a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> prática <strong>de</strong> adotá­las. 71<br />

2.4.2 O PRESERVATIVO NAS RELAÇÕES NÃO ESTÁVEIS<br />

70 Não invocaremos aqui qualquer juízo e valor a este respeito.<br />

80


As pessoas solteiras, que possuem uma maior varie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

parceiros, quando envolvi<strong>da</strong>s em relações eventuais <strong>de</strong>sprotegi<strong>da</strong>s ­<br />

sem o uso <strong>da</strong> camisinha­, estão mais propensas à exposição às<br />

DST/AIDS. É o chamado comportamento <strong>de</strong> risco.<br />

Numa cultura machista, o comportamento do “garanhão” é altamente<br />

valorizado. Quanto mais “vítimas forem abati<strong>da</strong>s” , maior o<br />

prestígio diante do grupo a que o jovem pertence 72 .<br />

Por outro lado, as mulheres também positivam este comportamento,<br />

uma vez que esperam relacionar­se com “atletas sexuais”, o que<br />

representa o reforço do mito do “latin lover”. O homem que “dá quatro<br />

sem tirar”, certamente não po<strong>de</strong> utilizar camisinha, até porque este<br />

comportamento é contrário às instruções <strong>de</strong> uso. Curiosamente, um dos<br />

maiores amantes <strong>de</strong> que a literatura tem notícia, Casanova, não só<br />

utilizava, como também recomen<strong>da</strong>va o uso do preservativo.<br />

A lógica que estimula uma maior quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> e varie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

encontros não visa ser analisa<strong>da</strong> sob o aspecto moral mas,<br />

responsabilizante. A plurali<strong>da</strong><strong>de</strong> sexual é uma opção <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> um,<br />

to<strong>da</strong>via os cui<strong>da</strong>dos preventivos com a saú<strong>de</strong> do outro, no sentido <strong>da</strong><br />

proteção efetiva, quase sempre ficam em segundo plano.<br />

2.4.3 A CAMISINHA NAS RELAÇÕES EXTRA­CONJUGAIS<br />

71 PARKER, R.1994.Op cit., p 221.<br />

72 _________. 1991.Opc cit.,p70<br />

81


O uso <strong>da</strong> camisinha ain<strong>da</strong> está fortemente associado a<br />

comportamentos percebidos como “ promíscuos”, “ irregulares” ou “<br />

<strong>de</strong>sviantes” 73 .<br />

Concretamente, o significado <strong>de</strong> fi<strong>de</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> acaba por ser muito<br />

relativo. Para uma pessoa, promiscui<strong>da</strong><strong>de</strong> po<strong>de</strong> significar transar com<br />

<strong>de</strong>z pessoas diferentes no ano. Para outras, 500 pessoas. Uma po<strong>de</strong><br />

diminuir seus parceiros <strong>de</strong> 10 para 5 e outra <strong>de</strong> 500 para 100. Alguns<br />

tem relações monogâmicas a ca<strong>da</strong> ano ou a ca<strong>da</strong> seis meses 74 .<br />

As prostitutas, por exemplo, sempre foram submeti<strong>da</strong>s ao<br />

preconceito e ao <strong>de</strong>scaso <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>. Dentre seus clientes, no<br />

entanto, sempre houve um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> homens casados. Muitos<br />

<strong>de</strong>les alegam que quando “ pulam a cerca” sempre usam camisinha;<br />

outros, negam­se a utilizar preservativos e até pagam a mais por<br />

isso.<br />

O fato é que muitas mulheres que hoje estão infecta<strong>da</strong>s pelo<br />

vírus HIV tiveram relações sexuais apenas com um parceiro, durante<br />

to<strong>da</strong> a vi<strong>da</strong>. Este acontecimento fez cair por terra a tese dos “<br />

grupos <strong>de</strong> risco” . A que “grupo <strong>de</strong> risco” pertenceria esta mulher?<br />

Existe uma dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> real <strong>de</strong> introduzir o uso do preservativo numa<br />

relação entre pessoas casa<strong>da</strong>s há anos, sendo que um <strong>de</strong>les ou ambos<br />

tem relações extra conjugais. Ain<strong>da</strong> que a existência “ <strong>da</strong> outra”<br />

possa ser percebi<strong>da</strong>, no caso <strong>de</strong> algumas mulheres é vivencia<strong>da</strong> em<br />

silêncio.<br />

73 BRASIL. Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>.1997.Op. cit. Id.Ibid.<br />

82


2.4.5 O USO DA CAMISINHA NAS RELAÇÕES HOMOSSEXUAIS<br />

O código 302 <strong>da</strong> OMS incluía a homossexuali<strong>da</strong><strong>de</strong> como <strong>de</strong>svio<br />

sexual. No Brasil, em 1985, o Conselho Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Medicina tornou sem<br />

efeito aquela classificação 75 .<br />

A visão preconceituosa e estigmatizante <strong>da</strong>s pessoas que possuem<br />

este tipo <strong>de</strong> orientação sexual, impe<strong>de</strong>, muitas vezes, que se enxergue<br />

a importância <strong>de</strong>sse grupo, na proposição do uso <strong>da</strong> camisinha, como<br />

uma <strong>da</strong>s formas <strong>de</strong> sexo seguro. Foi o movimento gay americano quem<br />

criou, em 1983, o SAFER SEX: uma série <strong>de</strong> medi<strong>da</strong>s <strong>de</strong> segurança<br />

elabora<strong>da</strong>s como resposta à proibição <strong>da</strong>s práticas homossexuais, ante<br />

ao perigo eminente <strong>da</strong> AIDS. A síndrome fora batiza<strong>da</strong>, naquele<br />

momento, como “peste gay”.<br />

Mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong>pois, constatou­se que os homossexuais<br />

passaram , efetivamente, a utilizar medi<strong>da</strong>s preventivas, inclusive<br />

fazendo uso <strong>da</strong> camisinha, como forma <strong>de</strong> se protegerem contra o<br />

preconceito e o HIV.<br />

O panorama <strong>da</strong> AIDS se reverteu, em função <strong>da</strong> varie<strong>da</strong><strong>de</strong> dos<br />

hábitos, parceiros e gostos homo, bi e/ou heterossexuais, em<br />

práticas <strong>de</strong>sprotegi<strong>da</strong>s. Atualmente quase 70% dos casos <strong>de</strong> HIV/AIDS<br />

referem­se à transmissão heterossexual 76 .<br />

A camisinha nas relações homossexuais, evi<strong>de</strong>ntemente, não tem<br />

valor contraceptivo. Sua utilização , nesses casos, só tem sentido<br />

74 TERTO,V.1992.Op cit. P 120.<br />

75 MacRae, Edward. A homossexuali<strong>da</strong><strong>de</strong> in Macho Masculino Homem.Porto Alegre: LP&M 1986 p 71<br />

76 TERTO,V.1992.Op cit . p 121<br />

83


como fator profilático. Os cui<strong>da</strong>dos a serem tomados são os mesmos que<br />

dizem respeito às práticas do coito anal <strong>de</strong> maneira geral.<br />

Quanto à varie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> parceiros, as recomen<strong>da</strong>ções são idênticas<br />

às estabeleci<strong>da</strong>s nas relações heterossexuais.<br />

No caso <strong>da</strong>s homossexuais femininas, entretanto, existe uma<br />

particulari<strong>da</strong><strong>de</strong> 77 . Como fazem uso compartilhado do vibrador, é<br />

necessária a utilização <strong>de</strong> preservativos individuais, durante o<br />

intercurso sexual, a fim <strong>de</strong> que não haja contato recíproco com as<br />

secreções íntimas.<br />

Vale ressaltar que também os homossexuais mantém relações<br />

monogâmicas e duradouras, o que lhes permite conversar e <strong>de</strong>cidir<br />

pelo uso ou não <strong>de</strong> preservativos, mediante precauções tais como o<br />

exame <strong>de</strong> soropositivi<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

2.4.6 PROBLEMATIZANDO A RELAÇÃO USO/NÃO USO<br />

O esforço preventivo <strong>de</strong>ve aglutinar os mais diversos grupos que<br />

se ocupem <strong>de</strong> informar, orientar e acompanhar os ci<strong>da</strong>dãos. Isto<br />

implica, também, prestigiar atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> grupos cujo raio <strong>de</strong> ação é<br />

mais restrito, que recomen<strong>da</strong>m a abstinência e a fi<strong>de</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> mútua ao<br />

público que está sob sua influência direta. Afinal, embora não esteja<br />

ao alcance <strong>da</strong> maior parte <strong>da</strong> população, que na sua intimi<strong>da</strong><strong>de</strong> é pouco<br />

vulnerável a motivações ético­religiosas, a abstinência sexual e a<br />

fi<strong>de</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> mútua são também formas <strong>de</strong> prevenção.<br />

77 vi<strong>de</strong> figura 3 e 4<br />

84


No entanto, trazer essas “ ban<strong>de</strong>iras moralizantes” para o<br />

universo <strong>da</strong>s campanhas é menos recomendável. Esta advertência já<br />

fôra feita por Daniel Bougnoux, enquanto analisava algumas campanhas<br />

anti­AIDS: “ A sensibilização é mais eficaz que o discurso<br />

moralizante ou doutrinário. 78<br />

Algumas campanhas anti­AIDS chegaram a pregar a diminuição dos<br />

parceiros, a monogamia e a fi<strong>de</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> como armas efetivas na luta<br />

contra o vírus. Outras, ain<strong>da</strong>, rechaçaram completamente práticas como<br />

o sexo anal e oral, sob pena <strong>de</strong> contaminação.<br />

Com base na análise freudiana dos mecanismos do <strong>de</strong>sejo,<br />

realização e orgasmo, po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>preen<strong>de</strong>r que a sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong> humana é<br />

muitíssimo mais diversa e complexa do que aquilo que é normatizado,<br />

falado e até pensado. 79 Qualquer tentativa <strong>de</strong> propor modificações<br />

bruscas no comportamento sexual visando coibir relacionamentos e<br />

práticas que envolvem po<strong>de</strong>r e prazer são pouco eficazes.<br />

“ A própria noção <strong>de</strong> proibição, entretanto, também implica a<br />

possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> transgressão­ uma possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> que é também<br />

<strong>de</strong>fini<strong>da</strong> culturalmente. Para os brasileiros, é no domínio do erótico<br />

( visto publicamente como um campo eminentemente privado) que a<br />

78 BOUGNOUX, Daniel.Introdução às ciências <strong>da</strong> informação e <strong>da</strong> comunicação. Petrópolis:Vozes,1994 p. 174.<br />

79 PARKER,Richard. et al. A AIDS no Brasil. Rio <strong>de</strong> Janeiro. Relume:Dumará. ABIA.MS. UERJ.1994, p.33.<br />

85


transgressão sexual não apenas se torna possível, mas, na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />

altamente valoriza<strong>da</strong>. 80 ”<br />

A proibição exerce um gran<strong>de</strong> fascínio sobre os indivíduos. Ao<br />

invés <strong>de</strong> afastar as pessoas do “ perigo” , acaba por exercer uma<br />

forte atração, instigando­as a transgredir. A atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> transgressão<br />

na esfera sexual é altamente positiva<strong>da</strong> culturalmente. O Brasil, em<br />

especial, cultua vários mitos em relação à sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>de</strong>ntre os<br />

quais “ entre quatro pare<strong>de</strong>s tudo é possível”. Esse clima <strong>de</strong> extrema<br />

permissivi<strong>da</strong><strong>de</strong> que diz respeito à intimi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s pessoas, <strong>de</strong> repente<br />

viu­se afrontado pelo controle e negação <strong>da</strong>s possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

obtenção <strong>de</strong> prazer.<br />

“As Políticas públicas <strong>de</strong> prevenção <strong>da</strong> AIDS acabam por<br />

atuar e intervir no espaço íntimo do quarto, <strong>da</strong> cama.<br />

Instauram o medo, freiam os prazeres, oferecendo como<br />

recompensa uma vi<strong>da</strong> regra<strong>da</strong> sem paixões ou excessos, on<strong>de</strong><br />

reina a saú<strong>de</strong> e a or<strong>de</strong>m. Aqui no Brasil o valor sagrado é<br />

o <strong>da</strong> liber<strong>da</strong><strong>de</strong> individual <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r escolher afetos e<br />

prazeres, sendo inadmissível a interferência <strong>de</strong><br />

terceiros. Além <strong>de</strong> violar essa liber<strong>da</strong><strong>de</strong>, a lógica <strong>da</strong><br />

80 _____________Corpos Prazeres e paixões. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Best seller.1991, p 18.<br />

86


prevenção tinge o espaço íntimo do prazer com o amargor<br />

<strong>da</strong> morte espectro esse que todos querem a maior distância<br />

(sic).” 81<br />

São vários os fatores que <strong>de</strong>terminam a não utilização <strong>da</strong><br />

camisinha mesmo após o surgimento <strong>da</strong> AIDS. Sobre este aspecto, o<br />

professor José Ricardo Ayres, titular do Departamento <strong>de</strong> medicina<br />

preventiva <strong>da</strong> <strong>Facul<strong>da</strong><strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Medicina <strong>da</strong> USP, colheu <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong><br />

adolescentes <strong>de</strong> diversas classes sociais no ví<strong>de</strong>o “Vulnerabili<strong>da</strong>ids”,<br />

<strong>de</strong>stinado a educadores e profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. O professor aponta<br />

os principais motivos para o não uso <strong>da</strong> camisinha, quais sejam:<br />

dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> acreditar que são “ mortais”, o que tem relação<br />

direta com a idéia <strong>de</strong> que “a AIDS não é problema meu”. “ Eu estou num<br />

patamar inalcançável pelo vírus”, dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> conciliar o que<br />

acham certo com o que têm vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer, o prazer <strong>de</strong> experimentar<br />

e transgredir, necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> se afirmar perante o grupo. Outros,<br />

ain<strong>da</strong>, são tão pobres e vivem uma reali<strong>da</strong><strong>de</strong> tão violenta e sem<br />

perspectivas que não vêem motivos para se previnir. 82<br />

Em Campinas, São Paulo, no ano <strong>de</strong> 1991 foram ouvidos 305 homens<br />

jovens dos 18 aos 30 anos, a maioria solteiros, distribuídos em 3<br />

categorias: estu<strong>da</strong>ntes universitários, bancários, operários, sendo<br />

que estes ain<strong>da</strong> foram divididos em dois setores, isto é, indústria e<br />

81 _____________.et al. A AIDS no Brasil. 1994,op cit, p 229.<br />

87


construção civil. Cerca <strong>de</strong> 80% dos entrevistados já tinham usado o<br />

preservativo alguma vez, sendo que a maior proporção <strong>de</strong> uso<br />

verificou­se entre os bancários (84%), seguidos dos universitários:<br />

80%, operários <strong>da</strong> indústria 76%, cabendo aos operários <strong>da</strong> construção<br />

civil o menor percentual <strong>de</strong> uso 74%.<br />

Aos que disseram nunca ter usado camisinha, foi questiona<strong>da</strong> a<br />

razão para o não uso. As “ alterações no prazer”, “a falta <strong>de</strong> hábito<br />

no uso do preservativo” ou “ cui<strong>da</strong>dos na seleção <strong>da</strong> parceira” e o “<br />

uso <strong>de</strong> outro anticoncepcional pela parceira” foram as principais<br />

razões alega<strong>da</strong>s.<br />

Distribuição percentual <strong>da</strong>s razões alega<strong>da</strong>s para nunca terem usado<br />

preservativos, segundo a categoria dos entrevistados<br />

RAZÕES DO<br />

NÃO­USO<br />

BANCÁRIOS ESTUDANTES<br />

UNIVERSIT.<br />

OP.CONST.<br />

CIVIL<br />

82 Caros Amigos. Editora casa Amarela.Ano 1, no.7 outubro/97 p.19.<br />

OPERÁRIOS<br />

INDÚSTRIA<br />

88


Tira o<br />

prazer<br />

Falta <strong>de</strong><br />

hábito<br />

Seleção <strong>da</strong><br />

parceira<br />

Usa outro<br />

método<br />

Sem<br />

resposta<br />

Outras<br />

razões*<br />

50,0 35,0 23,1 0,0<br />

0,0 25,0 46,1 16,7<br />

0,0 0,0 15,4 41,7<br />

25,0 20,0 0,0 16,7<br />

6,2 0,0 0,0 8,3<br />

18,8 20,0 15,4 16,6<br />

TAB 3­ Fonte: BERQUÓ e SOUZA, 1994.<br />

* Incluindo “ insatisfação quanto à resistência do material”<br />

“queixas contra a textura e anatomia <strong>da</strong> camisinha” e o “ preço<br />

elevado do produto”.<br />

As alterações no prazer preocupam, sobretudo, os bancários e<br />

universitários, correspon<strong>de</strong>ndo a 50% e 35%, respetivamente. Os<br />

operários <strong>da</strong> construção civil também relatam o mesmo motivo mas,<br />

surpreen<strong>de</strong>ntemente, nenhum dos operários <strong>da</strong> indústria alegou tal<br />

razão para o não uso.<br />

No entanto, as queixas relata<strong>da</strong>s foram fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong>s em<br />

experiências vivencia<strong>da</strong>s por amigos, parentes ou pelos parceiros, uma<br />

89


vez que os próprios entrevistados disseram nunca ter usado o<br />

preservativo. Esse <strong>da</strong>do é salutar quando pensamos sobre a formação <strong>da</strong><br />

imagem pública <strong>da</strong> camisinha. A reprodução do chavão “ é como chupar<br />

bala com papel” po<strong>de</strong> ser tão <strong>de</strong>cisiva que é capaz <strong>de</strong> levar os<br />

indivíduos a rechaçarem a camisinha sem nunca tê­la experimentado.<br />

O fato <strong>de</strong> os parceiros estarem usando “ outro método<br />

anticoncepcional” é motivo para que cerca <strong>de</strong> 15% dos entrevistados­<br />

com exceção dos operários <strong>da</strong> construção civil­ <strong>de</strong>ixem <strong>de</strong> se preocupar<br />

com o uso <strong>da</strong> camisinha. Na concepção <strong>de</strong>stes a camisinha sem dúvi<strong>da</strong><br />

<strong>de</strong>sempenha apenas a função contraceptiva. A falta <strong>de</strong> hábito também<br />

chama a atenção em todos os grupos, exceto os bancários.<br />

Outro fator preocupante é a não utilização por seleção <strong>da</strong><br />

parceira. Quais os critérios utilizados por estes jovens para fazer<br />

crer que as pessoas com as quais se relacionam não estão contamina<strong>da</strong>s<br />

por alguma DST ou mesmo AIDS?<br />

O uso <strong>da</strong> camisinha não implica a criação <strong>de</strong> um clima tenso <strong>de</strong><br />

terror e <strong>de</strong>sconfiança, nem sugere a existência <strong>de</strong> um infiel em<br />

potencial em ca<strong>da</strong> um <strong>de</strong> nós. Muito pelo contrário, a utilização <strong>da</strong><br />

camisinha é uma opção consciente e <strong>de</strong>ve ser discuti<strong>da</strong> pelo casal. O<br />

diálogo é um fator imprescindível para a <strong>de</strong>cisão pelo uso<br />

consistente. Até mesmo porque, numa relação madura, é possível que<br />

num <strong>de</strong>terminado momento o casal opte por um outro método<br />

contraceptivo e para tanto é necessário o conhecimento mútuo,<br />

po<strong>de</strong>ndo esta <strong>de</strong>cisão ser precedi<strong>da</strong> pela realização <strong>de</strong> exames <strong>de</strong> AIDS.<br />

A camisa é <strong>de</strong> vênus, não é <strong>de</strong> força.Confirma<strong>da</strong> a inexistência <strong>de</strong><br />

90


soropositivi<strong>da</strong><strong>de</strong> em ambos os parceiros, na<strong>da</strong> impe<strong>de</strong> que estes optem<br />

por outra forma <strong>de</strong> contracepção. A responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ambos,<br />

entretanto, aumenta, sendo que acaso envolvidos em relações extra<br />

conjugais, <strong>de</strong>ve haver o uso do preservativo, como forma <strong>de</strong> proteção.<br />

Na hipótese <strong>de</strong> soropositivi<strong>da</strong><strong>de</strong> ( exame <strong>de</strong>tectando a presença <strong>de</strong><br />

anticorpos do vírus na corrente sanguínea) em algum ou ambos os<br />

parceiros, ain<strong>da</strong> que sem quaisquer manifestações <strong>da</strong> síndrome, o uso<br />

<strong>de</strong> camisinha é mais do que necessário. Na primeira <strong>da</strong>s hipóteses,<br />

porque evita a contaminação do parceiro saudável. Na segun<strong>da</strong>, porque<br />

estarão contaminando­se mais um ao outro, na medi<strong>da</strong> em que enviam uma<br />

dose extra <strong>de</strong> vírus, através do sêmen ou secreções vaginais. Quanto<br />

maior quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> vírus na corrente sanguínea, maior a<br />

possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> manifestação tanto <strong>de</strong> outras infecções quanto <strong>da</strong>s<br />

chama<strong>da</strong>s doenças oportunistas a exemplo <strong>da</strong> tuberculose.<br />

Um <strong>da</strong>do animador indicado na pesquisa referi<strong>da</strong> é o nível <strong>de</strong><br />

conhecimento sobre as principais medi<strong>da</strong>s <strong>de</strong> prevenção <strong>da</strong>s DST/AIDS<br />

ser relativamente elevado. Cerca <strong>de</strong> 83% dos entrevistados reportaram­<br />

se, pelo menos a uma medi<strong>da</strong> eficaz. O uso consistente <strong>da</strong> camisinha<br />

apareceu sempre em primeiro lugar em todos os grupos entrevistados­ a<br />

exceção dos bancários­ tendo sido referido por 44,2% dos<br />

entrevistados, com a predominância dos operários <strong>da</strong> indústria<br />

(53,5%) e construção civil (50%) seguidos pelos bancários (38,1%) e<br />

estu<strong>da</strong>ntes universitários (35,4%). Esta aparente contradição apenas<br />

espelha a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> social <strong>de</strong>sses operários que recorrem com mais<br />

freqüência aos serviços <strong>da</strong>s prostitutas, o que justificaria, <strong>de</strong><br />

91


acordo com as crenças e valores expressos na pesquisa, um uso mais<br />

consistente <strong>da</strong> camisinha.<br />

2.4.7 A CAMISINHA E AS INTERDIÇÕES RELIGIOSAS<br />

“ Quem po<strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r diante <strong>da</strong> <strong>de</strong>vastadora reali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong><br />

incidência <strong>da</strong> AIDS em todo o mundo, que representantes <strong>de</strong> Deus na<br />

Terra venham dizer que a camisinha contraria os <strong>de</strong>sígnios <strong>da</strong><br />

providência?”. 83<br />

A Igreja, enquanto instituição religiosa, exerce forte<br />

influência na formação moral dos brasileiros, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a colonização.<br />

O mundo católico é constituído por relações dualísticas: bem e<br />

mal, luz e trevas, carne e espírito. 84<br />

A vi<strong>da</strong> carnal sempre foi oposta à vi<strong>da</strong> espiritual. Nesse<br />

contexto, é sempre evoca<strong>da</strong> a noção <strong>de</strong> pecado. Há uma varie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

comportamentos que se afiguram como pecados carnais: gula, cobiça,<br />

avareza...mas, acima <strong>de</strong> tudo, os pecados <strong>da</strong> carne se referem ao sexo.<br />

Dentro <strong>da</strong> tradição católica , o sexo é legitimado pelo casamento<br />

e suas finali<strong>da</strong><strong>de</strong>s restringem­se à perpetuação <strong>da</strong> espécie. Fora<br />

disso, o sexo é pecado. “(...) Adultério, poligamia, prostituição,<br />

sodomia, incesto, aborto... Tudo isto é pecado.” 85<br />

83 GONÇALVES, Mario Augusto. De Roma a Acopiara. Folha <strong>de</strong> São Paulo, 29 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 95, pg 18.<br />

84 PARKER, Richard.1991. Op cit., p 115­116.<br />

85 ___________.1991.Op cit, p 117.<br />

92


A transgressão sexual torna­se crime moral e o próprio pecador<br />

converte­se em criminoso. O sexo torna­se ele mesmo fonte <strong>de</strong> perigo,<br />

<strong>de</strong> contaminação e até mesmo do mal que se exerce no corpo e se<br />

enraiza na alma. 86 Nesse sentido, a AIDS representa a suprema<br />

metáfora­ uma tentadora superposição <strong>de</strong> fantasias. A constituição <strong>da</strong><br />

AIDS enquanto “doença do pecado” revela a dimensão dos perigos do<br />

sexo, quando suas práticas não se alinham aos padrões socialmente<br />

aceitáveis.<br />

O que dizer <strong>da</strong>s relações homossexuais que nem se afiguram como<br />

reprodutoras, tão pouco são passíveis <strong>de</strong> recebimento <strong>da</strong>s benções<br />

matrimoniais? Inscrever tais práticas como pecaminosas ou conferir a<br />

estas pessoas um caráter <strong>de</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia <strong>de</strong> segun<strong>da</strong> classe, <strong>de</strong> na<strong>da</strong><br />

adianta. Principalmente se consi<strong>de</strong>rarmos que, nos seminários e<br />

mosteiros existe um sem­número <strong>de</strong> religiosos a<strong>de</strong>ptos <strong>de</strong>stas “práticas<br />

abomináveis”.<br />

Por outro lado, é ca<strong>da</strong> vez mais freqüente, também nas igrejas<br />

protestantes, o aparecimento <strong>de</strong> evangélicos contaminados pelo vírus<br />

<strong>da</strong> AIDS. Enquanto isto, a maioria dos pastores continua ignorando a<br />

existência <strong>de</strong> uma diversificação <strong>de</strong> gostos e práticas sexuais entre<br />

os membros <strong>de</strong> suas congregações. Quando algum sermão contempla o tema<br />

<strong>da</strong> sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong>, quase sempre é articulado no sentido <strong>da</strong><br />

“admoestação”, buscando imprimir um caráter <strong>de</strong> repreensão aos fíeis<br />

que ain<strong>da</strong> nutrem <strong>de</strong>sejos pecaminosos.<br />

86 ___________.1991.Op cit, p 118.<br />

93


Ter sexo antes do casamento e/ou com finali<strong>da</strong><strong>de</strong>s não<br />

procriativas, usar camisinha... tudo isto é pecado.<br />

O po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> fogo <strong>da</strong> Igreja foi sentido, por exemplo, quando foi<br />

suspensa a veiculação <strong>da</strong> Campanha do Bráulio, em 1995. A mensagem<br />

<strong>da</strong>queles “Spots” era explícita <strong>de</strong>mais. Ora, se não pu<strong>de</strong>rmos falar<br />

claramente <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> uso <strong>da</strong> camisinha nas campanhas anti­<br />

AIDS, on<strong>de</strong> então o faremos?<br />

O controle <strong>da</strong> epi<strong>de</strong>mia ultrapassa os limites <strong>da</strong>s imposições e<br />

dogmas religiosos, antes , diz respeito a garantia <strong>de</strong> uma política <strong>de</strong><br />

prevenção eficiente, à qual todos os indivíduos, no exercício pleno<br />

<strong>de</strong> sua ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, tem direito ao acesso.<br />

CAPÍTULO 3<br />

94


A CAMISINHA NOS ANAIS DA PUBLICIDADE<br />

Analisar campanhas publicitárias veicula<strong>da</strong>s na mídia, conforme<br />

adiante veremos, remete a inúmeras e complexas questões. Tal<br />

exercício implica a preliminar compreensão do funcionamento <strong>da</strong><br />

engrenagem publicitária. Somente <strong>de</strong> posse <strong>de</strong> algumas noções, ain<strong>da</strong><br />

que superficiais e primárias, po<strong>de</strong>remos compreen<strong>de</strong>r porque<br />

<strong>de</strong>termina<strong>da</strong>s campanhas lançam mão <strong>de</strong>sse ou <strong>da</strong>quele artifício.<br />

Compatibilizar o discurso publicitário com o discurso <strong>de</strong><br />

campanhas preventivas é uma tarefa árdua. A linguagem publicitária é<br />

bastante específica e possui peculiari<strong>da</strong><strong>de</strong>s que vão <strong>de</strong> encontro aos<br />

elementos e características necessários à composição <strong>de</strong> uma campanha<br />

preventiva institucional.<br />

Nos itens subseqüentes, <strong>de</strong>screveremos algumas particulari<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

<strong>da</strong> linguagem publicitária. Ficarão explicita<strong>da</strong>s as dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

a<strong>da</strong>ptação entre a função manifesta <strong>da</strong> publici<strong>da</strong><strong>de</strong>­ que visa estimular<br />

o consumo <strong>de</strong> produtos­ e as campanhas Anti­AIDS ­que visam a<br />

modificação do comportamento sexual, através <strong>da</strong> implementação do uso<br />

sistemático do preservativo.<br />

Sabemos que a publici<strong>da</strong><strong>de</strong> se alimenta <strong>de</strong> textos, sons e imagens.<br />

Essas são suas matérias­primas básicas. Sem menosprezar o papel<br />

afetivo que po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>sempenhado pela música, e sua efetiva<br />

contribuição no contexto dos anúncios, pensar em um spot significa,<br />

sobretudo, pensar em imagens e textos. Entretanto, os spots,<br />

95


atualmente, privilegiam muito mais as imagens que as informações.<br />

Neste particular, resi<strong>de</strong> o primeiro aspecto contraditório em relação<br />

às campanhas. Como informar com imagens? As campanhas educativas<br />

necessitam <strong>de</strong> textos que as amparem. Os textos fornecem o suporte<br />

necessário para a proposição <strong>de</strong> mu<strong>da</strong>nças comportamentais. O que é A<br />

AIDS, como é transmiti<strong>da</strong>, quais as medi<strong>da</strong>s profiláticas? São<br />

conteúdos imprescindíveis na composição <strong>de</strong> campanhas preventivas.<br />

Todos estes aspectos <strong>de</strong>vem ser observados durante a composição <strong>de</strong> uma<br />

campanha.<br />

Diversos teóricos <strong>da</strong> comunicação, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os anos noventa, vêm<br />

afirmando que estamos na era <strong>da</strong> imagem, justificando, <strong>de</strong>sta forma, a<br />

maior atenção dispensa<strong>da</strong> a área área <strong>da</strong> comunicação visual. No<br />

entanto, Wilson Bryan Key, em seu primeiro livro: Subliminal<br />

Seduction, afirmava que os subliminares são relativamente fáceis <strong>de</strong><br />

plantar em ambas as áreas, <strong>de</strong> imagens ou sons. 87<br />

Key explica que o coração humano bate a 72 pulsações por minuto,<br />

e que música ou vozes neste ritmo afetam o comportamento humano.<br />

No Brasil, em 1989, o cantor e compositor Zé Rodrix produziu um<br />

jingle para o Chevrolet <strong>da</strong> General Motors, cujo ritmo era <strong>de</strong> 80<br />

ciclos por minuto. Segundo o compositor, o ritmo do coração <strong>de</strong> uma<br />

mãe amamentando o seu filho, ouvido pelo recém­nascido é um som que o<br />

bebê vai associar a sensações agradáveis, tais como: conforto, bem­<br />

87 Wilson Bryan Key citado por Flávio Calazans in Propagan<strong>da</strong> Subliminar Multimídia. São Paulo: Summus, 1992, p 21 e<br />

51­52.<br />

96


estar, segurança e prazer. Eram essas as sensações que o jingle<br />

queria associar subliminarmente ao carro. 88<br />

O compositor Zé Rodriz contou que se baseou em pesquisas do<br />

grupo Pink Floyd que apontavam o ritmo <strong>de</strong> 80 ciclos como o <strong>de</strong> maior<br />

efeito subliminar sob o público, durante os shows 89 .<br />

A esta altura, necessário se faz <strong>de</strong>finir alguns parâmetros que<br />

nortearão a interpretação <strong>da</strong>s campanhas seleciona<strong>da</strong>s. Primeiramente<br />

cabe salientar que serão <strong>de</strong>staca<strong>da</strong>s as estratégias discursivas<br />

utiliza<strong>da</strong>s nos spots publicitários, isto é, analisados os elementos<br />

que compõem as referi<strong>da</strong>s campanhas ( em textos, imagens e sons). A<br />

análise se ocupará também <strong>de</strong> uma reflexão acerca dos conteúdos<br />

implícitos, buscando trazer à tona “o não dito”. Trilharemos um pouco<br />

pelo campo <strong>da</strong> semiologia ( conjunto significante), bem assim <strong>da</strong><br />

retórica(poética do texto e <strong>da</strong> imagem, arte <strong>de</strong> persuadir e manipular<br />

o imaginário). 90<br />

3.1 O FENÔMENO DA PUBLICIDADE<br />

Para analisar a inserção <strong>da</strong> camisinha no universo <strong>da</strong>s campanhas<br />

é necessário, primeiramente, compreen<strong>de</strong>r o funcionamento do fenômeno<br />

<strong>da</strong> publici<strong>da</strong><strong>de</strong>. Para tanto, tomemos <strong>de</strong> empréstimo a <strong>de</strong>finição<br />

complexa e <strong>de</strong> certa forma multidisciplinar <strong>de</strong> Bougnoux, acerca <strong>da</strong><br />

publici<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

88 CALAZANS, Flávio. 1992, op cit, p 53.<br />

89 ___________,Flávio.1992, op cit, id ibid.<br />

90 BOUGNOUX.1994. Op cit.,p 133.<br />

97


A problemática <strong>da</strong> publici<strong>da</strong><strong>de</strong>, segundo este autor, envolve a<br />

questão marxista (fetiche <strong>da</strong> mercadoria) e freudiana(máquina do<br />

<strong>de</strong>sejo), sociológica(modos <strong>de</strong> vi<strong>da</strong>), semiológica e <strong>de</strong> retórica. 91<br />

Alguns <strong>de</strong>stes aspectos serão abor<strong>da</strong>dos simultaneamente no <strong>de</strong>correr<br />

dos tópicos a seguir.<br />

Em relação à sua função social, a publici<strong>da</strong><strong>de</strong> dá conta <strong>da</strong><br />

aceleração do mercado, isto é, assume sua função econômica <strong>de</strong><br />

principal responsável pela manutenção <strong>da</strong> dinâmica do mercado<br />

consumidor <strong>de</strong> bens e serviços. 92<br />

Influenciando os compradores no sentido <strong>da</strong> aquisição dos<br />

produtos, através do anúncio, a publici<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>ixa transparecer a<br />

função objetiva <strong>de</strong> divulgar as características <strong>de</strong>ste ou <strong>da</strong>quele<br />

objeto, promovendo­lhe a ven<strong>da</strong>. 93<br />

A publici<strong>da</strong><strong>de</strong> revela sua mais importante função social, enquanto<br />

produtora <strong>de</strong> significados, na medi<strong>da</strong> em que transforma os objetos<br />

materiais em objetos sociais, com significados amplamente<br />

partilhados. 94<br />

Por fim, a publici<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>tém a função <strong>de</strong> produtora industrial,<br />

porquanto faz anúncios que são também mercadorias culturais a serem<br />

consumi<strong>da</strong>s.<br />

91 _____________.1994.Op cit. P 167.<br />

92 MACHADO JUNIOR, Carlos Eduardo. O Mercado do simbólico in . <strong>Comunicação</strong> para o mercado:<br />

Instituições mercado e publici<strong>da</strong><strong>de</strong>. São Paulo:Edicon,1995.,p 127.<br />

93 BAUDRILLARD, Jean. O Sistema dos objetos.2 a . ed. São Paulo: Perspectiva, 1989.,p174.<br />

94 MACHADO JUNIOR, Carlos Eduardo. 1995. Op cit. P 124.<br />

98


3.1.1 O ANÚNCIO ENQUANTO PRODUTO CULTURAL<br />

Os anúncios são peças que contêm mensagens informativas sobre<br />

bens materiais e serviços disponíveis. Os consumidores do anúncio<br />

correspon<strong>de</strong>m a uma parcela muito mais significativa e abrangente que<br />

os consumidores <strong>de</strong> fato do produto anunciado (TARGET). Daí porquê os<br />

anúncios ultrapassam o “ fazer ven<strong>de</strong>r” <strong>de</strong>terminado produto e tornam­<br />

se eles mesmos, produtos culturais. 95<br />

No caso específico <strong>da</strong> campanha anti­AIDS, o mercado consumidor<br />

do anúncio é o público em geral, não apenas o público potencial<br />

comprador <strong>de</strong>sta ou <strong>da</strong>quela marca <strong>de</strong> preservativos. O objetivo é<br />

atingir o maior número possível <strong>de</strong> pessoas. A forma <strong>de</strong> aquisição do<br />

preservativo neste caso é secundária. Uma <strong>da</strong>s dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s,<br />

entretanto, resi<strong>de</strong> em formular um discurso unificador uma vez que a<br />

reali<strong>da</strong><strong>de</strong> sócio­econômica, cultural, <strong>da</strong>s pessoas é diversa <strong>de</strong> acordo<br />

com os grupos a que pertencem. Os homossexuais tem a sua linguagem,<br />

bem assim os adolescentes, os intelectuais etc. O discurso <strong>da</strong>s<br />

campanhas é globalizante, visa o todo, mas o todo é composto <strong>de</strong><br />

pequenas partes, com necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s específicas.<br />

No caso <strong>da</strong>s campanhas <strong>de</strong> fabricantes, a exemplo <strong>da</strong> Johnson e<br />

Jonhson, o anúncio é dirigido ao público potencial comprador, o que<br />

po<strong>de</strong> ser verificado <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a escolha do veículo anunciante: revistas<br />

direciona<strong>da</strong>s a públicos específicos e com um patamar <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r<br />

aquisitivo tais como a Playboy e Quatro ro<strong>da</strong>s.<br />

95 _________________.1995. Op cit., p 125.<br />

99


Os objetivos <strong>de</strong> consumo possuem duas instâncias: enquanto valor<br />

<strong>de</strong> uso e enquanto valor <strong>de</strong> troca. O primeiro plano é o <strong>da</strong> satisfação<br />

<strong>da</strong>s necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s básicas. Já o valor <strong>de</strong> troca diz respeito à sedução<br />

do consumo. As mercadorias são impregna<strong>da</strong>s <strong>de</strong> valores sociais, isto<br />

é, a posse <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados produtos passa a representar posição<br />

social privilegia<strong>da</strong> (as marcas <strong>de</strong> distinção). Grifes e etiquetas<br />

evi<strong>de</strong>nciam o status do usuário­ é o chamado valor <strong>de</strong> comunicação. 96<br />

A mercadoria, <strong>de</strong>sta forma, é submeti<strong>da</strong> a uma dupla articulação:<br />

a dinâmica do simbólico do <strong>de</strong>sejo se articula à física <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

que há muito <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> prevalecer em <strong>de</strong>trimento <strong>da</strong> lógica <strong>da</strong> troca<br />

que transforma o produto em obra <strong>de</strong> magia e arte. 97 As mercadorias<br />

contêm o acesso ao mundo: através <strong>de</strong>las ganhamos i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> 98 .<br />

3.1.2 A PUBLICIDADE E A MÁQUINA DO DESEJO<br />

A perseguição dos <strong>de</strong>sejos (máquina do <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> Freud) avança na<br />

medi<strong>da</strong> em que progri<strong>de</strong>m os níveis <strong>de</strong> troca e as mediações tornam­se<br />

mais complexas. A posse é gratificante <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que o objeto cobiçado<br />

o seja também pelo vizinho; <strong>da</strong>í a angústia <strong>da</strong> escolha: um produto<br />

<strong>de</strong>ve ser melhor que o do vizinho, ou pelo menos tão bom quanto e o<br />

melhor <strong>de</strong>ntre as marcas concorrentes. Neste aspecto, o <strong>de</strong>sejo não<br />

nasce do objeto, mas <strong>da</strong> impressão que vai causar a posse <strong>de</strong>sse objeto<br />

na vi<strong>da</strong> social.<br />

96 _________________.1995. Op cit., p 132<br />

97 BOUGNOUX, Daniel.1994.Op cit., p 169.<br />

98 __________________1994. Op cit., p 170/171.<br />

100


“ Todo <strong>de</strong>sejo é o <strong>de</strong>sejo do <strong>de</strong>sejo do outro” 99 . Os nossos <strong>de</strong>sejos<br />

têm referência coletiva. “ Ca<strong>da</strong> <strong>de</strong>sejo, por mais íntimo que seja,<br />

visa o universal. Nenhum <strong>de</strong>sejo, nem mesmo o sexual, subsiste sem a<br />

mediação do imaginário comum.” 100<br />

Quem <strong>de</strong>sejaria possuir uma mulher que não fosse <strong>de</strong>seja<strong>da</strong> e<br />

cobiça<strong>da</strong> pelos <strong>de</strong>mais?<br />

Quem <strong>de</strong>sejará utilizar camisinha se este não for um<br />

comportamento positivado socialmente? Compreen<strong>de</strong>ndo o mecanismo do<br />

<strong>de</strong>sejo, enquanto o uso <strong>da</strong> camisinha não representar uma condição <strong>de</strong><br />

ostentação, exprimindo um “ valor <strong>de</strong> comunicação” a sensibilização<br />

do público no sentido <strong>de</strong> sua utilização será bastante difícil.<br />

3.1.3 A PUBLICIDADE E OS MODOS DE VIDA<br />

Do ponto <strong>de</strong> vista sociológico, a publici<strong>da</strong><strong>de</strong> atua como um<br />

instrumento <strong>de</strong> controle social, estabelecendo parâmetros <strong>de</strong><br />

comportamento a<strong>de</strong>quados e colaborando com a manutenção <strong>da</strong> or<strong>de</strong>m<br />

social. 101<br />

Este controle não mais se estabelece pela via repressiva, mas ,<br />

sim, utilizando outras técnicas on<strong>de</strong> o consumidor, no próprio<br />

99 Hegel tomado por Lacan e por Caetano: “ Pois quando eu te vejo<br />

eu <strong>de</strong>sejo o teu <strong>de</strong>sejo”<br />

(Menino do Rio).<br />

100 BAUDRILLAR, Jean. 1989. Op cit. P 279.<br />

101 MACHADO JUNIOR, Carlos Eduardo. 1995. Op cit. 128/129.<br />

101


movimento <strong>de</strong> consumo, interioriza sua posição social e as normas <strong>de</strong><br />

conduta. O ajuste social é absorvido sem choques ou impactos. 102<br />

A publici<strong>da</strong><strong>de</strong> se antecipa a nossos <strong>de</strong>sejos, oferecendo<br />

“gratuitamente” imagens gratificadoras. 103 A Publici<strong>da</strong><strong>de</strong> é solícita e<br />

maternal. Você é visado, amado pelo objeto, que existe em função <strong>da</strong><br />

sua necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> . Isso faz com que você se sinta personalizado,<br />

singular. 104 O objeto é feito sob medi<strong>da</strong> para você. Desta forma, a<br />

publici<strong>da</strong><strong>de</strong> atua como os sonhos, sendo uma prática subjetiva e<br />

individual. As campanhas publicitárias que visam mu<strong>da</strong>r o<br />

comportamento social fracassam pois a publici<strong>da</strong><strong>de</strong> não visa o<br />

coletivo, mas o indivíduo em seu sonho pessoal. 105 A<strong>de</strong>quar a<br />

linguagem publicitária às necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong>s campanhas <strong>de</strong><br />

conscientização tem sido um aprendizado árduo para os publicitários ,<br />

uma vez que a publici<strong>da</strong><strong>de</strong> tem características intrínsecas que se<br />

chocam diretamente com os objetivos <strong>da</strong>s campanhas.<br />

Até que ponto o <strong>de</strong>poimento do “outro” infectado pelo HIV me<br />

sensibiza a ponto <strong>de</strong> me fazer refletir nele? O processo <strong>de</strong><br />

i<strong>de</strong>ntificação utilizado pela publici<strong>da</strong><strong>de</strong> se dá com pessoas bem<br />

sucedi<strong>da</strong>s, bonitas, felizes e saudáveis. A utilização <strong>de</strong> artistas HIV<br />

positivos inicialmente parecia visar a i<strong>de</strong>ntificação <strong>da</strong>s pessoas com<br />

os ídolos, <strong>de</strong>monstrando que a AIDS po<strong>de</strong>ria acontecer a todos,<br />

inclusive a pessoas famosas. Nenhum <strong>de</strong>stes artifícios garante que o<br />

102 BAUDRILLARD, Jean. 1989. Op cit. p. 176.<br />

103 ACCIOLY, Rejane vasconcelos Carvalho.Inédito. ENECOM.1996.mímeo., p 2<br />

104 BAUDRILLARD, Jean. 1989. Op cit., p. 180.<br />

105 __________________.1989.Op cit., p. 182.<br />

102


espectador possa interiorizar as mensagens <strong>de</strong> forma a crer que a AIDS<br />

possa lhe atingir. O anúncio é uma promessa <strong>de</strong> reconciliação e<br />

diminuição <strong>da</strong>s tensões, um acolhimento maternal, harmonioso. Não é<br />

uma instância e preocupação.<br />

O enunciado do anúncio publicitário lisongeia a ca<strong>da</strong> um e a<br />

todos. Instiga o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> distinção, mas também <strong>de</strong> socialização e<br />

integração. Promete a i<strong>de</strong>ntificação com a comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> , a entra<strong>da</strong><br />

para o clube <strong>da</strong>s pessoas que... 106<br />

saudáveis.<br />

3.1.4 A PUBLICIDADE E O IMAGINÁRIO<br />

103<br />

são bonitas , ricas, felizes e<br />

“ Chamamos imaginário o que, por to<strong>da</strong> parte, nos exime do real:<br />

no amor, sonho, poesia, arte, sugestão mais ou menos hipnótica,<br />

movimentos <strong>de</strong> massa e respectivas alucinações compartilha<strong>da</strong>s, ou<br />

publici<strong>da</strong><strong>de</strong>...” 107<br />

O termo alemão para a publici<strong>da</strong><strong>de</strong> é DIE WERBUNG, significa<br />

literalmente: “ A procura amorosa.”<br />

106 BOUGNOX, Daniel. 1994. Op cit., p 73.<br />

107 _______________.1994. Op cit., p 133.


A procura amorosa nos leva à i<strong>de</strong>alização do outro. O que miramos<br />

nesta busca i<strong>de</strong>al é o prazer, a felici<strong>da</strong><strong>de</strong>. E o princípio do prazer<br />

se opõe ao princípio <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong>. No confronto dualístico entre dois<br />

processos psíquicos opostos, tudo que nos permite escapar do real é o<br />

que efetivamente nos dá prazer. 108 O imaginário, <strong>de</strong>sta maneira,<br />

agra<strong>da</strong> pela sua forma e essa forma se dá com a per<strong>da</strong> <strong>da</strong>s relações<br />

normais com o real:<br />

. Ausência <strong>da</strong> negação ou <strong>de</strong> oposição em geral<br />

. Fusão e facili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s i<strong>de</strong>ntificações aos objetos<br />

. Colocação “ fora do jogo “ do princípio <strong>da</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> ( <strong>da</strong><br />

linguagem articula<strong>da</strong> ou linear, mas também <strong>da</strong> percepção clara e<br />

direta).<br />

Na publici<strong>da</strong><strong>de</strong>, assim como num quadro, por exemplo, inexiste a<br />

condição <strong>de</strong> oposição: não é possível retratar a ausência <strong>de</strong> um<br />

objeto. Os quadros, os sonhos, são plenos e positivos uma vez que<br />

são constituídos por imagens. A linguagem do sonho , assim como a<br />

linguagem publicitária, é simultânea posto que não estabelece um<br />

limite entre o tempo e o espaço. Estamos aqui e ali ao mesmo tempo.<br />

Os cenários se fun<strong>de</strong>m, mas os objetos são facilmente i<strong>de</strong>ntificados.<br />

O imaginário reina absoluto sobre o sono e, ain<strong>da</strong>, durante a<br />

vigília, quando a publici<strong>da</strong><strong>de</strong> se utiliza <strong>de</strong>sse fantástico<br />

instrumento <strong>de</strong> <strong>de</strong>vaneio social. A televisão aboliu as barreiras do<br />

108 _______________.1994. Op cit., p 134.<br />

104


tempo e do espaço, estabelecendo uma ligação “ mágica” entre as<br />

imagens e o imaginário. 109<br />

Analisar um spot publicitário significa interpretar imagens que<br />

con<strong>de</strong>nsam um sem número <strong>de</strong> significados. As imagens possuem sentidos<br />

<strong>de</strong>notativo ­ o que se <strong>de</strong>preen<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma imagem in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong><br />

interpretação, <strong>de</strong>scrição do que vemos <strong>de</strong> fato ­ e conotativo ­ o que<br />

vêm através <strong>da</strong>s análises <strong>de</strong> injunções culturais, o que é passível <strong>de</strong><br />

interpretações ­.<br />

Distinguir <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> análise consiste em uma árdua tarefa<br />

para quem preten<strong>de</strong> interpretar textos televisivos. Quem se ocupa <strong>da</strong><br />

análise <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado discurso, fatalmente estará criando um<br />

segundo, utilizando os recursos do código escrito para explicar o<br />

código imagístico. Desta forma, ao mu<strong>da</strong>r a estrutura do que é<br />

analisado, corre­se o risco <strong>de</strong> ser inexato e impreciso mas, qualquer<br />

que seja a metologia escolhi<strong>da</strong>, há sempre um limite para o qual não<br />

po<strong>de</strong>mos nos furtar.<br />

3.1.5 A IMAGEM DO OBJETO ( CAMISINHA)<br />

A imagem dos objetos( a referência que temos <strong>de</strong>le, sua função e<br />

significado) é forma<strong>da</strong> através <strong>de</strong> processos psiquícos complexos que<br />

levam à personificação dos produtos. Isto é, os produtos sofrem uma<br />

109 _______________.1994. Op cit., id. Ibid.<br />

105


projeção <strong>de</strong> um sentido antropomórfico, a partir do nível perceptivo,<br />

advin<strong>da</strong> <strong>da</strong> relação “ mágica” que mantemos com eles. 110<br />

Assim, um produto po<strong>de</strong> ser percebido como refinado, <strong>de</strong>licado ou<br />

frágil, por exemplo.<br />

psíquicos:<br />

A personificação do objeto é mol<strong>da</strong><strong>da</strong> segundo dois mecanismos<br />

1.Transformação <strong>de</strong> características perceptivas do objeto em<br />

quali<strong>da</strong><strong>de</strong>s ou <strong>de</strong>feitos humanos. Desta forma, um objeto po<strong>de</strong> ser<br />

percebido como viril ou feminino, comum ou refinado, forte ou frágil.<br />

2.I<strong>de</strong>ntificação pessoal­ Projetamos nosso “ eu “ no objeto que passa<br />

a refletir nossas aspirações. Através <strong>da</strong> imagem do objeto, o cliente<br />

tem idéia <strong>da</strong> clientela do produto. Se este grupo constitui a sua<br />

preferência e aspiração social, o cliente potencial estará mais<br />

atraído pela posse do objeto.<br />

Quanto ao primeiro mecanismo, o aspecto <strong>de</strong> percepção imediata<br />

e irrefleti<strong>da</strong>, com relação à imagem <strong>da</strong> camisinha, diz respeito à<br />

fragili<strong>da</strong><strong>de</strong>. “ A camisinha rompe, escorrega, é permeável...” To<strong>da</strong>s<br />

estas impressões, po<strong>de</strong>m ser rebati<strong>da</strong>s cientificamente através <strong>de</strong><br />

rigorosos testes <strong>de</strong> quali<strong>da</strong><strong>de</strong>, a que são submetidos os preservativos<br />

nacionais e importados, atualmente. No entanto, esta <strong>de</strong>sconfiança é<br />

reflexo <strong>de</strong> uma política <strong>de</strong> planejamento e controle <strong>de</strong> quali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sarticula<strong>da</strong> ­ no que diz respeito aos preservativos, tal qual<br />

vinha sendo aplica<strong>da</strong> no Brasil, até o ano <strong>de</strong> 1993. A camisinha foi<br />

110 MUCCHELLI, Roger. Psicologia <strong>da</strong> publici<strong>da</strong><strong>de</strong>: Conhecimento do promema, aplicações práticas.Trad. Flávia Solero<br />

106


incluí<strong>da</strong> na categoria <strong>de</strong> produto farmacêutico, em 1987, ficando,<br />

portanto, sob jurisdição <strong>da</strong> Secretaria <strong>de</strong> Vigilância Sanitária do<br />

Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>. A partir <strong>de</strong> então, a realização dos testes foi<br />

<strong>de</strong> responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> vários órgãos, <strong>de</strong> tempos em tempos.<br />

Os testes realizados <strong>de</strong>monstraram que alguns preservativos<br />

postos à disposição <strong>da</strong> população estavam aquém dos padrões <strong>de</strong><br />

quali<strong>da</strong><strong>de</strong> exigidos para oferecerem segurança preventiva <strong>da</strong>s DST/AIDS.<br />

Em 17/03/93, a Secretaria <strong>de</strong> Vigilância Sanitária do Ministério <strong>da</strong><br />

Saú<strong>de</strong>, <strong>de</strong>signou o INMETRO a respon<strong>de</strong>r pelos testes dos preservativos<br />

tanto nacionais quanto importados. 111 Em fevereiro <strong>de</strong> 94, reacen<strong>de</strong>u­se<br />

a polêmica­ a partir <strong>da</strong> rejeição, pelo INMETRO, <strong>de</strong> preservativos<br />

importados que haviam sido doados com objetivos <strong>de</strong> prevenção <strong>da</strong>s<br />

DST/AIDS. Este fato foi largamente noticiado pelos meios <strong>de</strong><br />

comunicação e levou a Secretaria <strong>de</strong> Vigilância a emitir uma nova<br />

regulamentação­ o RTQ 9­ chamando para si a responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> final<br />

quanto à quali<strong>da</strong><strong>de</strong> dos preservativos disponíveis no mercado e<br />

limitando o papel do INMETRO à certificação dos testes.<br />

Um outro fator que, talvez, concorra para suscitar dúvi<strong>da</strong>s em<br />

relação à quali<strong>da</strong><strong>de</strong> dos preservativos fabricados no Brasil é o<br />

emprego, na linha <strong>de</strong> produção, <strong>de</strong> uma parcela <strong>de</strong> látex nacional.<br />

Embora quase todo o látex utilizado seja importado <strong>da</strong> Malásia, uma<br />

pequena proporção provém <strong>de</strong> fontes domésticas. O látex nacional “<br />

<strong>de</strong>finitivamente não aten<strong>de</strong> os requisitos mínimos <strong>de</strong> quali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Campos. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Livros técnicos e científicos, 1978., p 47­48.<br />

107


exigidos para a produção <strong>de</strong> preservativos” conforme atesta Maria<br />

Eugênia Fernan<strong>de</strong>s, Coor<strong>de</strong>nadora do projeto AIDSCAP <strong>de</strong> prevenção às<br />

DST/AIDS. 112<br />

Em contraparti<strong>da</strong>, po<strong>de</strong>­se argumentar, pelo menos com relação à<br />

Johnson & Johnson, uma parcela <strong>da</strong> produção <strong>de</strong>stina­se à exportação<br />

para vários países latino­ americanos e, ain<strong>da</strong>, para os Estados<br />

Unidos. Isto significa que, além <strong>de</strong> seguir os padrões <strong>de</strong>finidos no<br />

RTQ 9 e ISO 4074, os preservativos <strong>da</strong> referi<strong>da</strong> empresa também <strong>de</strong>vem<br />

estar em conformi<strong>da</strong><strong>de</strong> com as normas <strong>da</strong> American Society for Testing<br />

and Materials (ASTM) e <strong>da</strong> Food and Drug Administration (FDA), cujo<br />

rigor é internacionalmente reconhecido.<br />

Entretanto, <strong>de</strong>pois que um conceito se forma a respeito <strong>de</strong> um<br />

produto, ele passa a povoar o imaginário coletivo, sendo o processo<br />

<strong>de</strong> reversão muito difícil.<br />

“ A camisinha impe<strong>de</strong> o contato e o prazer”. Esta é uma afirmação<br />

difícil <strong>de</strong> ser rebati<strong>da</strong>, uma vez que a camisinha <strong>de</strong> fato impe<strong>de</strong> o<br />

contato íntimo entre os genitais dos usuários. No entanto, esta falta<br />

<strong>de</strong> contato <strong>de</strong>veria se reverter positivamente, no sentido <strong>de</strong> que ela<br />

visa a segurança e proteção <strong>de</strong> ambos os parceiros, contra as DST/AIDS<br />

e a gravi<strong>de</strong>z in<strong>de</strong>seja<strong>da</strong>. Além do mais, tecnicamente o preservativo<br />

não po<strong>de</strong> impedir que um casal atinja o orgasmo.<br />

Quanto ao aspecto <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação pessoal, uma espécie <strong>de</strong><br />

projeção social que o objeto dá ao usuário, é um mecanismo complexo<br />

111 Brasil. Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>. 1997. Op cit., p19.<br />

108


em se tratando do preservativo. As primeiras campanhas ANTI­AIDS<br />

veiculavam a informação <strong>de</strong> que a AIDS tinha a ver com “grupos <strong>de</strong><br />

risco”, ou seja, era problema <strong>de</strong> gays, prostitutas e drogados, estes<br />

elementos, sim, <strong>de</strong>veriam recorrer ao preservativo. O processo <strong>de</strong><br />

i<strong>de</strong>ntificação <strong>da</strong> AIDS com grupos marginalizados repercutiu muito<br />

negativamente. Ninguém <strong>de</strong>seja se i<strong>de</strong>ntificar com elementos excluídos.<br />

A maior parte <strong>da</strong>s pessoas não se imagina pertencente a quaisquer dos<br />

grupos <strong>de</strong> risco. A possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> se aspirar pertencimento a grupos<br />

marginais inexiste.<br />

O uso <strong>da</strong> camisinha é uma escolha pessoal e íntima, portanto, não<br />

<strong>de</strong>clara<strong>da</strong> publicamente. A opção pelo sexo seguro só diz respeito ao<br />

indivíduo e seu(sua) parceiro(a). Desta forma, a valorização do<br />

usuário ou motivação pela sua escolha é fruto <strong>da</strong> sua sensibilização.<br />

Inexiste “ ostentação pública ” em se utilizar preservativo, tão<br />

pouco “ valor <strong>de</strong> comunicação” <strong>de</strong> acordo com a marca escolhi<strong>da</strong>. Qual o<br />

status revelado por quem porta um “ Olla” ou Jontex na carteira?<br />

Ao passo que, a aquisição <strong>de</strong> uma calça <strong>da</strong> “ Zoomp”, por exemplo,<br />

informa aos outros sobre você ( po<strong>de</strong>r aquisitivo, gosto refinado<br />

etc). Funciona como um certificado <strong>de</strong> pertencimento a um grupo<br />

seleto, afinal não são muitas as pessoas que têm condições <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sembolsar um salário mínimo por um jeans.<br />

3.1.6 O PROCESSO DE SIGNIFICAÇÃO DA IMAGEM<br />

112 Brasil. Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>.1997. Op cit., p 31.<br />

109


Não iremos nos <strong>de</strong>ter neste aspecto pois a natureza do seu objeto<br />

encontra na semiótica sua área <strong>de</strong> atuação. Apenas faremos uma<br />

explanação bastante simplifica<strong>da</strong> sobre o que sejam: ícones, índices e<br />

símbolos, uma vez que a análise <strong>de</strong> imagens compreen<strong>de</strong> a utilização <strong>de</strong><br />

signos icônicos/indiciais.<br />

Todos os signos, segundo Pierce, estão distribuídos em relações<br />

icônicas, indiciais e simbólicas.<br />

Os ícones estabelecem uma semelhança com o que é <strong>de</strong>signado por<br />

eles, são, portanto, <strong>de</strong>notativos, análogos e estabelecem uma relação<br />

<strong>de</strong> continui<strong>da</strong><strong>de</strong>. A representação icônica é motiva<strong>da</strong> pela semelhança.<br />

Por exemplo, fotografias ou esculturas.<br />

Já os índices, são sintomas, vestígios sensíveis <strong>de</strong> um fenômeno.<br />

Por exemplo, as marcas <strong>de</strong> <strong>de</strong>dinhos na glace do bolo.<br />

Os símbolos, por sua vez, são signos arbitrários, a exemplo <strong>de</strong><br />

números e <strong>da</strong> própria linguagem.<br />

Os ícones guar<strong>da</strong>m características especiais pois, assim como o<br />

imaginário, não admitem negação. Como fotografar um enunciado “Maria<br />

não veio”? Uma imagem, ain<strong>da</strong> que seja <strong>de</strong> um quadro branco, é<br />

positivante e sempre plena, adverte Bougnoux. 113<br />

Ícones não registram a dêitica temporal ( a não ser através <strong>da</strong>s<br />

legen<strong>da</strong>s ou voz off). Uma foto não comunica se foi tira<strong>da</strong> hoje, ontem<br />

ou há meses atrás.<br />

113 BOUGNOUX, Daniel. 1994. Op cit., p 74.<br />

110


3.1.7 A PUBLICIDADE COMO ESPAÇO PREVENTIVO<br />

A publici<strong>da</strong><strong>de</strong> nos pren<strong>de</strong> pelo reino <strong>da</strong> imagem <strong>de</strong> preferência ao<br />

reino <strong>da</strong>s palavras. Desta forma, quem se utiliza <strong>de</strong> mensagens<br />

textuais longas vai <strong>de</strong> encontro ao princípio instantâneo e ultra­<br />

rápido <strong>da</strong> linguagem publicitária, on<strong>de</strong> a ostentação prevalece sobre a<br />

informação. A mensagem publicitária é lúdica. O relaxamento nos<br />

pren<strong>de</strong> mais que a dramatização.<br />

Um spot não <strong>de</strong>ve ser coercitivo, mas, sim, <strong>de</strong>ixar os<br />

espectadores livres para recusá­lo. “ Se você não se cui<strong>da</strong>r, a AIDS<br />

vai te pegar”. O slogan do vírus bicho­papão não surtiu efeito, como<br />

era <strong>de</strong> se esperar, pois o medo e a coerção não são sensações<br />

agradáveis, sendo, portanto, refuta<strong>da</strong>s imediatamente.<br />

A publici<strong>da</strong><strong>de</strong> não faz juízos críticos. Assim, utilizando a<br />

linguagem afirmativa, sugestiona o inconsciente que normalmente<br />

ignora o negativo. 114<br />

Com to<strong>da</strong>s estas dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s, como é possível utilizar o espaço<br />

<strong>da</strong> publici<strong>da</strong><strong>de</strong> para fazer prevenção, já que as campanhas anti­AIDS<br />

visam proibir ou prevenir comportamentos? É possível advertir através<br />

<strong>da</strong> publici<strong>da</strong><strong>de</strong>? Certamente que estabelecer críticas a respeito <strong>de</strong><br />

tais campanhas, sem um conhecimento técnico do funcionamento <strong>da</strong><br />

publici<strong>da</strong><strong>de</strong>, é uma tarefa <strong>de</strong>veras mais fácil.<br />

A imagem é sempre plena e afirmativa, como dizer não através <strong>de</strong><br />

imagens? É preciso pensar outra forma <strong>de</strong> li<strong>da</strong>r com esta problemática.<br />

114 Ver o item 3.1.4.<br />

111


A negação icônica , como já dito, é impossível, posto que ela mostra<br />

o que preten<strong>de</strong> excluir. O exemplo clássico é a proibição ao fumo que<br />

é representa<strong>da</strong> pelo cigarro com uma cruz por cima. 115<br />

Este aspecto <strong>de</strong>monstra a fragili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s mensagens morais:<br />

enganam­se ao levar a pensar naquilo que con<strong>de</strong>nam.<br />

Dentre as campanhas anti­AIDS veicula<strong>da</strong>s na Europa em 1990,<br />

quatro spots chamam bastante atenção quanto a estes aspectos aqui<br />

abor<strong>da</strong>dos 116 :<br />

­Uma equipe médica an<strong>da</strong> através <strong>de</strong> corredores brancos, com uma voz<br />

martelando dramaticamente: “ A AIDS se trata com grana, não com<br />

se...” Este apelo financeiro, <strong>de</strong>sviou­se completamente do objetivo <strong>de</strong><br />

sensibilizar as pessoas quanto aos perigos <strong>da</strong> síndrome.<br />

­Um adolescente quebra uma espécie <strong>de</strong> bastão vermelho com a legen<strong>da</strong>:<br />

“ Ela não passará por mim”. Uma mensagem por <strong>de</strong>mais negativa para ser<br />

persuasiva.<br />

­Uma conversa bastante terna entre um rapaz e uma moça; o rapaz<br />

gagueja alguma coisa, a moça ri. Voz off: “ o preservativo preserva<br />

<strong>de</strong> tudo, até mesmo <strong>da</strong> timi<strong>de</strong>z”. O uso do preservativo estimula o<br />

diálogo. A <strong>de</strong>cisão pela utilização <strong>da</strong> camisinha envolve o exercício<br />

<strong>da</strong> reflexão acerca <strong>da</strong> sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong>. É uma escolha natural, fruto do<br />

cui<strong>da</strong>do consigo e com o outro.<br />

115 BOUGNOUX, Daniel.1994. Op cit., p 178.<br />

116 _________________.1994. Op cit., i<strong>de</strong>m ibid.<br />

112


­Um casal em plena relação sexual com uma voz em off: “ O<br />

preservativo preserva <strong>de</strong> tudo, exceto do amor”. Como foi observado<br />

pela imprensa, a taxa <strong>de</strong> recepção aumentou por esta ser a primeira<br />

publici<strong>da</strong><strong>de</strong> anti­AIDS que <strong>da</strong>va vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer amor. Um spot<br />

au<strong>da</strong>cioso que enfim estimulou o sexo seguro sem tabu, referindo­se a<br />

prática sexual como uma ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> bela e agradável e que não<br />

apresenta perigo algum, quando se usa camisinha. 117<br />

O anúncio publicitário possui três etapas: excitação, gesto <strong>de</strong><br />

compra seguido <strong>da</strong> redução <strong>da</strong> tensão. A segun<strong>da</strong> etapa propõe ao<br />

imaginário uma tentativa positiva, um mais, o sujeito é convi<strong>da</strong>do a<br />

fazer algo, ao passo que a prevenção é fruto <strong>de</strong> uma proposta <strong>de</strong><br />

carência ou um menos.<br />

“ sonho não tem lógica nem se refuta, só sabe juntar­se ou<br />

dissolver­se em outro sonho mais possante.” 118<br />

A publici<strong>da</strong><strong>de</strong> comercial é um espaço intimizante, individualista<br />

e lúdico. Não há lugar para a preocupação com as questões sociais. A<br />

prevenção preten<strong>de</strong> ser socializante e responsabilizante,<br />

características que vão <strong>de</strong> encontro à natureza essencial do<br />

imaginário, força­motriz <strong>da</strong> publici<strong>da</strong><strong>de</strong>. Esse é o paradoxo <strong>da</strong>s<br />

campanhas ANTI­AIDS: estabelecer uma relação entre o mais íntimo <strong>da</strong><br />

pessoa com a extensão social.<br />

3.1.8 O DISCURSO PUBLICITÁRIO<br />

117 TOSCANI, OLIVIERO.1994. Op cit, p 179.<br />

113


De forma sintética, analisamos os principais aspectos que<br />

envolvem a problemática <strong>da</strong> publici<strong>da</strong><strong>de</strong>. Passaremos agora a<br />

i<strong>de</strong>ntificar os elementos formadores do discurso publicitário.<br />

A publici<strong>da</strong><strong>de</strong> privilegia a enunciação em vez do enunciado. A<br />

forma em <strong>de</strong>trimento do conteúdo. A ostentação em lugar <strong>da</strong> informação.<br />

O discurso <strong>da</strong> publici<strong>da</strong><strong>de</strong> é o <strong>da</strong> aquiescência, <strong>da</strong>s<br />

i<strong>de</strong>ntificações lúdicas. Nesse sentido, o discurso <strong>da</strong>s campanhas<br />

preventivas, se assemelha muito mais ao discurso político que ao<br />

publicitário: visa a sensibilização e a escolha consciente.<br />

Os spots publicitários nos presenteiam com imagens. A imagem do<br />

objeto nos dá uma sensação <strong>de</strong> satisfação, <strong>de</strong> posse. A publici<strong>da</strong><strong>de</strong> se<br />

alimenta <strong>de</strong> imagens e, portanto, <strong>de</strong> ilusões. Isto porque uma imagem e<br />

sua leitura não são o caminho mais curto para obtenção <strong>de</strong> um<br />

objeto, mas sim para outra imagem. 119<br />

A publici<strong>da</strong><strong>de</strong> se utiliza do imaginário comum. Desta maneira, faz<br />

uso <strong>de</strong> imagens cujo significado é compartilhado por uma coletivi<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

Lança mão <strong>de</strong> um código conotativo que associa claramente “ sinais”,<br />

imagens e legen<strong>da</strong>s a <strong>de</strong>terminados “ efeitos <strong>de</strong> sentido”. Assim, o<br />

receptor , antecipa<strong>da</strong>mente i<strong>de</strong>alizado, assimilará uma mensagem que<br />

já fôra anteriormente <strong>de</strong>codifica<strong>da</strong>.<br />

A publici<strong>da</strong><strong>de</strong> opera com fusões <strong>de</strong> múltiplos códigos <strong>de</strong><br />

comunicação visual, gestual, sonoro, verbal. Jingles, slogans,<br />

colagens são alguns dos artifícios utilizados para <strong>da</strong>r <strong>de</strong>staque aos<br />

118 _________________.1994. Op cit., p 180.<br />

114


produtos e apresentá­los <strong>de</strong> maneira criativa. Afinal, com a<br />

quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> anúncios veiculados, ca<strong>da</strong> vez mais é necessário um<br />

maior empenho dos publicitários no sentido <strong>de</strong> conseguir chamar a<br />

atenção do consumidor para os produtos.<br />

Com o processo <strong>de</strong> saturação por excesso <strong>de</strong> anúncios,uma<br />

publici<strong>da</strong><strong>de</strong> acaba por neutralizar a outra, e estando o consumidor<br />

imunizado, po<strong>de</strong>rá não ser afetado pela mensagem publicitária. 120<br />

A sedução substitui a ver<strong>da</strong><strong>de</strong>. Um anúncio <strong>de</strong> shampoo, por<br />

exemplo, utiliza­se <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los internacionais, com cabelos<br />

maravilhosos, brilhantes e sedosos, <strong>de</strong>clarando que a aparência dos<br />

seus cabelos <strong>de</strong>ve­se apenas ao shampoo “x”. A maioria <strong>de</strong> nós sabe<br />

que, antes <strong>de</strong> serem filmados, os cabelos <strong>da</strong>s mo<strong>de</strong>los passam por<br />

inúmeros processos químicos, entre massagens e escovas, até que<br />

ganhem aquela textura.<br />

Como os sonhos, a publici<strong>da</strong><strong>de</strong> atua a nível dos <strong>de</strong>sejos mais<br />

íntimos e individuais e, ao mesmo tempo, contempla a aspiração <strong>de</strong><br />

pertencimento a <strong>de</strong>terminados grupos <strong>de</strong> prestígio. Uma <strong>de</strong>termina<strong>da</strong><br />

marca <strong>de</strong> cigarro se apresenta como “ O sucesso” 121 . Os seus anúncios<br />

contêm imagens <strong>de</strong> esportes radicais, homens e mulheres bonitos e<br />

saudáveis , <strong>de</strong>ntes perfeitos, sorrisos magníficos. Quem não gostaria<br />

<strong>de</strong> ingressar nesse grupo tão seleto? No entanto,se pensarmos<br />

racionalmente, veremos que o fumo, consoante adverte o Ministério <strong>da</strong><br />

119 BAUDRILLARD , Jean. 1989. Op cit. p 186.<br />

120 __________________.1989. Op cit., p 184­185.<br />

121 A esta altura, todos já sabem <strong>de</strong> qual marca se trata, uma prova <strong>da</strong> eficiência <strong>da</strong> publici<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

115


Saú<strong>de</strong>, é prejudicial à saú<strong>de</strong>. Nenhum fumante inveterado conseguirá<br />

fazer meta<strong>de</strong> <strong>da</strong>quelas proezas com tanta facili<strong>da</strong><strong>de</strong>. Tampouco<br />

conseguirá manter <strong>de</strong>ntes tão brancos.<br />

Lançando mão <strong>de</strong> complexos mecanismos psíquicos, que remetem ao<br />

imaginário e às pulsões <strong>de</strong>sejantes, a publici<strong>da</strong><strong>de</strong> nos expõe ao<br />

arbitrário compulsoriamente. E, apesar <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as reconheci<strong>da</strong>s<br />

mazelas, sua visão sedutora e milagrosa é um bálsamo que nos redime.<br />

3.2 DECUPAGENS DAS CAMPANHAS<br />

As campanhas publicitárias ANTI­AIDS, por mais que agreguem<br />

esforços no sentido <strong>de</strong> modificar o comportamento sexual <strong>da</strong>s pessoas,<br />

não conseguem o êxito esperado. Até porque dizem respeito a questões<br />

íntimas relativas a práticas culturais arraiga<strong>da</strong>s. A perspectiva,<br />

então, é ir aos poucos trilhando os caminhos <strong>da</strong> conscientização,<br />

buscando sensibilizar o público quanto à necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> manutenção <strong>de</strong><br />

práticas seguras quanto ao HIV. O primeiro passo consistiu em<br />

<strong>de</strong>sconstituir aos poucos a idéia forma<strong>da</strong> pelas primeiras campanhas<br />

que apontavam para os chamados grupos <strong>de</strong> risco. As campanhas mais<br />

atuais, inclusive as aqui recorta<strong>da</strong>s, atentam para o fato <strong>de</strong> que a<br />

AIDS po<strong>de</strong> ocorrer a qualquer um <strong>de</strong> nós. Depois, chamando a atenção <strong>de</strong><br />

que embora não ofereça 100% <strong>de</strong> proteção, o uso <strong>da</strong> camisinha ain<strong>da</strong> é<br />

a forma mais segura <strong>de</strong> proteção a si mesmo e ao seu parceiro.<br />

Mas como tornar atraente um produto que nos últimos 30 anos foi<br />

gra<strong>da</strong>tivamente superado em sua função contraceptiva pela pratici<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>da</strong>s pílulas anticoncepcionais? Uma tarefa árdua para os<br />

116


publicitários, consi<strong>de</strong>rando que os aspectos profiláticos <strong>da</strong> camisinha<br />

foram muito pouco explorados nos últimos anos.<br />

3.2.1 JONTEX ESPERMICIDA­<br />

A escolha <strong>de</strong> um fabricante <strong>de</strong> preservativos serve para<br />

estabelecer uma analogia entre as características <strong>de</strong> campanhas<br />

comerciais e institucionais.<br />

Existem 3 empresas fabricantes nacionais <strong>de</strong> preservativos, são<br />

elas: a Johnson & Johnson Indústria e Comércio LTDA, a INAL<br />

(Indústria Nacional <strong>de</strong> Artefatos <strong>de</strong> látex LTDA e a Blowtex Fábrica<br />

<strong>de</strong> Artefatos <strong>de</strong> Látex LTDA. 122<br />

A Johnson foi seleciona<strong>da</strong> <strong>de</strong>ntre as <strong>de</strong>mais em função <strong>de</strong> ser a<br />

fabricante <strong>da</strong> linha Jontex, comercializa<strong>da</strong> no Brasil <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1936, e<br />

lí<strong>de</strong>r no mercado, segundo informações <strong>de</strong> Ana Carolina Negreiros, do<br />

<strong>de</strong>partamento <strong>de</strong> assuntos públicos <strong>da</strong> empresa. Outro aspecto<br />

consi<strong>de</strong>rado para a escolha do fabricante foi a quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los<br />

disponíveis:<br />

Jontex sem lubrificante­ Com reservatório para evitar vazamentos.<br />

Jontex lubrificado­ possui lubrificante inócuo à saú<strong>de</strong> ( Demetil<br />

siloxano) e ponta com reservatório.<br />

122 BRASIL. Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>.1997.op cit., P 29.<br />

117


Jontex <strong>de</strong> bolso­ lubrificado e com embalagem diferencia<strong>da</strong>. Seu<br />

principal benefício é a portabili<strong>da</strong><strong>de</strong>, permitindo que o consumidor<br />

leve o preservativo no bolso ou bolsa, com menos volume. Seu preço é<br />

20% inferior ao <strong>da</strong> versão cartucho.<br />

Jontex formato anatômico­ Proporciona melhor ajuste e<br />

conseqüentemente maior sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong>. É lubrificado com Dimetil<br />

siloxano e também possui reservatório.<br />

Jontex anatômico <strong>de</strong> bolso­ Reúne os benefícios do Jontex formato<br />

anatômico ( maior sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong>) com o Jontex <strong>de</strong> bolso ( pratici<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

e economia).<br />

Jontex ultra­resistente­ Possui espessura maior que um preservativo<br />

convencional pois passa por um processo <strong>de</strong> fabricação diferenciado, o<br />

que lhe garante resistência superior. Foi i<strong>de</strong>alizado para aten<strong>de</strong>r às<br />

necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s dos consumidores em relação à proteção contra as DST.<br />

Jontex ultra­resistente <strong>de</strong> bolso­ Conjuga os benefícios do Jontex<br />

ultra­resistente ( maior espessura) com Jontex <strong>de</strong> bolso .<br />

Jontex espermici<strong>da</strong>­ Contém nonilfenol etoxilado em seu lubruficante,<br />

um agente espermici<strong>da</strong> utilizado em aplicações como o gel e cremes<br />

vaginais. A partir do contato com o espermatozói<strong>de</strong>, o agente<br />

espermici<strong>da</strong> ataca a membrana <strong>da</strong> superfície do mesmo, reduzindo sua<br />

118


mobili<strong>da</strong><strong>de</strong>, oferecendo uma proteção extra. Possui formato anatômico e<br />

ponta com reservatório.<br />

O processo <strong>de</strong> fabricação dos preservativos Jontex consiste em<br />

mol<strong>de</strong>s <strong>de</strong> vidro especial no formato <strong>de</strong> um bastão, que são imersos em<br />

banhos sucessivos no composto <strong>de</strong> látex, em temperatura a<strong>de</strong>qua<strong>da</strong>. Após<br />

um processo <strong>de</strong> vulcanização, o preservativo toma sua forma final<br />

numa membrana <strong>de</strong> alta resistência e gran<strong>de</strong> flexibili<strong>da</strong><strong>de</strong>, passando,<br />

então, para o processo <strong>de</strong> embalagem e acondicionamento final.<br />

As campanhas <strong>da</strong> Johnson evocam apenas a contracepção como função<br />

do produto anunciado. Os spots privilegiam o aspecto segurança, sem ,<br />

no entanto, fazer menção ao aspecto profilático, explicitamente.<br />

Depois <strong>de</strong> analisa<strong>da</strong>s as características <strong>da</strong> publici<strong>da</strong><strong>de</strong> fica mais<br />

facil <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r o porquê. O processo <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação com doenças<br />

ou aspectos negativos não são viáveis à natureza <strong>da</strong> publici<strong>da</strong><strong>de</strong> que,<br />

assim como o imaginário, nutre­se, apenas , <strong>de</strong> conteúdos positivos.<br />

A nível <strong>da</strong> narração, o spot selecionado fun<strong>da</strong>menta­se na<br />

oposição natali<strong>da</strong><strong>de</strong> x planejamento familiar.<br />

O anúncio escolhido foi o do Jontex espermici<strong>da</strong> e é <strong>de</strong>nominado<br />

“sapatinho” 123 :<br />

1.­É, minha mãe tá mesmo louca prá ganhar um neto.<br />

2.­ Mas agora que a gente resolveu montar o nosso próprio negócio,<br />

não vai <strong>da</strong>r...<br />

123 A agência não informou com precisão a <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> veiculação do anúncio. Fizemos vários contatos telefônicos com o<br />

Setor <strong>de</strong> atendimento, sendo que, inicialmente, fomos informados <strong>de</strong> que este teria sido o anúncio <strong>de</strong> 30 segundo mais<br />

119


3.­Depois, tudo bem. Até lá a gente usa Jontex, é o mais resistente e<br />

não me faz mal nenhum.<br />

Voz off: Jontex espermici<strong>da</strong> sempre o mais seguro: use com amor.<br />

4.­Acho bom meu irmão provi<strong>de</strong>nciar um netinho.<br />

A personagem chega em casa trazendo flores e compras. Chegamos a<br />

esta conclusão através <strong>da</strong> relação indicial marca<strong>da</strong> no início do<br />

comercial: um barulho <strong>da</strong> porta se fechando, e alguns passos indicam<br />

­ alguém acabara <strong>de</strong> chegar. O ambiente <strong>da</strong> enunciação é uma sala.<br />

Os percursos figurativos que o compõem são: um gran<strong>de</strong> quadro na<br />

pare<strong>de</strong>, um abajour e um jarro sobrepostos numa mobília <strong>de</strong> canto. A<br />

personagem <strong>de</strong>posita as flores no jarro e as compras na peça.<br />

A publici<strong>da</strong><strong>de</strong> se apropria <strong>de</strong> múltiplos códigos: sonoros,<br />

verbais, visuais e gestuais, o que neste anúncio se traduz em vários<br />

momentos, especialmente quando <strong>da</strong> emissão <strong>de</strong> um sinal sonoro<br />

precisamente na oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> em que a atenção <strong>da</strong> mulher é atraí<strong>da</strong><br />

para um objeto em cima <strong>da</strong> mesa. Ao mesmo tempo, o nome do produto<br />

aparece na tela numa legen<strong>da</strong> em letras brancas: JONTEX*.<br />

Aparentemente, esta legen<strong>da</strong> tem pouca importância e “<strong>de</strong>saparece” no<br />

contexto <strong>da</strong> tela, diante <strong>da</strong> plastici<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s imagens apresenta<strong>da</strong>s.<br />

To<strong>da</strong>via, se analisarmos o potencial subliminar <strong>de</strong> tal recurso,<br />

constataremos seu ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro valor.<br />

recente <strong>da</strong> linha Jontex. Entretanto, no último contato realizado em 12/12/97, fomos informados <strong>de</strong> que a veiculação foi<br />

feita acerca <strong>de</strong> cinco anos.<br />

120


Um conteúdo subliminar implica maior quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> informação no<br />

menor tempo <strong>de</strong> exposição. Isto significa que durante os 30 segundos<br />

do comercial, nosso subconsciente captará muito mais imagens do que<br />

po<strong>de</strong>mos supor. Conforme a lei <strong>da</strong> exclusão, formula<strong>da</strong> por Poetzle,<br />

todos os <strong>da</strong>dos excluídos <strong>da</strong> percepção consciente são gravados<br />

subliminarmente, sendo este material processado em sonhos. 124<br />

Seguindo em direção ao objeto, (o B.G. vai aparecendo<br />

gra<strong>da</strong>tivamente) o close permite in<strong>de</strong>ntificá­lo como sendo um<br />

presente ( caixinha <strong>de</strong>lica<strong>da</strong>, envolta por um laçarote branco). Ao<br />

abri­lo, a mu<strong>da</strong>nça <strong>de</strong> BG anuncia o conteúdo: um sapatinho <strong>de</strong> crochê<br />

cor­<strong>de</strong>­rosa. Neste aspecto, o anúncio lança mão <strong>de</strong> imagens cujo<br />

significado é compartilhado pela coletivi<strong>da</strong><strong>de</strong>, apesar <strong>de</strong> utilizar um<br />

código conotativo ( que necessita <strong>de</strong> interpretação). O signo<br />

utilizado é claro e seu “ efeito <strong>de</strong> sentido” é esperado: O sapatinho<br />

<strong>de</strong> crochê é tradicionalmente a primeira peça do enxoval do bebê. O<br />

sapatinho faz parte do imaginário comum: é um signo icônico/indicial,<br />

vestígio sensível <strong>da</strong> espera pela chega<strong>da</strong> <strong>de</strong> um bebê.<br />

A personagem conversa com o espectador, como se este fosse<br />

alguém muito próximo a quem pu<strong>de</strong>sse confi<strong>de</strong>nciar: “ É, a minha mãe tá<br />

mesmo louca prá ganhar um neto!”. Em ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, se analisarmos o código<br />

visual, um pouco mais <strong>de</strong>ti<strong>da</strong>mente, veremos que a cor do sapato indica<br />

também a preferência pelo sexo. Uma mensagem sutil, que po<strong>de</strong> passar<br />

124 CALAZANS, Flávio mario <strong>de</strong> Alcântara. Propagan<strong>da</strong> Subliminar Multimídia. São Paulo:Summus,1992,p 21.<br />

121


<strong>de</strong>sapercebi<strong>da</strong> à primeira vista, mas que é capta<strong>da</strong> e processa<strong>da</strong> no<br />

subconsciente, subliminarmente.<br />

Existe um corte <strong>de</strong> edição a partir <strong>de</strong>ste momento e o ambiente <strong>da</strong><br />

personagem agora é o quarto. Visualisamos uma cama <strong>de</strong> casal, um vaso<br />

<strong>de</strong> flores e uma camisa masculina pendura<strong>da</strong>. Os percursos figurativos<br />

presentes no ambiente do quarto indicam que a personagem mora com o<br />

“marido” ou “companheiro”, o que se consoli<strong>da</strong> a partir <strong>da</strong> afirmação<br />

seguinte. A personagem caminha um pouco e diz: “ Mas agora que a<br />

gente resolveu montar o nosso próprio negócio, não vai <strong>da</strong>r...”<br />

Compreen<strong>de</strong>mos então que este não é o momento planejado pelo casal<br />

para que tenham filhos. Montar o próprio negócio é uma <strong>da</strong>s<br />

aspirações <strong>da</strong> classe média brasileira­ A i<strong>de</strong>ntificação se dá com<br />

pessoas bem sucedi<strong>da</strong>s­ O perfil <strong>de</strong> quem opta pelo planejamento<br />

familiar é composto <strong>de</strong> pessoas empreen<strong>de</strong>doras, micro­empresários. Ter<br />

um bebê neste momento significa não ter tempo para trabalhar, implica<br />

em uma mu<strong>da</strong>nça <strong>de</strong> hábitos que po<strong>de</strong>rá comprometer o objetivo <strong>de</strong>sejado:<br />

estabili<strong>da</strong><strong>de</strong> financeira e aumento do po<strong>de</strong>r aquisitivo.<br />

“ Depois, tudo bem.” Vejam que a personagem não <strong>de</strong>scarta<br />

completamente a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ter um filho. No entanto, esta<br />

futura gravi<strong>de</strong>z está condiciona<strong>da</strong> à realização do objetivo do<br />

casal. Ao fazer esta afirmação, a personagem <strong>de</strong>ita­se na cama e diz:<br />

“Até lá a gente usa Jontex, é o mais seguro e não me faz mal nenhum”.<br />

A caixa <strong>de</strong> preservativo é apresenta<strong>da</strong> e supõe­se que previamente<br />

estivesse em cima <strong>da</strong> cama. Até este futuro incerto se concretizar, o<br />

casal <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> por tomar medi<strong>da</strong>s contraceptivas.<br />

122


Jontex confun<strong>de</strong> a marca com o produto. O mesmo fato que<br />

aconteceu com a esponja <strong>de</strong> aço “ Bombril”, o <strong>de</strong>tergente “ Pinho<br />

sol”. Preservativo = Jontex.<br />

A escolha do Jontex, pela personagem, <strong>de</strong>u­se em função <strong>da</strong><br />

segurança que ele oferece, bem assim porque não faz mal à saú<strong>de</strong> <strong>da</strong><br />

mulher. O preservativo, como já visto, não tem contra­indicação. A<br />

imagem seguinte é a <strong>da</strong> caixa <strong>de</strong> preservativo em close e uma voz off<br />

anuncia: “ Jontex espermici<strong>da</strong>: sempre o mais seguro. Use com amor”.<br />

Através <strong>da</strong> voz off o enunciador procura mais uma vez exaltar a<br />

quali<strong>da</strong><strong>de</strong> superior do produto enfatizando que em to<strong>da</strong>s as ocasiões o<br />

Jontex espermici<strong>da</strong> é o mais seguro, inclusive em relação aos <strong>de</strong>mais<br />

mo<strong>de</strong>los e marcas. A voz off, segundo Canevacci, exerce a função<br />

objetivadora <strong>de</strong> uma ver<strong>da</strong><strong>de</strong> “ externa e indiscutível, uma espécie<br />

<strong>de</strong> super­eu sonoro, <strong>de</strong>purado <strong>de</strong> to<strong>da</strong> a imagem visível, e, portanto,<br />

com um forte índice <strong>de</strong> autori<strong>da</strong><strong>de</strong> e sociabili<strong>da</strong><strong>de</strong>. 125<br />

“ Use com amor”­ Uma proposição que preten<strong>de</strong> tirar do<br />

preservativo a vinculação com a promiscui<strong>da</strong><strong>de</strong>. Note­se que não há uma<br />

enunciação do tipo: Não use em relações do tipo A, B ou C, ou, ain<strong>da</strong>,<br />

não seja promíscuo. Não há espaço para a negação na publici<strong>da</strong><strong>de</strong>. O<br />

espaço publicitário é sempre positivo, muito embora o imaginário nem<br />

sempre o seja, se consi<strong>de</strong>rarmos, por exemplo, as fobias, alucinações<br />

e pavores.<br />

125 CANEVACCI, Massimo. Antropologia <strong>da</strong> <strong>Comunicação</strong> visual. São Paulo: Ed. Brasiliense.1990. p 17­18<br />

123


Durante o tempo <strong>de</strong> exposição <strong>da</strong> imagem do preservativo, notamos<br />

que ele está sobre um fundo branco, com motivos geométricos, ocupando<br />

centro óptico <strong>da</strong> tela(ponto que a vista ten<strong>de</strong> a focalizar e que<br />

situa­se um pouco acima do centro geométrico). 126 Abaixo, a legen<strong>da</strong> em<br />

letras brancas reforça a mensagem do OFF : “Sempre o mais seguro”.<br />

No canto superior esquerdo, imperceptível à primeira vista e<br />

confundindo­se com os motivos geométricos, existe a marca <strong>da</strong> Johnson<br />

& Johnson. Consi<strong>de</strong>rando que os olhos realizam 100 mil fixações<br />

diariamente, e que apenas uma ínfima parte <strong>de</strong>stes focos se fixa<br />

conscientemente, <strong>de</strong>preen<strong>de</strong>mos que o restante é subliminar 127 . Essas<br />

mensagens que pouco a pouco levam à a<strong>de</strong>são constituem a propagan<strong>da</strong><br />

subliminar multimídia. 128<br />

Logo <strong>de</strong>pois a personagem volta à cena, dizendo: “ Acho bom meu<br />

irmão provi<strong>de</strong>nciar um netinho”, sorri e brinca com o sapatinho,<br />

retornando o anúncio à leveza e ao aspecto lúdico. Neste particular,<br />

o spot revela ain<strong>da</strong> que a personagem, apesar <strong>de</strong> não planejar ter<br />

filhos por enquanto, possui instinto maternal: brinca com o sapatinho<br />

como se fosse com um bebê.<br />

As pessoas que se utilizam <strong>de</strong> métodos contraceptivos, em<br />

especial o preservativo, não o fazem porque não gostam <strong>de</strong> crianças,<br />

muito pelo contrário, planejam suas vi<strong>da</strong>s para melhor acolhê­las.<br />

126 a<br />

VESTEGARD,SCHRODEIK T. A linguagem <strong>da</strong> propagan<strong>da</strong>. Trad. João Alves dos Santos. 2 .ed. São Paulo:<br />

Martins Fontes, 1994, p 46.<br />

127<br />

CALAZANS, Flávio Mário <strong>de</strong> Alcântara. 1992. Op cit., p 27.<br />

128<br />

__________.1992.Op cit., p 21.<br />

124


3.2.2 CAMPANHA GAPA/96<br />

O GAPA ­Grupo <strong>de</strong> Apoio à prevenção à AIDS­ <strong>de</strong> São Paulo, foi a<br />

primeira ONG/AIDS <strong>da</strong> América do Sul. Organizado em 1988, sobrevive<br />

<strong>de</strong> doações <strong>de</strong> fun<strong>da</strong>ções do Brasil e do exterior. A campanha <strong>de</strong> 1996<br />

foi a última multimídia realiza<strong>da</strong> pela enti<strong>da</strong><strong>de</strong>. O objetivo, segundo<br />

Gladys Almei<strong>da</strong>, diretora executiva do GAPA/BAHIA, era primeiramente<br />

<strong>de</strong>sconstituir a idéia <strong>de</strong> que “A AIDS não é problema meu”, promovendo<br />

uma i<strong>de</strong>ntificação não mais com artistas e ídolos ­que para o público<br />

estavam num outro patamar­ mas com pessoas comuns.<br />

A campanha se baseou em <strong>de</strong>poimentos tanto <strong>de</strong> HIV positivos,<br />

quanto <strong>de</strong> parentes <strong>de</strong> infectados que buscavam <strong>de</strong>monstrar a maneira<br />

com a qual apren<strong>de</strong>ram a se relacionar com a soropositivi<strong>da</strong><strong>de</strong>. Foram<br />

selecionados casos típicos, a exemplo do <strong>de</strong> uma mãe que per<strong>de</strong>u o<br />

filho vitimado pela AIDS, uma jovem cujo pai é portador do HIV, um<br />

soropositivo que contraiu o vírus via injetável e 2 soropositivos que<br />

se contaminaram sexualmente, sendo um homossexual e uma mulher<br />

heterossexual que contraiu o vírus através do companheiro.<br />

Dentre os diversos <strong>de</strong>poimentos, selecionamos este último, o <strong>de</strong><br />

Ednalva Pontes Carrier, por retratar uma tendência mundial <strong>da</strong> AIDS: o<br />

aumento <strong>da</strong> proporção <strong>de</strong> mulheres contamina<strong>da</strong>s em relação ao número <strong>de</strong><br />

homens. Tal relação, no início <strong>da</strong> epi<strong>de</strong>mia, era <strong>de</strong> uma mulher para<br />

ca<strong>da</strong> vinte e oito homens. Atualmente, a proporção é <strong>de</strong> uma mulher<br />

para ca<strong>da</strong> quatro homens. A infectologista Regina Brasil adverte que a<br />

tendência é <strong>de</strong> chegarmos a um para um.<br />

125


A mulher tem o corpo potencialmente mais vulnerável às DST em<br />

função <strong>da</strong> sua própria anatomia. Some­se a isto o fato <strong>de</strong> que a<br />

prevenção, através do uso <strong>da</strong> camisinha, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>da</strong> vonta<strong>de</strong> do homem,<br />

pois é ele quem vai utilizá­la. Neste spot, esses dois valores<br />

culturais estão presentes <strong>de</strong> forma explícita­ a fi<strong>de</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> e a<br />

confiança no parceiro:<br />

“Ninguém gosta <strong>de</strong> saber que seu companheiro fez sexo com outra<br />

pessoa.<br />

Eu <strong>de</strong>scobri isso <strong>da</strong> pior forma possível: através <strong>de</strong> um exame médico.<br />

Meu companheiro me transmitiu o vírus <strong>da</strong> AIDS.<br />

Se você tem um caso fora <strong>da</strong> sua relação, use camisinha. Por amor a<br />

você. Por amor à pessoa que você ama.”<br />

Legen<strong>da</strong>: Não abuse <strong>da</strong> sorte. Use camisinha. GAPA/Bahia.<br />

A configuração discursiva <strong>de</strong>ste <strong>de</strong>poimento gira em torno do tema<br />

do amor. Os processos temáticos i<strong>de</strong>ntificados são os seus respectivos<br />

<strong>de</strong>sdobramentos: o exercício <strong>da</strong> sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong>, a confiança , a<br />

infi<strong>de</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> e o cui<strong>da</strong>do com o outro.<br />

Os efeitos <strong>de</strong> sentido obtidos pela enunciação na primeira<br />

pessoa­ “Eu <strong>de</strong>scobri isso”­ são a subjetivi<strong>da</strong><strong>de</strong>, a proximi<strong>da</strong><strong>de</strong> e a<br />

intimi<strong>da</strong><strong>de</strong>. Este recurso fornece a ambientação intimista que um<br />

assunto tão <strong>de</strong>licado requer.<br />

O spot não utiliza <strong>de</strong> muitos recursos plásticos e estéticos.<br />

Antes, privilegia o texto em <strong>de</strong>trimento <strong>da</strong> imagem. A informação<br />

126


aparece em lugar <strong>da</strong> ”ostentação”. Campanhas como esta necessitam <strong>de</strong><br />

textos para justificarem as mu<strong>da</strong>nças comportamentais sugeri<strong>da</strong>s.<br />

O tom <strong>de</strong> voz <strong>da</strong> <strong>de</strong>poente é quem estabelece o peso <strong>da</strong> sua<br />

revelação: sua fala é pausa<strong>da</strong> e carrega<strong>da</strong> <strong>de</strong> emoção. Conota uma certa<br />

<strong>de</strong>silusão, um <strong>de</strong>sapontamento profundo, transmitido pelo seu olhar.<br />

No momento em que ela revela a circunstância em que <strong>de</strong>scobriu<br />

sua soropositivi<strong>da</strong><strong>de</strong>, o gestual é um signo que reforça ain<strong>da</strong> mais sua<br />

<strong>de</strong>claração: “ Eu <strong>de</strong>scobri <strong>da</strong> pior forma possível: através <strong>de</strong> um exame<br />

médico.” Foi comunica<strong>da</strong> <strong>de</strong> uma forma impessoal <strong>de</strong> dois acontecimentos<br />

dolorosos, um <strong>de</strong> natureza subjetiva­ a traição­ e outro, objetivo e<br />

<strong>de</strong>sesperador­ a soropositivi<strong>da</strong><strong>de</strong>. Ednalva olha para baixo, como se<br />

pu<strong>de</strong>sse reter, naquele momento, to<strong>da</strong> a <strong>de</strong>cepção causa<strong>da</strong> pelo duplo<br />

impacto.<br />

Em análise do discurso, a recorrência ao mesmo traço semântico<br />

ao longo do texto é chama<strong>da</strong> <strong>de</strong> isotopia. “Ninguém gosta <strong>de</strong> saber que<br />

seu companheiro fez sexo com outra pessoa”. “ Se você tem um caso<br />

fora <strong>da</strong> sua relação” . Esses trechos do <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Ednalva<br />

<strong>de</strong>monstram que a infi<strong>de</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> é o elemento isótopo do Enunciado.<br />

O processo <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação é suscitado primeiro com a “ mulher<br />

traí<strong>da</strong>”, segundo com a mulher vitima<strong>da</strong> pela AIDS.<br />

É difícil imaginar que alguém, na mais ínfima fração <strong>de</strong> segundo,<br />

queira se colocar no lugar <strong>de</strong>sta moça. As pessoas não querem se<br />

i<strong>de</strong>ntificar com processos <strong>de</strong>sagradáveis e situações dolorosas. A<br />

traição po<strong>de</strong> ser resolvi<strong>da</strong> <strong>de</strong> várias formas, po<strong>de</strong> até mesmo ser<br />

ignora<strong>da</strong>, a AIDS, não.<br />

127


Na publici<strong>da</strong><strong>de</strong>, “a sedução substitui a ver<strong>da</strong><strong>de</strong>”. Este <strong>de</strong>poimento<br />

é explícito. Enquanto a publici<strong>da</strong><strong>de</strong> vela, este spot <strong>de</strong>snu<strong>da</strong>. Os<br />

elementos excessivamente <strong>de</strong>notativos, <strong>de</strong> percepção clara e direta que<br />

levam ao contato com o “real” são rejeitados. A publici<strong>da</strong><strong>de</strong> não<br />

opera como instância <strong>de</strong> preocupação, é, antes, uma instância <strong>de</strong><br />

entretenimento, on<strong>de</strong> o aspecto lúdico é o mais visado. Qual é a graça<br />

<strong>da</strong> AIDS? O vírus não tem senso <strong>de</strong> humor. É bem ver<strong>da</strong><strong>de</strong> que a<br />

soropositivi<strong>da</strong><strong>de</strong> não implica morte instantânea, mas a ligação do<br />

vírus com o fim <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> foi gra<strong>da</strong>tivamente construí<strong>da</strong>, a partir <strong>da</strong>s<br />

próprias campanhas ANTI­AIDS.<br />

“Se você tem um caso fora <strong>da</strong> sua relação, use camisinha”. Esta é<br />

a única <strong>de</strong>claração “positiva” no enunciado. A infi<strong>de</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> é<br />

admiti<strong>da</strong>, pela primeira vez ao longo do discurso, sem que haja<br />

questionamentos morais. Este recorte do texto é o momento em que<br />

ele mais se aproxima <strong>da</strong> lógica <strong>da</strong> aquiescência <strong>da</strong> publici<strong>da</strong><strong>de</strong> que<br />

nunca faz juízos críticos.<br />

“Por amor a você. Por amor à pessoa que você ama”. Conota a<br />

preocupação com o outro. Os spots preventivos vislumbram, portanto, a<br />

alteri<strong>da</strong><strong>de</strong>, preten<strong>de</strong>m­se responsabilizantes; enquanto a publici<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

comercial, oferece­nos o <strong>de</strong>leite através <strong>de</strong> “imagens<br />

gratificadoras”. 129<br />

Já a legen<strong>da</strong>: “Não abuse <strong>da</strong> sorte. Use camisinha”. Do ponto <strong>de</strong><br />

vista do imaginário, se opõe ao “princípio do prazer” e <strong>da</strong><br />

129 ACCIOLY, Rejane Vasconcelos Carvalho. Inédito.ENECOM 1996.mimeo.<br />

128


“liber<strong>da</strong><strong>de</strong> individual”, impondo limites e restrições às práticas<br />

sexuais e sociais já consoli<strong>da</strong><strong>da</strong>s. É um estado <strong>de</strong> oposição que é<br />

imediatamente rechaçado pelo inconsciente que não admite a negação.<br />

Os spots <strong>de</strong> natureza preventiva possuem características bem<br />

peculiares, uma vez que não ven<strong>de</strong>m produtos, mas sugerem a adoção <strong>de</strong><br />

um outro tipo <strong>de</strong> comportamento. Não importa se o assunto tratado<br />

versa sobre aci<strong>de</strong>ntes no trânsito, alcoolismo, abuso <strong>de</strong> drogas ou<br />

AIDS. Existe uma ligação entre estas campanhas, traços isótopos e<br />

recorrentes: o cui<strong>da</strong>do com a própria integri<strong>da</strong><strong>de</strong> física e a<br />

responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> com “o outro”.<br />

3.2.3 A CAMPANHA DO BRÁULIO<br />

Produzi<strong>da</strong> pela agência Master, a campanha do Bráulio causou um<br />

gran<strong>de</strong> rebuliço em todos os setores <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>. A Igreja, as ONGS e<br />

to<strong>da</strong> a socie<strong>da</strong><strong>de</strong> civil se mobilizaram para criticar a campanha, como<br />

nunca se vira antes. O que, <strong>de</strong> tão absurdo, acontecera naquela<br />

campanha para que tivesse sido veicula<strong>da</strong> por apenas um dia?<br />

A campanha foi constituí<strong>da</strong> em 4 blocos que tratavam as questões<br />

que envolviam o uso do preservativo: machismo, infi<strong>de</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong>, prática<br />

do sexo anal e manuseio correto <strong>da</strong> camisinha.<br />

Dividir a campanha em diferentes abor<strong>da</strong>gens foi um procedimento<br />

acertado, uma vez que a AIDS, bem como o uso do preservativo,<br />

envolvem múltiplas e complexas questões, as quais seria impossível<br />

estarem presentes num único spot.<br />

129


A camisinha finalmente apareceu como protagonista <strong>da</strong>s ações,<br />

mas, <strong>de</strong>sta vez, <strong>de</strong> forma positiva, relaciona<strong>da</strong> com o prazer e não com<br />

a doença. Em todos os 4 spots, o uso do preservativo foi mostrado do<br />

ponto <strong>de</strong> vista do homem, focalizando sua interação íntima e<br />

prazeirosa com o corpo, mais especificamente com o pênis.<br />

“Ele tem um pênis que fala!”. Esta possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> suscitou<br />

gran<strong>de</strong>s apelos à “moral cristã”. O problema não era <strong>de</strong>monstrar uma<br />

parte do corpo se expressando verbalmente, mas, sim, que parte do<br />

corpo. Se recorrermos a <strong>de</strong>terminados “lugares <strong>de</strong> memória” 130 <strong>da</strong><br />

publici<strong>da</strong><strong>de</strong>, veremos que este recurso já foi utilizado numa<br />

<strong>de</strong>termina<strong>da</strong> propagan<strong>da</strong> <strong>de</strong> sopa. Na oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong>, era o estômago do<br />

ator quem se manifestava.<br />

Nos spots percebemos a existência <strong>de</strong> duas instâncias: o<br />

consciente/racional, representado pelo discurso do homem, e o<br />

inconsciente/emocional, simbolizado pelo pênis <strong>de</strong>sejante. A dialética<br />

<strong>de</strong> ambos sintetizou a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> submeter o impulso sexual<br />

<strong>de</strong>senfreado aos cui<strong>da</strong>dos do preservativo. A negociação é finaliza<strong>da</strong><br />

pelo consenso: o uso do preservativo não significa a per<strong>da</strong> do<br />

prazer. O diálogo do homem com o pênis representou, ain<strong>da</strong>, as<br />

situações <strong>de</strong> negociação pelo uso do método, a que estão submetidos os<br />

casais.<br />

Outro <strong>de</strong>safio <strong>de</strong>sta campanha consistiu em adotar um nome para se<br />

referir ao pênis, que fosse do conhecimento <strong>da</strong> maioria dos<br />

130


asileiros. Sabemos que em ca<strong>da</strong> região o órgão genital masculino é<br />

reconhecido por diferentes nomes. Entre os termos mais regularmente<br />

citados para o pênis, estão expressões como : pau, caralho,<br />

ma<strong>de</strong>ira, cacete, pica, mastro, vara, arma, faca, ferro, bicho e<br />

cobra. 131 Na Bahia, o senso comum acrescentaria a esta lista: pinto,<br />

peru, rola, bimba, pepino, esquimba, vergalhão, manjuba, taca, <strong>de</strong>ntre<br />

outros. Reconhecemos as dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s encontra<strong>da</strong>s para se <strong>de</strong>finir por<br />

um nome, em meio a tantos outros. A solução que a agência diz ter<br />

encontra<strong>da</strong>o foi realizar uma pesquisa para escolher o nome mais<br />

apropriado. “Braúlio”, uma gíria paulistana, foi o eleito. Gladys<br />

Almei<strong>da</strong>, do GAPA/BA, critica a campanha, dizendo que parece ter sido<br />

feita sob medi<strong>da</strong> para os paulistas. Segundo Gladys, não foi<br />

consi<strong>de</strong>rado que ca<strong>da</strong> grupo ou gueto possui formas <strong>de</strong> expressão bem<br />

assim específicas: homossexuais masculinos e femininos, prostitutas,<br />

heterossexuais, favelados, nor<strong>de</strong>stinos, não se expressam <strong>da</strong> mesma<br />

maneira, e têm hábitos sexuais bastante peculiares.<br />

O processo <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação com o pronome próprio “Bráulio”,<br />

provocou reações <strong>da</strong>s mais diversas. Num instante, o Sr. Bráulio<br />

roubou a cena <strong>da</strong> campanha e as discussões passaram a girar em torno<br />

<strong>de</strong> quem seria o “Bráulio”, se o dono <strong>da</strong> banca <strong>da</strong> esquina, o<br />

aposentado, ou, ain<strong>da</strong>, o gerente do supermercado. A própria mídia<br />

fomentou o <strong>de</strong>svio <strong>da</strong>s atenções, logo na primeira semana após o<br />

130 Roland Barthes, Roland. O óbvio e o obtuso. Ed. Nova Fronteira, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 1982, p 28, citado por Accioly,<br />

Rejane Vasconcelos. 1996, op cit., p 3 Mimeo.<br />

131 PARKER, R. 1991. Op cit., p 64.<br />

131


lançamento <strong>da</strong> campanha, no início <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 95. Foram produzi<strong>da</strong>s<br />

enquetes para <strong>de</strong>tectar possíveis Bráulios insatisfeitos e saber se<br />

estes iriam, ou não, mover processos contra o Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>,<br />

ou, ain<strong>da</strong>, se a agência <strong>de</strong>veria substituir o “Bráulio” por um<br />

substantivo qualquer. 132<br />

Enquanto isto, na sala <strong>de</strong> espera, a camisinha <strong>de</strong> protagonista<br />

passou à mera figurante na campanha.<br />

Selecionamos dois dos quatro spots veiculados: o relativo a<br />

instruções <strong>de</strong> uso porque consi<strong>de</strong>ramos que representou um gran<strong>de</strong><br />

avanço em relação às outras campanhas, <strong>de</strong>monstrando a forma correta<br />

<strong>de</strong> colocar o preservativo, bem assim, o que diz respeito ao sexo<br />

anal, pelo tratamento que foi <strong>da</strong>do, sem preconceito, que admitiu,<br />

inclusive o gosto heterossexual por esta prática.<br />

BRÁULIO NA TV<br />

“(...) Este sexo que se <strong>de</strong>veria olhar bem <strong>de</strong> frente, numa época<br />

em que to<strong>da</strong>s as campanhas contra a AIDS não tinham sequer a coragem<br />

<strong>de</strong> mostrar como se usa camisinha, com medo <strong>de</strong> mostrar um peru”. 133 ­<br />

Oliveiro Toscani, referindo­se à campanha <strong>de</strong> primavera/verão 93 <strong>da</strong><br />

132 BIANCARELLI, Aureliano. Pesquisa elege nome para o “Braúlio”.Folha <strong>de</strong> São Paulo, sucursal <strong>de</strong> Brasília, 19 <strong>de</strong>z<br />

1995, Ed cotidiano, ca<strong>de</strong>rno 3 p 1.<br />

133 TOSCANI. Oliveiro.Op cit., p 93<br />

132


Benneton, on<strong>de</strong> fotografou 49 quadros <strong>de</strong> homens, mulheres e crianças<br />

em nu frontal, com close nas genitálias­.<br />

A necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ultrapassar os limites <strong>da</strong>s instruções <strong>de</strong> uso<br />

conti<strong>da</strong>s nas caixinhas dos preservativos é mais do que evi<strong>de</strong>nte. O<br />

manuseio incorreto expõe os usuários ao HIV. Desta vez, acharam<br />

melhor esquecer as bananas, cenouras ou cabos <strong>de</strong> vassoura e<br />

utilizaram uma versão mais próxima do real: um mol<strong>de</strong> do pênis<br />

masculino. Finalmente se admite publicamente: Os homens tem algo<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>da</strong>s calças. Vejamos o texto:<br />

­Hoje eu vou mostrar prá vocês como usar a camisinha<br />

­Oba! É hoje que eu vou aparecer na TV.<br />

­Não, Braúlio, você é muito feio: eu vou usar um dublê.<br />

­Ah, modéstia à parte, eu sou mais eu.<br />

­Você quer prestar atenção?<br />

­Tá.<br />

­Olha gente: com esses dois <strong>de</strong>dos a gente aperta a ponta <strong>da</strong> camisinha<br />

até tirar o ar.<br />

­hum...<br />

­Depois vai <strong>de</strong>senrolando até o Bráulio ficar todo vestido.<br />

­Sim.<br />

­Agora dá pra gente fazer isso <strong>de</strong> um jeito mais gostoso...<br />

­Ah! tô fora!<br />

­Pedindo a ela pra colocar prá você, por exemplo.<br />

­Tô <strong>de</strong>ntro!<br />

133


­Gostou, né metido?<br />

VOZ OFF: VIVA COM PRAZER. VIVA O SEXO SEGURO.<br />

O primeiro enunciado <strong>de</strong>monstra que o ator dirige­se a um<br />

público, ocupando o lugar do <strong>de</strong>tentor do saber: “Hoje eu vou mostrar<br />

prá vocês...” Ele anuncia que vai ensinar a maneira correta <strong>de</strong><br />

utilizar o preservativo: lembra a maneira com a qual um professor se<br />

dirige aos alunos, informando qual vai ser o assunto a ser<br />

ministrado.<br />

Existem dois níveis <strong>de</strong> diálogo presentes neste spot: um travado<br />

com o público, presumi<strong>da</strong>mente composto por homens e o ator, o outro,<br />

pelo ator com o “Bráulio”.<br />

Os percursos figurativos utilizados para ambientar a cena são: uma<br />

poltrona, situa<strong>da</strong> à direita <strong>da</strong> tela, uma mesa <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira simples, na<br />

qual está sobreposto com um objeto retangular, à esquer<strong>da</strong> <strong>da</strong> tela, e,<br />

ao fundo, um papel <strong>de</strong> pare<strong>de</strong> estampado em diversos tons <strong>de</strong> marrom. As<br />

cores presentes na cena são suaves, com o predomínio do tom pastel.<br />

Não existe nenhum ponto que chame a atenção pelas cores. A luz, no<br />

entanto, inci<strong>de</strong> apenas sobre o ator que já aparece em cena, munido <strong>da</strong><br />

camisinha. Ao anunciar que vai ensinar ao público a manusear<br />

corretamente o preservativo, o ator o ergue com uma <strong>da</strong>s mãos, para<br />

levá­lo a <strong>de</strong>staque.<br />

O “Bráulio” conversa com o ator, mas não se dirige ao público.<br />

Sua primeira intervenção cria um suspense: ­“Oba! É hoje que eu vou<br />

aparecer na TV!”.<br />

134


Neste momento existe a constatação <strong>de</strong> que o pênis, apesar <strong>de</strong> sua<br />

inegável existência, sua aparição pública continua sendo veta<strong>da</strong>: “Não<br />

Bráulio, você é muito feio”­ <strong>de</strong>ve continuar guar<strong>da</strong>do, escondido,<br />

velado.”Eu vou usar um dublê”. O clone fálico representa um avanço<br />

diante <strong>da</strong>s representações que costumavam utilizar para simbolizar o<br />

pênis. A anatomia, no entanto, não está muito bem <strong>de</strong>fini<strong>da</strong>:<br />

percebemos alguns traços que permitem i<strong>de</strong>ntificar a glan<strong>de</strong>, mas os<br />

contornos são muito discretos.<br />

O“Bráulio” se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> dizendo: ­“Ah, modéstia à parte, eu sou<br />

mais eu”, ao que o ator retruca ”Você quer prestar atenção?” É o<br />

momento em que a camisinha volta à cena <strong>da</strong> ação para que se <strong>de</strong>monstre<br />

a forma <strong>de</strong> manuseá­la. O ator abre o lacre, retira a camisinha, a<br />

câmara se <strong>de</strong>sloca em direção ao clone do pênis e fecha o ângulo.<br />

Enquanto as instruções são <strong>de</strong>monstra<strong>da</strong>s, o “Bráulio”, através <strong>de</strong><br />

monossílabos “hum” ,”sim”, informa que está prestando atenção e<br />

compreen<strong>de</strong>ndo­as. A parte técnica, que diz respeito ao manuseio, é<br />

encerra<strong>da</strong> com uma sugestão:” Agora dá pra fazer isso <strong>de</strong> um jeito mais<br />

gostoso...”<br />

O Bráulio ,à primeira vista, recusa o preservativo: “Ah, tô<br />

fora”. É uma simulação <strong>da</strong> relação <strong>de</strong> rejeição masculina à camisinha.<br />

“Pedindo prá ela colocar prá você, por exemplo. É um apelo à<br />

erotização do uso <strong>da</strong> camisinha. A sugestão <strong>da</strong> participação <strong>da</strong> mulher<br />

no momento <strong>da</strong> colocação do preservativo, é um estímulo a mais para o<br />

uso. No Ceará, por exemplo, a Presi<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> Associação <strong>da</strong>s<br />

Prostitutas, Rosalina Sampaio Silva, ensina às associa<strong>da</strong>s a colocar a<br />

135


camisinha com a boca e com uma mão só. “ Com a outra você continua<br />

fazendo o que o freguês gosta.” 134<br />

“Tô <strong>de</strong>ntro”. A camisinha fornece a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> do uso criativo, um<br />

elemento erótico a mais. As duas posições do “Bráulio”, <strong>de</strong> rejeição e<br />

a<strong>de</strong>são simulam o movimento coital: “Tô fora/Tô <strong>de</strong>ntro”.<br />

O ator faz um comentário íntimo para o “Bráulio”, sussurrando:<br />

Gostou, né metido? Essa passagem traduz uma conotação erótica, alu<strong>de</strong><br />

à sacanagem no sentido <strong>de</strong> brinca<strong>de</strong>ira, diversão e excitação sexual. 135<br />

A VOZ OFF “ Viva com prazer. Viva o sexo seguro”, enaltece o uso <strong>da</strong><br />

camisinha <strong>de</strong> forma positiva. O prazer está vinculado ao sexo seguro,<br />

logo, a camisinha possibilita a continuação <strong>da</strong>s prazeirosas práticas<br />

penetrativas, com segurança.<br />

“TODO MUNDO NU”<br />

À primeira vista parece uma alusão ao sexo grupal, à liberali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

extrema e até à promiscui<strong>da</strong><strong>de</strong>: “Todo mundo nu”. É um apelo<br />

orgiástico:<br />

­Todo mundo nu, oba! todo mundo nu, oba!<br />

­Que emoção é essa Bráulio? tá maluco?<br />

­Que na<strong>da</strong>, chefia, é que hoje eu tô a fim <strong>de</strong> variar um pouquinho.<br />

­Como variar?<br />

134 BIANCARELLI, Aureliano. Folha <strong>de</strong> São Paulo, São Paulo,23 <strong>de</strong>z 1996. Cotidiano p 03­09.<br />

135 PARKER,R. 1991.Op cit., p 159..<br />

136


­Vamo brincar por trás, vamo, vamo!<br />

­Po<strong>de</strong> ser... mas...ó, ó, tem que ser <strong>de</strong> camisinha!<br />

­Lá vem essa história <strong>de</strong> camisinha <strong>de</strong> novo!<br />

­Não, Bráulio. Camisinha sim, pô! por trás é mais perigoso, a gente<br />

não po<strong>de</strong> correr riscos.<br />

­Tá legal! Vamo vestir logo essa toquinha aí e... todo mundo nu, oba!<br />

olha o prego, oba!<br />

Pelo título do anúncio, a cena se passa durante uma festa,<br />

provavelmente do cabi<strong>de</strong>! Uma porta se abre, um barulho externo <strong>de</strong><br />

música, vozes, gente conversando. Alguém aparece na cena, abrindo a<br />

porta, e já <strong>de</strong>tectamos se tratar <strong>de</strong> homem, relativamente jovem. Aos<br />

poucos, vamos tendo contato com indicadores <strong>da</strong> natureza do local:<br />

uma pia, com objetos <strong>de</strong> higiene pessoal, toalhas e um espelho ­ a<br />

cena se passa num banheiro <strong>de</strong> uma residência. Chegamos à conclusão <strong>de</strong><br />

que não se trata <strong>de</strong> um bar, ou qualquer outro ambiente público, pela<br />

presença <strong>de</strong> roupas e outros elementos pessoais tais como: escova <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>ntes e pente <strong>de</strong> cabelo.<br />

Bráulio está em ritmo <strong>de</strong> festa... cantarolando animado : Todo mundo<br />

nu, oba! A porta ain<strong>da</strong> estava aberta quando o ator, ao sentir a<br />

“alteração do humor” do Bráulio, procurou utilizar um boné para<br />

encobri­lo.<br />

“Que emoção é essa Bráulio, tá maluco? ­ o pênis tem vonta<strong>de</strong> própria<br />

e o ambiente <strong>da</strong> festa acaba por instigá­lo.<br />

137


­“Que na<strong>da</strong>, chefia, é que hoje eu tô a fim <strong>de</strong> variar um pouquinho!” A<br />

necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> varie<strong>da</strong><strong>de</strong> erótica já fôra <strong>de</strong>tecta<strong>da</strong> por teóricos como<br />

Ellis, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o século passado. A criativi<strong>da</strong><strong>de</strong> necessária para se ter<br />

uma vi<strong>da</strong> sexual prazerosa é a mesma que costumamos exercitar para que<br />

a nossa vi<strong>da</strong> cotidiana não se transforme numa entediante rotina.<br />

“Fazer papai e mamãe sempre <strong>de</strong>ve ser tão chato como tudo mais que se<br />

faz sempre” 136 .<br />

­“vamo brincar por trás, vamo, vamo!” Pela primeira vez se fez uma<br />

abor<strong>da</strong>gem <strong>da</strong> prática do sexo anal por heterossexuais. O ator para,<br />

pensa e o efeito <strong>de</strong> sentido produzido pelas reticências se traduz<br />

numa forte sugestão <strong>de</strong> erotismo. Não se diz no enunciado, mas se diz<br />

na enunciação. Utiliza­se apenas <strong>de</strong> indicações, dizendo sem dizer. 137<br />

“Mas, ó, ó, tem que ser <strong>de</strong> camisinha”. O racional novamente vem à<br />

tona para controlar os impulsos do pênis <strong>de</strong>sejante, que primeiramente<br />

rejeita, mas logo é convencido a utilizar o preservativo.<br />

“Por trás é mais perigoso, a gente não po<strong>de</strong> correr risco”.<br />

Sutilmente, o anúncio adverte que a prática do sexo anal é mais<br />

perigosa, <strong>de</strong>vendo ser feita com preservativo.<br />

“Tá legal, vamo vestir logo essa toquinha aí...” A imagem <strong>da</strong><br />

camisinha é transforma<strong>da</strong> <strong>de</strong> algo inconveniente (“lá vem essa história<br />

<strong>de</strong> camisinha <strong>de</strong> novo!”) para um querido objeto pessoal a quem <strong>da</strong>mos<br />

um apelido carinhoso: toquinha. A camisinha é o green card para a<br />

folia. O ator ajeita as sombrancelhas, pega um retrato <strong>de</strong> mulher<br />

136 VILELA, WILZA.Oficinas <strong>de</strong> sexo mais seguro para mulheres. São Paulo: NEPAIDS. 1996., p 29.<br />

138


preso ao espelho, mira­o como se fosse beijar­ exprimindo a natureza<br />

heterossexual do seu <strong>de</strong>sejo­ e, em segui<strong>da</strong>, movimenta os braços<br />

rapi<strong>da</strong>mente como quem vai correndo à caça <strong>da</strong> sua parceira.<br />

Após a análise <strong>de</strong>stes spots, fica mais fácil perceber por<br />

quais motivos uma campanha tão criativa foi bruscamente retira<strong>da</strong> do<br />

ar. Tornar explícitas atitu<strong>de</strong>s sexuais tão íntimas, não é aceitável<br />

do ponto <strong>de</strong> vista ético­religioso. Os princípios <strong>da</strong> formação<br />

católica, não o permitem. Uma outra evidência do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> fogo <strong>da</strong><br />

Igreja, por exemplo, é o entrave na aprovação <strong>da</strong> Lei <strong>de</strong> legalização<br />

do aborto. O representante máximo <strong>de</strong>sta instituição, o Papa, durante<br />

suas peregrinações pelo mundo, continua a con<strong>de</strong>nar o uso <strong>de</strong> métodos<br />

contraceptivos não­naturais e, principalmente, o uso <strong>da</strong> camisinha.<br />

A campanha do Bráulio registrou um avanço na abor<strong>da</strong>gem <strong>da</strong><br />

camisinha no contexto <strong>da</strong>s campanhas preventivas, mas foi substituí<strong>da</strong><br />

em nome <strong>da</strong> “moral e dos bons costumes”. Lamentavelmente, na<br />

campanha seguinte, veicula<strong>da</strong> durante o carnaval <strong>de</strong> 96, o<br />

preservativo sequer aparece na tela. Enquanto a camisinha fica fora<br />

<strong>de</strong> cena, as DST/AIDS estão mais presentes do que nunca no cotidiano<br />

dos brasileiros.<br />

137 FIORIN,José Luiz. Elementos <strong>da</strong> análise do discurso.2 a .Ed.São Paulo: Contexto. 1990. , p 60.<br />

139


CAPÍTULO 4<br />

CONCLUSÃO<br />

Po<strong>de</strong>mos observar, ao longo <strong>de</strong>stes apontamentos, que o<br />

preservativo possui diversas utili<strong>da</strong><strong>de</strong>s, tanto preventivas, quanto<br />

contraceptivas. Do ponto <strong>de</strong> vista do controle <strong>da</strong> natali<strong>da</strong><strong>de</strong> é um<br />

método comprova<strong>da</strong>mente eficaz e não possui quaisquer contra­<br />

indicações. Sua utilização é recomen<strong>da</strong><strong>da</strong>, ain<strong>da</strong>, como suporte <strong>de</strong><br />

140


outros contraceptivos, nos períodos <strong>de</strong> interrupção programa<strong>da</strong>, ou<br />

não, <strong>de</strong>stes.<br />

As características profiláticas <strong>da</strong> camisinha foram realça<strong>da</strong>s<br />

neste século, a partir <strong>da</strong> <strong>de</strong>scoberta <strong>da</strong> AIDS. O preservativo oferece<br />

segurança e proteção para ambos os parceiros, quanto à exposição ao<br />

vírus HIV. Entretanto o seu uso, no controle <strong>da</strong>s DST, já era<br />

recomen<strong>da</strong>do <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o século XVI.<br />

A importância assumi<strong>da</strong> pelo condom, ao longo <strong>da</strong> História, merece<br />

ser conheci<strong>da</strong> e torna<strong>da</strong> pública. “O repouso para a alma” referido por<br />

Casanova, <strong>de</strong>fine o preservativo não como “barreira”, mas como<br />

mecanismo <strong>de</strong> liberação: o uso <strong>da</strong> camisinha instaurou a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

concreta <strong>de</strong> vivenciar a sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong> sem o temor <strong>da</strong> gravi<strong>de</strong>z. O sexo<br />

reprodutivo <strong>de</strong>u lugar ao sexo/prazer.<br />

Entretanto, o uso do preservativo no Brasil ain<strong>da</strong> encontra<br />

gran<strong>de</strong>s resistências culturais. O imaginário social está repleto <strong>de</strong><br />

conotações negativas a respeito <strong>da</strong> sua utilização, tais como: “o<br />

preservativo tira o prazer”, “é um mal necessário”, “o preservativo<br />

rompe com facili<strong>da</strong><strong>de</strong>”.<br />

Uma vez constituídos os mitos acerca do preservativo, a reversão<br />

<strong>de</strong>ste processo é muito difícil. Com relação ao rompimento, sabemos<br />

que ele <strong>de</strong>corre <strong>de</strong> inúmeros fatores, <strong>de</strong>ntre os quais o mais freqüente<br />

é o manuseio incorreto. A solução para este problema é a vivência e a<br />

experiência com o método. As instruções <strong>de</strong> uso são simples e<br />

acompanham as embalagens dos preservativos mas, se o usuário não<br />

141


seguir corretamente as recomen<strong>da</strong>ções, não po<strong>de</strong>rá <strong>de</strong>sfrutar <strong>da</strong><br />

segurança ofereci<strong>da</strong> pelo preservativo que, em geral, chega a 85%. 138<br />

O uso do preservativo é uma garantia <strong>da</strong> continui<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s<br />

práticas sexuais penetrativas, <strong>de</strong> qualquer natureza e qualquer que<br />

seja a orientação sexual adota<strong>da</strong> pelo usuário, <strong>de</strong> forma segura.<br />

A reprodução <strong>de</strong> “impressões” equivoca<strong>da</strong>s acerca do condom,<br />

constituem um <strong>de</strong>safio a mais para os órgãos e enti<strong>da</strong><strong>de</strong>s envolvias na<br />

prevenção <strong>de</strong> DST/AIDS.<br />

As campanhas ANTI­AIDS têm que levar em consi<strong>de</strong>ração todos os<br />

fatores relacionados com a camisinha e, ain<strong>da</strong>, fornecer informações<br />

sobre to<strong>da</strong>s as formas <strong>de</strong> contágio, comportamentos <strong>de</strong> risco, além <strong>de</strong><br />

impedir a discriminação dos soropositivos, chamando a atenção para a<br />

gravi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> AIDS, sem pregar o fatalismo­ atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong>smobilizadora.<br />

Com todos estes ingredientes obrigatórios, será que ain<strong>da</strong> há espaço<br />

para o prazer?<br />

Não é fácil organizar uma campanha que envolva tantos e<br />

diferenciados aspectos. Some­se a isto, a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> a<strong>da</strong>ptar o<br />

discurso <strong>da</strong> campanha ao veículo utilizado.<br />

O comercial <strong>de</strong> TV possui um formato próprio e lança mão <strong>de</strong><br />

técnicas e recursos específicos para pren<strong>de</strong>r a atenção do espectador.<br />

O objetivo do anúncio é a ven<strong>da</strong>. O setor privado é diretamente<br />

beneficiado pelas campanhas preventivas, uma vez que a sensibilização<br />

<strong>da</strong>s pessoas para o uso do preservativo também se reverte em aumento<br />

138 BRASIL. Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>.1997.Op cit. p 74<br />

142


nas ven<strong>da</strong>s <strong>de</strong>stes. No entanto, a contribuição <strong>de</strong>ste setor po<strong>de</strong>ria<br />

estar engaja<strong>da</strong> a uma política global <strong>de</strong> prevenção. A formulação<br />

<strong>de</strong>stas diretrizes <strong>de</strong>veria estar a cargo <strong>de</strong> profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e<br />

<strong>de</strong> comunicação, habilitados que são para tratar <strong>de</strong> tão relevante<br />

questão social.<br />

Acreditamos ser possível incluir a camisinha <strong>de</strong> forma mais<br />

positiva e estimulante. “Viva o prazer. Viva o sexo seguro” é para<br />

nós, mais que uma frase <strong>de</strong> efeito, é uma representação concreta <strong>de</strong>sta<br />

possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>. Não há subtração do prazer neste slogan, mas, sim, uma<br />

exaltação <strong>da</strong>s possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> obtenção <strong>de</strong>ste, em se tomando medi<strong>da</strong>s<br />

preventivas, o que se traduz no uso regular do preservativo.<br />

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />

BAUDRILLARD, Jean. O Sistema dos objetos. 2 ª ed. São Paulo: Perspectiva, 1989.<br />

BOUGNOUX, Daniel. Introdução às ciências <strong>da</strong> informação e <strong>da</strong> comunicação.Petrópolis:<br />

Vozes,1994.<br />

“Publici<strong>da</strong><strong>de</strong>: Novo Espaço Público?”.<br />

BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Preservativo Masculino : Hoje mais necessário do<br />

que nunca! Texto Marcio Ruiz Shiavo, Secretaria <strong>de</strong> Assistência à saú<strong>de</strong>. Programa Nacional<br />

<strong>de</strong> Doenças sexualmente transmissíveis/AIDS.1997.<br />

CALAZANS, Flávio. Propagan<strong>da</strong> subliminar multimídia. São Paulo: Summus<br />

Editorial, 1992.<br />

CARVALHO, Rejane V. Accioly.Publici<strong>da</strong><strong>de</strong>: Visões alegóricas do Brasil e <strong>da</strong><br />

143


Brasili<strong>da</strong><strong>de</strong>. Inédito. Trab. apresentado na IV COMPÓS,Brasília, 1995.<br />

CASTELO BRANCO, Renato “et alli”. História <strong>da</strong> propagan<strong>da</strong> no Brasil. São Paulo:<br />

IBRACO/ESPM e ABAP (TA. Queiroz, Editor), 1990.<br />

CORRÊA, Tupã Gomes.<strong>Comunicação</strong> para o mercado: instituições, mercado e<br />

Publici<strong>da</strong><strong>de</strong>. São Paulo: EDICON, 1995.<br />

“O mercado do simbólico”.<br />

CUNHA, Antonio Geraldo <strong>de</strong>. Dicionário etmológico Nova Fronteira <strong>da</strong> língua<br />

Portuguesa. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Nova Fronteira, 1982.<br />

FIORIN, José Luiz. Elementos <strong>da</strong> análise do discurso. 2 a Ed. São Paulo: Contexto<br />

1990.<br />

FLUSSER, Vilém. Póshistória. Vinte instantâneos e um modo <strong>de</strong> usar. São Paulo:<br />

Duas ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s, 1983.<br />

FREYRE, Gilberto. Decadência do patriarcado rural e <strong>de</strong>senvolvimento urbano. 6a. ed.<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro:Livraria José Olympio , 1981.<br />

FREITAS, Angela T. org.. Viagem ao mundo <strong>da</strong> Contracepção Um guia sobre os ..<br />

Métodos anticoncepcionais. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Ed Rosa dos Tempos, 1990.<br />

LOYOLA,M. (org) AIDS e Sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Rio <strong>de</strong> Janeiro:Relume/Dumará UERJ,1994.<br />

MACHADO JUNIOR, Carlos Eduardo. O mercado do simbólico In Corrêa Tupã<br />

Gomes. Instituições, mercado e Publici<strong>da</strong><strong>de</strong>. São Paulo:EDICON, 1995.<br />

MacRae, Edward. A homossexuali<strong>da</strong><strong>de</strong> in. Macho Masculino Homem.Porto Alegre:<br />

L&PM, 1986.<br />

MORAIS <strong>de</strong> Sá, Carlos Alberto “et alli”. Corpo a Corpo contra a AIDS.Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />

Ed. Reunter, 1994.<br />

MOTT, Luiz.Ca<strong>de</strong>rno <strong>de</strong> Textos do Grupo Gay <strong>da</strong> Bahia. No.1.Salvador: Editora<br />

GGB,1990.<br />

MUCCHELLI, Roger. Psicologia <strong>da</strong> Publici<strong>da</strong><strong>de</strong>: conhecimento do problema,<br />

Aplicações práticas. Trad. Flávia Sollero <strong>de</strong> Campos. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Livros<br />

Técnicos e Científicos, 1978.<br />

PAIVA, Vera org. Em tempos <strong>de</strong> AIDS.1994<br />

PARKER, Richard. Corpos, prazeres e paixões. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Bestseller, 1991.<br />

________, et alli. A AIDS no Brasil. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Relume Dumará, 1994.<br />

PASSOS, Mauro Romero Leal et.al. Métodos para não engravi<strong>da</strong>r: educação e<br />

144


Avaliação.Rio <strong>de</strong> Janeiro:Cultura.1986.<br />

PETRI, Valéria.AIDS: Suprema metáfora in Macho Masculino Homem. Porto Alegre:<br />

L&PM,1986.<br />

PIRATININGA, Luis Celso.Publici<strong>da</strong><strong>de</strong>: arte ou artifício? São Paulo: T.A Queiroz,<br />

1994.<br />

ROBINSON, Paul. A mo<strong>de</strong>rnização do sexo: ensaios sobre Ellis, Kinsey, Masters e<br />

Johnson. Trad. Noelini Souza.Rio <strong>de</strong> Janeiro:Civilização Brasileira.1976.<br />

ROCHA, Eduardo P. Guimarães. Magia e Capitalismo: um estudo antropológico <strong>da</strong><br />

Publici<strong>da</strong><strong>de</strong>.São Paulo: Ed. Brasiliense,1985.<br />

ROSENTHAL, Caio. AIDS no cenário <strong>de</strong> uma nova or<strong>de</strong>m social.Folha <strong>de</strong> São Paulo<br />

29 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1996.<br />

SAFFIOTI, Heleieth I. B.O po<strong>de</strong>r do macho.São Paulo: Mo<strong>de</strong>rna, 1987.<br />

TERTO, Veriano Junior. Sexo seguro (...) Boletim Pela Vid<strong>da</strong>, ano III, no. 14, <strong>de</strong>z/92<br />

TOSCANI, Oliviero. A Publici<strong>da</strong><strong>de</strong> é um Cadáver Que Nos Sorri. Trad. Luiz Cavalcante .<br />

<strong>de</strong> M. Guerra.Rio <strong>de</strong> Janeiro:Ediouro,1996.<br />

VARELLA, Drauzio “et alli”. AIDS HOJE. 2 a. Ed. São Paulo:Jovem Pam­ Centro<br />

Educacional Objetivo, Grupo Perdigão.1989.<br />

VESTEGAARD.T. SCHRODEIK. A linguagem <strong>da</strong> propagan<strong>da</strong>.Trad. João Alves dos<br />

Santos. 2 a ed.São Paulo: Martins Fontes,1994.<br />

VILELA, Wilza.Oficinas <strong>de</strong> sexo mais seguro para mulheres in Abor<strong>da</strong>gens<br />

Metodológicas e <strong>de</strong> avaliação. São Paulo: Nepaids. 1996.<br />

145


PERIÓDICOS<br />

146


Revista Caros Amigos. Ed. Casa Amarela, ano I, no. 7, out/97.<br />

AIDS Boletim Epi<strong>de</strong>miológico PNDST. Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>, ano V, no. 9.<br />

GAPA/Bahia Boletim do Grupo <strong>de</strong> Apoio à Prevenção à AIDS <strong>da</strong> Bahia. Ed.<br />

Especial Vancouver. Agosto <strong>de</strong> 1996.<br />

BIANCARELLI, Aureliano.O Mapa <strong>da</strong>s doenças sexualmente transmissíveis. Folha <strong>de</strong> São Paulo,<br />

01/12/95.<br />

GONÇALVES, Marcos Augusto. De Roma a Acopiara. Folha <strong>de</strong> São Paulo 29 <strong>de</strong><br />

Outubro <strong>de</strong> 1995.<br />

147

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!