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Monografia - Faculdade de Comunicação da UFBA - Universidade ...

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MARIA ANTONIA SANTOS DAMASIO<br />

A CAMISINHA NOS<br />

ANAIS DA<br />

PUBLICIDADE<br />

AINDA HÁ ESPAÇO PARA O<br />

PRAZER?<br />

Um estudo sobre o preservativo e suas<br />

diversas formas <strong>de</strong> utilização.<br />

MARIA ANTONIA SANTOS DAMASIO


A CAMISINHA NOS ANAIS DA PUBLICIDADE,AINDA HÁ ESPAÇO PARA<br />

O PRAZER?<br />

APONTAMENTOS SOBRE O PRESERVATIVO E SUAS DIVERSAS FORMAS DE<br />

UTILIZAÇÃO<br />

<strong>Monografia</strong><br />

Apresenta<strong>da</strong> no Curso <strong>de</strong> Graduação <strong>da</strong> <strong>Facul<strong>da</strong><strong>de</strong></strong> <strong>de</strong><br />

<strong>Comunicação</strong> <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>da</strong> Bahia como requisito<br />

parcial à obtenção <strong>de</strong> grau <strong>de</strong> bacharel em comunicação, com<br />

habilitação em jornalismo<br />

_<br />

ORIENTADORA: PROF.ANNAMARIA JATOBÁ<br />

SALVADOR<br />

1997<br />

10


RESUMO<br />

Após o advento <strong>da</strong> AIDS e sua constituição enquanto epi<strong>de</strong>mia<br />

generaliza<strong>da</strong>, o uso <strong>da</strong> camisinha passou a ser sugerido como uma<br />

forma segura <strong>de</strong> prevenção <strong>da</strong> síndrome sexualmente adquiri<strong>da</strong>.<br />

É no contexto <strong>da</strong>s campanhas preventivas que po<strong>de</strong>mos analisar <strong>de</strong> que maneira é<br />

trata<strong>da</strong> na mídia, a imagem pública do preservativo­ se efetivamente são<br />

acentua<strong>da</strong>s as suas características profiláticas e, principalmente, se são consi<strong>de</strong>rados os<br />

aspectos sócio­culturais implicados na sua utilização.<br />

Para tanto, proce<strong>de</strong>mos a análise do discurso tanto <strong>de</strong> campanhas preventivas<br />

realiza<strong>da</strong>s pelo Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong> e Organizações não governamentais liga<strong>da</strong>s á<br />

prevenção <strong>da</strong> AIDS, quanto <strong>de</strong> um anúncio comercial.<br />

Concluimos pela dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> enfrenta<strong>da</strong> pelos publicitários em formular<br />

campanhas preventivas, uma vez que o discurso <strong>da</strong> publici<strong>da</strong><strong>de</strong>, em sua essência, vai <strong>de</strong><br />

encontro ao discurso <strong>da</strong>s campanhas preventivas. A possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> se viabilizar<br />

campanhas que dêem conta <strong>de</strong>stas questões passa, necessariamente, pela formulação <strong>de</strong><br />

uma política preventiva, que envolva tanto profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, quanto <strong>de</strong><br />

comunicação.<br />

11<br />

________________ _ SUMÁRIO


LISTA DE ILUSTRAÇÕES............................................................................................08<br />

LISTA DE ANEXOS.......................................................................................................09<br />

1­ Introdução........................................................................................................................13<br />

2­ Camisinha: consi<strong>de</strong>rações gerais <strong>de</strong> sua utilização preventiva.......................................24<br />

2.1­ Aspectos históricos do uso do preservativo e sua relação com a epi<strong>de</strong>mia <strong>da</strong> AIDS.....32<br />

2.1.2­ Etimologia........................................................................................................................42<br />

2.2­ Aspectos técnicos implicados no uso <strong>da</strong> camisinha e sua relação com a epi<strong>de</strong>mia <strong>da</strong><br />

AIDS.................................................................................................................................44<br />

2.2.1­ Permeabili<strong>da</strong><strong>de</strong>/vazamento <strong>da</strong> camisinha.........................................................................55<br />

2.2.2­ Rompimento do preservativo............................................................................................57<br />

2.2.3­ Possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> camisinha escorregar..............................................................................62<br />

2.3­ Classificação <strong>da</strong> camisinha enquanto método <strong>de</strong> barreira..................................................66<br />

2.3.1­ O condom e os reais fatores <strong>de</strong> proteção às DST/AIDS.....................................................69<br />

2.4­ Aspectos Sócio­culturais implicados no uso <strong>da</strong> camisinha e sua relação com a<br />

epi<strong>de</strong>mia <strong>da</strong> AIDS .............................................................................................................72<br />

2.4.1 A camisinha colocando em cheque as questões <strong>de</strong> gênero, o machismo e a infi<strong>de</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong>.73<br />

2.4.2­ O preservativo nas relações estáveis..................................................................................75<br />

2.4.3 ­ O preservativo nas relações não estáveis...........................................................................77<br />

2.4.4 ­ A camisinha nas relações extraconjugais ..........................................................................78<br />

2.4.5­ A camisinha nas relações homossexuais............................................................................79<br />

2.4.6­ Problematizando a relação uso/não uso..............................................................................80<br />

2.4.7­ A camisinha e as interdições religiosas..............................................................................88<br />

3­ A camisinha nos anais <strong>da</strong> publici<strong>da</strong><strong>de</strong>................................................................................99<br />

3.1­ O fenômeno <strong>da</strong> publici<strong>da</strong><strong>de</strong>.............................................................................................. 102<br />

3.1.1­ O anúncio enquanto produto cultural.................................................................................103<br />

3.1.2­ A publici<strong>da</strong><strong>de</strong> e a máquina do <strong>de</strong>sejo.................................................................................105<br />

3.1.3­ A publici<strong>da</strong><strong>de</strong> e os modos <strong>de</strong> vi<strong>da</strong>......................................................................................106<br />

3.1.4­ A publici<strong>da</strong><strong>de</strong> e o imaginário..............................................................................................108<br />

3.1.5­ A imagem do objeto (camisinha)........................................................................................110<br />

3.1.6­ O processo <strong>de</strong> significação <strong>da</strong> imagem...............................................................................114<br />

3.1.7­ .A publici<strong>da</strong><strong>de</strong> como espaço preventivo.............................................................................115<br />

12


3.1.8­ O discurso publicitário.......................................................................................................118<br />

3.2­ Decupagens <strong>da</strong>s campanhas................................................................................................120<br />

3.2.1­ Jontex Espermici<strong>da</strong>.............................................................................................................121<br />

3.2.2­ .3.2.2­ A campanha GAPA/96...........................................................................................129<br />

3.2.3­ A campanha do “Bráulio”...................................................................................................134<br />

4­ Conclusão............................................................................................................................145<br />

Referências bibliográficas...................................................................................................149<br />

Anexos.................................................................................................................................152<br />

_______________________________________________APRESENTAÇÃO<br />

13


A escolha do preservativo masculino, enquanto objeto <strong>de</strong>stes<br />

apontamentos, po<strong>de</strong> parecer estranha à primeira vista. Entretanto, é<br />

plenamente justificável ao se constatar que, após o advento <strong>da</strong> AIDS,<br />

o uso <strong>da</strong> camisinha foi acentua<strong>da</strong>mente sugerido no mundo inteiro,<br />

através <strong>de</strong> campanhas publicitárias.<br />

O caráter emergencial <strong>de</strong>stas campanhas, contudo, impossibilitou<br />

uma reflexão mais profun<strong>da</strong> acerca <strong>da</strong> inserção do preservativo na<br />

rotina sexual dos brasileiros, naquele momento. No entanto, em 1997,<br />

a primeira campanha ANTI­AIDS, organiza<strong>da</strong> pelo Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>,<br />

completa <strong>de</strong>z anos e o preservativo ain<strong>da</strong> não foi <strong>de</strong>vi<strong>da</strong>mente<br />

apresentado aos usuários. Não foram esclareci<strong>da</strong>s suas indicações,<br />

eficácia preventiva/profilática e especificações. Enfim, nenhum<br />

amplo <strong>de</strong>bate com a socie<strong>da</strong><strong>de</strong> foi promovido, acerca do significado<br />

<strong>da</strong> sua utilização, ou avalia<strong>da</strong>s as maneiras com as quais a população<br />

li<strong>da</strong> com o método, nem tampouco foi levado a conhecimento público a<br />

importância assumi<strong>da</strong> pelo preservativo ao longo <strong>da</strong> história <strong>da</strong><br />

humani<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

A camisinha continua sendo sub­utiliza<strong>da</strong> no Brasil 1 e vista pelo<br />

senso comum como um objeto que “corta o clima” e “impe<strong>de</strong> o<br />

prazer”.<br />

1 LINSKIN,L,et al. Condoms:Now more than ever. Population Reports H(8) 1990 p.5<br />

14


Sabemos que o preservativo, necessariamente, refere­se ao órgão<br />

sexual masculino. A condição do pênis, seja enquanto órgão<br />

copulador, instrumento <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r ou <strong>de</strong> prazer, não é abertamente<br />

discuti<strong>da</strong>. A camisinha, como objeto diretamente ligado ao falo,<br />

também não o é. Contraditoriamente, tanto a literatura médica quanto<br />

a antropológica, <strong>de</strong>dicam inúmeras páginas à <strong>de</strong>scrição e análise do<br />

pênis, tanto do ponto <strong>de</strong> vista científico, quanto social. Já a<br />

camisinha, não segue a mesma sorte.<br />

Percorremos as livrarias <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, em busca <strong>de</strong> algum título que<br />

pu<strong>de</strong>sse <strong>da</strong>r conta <strong>da</strong> história <strong>da</strong> camisinha, suas contra­indicações<br />

­ se houvessem­, e curiosi<strong>da</strong><strong>de</strong>s: na<strong>da</strong> foi encontrado. Visitamos o<br />

Centro Especializado em Reprodução Humana <strong>de</strong> Salvador (CEPARH), a<br />

<strong>Facul<strong>da</strong><strong>de</strong></strong> Baiana <strong>de</strong> Medicina, o Grupo Gay <strong>da</strong> Bahia e o Centro <strong>de</strong><br />

Orientação Sorológia(COAS), mas não encontramos qualquer publicação<br />

nesse sentido. Foi naquele momento que percebemos a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

fazer uma abor<strong>da</strong>gem do preservativo envolvendo sua história,<br />

funções, vantagens e <strong>de</strong>svantagens <strong>de</strong> sua utilização. Era clara a<br />

dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> que teríamos para encontrar fontes bibliográficas.<br />

Finalmente, visitando o GAPA/BA, nos <strong>de</strong>paramos com uma publicação <strong>de</strong><br />

1997 intitula<strong>da</strong> : “Preservativo Masculino: Hoje, mais necessário do<br />

que nunca!” A já cita<strong>da</strong> publicação do Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>, foi <strong>de</strong><br />

gran<strong>de</strong> importância neste nosso trabalho, pois nos ofereceu <strong>da</strong>dos<br />

consistentes e indicou outras fontes.<br />

Decidimos utilizar as próprias campanhas publicitárias para<br />

analisarmos a forma como era trabalha<strong>da</strong> a “imagem” <strong>da</strong> camisinha.<br />

15


Dividimos o trabalho em duas partes: uma diz respeito às<br />

consi<strong>de</strong>rações gerais acerca <strong>da</strong> utilização profilática do<br />

preservativo ­ aspectos históricos, técnicos e sócio­culturais<br />

implicados no seu uso; a outra, refere­se a análise <strong>da</strong>s campanhas<br />

propriamente ditas. Por se tratar a publici<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> um campo<br />

específico <strong>da</strong> comunicação, <strong>de</strong> cujos conceitos nos apropriamos para a<br />

análise <strong>da</strong>s campanhas, reservamos um capítulo, anterior às<br />

<strong>de</strong>cupagens, para explicar as suas peculiari<strong>da</strong><strong>de</strong>s técnicas e<br />

funções.<br />

Esclarecemos que, com estes apontamentos, não preten<strong>de</strong>mos<br />

encerrar a discussão acerca <strong>de</strong> tão amplo e complexo objeto <strong>de</strong><br />

estudo, mas, apenas, fornecer alguns elementos, ain<strong>da</strong> que<br />

incipientes, para futuras análises mais aprofun<strong>da</strong><strong>da</strong>s.<br />

16


CAPÍTULO 1<br />

INTRODUÇÃO<br />

O condon, ou preservativo, apareceu novamente na or<strong>de</strong>m do dia,<br />

em diversos setores <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>. Como também a prevenção, através<br />

<strong>de</strong> seu uso tem sido a única arma disponível no combate à AIDS,<br />

sexualmente transmissível. A necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> controlar a epi<strong>de</strong>mia e<br />

garantir a continuação <strong>da</strong>s práticas sexuais penetrativas, <strong>de</strong> forma<br />

segura, foram agrupa<strong>da</strong>s em torno do único método masculino com<br />

características profiláticas: O preservativo. Po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>preen<strong>de</strong>r o<br />

papel <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> relevância e notorie<strong>da</strong><strong>de</strong> assumi<strong>da</strong> pelo preservativo,<br />

após o advento <strong>da</strong> AIDS, posto que 74% dos infectados com o vírus HIV<br />

o foram por via sexual, enquanto os outros 26% foram contaminados<br />

através do uso compartilhado <strong>de</strong> drogas injetáveis e transfusões<br />

realiza<strong>da</strong>s com sangue contaminado. 2<br />

A AIDS, Constituindo­se como epi<strong>de</strong>mia generaliza<strong>da</strong>, trouxe<br />

novamente à tona o uso do preservativo, num momento em que outros<br />

métodos contraceptivos já o superavam na preferência dos usuários. A<br />

2 Simpósio A Epi<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> AIDS na Bahia­ realização grupo HIVi<strong>da</strong>, 30/11/96, PAF, <strong>UFBA</strong>)<br />

17


síndrome provocou o segundo “boom” <strong>de</strong> utilização do preservativo. 3<br />

Sendo a única medi<strong>da</strong> preventiva capaz <strong>de</strong> proteger ambos os parceiros<br />

do vírus HIV, sua importância profilática foi reavalia<strong>da</strong> e seu uso<br />

recomen<strong>da</strong>do pela comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> científica.<br />

Os primeiros casos <strong>de</strong> AIDS foram <strong>de</strong>tectados no início <strong>da</strong> déca<strong>da</strong><br />

<strong>de</strong> 80. O sinal <strong>da</strong> aparição <strong>da</strong> misteriosa doença foi o aumento , em<br />

jovens americanos, dos casos graves do Sarkoma <strong>de</strong> Kaposi, uma espécie<br />

<strong>de</strong> câncer <strong>de</strong> pele. O <strong>de</strong>rmatologista Alvin Fredman Kien, em Nova<br />

York, foi quem chamou a atenção para o surto, uma vez que<br />

anteriormente os casos <strong>de</strong> Sarkoma eram raros, não contagiosos e<br />

atacavam somente os idosos. Enquanto isto, na Califórnia, as<br />

investigações revelaram a existência <strong>de</strong> uma doença que matava os<br />

homossexuais, predispondo­os ao Sarkoma <strong>de</strong> Kaposi e à pneumonia por<br />

pneumocystis carinii. 4<br />

Era a comprovação do surgimento <strong>da</strong> Síndrome <strong>da</strong> Imuno<strong>de</strong>ficiência<br />

Adquiri<strong>da</strong>. Síndrome por se tratar não <strong>de</strong> uma única doença, mas <strong>de</strong> um<br />

conjunto <strong>de</strong> sintomas e manifestações. Imuno<strong>de</strong>ficiência porque<br />

atacava o sistema <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa do organismo, <strong>de</strong>ixando­o susceptível às<br />

infecções. E, por fim, adquiri<strong>da</strong>, porque a AIDS é contraí<strong>da</strong> através<br />

do vírus HIV. A AIDS é uma Doença Sexualmente Transmissível. 5<br />

3 O primeiro “boom” foi registrado nas campanhas públicas do século XIX, realiza<strong>da</strong>s nos Estados Unidos e Europa. Estas<br />

campanhas buscavam promover a contracepção e o controle <strong>da</strong> natali<strong>da</strong><strong>de</strong>, num momento em que os métodos<br />

anticoncepcionais estavam em pleno <strong>de</strong>senvolvimento.<br />

4 MORAIS DE SÁ, Carlos Alberto et al. Corpo a Corpo contra a AIDS. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Ed. Reunter,1994.<br />

5 Vi<strong>de</strong> fig. 05 ­08, <strong>de</strong> produção do Centro <strong>de</strong> Orientação e Apoio Sorológico, anexa<strong>da</strong>s no final do capítulo 2..<br />

18


O vírus do HIV, no caso do contágio sexual, penetra no<br />

organismo através dos linfócitos ­ células presentes nas secreções <strong>da</strong><br />

vagina e do pênis­ e ganha a corrente sangüínea, via vasos capilares.<br />

A partir <strong>de</strong> então, 10 bilhões <strong>de</strong> vírus são fabricados diariamente no<br />

organismo infectado. A <strong>de</strong>fesa do corpo é <strong>de</strong> responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s<br />

células CD4 que existem em número <strong>de</strong> 800 a 1.000 numa pessoa sadia. A<br />

síndrome avança consumindo o número <strong>de</strong> células <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa, ocasionando<br />

a baixa do sistema imunológico, tornando o ambiente propício a<br />

infecções.<br />

A <strong>de</strong>tecção <strong>da</strong> soropositivi<strong>de</strong> ­ presença <strong>de</strong> anticorpos do vírus<br />

na corrente sanguínea­ é feita através dos exames <strong>de</strong> sorologia Elisa<br />

e Western Blot. Os exames <strong>de</strong>vem ser repetidos <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> 1, 3 e 6<br />

meses uma vez que, imediatamente após o contágio, não há tempo hábil<br />

para formação <strong>de</strong> anticorpos do HIV pelo organismo infectado.<br />

As outras DST, tanto viróticas como o herpes, ou mesmo as<br />

bacterianas como a gonorréia, sífilis e a clamídia, assumem uma<br />

importância muito gran<strong>de</strong> no panorama <strong>de</strong> controle <strong>da</strong> AIDS. Isto<br />

porque as DST são porta <strong>de</strong> entra<strong>da</strong> para o HIV por causa <strong>da</strong>s<br />

microlesões que provocam, e pelo fato <strong>de</strong> a infecção levar a um<br />

aumento <strong>de</strong> glóbulos brancos, ou seja, os linfócitos on<strong>de</strong> o vírus se<br />

aloja . Estudos em vários países indicam que a presença <strong>de</strong> uma DST<br />

aumenta <strong>de</strong> 4 a 18 vezes as chances <strong>de</strong> uma pessoa adquirir o vírus <strong>da</strong><br />

AIDS.<br />

O Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong> estima que 70% <strong>da</strong>s DST em homens são<br />

trata<strong>da</strong>s em balcões <strong>de</strong> farmácia. “ Na maioria <strong>da</strong>s vezes não são<br />

19


medicados corretamente e o farmacêutico não fala no uso do<br />

preservativo” diz a infectologista Maria Eugênia Lemos Fernan<strong>de</strong>s,<br />

diretora <strong>da</strong> Family Health International do Brasil. 6<br />

No Brasil, em São Paulo, em 1982 foi <strong>de</strong>tectado o primeiro caso<br />

<strong>de</strong> AIDS. 7 . Em 1997, já se somam 30 milhões <strong>de</strong> notificações em todo o<br />

mundo, sendo 110 mil só no Brasil. 8 Esses números, embora<br />

preocupantes, representam um pequeno percentual <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Na<br />

Bahia, por exemplo, existe uma projeção estima<strong>da</strong> <strong>de</strong> 10.000 prováveis<br />

soropostivos, num universo <strong>de</strong> 3.000 notificados, segundo <strong>da</strong>dos<br />

obtidos no Centro <strong>de</strong> Orientação e Apoio Sorológico, em 1996.<br />

Em São Paulo a AIDS é a principal causa <strong>de</strong> morte em mulheres em<br />

estado fértil, segundo Inês Dourado, médica do Instituto <strong>de</strong> saú<strong>de</strong><br />

coletiva <strong>da</strong> <strong>UFBA</strong>. 9<br />

A Organização Mundial <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> estima que, no ano 2.000 haverá<br />

cerca <strong>de</strong> 15 milhões <strong>de</strong> órfãos, com menos <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong>, por<br />

causa <strong>da</strong> AIDS.<br />

A população frente à AIDS <strong>de</strong>para­se com questões sociais<br />

gravíssimas que se convertem na pauperização <strong>da</strong> síndrome. Neste<br />

sentido, um artigo publicado na Folha <strong>de</strong> São Paulo, em 29 <strong>de</strong> novembro<br />

<strong>de</strong> 1996, pelo médico infectologista, do Instituto Emílio Ribas, Caio<br />

Rosenthal, é bastante esclarecedor. O médico afirma que a pobreza, a<br />

6<br />

BIANCARELLI, Aureliano. O Mapa <strong>da</strong>s DST. Folha <strong>de</strong> São Paulo, São Paulo, 01 <strong>de</strong>z 95, cad varie<strong>da</strong><strong>de</strong>s p 1­3.<br />

7<br />

AIDS­Boletim Epi<strong>de</strong>miológico Programa Nacional <strong>de</strong> Combate às Doenças Sexualmente Transmissíveis. Ministério <strong>da</strong><br />

Saú<strong>de</strong>, ano V, no. 9.<br />

8 a<br />

AIDS no TRT <strong>de</strong>bate realizado no dia 30/10/97 , na sala <strong>da</strong> Escola <strong>de</strong> Magistrados <strong>da</strong> Justiça do Trabalho 5 .Região.<br />

9<br />

A EPIDEMIA DE AIDS na BAHIA. Simpósio realizado pelo grupo HIVi<strong>da</strong>, em 30/11/96, no PAF/Ondina <strong>da</strong> <strong>UFBA</strong>.<br />

20


discriminação e o analfabetismo, são os três fatores <strong>de</strong> maior risco<br />

para a disseminação <strong>da</strong> doença no planeta.<br />

Quando este artigo foi publicado, a estimativa mundial <strong>de</strong><br />

soropositivos notificados, segundo a OMS, era <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> 26 milhões.<br />

Isso significaria 7.000 novos casos por dia. Desse total, 90% são<br />

habitantes do terceiro mundo. Um ano <strong>de</strong>pois, temos notícia <strong>de</strong> que a<br />

previsão para o ano 2.000 é <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> 40 milhões <strong>de</strong> notificações.<br />

O impacto <strong>de</strong>mográfico e econômico é assustador. A maioria dos<br />

infectados, segundo o infectologista, está na faixa dos 20 aos 40<br />

anos, justamente a mais produtiva e a que garante o suporte familiar.<br />

Mais <strong>de</strong> 80% <strong>da</strong>s mortes também ocorrem nessa faixa. O efeito negativo<br />

nos indicadores sociais é evi<strong>de</strong>nte, observa. Diminuem a força <strong>de</strong><br />

trabalho, a ren<strong>da</strong> familiar, o acesso à educação, o cui<strong>da</strong>do com os<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes e cai a expectativa <strong>de</strong> vi<strong>da</strong>. Este conjunto <strong>de</strong> aspectos,<br />

<strong>de</strong> alta relevância social, é <strong>de</strong>nominado “pauperização <strong>da</strong> AIDS”.<br />

Esses <strong>da</strong>dos, por si só, justificariam a urgência <strong>de</strong> ações<br />

educativas e a intensificação <strong>de</strong> campanhas, uma vez que a única arma<br />

eficaz <strong>de</strong> que dispomos no combate à AIDS é a prevenção.<br />

Segundo o infectologista, para brecar a epi<strong>de</strong>mia, o dinheiro<br />

<strong>de</strong>veria ser aplicado em programas <strong>de</strong> prevenção, cui<strong>da</strong>dos básicos com<br />

a saú<strong>de</strong> e na promoção dos direitos humanos. O médico citou o exemplo<br />

<strong>da</strong> Tailândia, que conseguiu impedir cerca <strong>de</strong> 2 milhões <strong>de</strong> novos casos<br />

com um agressivo programa <strong>de</strong> prevenção e distribuição <strong>de</strong><br />

preservativos.<br />

21


No Brasil, o Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong> lançou o Programa Nacional <strong>de</strong><br />

Combate à AIDS em maio <strong>de</strong> 1985, com poucos recursos. No final <strong>de</strong><br />

1986, foi instituí<strong>da</strong> a notificação obrigatória às Secretarias <strong>de</strong><br />

Saú<strong>de</strong>, dos casos <strong>de</strong>tectados pelos médicos.<br />

A primeira campanha preventiva que fez referência à contaminação<br />

sexual, só foi leva<strong>da</strong> ao ar em 1987, por ocasião do carnaval, quando<br />

se temia a entra<strong>da</strong> <strong>de</strong> turistas estrangeiros contaminados.<br />

Ao longo <strong>de</strong>stes <strong>de</strong>z anos, sucessivas campanhas foram lança<strong>da</strong>s<br />

pelo Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>, tendo como foco principal o estímulo ao uso<br />

<strong>de</strong> preservativos. Também as Organizações não governamentais liga<strong>da</strong>s à<br />

prevenção <strong>da</strong> AIDS, veicularam campanhas na mídia. Essas campanhas<br />

acabaram por favorecer o aquecimento do mercado no que diz respeito à<br />

<strong>de</strong>man<strong>da</strong> por preservativos. Em meados dos anos 80, o mercado comercial<br />

<strong>de</strong> preservativos no Brasil foi estimado em 60 milhões <strong>de</strong> uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s.<br />

Somente no primeiro quadrimestre <strong>de</strong> 96, foram comercializa<strong>da</strong>s cerca<br />

<strong>de</strong> 55,4 milhões <strong>de</strong> preservativos. 10 Estes números são suficientes para<br />

<strong>de</strong>monstrar que os fabricantes <strong>de</strong> preservativos acabam lucrando com as<br />

campanhas preventivas.<br />

Se por um lado a Indústria <strong>de</strong> fabricantes <strong>de</strong> preservativos lucra<br />

com as campanhas, os gran<strong>de</strong>s laboratórios lucram com a ven<strong>da</strong> dos<br />

medicamentos utilizados no tratamento dos soropositivos. O fato é que<br />

a AIDS se converte em um mercado promissor para alguns empresários.<br />

10 Brasil. Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>. Secretaria <strong>de</strong> Assistência à Saú<strong>de</strong>. PNDST/AIDS: Preservativo Masculino: Hoje mais<br />

necessário do que nunca! Texto Marcio Ruiz Shiavo. Brasília: Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>, 1997, p 18.<br />

22


O boletim do GAPA/Bahia, publicado em agosto/96, após a<br />

conferência Internacional <strong>de</strong> AIDS, realiza<strong>da</strong> em Vancouver, no Canadá,<br />

<strong>de</strong>nuncia o <strong>de</strong>scaso dos meios <strong>de</strong> comunicação que, preocupados com a<br />

ven<strong>da</strong> <strong>de</strong> jornais e o aumento <strong>da</strong> audiência, reproduziram informações<br />

incorretas, anunciando, precipita<strong>da</strong>mente, a cura <strong>da</strong> AIDS.<br />

O otimismo exagerado teve conseqüências boas e más. Os<br />

soropositivos em estado avançado <strong>de</strong> AIDS aventaram a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong><br />

reabilitação, os recém­soropositivados, sonharam em zerar o HIV no<br />

sangue. No entanto, os inibidores <strong>de</strong> protease não po<strong>de</strong>m ser<br />

administrados sem o rigoroso acompanhamento <strong>da</strong> carga viral­ exame que<br />

<strong>de</strong>tecta a quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> vírus por ml <strong>de</strong> sangue­ A prescrição <strong>de</strong>stes<br />

medicamentos <strong>de</strong>ve ser feita no momento a<strong>de</strong>quado. A auto medicação<br />

implica sérios riscos à saú<strong>de</strong>, uma vez que não se tem certeza<br />

absoluta sobre a toxici<strong>da</strong><strong>de</strong> que po<strong>de</strong>m trazer os longos tratamentos,<br />

ou, ain<strong>da</strong>, as chances potenciais <strong>de</strong> o vírus criar resistência aos<br />

inibidores <strong>de</strong> protease.<br />

Todos estes <strong>de</strong>talhes <strong>de</strong>vem ser observados quando do anúncio <strong>de</strong><br />

novi<strong>da</strong><strong>de</strong>s no tratamento <strong>da</strong> síndrome. A perspectiva <strong>de</strong> cura faz com<br />

que algumas pessoas potencialmente expostas ao risco <strong>de</strong> contaminação,<br />

abandonem o uso <strong>de</strong> camisinha.<br />

A maneira mais rápi<strong>da</strong> <strong>de</strong> difundir a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> usar<br />

preservativos, é através <strong>da</strong> utilização <strong>da</strong> mídia. O preservativo<br />

voltou à cena numa situação emergencial, on<strong>de</strong> buscava­se o controle<br />

<strong>da</strong> epi<strong>de</strong>mia.<br />

23


É no contexto <strong>da</strong>s campanhas publicitárias, sejam as realiza<strong>da</strong>s<br />

pelo Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>, por organizações não governamentais ou<br />

pelos fabricantes, que a imagem do preservativo po<strong>de</strong> ser analisa<strong>da</strong><br />

com maior proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>. Determinados clichês sociais refletem a pouca<br />

atenção que o povo brasileiro dá ao preservativo. O estigma <strong>da</strong><br />

“subtração do prazer” que acompanha a camisinha é, em boa medi<strong>da</strong>,<br />

reforçado pela pouca informação que se tem a respeito <strong>da</strong> varie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

marcas e mo<strong>de</strong>los existentes.<br />

O núcleo central <strong>de</strong>sta análise diz respeito à forma como é<br />

abor<strong>da</strong><strong>da</strong> a recomen<strong>da</strong>ção do uso do preservativo nas campanhas<br />

publicitárias ANTI­AIDS no Brasil. Para tanto, selecionamos <strong>de</strong>ntre as<br />

inúmeras campanhas institucionais realiza<strong>da</strong>s pelo Ministério <strong>da</strong><br />

saú<strong>de</strong>, a campanha do Bráulio, veicula<strong>da</strong> em 6 <strong>de</strong> setembro/95. Esta<br />

campanha foi, sem dúvi<strong>da</strong> alguma, a que mais agitou a socie<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />

provocando reações diversas que culminaram com a sua supressão, por<br />

<strong>de</strong>terminação <strong>da</strong> Presidência <strong>da</strong> República, logo no primeiro dia após a<br />

sua veiculação. 11<br />

A campanha que representa a participação <strong>da</strong>s organizações não<br />

governamentais liga<strong>da</strong>s à prevenção <strong>da</strong> AIDS foi a realiza<strong>da</strong> em 1996,<br />

pelo Grupo <strong>de</strong> Apoio à Prevenção a AIDS ­GAPA­ . Foi a última campanha<br />

multimídia produzi<strong>da</strong> pela ONG e sua escolha servirá <strong>de</strong> parâmetro para<br />

diferenciar as campanhas institucionais <strong>da</strong>s campanhas promovi<strong>da</strong>s por<br />

enti<strong>da</strong><strong>de</strong>s não governamentais. Por fim, a Johnson & Johnson foi eleita<br />

11 Informação confirma<strong>da</strong>, via telefone, em 18/11/97, pelo setor <strong>de</strong> atendimento <strong>da</strong> Agência Master, em Brasília.<br />

24


como representante dos fabricantes, em função <strong>de</strong> ser a lí<strong>de</strong>r do<br />

mercado. A peça <strong>de</strong> 30 segundos foi cedi<strong>da</strong> pela Dualibi Petit<br />

Zaragoza, agência que produz os anúncios <strong>da</strong> Johnson, e diz respeito<br />

ao lançamento do “Jontex espermici<strong>da</strong>”. As características do anúncio<br />

do fabricante diferem completamente <strong>da</strong>s campanhas preventivas. Essas<br />

especifici<strong>da</strong><strong>de</strong>s serão trata<strong>da</strong>s <strong>de</strong>talha<strong>da</strong>mente quando <strong>da</strong> análise<br />

individual <strong>da</strong>s campanhas.<br />

O objetivo fun<strong>da</strong>mental é <strong>de</strong>tectar <strong>de</strong> que maneira as campanhas,<br />

aqui recorta<strong>da</strong>s, exploram a imagem do preservativo ­ se acentuam<br />

suas características contraceptivas ou profiláticas­ se estimulam ou<br />

não a sua utilização regular.<br />

“Numerosas campanhas <strong>de</strong> alerta contra a AIDS e em favor <strong>da</strong>s<br />

camisinhas continuam piegas, burras e emperra<strong>da</strong>s. Nunca se atrevem a<br />

mostrar o ato sexual e o prazer que o acompanha.” 12<br />

Pensar positivamente o uso do preservativo, envolve<br />

potencializar e estimular o diálogo entre os parceiros, levando em<br />

conta a complexi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong>, e, consi<strong>de</strong>rando atitu<strong>de</strong>s que<br />

reforcem a confiança e a intimi<strong>da</strong><strong>de</strong> do casal, seja ele homo ou<br />

heterossexual. Significa <strong>de</strong>svincular a imagem <strong>da</strong> camisinha à<br />

12 TOSCANI,Oliviero. A publici<strong>da</strong><strong>de</strong> é um cadáver que nos sorri. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Ediouro, 1996, p 179.<br />

25


promiscui<strong>da</strong><strong>de</strong>, ausência ou per<strong>da</strong> <strong>de</strong> prazer e satisfação. Enfim,<br />

implica investir em mo<strong>de</strong>los e acessórios que ofereçam maior conforto<br />

e proporcionem um aumento <strong>da</strong> sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong> dos usuários.<br />

Estes apontamentos preten<strong>de</strong>m levar em consi<strong>de</strong>ração, não apenas<br />

as vantagens profiláticas do preservativo,mas, também, alguns<br />

inconvenientes relacionados à sua utilização, apontados pelos<br />

usuários e referen<strong>da</strong>dos pelo senso comum, tais como: “ a camisinha<br />

corta o clima”, “ impe<strong>de</strong> o prazer” “causa dor e mal­estar”. Todos<br />

estes aspectos acabam influenciando negativamente na formação <strong>da</strong><br />

imagem pública do preservativo, fazendo com que pessoas que sequer o<br />

utilizaram, acabem por reproduzir tais afirmações. Nesse sentido, o<br />

cui<strong>da</strong>do com a constituição <strong>de</strong> um conceito equivocado acerca <strong>da</strong><br />

camisinha é essencial para o controle <strong>da</strong> pan<strong>de</strong>mia 13 <strong>da</strong> AIDS.<br />

A or<strong>de</strong>m segui<strong>da</strong> nestes apontamentos prioriza os fatos que<br />

incentivaram o uso do preservativo. Desta forma, perceberemos alguns<br />

“ saltos” na cronologia <strong>de</strong> sua história social e <strong>de</strong> produção, no<br />

<strong>de</strong>correr dos tópicos.<br />

No final do capítulo dois, anexamos alguns <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong><br />

usuários <strong>de</strong> preservativos, 14 além <strong>de</strong> ilustrações que dizem respeito às<br />

recomen<strong>da</strong>ções acerca <strong>de</strong> sua utilização preventiva. 15<br />

13 O conceito <strong>de</strong> pan<strong>de</strong>mia implica na constituição <strong>de</strong> uma epi<strong>de</strong>mia generaliza<strong>da</strong>.<br />

14 A ilustração e os comentários presentes na figura 01 , foram retirados do livro Métodos para não engravi<strong>da</strong>r­<br />

Educação e avaliação, editado no Rio <strong>de</strong> janeiro,pela Cultura Médica, em 1986.<br />

15 A figuras 2,3,4,5,6,7,e 8 fazem parte do material informativo do Centro <strong>de</strong> Orientação e Apoio Sorológio <strong>da</strong> Bahia<br />

(COAS) e Grupo Lésbico <strong>da</strong> Bahia.<br />

26


Nos anexos, reproduzimos parte do material informativo do<br />

Centro <strong>de</strong> Orientação Sorológica/Bahia, Grupo Gay <strong>da</strong> Bahia e Grupo <strong>de</strong><br />

Apoio à Prevenção à AIDS, distribuído no ano <strong>de</strong> 1996 e que diz<br />

respeito ao uso do preservativo.<br />

CAPÍTULO 2<br />

CAMISINHA: CONSIDERAÇÕES GERAIS DE SUA UTILIZAÇÃO<br />

PREVENTIVA<br />

27


A história do preservativo <strong>de</strong>monstra que ora ele esteve ligado<br />

às ações contraceptivas, ora às práticas preventivas. É ao segundo<br />

nível <strong>de</strong> atuação <strong>da</strong> camisinha, que iremos nos reportar incisivamente.<br />

Este, diz respeito à capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> intrínseca do preservativo <strong>de</strong><br />

oferecer proteção contra as DST/AIDS. No entanto, como é um método<br />

reversível, os benefícios <strong>de</strong>correntes sua utilização só po<strong>de</strong>rão ser<br />

plenamente gozados, se observa<strong>da</strong>s as recomen<strong>da</strong>ções <strong>de</strong> uso.<br />

A regulari<strong>da</strong><strong>de</strong> com a qual utilizamos o preservativo também<br />

influencia <strong>de</strong>cisivamente na diminuição dos riscos <strong>de</strong> exposição às<br />

DST/AIDS. Neste particular, <strong>de</strong>tectamos a dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> enfrenta<strong>da</strong>s<br />

pelas enti<strong>da</strong><strong>de</strong>s envolvi<strong>da</strong>s com a prevenção <strong>da</strong> síndrome, não apenas em<br />

introduzir o uso do preservativo, nas diferentes classes sociais mas,<br />

também, <strong>de</strong> assegurar a sua utilização consistente.<br />

Atualmente, embora o uso <strong>de</strong> camisinhas seja mundial, pesquisas<br />

realiza<strong>da</strong>s no início dos anos 90 <strong>de</strong>notam que, em alguns países, os<br />

índices <strong>de</strong> utilização são mais significativos que em outros, senão<br />

vejamos: No Japão, 69% dos usuários <strong>de</strong> anticoncepcionais utilizam<br />

preservativos; na Dinamarca, Finlândia e Suécia, cerca <strong>de</strong> 20%,<br />

Espanha 21%; Estados Unidos 14%.<br />

Nos <strong>de</strong>mais países <strong>de</strong>senvolvidos a prevalência do uso varia <strong>de</strong><br />

5,5% a 15% do total <strong>de</strong> usuários <strong>de</strong> anticoncepcionais, com tendência<br />

ascen<strong>de</strong>nte.<br />

28


Nos países em <strong>de</strong>senvolvimento, ao contrário, o uso <strong>de</strong><br />

camisinhas é reduzido: uma média <strong>de</strong> 4% dos usuários <strong>de</strong> contraceptivos<br />

adotam a camisinha usualmente. 16<br />

O sucesso <strong>da</strong> camisinha no Japão está associado a pelo menos um<br />

fator: os mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> preservativos japoneses são menos espessos e<br />

mais anatômicos. Isto porque os padrões internacionais <strong>de</strong> controle <strong>de</strong><br />

quali<strong>da</strong><strong>de</strong> dos preservativos são estabelecidos pela norma ISO 4074(<br />

Internacional Organization for Standization), no entanto, ca<strong>da</strong> país<br />

<strong>de</strong>fine outros critérios para normalização e regulamentação <strong>de</strong>sses<br />

produtos, tais como espessura e diâmetro.<br />

No Brasil, o preservativo é pouco utilizado. As pesquisas nessa<br />

área são segmenta<strong>da</strong>s e ain<strong>da</strong> localiza<strong>da</strong>s. As estimativas resultantes,<br />

a <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r <strong>da</strong> metodologia aplica<strong>da</strong>, po<strong>de</strong>m variar muito. Por razões<br />

mercadológicas as indústrias <strong>de</strong> preservativo não fornecem <strong>da</strong>dos<br />

precisos sobre a sua produção e comercialização. Sabe­se, por<br />

exemplo, segundo informações do setor <strong>de</strong> assuntos públicos <strong>da</strong> própria<br />

Johnson e Jonhson, fabricante do Jontex, que a marca ocupa a<br />

li<strong>de</strong>rança no mercado <strong>de</strong> preservativos. No entanto, a empresa não<br />

fornece informação <strong>de</strong> percentuais ou números precisos. Outros<br />

fatores contribuem para que as estimativas <strong>de</strong> uso não correspon<strong>da</strong>m à<br />

reali<strong>da</strong><strong>de</strong>: Os mecanismos <strong>de</strong> controle dos órgãos públicos e<br />

organizações não governamentais que trabalham em planejamento<br />

16 LINSKIN,L, et al. 1990. Op cit. Id. Ibid.<br />

29


familiar também <strong>de</strong>ixam a <strong>de</strong>sejar. Por fim, o volume <strong>de</strong> camisinhas<br />

contraban<strong>de</strong>a<strong>da</strong>s é ignorado.<br />

Através <strong>de</strong> fontes do próprio Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>, selecionamos<br />

algumas <strong>da</strong>s mais recentes pesquisas realiza<strong>da</strong>s <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1990 para<br />

analisar o uso <strong>de</strong> preservativos na região Nor<strong>de</strong>ste e regiões<br />

metropolitanas do Rio, Recife e Curitiba. Um estudo encomen<strong>da</strong>do e<br />

realizado em 1991 pela BENFAM, abrangeu a região Nor<strong>de</strong>ste do Brasil e<br />

<strong>de</strong>tectou <strong>da</strong>dos importantes sobre uso <strong>de</strong> métodos contraceptivos pelas<br />

mulheres. 39,1% <strong>da</strong>s mulheres em estado fértil estavam utilizando<br />

algum método mo<strong>de</strong>rno <strong>de</strong> contracepção. Destas, apenas 1,1% relatou o<br />

uso regular <strong>de</strong> preservativos. Entre as mulheres casa<strong>da</strong>s ou com união<br />

consensual, a proporção foi <strong>de</strong> 1,4%. Quanto à intenção <strong>de</strong> uso no<br />

futuro, o preservativo foi apontado como método preferido por 2,2%<br />

<strong>de</strong> to<strong>da</strong>s que relataram <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> utilizar algum anticonceptivo. Note­<br />

se que este percentual ficou bem abaixo <strong>da</strong>s que <strong>de</strong>verão optar por<br />

métodos como DIU (3,3%) injeções (6,7%) ou tabelinha(6,4%) e muito<br />

inferior ao percentual <strong>da</strong>s que preten<strong>de</strong>m utilizar a pílula (39,1%)<br />

ou ain<strong>da</strong> submeter­se a métodos irreversíveis <strong>de</strong> esterilização<br />

cirúrgica(31,1%). 17<br />

A ressalva com relação a estas pesquisas diz respeito ao recorte<br />

<strong>da</strong>do por elas, ou seja, ficam restritas ao universo <strong>de</strong> mulheres em<br />

i<strong>da</strong><strong>de</strong> fértil, em geral casa<strong>da</strong>s ou com parceiros fixos, subestimando,<br />

<strong>de</strong>sta forma, o uso do preservativo.<br />

17 FERRAZ e A FERREIRA, I.Q. RUTEMBERGN SOARES,MP. Pesquisa sobre saú<strong>de</strong> familiar no Nor<strong>de</strong>ste do Brasil<br />

30


Com relação a esta problemática, dois trabalhos recentes<br />

realizados por Arru<strong>da</strong> e Cols. são bastante ilustrativos. 18<br />

O primeiro <strong>de</strong>les é a pesquisa sobre saú<strong>de</strong> reprodutiva e<br />

sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong> dos jovens brasileiros, abrangendo homens e mulheres na<br />

faixa etária dos 15 a 24 anos, resi<strong>de</strong>ntes nas regiões metropolitanas<br />

do Rio <strong>de</strong> Janeiro, Recife e Curitiba. No estudo, <strong>de</strong>tectou­se um<br />

elevado índice <strong>de</strong> adolescentes e jovens com experiência sexual. No<br />

Rio <strong>de</strong> janeiro, 83% dos homens e 42% <strong>da</strong>s mulheres relataram já terem<br />

tido relações sexuais; em Curitiba, esses índices foram <strong>de</strong> 73% para<br />

os homens e 38% para as mulheres. Já em Recife, 78% dos homens e<br />

25% <strong>da</strong>s mulheres relataram ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> sexual pré­marital. Entretanto,<br />

no que se refere ao uso <strong>de</strong> algum anticoncepcional,poucos foram os<br />

jovens que relataram o uso na primeira relação sexual: 22% dos homens<br />

e 31,7% <strong>da</strong>s mulheres no Rio <strong>de</strong> Janeiro; 23,5% dos homens e 26,8% <strong>da</strong>s<br />

mulheres em Curitiba; 22,5% dos homens e 22% <strong>da</strong>s mulheres em Recife.<br />

As pesquisas apontam também as razões que levam os jovens ao não<br />

uso <strong>de</strong> medi<strong>da</strong>s preventivas na primeira relação, quais sejam:<br />

imprevisibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> relação, <strong>de</strong>sconhecimento dos métodos<br />

anticoncepcionais e <strong>de</strong>spreocupação quanto ao seu uso. O que <strong>de</strong>nota a<br />

carência <strong>de</strong> informações dos jovens quanto as reais probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

ocorrência <strong>da</strong> gravi<strong>de</strong>z não planeja<strong>da</strong>, bem assim dos riscos <strong>de</strong><br />

1991.Rio <strong>de</strong> Janeiro. BENFAM/DHS,1992 p.76­78.<br />

18 ARRUDA, JM FERRAZ et al. Pesquisa sobre saú<strong>de</strong> reprodutiva e Sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong> do jovem Rio <strong>de</strong> Janeiro, Recife e<br />

Curitiba. 1990. Rio <strong>de</strong> Janeiro. BENFAM,1992, pg 133/146.<br />

31


contaminação <strong>da</strong>s Doenças Sexualmente Transmissíveis, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a primeira<br />

relação.<br />

Esses <strong>da</strong>dos revelam a urgência <strong>de</strong> uma política educacional no<br />

sentido <strong>de</strong> possibilitar aos adolescentes acesso não só à informação<br />

acerca dos contraceptivos, como também o acesso ao preservativo<br />

enquanto mercadoria. Negar a existência <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> sexual ativa dos<br />

adolescentes <strong>de</strong> na<strong>da</strong> adianta. Não se trata <strong>de</strong> incentivar o início <strong>da</strong><br />

vi<strong>da</strong> sexual <strong>de</strong>stes jovens, uma vez que as pesquisas <strong>de</strong>monstram que,<br />

com ou sem o consentimento dos pais ou responsáveis, o contato com a<br />

sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong> é ca<strong>da</strong> vez mais prematuro. Ignorar tais evidências<br />

implica colocar em risco a saú<strong>de</strong> e a vi<strong>da</strong> <strong>de</strong>sses jovens.<br />

Não basta criar uma expectativa <strong>de</strong> acesso, é necessária uma ação<br />

conjunta que dê conta do processo como um todo ( apresentação dos<br />

principais métodos, vantagens e <strong>de</strong>svantagens até a disponibilização<br />

dos mesmos).<br />

O método apontado como mais utilizado nestas pesquisas foi a<br />

pílula, segui<strong>da</strong> do coito interrompido.<br />

Ocorre que, as pílulas são especialmente contra­indica<strong>da</strong>s para<br />

mulheres adolescentes que menstruam há menos <strong>de</strong> quatro anos, pois seu<br />

organismo ain<strong>da</strong> não está complemente amadurecido para receber tamanha<br />

<strong>de</strong>scarga hormonal. 19<br />

O coito interrompido, por sua vez, é a forma mais antiga <strong>de</strong><br />

contracepção, sendo um método que, assim como o preservativo, não<br />

19 SOS CORPO­ Grupo <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> <strong>da</strong> Mulher­ Recife. Viagem ao Mundo <strong>da</strong> Contracepção um guia sobre os<br />

32


apresenta efeitos colaterais. No entanto, este método apresenta<br />

implicações psicológicas negativas principalmente para o homem que,<br />

no clímax <strong>da</strong> relação, tem que interromper o ato e retirar o pênis<br />

antes <strong>da</strong> ejaculação. É uma relação <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconforto e preocupação<br />

também para a mulher que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do autocontrole do parceiro. Esta é<br />

uma situação <strong>de</strong> tensão permanente, que requer conhecimento do corpo,<br />

para <strong>de</strong>tectar com precisão a hora <strong>da</strong> interrupção, o que em<br />

parceiros sem muita experiência sexual e adolescentes que normalmente<br />

têm ejaculação precoce é ain<strong>da</strong> mais complicado.<br />

Já os índices do uso do preservativo, na pesquisa, revelam<br />

diferenças bastante significativas. Da análise do comportamento<br />

sexual dos jovens casais que utilizaram preservativos na primeira<br />

relação sexual nas 3 regiões metropolitanas, <strong>de</strong>preen<strong>de</strong>­se que os<br />

adolescentes homens relataram duas vezes ou mais o uso <strong>da</strong> camisinha<br />

em relação às mulheres. Se apenas as jovens tivessem sido ouvi<strong>da</strong>s,<br />

haveria uma subestimativa quanto ao uso do preservativo. Outro<br />

aspecto importante e revelador é o cruzamento <strong>de</strong> <strong>da</strong>dos entre o uso<br />

regular <strong>da</strong> camisinha e a freqüência <strong>de</strong> relações sexuais manti<strong>da</strong>s nos<br />

últimos trinta dias anteriores à pesquisa e o respectivo estado<br />

marital dos entrevistados:<br />

métodos anticoncepcionais. Angela T. <strong>de</strong> Freitas. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Ed Rosa dos Tempos lt<strong>da</strong>.1990,p 124.<br />

33


Distribuição percentual dos adolescentes e jovens que usaram<br />

preservativos nos trinta dias anteriores à pesquisa,Brasil­1990<br />

CIDADE HOMENS<br />

RIO DE<br />

JANEIRO<br />

UNIDOS<br />

HOMENS NÃO<br />

UNIDOS<br />

MULHERES<br />

UNIDAS<br />

34<br />

MULHERES NÃO<br />

UNIDAS<br />

12,5 32,4 2,3 5,1<br />

CURITIBA 14,7 34,1 4,8 12,2<br />

RECIFE 18,8 40,4 3,8 15,3<br />

Tab.1 Fonte: ARRUDA et al.Op.cit.,1992,p.133­146<br />

A pílula foi o método mais reportado por mulheres e homens nas<br />

três ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do estado marital. A camisinha foi o<br />

segundo método mais reportado pelos homens, tendo uma importância<br />

maior entre os jovens não unidos. Em Recife, entre esses jovens, o<br />

preservativo chegou a superar a pílula. Para as mulheres, o segundo<br />

método mais usado varia segundo a ci<strong>da</strong><strong>de</strong> e o estado marital. No Rio<br />

<strong>de</strong> Janeiro as casa<strong>da</strong>s, ou em união, reportaram a abstinência<br />

periódica; as não uni<strong>da</strong>s, o coito interrompido. Em Curitiba os<br />

métodos citados foram, respectivamente, o preservativo e o coito


interrompido. Em Recife as casa<strong>da</strong>s ou uni<strong>da</strong>s reportaram o<br />

preservativo; as não uni<strong>da</strong>s, a esterilização.<br />

Um outro trabalho bastante representativo que <strong>de</strong>monstrou a<br />

subestimativa do uso <strong>da</strong> camisinha no Brasil, foi realizado por Berquó<br />

e Souza em 1991, em Campinas, São Paulo. 20<br />

O objetivo <strong>da</strong> pesquisa era avaliar o uso <strong>de</strong> preservativos pelos<br />

homens e, em caso afirmativo, com que fim esta prática estava sendo<br />

exerci<strong>da</strong>­ prevenção <strong>de</strong> DST/AIDS, prevenção <strong>de</strong> gravi<strong>de</strong>z in<strong>de</strong>seja<strong>da</strong> ou<br />

ambos os propósitos.<br />

O estudo incluiu homens na faixa etária dos <strong>de</strong>zoito aos trinta<br />

anos, pressupondo que a maioria seria <strong>de</strong> solteiros, o que aumentaria<br />

a probabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> relações sexuais com múltiplos parceiros,<br />

justificando ain<strong>da</strong> mais o uso freqüente do preservativo.<br />

A totali<strong>da</strong><strong>de</strong> dos entrevistados “sabia o que era“ e/ou “conhecia<br />

o preservativo” e questionados acerca <strong>da</strong> função do preservativo, mais<br />

<strong>de</strong> 79% <strong>de</strong>les respon<strong>de</strong>ram que servia “ para evitar gravi<strong>de</strong>z e as<br />

DST/AIDS”, os <strong>de</strong>mais dividiram­se em percentuais aproximados, entre<br />

evitar a gravi<strong>de</strong>z e evitar as DST/AIDS. Cerca <strong>de</strong> 80% <strong>da</strong> amostragem,<br />

mais <strong>de</strong> 2/3 dos quais eram solteiros, já haviam usado preservativo<br />

alguma vez. Em média 75% dos entrevistados haviam mantido relações<br />

sexuais nos 30 dias anteriores à pesquisa. Destes, no entanto,<br />

apenas 29,8% relataram o uso regular do preservativo. Este baixo<br />

nível <strong>de</strong> uso <strong>de</strong> certa forma tenta parecer justificável por fatores<br />

20 BERQUÓ, E . e SOUZA, MR. Homens adultos: Conhecimento e uso do Condom. In Loyola M (org).AIDS e<br />

35


como “ relações estáveis”, “relações não promíscuas”, “bom<br />

conhecimento sobre a parceira” e “uso <strong>de</strong> outro método pela<br />

parceira”. Enfim, questões que envolvem variáveis <strong>de</strong> gênero e<br />

preconceitos culturais arraigados que serão objeto <strong>de</strong> análise mais<br />

adiante.<br />

2.1 ASPECTOS HISTÓRICOS DO USO DO PRESERVATIVO E SUA<br />

RELAÇÃO COM A EPIDEMIA DA AIDS<br />

A história do preservativo profilático, camisa <strong>de</strong> vênus, condon<br />

ou como é popularmente conheci<strong>da</strong>, a camisinha, nos remete a milênios.<br />

Sabe­se que há aproxima<strong>da</strong>mente três mil anos os egípcios já revestiam<br />

o pênis. Capas <strong>de</strong> couro, marfim ou chifre, eram os artefatos<br />

utilizados para adornar o falo, o que, segundo eles, melhorava o<br />

<strong>de</strong>sempenho e aumentava a eficácia sexual masculina. Na mesma época,<br />

há registro do uso <strong>de</strong> pele do intestino <strong>de</strong> carneiro para envolver o<br />

órgão masculino, como forma <strong>de</strong> evitar a fecun<strong>da</strong>ção. 21<br />

Em 1564, o médico anatomista e fisiólogo Gabrielle Fallópio fez<br />

a primeira <strong>de</strong>scrição escrita do preservativo. O anatomista criou um<br />

envoltório <strong>de</strong> linho para o pênis, afirmando que seu uso impediria a<br />

Sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Rio <strong>de</strong> Janeiro. Relume Dumará/UERJ,1994 p.171­182.<br />

21 SOS CORPO­ Grupo <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> <strong>da</strong> Mulher­ Recife, op cit. 1990 ,p. 69<br />

36


disseminação <strong>de</strong> doenças, em especial a sífilis que assolava a<br />

Europa, à época. 22<br />

“ Embora o invento pu<strong>de</strong>sse ter efeitos contraceptivos,esse caráter<br />

iria marcar a história do único método masculino disponível 23 ”<br />

As epi<strong>de</strong>mias <strong>de</strong> DST, migraram <strong>da</strong> Europa para a América, trazi<strong>da</strong>s<br />

pelos colonizadores europeus. A sífilis se espalhou pelo “Novo<br />

Mundo”, sendo que no Brasil, a partir do século XVI, <strong>de</strong>ixou um rastro<br />

<strong>de</strong> morte nos lares e bordéis. Também no contexto <strong>da</strong>s gran<strong>de</strong>s<br />

plantações <strong>de</strong> cana­<strong>de</strong>­açúcar, durante os séculos XVII e XVIII o<br />

processo <strong>de</strong> sifilização se intensificou. 24<br />

As diferentes formas <strong>de</strong> colonização <strong>de</strong>terminaram as diferentes<br />

maneiras <strong>de</strong> li<strong>da</strong>r com essas doenças venéreas. No Brasil, no ambiente<br />

voluptuoso <strong>da</strong> Casa gran<strong>de</strong>, não se fazia uso <strong>de</strong> medi<strong>da</strong>s preventivas.<br />

Somente em meados do século XIX, disciplinas como higiene<br />

social, incluí<strong>da</strong>s pelas instituições religiosas, passaram a fazer<br />

parte <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> intelectual brasileira. A medicina mo<strong>de</strong>rna gradualmente<br />

veio a tomar forma, no curso do último século, exercendo influência<br />

crescente na classe alta e classe média emergente.<br />

22 Brasil. Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>, op cit.1997, p.7<br />

23 ________________ op cit, 1990,p 69.<br />

24 PARKER, Richard. Corpos Prazeres e Paixões. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Ed. Best seller. 1991 p.46­47.<br />

37


As primeiras referências escritas ao uso do preservativo como<br />

contraceptivo são registra<strong>da</strong>s nas poesias eróticas edita<strong>da</strong>s na<br />

Inglaterra, no início do século XVIII. 25<br />

Casanova (1725­1798), em suas memórias, também menciona as<br />

proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s profiláticas e contraceptivas do preservativo,<br />

referindo­se a ele como “ repouso para a alma”.<br />

Na França, os preservativos são conhecidos como “ capas<br />

inglesas” e na Inglaterra, como “cartas francesas” . Esta <strong>de</strong>nominação<br />

advém do fato <strong>de</strong> que, antigamente, muitos preservativos vinham parar<br />

nas praias <strong>da</strong> Inglaterra, on<strong>de</strong> eram ironicamente <strong>de</strong>nominados <strong>de</strong><br />

“cartas francesas”, embora os britânicos reivindiquem a invenção do<br />

produto.<br />

Os preservativos, inicialmente produzidos com membranas <strong>de</strong> intestinos<br />

<strong>de</strong> animais, eram caros e pouco confortáveis . A produção era limita<strong>da</strong><br />

e mal <strong>da</strong>va conta <strong>da</strong> <strong>de</strong>man<strong>da</strong> européia. No entanto, com o advento <strong>da</strong><br />

vulcanização, na meta<strong>de</strong> do século XIX, foi possível a introdução <strong>de</strong><br />

preservativos <strong>de</strong> borracha que, produzidos em escala industrial,<br />

custavam menos que os preservativos <strong>de</strong> membrana animal, o que<br />

possibilitou a difusão do seu uso. 26<br />

A vulcanização <strong>da</strong> borracha possibilitou o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong>s<br />

primeiras tecnologias mo<strong>de</strong>rnas <strong>de</strong> contracepção, com a fabricação <strong>de</strong><br />

preservativos, diafragmas e capas cervicais. O acesso e a<br />

disponibilização mercadológica <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s quanti<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

25 Brasil. Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>. Op. Cit. 1997,id.ibid. ( o autor não faz referência aos títulos e poetas)<br />

38


preservativos geraram mu<strong>da</strong>nças comportamentais significativas, quais<br />

sejam:<br />

1. Diminuição do uso <strong>de</strong> métodos naturais ( abstinência periódica e<br />

coito interrompido. 27<br />

2. Utilização em massa do preservativo, incentivado por<br />

campanhas públicas realiza<strong>da</strong>s nos Estados Unidos e Europa, a partir<br />

<strong>da</strong> segun<strong>da</strong> meta<strong>de</strong> do século XIX, o que representou o primeiro boom<br />

<strong>da</strong> utilização <strong>de</strong> preservativos.<br />

O século XIX foi um dos momentos históricos mais relevantes no<br />

que diz respeito à concepção <strong>da</strong>s mo<strong>de</strong>rnas teorias sexuais que<br />

buscavam <strong>de</strong>svincular o sexo <strong>de</strong> seu caráter meramente reprodutivo.<br />

O <strong>de</strong>bate entre as diversas correntes científicas no que diz<br />

respeito ao comportamento sexual humano foi mais acirrado no Século<br />

XIX. À época havia basicamente duas linhas <strong>de</strong> pensamento acerca <strong>da</strong><br />

sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong>: os mo<strong>de</strong>rnistas, <strong>de</strong>ntre os quais <strong>de</strong>stacavam­se Sigmund<br />

Freud e Havelock Ellis, e os vitorianos oitocentistas.<br />

O mo<strong>de</strong>rnismo sexual representou uma reação ao vitorianismo­ or<strong>de</strong>m<br />

moral vigente à época, que estabelecia padrões e regulamentava as<br />

várias esferas do social, inclusive a sexual. O vitorianismo não era<br />

monolítico, isto é , não influenciou <strong>da</strong> mesma maneira diferentes<br />

países <strong>da</strong> América e Europa, tendo entrado em <strong>de</strong>clínio somente no<br />

final do século.<br />

26 ________________op cit, 1997, p.8.<br />

27 SOS CORPO­ Grupo <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> <strong>da</strong> Mulher­ Recife, op cit, 1990 p. 69<br />

39


Os vitorianos sustentavam que a experiência sexual era uma<br />

ameaça à moral e um <strong>de</strong>sperdício <strong>da</strong> energia vital. Os mo<strong>de</strong>rnistas, ao<br />

contrário, eram entusiastas sexuais. Consi<strong>de</strong>ravam sexo uma ativi<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

humana inteiramente prazerosa.<br />

No campo <strong>da</strong> sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong> feminina, os vitorianos quase negavam a<br />

existência sexual <strong>da</strong> mulher, enquanto que os mo<strong>de</strong>rnistas tentavam<br />

<strong>de</strong>monstrar a igual<strong>da</strong><strong>de</strong> sexual <strong>da</strong> mulher com o homem, travando<br />

gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong>bates e trazendo à tona a paradoxal necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> não só <strong>de</strong><br />

companheirismo, mas também <strong>de</strong> varie<strong>da</strong><strong>de</strong> na vi<strong>da</strong> erótica.<br />

Um dos pilares <strong>da</strong> i<strong>de</strong>ologia vitoriana consistia na opinião <strong>de</strong><br />

que a masturbação invariavelmente levava a gran<strong>de</strong>s enfermi<strong>da</strong><strong>de</strong>s e<br />

até à loucura. Em contraparti<strong>da</strong>, um dos maiores representantes e<br />

<strong>de</strong>fensores <strong>da</strong> mo<strong>de</strong>rna teoria sexual, Henry Havelock Ellis, afirmava<br />

que havia nenhuma evidência ligando a masturbação a qualquer <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m<br />

física ou mental. A suposição <strong>de</strong> tal conexão era incompatível com a<br />

enorme predominância <strong>da</strong> masturbação. Ellis alegava que a<br />

masturbação po<strong>de</strong>ria ser uma legítima fonte <strong>de</strong> relaxamento mental. O<br />

cientista fun<strong>da</strong>mentava suas alegações citando a evidência <strong>de</strong><br />

masturbação tanto entre os animais, como entre os homens <strong>de</strong> quase<br />

to<strong>da</strong>s as culturas <strong>de</strong> que tinham conhecimento mais profundo. 28<br />

O século XIX, também representou um marco <strong>da</strong> anticoncepção.<br />

Nesta época houve o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> técnicas que proporcionaram a<br />

28 Para maiores informações acerca <strong>de</strong>sse assunto, ver Paul Robinson: A mo<strong>de</strong>rnização do sexo:ensaios sobre<br />

Ellis, Kinsey, Masters & Johnson.Rio <strong>de</strong> Janeiro: Civilização Brasileira.1977.<br />

40


criação dos contraceptivos mo<strong>de</strong>rnos e o estímulo ao uso <strong>de</strong> métodos<br />

não­naturais.<br />

O impacto <strong>da</strong> utilização do preservativo <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ou gran<strong>de</strong>s<br />

controvérsias no âmbito <strong>da</strong> medicina e instituições religiosas. O<br />

preservativo foi taxado , não apenas como imoral, contrário aos bons<br />

costumes, mas também prejudicial à saú<strong>de</strong>.<br />

Os questionamentos levantados pelos vitorianos acerca <strong>da</strong>s<br />

conseqüências <strong>da</strong> utilização dos preservativos, diziam mais respeito<br />

à or<strong>de</strong>m moral vigente à época, que a evidências cientificamente<br />

comprova<strong>da</strong>s.<br />

“Alguns médicos diziam que a anticoncepção causava esterili<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

e ninfomania entre as mulheres e, nos homens, <strong>de</strong>terioração<br />

mental, palpitações e amnésia. Além disso, para esses médicos a<br />

anticoncepção também provocava câncer e tendência ao suicídio,<br />

em homens e mulheres. Sobre o preservativo, especificamente,<br />

médicos americanos do fim do século XIX sustentavam que ‘ele<br />

produz lesões <strong>de</strong>vido à sua presença irritante como corpo<br />

estranho e aos agentes químicos usados em sua fabricação, além<br />

<strong>de</strong> outros efeitos graves, inseparáveis <strong>de</strong> seu uso’.” 29<br />

29 Brasil. Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>,,op cit,1997,p.8<br />

41


Apesar <strong>de</strong> tanta polêmica e restrições, no início <strong>de</strong>ste século os<br />

preservativos <strong>de</strong> borracha já estavam amplamente disponíveis. 30<br />

A disponibilização e a difusão do uso, trouxeram à luz alguns<br />

problemas relativos à quali<strong>da</strong><strong>de</strong> e durabili<strong>da</strong><strong>de</strong> do preservativo. Os<br />

usuários apontavam, com freqüência, orifícios e <strong>de</strong>feitos <strong>de</strong><br />

fabricação, durante o ato sexual. Era constante o rompimento e a<br />

vali<strong>da</strong><strong>de</strong> dos preservativos expirava entre três a quatro meses.<br />

Atualmente, o prazo <strong>de</strong> vali<strong>da</strong><strong>de</strong> do preservativo, observa<strong>da</strong>s as<br />

condições <strong>de</strong> armazenamento e transporte e a temperatura local, é <strong>de</strong><br />

três anos.<br />

Essas queixas, muito embora em gran<strong>de</strong> parte fossem soluciona<strong>da</strong>s<br />

já na déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 30, com o <strong>de</strong>senvolvimento do processo <strong>de</strong> fabricação<br />

do látex, iriam marcar profun<strong>da</strong>mente a imagem do preservativo, ain<strong>da</strong><br />

nos dias <strong>de</strong> hoje. É muito comum ouvirmos pessoas justificarem o não<br />

uso do método porque:“ O preservativo rompe”, “ possui orificiozinhos<br />

através dos quais o esperma po<strong>de</strong> atravessar”, “ a camisinha<br />

escorrega”, to<strong>da</strong>s essas afirmações acompanharam a trajetória do uso<br />

do preservativo e, ain<strong>da</strong> hoje, embora possam ser rechaça<strong>da</strong>s ao<br />

fun<strong>da</strong>mento <strong>de</strong> pesquisas científicas, conforme veremos <strong>de</strong>talha<strong>da</strong>mente<br />

no item 2.2, continuam sendo reproduzi<strong>da</strong>s, contribuindo negativamente<br />

para a formação <strong>de</strong> sua imagem. Impermeabili<strong>da</strong><strong>de</strong> e resistência são<br />

fatores “ sine qua non” para a confiabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>ste produto. 31<br />

30 _______________,op cit, 1997, p 8<br />

31 _______________,op cit,1997,p 60/62.<br />

42


O advento do látex permitiu que as indústrias <strong>de</strong>ssem um salto em<br />

matéria <strong>de</strong> quali<strong>da</strong><strong>de</strong>. O látex é a seiva <strong>da</strong> seringueira concentra<strong>da</strong> e<br />

estabiliza<strong>da</strong>. É bem mais fácil <strong>de</strong> ser trabalha<strong>da</strong> que a borracha<br />

dissolvi<strong>da</strong> e permite a produção, a custos menores, <strong>de</strong> preservativos<br />

com membranas mais finas e <strong>de</strong> maior durabili<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

No Brasil, são poucas as informações relativas às práticas<br />

contraceptivas utiliza<strong>da</strong>s antes dos anos 60. Até o golpe militar <strong>de</strong><br />

64, não há registros <strong>de</strong> ações institucionais <strong>de</strong> estímulo ao<br />

planejamento familiar. Entretanto, a Benfam ( Socie<strong>da</strong><strong>de</strong> Civil <strong>de</strong> Bem­<br />

Estar familiar), fun<strong>da</strong><strong>da</strong> em 1965, representou um marco <strong>da</strong> oferta <strong>da</strong><br />

contracepção no país, bem como um estímulo ao planejamento familiar.<br />

A partir <strong>da</strong> sua fun<strong>da</strong>ção, proliferaram­se incentivos similares que<br />

acabaram por constituir uma re<strong>de</strong> nacional <strong>de</strong> centros especializados<br />

na oferta <strong>de</strong> meios anticoncepcionais. 32<br />

A invenção <strong>da</strong> pílula, em 1960, alterou <strong>de</strong>finitivamente a<br />

história <strong>da</strong> contracepção humana, assumindo a preferência dos<br />

usuários, <strong>de</strong>ntre os <strong>de</strong>mais métodos anticoncepcionais. Tal preferência<br />

se <strong>da</strong>va por vários fatores, <strong>de</strong>ntre os quais po<strong>de</strong>mos citar: o “<br />

caráter científico” legitimado pela endocrinologia, a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>sassociar contracepção <strong>de</strong> sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong> . A pílula era um produto<br />

para ser ingerido como um remédio qualquer, sem necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

conhecimento dos órgãos sexuais. 33<br />

32 SOS CORPO – Grupo <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> <strong>da</strong> Mulher­ Recife, op cit, 1990.p 16/17.<br />

33 ________________,op cit,1990,p.110.<br />

43


A introdução <strong>da</strong> pílula no país coincidiu com a construção <strong>de</strong><br />

Brasília, implantação <strong>de</strong> indústrias automobilísticas e gran<strong>de</strong>s<br />

rodovias. A imagem <strong>da</strong> pílula foi associa<strong>da</strong> como “ mais um fator <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento”. Além <strong>de</strong>sses aspectos, há que se consi<strong>de</strong>rar que o<br />

seu uso não prescin<strong>de</strong> <strong>de</strong> qualquer interrupção antes, durante ou após<br />

o coito, não interferindo diretamente na relação sexual.<br />

Já o uso do preservativo tem como gran<strong>de</strong> inconveniente a<br />

interrupção <strong>da</strong>s “ preliminares” para sua colocação. Este fator<br />

reforça a crença <strong>de</strong> que este método “ corta o clima”. 34<br />

Os métodos hormonais ( pílulas e injeções), os dispositivos<br />

intra­uterinos (DIU), espermici<strong>da</strong>s, diafragmas e o preservativo são<br />

os principais contraceptivos reversíveis utilizados e disponíveis no<br />

Brasil até o início <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> noventa.<br />

Todos esses métodos possuem vantagens e <strong>de</strong>svantagens, sendo que<br />

nenhum <strong>de</strong>les é capaz <strong>de</strong> oferecer 100% <strong>de</strong> eficácia.<br />

O condom ou preservativo, no entanto, possui dois aspectos que o<br />

diferencia dos <strong>de</strong>mais:<br />

1.É o único método contraceptivo masculino, reversível.<br />

2.É o único método que além <strong>de</strong> proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s contraceptivas, possui<br />

proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s profiláticas, comprova<strong>da</strong>mente eficazes, para ambos os<br />

parceiros, oferecendo, também, a quase completa ausência <strong>de</strong> efeitos<br />

colaterais. 35<br />

34 Brasil.Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>.op cit, 1997 p 73.<br />

35 ____________________ op cit, 1997, p 9.<br />

44


Acontece que, com a crescente incidência <strong>de</strong> doenças sexualmente<br />

transmissíveis e em especial <strong>da</strong> AIDS, o uso consistente ­durante<br />

to<strong>da</strong>s as relações sexuais­ do preservativo voltou a ser sugerido, o<br />

que parece constituir um processo <strong>de</strong> reabilitação do condom no mundo<br />

inteiro.<br />

Segundo a Organização Mundial <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> (OMS) :<br />

“Quando usado <strong>de</strong> maneira correta e consistente, o preservativo<br />

dá boa proteção anticoncepcional e reduz, efetivamente, os riscos <strong>de</strong><br />

propagação <strong>de</strong> diversas DST, sendo o único meio mecânico <strong>de</strong> proteção<br />

contra a transmissão do vírus <strong>da</strong> imuno<strong>de</strong>ficiência humana(HIV). 36 ”<br />

Neste particular, as DST, embora apresentem um risco à saú<strong>de</strong> e<br />

um aumento <strong>da</strong> probabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> contrair o HIV/AIDS, po<strong>de</strong>m ser<br />

controla<strong>da</strong>s e cura<strong>da</strong>s por medicamentos e antibióticos. A AIDS, no<br />

entanto, não tem cura e a prevenção é a única forma possível <strong>de</strong><br />

controlar a disseminação do vírus. 37<br />

Neste contexto, a participação do movimento gay americano foi<br />

salutar para o que veio a ser conhecido como SAFER SEX ( Sexo<br />

Seguro). Dentre outras medi<strong>da</strong>s, em 1983 o movimento elaborou manuais<br />

que ensinavam os indivíduos a se proteger <strong>da</strong> AIDS e a levar uma vi<strong>da</strong><br />

sexual sem riscos para si e para os outros. As precauções englobavam<br />

os infectados ou não. Essas discussões começaram a produzir efeito ao<br />

questionar posições mais radicais e moralistas, presentes no âmbito<br />

<strong>da</strong> Igreja, <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> científica e <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> como um todo. As<br />

36 World Health Organization (WHO). Specifications and Gui<strong>de</strong>lines for Condom Procurement.Genebra,1992.<br />

45


ecomen<strong>da</strong>ções <strong>da</strong> Organização Mundial <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> em 1990, chegaram a<br />

sugerir explicitamente:<br />

1.” Não tenha relações sexuais com parceiros casuais ou<br />

<strong>de</strong>sconhecidos”.<br />

2.” Não tenha relações sexuais com pessoas com muitos parceiros<br />

sexuais diferentes, como prostitutos e prostitutas”. 38<br />

Tais fórmulas do tipo “não faça mais sexo” eram contrapostas<br />

pelo movimento gay com “faça sexo com mais cui<strong>da</strong>do” 39<br />

A concepção <strong>de</strong> sexo mais seguro inclui o estímulo ao uso regular<br />

do preservativo e significa tê­lo novamente em lugar <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque<br />

entre os <strong>de</strong>mais métodos contraceptivos.<br />

O estímulo ao uso do preservativo visa tornar mais segura a vi<strong>da</strong><br />

sexual, preservando a quali<strong>da</strong><strong>de</strong> e a quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> dos encontros sexuais<br />

<strong>de</strong> ca<strong>da</strong> um. 40 O sexo <strong>de</strong>sprotegido ­ sem utilização <strong>de</strong> preservativo­<br />

expõe as pessoas situações <strong>de</strong> risco, envolvendo a contaminação com<br />

diversas DST inclusive a AIDS.<br />

2.1.2 ETIMOLOGIA<br />

Nos dicionários etimológicos <strong>da</strong> língua portuguesa, disponíveis<br />

na biblioteca do curso <strong>de</strong> Letras <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>da</strong> Bahia,<br />

37 TERTO,V.Sexo Seguro (...)Boletim Pela Vid<strong>da</strong>, ano III, No.14, <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1992.<br />

38 OMS. Prevenção contra a transmissão sexual do vírus <strong>da</strong> imuno<strong>de</strong>ficência humana. Genebra.1990.p 15.<br />

39 TERTO,V. op cit, 1992,p.117.<br />

40 ________op cit, id.ibid.<br />

46


não há registro <strong>de</strong> como foi constituí<strong>da</strong> a expressão “ Camisa <strong>de</strong><br />

vênus”.<br />

Quanto à palavra condom, sua origem também é <strong>de</strong>sconheci<strong>da</strong>.<br />

Existem, em ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, duas versões. Uma <strong>de</strong>las, a mais famosa, dá<br />

conta <strong>de</strong> que o termo se refere a um célebre “ Doutor Condom”, médico<br />

do século XVII que teria oferecido este método contraceptivo ao Rei<br />

Carlos II <strong>da</strong> Inglaterra. No entanto, a maioria dos etimologistas<br />

concor<strong>da</strong> que esta versão é fictícia.<br />

A segun<strong>da</strong> versão é a mais aceita internacionalmente e afirma<br />

que o vocábulo condom ter­se­ia originado do latim Condus que<br />

significa receptáculo, por sua vez, uma <strong>de</strong>rivação do persa Kendu ou<br />

Kondu, cujo significado literal é “ vaso comprido <strong>de</strong> armazenamento,<br />

feito do intestino <strong>de</strong> um animal”. 41<br />

Já acerca <strong>da</strong> expressão preservativo profilático, só existem<br />

ocorrências dos termos, separa<strong>da</strong>mente. Os resultados aqui <strong>de</strong>scritos<br />

foram pesquisados no Dicionário etimológico Nova Fronteira <strong>da</strong> Língua<br />

Portuguesa, editado em 1982. 42<br />

PRESERVATIVO­ O primeiro registro escrito <strong>de</strong>ste vocábulo na<br />

língua portuguesa <strong>da</strong>ta <strong>de</strong> 1614, no primeiro volume <strong>da</strong> primeira parte<br />

<strong>da</strong> história dos religiosos <strong>da</strong> Companhia <strong>de</strong> Jesus, composto pelo Padre<br />

Sebastiam Gonçalves. De origem latina, é uma <strong>de</strong>rivação do radical (<br />

Morfema Lexical Básico) PRESERV que significa conservar, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r,<br />

41 Brasil. Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>. Op cit., 1997, p.07.<br />

42 CUNHA, Geraldo Antonio <strong>de</strong>. Dicionário Etmológico Nova Fronteira <strong>da</strong> Língua Portuguesa. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Nova<br />

Fronteira,1982.<br />

47


esguar<strong>da</strong>r. É o resultado <strong>da</strong> evolução do latim tardio PRAESERVÃRE do<br />

século XVI para o latim medieval PRAESERVATIO­ÕNIS e, finalmente,<br />

PRAESERVÁTIVUS, já no século XVIII.<br />

PROFILÁTICO­ Deriva <strong>de</strong> profilaxia: emprego <strong>de</strong> meios para evitar<br />

doenças. PROFHYLAXIA­ A primeira ocorrência registra<strong>da</strong> graficamente<br />

em português se <strong>de</strong>u em 1873. Palavra <strong>de</strong> origem grega PROPHÝLAXIS<br />

significa precaução. O latim científico se apropriou <strong>de</strong>ste termo e<br />

criou, então, PROPHYLAXIS. A formação, por fim, se concretizou , por<br />

processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>rivação sufixal dupla, a partir do grego<br />

PROPHYLEKTIKÓS.<br />

2.2.ASPECTOS TÉCNICOS IMPLICADOS NO USO DA CAMISINHA E SUA<br />

RELAÇÃO COM A EPIDEMIA DA AIDS<br />

A camisinha é uma capa <strong>de</strong> borracha flexível e resistente que tem<br />

o formato do pênis. Na extremi<strong>da</strong><strong>de</strong> superior possui uma bor<strong>da</strong> flexível<br />

e na ponta uma saliência arredon<strong>da</strong><strong>da</strong> on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>posita o sêmen.<br />

Existem vários tipos: lubrifica<strong>da</strong>s e não lubrifica<strong>da</strong>s, mais espessas<br />

e mais <strong>de</strong>lica<strong>da</strong>s, colori<strong>da</strong>s e perfuma<strong>da</strong>s. Enfim, existe uma gran<strong>de</strong><br />

varie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> marcas e mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> preservativos. Entretanto, todos que<br />

se encontram à disposição no mercado nacional e internacional <strong>de</strong>vem<br />

estar compatibilizados com padrões <strong>de</strong> segurança regulamentados pela<br />

norma ISO 4074. As características específicas tais como : diâmetro,<br />

espessura, são <strong>de</strong>fini<strong>da</strong>s por ca<strong>da</strong> país, <strong>de</strong>vendo a<strong>de</strong>quar­se aos<br />

48


padrões anatômicos <strong>da</strong> população masculina local. As camisinhas<br />

japonesas, por exemplo, são menores e menos espessas que o padrão<br />

utilizado pelos americanos e brasileiros.<br />

No caso do Brasil, a responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> pelo controle <strong>de</strong> quali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>da</strong>s camisinhas é do INMETRO ( Instituto Nacional <strong>de</strong> Metrologia,<br />

Normalização e Quali<strong>da</strong><strong>de</strong> Industrial). O INMETRO adotou o Regulamento<br />

Técnico <strong>de</strong> Quali<strong>da</strong><strong>de</strong> número 9 ( RTQ­9)para regulamentar a produção e<br />

comercialização <strong>de</strong> preservativos masculinos confeccionados em látex<br />

<strong>de</strong> borracha natural.<br />

A RTQ­9 estabelece uma série <strong>de</strong> requisitos técnicos para<br />

testagem dos produtos, incluindo aspectos como comprimento e<br />

largura, condições <strong>de</strong> permeabili<strong>da</strong><strong>de</strong>/orifícios, capaci<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

volumétrica, pressão <strong>de</strong> estouro, envelhecimento/<strong>de</strong>terioração durante<br />

o armazenamento, resistência à tração e especificações quanto à<br />

embalagem e rotulagem do produto. 43<br />

Os preservativos são produzidos em massa e separados em lotes<br />

que contém <strong>de</strong> 35.000 a 150.000 uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s. Ca<strong>da</strong> lote <strong>de</strong>ve ser<br />

constituído por preservativos do mesmo mo<strong>de</strong>lo, comprimento, largura e<br />

superfície. A proporção máxima <strong>de</strong> preservativos, em ca<strong>da</strong> um <strong>de</strong>les,<br />

para a qual se permite que haja diferença em relação aos padrões<br />

estabelecidos, é <strong>de</strong>nomina<strong>da</strong> Nível <strong>de</strong> Quali<strong>da</strong><strong>de</strong> Aceitável (NQA).<br />

Para nos certificarmos <strong>de</strong> que os padrões <strong>de</strong> quali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

brasileiros estão compatíveis com as exigências internacionais<br />

43 Brasil. Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>, op.cit., 1997, p.20.<br />

49


estabeleci<strong>da</strong>s pela norma ISO 4074, e <strong>de</strong>sta forma <strong>de</strong>preen<strong>de</strong>r o nível<br />

<strong>de</strong> confiabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s camisinhas brasileiras, analisaremos a tabela<br />

a seguir:<br />

Percentuais máximos <strong>de</strong> preservativos não conformes por lote,<br />

segundo o RTQ­9 e a ISO 4074<br />

REQUISITO DE RTQ­9 ISO 4074<br />

50


PADRÃO<br />

Comprimento e<br />

largura<br />

Verificação <strong>de</strong><br />

vazamento<br />

Capaci<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

volumétrica e<br />

pressão <strong>de</strong><br />

estouro<br />

Estabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong><br />

cor<br />

Resistência à<br />

tração<br />

Embalagem e<br />

rotulagem<br />

4,0%* 4,0%*<br />

0,4% 0,4%<br />

1,5%* 1,5%<br />

­­­­ 4,0%<br />

2,5% 2,5%<br />

1,0% 1,0%<br />

TAB 2 *Percentuais <strong>de</strong> NQA aceitáveis para ca<strong>da</strong> parâmetro,individualmente<br />

Po<strong>de</strong>­se observar que, com exceção do critério <strong>de</strong> estabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong><br />

cor dos preservativos­ inexistente na norma brasileira­ os <strong>de</strong>mais<br />

percentuais aceitáveis <strong>de</strong> preservativos fora dos padrões são os<br />

mesmos tanto na ISO 4074 quanto no RTQ­9.<br />

Da análise <strong>da</strong> tabela acima, <strong>de</strong>nota­se que os aspectos que mais<br />

comprometem a imagem <strong>da</strong> camisinha­ maiores problemas <strong>de</strong>tectados com<br />

relação à confiabili<strong>da</strong><strong>de</strong>­ tais como vazamento e estouro representam<br />

percentuais <strong>de</strong> 0,4 e 1,5% respectivamente. Estes percentuais revelam<br />

51


que os preservativos operam em uma margem <strong>de</strong> segurança bastante<br />

confortável, po<strong>de</strong>ndo­se inferir que os preservativos produzidos no<br />

país são <strong>de</strong> boa quali<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

Os lotes que porventura possuam um NQA abaixo do estabelecido,<br />

isto é, apresentem uma porcentagem acima <strong>da</strong> permiti<strong>da</strong> <strong>de</strong><br />

preservativos fora dos padrões estabelecidos, <strong>de</strong>vem ser rejeitados,<br />

sendo <strong>de</strong>struídos pelo fabricante, com a supervisão direta do INMETRO.<br />

De todos os <strong>de</strong>mais métodos <strong>de</strong> barreira, a camisinha é o único<br />

masculino. O condom é, reconheci<strong>da</strong>mente, segundo a Organização<br />

Mundial <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>,” o único meio mecânico <strong>de</strong> proteção contra o vírus<br />

<strong>da</strong> imuno<strong>de</strong>ficiência humana (HIV) e <strong>de</strong> outras DST as quais po<strong>de</strong>m<br />

aju<strong>da</strong>r a aumentar a transmissão do HIV” 44 , uma vez que as DST<br />

proporcionam ferimentos na genitália. Através <strong>de</strong>ssas fissuras e<br />

ferimentos, o vírus po<strong>de</strong> penetrar, via vasos capilares, e ganhar a<br />

corrente sangüínea.<br />

No entanto, para que <strong>de</strong>sfrutemos <strong>da</strong> segurança ofereci<strong>da</strong> pelo<br />

preservativo, precisamos observar, passo a passo, as instruções <strong>de</strong><br />

uso que normalmente acompanham as embalagens. Qualquer <strong>de</strong>scuido em<br />

relação a uma <strong>da</strong>s etapas, po<strong>de</strong>rá comprometer a integri<strong>da</strong><strong>de</strong> do<br />

produto, expondo, <strong>de</strong>sta forma, o usuário a situações <strong>de</strong> risco (<br />

enten<strong>da</strong>­se risco neste caso, a gravi<strong>de</strong>z in<strong>de</strong>seja<strong>da</strong> e/ou contaminação<br />

com Doenças Sexualmente Transmissíveis, inclusive a AIDS).<br />

44 WHO, Global Programe on AIDS. Op cit., agosto/95, p.4.<br />

52


As instruções <strong>de</strong> uso abaixo relaciona<strong>da</strong>s foram retira<strong>da</strong>s <strong>de</strong><br />

embalagens <strong>de</strong> preservativos 45 , folhetos produzidos pelo Ministério <strong>da</strong><br />

Saú<strong>de</strong>, um livro <strong>de</strong> medicina intitulado: Métodos para não engravi<strong>da</strong>r­<br />

Educação e avaliação 46 , bem assim do material <strong>de</strong> divulgação cedido<br />

pela Johnson & Johnson, e buscam o maior <strong>de</strong>talhamento possível <strong>da</strong>s<br />

normas <strong>de</strong> utilização:<br />

1. A embalagem <strong>de</strong>ve ser aberta iniciando­se pelo picote no sentido<br />

vertical e somente na hora do uso.<br />

2. Não se <strong>de</strong>ve utilizar objetos cortantes, afiados ou pontiagudos<br />

para abrir a embalagem.<br />

3. O preservativo <strong>de</strong>ve ser colocado assim que ocorrer a ereção,<br />

antes <strong>de</strong> qualquer contato genital ou penetração. Isso aju<strong>da</strong> a<br />

evitar o contágio <strong>de</strong> Doenças Sexualmente Transmissíveis, através<br />

<strong>da</strong>s secreções libera<strong>da</strong>s pelo organismo antes do ato sexual.<br />

4. A camisinha vem enrola<strong>da</strong> e, para colocá­la, <strong>de</strong>ve­se <strong>de</strong>senrolar um<br />

pouco, observando que a parte mais oleosa ( lubrifica<strong>da</strong>) é a parte<br />

externa do preservativo.<br />

5. Enrosca­se cui<strong>da</strong>dosamente a parte saliente( reservatório do<br />

sêmen), apertando a ponta do preservativo com os <strong>de</strong>dos indicador e<br />

polegar, <strong>de</strong> modo a evitar a retenção <strong>de</strong> ar no seu interior, o que<br />

po<strong>de</strong> causar a ruptura durante o ato sexual.<br />

45 Vi<strong>de</strong> figura 2<br />

46 PASSOS, Mauro Romero Leal, et al. Métodos para não engravi<strong>da</strong>r­ Educação e avaliação.Rio <strong>de</strong> Janeiro:Cultura<br />

Médica.1986., p 57<br />

53


6. Coloca­se então o anel do preservativo na glan<strong>de</strong> e vai­se<br />

<strong>de</strong>senrolando, cui<strong>da</strong>dosamente, o restante <strong>da</strong> borracha até à altura<br />

dos pelos on<strong>de</strong> se fixa o anel. A esta altura é preciso ter cui<strong>da</strong>do<br />

para não romper a camisinha com a unha.<br />

7. O uso <strong>de</strong> produtos gordurosos ou à base <strong>de</strong> petróleo tais como<br />

vaselina interferem quimicamente no látex <strong>da</strong> camisinha, provocando<br />

o seu rompimento<br />

8. As camisinhas em sua maioria já vêm lubrifica<strong>da</strong>s, caso necessite<br />

<strong>de</strong> uma lubrificação extra, utilize­se <strong>de</strong> gel lubrificante solúvel<br />

em água.<br />

9. Após a ejaculação, o pênis, ain<strong>da</strong> ereto, <strong>de</strong>ve ser imediatamente<br />

retirado <strong>da</strong> vagina ou do ânus. Essa medi<strong>da</strong> é <strong>de</strong> extrema importância<br />

uma vez que a continuação <strong>de</strong> movimentos pós­coitais po<strong>de</strong>m importar<br />

no vazamento do esperma na região genital. Além disso, o esperma,<br />

após cinco minutos <strong>da</strong> ejaculação, começa a se liquefazer, havendo a<br />

possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> escorrer pelos pelos pubianos. Deve­se lembrar<br />

também que após a ejaculação, o pênis ten<strong>de</strong> a voltar ao tamanho<br />

normal, tornando o condom mais folgado. 47<br />

10. Após a retira<strong>da</strong> do pênis, <strong>de</strong>ve­se segurar o preservativo, junto à<br />

base, e ao retirá­lo <strong>da</strong>r um nó e em segui<strong>da</strong> jogá­lo no lixo. Os<br />

preservativos são one­way, significa que NÃO po<strong>de</strong>m ser<br />

reutilizados. Para ca<strong>da</strong> nova relação, um novo preservativo <strong>de</strong>verá<br />

ser utilizado.<br />

47 ____________., 1986 Op cit. p 57­58.<br />

54


Embora essas instruções pareçam <strong>de</strong>masia<strong>da</strong>mente simples, muitos<br />

usuários erram em alguma fase do processo, o que muitas vezes po<strong>de</strong><br />

custar­lhes uma gravi<strong>de</strong>z in<strong>de</strong>seja<strong>da</strong>, contaminação com Doenças<br />

Sexualmente Transmissíveis ou até mesmo uma exposição ao vírus <strong>da</strong><br />

AIDS.<br />

Estes riscos não po<strong>de</strong>m ser calculados precisamente porque, para<br />

que tais fatos ocorram, é necessária a combinação <strong>de</strong> outros fatores.<br />

No caso <strong>da</strong> gravi<strong>de</strong>z, por exemplo, mesmo que haja contato do<br />

espermatozói<strong>de</strong> com a genitália feminina, para que haja fecun<strong>da</strong>ção é<br />

necessário que a mulher esteja em período fértil.<br />

Quanto à exposição as DST/AIDS é preciso saber se a quanti<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> vírus com a qual hipoteticamente entrou­se em contato é<br />

suficiente para a contaminação. Teoricamente, para uma única relação<br />

sexual <strong>de</strong>sprotegi<strong>da</strong> ( sem camisinha) entre uma pessoa contamina<strong>da</strong> com<br />

o vírus do HIV e uma pessoa soronegativa, existe 0,03% <strong>de</strong> chance <strong>de</strong><br />

contágio. No entanto, esse percentual <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser tão confiável<br />

quando se <strong>de</strong>tectam pessoas que num único ato, são contamina<strong>da</strong>s com o<br />

vírus, segundo nos informa Regina Brasil, médica infectologista,<br />

membro do comitê HIVi<strong>da</strong>, uma <strong>da</strong>s Organizações Não Governamentais<br />

(ONGs) <strong>de</strong> combate à AIDS, que acompanhou uma paciente que contraiu o<br />

HIV através <strong>de</strong> um único contato sexual. 48 Ain<strong>da</strong> acerca <strong>de</strong>ste aspecto,<br />

o livro Heterossexuali<strong>da</strong><strong>de</strong>, lançado este ano pela Bertrand Brasil, <strong>de</strong><br />

48 AIDS no TRT <strong>de</strong>bate realizado na Justiça do Trabalho no dia 30/10/97, com a participação <strong>da</strong>s ONGs HIVi<strong>da</strong> e<br />

55


autoria dos sexólogos Willian H. Masters e Virgínia E. Johnson,<br />

afirma que o risco <strong>de</strong> alguém infectar­se com o HIV , praticando sexo<br />

vaginal heterossexual uma única vez com uma pessoa, é <strong>de</strong> 1 para 500<br />

para uma mulher e 1 para 700 para um homem. Ressalvando­se que a<br />

mulher por uma questão <strong>de</strong> anatomia tem mais probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

contaminação via sexual. Para o caso <strong>de</strong> um único episódio <strong>de</strong> sexo<br />

anal com uma pessoa infecta<strong>da</strong>, os autores apresentam números <strong>da</strong> or<strong>de</strong>m<br />

<strong>de</strong> 1 para 50 ou 100. 49<br />

Nenhum método contraceptivo é 100% seguro. As falhas <strong>de</strong>tecta<strong>da</strong>s<br />

com relação à camisinha muitas vezes <strong>de</strong>correm do manuseio incorreto<br />

por parte do usuário; no entanto, as pessoas costumam responsabilizar<br />

o preservativo atribuindo­lhe má quali<strong>da</strong><strong>de</strong>:” O preservativo rompe,<br />

vaza, escorrega...” Por certo que isto po<strong>de</strong> mesmo acontecer.<br />

Entretanto, antes <strong>de</strong> afirmar categoricamente que o preservativo<br />

falhou é necessária uma investigação rigorosa <strong>da</strong>s condições <strong>de</strong> uso e<br />

armazenamento do produto. 50<br />

Vários fatores interferem na eficácia <strong>da</strong> camisinha. Existe,<br />

neste particular, um diferencial referente às estimativas <strong>de</strong> eficácia<br />

<strong>de</strong> um método preventivo, qual seja a existência <strong>da</strong> eficácia téorica (<br />

ou do método ) e <strong>da</strong> eficácia do uso ( ou típica). Em relação à<br />

camisinha, a eficácia teórica diz respeito à sua capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> intríseca<br />

<strong>de</strong> prevenção ( tanto <strong>da</strong> gravi<strong>de</strong>z in<strong>de</strong>seja<strong>da</strong> quanto <strong>da</strong>s DST/AIDS),<br />

GAPA/Bahia<br />

49 “Um tratado sobre a sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong>”. Tribuna <strong>da</strong> Bahia, 05 nov 97.,ca<strong>de</strong>rno <strong>de</strong> varie<strong>da</strong><strong>de</strong>s, p 1..<br />

50 Brasil. Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>. Op cit. 1997., p 10 e p 59.<br />

56


quando utiliza<strong>da</strong> correta e constantemente, sem erros ou negligência.<br />

Inclui, portanto, apenas a “falha do método”. A eficácia <strong>de</strong> uso, por<br />

sua vez, é estima<strong>da</strong> levando­se em consi<strong>de</strong>ração as ações dos usuários­<br />

antes, durante e após a relação sexual. Inclui, também, a possível<br />

falha do usuário.<br />

Há métodos que quase não exigem ação alguma por parte do<br />

usuário, mas são irreversíveis, como por exemplo a ligadura tubária,<br />

a vasectomia. Funcionam como movimentos cardíacos em nosso corpo: não<br />

precisamos parar e or<strong>de</strong>nar ao nosso coração para que pulse, muito<br />

pelo contrário, ele trabalha continuamente em movimento<br />

involuntário. Se assim não fosse, durante a noite estaríamos<br />

con<strong>de</strong>nados à eterna vigília, sob pena <strong>de</strong> que durante o sono o nosso<br />

coração voluntarioso parasse <strong>de</strong> bater.<br />

Já os outros métodos contraceptivos como os hormonais orais,<br />

diafragma, espermici<strong>da</strong>s e o preservativo, exigem do usuário ações<br />

apropria<strong>da</strong>s e sistemáticas. Por isso as taxas <strong>de</strong> eficácia teórica e<br />

<strong>de</strong> uso <strong>de</strong>sses métodos variam <strong>de</strong> forma significativa. Fatores como<br />

maturi<strong>da</strong><strong>de</strong> do casal, motivação para o uso do método, níveis <strong>de</strong><br />

instrução ( do homem e <strong>da</strong> mulher), duração do relacionamento e<br />

experiência anterior com o método estão diretamente relacionados à<br />

oscilação dos níveis <strong>de</strong> eficácia. 51<br />

No caso do preservativo são teoricamente admiti<strong>da</strong>s como falhas<br />

do método as hipóteses do rompimento durante a relação sexual­ o que<br />

51 Brasil. Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>.Op cit. 1997., p 36.<br />

57


po<strong>de</strong>ria ser causado por forte pressão ejaculatória, ina<strong>de</strong>qua<strong>da</strong><br />

manipulação do produto ou ain<strong>da</strong> pela fricção <strong>de</strong>corrente <strong>da</strong><br />

insuficiente lubrificação vaginal. O rompimento também po<strong>de</strong> ser<br />

facilitado pela <strong>de</strong>terioração do preservativo em função do tempo<br />

excessivo <strong>de</strong> armazenamento, exposição à luz solar, calor, umi<strong>da</strong><strong>de</strong> e<br />

outras condições adversas. Porém, mesmo neste caso, raramente a falha<br />

<strong>de</strong> método correspon<strong>de</strong>ria ao fracasso do objetivo, pois este <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> “<br />

do tamanho e localização do vazamento, quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> e viscosi<strong>da</strong><strong>de</strong> do<br />

sêmen, quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> organismos patológicos necessários para a<br />

infecção e, ain<strong>da</strong>, ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> coital pós­ejaculatória. 52<br />

Reconhecer as possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> falha do preservativo, em<br />

especial quanto ao rompimento, implica consi<strong>de</strong>rar os relatos e<br />

queixas dos usuários, atribuindo­lhes a importância necessária no<br />

processo <strong>de</strong> solidificação do preservativo enquanto método seguro.<br />

Isto significa levar as experiências empíricas para os laboratórios a<br />

fim <strong>de</strong> que sejam utilizados critérios mais rigorosos <strong>de</strong> avaliação<br />

que assegurem maior confiabili<strong>da</strong><strong>de</strong> ao produto. Afinal, o fator<br />

insegurança po<strong>de</strong> vir a macular ain<strong>da</strong> mais a imagem do preservativo,<br />

aju<strong>da</strong>ndo a incorporar a idéia <strong>de</strong> que além <strong>de</strong> incômodo o método não é<br />

confiável.<br />

São três as preocupações mais constantes levanta<strong>da</strong>s por usuários<br />

potenciais ou eventuais do preservativo: permeabili<strong>da</strong><strong>de</strong>/vazamento,<br />

52 ______________________Op. cit. 1997.,p 37<br />

58


possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> rompimento durante a relação sexual, possibili<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>da</strong> camisinha escorregar.<br />

Ca<strong>da</strong> uma <strong>de</strong>ssas questões que influenciam <strong>de</strong>cisivamente o uso ou<br />

não do preservativo, serão analisa<strong>da</strong>s a seguir, separa<strong>da</strong>mente.<br />

2.2.1 PERMEABILIDADE/VAZAMENTO DA CAMISINHA<br />

Em que pese o fato dos resultados <strong>da</strong>s pequisas embasa<strong>da</strong>s em<br />

<strong>da</strong>dos clínicos e epi<strong>de</strong>miológicos confirmarem o alto grau <strong>de</strong> proteção<br />

propiciado pelo preservativo, para a maioria <strong>da</strong> população esse ain<strong>da</strong><br />

não é um método confiável.<br />

A possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> camisinha conter poros que permitam a<br />

passagem <strong>de</strong> microorganismos patogênicos alarma uma parte<br />

significativa <strong>de</strong> usuários. Outra hipótese levanta<strong>da</strong> seria a<br />

existência <strong>de</strong> orifícios originados no próprio processo <strong>de</strong> produção.<br />

Neste caso, o mais preocupante é a possível passagem do HIV , que é<br />

30 vezes menor que a cabeça do espermatozói<strong>de</strong> humano. Os agentes<br />

causadores <strong>da</strong>s DST como gonorréia , herpes e sífilis também têm<br />

proporções muito menores que os 3 microns correspon<strong>de</strong>ntes a cabeça do<br />

espermatozói<strong>de</strong>.<br />

Estas hipóteses, entretanto, não se confirmam em duas pesquisas<br />

que visaram <strong>de</strong>tectar poros naturais em camisinhas, por meio <strong>de</strong> exames<br />

microscópicos. Numa <strong>de</strong>las, realiza<strong>da</strong>s pelo Instituto Nacional <strong>de</strong><br />

Saú<strong>de</strong> , nos Estados Unidos , os pesquisadores utilizaram um<br />

microscópio eletrônico para ampliar os preservativos duas mil vezes.<br />

Nenhum poro foi <strong>de</strong>tectado, mesmo quando os preservativos foram<br />

59


esticados. Outro estudo <strong>de</strong>monstrou que nenhuma <strong>da</strong>s 40 marcas <strong>de</strong><br />

preservativos mais usa<strong>da</strong>s no mundo apresentava poros. Nestes testes,<br />

os preservativos foram ampliados cerca <strong>de</strong> 30 mil vezes. Também foram<br />

realizados testes que simularam os esforços aos quais os<br />

preservativos são submetidos durante o ato sexual, concluindo­se que<br />

o HIV, o vírus do herpes simples e <strong>da</strong> hepatite B, e a clamídia<br />

trachomatis não conseguem ultrapassar a membrana <strong>de</strong> um preservativo<br />

intacto, mesmo mediante os mais rigorosos estímulos mecânicos.<br />

Entretanto, um outro estudo <strong>de</strong> laboratório <strong>de</strong>tectou, em 29 <strong>da</strong>s<br />

89 amostras <strong>de</strong> preservativos testados, poros e vazamentos. As<br />

amostras foram colhi<strong>da</strong>s aleatoriamente <strong>de</strong> lotes diversos e os testes<br />

empregaram microesferas <strong>de</strong> dimensões compatíveis com as do HIV, mas<br />

em concentrações até cem vezes maiores do que a do HIV no sêmen<br />

humano. Além disso, no interior dos preservativos, as microesferas<br />

foram submeti<strong>da</strong>s a condições equivalentes a mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z minutos <strong>de</strong><br />

ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> coital pós­ejaculatória. Observa­se contudo que mesmo nos<br />

casos em que a resistência dos preservativos mostrou­se menor, os<br />

vazamentos foram inferiores a 0,01% do volume total. Com base nisso,<br />

os autores do estudo concluíram que as camisinhas mesmo no pior dos<br />

casos oferecem 10 mil vezes mais proteção contra o HIV do que sua<br />

eventual não utilização. 53<br />

2.2.2 ROMPIMENTO DO PRESERVATIVO<br />

53 ______________________.Op.cit.1997.,p. 61<br />

60


A possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> rompimento pós­ejaculatório é sem dúvi<strong>da</strong>,<br />

<strong>de</strong>ntre as outras sob análise, a hipótese <strong>de</strong> risco mais temerária pois<br />

é a que proporcionaria uma maior exposição ao vírus <strong>da</strong> AIDS e <strong>de</strong>mais<br />

DST.<br />

O rompimento po<strong>de</strong> acontecer por uma série <strong>de</strong> motivos:<br />

inexperiência com o preservativo que leva ao manuseio incorreto,<br />

utilização <strong>de</strong> lubrificantes que <strong>de</strong>terioram o látex (óleos minerais<br />

ou, ain<strong>da</strong>, <strong>de</strong>rivados <strong>de</strong> petróleo, a exemplo <strong>da</strong> vaselina), fricção<br />

<strong>de</strong>corrente <strong>da</strong> falta <strong>de</strong> lubrificação vaginal e, ain<strong>da</strong>, armazenamento e<br />

transporte <strong>de</strong> camisinhas em condições ina<strong>de</strong>qua<strong>da</strong>s.<br />

Quanto ao manuseio, esse quadro só po<strong>de</strong> ser revertido com<br />

vivência e informação.<br />

Para uma população composta em gran<strong>de</strong> parte por analfabetos, é<br />

difícil fazer crer que a existência <strong>de</strong> manuais <strong>de</strong> instrução nas<br />

embalagens possa evitar os problemas com o manuseio.<br />

Para reconhecer a vali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> camisinha é necessário observar as<br />

condições <strong>de</strong> sua embalagem, se as caixas estão amassa<strong>da</strong>s, os<br />

envelopes abertos ou mal lacrados. Este procedimento é visto com<br />

naturali<strong>da</strong><strong>de</strong> em se tratando, por exemplo, <strong>de</strong> um produto enlatado. Os<br />

consumidores são informados no sentido <strong>de</strong> verificarem a aparência <strong>de</strong><br />

tais mercadorias e não levarem para casa latas estufa<strong>da</strong>s ou<br />

amassa<strong>da</strong>s. O mesmo cui<strong>da</strong>do <strong>de</strong>ve ser tomado com relação às camisinhas.<br />

A percepção po<strong>de</strong> se <strong>da</strong>r táctil ou visualmente posto que, caso estejam<br />

visguentas e <strong>de</strong>scolori<strong>da</strong>s <strong>de</strong>vem ser imediatamente <strong>de</strong>scarta<strong>da</strong>s.<br />

61


O olfato também po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong> muita utili<strong>da</strong><strong>de</strong> nesta fase <strong>de</strong><br />

reconhecimento <strong>da</strong> vali<strong>da</strong><strong>de</strong>. As camisinhas normalmente não exalam<br />

odores fortes e <strong>de</strong>sagradáveis. Este é um sinal <strong>de</strong> <strong>de</strong>terioração do<br />

látex.<br />

Quando corretamente armazena<strong>da</strong>s, as camisinhas têm um prazo <strong>de</strong> 3 anos<br />

<strong>de</strong> vali<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

Existem no mercado mo<strong>de</strong>los lubrificados e não lubrificados <strong>de</strong><br />

preservativos. Numa relação vaginal, por exemplo, além <strong>da</strong> aju<strong>da</strong> do<br />

lubrificante presente na camisinha, o órgão genital feminino<br />

encarrega­se <strong>de</strong> produzir sua própria lubrificação íntima. No<br />

entanto, a falta <strong>de</strong>sta lubrificação po<strong>de</strong> causar irritação <strong>da</strong> mucosa<br />

vaginal, <strong>de</strong>ixando­a susceptível a irritações e ferimentos causados<br />

pelo excesso <strong>de</strong> fricção e, ain<strong>da</strong>, provocar a ruptura do preservativo.<br />

Numa relação anal, os cui<strong>da</strong>dos <strong>de</strong>vem ser ain<strong>da</strong> mais intensos,<br />

uma vez que tal mucosa não possui lubrificação própria. O ânus é por<br />

natureza uma região ain<strong>da</strong> mais vasculariza<strong>da</strong> que a vagina , e ao<br />

contrário <strong>de</strong>sta, não possui uma cama<strong>da</strong> protetora, o que torna sua<br />

película interna menos resistente e mais propensa a fissuras. No caso<br />

<strong>de</strong> um contato do sêmen contaminado com o vírus do HIV com a mucosa<br />

anal, as possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s reais <strong>de</strong> contágio são ain<strong>da</strong> maiores por ser<br />

uma região <strong>de</strong> rápi<strong>da</strong> absorção, face a presença <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> quanti<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> vasos capilares.<br />

A lubrificação íntima é um processo natural <strong>da</strong> mulher,<br />

preparando seu corpo para o ato sexual. Esta lubrificação ocorre a<br />

partir <strong>de</strong> estímulos sexuais, e é um importante requisito para que o<br />

62


ato sexual não se manifeste <strong>de</strong> forma dolorosa e <strong>de</strong>sconfortável.<br />

Entretanto, em muitas mulheres esse processo <strong>de</strong> lubrificação se dá <strong>de</strong><br />

forma insuficiente, é a chama<strong>da</strong> “ secura vaginal”.<br />

A “ secura vaginal” dificulta a penetração e provoca uma<br />

irritação no local, durante e após o ato sexual, facilitando,<br />

inclusive o rompimento dos preservativos. A falta <strong>da</strong> lubrificação<br />

natural se dá em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> inúmeros fatores <strong>de</strong>ntre os quais:<br />

modificações hormonais <strong>de</strong>correntes <strong>da</strong> menopausa ­ quando ocorre uma<br />

que<strong>da</strong> na taxa <strong>de</strong> hormônio feminino, principal responsável pelo<br />

fenômeno <strong>da</strong> lubrificação­ variações durante o ciclo menstrual, ou<br />

ain<strong>da</strong>, durante a amamentação, problemas emocionais ­ preocupação em<br />

sentir dores, expectativa, stress ou ansie<strong>da</strong><strong>de</strong>­, efeitos <strong>de</strong> certos<br />

medicamentos como tranquilizantes, drogas para úlcera ou pressão<br />

alta, mulheres com infecções específicas como vaginites. 54<br />

Para os casos citados, on<strong>de</strong> a mulher <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> produzir<br />

quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> suficiente <strong>de</strong> lubrificação íntima, ou ain<strong>da</strong> nos casos <strong>de</strong><br />

penetração anal, o usuário <strong>de</strong>ve utilizar­se <strong>de</strong> lubrificantes solúveis<br />

em água.<br />

Quanto às condições <strong>de</strong> armazenamento e transporte, estas<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m <strong>da</strong> ação do usuário. Num país <strong>de</strong> clima tropical como o<br />

Brasil, a exposição dos preservativos à luz solar, umi<strong>da</strong><strong>de</strong> e/ou calor<br />

excessivos po<strong>de</strong>m fazer com que o látex se <strong>de</strong>teriore em questão <strong>de</strong><br />

meses.<br />

54 Informações forneci<strong>da</strong>s pela Assessoria <strong>de</strong> Imprensa do fabricante nacional Johnson e Jonhson.<br />

63


As condições <strong>de</strong> armazenamento e transporte apropriados <strong>de</strong>vem ser<br />

observa<strong>da</strong>s e garanti<strong>da</strong>s pelo INMETRO em todos os locais <strong>de</strong><br />

estocagem dos preservativos, seja o <strong>de</strong>pósito <strong>da</strong>s indústrias, armazéns<br />

do cais do porto, caminhões que os transportam, <strong>de</strong>pósitos dos<br />

distribuidores e/ou almoxarifados dos órgãos públicos e não<br />

governamentais que atuem na prevenção <strong>de</strong> DST/AIDS. 55<br />

Com relação aos preservativos importados, existe ain<strong>da</strong> um fator<br />

agravante: a <strong>de</strong>mora entre o <strong>de</strong>sembarque e a efetiva liberação. Isto<br />

porque é necessário aguar<strong>da</strong>r que os fiscais do INMETRO coletem<br />

amostras dos lotes, realizem os testes­ que em função <strong>da</strong> gran<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>man<strong>da</strong> e existência <strong>de</strong> apenas dois laboratórios cre<strong>de</strong>nciados para<br />

este fim, requer um tempo excessivo­ e por fim, emitam o Certificado<br />

<strong>de</strong> Conformi<strong>da</strong><strong>de</strong>. Esse certificado é concedido apenas uma vez após a<br />

verificação <strong>da</strong> conformi<strong>da</strong><strong>de</strong> do produto com os padrões estabelecidos<br />

pelo RTQ­9. Tal verificação é feita através <strong>de</strong> testes laboratoriais<br />

previstos neste regulamento, com amostras representativas <strong>da</strong> linha <strong>de</strong><br />

produção ou lotes colhidos na fábrica ou <strong>de</strong>pósito <strong>da</strong> empresa. No<br />

caso dos preservativos nacionais, a checagem amostral <strong>de</strong> verificação<br />

<strong>da</strong> manutenção do certificado <strong>de</strong> conformi<strong>da</strong><strong>de</strong> pós concessão é feita<br />

duas vezes por ano. No caso dos importados, são testa<strong>da</strong>s amostras <strong>de</strong><br />

ca<strong>da</strong> lote que chega ao país.<br />

O cumprimento <strong>de</strong>sse burocrático sistema torna lento o processo<br />

<strong>de</strong> distribuição dos preservativos, acabando por estimular a <strong>de</strong>man<strong>da</strong><br />

55 Brasil. Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>, op.cit.,1997,p.32.<br />

64


para os preservativos contraban<strong>de</strong>ados, os quais não oferecem<br />

segurança quanto ao controle <strong>de</strong> quali<strong>da</strong><strong>de</strong>, pois as suas embalagens<br />

não trazem i<strong>de</strong>ntificação <strong>da</strong> marca.<br />

De qualquer sorte, nem todos os tipos <strong>de</strong> rompimento implicam o<br />

mesmo índice <strong>de</strong> risco. Os rompimentos efetuados na base do<br />

preservativo representam um grau <strong>de</strong> exposição muito menor­ seja a<br />

gravi<strong>de</strong>z in<strong>de</strong>seja<strong>da</strong> ou a microorganismos causadores <strong>da</strong>s DST/AIDS ­<br />

que um buraco na extremi<strong>da</strong><strong>de</strong>. Em pelo menos 3 estudos realizados para<br />

<strong>de</strong>tectar rompimentos, quase 30% <strong>de</strong>stes ocorreram na base do<br />

preservativo. 56<br />

Há que se consi<strong>de</strong>rar, também, que os casos <strong>de</strong> rompimento<br />

ocorridos no ato <strong>da</strong> colocação ou até mesmo antes <strong>da</strong> ejaculação,<br />

envolvem menor risco <strong>de</strong> exposição às doenças, inclusive porque, neste<br />

momento, ain<strong>da</strong> é possível substituir a camisinha. A este respeito, as<br />

pesquisas constatam que <strong>de</strong> 25 a 70% dos casos <strong>de</strong> rompimento ocorrem<br />

no momento <strong>da</strong> colocação ou retira<strong>da</strong> <strong>da</strong> camisinha, por problemas <strong>de</strong><br />

manuseio incorreto. Um estudo monitorado <strong>de</strong> casais, que durou cerca<br />

<strong>de</strong> 24 meses, realizado nas Ilhas <strong>de</strong> Barbados e Santa Lucia, <strong>de</strong>tectou<br />

um índice <strong>de</strong> rompimento <strong>de</strong> 7% nos preservativos. Mais <strong>da</strong> meta<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sses rompimentos ocorreu no momento <strong>da</strong> colocação ou retira<strong>da</strong> do<br />

preservativo. 57<br />

56 FINGER, WR. STEINER,M. MANUEL, J e PIEDRAHITA, C. How Human use affects condom breikage. Network<br />

( Family health Internacional _FHI) 12(3):10­13 july 1991.<br />

57 PIEDRAHITA,C.HINSON,R.FOLDESY R et al. Latex Condom breakage study Barbados and St. Lucia condom lot<br />

site.FHI, Research Triangle park, North Carolina. September, 1990,12p.<br />

65


2.2.3 POSSIBILIDADE DA CAMISINHA ESCORREGAR<br />

A possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> do preservativo <strong>de</strong>slizar um pouco ­ slip down­<br />

ou, até mesmo, <strong>de</strong> escorregar e sair ­ slip off­ do pênis, durante o<br />

ato sexual, foi objeto <strong>de</strong> pesquisas cujos resultados são bastante<br />

diversos.<br />

Os índices <strong>de</strong> slip down ou slip off <strong>da</strong> camisinha, seja durante o<br />

uso efetivo em ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> coital ou momentos <strong>de</strong> colocação ou retira<strong>da</strong><br />

não estão tão bem documentados quanto os índices <strong>de</strong> rompimento. 58<br />

Percebemos, neste particular, a dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> se estabelecer uma<br />

<strong>de</strong>finição clara e precisa sobre o significado <strong>de</strong> <strong>de</strong>slizar e<br />

escorregar. Por exemplo, o preservativo <strong>de</strong>slizou para baixo ou para<br />

cima? Chegou a sair do pênis ou apenas <strong>de</strong>slocou­se um pouco? O fato<br />

ocorreu antes ou após o ato sexual?<br />

A omissão <strong>de</strong>ssas especifici<strong>da</strong><strong>de</strong>s nas pesquisas interfere<br />

diretamente na constituição <strong>de</strong> uma análise mais consistente. O<br />

próprio Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong> utiliza como fonte os <strong>da</strong>dos coletados <strong>de</strong><br />

uma pesquisa realiza<strong>da</strong> na África, em oito países, sem sequer nominar<br />

a todos. 59<br />

Os índices <strong>de</strong> <strong>de</strong>slizamento relatados, apontam variações <strong>de</strong> 0,0%<br />

em Gana até 9,3% no Quênia, sendo que o índice médio dos oito países<br />

chegou a 3,3%. Já o índice <strong>de</strong> escorregamento e que<strong>da</strong> do preservativo,<br />

durante o coito, foi <strong>de</strong> 3,1%.<br />

58 Brasil. Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>. Op cit. , 1997, p. 64.<br />

59 _______________________.Op cit, 1997.,p 63<br />

66


Sem dúvi<strong>da</strong>, esses fatores precisam ser melhor estu<strong>da</strong>dos, <strong>de</strong>vendo<br />

ser investigados particularmente os casos ocorridos no Brasil, com<br />

todos os <strong>de</strong>talhes e cui<strong>da</strong>dos que uma pesquisa <strong>de</strong>ste nível requer.<br />

Neste sentido, mais uma vez, as hipóteses minimizadoras <strong>de</strong>stes<br />

fatores convergem para a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> informação e orientação mais<br />

precisa a respeito <strong>da</strong> eficácia do preservativo quando utilizado <strong>de</strong><br />

maneira correta e habitual.<br />

Se consi<strong>de</strong>rarmos os índices <strong>de</strong> falha dos métodos contraceptivos<br />

em geral, veremos que o preservativo oferece um percentual <strong>de</strong><br />

eficácia bastante elevado. De acordo com a tabela <strong>da</strong> organização<br />

Mundial <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>, publica<strong>da</strong> em 1992, on<strong>de</strong> mesmo em comparação com<br />

outros métodos contraceptivos, inclusive as intervenções cirúrgicas<br />

irreversíveis tais como a laqueadura tubária e a vasectomia, o<br />

preservativo apresentou um alto índice <strong>de</strong> eficácia.<br />

Índices téorico e típico <strong>de</strong> falha dos métodos contraceptivos por 100<br />

mulheres/ano <strong>de</strong> uso.<br />

MÉTODOS ÍNDICE TEÓRICO<br />

DE FALHAª<br />

ÍNDICE TÍPICO<br />

DE FALHAª<br />

67


Laqueadura 0,1 0,15<br />

Vasectomia 0,2 0,4<br />

Hormonal oral 0,1 1­8<br />

Injetáveis 0­0,4 0,3­0,4<br />

D.I.U. 0,0­2 3<br />

Preservativo 2 10­15<br />

Espermici<strong>da</strong>s b 3 21<br />

Diafragma 3­7 8­21<br />

“tabelinha”c 1­9 20 d<br />

TAB 3­ Fonte: OMS,1992.<br />

Notas:<br />

a Porcentagem estima<strong>da</strong> <strong>de</strong> gravi<strong>de</strong>z aci<strong>de</strong>ntal por 100 mulheres no<br />

primeiro ano <strong>de</strong> uso.<br />

b Incluem espumas, cremes, geléias e supositórios vaginais<br />

c Incluindo os métodos do ritmo, muco cervical, temperatura basal e<br />

sintotérmico.<br />

d Combinação dos índices <strong>de</strong> falha <strong>de</strong> todos os métodos e abstinência<br />

períodica.<br />

A “ tabelinha” é um método construído com base em probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />

por isso sua eficácia é limita<strong>da</strong>. O funcionamento consiste em<br />

<strong>de</strong>tectar o período fértil e evitar as relações sexuais com penetração<br />

vaginal neste período. Quando não se i<strong>de</strong>ntifica com exatidão o dia <strong>da</strong><br />

ovulação, existe um alto risco <strong>de</strong> haver fecun<strong>da</strong>ção. Além do mais, o<br />

68


espermatozói<strong>de</strong> po<strong>de</strong> sobreviver <strong>de</strong> oito horas até cerca <strong>de</strong> dois ou<br />

três dias, a <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r do local <strong>da</strong> genitália feminina on<strong>de</strong> ele se<br />

encontre.<br />

Quando combinado a um espermici<strong>da</strong> o preservativo apresenta<br />

índices <strong>de</strong> falha <strong>de</strong> 0,8 a 1,9 gravi<strong>de</strong>zes por cem mulheres, no<br />

primeiro ano <strong>de</strong> uso. Observa­se que é bastante eleva<strong>da</strong> a eficácia do<br />

preservativo como método anticoncepcional, embora isto possa variar<br />

em função <strong>da</strong>s características socioeconômicas e <strong>de</strong>mográficas dos<br />

parceiros. Seus índices típicos <strong>de</strong> falha são mais elevados que os <strong>da</strong><br />

laqueadura, vasectomia e injetáveis­ métodos cujo funcionamento<br />

não requer qualquer ação por parte dos usuários. O preservativo é<br />

muito mais eficaz do que os métodos <strong>de</strong> abstinência períodica (<br />

tabelinha) e os <strong>de</strong>mais métodos <strong>de</strong> barreira.<br />

A partir <strong>de</strong>ste ano o preservativo masculino ganhou um novo<br />

aliado no combate à DST/AIDS: trata­se do FEMIDOM­ a camisinha<br />

feminina. O condon feminino foi lançado nacionalmente, em 01/12/97 ­<br />

Dia Mundial <strong>de</strong> Luta contra a AIDS. O FEMIDOM é um saco feito <strong>de</strong><br />

poliuretano, que se a<strong>da</strong>pta à vagina, preso pelos anéis flexíveis <strong>de</strong><br />

suas extremi<strong>da</strong><strong>de</strong>s. Assim como o preservativo masculino, o FEMIDOM é<br />

lubrificado e <strong>de</strong>scartável e foi inspirado pela necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

prevenção <strong>da</strong> AIDS, uma vez que ve<strong>da</strong> completamente o contato <strong>da</strong>s<br />

secreções genitais. No entanto, a disponibilização do FEMIDOM ain<strong>da</strong><br />

se encontra restrita aos órgãos <strong>de</strong> planejamento familiar. Não se po<strong>de</strong><br />

avaliar sua aceitação com precisão, uma vez que é preciso um<br />

69


espaçamento <strong>de</strong> tempo entre o lançamento e o uso sistemático para que<br />

possam ser efetua<strong>da</strong>s pesquisas mais conclusivas.<br />

2.3 CLASSIFICAÇÃO DA CAMISINHA ENQUANTO MÉTODO<br />

CONTRACEPTIVO DE BARREIRA<br />

A camisinha ,assim como o diafragma, capas cervicais, pessários,<br />

esponjas e o FEMIDOM, compõem o quadro dos métodos contraceptivos <strong>de</strong><br />

barreira. Todos estes métodos estão assim classificados porque<br />

impe<strong>de</strong>m, através <strong>de</strong> algum instrumento ou material, a passagem dos<br />

espermatozói<strong>de</strong>s através do canal cervical. 60<br />

Semanticamente barreira quer dizer, segundo o Dicionário Aurélio<br />

Buarque <strong>de</strong> Holan<strong>da</strong>, trincheira, obstáculo, lugar escarpado, toca ou<br />

loca escava<strong>da</strong> no barranco, qualquer forma <strong>de</strong> obstáculo com que a<br />

socie<strong>da</strong><strong>de</strong> dificulte o acesso a grupos ou instituições, impedindo a<br />

mobili<strong>da</strong><strong>de</strong> social.<br />

Desta forma, fazer referência ao preservativo, enquanto método<br />

<strong>de</strong> barreira, é cientificamente correto, no entanto, po<strong>de</strong> auxiliar na<br />

construção <strong>da</strong> imagem equivoca<strong>da</strong> <strong>de</strong> um objeto que impe<strong>de</strong> não só a<br />

gestação, mas o contato íntimo, a troca, o prazer.<br />

Existe um entendimento prático social no sentido <strong>de</strong> perceber a<br />

camisinha como um veto ao prazer. A rejeição ao preservativo habita<br />

a esfera <strong>da</strong> cultura, e, portanto, está presente no imaginário<br />

coletivo. Conceitos equivocados acerca do condom são apreendidos,<br />

70


incorporados, “naturalizados” e reproduzidos. Dentro do rico acervo<br />

que compõe o imaginário social em relação ao preservativo,<br />

<strong>de</strong>stacamos duas frases que retratam este estigma: “ usar camisinha<br />

é como chupar bala sem tirar o papel” ou “ é como tomar banho <strong>de</strong><br />

chuveiro usando capa <strong>de</strong> chuva”.<br />

Certamente não po<strong>de</strong>mos ignorar a existência <strong>de</strong> alguns<br />

inconvenientes que dizem respeito ao uso <strong>de</strong> camisinhas. Trazê­los a<br />

nível <strong>da</strong> discussão explícita é a única forma <strong>de</strong> buscar soluções que<br />

possam vir a atenuar esses incômodos 61 .<br />

No que tange às frases seleciona<strong>da</strong>s, ambas fazem referência à<br />

per<strong>da</strong> <strong>de</strong> sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong> causa<strong>da</strong> pelo preservativo. A forma mais<br />

eficiente <strong>de</strong> diminuir esse “ mal­estar” talvez resi<strong>da</strong> no conhecimento<br />

dos diversos mo<strong>de</strong>los e especificações existentes no mercado. Mais<br />

<strong>de</strong>licados, coloridos, menos espessos, mais resistentes, lubrificados<br />

ou não. Enfim, existem diferentes tipos <strong>de</strong> preservativo e pelo menos<br />

um <strong>de</strong>ve se a<strong>de</strong>quar às necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> usuário.<br />

Antes <strong>de</strong> formar um juízo <strong>de</strong> valor negativo e tão <strong>de</strong>finitivo em<br />

relação ao preservativo, <strong>de</strong>veríamos nos sentir estimulados a procurar<br />

um tipo mais a<strong>de</strong>quado às nossas exigências pessoais. É assim que<br />

fazemos com relação ao perfume que utilizamos, por exemplo. Nem todos<br />

os odores nos agra<strong>da</strong>m ou combinam com a química do nosso corpo. Não<br />

<strong>de</strong>sistimos <strong>de</strong> <strong>de</strong>sfrutar <strong>da</strong> magia e bem­estar proporcionados pelos<br />

perfumes porque, à primeira vista, este ou aquele não nos cai bem.<br />

60 SOS CORPO – Grupo <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> <strong>da</strong> Mulher­ Recife, op.cit., 1990, p.65.<br />

71


Até encontrarmos o nosso “ tipo i<strong>de</strong>al” <strong>de</strong> fragância, certamente<br />

teremos experimentado uma infini<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>las.<br />

Os preservativos são encontrados em diversos tamanhos e<br />

varie<strong>da</strong><strong>de</strong>s nas farmácias, supermercados e postos <strong>de</strong> planejamento<br />

familiar. A disponibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> comercialização <strong>da</strong> camisinha é um<br />

fator muito importante para o aumento <strong>da</strong> sua utilização . Não é tão<br />

aceitável a alegação do não uso por não encontrá­la disponível.<br />

Farmácias, mercearias, motéis e até mesmo banca <strong>de</strong> revistas<br />

comercializam o preservativo, sendo que em alguns estabelecimentos<br />

po<strong>de</strong>mos adiquiri­lo em qualquer hora do dia ou <strong>da</strong> noite.<br />

Se havia algum incômodo em dirigir­se ao balconista <strong>da</strong> drogaria<br />

mais próxima e pedir­lhe um preservativo, esse problema foi<br />

solucionado pela pratici<strong>da</strong><strong>de</strong> do auto­serviço <strong>da</strong>s prateleiras dos<br />

supermercados: entramos, escolhemos e pagamos sem qualquer rubor.<br />

Se a dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> acesso residir na total impossibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

aquisição através <strong>da</strong> compra, ain<strong>da</strong> assim po<strong>de</strong>mos adquirir<br />

preservativos via enti<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> planejamento familiar ou ONGS liga<strong>da</strong>s<br />

ao combate às DST/AIDS.<br />

Em Salvador, por exemplo, os usuários po<strong>de</strong>m recorrer ao COAS,<br />

Centro <strong>de</strong> Orientação e Apoio Sorológico, on<strong>de</strong> efetuarão suas<br />

inscrições, o que lhes garantirá, além <strong>de</strong> informações acerca <strong>da</strong><br />

prevenção <strong>da</strong>s DST/AIDS, uma cota mensal <strong>de</strong> 12 preservativos.<br />

61 Vi<strong>de</strong> figura 1.<br />

72


O GAPA ( Grupo <strong>de</strong> Apoio à Prevenção à AIDS) <strong>de</strong> Salvador também<br />

distribui gratuitamente camisinhas para pessoas previamente<br />

inscritas. A distribuição é feita em dias pré­<strong>de</strong>terminados e o acesso<br />

aos preservativos é assegurado aos usuários que possuem pouco po<strong>de</strong>r<br />

aquisitivo.<br />

2.3.1 O CONDOM E OS REAIS FATORES DE PROTEÇÃO ÀS DST/AIDS<br />

O condom, além <strong>de</strong> oferecer proteção aos usuários quanto ás<br />

DST/AIDS, é também indicado nos seguintes casos: prevenção <strong>de</strong><br />

gravi<strong>de</strong>z in<strong>de</strong>seja<strong>da</strong>, sendo anticonceptivo seguro, eficaz , reversível<br />

e <strong>de</strong> acesso relativamente fácil, proteção <strong>da</strong> mulher contra os riscos<br />

<strong>de</strong> doença inflamatória pélvica, e <strong>de</strong> câncer cervical causado por<br />

vírus <strong>de</strong> transmissão sexual, além <strong>de</strong> oferecer proteção <strong>da</strong>s grávi<strong>da</strong>s<br />

contra as infecções do líquido amniótico. 62<br />

No entanto, para nos certificarmos <strong>da</strong>s reais vantagens<br />

preventivas do preservativo­ em relação às DST/AIDS­ nos reportamos a<br />

uma pesquisa, realiza<strong>da</strong> em 1993, que buscou estabelecer os reais<br />

fatores <strong>de</strong> proteção às DST e Infecções do Superior, oferecidos pelos<br />

principais métodos contraceptivos, inclusive o preservativo. 63 Foram<br />

<strong>de</strong>tectados diferentes níveis <strong>de</strong> proteção. O fato <strong>de</strong> “ <strong>da</strong>r proteção”<br />

62<br />

BRASIL. Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>. Op cit. 1997, p 35.<br />

63<br />

BARNHART,K e SONDHEIMER,S. Contraception Choice and Sexualy Transmited Disease(STD). The Current<br />

Opinion<br />

in Obstetrics and Gynecology 5(6):823­828 (<strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1993).<br />

73


significa que o método possui algum efeito protetor, mas po<strong>de</strong> não<br />

impedir completamente a transmissão <strong>de</strong> enfermi<strong>da</strong><strong>de</strong>s.<br />

As DST po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong> natureza bacteriana ou virótica.Dentre as<br />

DST bacterianas po<strong>de</strong>mos citar as infecções por clamídia, gonorréia,<br />

tricomoníase, candidíase, etc. As DST viróticas incluem herpes,<br />

infecções do trato reprodutivo, AIDS e câncer cervical <strong>de</strong> origem<br />

virótica.<br />

O preservativo se <strong>de</strong>staca neste cenário <strong>de</strong> métodos<br />

contraceptivos, uma vez que é o único capaz <strong>de</strong> oferecer forte<br />

proteção contra as DST, tanto <strong>de</strong> origem bacteriana, como as <strong>de</strong><br />

origem virótica, em especial a AIDS, bem assim <strong>da</strong>s infecções do<br />

aparelho reprodutor superior.<br />

Os métodos naturais como abstinência períodica (utilização <strong>de</strong><br />

“tabelinha”) não oferecem qualquer proteção em relação às DST/AIDS e<br />

Infecções do Aparelho Reprodutor Superior. Isto porque o método<br />

consiste em perceber o ritmo do próprio ciclo menstrual, localizar o<br />

período fértil e evitar as relações sexuais com penetração vaginal<br />

apenas neste período. Nos outros dias do ciclo, a ejaculação na<br />

região vaginal é permiti<strong>da</strong>.<br />

Já o diafragma, oferece boa proteção entre as DST bacterianas e<br />

IARS, no entanto, em relação às DTS <strong>de</strong> origem virótica, os estudos<br />

74


apontam apenas um certo grau <strong>de</strong> proteção contra o câncer cervical 64 . O<br />

herpes e a AIDS não são enquadrados nesta cobertura.<br />

O DIU, por sua vez, em função do seu processo <strong>de</strong> funcionamento<br />

que suscita inflamações, aumenta o risco <strong>de</strong> se contrair DST<br />

bacterianas e IARS. De outro passo, o Dispositivo não oferece<br />

qualquer proteção contra as DST viróticas.<br />

Esta pesquisa <strong>de</strong>monstra ain<strong>da</strong> que o uso <strong>de</strong> hormonais orais<br />

aumenta o risco <strong>de</strong> clamídia, não oferecendo proteção quanto às DST<br />

viróticas. As pílulas oferecem boa proteção quanto as Infecções do<br />

Aparelho reprodutor superior.<br />

Os hormonais injetáveis não oferecem qualquer proteção com<br />

relação as DST/AIDS <strong>de</strong> um modo geral, e quanto as Infecções do<br />

Aparelho Reprodutor Superior(IARS), não há <strong>da</strong>dos suficientes que<br />

apontem para a comprovação esta cobertura.<br />

Dos meios cirúrgicos, foi <strong>de</strong>tecta<strong>da</strong> proteção parcial quanto às<br />

IARS, apenas no caso <strong>da</strong> laqueadura tubária.<br />

Deste modo, po<strong>de</strong>mos concluir pelas vantagens profiláticas do<br />

preservativo, mesmo em relação aos métodos que <strong>de</strong>tém a preferência<br />

dos usuários <strong>de</strong> contraceptivos atualmente.<br />

64 O Câncer cervical está intimamente relacionado à procriação freqüente e precoce e, também, às infecções do aparelho<br />

reprodutor.<br />

75


2.4 ASPECTOS SOCIO­CULTURAIS IMPLICADOS NO USO DA CAMISINHA<br />

E SUA RELAÇÃO COM A EPIDEMIA DA AIDS<br />

O conhecimento <strong>de</strong> que a camisinha representa a garantia <strong>da</strong><br />

continui<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> práticas sexuais penetrativas, com segurança, não<br />

implica, necessariamente, mu<strong>da</strong>nça <strong>de</strong> comportamento por parte <strong>da</strong><br />

população. Nesse sentido, é preciso compreen<strong>de</strong>r que existem vários<br />

aspectos socio­culturais que interferem diretamente na <strong>de</strong>cisão pelo<br />

uso do preservativo.<br />

A maioria dos homens e mulheres acham dispensável o uso <strong>da</strong><br />

camisinha em relações estáveis, consi<strong>de</strong>rando o seu uso mais<br />

apropriado para as relações casuais ou em fase <strong>de</strong> conhecimento<br />

inicial.<br />

A proposição do uso <strong>da</strong> camisinha suscita questões <strong>de</strong> gênero, diz<br />

respeito a atitu<strong>de</strong>s que envolvem po<strong>de</strong>r e prazer.<br />

Não é a mulher quem “veste a camisinha”, mas sim o homem e,<br />

portanto, a forma possível <strong>de</strong> resolver esse impasse é a negociação.<br />

No entanto, para as mulheres entra em jogo um risco mais imediato<br />

neste momento: o medo <strong>da</strong> discriminação, <strong>da</strong> per<strong>da</strong> do parceiro e do<br />

status.<br />

A mulher, para propor o uso do preservativo, terá que<br />

justificá­lo em uma <strong>da</strong>s duas funções: anticonceptiva ou preventiva <strong>de</strong><br />

DST/AIDS. Para a primeira função, existem, em contraparti<strong>da</strong>, outros<br />

contraceptivos eficazes e mais práticos, tais como a pílula e o<br />

D.I.U., que não prescin<strong>de</strong>m <strong>da</strong> intermediação do parceiro.<br />

76


Como preventivo, o preservativo envolve outros critérios além <strong>de</strong><br />

valores relacionados à saú<strong>de</strong>. O uso <strong>da</strong> camisinha traz à tona a idéia<br />

<strong>de</strong> comportamentos sexuais irregulares ou <strong>de</strong>sviantes do mo<strong>de</strong>lo<br />

monogâmico.<br />

2.4.1 A CAMISINHA COLOCANDO EM CHEQUE AS QUESTÕES DE<br />

GÊNERO, O MACHISMO E A FIDELIDADE<br />

A camisinha como elemento inserido <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> complexa e priva<strong>da</strong><br />

esfera <strong>da</strong> sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong>, envolve questões <strong>de</strong> gênero e uma série <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>terminantes culturais, tais como machismo e infi<strong>de</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

As questões <strong>de</strong> gênero são, no limite, as <strong>de</strong>finições <strong>de</strong><br />

masculini<strong>da</strong><strong>de</strong> e feminili<strong>da</strong><strong>de</strong>: revelam a existência <strong>de</strong> diferentes<br />

papéis sociais para o homem e para a mulher. Este estado <strong>de</strong> oposição<br />

fun<strong>da</strong>mental está presente em to<strong>da</strong> a vi<strong>da</strong> cotidiana:<br />

“À exploração <strong>da</strong> mulher pelo homem, característica <strong>de</strong> outros<br />

tipos <strong>de</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> ou <strong>de</strong> organização social, mas nota<strong>da</strong>mente do<br />

tipo patriarcal­agrário­ tal como o que dominou longo tempo no<br />

Brasil­ convém a extrema especialização ou diferenciação dos<br />

sexos. Por essa diferenciação exagera<strong>da</strong>, se justifica o chamado<br />

padrão duplo <strong>de</strong> morali<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>da</strong>ndo ao homem to<strong>da</strong>s as liber<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> gozo físico do amor e limitando o <strong>da</strong> mulher a ir para a cama<br />

com o marido, to<strong>da</strong> a santa noite em que ele estiver disposto a<br />

77


procriar: Gozo acompanhado <strong>de</strong> obrigação, para mulher, <strong>de</strong><br />

conceber, parir, ter filho, criar menino.” 65<br />

Atualmente essas noções foram recicla<strong>da</strong>s, sofrendo ajustes aqui<br />

e ali, mas continuam váli<strong>da</strong>s em sua essência. O machismo é um<br />

comportamento social, que segue a lógica do regime patriarcal: o<br />

homem é a imagem do sexo forte e nobre; a mulher, o fraco e belo.<br />

Dispondo <strong>de</strong>sta “superiori<strong>da</strong><strong>de</strong> física e moral”, o homem gozava do<br />

privilégio <strong>da</strong> liber<strong>da</strong><strong>de</strong> sexual quase absoluta. O patriarca mantinha<br />

relações sexuais com sua mulher, amantes e concubinas. 66 Seus filhos<br />

eram estimulados a ter uma vi<strong>da</strong> sexual ativa precocemente. 67<br />

No caso específico <strong>da</strong> mulher há que se consi<strong>de</strong>rar que, como não<br />

é ela quem utiliza a camisinha, a <strong>de</strong>cisão pelo uso <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá <strong>de</strong><br />

negociação com o seu parceiro e do grau <strong>de</strong> abertura para o diálogo<br />

existente nesta relação. Algumas mulheres não ousam pedir o uso do<br />

preservativo com medo <strong>de</strong> sofrerem agressões físicas ou <strong>de</strong> serem<br />

abandona<strong>da</strong>s.<br />

Para o homem o uso <strong>da</strong> camisinha, além <strong>de</strong> impor uma rotina sexual<br />

diferente, remete a questões bastante <strong>de</strong>lica<strong>da</strong>s. Segundo Eloíse<br />

Andra<strong>de</strong>, assistente social do COAS ( Centro <strong>de</strong> Orientação e Apoio<br />

Sorológico), a utilização <strong>da</strong> camisinha envolve pelo menos 2 fatores:<br />

65 FREYRE, Gilberto. Decadência do patriarcado rural e <strong>de</strong>senvolvimento urbano.6 a . ed.Rio <strong>de</strong> Janeiro: Livraria José<br />

Olympio editora, 1981. Pg 93.<br />

66 PARKER, R.1991.Op cit., p 59.<br />

67 _________.Op cit., p 58 e 61.<br />

78


1­medo <strong>da</strong> impotência: <strong>de</strong>vido à interrupção do ato sexual para<br />

colocação do preservativo, existe o temor <strong>de</strong> não conseguir segurar a<br />

ereção.<br />

2­medo <strong>da</strong> comparação: durante a colocação do preservativo, to<strong>da</strong>s as<br />

atenções são volta<strong>da</strong>s para o pênis que é exposto e nesse momento sua<br />

dimensão e rigi<strong>de</strong>z po<strong>de</strong>m ser melhor analisa<strong>da</strong>s pela(o) parceira (o).<br />

Para diferentes tipos <strong>de</strong> relação, teremos diferentes formas <strong>de</strong><br />

nos relacionar com o preservativo. 68 Sua proposição envolve as<br />

especifici<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong>s relações interpessoais, sejam elas: estáveis ­<br />

casamentos ou uniões consensuais­, não estáveis ­ pessoas solteiras­,<br />

extraconjugais­ envolvimentos casuais com uma terceira pessoa, ou,<br />

ain<strong>da</strong>, a condição <strong>de</strong> “amante”­ ou homossexuais.<br />

2.4.2 0 PRESERVATIVO NAS RELAÇÕES ESTÁVEIS:<br />

É difícil imaginar que casais que nunca conversaram sobre a sua<br />

vi<strong>da</strong> sexual possam discutir o uso <strong>da</strong> camisinha ou <strong>de</strong> questões como as<br />

Doenças Sexualmente Transmissíveis e a AIDS, após anos <strong>de</strong> convívio<br />

sem nunca haver externado qualquer preocupação nesse sentido.<br />

Muitos homens não admitem que uma mulher possa propor­lhes o uso<br />

do preservativo. A mulher que carrega camisinha na bolsa teme ser<br />

vista como fácil, ofereci<strong>da</strong> ou experiente <strong>de</strong>mais 69 . Esse <strong>da</strong>do aponta<br />

para a representação do papel sexual <strong>da</strong> mulher num contexto on<strong>de</strong> a<br />

68 TERTO, V. 1992.Op. Cit p. 119.<br />

69 BRASIL.Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>. 1997.Op cit., p 71.<br />

79


passivi<strong>da</strong><strong>de</strong> é o comportamento esperado e legitimado, inclusive pelas<br />

próprias mulheres.<br />

Não é <strong>da</strong>do à mulher tomar iniciativas neste campo, pois tal<br />

atitu<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ser vista com <strong>de</strong>sconfiança pelo parceiro.<br />

Tal proposição suscita a questão <strong>da</strong> fi<strong>de</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> 70 . Ora, se o casal<br />

mantém uma relação monogâmica, por que necessitaria lançar mão do uso<br />

<strong>da</strong> camisinha? Neste sentido, propor a utilização do preservativo<br />

po<strong>de</strong>ria equivaler a colocar em dúvi<strong>da</strong> o comportamento do homem ou <strong>da</strong><br />

mulher. Desta forma muitos casais, e principalmente as mulheres,<br />

optam por “ apostar no parceiro” ao invés <strong>de</strong> tentar estabelecer um<br />

diálogo franco, maduro e sincero.<br />

To<strong>da</strong>via, a proposta do diálogo po<strong>de</strong> ser inócua se não levarmos<br />

em conta as diferenças <strong>de</strong> gênero, nos diversos segmentos <strong>da</strong><br />

população. Para serem eficazes, as propostas <strong>de</strong> prevenção têm que se<br />

encaixar num quadro <strong>de</strong> significados constituído com vivências e<br />

experiências <strong>de</strong> êxitos e <strong>de</strong>rrotas que as mulheres trazem <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />

si, principalmente as cama<strong>da</strong>s médias e baixas urbanas, menos<br />

informa<strong>da</strong>s, <strong>de</strong> menores recursos, on<strong>de</strong> a epi<strong>de</strong>mia se espalha<br />

silenciosamente. Antes <strong>de</strong> exigir mu<strong>da</strong>nças em comportamentos sexuais<br />

arraigados, temos que conhecer o significado simbólico <strong>de</strong>ssas medi<strong>da</strong>s<br />

e a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> prática <strong>de</strong> adotá­las. 71<br />

2.4.2 O PRESERVATIVO NAS RELAÇÕES NÃO ESTÁVEIS<br />

70 Não invocaremos aqui qualquer juízo e valor a este respeito.<br />

80


As pessoas solteiras, que possuem uma maior varie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

parceiros, quando envolvi<strong>da</strong>s em relações eventuais <strong>de</strong>sprotegi<strong>da</strong>s ­<br />

sem o uso <strong>da</strong> camisinha­, estão mais propensas à exposição às<br />

DST/AIDS. É o chamado comportamento <strong>de</strong> risco.<br />

Numa cultura machista, o comportamento do “garanhão” é altamente<br />

valorizado. Quanto mais “vítimas forem abati<strong>da</strong>s” , maior o<br />

prestígio diante do grupo a que o jovem pertence 72 .<br />

Por outro lado, as mulheres também positivam este comportamento,<br />

uma vez que esperam relacionar­se com “atletas sexuais”, o que<br />

representa o reforço do mito do “latin lover”. O homem que “dá quatro<br />

sem tirar”, certamente não po<strong>de</strong> utilizar camisinha, até porque este<br />

comportamento é contrário às instruções <strong>de</strong> uso. Curiosamente, um dos<br />

maiores amantes <strong>de</strong> que a literatura tem notícia, Casanova, não só<br />

utilizava, como também recomen<strong>da</strong>va o uso do preservativo.<br />

A lógica que estimula uma maior quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> e varie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

encontros não visa ser analisa<strong>da</strong> sob o aspecto moral mas,<br />

responsabilizante. A plurali<strong>da</strong><strong>de</strong> sexual é uma opção <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> um,<br />

to<strong>da</strong>via os cui<strong>da</strong>dos preventivos com a saú<strong>de</strong> do outro, no sentido <strong>da</strong><br />

proteção efetiva, quase sempre ficam em segundo plano.<br />

2.4.3 A CAMISINHA NAS RELAÇÕES EXTRA­CONJUGAIS<br />

71 PARKER, R.1994.Op cit., p 221.<br />

72 _________. 1991.Opc cit.,p70<br />

81


O uso <strong>da</strong> camisinha ain<strong>da</strong> está fortemente associado a<br />

comportamentos percebidos como “ promíscuos”, “ irregulares” ou “<br />

<strong>de</strong>sviantes” 73 .<br />

Concretamente, o significado <strong>de</strong> fi<strong>de</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> acaba por ser muito<br />

relativo. Para uma pessoa, promiscui<strong>da</strong><strong>de</strong> po<strong>de</strong> significar transar com<br />

<strong>de</strong>z pessoas diferentes no ano. Para outras, 500 pessoas. Uma po<strong>de</strong><br />

diminuir seus parceiros <strong>de</strong> 10 para 5 e outra <strong>de</strong> 500 para 100. Alguns<br />

tem relações monogâmicas a ca<strong>da</strong> ano ou a ca<strong>da</strong> seis meses 74 .<br />

As prostitutas, por exemplo, sempre foram submeti<strong>da</strong>s ao<br />

preconceito e ao <strong>de</strong>scaso <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>. Dentre seus clientes, no<br />

entanto, sempre houve um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> homens casados. Muitos<br />

<strong>de</strong>les alegam que quando “ pulam a cerca” sempre usam camisinha;<br />

outros, negam­se a utilizar preservativos e até pagam a mais por<br />

isso.<br />

O fato é que muitas mulheres que hoje estão infecta<strong>da</strong>s pelo<br />

vírus HIV tiveram relações sexuais apenas com um parceiro, durante<br />

to<strong>da</strong> a vi<strong>da</strong>. Este acontecimento fez cair por terra a tese dos “<br />

grupos <strong>de</strong> risco” . A que “grupo <strong>de</strong> risco” pertenceria esta mulher?<br />

Existe uma dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> real <strong>de</strong> introduzir o uso do preservativo numa<br />

relação entre pessoas casa<strong>da</strong>s há anos, sendo que um <strong>de</strong>les ou ambos<br />

tem relações extra conjugais. Ain<strong>da</strong> que a existência “ <strong>da</strong> outra”<br />

possa ser percebi<strong>da</strong>, no caso <strong>de</strong> algumas mulheres é vivencia<strong>da</strong> em<br />

silêncio.<br />

73 BRASIL. Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>.1997.Op. cit. Id.Ibid.<br />

82


2.4.5 O USO DA CAMISINHA NAS RELAÇÕES HOMOSSEXUAIS<br />

O código 302 <strong>da</strong> OMS incluía a homossexuali<strong>da</strong><strong>de</strong> como <strong>de</strong>svio<br />

sexual. No Brasil, em 1985, o Conselho Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Medicina tornou sem<br />

efeito aquela classificação 75 .<br />

A visão preconceituosa e estigmatizante <strong>da</strong>s pessoas que possuem<br />

este tipo <strong>de</strong> orientação sexual, impe<strong>de</strong>, muitas vezes, que se enxergue<br />

a importância <strong>de</strong>sse grupo, na proposição do uso <strong>da</strong> camisinha, como<br />

uma <strong>da</strong>s formas <strong>de</strong> sexo seguro. Foi o movimento gay americano quem<br />

criou, em 1983, o SAFER SEX: uma série <strong>de</strong> medi<strong>da</strong>s <strong>de</strong> segurança<br />

elabora<strong>da</strong>s como resposta à proibição <strong>da</strong>s práticas homossexuais, ante<br />

ao perigo eminente <strong>da</strong> AIDS. A síndrome fora batiza<strong>da</strong>, naquele<br />

momento, como “peste gay”.<br />

Mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong>pois, constatou­se que os homossexuais<br />

passaram , efetivamente, a utilizar medi<strong>da</strong>s preventivas, inclusive<br />

fazendo uso <strong>da</strong> camisinha, como forma <strong>de</strong> se protegerem contra o<br />

preconceito e o HIV.<br />

O panorama <strong>da</strong> AIDS se reverteu, em função <strong>da</strong> varie<strong>da</strong><strong>de</strong> dos<br />

hábitos, parceiros e gostos homo, bi e/ou heterossexuais, em<br />

práticas <strong>de</strong>sprotegi<strong>da</strong>s. Atualmente quase 70% dos casos <strong>de</strong> HIV/AIDS<br />

referem­se à transmissão heterossexual 76 .<br />

A camisinha nas relações homossexuais, evi<strong>de</strong>ntemente, não tem<br />

valor contraceptivo. Sua utilização , nesses casos, só tem sentido<br />

74 TERTO,V.1992.Op cit. P 120.<br />

75 MacRae, Edward. A homossexuali<strong>da</strong><strong>de</strong> in Macho Masculino Homem.Porto Alegre: LP&M 1986 p 71<br />

76 TERTO,V.1992.Op cit . p 121<br />

83


como fator profilático. Os cui<strong>da</strong>dos a serem tomados são os mesmos que<br />

dizem respeito às práticas do coito anal <strong>de</strong> maneira geral.<br />

Quanto à varie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> parceiros, as recomen<strong>da</strong>ções são idênticas<br />

às estabeleci<strong>da</strong>s nas relações heterossexuais.<br />

No caso <strong>da</strong>s homossexuais femininas, entretanto, existe uma<br />

particulari<strong>da</strong><strong>de</strong> 77 . Como fazem uso compartilhado do vibrador, é<br />

necessária a utilização <strong>de</strong> preservativos individuais, durante o<br />

intercurso sexual, a fim <strong>de</strong> que não haja contato recíproco com as<br />

secreções íntimas.<br />

Vale ressaltar que também os homossexuais mantém relações<br />

monogâmicas e duradouras, o que lhes permite conversar e <strong>de</strong>cidir<br />

pelo uso ou não <strong>de</strong> preservativos, mediante precauções tais como o<br />

exame <strong>de</strong> soropositivi<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

2.4.6 PROBLEMATIZANDO A RELAÇÃO USO/NÃO USO<br />

O esforço preventivo <strong>de</strong>ve aglutinar os mais diversos grupos que<br />

se ocupem <strong>de</strong> informar, orientar e acompanhar os ci<strong>da</strong>dãos. Isto<br />

implica, também, prestigiar atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> grupos cujo raio <strong>de</strong> ação é<br />

mais restrito, que recomen<strong>da</strong>m a abstinência e a fi<strong>de</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> mútua ao<br />

público que está sob sua influência direta. Afinal, embora não esteja<br />

ao alcance <strong>da</strong> maior parte <strong>da</strong> população, que na sua intimi<strong>da</strong><strong>de</strong> é pouco<br />

vulnerável a motivações ético­religiosas, a abstinência sexual e a<br />

fi<strong>de</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> mútua são também formas <strong>de</strong> prevenção.<br />

77 vi<strong>de</strong> figura 3 e 4<br />

84


No entanto, trazer essas “ ban<strong>de</strong>iras moralizantes” para o<br />

universo <strong>da</strong>s campanhas é menos recomendável. Esta advertência já<br />

fôra feita por Daniel Bougnoux, enquanto analisava algumas campanhas<br />

anti­AIDS: “ A sensibilização é mais eficaz que o discurso<br />

moralizante ou doutrinário. 78<br />

Algumas campanhas anti­AIDS chegaram a pregar a diminuição dos<br />

parceiros, a monogamia e a fi<strong>de</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> como armas efetivas na luta<br />

contra o vírus. Outras, ain<strong>da</strong>, rechaçaram completamente práticas como<br />

o sexo anal e oral, sob pena <strong>de</strong> contaminação.<br />

Com base na análise freudiana dos mecanismos do <strong>de</strong>sejo,<br />

realização e orgasmo, po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>preen<strong>de</strong>r que a sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong> humana é<br />

muitíssimo mais diversa e complexa do que aquilo que é normatizado,<br />

falado e até pensado. 79 Qualquer tentativa <strong>de</strong> propor modificações<br />

bruscas no comportamento sexual visando coibir relacionamentos e<br />

práticas que envolvem po<strong>de</strong>r e prazer são pouco eficazes.<br />

“ A própria noção <strong>de</strong> proibição, entretanto, também implica a<br />

possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> transgressão­ uma possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> que é também<br />

<strong>de</strong>fini<strong>da</strong> culturalmente. Para os brasileiros, é no domínio do erótico<br />

( visto publicamente como um campo eminentemente privado) que a<br />

78 BOUGNOUX, Daniel.Introdução às ciências <strong>da</strong> informação e <strong>da</strong> comunicação. Petrópolis:Vozes,1994 p. 174.<br />

79 PARKER,Richard. et al. A AIDS no Brasil. Rio <strong>de</strong> Janeiro. Relume:Dumará. ABIA.MS. UERJ.1994, p.33.<br />

85


transgressão sexual não apenas se torna possível, mas, na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />

altamente valoriza<strong>da</strong>. 80 ”<br />

A proibição exerce um gran<strong>de</strong> fascínio sobre os indivíduos. Ao<br />

invés <strong>de</strong> afastar as pessoas do “ perigo” , acaba por exercer uma<br />

forte atração, instigando­as a transgredir. A atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> transgressão<br />

na esfera sexual é altamente positiva<strong>da</strong> culturalmente. O Brasil, em<br />

especial, cultua vários mitos em relação à sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>de</strong>ntre os<br />

quais “ entre quatro pare<strong>de</strong>s tudo é possível”. Esse clima <strong>de</strong> extrema<br />

permissivi<strong>da</strong><strong>de</strong> que diz respeito à intimi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s pessoas, <strong>de</strong> repente<br />

viu­se afrontado pelo controle e negação <strong>da</strong>s possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

obtenção <strong>de</strong> prazer.<br />

“As Políticas públicas <strong>de</strong> prevenção <strong>da</strong> AIDS acabam por<br />

atuar e intervir no espaço íntimo do quarto, <strong>da</strong> cama.<br />

Instauram o medo, freiam os prazeres, oferecendo como<br />

recompensa uma vi<strong>da</strong> regra<strong>da</strong> sem paixões ou excessos, on<strong>de</strong><br />

reina a saú<strong>de</strong> e a or<strong>de</strong>m. Aqui no Brasil o valor sagrado é<br />

o <strong>da</strong> liber<strong>da</strong><strong>de</strong> individual <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r escolher afetos e<br />

prazeres, sendo inadmissível a interferência <strong>de</strong><br />

terceiros. Além <strong>de</strong> violar essa liber<strong>da</strong><strong>de</strong>, a lógica <strong>da</strong><br />

80 _____________Corpos Prazeres e paixões. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Best seller.1991, p 18.<br />

86


prevenção tinge o espaço íntimo do prazer com o amargor<br />

<strong>da</strong> morte espectro esse que todos querem a maior distância<br />

(sic).” 81<br />

São vários os fatores que <strong>de</strong>terminam a não utilização <strong>da</strong><br />

camisinha mesmo após o surgimento <strong>da</strong> AIDS. Sobre este aspecto, o<br />

professor José Ricardo Ayres, titular do Departamento <strong>de</strong> medicina<br />

preventiva <strong>da</strong> <strong>Facul<strong>da</strong><strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Medicina <strong>da</strong> USP, colheu <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong><br />

adolescentes <strong>de</strong> diversas classes sociais no ví<strong>de</strong>o “Vulnerabili<strong>da</strong>ids”,<br />

<strong>de</strong>stinado a educadores e profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. O professor aponta<br />

os principais motivos para o não uso <strong>da</strong> camisinha, quais sejam:<br />

dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> acreditar que são “ mortais”, o que tem relação<br />

direta com a idéia <strong>de</strong> que “a AIDS não é problema meu”. “ Eu estou num<br />

patamar inalcançável pelo vírus”, dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> conciliar o que<br />

acham certo com o que têm vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer, o prazer <strong>de</strong> experimentar<br />

e transgredir, necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> se afirmar perante o grupo. Outros,<br />

ain<strong>da</strong>, são tão pobres e vivem uma reali<strong>da</strong><strong>de</strong> tão violenta e sem<br />

perspectivas que não vêem motivos para se previnir. 82<br />

Em Campinas, São Paulo, no ano <strong>de</strong> 1991 foram ouvidos 305 homens<br />

jovens dos 18 aos 30 anos, a maioria solteiros, distribuídos em 3<br />

categorias: estu<strong>da</strong>ntes universitários, bancários, operários, sendo<br />

que estes ain<strong>da</strong> foram divididos em dois setores, isto é, indústria e<br />

81 _____________.et al. A AIDS no Brasil. 1994,op cit, p 229.<br />

87


construção civil. Cerca <strong>de</strong> 80% dos entrevistados já tinham usado o<br />

preservativo alguma vez, sendo que a maior proporção <strong>de</strong> uso<br />

verificou­se entre os bancários (84%), seguidos dos universitários:<br />

80%, operários <strong>da</strong> indústria 76%, cabendo aos operários <strong>da</strong> construção<br />

civil o menor percentual <strong>de</strong> uso 74%.<br />

Aos que disseram nunca ter usado camisinha, foi questiona<strong>da</strong> a<br />

razão para o não uso. As “ alterações no prazer”, “a falta <strong>de</strong> hábito<br />

no uso do preservativo” ou “ cui<strong>da</strong>dos na seleção <strong>da</strong> parceira” e o “<br />

uso <strong>de</strong> outro anticoncepcional pela parceira” foram as principais<br />

razões alega<strong>da</strong>s.<br />

Distribuição percentual <strong>da</strong>s razões alega<strong>da</strong>s para nunca terem usado<br />

preservativos, segundo a categoria dos entrevistados<br />

RAZÕES DO<br />

NÃO­USO<br />

BANCÁRIOS ESTUDANTES<br />

UNIVERSIT.<br />

OP.CONST.<br />

CIVIL<br />

82 Caros Amigos. Editora casa Amarela.Ano 1, no.7 outubro/97 p.19.<br />

OPERÁRIOS<br />

INDÚSTRIA<br />

88


Tira o<br />

prazer<br />

Falta <strong>de</strong><br />

hábito<br />

Seleção <strong>da</strong><br />

parceira<br />

Usa outro<br />

método<br />

Sem<br />

resposta<br />

Outras<br />

razões*<br />

50,0 35,0 23,1 0,0<br />

0,0 25,0 46,1 16,7<br />

0,0 0,0 15,4 41,7<br />

25,0 20,0 0,0 16,7<br />

6,2 0,0 0,0 8,3<br />

18,8 20,0 15,4 16,6<br />

TAB 3­ Fonte: BERQUÓ e SOUZA, 1994.<br />

* Incluindo “ insatisfação quanto à resistência do material”<br />

“queixas contra a textura e anatomia <strong>da</strong> camisinha” e o “ preço<br />

elevado do produto”.<br />

As alterações no prazer preocupam, sobretudo, os bancários e<br />

universitários, correspon<strong>de</strong>ndo a 50% e 35%, respetivamente. Os<br />

operários <strong>da</strong> construção civil também relatam o mesmo motivo mas,<br />

surpreen<strong>de</strong>ntemente, nenhum dos operários <strong>da</strong> indústria alegou tal<br />

razão para o não uso.<br />

No entanto, as queixas relata<strong>da</strong>s foram fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong>s em<br />

experiências vivencia<strong>da</strong>s por amigos, parentes ou pelos parceiros, uma<br />

89


vez que os próprios entrevistados disseram nunca ter usado o<br />

preservativo. Esse <strong>da</strong>do é salutar quando pensamos sobre a formação <strong>da</strong><br />

imagem pública <strong>da</strong> camisinha. A reprodução do chavão “ é como chupar<br />

bala com papel” po<strong>de</strong> ser tão <strong>de</strong>cisiva que é capaz <strong>de</strong> levar os<br />

indivíduos a rechaçarem a camisinha sem nunca tê­la experimentado.<br />

O fato <strong>de</strong> os parceiros estarem usando “ outro método<br />

anticoncepcional” é motivo para que cerca <strong>de</strong> 15% dos entrevistados­<br />

com exceção dos operários <strong>da</strong> construção civil­ <strong>de</strong>ixem <strong>de</strong> se preocupar<br />

com o uso <strong>da</strong> camisinha. Na concepção <strong>de</strong>stes a camisinha sem dúvi<strong>da</strong><br />

<strong>de</strong>sempenha apenas a função contraceptiva. A falta <strong>de</strong> hábito também<br />

chama a atenção em todos os grupos, exceto os bancários.<br />

Outro fator preocupante é a não utilização por seleção <strong>da</strong><br />

parceira. Quais os critérios utilizados por estes jovens para fazer<br />

crer que as pessoas com as quais se relacionam não estão contamina<strong>da</strong>s<br />

por alguma DST ou mesmo AIDS?<br />

O uso <strong>da</strong> camisinha não implica a criação <strong>de</strong> um clima tenso <strong>de</strong><br />

terror e <strong>de</strong>sconfiança, nem sugere a existência <strong>de</strong> um infiel em<br />

potencial em ca<strong>da</strong> um <strong>de</strong> nós. Muito pelo contrário, a utilização <strong>da</strong><br />

camisinha é uma opção consciente e <strong>de</strong>ve ser discuti<strong>da</strong> pelo casal. O<br />

diálogo é um fator imprescindível para a <strong>de</strong>cisão pelo uso<br />

consistente. Até mesmo porque, numa relação madura, é possível que<br />

num <strong>de</strong>terminado momento o casal opte por um outro método<br />

contraceptivo e para tanto é necessário o conhecimento mútuo,<br />

po<strong>de</strong>ndo esta <strong>de</strong>cisão ser precedi<strong>da</strong> pela realização <strong>de</strong> exames <strong>de</strong> AIDS.<br />

A camisa é <strong>de</strong> vênus, não é <strong>de</strong> força.Confirma<strong>da</strong> a inexistência <strong>de</strong><br />

90


soropositivi<strong>da</strong><strong>de</strong> em ambos os parceiros, na<strong>da</strong> impe<strong>de</strong> que estes optem<br />

por outra forma <strong>de</strong> contracepção. A responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ambos,<br />

entretanto, aumenta, sendo que acaso envolvidos em relações extra<br />

conjugais, <strong>de</strong>ve haver o uso do preservativo, como forma <strong>de</strong> proteção.<br />

Na hipótese <strong>de</strong> soropositivi<strong>da</strong><strong>de</strong> ( exame <strong>de</strong>tectando a presença <strong>de</strong><br />

anticorpos do vírus na corrente sanguínea) em algum ou ambos os<br />

parceiros, ain<strong>da</strong> que sem quaisquer manifestações <strong>da</strong> síndrome, o uso<br />

<strong>de</strong> camisinha é mais do que necessário. Na primeira <strong>da</strong>s hipóteses,<br />

porque evita a contaminação do parceiro saudável. Na segun<strong>da</strong>, porque<br />

estarão contaminando­se mais um ao outro, na medi<strong>da</strong> em que enviam uma<br />

dose extra <strong>de</strong> vírus, através do sêmen ou secreções vaginais. Quanto<br />

maior quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> vírus na corrente sanguínea, maior a<br />

possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> manifestação tanto <strong>de</strong> outras infecções quanto <strong>da</strong>s<br />

chama<strong>da</strong>s doenças oportunistas a exemplo <strong>da</strong> tuberculose.<br />

Um <strong>da</strong>do animador indicado na pesquisa referi<strong>da</strong> é o nível <strong>de</strong><br />

conhecimento sobre as principais medi<strong>da</strong>s <strong>de</strong> prevenção <strong>da</strong>s DST/AIDS<br />

ser relativamente elevado. Cerca <strong>de</strong> 83% dos entrevistados reportaram­<br />

se, pelo menos a uma medi<strong>da</strong> eficaz. O uso consistente <strong>da</strong> camisinha<br />

apareceu sempre em primeiro lugar em todos os grupos entrevistados­ a<br />

exceção dos bancários­ tendo sido referido por 44,2% dos<br />

entrevistados, com a predominância dos operários <strong>da</strong> indústria<br />

(53,5%) e construção civil (50%) seguidos pelos bancários (38,1%) e<br />

estu<strong>da</strong>ntes universitários (35,4%). Esta aparente contradição apenas<br />

espelha a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> social <strong>de</strong>sses operários que recorrem com mais<br />

freqüência aos serviços <strong>da</strong>s prostitutas, o que justificaria, <strong>de</strong><br />

91


acordo com as crenças e valores expressos na pesquisa, um uso mais<br />

consistente <strong>da</strong> camisinha.<br />

2.4.7 A CAMISINHA E AS INTERDIÇÕES RELIGIOSAS<br />

“ Quem po<strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r diante <strong>da</strong> <strong>de</strong>vastadora reali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong><br />

incidência <strong>da</strong> AIDS em todo o mundo, que representantes <strong>de</strong> Deus na<br />

Terra venham dizer que a camisinha contraria os <strong>de</strong>sígnios <strong>da</strong><br />

providência?”. 83<br />

A Igreja, enquanto instituição religiosa, exerce forte<br />

influência na formação moral dos brasileiros, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a colonização.<br />

O mundo católico é constituído por relações dualísticas: bem e<br />

mal, luz e trevas, carne e espírito. 84<br />

A vi<strong>da</strong> carnal sempre foi oposta à vi<strong>da</strong> espiritual. Nesse<br />

contexto, é sempre evoca<strong>da</strong> a noção <strong>de</strong> pecado. Há uma varie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

comportamentos que se afiguram como pecados carnais: gula, cobiça,<br />

avareza...mas, acima <strong>de</strong> tudo, os pecados <strong>da</strong> carne se referem ao sexo.<br />

Dentro <strong>da</strong> tradição católica , o sexo é legitimado pelo casamento<br />

e suas finali<strong>da</strong><strong>de</strong>s restringem­se à perpetuação <strong>da</strong> espécie. Fora<br />

disso, o sexo é pecado. “(...) Adultério, poligamia, prostituição,<br />

sodomia, incesto, aborto... Tudo isto é pecado.” 85<br />

83 GONÇALVES, Mario Augusto. De Roma a Acopiara. Folha <strong>de</strong> São Paulo, 29 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 95, pg 18.<br />

84 PARKER, Richard.1991. Op cit., p 115­116.<br />

85 ___________.1991.Op cit, p 117.<br />

92


A transgressão sexual torna­se crime moral e o próprio pecador<br />

converte­se em criminoso. O sexo torna­se ele mesmo fonte <strong>de</strong> perigo,<br />

<strong>de</strong> contaminação e até mesmo do mal que se exerce no corpo e se<br />

enraiza na alma. 86 Nesse sentido, a AIDS representa a suprema<br />

metáfora­ uma tentadora superposição <strong>de</strong> fantasias. A constituição <strong>da</strong><br />

AIDS enquanto “doença do pecado” revela a dimensão dos perigos do<br />

sexo, quando suas práticas não se alinham aos padrões socialmente<br />

aceitáveis.<br />

O que dizer <strong>da</strong>s relações homossexuais que nem se afiguram como<br />

reprodutoras, tão pouco são passíveis <strong>de</strong> recebimento <strong>da</strong>s benções<br />

matrimoniais? Inscrever tais práticas como pecaminosas ou conferir a<br />

estas pessoas um caráter <strong>de</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia <strong>de</strong> segun<strong>da</strong> classe, <strong>de</strong> na<strong>da</strong><br />

adianta. Principalmente se consi<strong>de</strong>rarmos que, nos seminários e<br />

mosteiros existe um sem­número <strong>de</strong> religiosos a<strong>de</strong>ptos <strong>de</strong>stas “práticas<br />

abomináveis”.<br />

Por outro lado, é ca<strong>da</strong> vez mais freqüente, também nas igrejas<br />

protestantes, o aparecimento <strong>de</strong> evangélicos contaminados pelo vírus<br />

<strong>da</strong> AIDS. Enquanto isto, a maioria dos pastores continua ignorando a<br />

existência <strong>de</strong> uma diversificação <strong>de</strong> gostos e práticas sexuais entre<br />

os membros <strong>de</strong> suas congregações. Quando algum sermão contempla o tema<br />

<strong>da</strong> sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong>, quase sempre é articulado no sentido <strong>da</strong><br />

“admoestação”, buscando imprimir um caráter <strong>de</strong> repreensão aos fíeis<br />

que ain<strong>da</strong> nutrem <strong>de</strong>sejos pecaminosos.<br />

86 ___________.1991.Op cit, p 118.<br />

93


Ter sexo antes do casamento e/ou com finali<strong>da</strong><strong>de</strong>s não<br />

procriativas, usar camisinha... tudo isto é pecado.<br />

O po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> fogo <strong>da</strong> Igreja foi sentido, por exemplo, quando foi<br />

suspensa a veiculação <strong>da</strong> Campanha do Bráulio, em 1995. A mensagem<br />

<strong>da</strong>queles “Spots” era explícita <strong>de</strong>mais. Ora, se não pu<strong>de</strong>rmos falar<br />

claramente <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> uso <strong>da</strong> camisinha nas campanhas anti­<br />

AIDS, on<strong>de</strong> então o faremos?<br />

O controle <strong>da</strong> epi<strong>de</strong>mia ultrapassa os limites <strong>da</strong>s imposições e<br />

dogmas religiosos, antes , diz respeito a garantia <strong>de</strong> uma política <strong>de</strong><br />

prevenção eficiente, à qual todos os indivíduos, no exercício pleno<br />

<strong>de</strong> sua ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, tem direito ao acesso.<br />

CAPÍTULO 3<br />

94


A CAMISINHA NOS ANAIS DA PUBLICIDADE<br />

Analisar campanhas publicitárias veicula<strong>da</strong>s na mídia, conforme<br />

adiante veremos, remete a inúmeras e complexas questões. Tal<br />

exercício implica a preliminar compreensão do funcionamento <strong>da</strong><br />

engrenagem publicitária. Somente <strong>de</strong> posse <strong>de</strong> algumas noções, ain<strong>da</strong><br />

que superficiais e primárias, po<strong>de</strong>remos compreen<strong>de</strong>r porque<br />

<strong>de</strong>termina<strong>da</strong>s campanhas lançam mão <strong>de</strong>sse ou <strong>da</strong>quele artifício.<br />

Compatibilizar o discurso publicitário com o discurso <strong>de</strong><br />

campanhas preventivas é uma tarefa árdua. A linguagem publicitária é<br />

bastante específica e possui peculiari<strong>da</strong><strong>de</strong>s que vão <strong>de</strong> encontro aos<br />

elementos e características necessários à composição <strong>de</strong> uma campanha<br />

preventiva institucional.<br />

Nos itens subseqüentes, <strong>de</strong>screveremos algumas particulari<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

<strong>da</strong> linguagem publicitária. Ficarão explicita<strong>da</strong>s as dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

a<strong>da</strong>ptação entre a função manifesta <strong>da</strong> publici<strong>da</strong><strong>de</strong>­ que visa estimular<br />

o consumo <strong>de</strong> produtos­ e as campanhas Anti­AIDS ­que visam a<br />

modificação do comportamento sexual, através <strong>da</strong> implementação do uso<br />

sistemático do preservativo.<br />

Sabemos que a publici<strong>da</strong><strong>de</strong> se alimenta <strong>de</strong> textos, sons e imagens.<br />

Essas são suas matérias­primas básicas. Sem menosprezar o papel<br />

afetivo que po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>sempenhado pela música, e sua efetiva<br />

contribuição no contexto dos anúncios, pensar em um spot significa,<br />

sobretudo, pensar em imagens e textos. Entretanto, os spots,<br />

95


atualmente, privilegiam muito mais as imagens que as informações.<br />

Neste particular, resi<strong>de</strong> o primeiro aspecto contraditório em relação<br />

às campanhas. Como informar com imagens? As campanhas educativas<br />

necessitam <strong>de</strong> textos que as amparem. Os textos fornecem o suporte<br />

necessário para a proposição <strong>de</strong> mu<strong>da</strong>nças comportamentais. O que é A<br />

AIDS, como é transmiti<strong>da</strong>, quais as medi<strong>da</strong>s profiláticas? São<br />

conteúdos imprescindíveis na composição <strong>de</strong> campanhas preventivas.<br />

Todos estes aspectos <strong>de</strong>vem ser observados durante a composição <strong>de</strong> uma<br />

campanha.<br />

Diversos teóricos <strong>da</strong> comunicação, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os anos noventa, vêm<br />

afirmando que estamos na era <strong>da</strong> imagem, justificando, <strong>de</strong>sta forma, a<br />

maior atenção dispensa<strong>da</strong> a área área <strong>da</strong> comunicação visual. No<br />

entanto, Wilson Bryan Key, em seu primeiro livro: Subliminal<br />

Seduction, afirmava que os subliminares são relativamente fáceis <strong>de</strong><br />

plantar em ambas as áreas, <strong>de</strong> imagens ou sons. 87<br />

Key explica que o coração humano bate a 72 pulsações por minuto,<br />

e que música ou vozes neste ritmo afetam o comportamento humano.<br />

No Brasil, em 1989, o cantor e compositor Zé Rodrix produziu um<br />

jingle para o Chevrolet <strong>da</strong> General Motors, cujo ritmo era <strong>de</strong> 80<br />

ciclos por minuto. Segundo o compositor, o ritmo do coração <strong>de</strong> uma<br />

mãe amamentando o seu filho, ouvido pelo recém­nascido é um som que o<br />

bebê vai associar a sensações agradáveis, tais como: conforto, bem­<br />

87 Wilson Bryan Key citado por Flávio Calazans in Propagan<strong>da</strong> Subliminar Multimídia. São Paulo: Summus, 1992, p 21 e<br />

51­52.<br />

96


estar, segurança e prazer. Eram essas as sensações que o jingle<br />

queria associar subliminarmente ao carro. 88<br />

O compositor Zé Rodriz contou que se baseou em pesquisas do<br />

grupo Pink Floyd que apontavam o ritmo <strong>de</strong> 80 ciclos como o <strong>de</strong> maior<br />

efeito subliminar sob o público, durante os shows 89 .<br />

A esta altura, necessário se faz <strong>de</strong>finir alguns parâmetros que<br />

nortearão a interpretação <strong>da</strong>s campanhas seleciona<strong>da</strong>s. Primeiramente<br />

cabe salientar que serão <strong>de</strong>staca<strong>da</strong>s as estratégias discursivas<br />

utiliza<strong>da</strong>s nos spots publicitários, isto é, analisados os elementos<br />

que compõem as referi<strong>da</strong>s campanhas ( em textos, imagens e sons). A<br />

análise se ocupará também <strong>de</strong> uma reflexão acerca dos conteúdos<br />

implícitos, buscando trazer à tona “o não dito”. Trilharemos um pouco<br />

pelo campo <strong>da</strong> semiologia ( conjunto significante), bem assim <strong>da</strong><br />

retórica(poética do texto e <strong>da</strong> imagem, arte <strong>de</strong> persuadir e manipular<br />

o imaginário). 90<br />

3.1 O FENÔMENO DA PUBLICIDADE<br />

Para analisar a inserção <strong>da</strong> camisinha no universo <strong>da</strong>s campanhas<br />

é necessário, primeiramente, compreen<strong>de</strong>r o funcionamento do fenômeno<br />

<strong>da</strong> publici<strong>da</strong><strong>de</strong>. Para tanto, tomemos <strong>de</strong> empréstimo a <strong>de</strong>finição<br />

complexa e <strong>de</strong> certa forma multidisciplinar <strong>de</strong> Bougnoux, acerca <strong>da</strong><br />

publici<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

88 CALAZANS, Flávio. 1992, op cit, p 53.<br />

89 ___________,Flávio.1992, op cit, id ibid.<br />

90 BOUGNOUX.1994. Op cit.,p 133.<br />

97


A problemática <strong>da</strong> publici<strong>da</strong><strong>de</strong>, segundo este autor, envolve a<br />

questão marxista (fetiche <strong>da</strong> mercadoria) e freudiana(máquina do<br />

<strong>de</strong>sejo), sociológica(modos <strong>de</strong> vi<strong>da</strong>), semiológica e <strong>de</strong> retórica. 91<br />

Alguns <strong>de</strong>stes aspectos serão abor<strong>da</strong>dos simultaneamente no <strong>de</strong>correr<br />

dos tópicos a seguir.<br />

Em relação à sua função social, a publici<strong>da</strong><strong>de</strong> dá conta <strong>da</strong><br />

aceleração do mercado, isto é, assume sua função econômica <strong>de</strong><br />

principal responsável pela manutenção <strong>da</strong> dinâmica do mercado<br />

consumidor <strong>de</strong> bens e serviços. 92<br />

Influenciando os compradores no sentido <strong>da</strong> aquisição dos<br />

produtos, através do anúncio, a publici<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>ixa transparecer a<br />

função objetiva <strong>de</strong> divulgar as características <strong>de</strong>ste ou <strong>da</strong>quele<br />

objeto, promovendo­lhe a ven<strong>da</strong>. 93<br />

A publici<strong>da</strong><strong>de</strong> revela sua mais importante função social, enquanto<br />

produtora <strong>de</strong> significados, na medi<strong>da</strong> em que transforma os objetos<br />

materiais em objetos sociais, com significados amplamente<br />

partilhados. 94<br />

Por fim, a publici<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>tém a função <strong>de</strong> produtora industrial,<br />

porquanto faz anúncios que são também mercadorias culturais a serem<br />

consumi<strong>da</strong>s.<br />

91 _____________.1994.Op cit. P 167.<br />

92 MACHADO JUNIOR, Carlos Eduardo. O Mercado do simbólico in . <strong>Comunicação</strong> para o mercado:<br />

Instituições mercado e publici<strong>da</strong><strong>de</strong>. São Paulo:Edicon,1995.,p 127.<br />

93 BAUDRILLARD, Jean. O Sistema dos objetos.2 a . ed. São Paulo: Perspectiva, 1989.,p174.<br />

94 MACHADO JUNIOR, Carlos Eduardo. 1995. Op cit. P 124.<br />

98


3.1.1 O ANÚNCIO ENQUANTO PRODUTO CULTURAL<br />

Os anúncios são peças que contêm mensagens informativas sobre<br />

bens materiais e serviços disponíveis. Os consumidores do anúncio<br />

correspon<strong>de</strong>m a uma parcela muito mais significativa e abrangente que<br />

os consumidores <strong>de</strong> fato do produto anunciado (TARGET). Daí porquê os<br />

anúncios ultrapassam o “ fazer ven<strong>de</strong>r” <strong>de</strong>terminado produto e tornam­<br />

se eles mesmos, produtos culturais. 95<br />

No caso específico <strong>da</strong> campanha anti­AIDS, o mercado consumidor<br />

do anúncio é o público em geral, não apenas o público potencial<br />

comprador <strong>de</strong>sta ou <strong>da</strong>quela marca <strong>de</strong> preservativos. O objetivo é<br />

atingir o maior número possível <strong>de</strong> pessoas. A forma <strong>de</strong> aquisição do<br />

preservativo neste caso é secundária. Uma <strong>da</strong>s dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s,<br />

entretanto, resi<strong>de</strong> em formular um discurso unificador uma vez que a<br />

reali<strong>da</strong><strong>de</strong> sócio­econômica, cultural, <strong>da</strong>s pessoas é diversa <strong>de</strong> acordo<br />

com os grupos a que pertencem. Os homossexuais tem a sua linguagem,<br />

bem assim os adolescentes, os intelectuais etc. O discurso <strong>da</strong>s<br />

campanhas é globalizante, visa o todo, mas o todo é composto <strong>de</strong><br />

pequenas partes, com necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s específicas.<br />

No caso <strong>da</strong>s campanhas <strong>de</strong> fabricantes, a exemplo <strong>da</strong> Johnson e<br />

Jonhson, o anúncio é dirigido ao público potencial comprador, o que<br />

po<strong>de</strong> ser verificado <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a escolha do veículo anunciante: revistas<br />

direciona<strong>da</strong>s a públicos específicos e com um patamar <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r<br />

aquisitivo tais como a Playboy e Quatro ro<strong>da</strong>s.<br />

95 _________________.1995. Op cit., p 125.<br />

99


Os objetivos <strong>de</strong> consumo possuem duas instâncias: enquanto valor<br />

<strong>de</strong> uso e enquanto valor <strong>de</strong> troca. O primeiro plano é o <strong>da</strong> satisfação<br />

<strong>da</strong>s necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s básicas. Já o valor <strong>de</strong> troca diz respeito à sedução<br />

do consumo. As mercadorias são impregna<strong>da</strong>s <strong>de</strong> valores sociais, isto<br />

é, a posse <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados produtos passa a representar posição<br />

social privilegia<strong>da</strong> (as marcas <strong>de</strong> distinção). Grifes e etiquetas<br />

evi<strong>de</strong>nciam o status do usuário­ é o chamado valor <strong>de</strong> comunicação. 96<br />

A mercadoria, <strong>de</strong>sta forma, é submeti<strong>da</strong> a uma dupla articulação:<br />

a dinâmica do simbólico do <strong>de</strong>sejo se articula à física <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

que há muito <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> prevalecer em <strong>de</strong>trimento <strong>da</strong> lógica <strong>da</strong> troca<br />

que transforma o produto em obra <strong>de</strong> magia e arte. 97 As mercadorias<br />

contêm o acesso ao mundo: através <strong>de</strong>las ganhamos i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> 98 .<br />

3.1.2 A PUBLICIDADE E A MÁQUINA DO DESEJO<br />

A perseguição dos <strong>de</strong>sejos (máquina do <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> Freud) avança na<br />

medi<strong>da</strong> em que progri<strong>de</strong>m os níveis <strong>de</strong> troca e as mediações tornam­se<br />

mais complexas. A posse é gratificante <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que o objeto cobiçado<br />

o seja também pelo vizinho; <strong>da</strong>í a angústia <strong>da</strong> escolha: um produto<br />

<strong>de</strong>ve ser melhor que o do vizinho, ou pelo menos tão bom quanto e o<br />

melhor <strong>de</strong>ntre as marcas concorrentes. Neste aspecto, o <strong>de</strong>sejo não<br />

nasce do objeto, mas <strong>da</strong> impressão que vai causar a posse <strong>de</strong>sse objeto<br />

na vi<strong>da</strong> social.<br />

96 _________________.1995. Op cit., p 132<br />

97 BOUGNOUX, Daniel.1994.Op cit., p 169.<br />

98 __________________1994. Op cit., p 170/171.<br />

100


“ Todo <strong>de</strong>sejo é o <strong>de</strong>sejo do <strong>de</strong>sejo do outro” 99 . Os nossos <strong>de</strong>sejos<br />

têm referência coletiva. “ Ca<strong>da</strong> <strong>de</strong>sejo, por mais íntimo que seja,<br />

visa o universal. Nenhum <strong>de</strong>sejo, nem mesmo o sexual, subsiste sem a<br />

mediação do imaginário comum.” 100<br />

Quem <strong>de</strong>sejaria possuir uma mulher que não fosse <strong>de</strong>seja<strong>da</strong> e<br />

cobiça<strong>da</strong> pelos <strong>de</strong>mais?<br />

Quem <strong>de</strong>sejará utilizar camisinha se este não for um<br />

comportamento positivado socialmente? Compreen<strong>de</strong>ndo o mecanismo do<br />

<strong>de</strong>sejo, enquanto o uso <strong>da</strong> camisinha não representar uma condição <strong>de</strong><br />

ostentação, exprimindo um “ valor <strong>de</strong> comunicação” a sensibilização<br />

do público no sentido <strong>de</strong> sua utilização será bastante difícil.<br />

3.1.3 A PUBLICIDADE E OS MODOS DE VIDA<br />

Do ponto <strong>de</strong> vista sociológico, a publici<strong>da</strong><strong>de</strong> atua como um<br />

instrumento <strong>de</strong> controle social, estabelecendo parâmetros <strong>de</strong><br />

comportamento a<strong>de</strong>quados e colaborando com a manutenção <strong>da</strong> or<strong>de</strong>m<br />

social. 101<br />

Este controle não mais se estabelece pela via repressiva, mas ,<br />

sim, utilizando outras técnicas on<strong>de</strong> o consumidor, no próprio<br />

99 Hegel tomado por Lacan e por Caetano: “ Pois quando eu te vejo<br />

eu <strong>de</strong>sejo o teu <strong>de</strong>sejo”<br />

(Menino do Rio).<br />

100 BAUDRILLAR, Jean. 1989. Op cit. P 279.<br />

101 MACHADO JUNIOR, Carlos Eduardo. 1995. Op cit. 128/129.<br />

101


movimento <strong>de</strong> consumo, interioriza sua posição social e as normas <strong>de</strong><br />

conduta. O ajuste social é absorvido sem choques ou impactos. 102<br />

A publici<strong>da</strong><strong>de</strong> se antecipa a nossos <strong>de</strong>sejos, oferecendo<br />

“gratuitamente” imagens gratificadoras. 103 A Publici<strong>da</strong><strong>de</strong> é solícita e<br />

maternal. Você é visado, amado pelo objeto, que existe em função <strong>da</strong><br />

sua necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> . Isso faz com que você se sinta personalizado,<br />

singular. 104 O objeto é feito sob medi<strong>da</strong> para você. Desta forma, a<br />

publici<strong>da</strong><strong>de</strong> atua como os sonhos, sendo uma prática subjetiva e<br />

individual. As campanhas publicitárias que visam mu<strong>da</strong>r o<br />

comportamento social fracassam pois a publici<strong>da</strong><strong>de</strong> não visa o<br />

coletivo, mas o indivíduo em seu sonho pessoal. 105 A<strong>de</strong>quar a<br />

linguagem publicitária às necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong>s campanhas <strong>de</strong><br />

conscientização tem sido um aprendizado árduo para os publicitários ,<br />

uma vez que a publici<strong>da</strong><strong>de</strong> tem características intrínsecas que se<br />

chocam diretamente com os objetivos <strong>da</strong>s campanhas.<br />

Até que ponto o <strong>de</strong>poimento do “outro” infectado pelo HIV me<br />

sensibiza a ponto <strong>de</strong> me fazer refletir nele? O processo <strong>de</strong><br />

i<strong>de</strong>ntificação utilizado pela publici<strong>da</strong><strong>de</strong> se dá com pessoas bem<br />

sucedi<strong>da</strong>s, bonitas, felizes e saudáveis. A utilização <strong>de</strong> artistas HIV<br />

positivos inicialmente parecia visar a i<strong>de</strong>ntificação <strong>da</strong>s pessoas com<br />

os ídolos, <strong>de</strong>monstrando que a AIDS po<strong>de</strong>ria acontecer a todos,<br />

inclusive a pessoas famosas. Nenhum <strong>de</strong>stes artifícios garante que o<br />

102 BAUDRILLARD, Jean. 1989. Op cit. p. 176.<br />

103 ACCIOLY, Rejane vasconcelos Carvalho.Inédito. ENECOM.1996.mímeo., p 2<br />

104 BAUDRILLARD, Jean. 1989. Op cit., p. 180.<br />

105 __________________.1989.Op cit., p. 182.<br />

102


espectador possa interiorizar as mensagens <strong>de</strong> forma a crer que a AIDS<br />

possa lhe atingir. O anúncio é uma promessa <strong>de</strong> reconciliação e<br />

diminuição <strong>da</strong>s tensões, um acolhimento maternal, harmonioso. Não é<br />

uma instância e preocupação.<br />

O enunciado do anúncio publicitário lisongeia a ca<strong>da</strong> um e a<br />

todos. Instiga o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> distinção, mas também <strong>de</strong> socialização e<br />

integração. Promete a i<strong>de</strong>ntificação com a comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> , a entra<strong>da</strong><br />

para o clube <strong>da</strong>s pessoas que... 106<br />

saudáveis.<br />

3.1.4 A PUBLICIDADE E O IMAGINÁRIO<br />

103<br />

são bonitas , ricas, felizes e<br />

“ Chamamos imaginário o que, por to<strong>da</strong> parte, nos exime do real:<br />

no amor, sonho, poesia, arte, sugestão mais ou menos hipnótica,<br />

movimentos <strong>de</strong> massa e respectivas alucinações compartilha<strong>da</strong>s, ou<br />

publici<strong>da</strong><strong>de</strong>...” 107<br />

O termo alemão para a publici<strong>da</strong><strong>de</strong> é DIE WERBUNG, significa<br />

literalmente: “ A procura amorosa.”<br />

106 BOUGNOX, Daniel. 1994. Op cit., p 73.<br />

107 _______________.1994. Op cit., p 133.


A procura amorosa nos leva à i<strong>de</strong>alização do outro. O que miramos<br />

nesta busca i<strong>de</strong>al é o prazer, a felici<strong>da</strong><strong>de</strong>. E o princípio do prazer<br />

se opõe ao princípio <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong>. No confronto dualístico entre dois<br />

processos psíquicos opostos, tudo que nos permite escapar do real é o<br />

que efetivamente nos dá prazer. 108 O imaginário, <strong>de</strong>sta maneira,<br />

agra<strong>da</strong> pela sua forma e essa forma se dá com a per<strong>da</strong> <strong>da</strong>s relações<br />

normais com o real:<br />

. Ausência <strong>da</strong> negação ou <strong>de</strong> oposição em geral<br />

. Fusão e facili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s i<strong>de</strong>ntificações aos objetos<br />

. Colocação “ fora do jogo “ do princípio <strong>da</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> ( <strong>da</strong><br />

linguagem articula<strong>da</strong> ou linear, mas também <strong>da</strong> percepção clara e<br />

direta).<br />

Na publici<strong>da</strong><strong>de</strong>, assim como num quadro, por exemplo, inexiste a<br />

condição <strong>de</strong> oposição: não é possível retratar a ausência <strong>de</strong> um<br />

objeto. Os quadros, os sonhos, são plenos e positivos uma vez que<br />

são constituídos por imagens. A linguagem do sonho , assim como a<br />

linguagem publicitária, é simultânea posto que não estabelece um<br />

limite entre o tempo e o espaço. Estamos aqui e ali ao mesmo tempo.<br />

Os cenários se fun<strong>de</strong>m, mas os objetos são facilmente i<strong>de</strong>ntificados.<br />

O imaginário reina absoluto sobre o sono e, ain<strong>da</strong>, durante a<br />

vigília, quando a publici<strong>da</strong><strong>de</strong> se utiliza <strong>de</strong>sse fantástico<br />

instrumento <strong>de</strong> <strong>de</strong>vaneio social. A televisão aboliu as barreiras do<br />

108 _______________.1994. Op cit., p 134.<br />

104


tempo e do espaço, estabelecendo uma ligação “ mágica” entre as<br />

imagens e o imaginário. 109<br />

Analisar um spot publicitário significa interpretar imagens que<br />

con<strong>de</strong>nsam um sem número <strong>de</strong> significados. As imagens possuem sentidos<br />

<strong>de</strong>notativo ­ o que se <strong>de</strong>preen<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma imagem in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong><br />

interpretação, <strong>de</strong>scrição do que vemos <strong>de</strong> fato ­ e conotativo ­ o que<br />

vêm através <strong>da</strong>s análises <strong>de</strong> injunções culturais, o que é passível <strong>de</strong><br />

interpretações ­.<br />

Distinguir <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> análise consiste em uma árdua tarefa<br />

para quem preten<strong>de</strong> interpretar textos televisivos. Quem se ocupa <strong>da</strong><br />

análise <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado discurso, fatalmente estará criando um<br />

segundo, utilizando os recursos do código escrito para explicar o<br />

código imagístico. Desta forma, ao mu<strong>da</strong>r a estrutura do que é<br />

analisado, corre­se o risco <strong>de</strong> ser inexato e impreciso mas, qualquer<br />

que seja a metologia escolhi<strong>da</strong>, há sempre um limite para o qual não<br />

po<strong>de</strong>mos nos furtar.<br />

3.1.5 A IMAGEM DO OBJETO ( CAMISINHA)<br />

A imagem dos objetos( a referência que temos <strong>de</strong>le, sua função e<br />

significado) é forma<strong>da</strong> através <strong>de</strong> processos psiquícos complexos que<br />

levam à personificação dos produtos. Isto é, os produtos sofrem uma<br />

109 _______________.1994. Op cit., id. Ibid.<br />

105


projeção <strong>de</strong> um sentido antropomórfico, a partir do nível perceptivo,<br />

advin<strong>da</strong> <strong>da</strong> relação “ mágica” que mantemos com eles. 110<br />

Assim, um produto po<strong>de</strong> ser percebido como refinado, <strong>de</strong>licado ou<br />

frágil, por exemplo.<br />

psíquicos:<br />

A personificação do objeto é mol<strong>da</strong><strong>da</strong> segundo dois mecanismos<br />

1.Transformação <strong>de</strong> características perceptivas do objeto em<br />

quali<strong>da</strong><strong>de</strong>s ou <strong>de</strong>feitos humanos. Desta forma, um objeto po<strong>de</strong> ser<br />

percebido como viril ou feminino, comum ou refinado, forte ou frágil.<br />

2.I<strong>de</strong>ntificação pessoal­ Projetamos nosso “ eu “ no objeto que passa<br />

a refletir nossas aspirações. Através <strong>da</strong> imagem do objeto, o cliente<br />

tem idéia <strong>da</strong> clientela do produto. Se este grupo constitui a sua<br />

preferência e aspiração social, o cliente potencial estará mais<br />

atraído pela posse do objeto.<br />

Quanto ao primeiro mecanismo, o aspecto <strong>de</strong> percepção imediata<br />

e irrefleti<strong>da</strong>, com relação à imagem <strong>da</strong> camisinha, diz respeito à<br />

fragili<strong>da</strong><strong>de</strong>. “ A camisinha rompe, escorrega, é permeável...” To<strong>da</strong>s<br />

estas impressões, po<strong>de</strong>m ser rebati<strong>da</strong>s cientificamente através <strong>de</strong><br />

rigorosos testes <strong>de</strong> quali<strong>da</strong><strong>de</strong>, a que são submetidos os preservativos<br />

nacionais e importados, atualmente. No entanto, esta <strong>de</strong>sconfiança é<br />

reflexo <strong>de</strong> uma política <strong>de</strong> planejamento e controle <strong>de</strong> quali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sarticula<strong>da</strong> ­ no que diz respeito aos preservativos, tal qual<br />

vinha sendo aplica<strong>da</strong> no Brasil, até o ano <strong>de</strong> 1993. A camisinha foi<br />

110 MUCCHELLI, Roger. Psicologia <strong>da</strong> publici<strong>da</strong><strong>de</strong>: Conhecimento do promema, aplicações práticas.Trad. Flávia Solero<br />

106


incluí<strong>da</strong> na categoria <strong>de</strong> produto farmacêutico, em 1987, ficando,<br />

portanto, sob jurisdição <strong>da</strong> Secretaria <strong>de</strong> Vigilância Sanitária do<br />

Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>. A partir <strong>de</strong> então, a realização dos testes foi<br />

<strong>de</strong> responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> vários órgãos, <strong>de</strong> tempos em tempos.<br />

Os testes realizados <strong>de</strong>monstraram que alguns preservativos<br />

postos à disposição <strong>da</strong> população estavam aquém dos padrões <strong>de</strong><br />

quali<strong>da</strong><strong>de</strong> exigidos para oferecerem segurança preventiva <strong>da</strong>s DST/AIDS.<br />

Em 17/03/93, a Secretaria <strong>de</strong> Vigilância Sanitária do Ministério <strong>da</strong><br />

Saú<strong>de</strong>, <strong>de</strong>signou o INMETRO a respon<strong>de</strong>r pelos testes dos preservativos<br />

tanto nacionais quanto importados. 111 Em fevereiro <strong>de</strong> 94, reacen<strong>de</strong>u­se<br />

a polêmica­ a partir <strong>da</strong> rejeição, pelo INMETRO, <strong>de</strong> preservativos<br />

importados que haviam sido doados com objetivos <strong>de</strong> prevenção <strong>da</strong>s<br />

DST/AIDS. Este fato foi largamente noticiado pelos meios <strong>de</strong><br />

comunicação e levou a Secretaria <strong>de</strong> Vigilância a emitir uma nova<br />

regulamentação­ o RTQ 9­ chamando para si a responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> final<br />

quanto à quali<strong>da</strong><strong>de</strong> dos preservativos disponíveis no mercado e<br />

limitando o papel do INMETRO à certificação dos testes.<br />

Um outro fator que, talvez, concorra para suscitar dúvi<strong>da</strong>s em<br />

relação à quali<strong>da</strong><strong>de</strong> dos preservativos fabricados no Brasil é o<br />

emprego, na linha <strong>de</strong> produção, <strong>de</strong> uma parcela <strong>de</strong> látex nacional.<br />

Embora quase todo o látex utilizado seja importado <strong>da</strong> Malásia, uma<br />

pequena proporção provém <strong>de</strong> fontes domésticas. O látex nacional “<br />

<strong>de</strong>finitivamente não aten<strong>de</strong> os requisitos mínimos <strong>de</strong> quali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Campos. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Livros técnicos e científicos, 1978., p 47­48.<br />

107


exigidos para a produção <strong>de</strong> preservativos” conforme atesta Maria<br />

Eugênia Fernan<strong>de</strong>s, Coor<strong>de</strong>nadora do projeto AIDSCAP <strong>de</strong> prevenção às<br />

DST/AIDS. 112<br />

Em contraparti<strong>da</strong>, po<strong>de</strong>­se argumentar, pelo menos com relação à<br />

Johnson & Johnson, uma parcela <strong>da</strong> produção <strong>de</strong>stina­se à exportação<br />

para vários países latino­ americanos e, ain<strong>da</strong>, para os Estados<br />

Unidos. Isto significa que, além <strong>de</strong> seguir os padrões <strong>de</strong>finidos no<br />

RTQ 9 e ISO 4074, os preservativos <strong>da</strong> referi<strong>da</strong> empresa também <strong>de</strong>vem<br />

estar em conformi<strong>da</strong><strong>de</strong> com as normas <strong>da</strong> American Society for Testing<br />

and Materials (ASTM) e <strong>da</strong> Food and Drug Administration (FDA), cujo<br />

rigor é internacionalmente reconhecido.<br />

Entretanto, <strong>de</strong>pois que um conceito se forma a respeito <strong>de</strong> um<br />

produto, ele passa a povoar o imaginário coletivo, sendo o processo<br />

<strong>de</strong> reversão muito difícil.<br />

“ A camisinha impe<strong>de</strong> o contato e o prazer”. Esta é uma afirmação<br />

difícil <strong>de</strong> ser rebati<strong>da</strong>, uma vez que a camisinha <strong>de</strong> fato impe<strong>de</strong> o<br />

contato íntimo entre os genitais dos usuários. No entanto, esta falta<br />

<strong>de</strong> contato <strong>de</strong>veria se reverter positivamente, no sentido <strong>de</strong> que ela<br />

visa a segurança e proteção <strong>de</strong> ambos os parceiros, contra as DST/AIDS<br />

e a gravi<strong>de</strong>z in<strong>de</strong>seja<strong>da</strong>. Além do mais, tecnicamente o preservativo<br />

não po<strong>de</strong> impedir que um casal atinja o orgasmo.<br />

Quanto ao aspecto <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação pessoal, uma espécie <strong>de</strong><br />

projeção social que o objeto dá ao usuário, é um mecanismo complexo<br />

111 Brasil. Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>. 1997. Op cit., p19.<br />

108


em se tratando do preservativo. As primeiras campanhas ANTI­AIDS<br />

veiculavam a informação <strong>de</strong> que a AIDS tinha a ver com “grupos <strong>de</strong><br />

risco”, ou seja, era problema <strong>de</strong> gays, prostitutas e drogados, estes<br />

elementos, sim, <strong>de</strong>veriam recorrer ao preservativo. O processo <strong>de</strong><br />

i<strong>de</strong>ntificação <strong>da</strong> AIDS com grupos marginalizados repercutiu muito<br />

negativamente. Ninguém <strong>de</strong>seja se i<strong>de</strong>ntificar com elementos excluídos.<br />

A maior parte <strong>da</strong>s pessoas não se imagina pertencente a quaisquer dos<br />

grupos <strong>de</strong> risco. A possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> se aspirar pertencimento a grupos<br />

marginais inexiste.<br />

O uso <strong>da</strong> camisinha é uma escolha pessoal e íntima, portanto, não<br />

<strong>de</strong>clara<strong>da</strong> publicamente. A opção pelo sexo seguro só diz respeito ao<br />

indivíduo e seu(sua) parceiro(a). Desta forma, a valorização do<br />

usuário ou motivação pela sua escolha é fruto <strong>da</strong> sua sensibilização.<br />

Inexiste “ ostentação pública ” em se utilizar preservativo, tão<br />

pouco “ valor <strong>de</strong> comunicação” <strong>de</strong> acordo com a marca escolhi<strong>da</strong>. Qual o<br />

status revelado por quem porta um “ Olla” ou Jontex na carteira?<br />

Ao passo que, a aquisição <strong>de</strong> uma calça <strong>da</strong> “ Zoomp”, por exemplo,<br />

informa aos outros sobre você ( po<strong>de</strong>r aquisitivo, gosto refinado<br />

etc). Funciona como um certificado <strong>de</strong> pertencimento a um grupo<br />

seleto, afinal não são muitas as pessoas que têm condições <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sembolsar um salário mínimo por um jeans.<br />

3.1.6 O PROCESSO DE SIGNIFICAÇÃO DA IMAGEM<br />

112 Brasil. Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>.1997. Op cit., p 31.<br />

109


Não iremos nos <strong>de</strong>ter neste aspecto pois a natureza do seu objeto<br />

encontra na semiótica sua área <strong>de</strong> atuação. Apenas faremos uma<br />

explanação bastante simplifica<strong>da</strong> sobre o que sejam: ícones, índices e<br />

símbolos, uma vez que a análise <strong>de</strong> imagens compreen<strong>de</strong> a utilização <strong>de</strong><br />

signos icônicos/indiciais.<br />

Todos os signos, segundo Pierce, estão distribuídos em relações<br />

icônicas, indiciais e simbólicas.<br />

Os ícones estabelecem uma semelhança com o que é <strong>de</strong>signado por<br />

eles, são, portanto, <strong>de</strong>notativos, análogos e estabelecem uma relação<br />

<strong>de</strong> continui<strong>da</strong><strong>de</strong>. A representação icônica é motiva<strong>da</strong> pela semelhança.<br />

Por exemplo, fotografias ou esculturas.<br />

Já os índices, são sintomas, vestígios sensíveis <strong>de</strong> um fenômeno.<br />

Por exemplo, as marcas <strong>de</strong> <strong>de</strong>dinhos na glace do bolo.<br />

Os símbolos, por sua vez, são signos arbitrários, a exemplo <strong>de</strong><br />

números e <strong>da</strong> própria linguagem.<br />

Os ícones guar<strong>da</strong>m características especiais pois, assim como o<br />

imaginário, não admitem negação. Como fotografar um enunciado “Maria<br />

não veio”? Uma imagem, ain<strong>da</strong> que seja <strong>de</strong> um quadro branco, é<br />

positivante e sempre plena, adverte Bougnoux. 113<br />

Ícones não registram a dêitica temporal ( a não ser através <strong>da</strong>s<br />

legen<strong>da</strong>s ou voz off). Uma foto não comunica se foi tira<strong>da</strong> hoje, ontem<br />

ou há meses atrás.<br />

113 BOUGNOUX, Daniel. 1994. Op cit., p 74.<br />

110


3.1.7 A PUBLICIDADE COMO ESPAÇO PREVENTIVO<br />

A publici<strong>da</strong><strong>de</strong> nos pren<strong>de</strong> pelo reino <strong>da</strong> imagem <strong>de</strong> preferência ao<br />

reino <strong>da</strong>s palavras. Desta forma, quem se utiliza <strong>de</strong> mensagens<br />

textuais longas vai <strong>de</strong> encontro ao princípio instantâneo e ultra­<br />

rápido <strong>da</strong> linguagem publicitária, on<strong>de</strong> a ostentação prevalece sobre a<br />

informação. A mensagem publicitária é lúdica. O relaxamento nos<br />

pren<strong>de</strong> mais que a dramatização.<br />

Um spot não <strong>de</strong>ve ser coercitivo, mas, sim, <strong>de</strong>ixar os<br />

espectadores livres para recusá­lo. “ Se você não se cui<strong>da</strong>r, a AIDS<br />

vai te pegar”. O slogan do vírus bicho­papão não surtiu efeito, como<br />

era <strong>de</strong> se esperar, pois o medo e a coerção não são sensações<br />

agradáveis, sendo, portanto, refuta<strong>da</strong>s imediatamente.<br />

A publici<strong>da</strong><strong>de</strong> não faz juízos críticos. Assim, utilizando a<br />

linguagem afirmativa, sugestiona o inconsciente que normalmente<br />

ignora o negativo. 114<br />

Com to<strong>da</strong>s estas dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s, como é possível utilizar o espaço<br />

<strong>da</strong> publici<strong>da</strong><strong>de</strong> para fazer prevenção, já que as campanhas anti­AIDS<br />

visam proibir ou prevenir comportamentos? É possível advertir através<br />

<strong>da</strong> publici<strong>da</strong><strong>de</strong>? Certamente que estabelecer críticas a respeito <strong>de</strong><br />

tais campanhas, sem um conhecimento técnico do funcionamento <strong>da</strong><br />

publici<strong>da</strong><strong>de</strong>, é uma tarefa <strong>de</strong>veras mais fácil.<br />

A imagem é sempre plena e afirmativa, como dizer não através <strong>de</strong><br />

imagens? É preciso pensar outra forma <strong>de</strong> li<strong>da</strong>r com esta problemática.<br />

114 Ver o item 3.1.4.<br />

111


A negação icônica , como já dito, é impossível, posto que ela mostra<br />

o que preten<strong>de</strong> excluir. O exemplo clássico é a proibição ao fumo que<br />

é representa<strong>da</strong> pelo cigarro com uma cruz por cima. 115<br />

Este aspecto <strong>de</strong>monstra a fragili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s mensagens morais:<br />

enganam­se ao levar a pensar naquilo que con<strong>de</strong>nam.<br />

Dentre as campanhas anti­AIDS veicula<strong>da</strong>s na Europa em 1990,<br />

quatro spots chamam bastante atenção quanto a estes aspectos aqui<br />

abor<strong>da</strong>dos 116 :<br />

­Uma equipe médica an<strong>da</strong> através <strong>de</strong> corredores brancos, com uma voz<br />

martelando dramaticamente: “ A AIDS se trata com grana, não com<br />

se...” Este apelo financeiro, <strong>de</strong>sviou­se completamente do objetivo <strong>de</strong><br />

sensibilizar as pessoas quanto aos perigos <strong>da</strong> síndrome.<br />

­Um adolescente quebra uma espécie <strong>de</strong> bastão vermelho com a legen<strong>da</strong>:<br />

“ Ela não passará por mim”. Uma mensagem por <strong>de</strong>mais negativa para ser<br />

persuasiva.<br />

­Uma conversa bastante terna entre um rapaz e uma moça; o rapaz<br />

gagueja alguma coisa, a moça ri. Voz off: “ o preservativo preserva<br />

<strong>de</strong> tudo, até mesmo <strong>da</strong> timi<strong>de</strong>z”. O uso do preservativo estimula o<br />

diálogo. A <strong>de</strong>cisão pela utilização <strong>da</strong> camisinha envolve o exercício<br />

<strong>da</strong> reflexão acerca <strong>da</strong> sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong>. É uma escolha natural, fruto do<br />

cui<strong>da</strong>do consigo e com o outro.<br />

115 BOUGNOUX, Daniel.1994. Op cit., p 178.<br />

116 _________________.1994. Op cit., i<strong>de</strong>m ibid.<br />

112


­Um casal em plena relação sexual com uma voz em off: “ O<br />

preservativo preserva <strong>de</strong> tudo, exceto do amor”. Como foi observado<br />

pela imprensa, a taxa <strong>de</strong> recepção aumentou por esta ser a primeira<br />

publici<strong>da</strong><strong>de</strong> anti­AIDS que <strong>da</strong>va vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer amor. Um spot<br />

au<strong>da</strong>cioso que enfim estimulou o sexo seguro sem tabu, referindo­se a<br />

prática sexual como uma ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> bela e agradável e que não<br />

apresenta perigo algum, quando se usa camisinha. 117<br />

O anúncio publicitário possui três etapas: excitação, gesto <strong>de</strong><br />

compra seguido <strong>da</strong> redução <strong>da</strong> tensão. A segun<strong>da</strong> etapa propõe ao<br />

imaginário uma tentativa positiva, um mais, o sujeito é convi<strong>da</strong>do a<br />

fazer algo, ao passo que a prevenção é fruto <strong>de</strong> uma proposta <strong>de</strong><br />

carência ou um menos.<br />

“ sonho não tem lógica nem se refuta, só sabe juntar­se ou<br />

dissolver­se em outro sonho mais possante.” 118<br />

A publici<strong>da</strong><strong>de</strong> comercial é um espaço intimizante, individualista<br />

e lúdico. Não há lugar para a preocupação com as questões sociais. A<br />

prevenção preten<strong>de</strong> ser socializante e responsabilizante,<br />

características que vão <strong>de</strong> encontro à natureza essencial do<br />

imaginário, força­motriz <strong>da</strong> publici<strong>da</strong><strong>de</strong>. Esse é o paradoxo <strong>da</strong>s<br />

campanhas ANTI­AIDS: estabelecer uma relação entre o mais íntimo <strong>da</strong><br />

pessoa com a extensão social.<br />

3.1.8 O DISCURSO PUBLICITÁRIO<br />

117 TOSCANI, OLIVIERO.1994. Op cit, p 179.<br />

113


De forma sintética, analisamos os principais aspectos que<br />

envolvem a problemática <strong>da</strong> publici<strong>da</strong><strong>de</strong>. Passaremos agora a<br />

i<strong>de</strong>ntificar os elementos formadores do discurso publicitário.<br />

A publici<strong>da</strong><strong>de</strong> privilegia a enunciação em vez do enunciado. A<br />

forma em <strong>de</strong>trimento do conteúdo. A ostentação em lugar <strong>da</strong> informação.<br />

O discurso <strong>da</strong> publici<strong>da</strong><strong>de</strong> é o <strong>da</strong> aquiescência, <strong>da</strong>s<br />

i<strong>de</strong>ntificações lúdicas. Nesse sentido, o discurso <strong>da</strong>s campanhas<br />

preventivas, se assemelha muito mais ao discurso político que ao<br />

publicitário: visa a sensibilização e a escolha consciente.<br />

Os spots publicitários nos presenteiam com imagens. A imagem do<br />

objeto nos dá uma sensação <strong>de</strong> satisfação, <strong>de</strong> posse. A publici<strong>da</strong><strong>de</strong> se<br />

alimenta <strong>de</strong> imagens e, portanto, <strong>de</strong> ilusões. Isto porque uma imagem e<br />

sua leitura não são o caminho mais curto para obtenção <strong>de</strong> um<br />

objeto, mas sim para outra imagem. 119<br />

A publici<strong>da</strong><strong>de</strong> se utiliza do imaginário comum. Desta maneira, faz<br />

uso <strong>de</strong> imagens cujo significado é compartilhado por uma coletivi<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

Lança mão <strong>de</strong> um código conotativo que associa claramente “ sinais”,<br />

imagens e legen<strong>da</strong>s a <strong>de</strong>terminados “ efeitos <strong>de</strong> sentido”. Assim, o<br />

receptor , antecipa<strong>da</strong>mente i<strong>de</strong>alizado, assimilará uma mensagem que<br />

já fôra anteriormente <strong>de</strong>codifica<strong>da</strong>.<br />

A publici<strong>da</strong><strong>de</strong> opera com fusões <strong>de</strong> múltiplos códigos <strong>de</strong><br />

comunicação visual, gestual, sonoro, verbal. Jingles, slogans,<br />

colagens são alguns dos artifícios utilizados para <strong>da</strong>r <strong>de</strong>staque aos<br />

118 _________________.1994. Op cit., p 180.<br />

114


produtos e apresentá­los <strong>de</strong> maneira criativa. Afinal, com a<br />

quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> anúncios veiculados, ca<strong>da</strong> vez mais é necessário um<br />

maior empenho dos publicitários no sentido <strong>de</strong> conseguir chamar a<br />

atenção do consumidor para os produtos.<br />

Com o processo <strong>de</strong> saturação por excesso <strong>de</strong> anúncios,uma<br />

publici<strong>da</strong><strong>de</strong> acaba por neutralizar a outra, e estando o consumidor<br />

imunizado, po<strong>de</strong>rá não ser afetado pela mensagem publicitária. 120<br />

A sedução substitui a ver<strong>da</strong><strong>de</strong>. Um anúncio <strong>de</strong> shampoo, por<br />

exemplo, utiliza­se <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los internacionais, com cabelos<br />

maravilhosos, brilhantes e sedosos, <strong>de</strong>clarando que a aparência dos<br />

seus cabelos <strong>de</strong>ve­se apenas ao shampoo “x”. A maioria <strong>de</strong> nós sabe<br />

que, antes <strong>de</strong> serem filmados, os cabelos <strong>da</strong>s mo<strong>de</strong>los passam por<br />

inúmeros processos químicos, entre massagens e escovas, até que<br />

ganhem aquela textura.<br />

Como os sonhos, a publici<strong>da</strong><strong>de</strong> atua a nível dos <strong>de</strong>sejos mais<br />

íntimos e individuais e, ao mesmo tempo, contempla a aspiração <strong>de</strong><br />

pertencimento a <strong>de</strong>terminados grupos <strong>de</strong> prestígio. Uma <strong>de</strong>termina<strong>da</strong><br />

marca <strong>de</strong> cigarro se apresenta como “ O sucesso” 121 . Os seus anúncios<br />

contêm imagens <strong>de</strong> esportes radicais, homens e mulheres bonitos e<br />

saudáveis , <strong>de</strong>ntes perfeitos, sorrisos magníficos. Quem não gostaria<br />

<strong>de</strong> ingressar nesse grupo tão seleto? No entanto,se pensarmos<br />

racionalmente, veremos que o fumo, consoante adverte o Ministério <strong>da</strong><br />

119 BAUDRILLARD , Jean. 1989. Op cit. p 186.<br />

120 __________________.1989. Op cit., p 184­185.<br />

121 A esta altura, todos já sabem <strong>de</strong> qual marca se trata, uma prova <strong>da</strong> eficiência <strong>da</strong> publici<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

115


Saú<strong>de</strong>, é prejudicial à saú<strong>de</strong>. Nenhum fumante inveterado conseguirá<br />

fazer meta<strong>de</strong> <strong>da</strong>quelas proezas com tanta facili<strong>da</strong><strong>de</strong>. Tampouco<br />

conseguirá manter <strong>de</strong>ntes tão brancos.<br />

Lançando mão <strong>de</strong> complexos mecanismos psíquicos, que remetem ao<br />

imaginário e às pulsões <strong>de</strong>sejantes, a publici<strong>da</strong><strong>de</strong> nos expõe ao<br />

arbitrário compulsoriamente. E, apesar <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as reconheci<strong>da</strong>s<br />

mazelas, sua visão sedutora e milagrosa é um bálsamo que nos redime.<br />

3.2 DECUPAGENS DAS CAMPANHAS<br />

As campanhas publicitárias ANTI­AIDS, por mais que agreguem<br />

esforços no sentido <strong>de</strong> modificar o comportamento sexual <strong>da</strong>s pessoas,<br />

não conseguem o êxito esperado. Até porque dizem respeito a questões<br />

íntimas relativas a práticas culturais arraiga<strong>da</strong>s. A perspectiva,<br />

então, é ir aos poucos trilhando os caminhos <strong>da</strong> conscientização,<br />

buscando sensibilizar o público quanto à necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> manutenção <strong>de</strong><br />

práticas seguras quanto ao HIV. O primeiro passo consistiu em<br />

<strong>de</strong>sconstituir aos poucos a idéia forma<strong>da</strong> pelas primeiras campanhas<br />

que apontavam para os chamados grupos <strong>de</strong> risco. As campanhas mais<br />

atuais, inclusive as aqui recorta<strong>da</strong>s, atentam para o fato <strong>de</strong> que a<br />

AIDS po<strong>de</strong> ocorrer a qualquer um <strong>de</strong> nós. Depois, chamando a atenção <strong>de</strong><br />

que embora não ofereça 100% <strong>de</strong> proteção, o uso <strong>da</strong> camisinha ain<strong>da</strong> é<br />

a forma mais segura <strong>de</strong> proteção a si mesmo e ao seu parceiro.<br />

Mas como tornar atraente um produto que nos últimos 30 anos foi<br />

gra<strong>da</strong>tivamente superado em sua função contraceptiva pela pratici<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>da</strong>s pílulas anticoncepcionais? Uma tarefa árdua para os<br />

116


publicitários, consi<strong>de</strong>rando que os aspectos profiláticos <strong>da</strong> camisinha<br />

foram muito pouco explorados nos últimos anos.<br />

3.2.1 JONTEX ESPERMICIDA­<br />

A escolha <strong>de</strong> um fabricante <strong>de</strong> preservativos serve para<br />

estabelecer uma analogia entre as características <strong>de</strong> campanhas<br />

comerciais e institucionais.<br />

Existem 3 empresas fabricantes nacionais <strong>de</strong> preservativos, são<br />

elas: a Johnson & Johnson Indústria e Comércio LTDA, a INAL<br />

(Indústria Nacional <strong>de</strong> Artefatos <strong>de</strong> látex LTDA e a Blowtex Fábrica<br />

<strong>de</strong> Artefatos <strong>de</strong> Látex LTDA. 122<br />

A Johnson foi seleciona<strong>da</strong> <strong>de</strong>ntre as <strong>de</strong>mais em função <strong>de</strong> ser a<br />

fabricante <strong>da</strong> linha Jontex, comercializa<strong>da</strong> no Brasil <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1936, e<br />

lí<strong>de</strong>r no mercado, segundo informações <strong>de</strong> Ana Carolina Negreiros, do<br />

<strong>de</strong>partamento <strong>de</strong> assuntos públicos <strong>da</strong> empresa. Outro aspecto<br />

consi<strong>de</strong>rado para a escolha do fabricante foi a quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los<br />

disponíveis:<br />

Jontex sem lubrificante­ Com reservatório para evitar vazamentos.<br />

Jontex lubrificado­ possui lubrificante inócuo à saú<strong>de</strong> ( Demetil<br />

siloxano) e ponta com reservatório.<br />

122 BRASIL. Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>.1997.op cit., P 29.<br />

117


Jontex <strong>de</strong> bolso­ lubrificado e com embalagem diferencia<strong>da</strong>. Seu<br />

principal benefício é a portabili<strong>da</strong><strong>de</strong>, permitindo que o consumidor<br />

leve o preservativo no bolso ou bolsa, com menos volume. Seu preço é<br />

20% inferior ao <strong>da</strong> versão cartucho.<br />

Jontex formato anatômico­ Proporciona melhor ajuste e<br />

conseqüentemente maior sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong>. É lubrificado com Dimetil<br />

siloxano e também possui reservatório.<br />

Jontex anatômico <strong>de</strong> bolso­ Reúne os benefícios do Jontex formato<br />

anatômico ( maior sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong>) com o Jontex <strong>de</strong> bolso ( pratici<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

e economia).<br />

Jontex ultra­resistente­ Possui espessura maior que um preservativo<br />

convencional pois passa por um processo <strong>de</strong> fabricação diferenciado, o<br />

que lhe garante resistência superior. Foi i<strong>de</strong>alizado para aten<strong>de</strong>r às<br />

necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s dos consumidores em relação à proteção contra as DST.<br />

Jontex ultra­resistente <strong>de</strong> bolso­ Conjuga os benefícios do Jontex<br />

ultra­resistente ( maior espessura) com Jontex <strong>de</strong> bolso .<br />

Jontex espermici<strong>da</strong>­ Contém nonilfenol etoxilado em seu lubruficante,<br />

um agente espermici<strong>da</strong> utilizado em aplicações como o gel e cremes<br />

vaginais. A partir do contato com o espermatozói<strong>de</strong>, o agente<br />

espermici<strong>da</strong> ataca a membrana <strong>da</strong> superfície do mesmo, reduzindo sua<br />

118


mobili<strong>da</strong><strong>de</strong>, oferecendo uma proteção extra. Possui formato anatômico e<br />

ponta com reservatório.<br />

O processo <strong>de</strong> fabricação dos preservativos Jontex consiste em<br />

mol<strong>de</strong>s <strong>de</strong> vidro especial no formato <strong>de</strong> um bastão, que são imersos em<br />

banhos sucessivos no composto <strong>de</strong> látex, em temperatura a<strong>de</strong>qua<strong>da</strong>. Após<br />

um processo <strong>de</strong> vulcanização, o preservativo toma sua forma final<br />

numa membrana <strong>de</strong> alta resistência e gran<strong>de</strong> flexibili<strong>da</strong><strong>de</strong>, passando,<br />

então, para o processo <strong>de</strong> embalagem e acondicionamento final.<br />

As campanhas <strong>da</strong> Johnson evocam apenas a contracepção como função<br />

do produto anunciado. Os spots privilegiam o aspecto segurança, sem ,<br />

no entanto, fazer menção ao aspecto profilático, explicitamente.<br />

Depois <strong>de</strong> analisa<strong>da</strong>s as características <strong>da</strong> publici<strong>da</strong><strong>de</strong> fica mais<br />

facil <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r o porquê. O processo <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação com doenças<br />

ou aspectos negativos não são viáveis à natureza <strong>da</strong> publici<strong>da</strong><strong>de</strong> que,<br />

assim como o imaginário, nutre­se, apenas , <strong>de</strong> conteúdos positivos.<br />

A nível <strong>da</strong> narração, o spot selecionado fun<strong>da</strong>menta­se na<br />

oposição natali<strong>da</strong><strong>de</strong> x planejamento familiar.<br />

O anúncio escolhido foi o do Jontex espermici<strong>da</strong> e é <strong>de</strong>nominado<br />

“sapatinho” 123 :<br />

1.­É, minha mãe tá mesmo louca prá ganhar um neto.<br />

2.­ Mas agora que a gente resolveu montar o nosso próprio negócio,<br />

não vai <strong>da</strong>r...<br />

123 A agência não informou com precisão a <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> veiculação do anúncio. Fizemos vários contatos telefônicos com o<br />

Setor <strong>de</strong> atendimento, sendo que, inicialmente, fomos informados <strong>de</strong> que este teria sido o anúncio <strong>de</strong> 30 segundo mais<br />

119


3.­Depois, tudo bem. Até lá a gente usa Jontex, é o mais resistente e<br />

não me faz mal nenhum.<br />

Voz off: Jontex espermici<strong>da</strong> sempre o mais seguro: use com amor.<br />

4.­Acho bom meu irmão provi<strong>de</strong>nciar um netinho.<br />

A personagem chega em casa trazendo flores e compras. Chegamos a<br />

esta conclusão através <strong>da</strong> relação indicial marca<strong>da</strong> no início do<br />

comercial: um barulho <strong>da</strong> porta se fechando, e alguns passos indicam<br />

­ alguém acabara <strong>de</strong> chegar. O ambiente <strong>da</strong> enunciação é uma sala.<br />

Os percursos figurativos que o compõem são: um gran<strong>de</strong> quadro na<br />

pare<strong>de</strong>, um abajour e um jarro sobrepostos numa mobília <strong>de</strong> canto. A<br />

personagem <strong>de</strong>posita as flores no jarro e as compras na peça.<br />

A publici<strong>da</strong><strong>de</strong> se apropria <strong>de</strong> múltiplos códigos: sonoros,<br />

verbais, visuais e gestuais, o que neste anúncio se traduz em vários<br />

momentos, especialmente quando <strong>da</strong> emissão <strong>de</strong> um sinal sonoro<br />

precisamente na oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> em que a atenção <strong>da</strong> mulher é atraí<strong>da</strong><br />

para um objeto em cima <strong>da</strong> mesa. Ao mesmo tempo, o nome do produto<br />

aparece na tela numa legen<strong>da</strong> em letras brancas: JONTEX*.<br />

Aparentemente, esta legen<strong>da</strong> tem pouca importância e “<strong>de</strong>saparece” no<br />

contexto <strong>da</strong> tela, diante <strong>da</strong> plastici<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s imagens apresenta<strong>da</strong>s.<br />

To<strong>da</strong>via, se analisarmos o potencial subliminar <strong>de</strong> tal recurso,<br />

constataremos seu ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro valor.<br />

recente <strong>da</strong> linha Jontex. Entretanto, no último contato realizado em 12/12/97, fomos informados <strong>de</strong> que a veiculação foi<br />

feita acerca <strong>de</strong> cinco anos.<br />

120


Um conteúdo subliminar implica maior quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> informação no<br />

menor tempo <strong>de</strong> exposição. Isto significa que durante os 30 segundos<br />

do comercial, nosso subconsciente captará muito mais imagens do que<br />

po<strong>de</strong>mos supor. Conforme a lei <strong>da</strong> exclusão, formula<strong>da</strong> por Poetzle,<br />

todos os <strong>da</strong>dos excluídos <strong>da</strong> percepção consciente são gravados<br />

subliminarmente, sendo este material processado em sonhos. 124<br />

Seguindo em direção ao objeto, (o B.G. vai aparecendo<br />

gra<strong>da</strong>tivamente) o close permite in<strong>de</strong>ntificá­lo como sendo um<br />

presente ( caixinha <strong>de</strong>lica<strong>da</strong>, envolta por um laçarote branco). Ao<br />

abri­lo, a mu<strong>da</strong>nça <strong>de</strong> BG anuncia o conteúdo: um sapatinho <strong>de</strong> crochê<br />

cor­<strong>de</strong>­rosa. Neste aspecto, o anúncio lança mão <strong>de</strong> imagens cujo<br />

significado é compartilhado pela coletivi<strong>da</strong><strong>de</strong>, apesar <strong>de</strong> utilizar um<br />

código conotativo ( que necessita <strong>de</strong> interpretação). O signo<br />

utilizado é claro e seu “ efeito <strong>de</strong> sentido” é esperado: O sapatinho<br />

<strong>de</strong> crochê é tradicionalmente a primeira peça do enxoval do bebê. O<br />

sapatinho faz parte do imaginário comum: é um signo icônico/indicial,<br />

vestígio sensível <strong>da</strong> espera pela chega<strong>da</strong> <strong>de</strong> um bebê.<br />

A personagem conversa com o espectador, como se este fosse<br />

alguém muito próximo a quem pu<strong>de</strong>sse confi<strong>de</strong>nciar: “ É, a minha mãe tá<br />

mesmo louca prá ganhar um neto!”. Em ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, se analisarmos o código<br />

visual, um pouco mais <strong>de</strong>ti<strong>da</strong>mente, veremos que a cor do sapato indica<br />

também a preferência pelo sexo. Uma mensagem sutil, que po<strong>de</strong> passar<br />

124 CALAZANS, Flávio mario <strong>de</strong> Alcântara. Propagan<strong>da</strong> Subliminar Multimídia. São Paulo:Summus,1992,p 21.<br />

121


<strong>de</strong>sapercebi<strong>da</strong> à primeira vista, mas que é capta<strong>da</strong> e processa<strong>da</strong> no<br />

subconsciente, subliminarmente.<br />

Existe um corte <strong>de</strong> edição a partir <strong>de</strong>ste momento e o ambiente <strong>da</strong><br />

personagem agora é o quarto. Visualisamos uma cama <strong>de</strong> casal, um vaso<br />

<strong>de</strong> flores e uma camisa masculina pendura<strong>da</strong>. Os percursos figurativos<br />

presentes no ambiente do quarto indicam que a personagem mora com o<br />

“marido” ou “companheiro”, o que se consoli<strong>da</strong> a partir <strong>da</strong> afirmação<br />

seguinte. A personagem caminha um pouco e diz: “ Mas agora que a<br />

gente resolveu montar o nosso próprio negócio, não vai <strong>da</strong>r...”<br />

Compreen<strong>de</strong>mos então que este não é o momento planejado pelo casal<br />

para que tenham filhos. Montar o próprio negócio é uma <strong>da</strong>s<br />

aspirações <strong>da</strong> classe média brasileira­ A i<strong>de</strong>ntificação se dá com<br />

pessoas bem sucedi<strong>da</strong>s­ O perfil <strong>de</strong> quem opta pelo planejamento<br />

familiar é composto <strong>de</strong> pessoas empreen<strong>de</strong>doras, micro­empresários. Ter<br />

um bebê neste momento significa não ter tempo para trabalhar, implica<br />

em uma mu<strong>da</strong>nça <strong>de</strong> hábitos que po<strong>de</strong>rá comprometer o objetivo <strong>de</strong>sejado:<br />

estabili<strong>da</strong><strong>de</strong> financeira e aumento do po<strong>de</strong>r aquisitivo.<br />

“ Depois, tudo bem.” Vejam que a personagem não <strong>de</strong>scarta<br />

completamente a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ter um filho. No entanto, esta<br />

futura gravi<strong>de</strong>z está condiciona<strong>da</strong> à realização do objetivo do<br />

casal. Ao fazer esta afirmação, a personagem <strong>de</strong>ita­se na cama e diz:<br />

“Até lá a gente usa Jontex, é o mais seguro e não me faz mal nenhum”.<br />

A caixa <strong>de</strong> preservativo é apresenta<strong>da</strong> e supõe­se que previamente<br />

estivesse em cima <strong>da</strong> cama. Até este futuro incerto se concretizar, o<br />

casal <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> por tomar medi<strong>da</strong>s contraceptivas.<br />

122


Jontex confun<strong>de</strong> a marca com o produto. O mesmo fato que<br />

aconteceu com a esponja <strong>de</strong> aço “ Bombril”, o <strong>de</strong>tergente “ Pinho<br />

sol”. Preservativo = Jontex.<br />

A escolha do Jontex, pela personagem, <strong>de</strong>u­se em função <strong>da</strong><br />

segurança que ele oferece, bem assim porque não faz mal à saú<strong>de</strong> <strong>da</strong><br />

mulher. O preservativo, como já visto, não tem contra­indicação. A<br />

imagem seguinte é a <strong>da</strong> caixa <strong>de</strong> preservativo em close e uma voz off<br />

anuncia: “ Jontex espermici<strong>da</strong>: sempre o mais seguro. Use com amor”.<br />

Através <strong>da</strong> voz off o enunciador procura mais uma vez exaltar a<br />

quali<strong>da</strong><strong>de</strong> superior do produto enfatizando que em to<strong>da</strong>s as ocasiões o<br />

Jontex espermici<strong>da</strong> é o mais seguro, inclusive em relação aos <strong>de</strong>mais<br />

mo<strong>de</strong>los e marcas. A voz off, segundo Canevacci, exerce a função<br />

objetivadora <strong>de</strong> uma ver<strong>da</strong><strong>de</strong> “ externa e indiscutível, uma espécie<br />

<strong>de</strong> super­eu sonoro, <strong>de</strong>purado <strong>de</strong> to<strong>da</strong> a imagem visível, e, portanto,<br />

com um forte índice <strong>de</strong> autori<strong>da</strong><strong>de</strong> e sociabili<strong>da</strong><strong>de</strong>. 125<br />

“ Use com amor”­ Uma proposição que preten<strong>de</strong> tirar do<br />

preservativo a vinculação com a promiscui<strong>da</strong><strong>de</strong>. Note­se que não há uma<br />

enunciação do tipo: Não use em relações do tipo A, B ou C, ou, ain<strong>da</strong>,<br />

não seja promíscuo. Não há espaço para a negação na publici<strong>da</strong><strong>de</strong>. O<br />

espaço publicitário é sempre positivo, muito embora o imaginário nem<br />

sempre o seja, se consi<strong>de</strong>rarmos, por exemplo, as fobias, alucinações<br />

e pavores.<br />

125 CANEVACCI, Massimo. Antropologia <strong>da</strong> <strong>Comunicação</strong> visual. São Paulo: Ed. Brasiliense.1990. p 17­18<br />

123


Durante o tempo <strong>de</strong> exposição <strong>da</strong> imagem do preservativo, notamos<br />

que ele está sobre um fundo branco, com motivos geométricos, ocupando<br />

centro óptico <strong>da</strong> tela(ponto que a vista ten<strong>de</strong> a focalizar e que<br />

situa­se um pouco acima do centro geométrico). 126 Abaixo, a legen<strong>da</strong> em<br />

letras brancas reforça a mensagem do OFF : “Sempre o mais seguro”.<br />

No canto superior esquerdo, imperceptível à primeira vista e<br />

confundindo­se com os motivos geométricos, existe a marca <strong>da</strong> Johnson<br />

& Johnson. Consi<strong>de</strong>rando que os olhos realizam 100 mil fixações<br />

diariamente, e que apenas uma ínfima parte <strong>de</strong>stes focos se fixa<br />

conscientemente, <strong>de</strong>preen<strong>de</strong>mos que o restante é subliminar 127 . Essas<br />

mensagens que pouco a pouco levam à a<strong>de</strong>são constituem a propagan<strong>da</strong><br />

subliminar multimídia. 128<br />

Logo <strong>de</strong>pois a personagem volta à cena, dizendo: “ Acho bom meu<br />

irmão provi<strong>de</strong>nciar um netinho”, sorri e brinca com o sapatinho,<br />

retornando o anúncio à leveza e ao aspecto lúdico. Neste particular,<br />

o spot revela ain<strong>da</strong> que a personagem, apesar <strong>de</strong> não planejar ter<br />

filhos por enquanto, possui instinto maternal: brinca com o sapatinho<br />

como se fosse com um bebê.<br />

As pessoas que se utilizam <strong>de</strong> métodos contraceptivos, em<br />

especial o preservativo, não o fazem porque não gostam <strong>de</strong> crianças,<br />

muito pelo contrário, planejam suas vi<strong>da</strong>s para melhor acolhê­las.<br />

126 a<br />

VESTEGARD,SCHRODEIK T. A linguagem <strong>da</strong> propagan<strong>da</strong>. Trad. João Alves dos Santos. 2 .ed. São Paulo:<br />

Martins Fontes, 1994, p 46.<br />

127<br />

CALAZANS, Flávio Mário <strong>de</strong> Alcântara. 1992. Op cit., p 27.<br />

128<br />

__________.1992.Op cit., p 21.<br />

124


3.2.2 CAMPANHA GAPA/96<br />

O GAPA ­Grupo <strong>de</strong> Apoio à prevenção à AIDS­ <strong>de</strong> São Paulo, foi a<br />

primeira ONG/AIDS <strong>da</strong> América do Sul. Organizado em 1988, sobrevive<br />

<strong>de</strong> doações <strong>de</strong> fun<strong>da</strong>ções do Brasil e do exterior. A campanha <strong>de</strong> 1996<br />

foi a última multimídia realiza<strong>da</strong> pela enti<strong>da</strong><strong>de</strong>. O objetivo, segundo<br />

Gladys Almei<strong>da</strong>, diretora executiva do GAPA/BAHIA, era primeiramente<br />

<strong>de</strong>sconstituir a idéia <strong>de</strong> que “A AIDS não é problema meu”, promovendo<br />

uma i<strong>de</strong>ntificação não mais com artistas e ídolos ­que para o público<br />

estavam num outro patamar­ mas com pessoas comuns.<br />

A campanha se baseou em <strong>de</strong>poimentos tanto <strong>de</strong> HIV positivos,<br />

quanto <strong>de</strong> parentes <strong>de</strong> infectados que buscavam <strong>de</strong>monstrar a maneira<br />

com a qual apren<strong>de</strong>ram a se relacionar com a soropositivi<strong>da</strong><strong>de</strong>. Foram<br />

selecionados casos típicos, a exemplo do <strong>de</strong> uma mãe que per<strong>de</strong>u o<br />

filho vitimado pela AIDS, uma jovem cujo pai é portador do HIV, um<br />

soropositivo que contraiu o vírus via injetável e 2 soropositivos que<br />

se contaminaram sexualmente, sendo um homossexual e uma mulher<br />

heterossexual que contraiu o vírus através do companheiro.<br />

Dentre os diversos <strong>de</strong>poimentos, selecionamos este último, o <strong>de</strong><br />

Ednalva Pontes Carrier, por retratar uma tendência mundial <strong>da</strong> AIDS: o<br />

aumento <strong>da</strong> proporção <strong>de</strong> mulheres contamina<strong>da</strong>s em relação ao número <strong>de</strong><br />

homens. Tal relação, no início <strong>da</strong> epi<strong>de</strong>mia, era <strong>de</strong> uma mulher para<br />

ca<strong>da</strong> vinte e oito homens. Atualmente, a proporção é <strong>de</strong> uma mulher<br />

para ca<strong>da</strong> quatro homens. A infectologista Regina Brasil adverte que a<br />

tendência é <strong>de</strong> chegarmos a um para um.<br />

125


A mulher tem o corpo potencialmente mais vulnerável às DST em<br />

função <strong>da</strong> sua própria anatomia. Some­se a isto o fato <strong>de</strong> que a<br />

prevenção, através do uso <strong>da</strong> camisinha, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>da</strong> vonta<strong>de</strong> do homem,<br />

pois é ele quem vai utilizá­la. Neste spot, esses dois valores<br />

culturais estão presentes <strong>de</strong> forma explícita­ a fi<strong>de</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> e a<br />

confiança no parceiro:<br />

“Ninguém gosta <strong>de</strong> saber que seu companheiro fez sexo com outra<br />

pessoa.<br />

Eu <strong>de</strong>scobri isso <strong>da</strong> pior forma possível: através <strong>de</strong> um exame médico.<br />

Meu companheiro me transmitiu o vírus <strong>da</strong> AIDS.<br />

Se você tem um caso fora <strong>da</strong> sua relação, use camisinha. Por amor a<br />

você. Por amor à pessoa que você ama.”<br />

Legen<strong>da</strong>: Não abuse <strong>da</strong> sorte. Use camisinha. GAPA/Bahia.<br />

A configuração discursiva <strong>de</strong>ste <strong>de</strong>poimento gira em torno do tema<br />

do amor. Os processos temáticos i<strong>de</strong>ntificados são os seus respectivos<br />

<strong>de</strong>sdobramentos: o exercício <strong>da</strong> sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong>, a confiança , a<br />

infi<strong>de</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> e o cui<strong>da</strong>do com o outro.<br />

Os efeitos <strong>de</strong> sentido obtidos pela enunciação na primeira<br />

pessoa­ “Eu <strong>de</strong>scobri isso”­ são a subjetivi<strong>da</strong><strong>de</strong>, a proximi<strong>da</strong><strong>de</strong> e a<br />

intimi<strong>da</strong><strong>de</strong>. Este recurso fornece a ambientação intimista que um<br />

assunto tão <strong>de</strong>licado requer.<br />

O spot não utiliza <strong>de</strong> muitos recursos plásticos e estéticos.<br />

Antes, privilegia o texto em <strong>de</strong>trimento <strong>da</strong> imagem. A informação<br />

126


aparece em lugar <strong>da</strong> ”ostentação”. Campanhas como esta necessitam <strong>de</strong><br />

textos para justificarem as mu<strong>da</strong>nças comportamentais sugeri<strong>da</strong>s.<br />

O tom <strong>de</strong> voz <strong>da</strong> <strong>de</strong>poente é quem estabelece o peso <strong>da</strong> sua<br />

revelação: sua fala é pausa<strong>da</strong> e carrega<strong>da</strong> <strong>de</strong> emoção. Conota uma certa<br />

<strong>de</strong>silusão, um <strong>de</strong>sapontamento profundo, transmitido pelo seu olhar.<br />

No momento em que ela revela a circunstância em que <strong>de</strong>scobriu<br />

sua soropositivi<strong>da</strong><strong>de</strong>, o gestual é um signo que reforça ain<strong>da</strong> mais sua<br />

<strong>de</strong>claração: “ Eu <strong>de</strong>scobri <strong>da</strong> pior forma possível: através <strong>de</strong> um exame<br />

médico.” Foi comunica<strong>da</strong> <strong>de</strong> uma forma impessoal <strong>de</strong> dois acontecimentos<br />

dolorosos, um <strong>de</strong> natureza subjetiva­ a traição­ e outro, objetivo e<br />

<strong>de</strong>sesperador­ a soropositivi<strong>da</strong><strong>de</strong>. Ednalva olha para baixo, como se<br />

pu<strong>de</strong>sse reter, naquele momento, to<strong>da</strong> a <strong>de</strong>cepção causa<strong>da</strong> pelo duplo<br />

impacto.<br />

Em análise do discurso, a recorrência ao mesmo traço semântico<br />

ao longo do texto é chama<strong>da</strong> <strong>de</strong> isotopia. “Ninguém gosta <strong>de</strong> saber que<br />

seu companheiro fez sexo com outra pessoa”. “ Se você tem um caso<br />

fora <strong>da</strong> sua relação” . Esses trechos do <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Ednalva<br />

<strong>de</strong>monstram que a infi<strong>de</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> é o elemento isótopo do Enunciado.<br />

O processo <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação é suscitado primeiro com a “ mulher<br />

traí<strong>da</strong>”, segundo com a mulher vitima<strong>da</strong> pela AIDS.<br />

É difícil imaginar que alguém, na mais ínfima fração <strong>de</strong> segundo,<br />

queira se colocar no lugar <strong>de</strong>sta moça. As pessoas não querem se<br />

i<strong>de</strong>ntificar com processos <strong>de</strong>sagradáveis e situações dolorosas. A<br />

traição po<strong>de</strong> ser resolvi<strong>da</strong> <strong>de</strong> várias formas, po<strong>de</strong> até mesmo ser<br />

ignora<strong>da</strong>, a AIDS, não.<br />

127


Na publici<strong>da</strong><strong>de</strong>, “a sedução substitui a ver<strong>da</strong><strong>de</strong>”. Este <strong>de</strong>poimento<br />

é explícito. Enquanto a publici<strong>da</strong><strong>de</strong> vela, este spot <strong>de</strong>snu<strong>da</strong>. Os<br />

elementos excessivamente <strong>de</strong>notativos, <strong>de</strong> percepção clara e direta que<br />

levam ao contato com o “real” são rejeitados. A publici<strong>da</strong><strong>de</strong> não<br />

opera como instância <strong>de</strong> preocupação, é, antes, uma instância <strong>de</strong><br />

entretenimento, on<strong>de</strong> o aspecto lúdico é o mais visado. Qual é a graça<br />

<strong>da</strong> AIDS? O vírus não tem senso <strong>de</strong> humor. É bem ver<strong>da</strong><strong>de</strong> que a<br />

soropositivi<strong>da</strong><strong>de</strong> não implica morte instantânea, mas a ligação do<br />

vírus com o fim <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> foi gra<strong>da</strong>tivamente construí<strong>da</strong>, a partir <strong>da</strong>s<br />

próprias campanhas ANTI­AIDS.<br />

“Se você tem um caso fora <strong>da</strong> sua relação, use camisinha”. Esta é<br />

a única <strong>de</strong>claração “positiva” no enunciado. A infi<strong>de</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> é<br />

admiti<strong>da</strong>, pela primeira vez ao longo do discurso, sem que haja<br />

questionamentos morais. Este recorte do texto é o momento em que<br />

ele mais se aproxima <strong>da</strong> lógica <strong>da</strong> aquiescência <strong>da</strong> publici<strong>da</strong><strong>de</strong> que<br />

nunca faz juízos críticos.<br />

“Por amor a você. Por amor à pessoa que você ama”. Conota a<br />

preocupação com o outro. Os spots preventivos vislumbram, portanto, a<br />

alteri<strong>da</strong><strong>de</strong>, preten<strong>de</strong>m­se responsabilizantes; enquanto a publici<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

comercial, oferece­nos o <strong>de</strong>leite através <strong>de</strong> “imagens<br />

gratificadoras”. 129<br />

Já a legen<strong>da</strong>: “Não abuse <strong>da</strong> sorte. Use camisinha”. Do ponto <strong>de</strong><br />

vista do imaginário, se opõe ao “princípio do prazer” e <strong>da</strong><br />

129 ACCIOLY, Rejane Vasconcelos Carvalho. Inédito.ENECOM 1996.mimeo.<br />

128


“liber<strong>da</strong><strong>de</strong> individual”, impondo limites e restrições às práticas<br />

sexuais e sociais já consoli<strong>da</strong><strong>da</strong>s. É um estado <strong>de</strong> oposição que é<br />

imediatamente rechaçado pelo inconsciente que não admite a negação.<br />

Os spots <strong>de</strong> natureza preventiva possuem características bem<br />

peculiares, uma vez que não ven<strong>de</strong>m produtos, mas sugerem a adoção <strong>de</strong><br />

um outro tipo <strong>de</strong> comportamento. Não importa se o assunto tratado<br />

versa sobre aci<strong>de</strong>ntes no trânsito, alcoolismo, abuso <strong>de</strong> drogas ou<br />

AIDS. Existe uma ligação entre estas campanhas, traços isótopos e<br />

recorrentes: o cui<strong>da</strong>do com a própria integri<strong>da</strong><strong>de</strong> física e a<br />

responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> com “o outro”.<br />

3.2.3 A CAMPANHA DO BRÁULIO<br />

Produzi<strong>da</strong> pela agência Master, a campanha do Bráulio causou um<br />

gran<strong>de</strong> rebuliço em todos os setores <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>. A Igreja, as ONGS e<br />

to<strong>da</strong> a socie<strong>da</strong><strong>de</strong> civil se mobilizaram para criticar a campanha, como<br />

nunca se vira antes. O que, <strong>de</strong> tão absurdo, acontecera naquela<br />

campanha para que tivesse sido veicula<strong>da</strong> por apenas um dia?<br />

A campanha foi constituí<strong>da</strong> em 4 blocos que tratavam as questões<br />

que envolviam o uso do preservativo: machismo, infi<strong>de</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong>, prática<br />

do sexo anal e manuseio correto <strong>da</strong> camisinha.<br />

Dividir a campanha em diferentes abor<strong>da</strong>gens foi um procedimento<br />

acertado, uma vez que a AIDS, bem como o uso do preservativo,<br />

envolvem múltiplas e complexas questões, as quais seria impossível<br />

estarem presentes num único spot.<br />

129


A camisinha finalmente apareceu como protagonista <strong>da</strong>s ações,<br />

mas, <strong>de</strong>sta vez, <strong>de</strong> forma positiva, relaciona<strong>da</strong> com o prazer e não com<br />

a doença. Em todos os 4 spots, o uso do preservativo foi mostrado do<br />

ponto <strong>de</strong> vista do homem, focalizando sua interação íntima e<br />

prazeirosa com o corpo, mais especificamente com o pênis.<br />

“Ele tem um pênis que fala!”. Esta possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> suscitou<br />

gran<strong>de</strong>s apelos à “moral cristã”. O problema não era <strong>de</strong>monstrar uma<br />

parte do corpo se expressando verbalmente, mas, sim, que parte do<br />

corpo. Se recorrermos a <strong>de</strong>terminados “lugares <strong>de</strong> memória” 130 <strong>da</strong><br />

publici<strong>da</strong><strong>de</strong>, veremos que este recurso já foi utilizado numa<br />

<strong>de</strong>termina<strong>da</strong> propagan<strong>da</strong> <strong>de</strong> sopa. Na oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong>, era o estômago do<br />

ator quem se manifestava.<br />

Nos spots percebemos a existência <strong>de</strong> duas instâncias: o<br />

consciente/racional, representado pelo discurso do homem, e o<br />

inconsciente/emocional, simbolizado pelo pênis <strong>de</strong>sejante. A dialética<br />

<strong>de</strong> ambos sintetizou a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> submeter o impulso sexual<br />

<strong>de</strong>senfreado aos cui<strong>da</strong>dos do preservativo. A negociação é finaliza<strong>da</strong><br />

pelo consenso: o uso do preservativo não significa a per<strong>da</strong> do<br />

prazer. O diálogo do homem com o pênis representou, ain<strong>da</strong>, as<br />

situações <strong>de</strong> negociação pelo uso do método, a que estão submetidos os<br />

casais.<br />

Outro <strong>de</strong>safio <strong>de</strong>sta campanha consistiu em adotar um nome para se<br />

referir ao pênis, que fosse do conhecimento <strong>da</strong> maioria dos<br />

130


asileiros. Sabemos que em ca<strong>da</strong> região o órgão genital masculino é<br />

reconhecido por diferentes nomes. Entre os termos mais regularmente<br />

citados para o pênis, estão expressões como : pau, caralho,<br />

ma<strong>de</strong>ira, cacete, pica, mastro, vara, arma, faca, ferro, bicho e<br />

cobra. 131 Na Bahia, o senso comum acrescentaria a esta lista: pinto,<br />

peru, rola, bimba, pepino, esquimba, vergalhão, manjuba, taca, <strong>de</strong>ntre<br />

outros. Reconhecemos as dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s encontra<strong>da</strong>s para se <strong>de</strong>finir por<br />

um nome, em meio a tantos outros. A solução que a agência diz ter<br />

encontra<strong>da</strong>o foi realizar uma pesquisa para escolher o nome mais<br />

apropriado. “Braúlio”, uma gíria paulistana, foi o eleito. Gladys<br />

Almei<strong>da</strong>, do GAPA/BA, critica a campanha, dizendo que parece ter sido<br />

feita sob medi<strong>da</strong> para os paulistas. Segundo Gladys, não foi<br />

consi<strong>de</strong>rado que ca<strong>da</strong> grupo ou gueto possui formas <strong>de</strong> expressão bem<br />

assim específicas: homossexuais masculinos e femininos, prostitutas,<br />

heterossexuais, favelados, nor<strong>de</strong>stinos, não se expressam <strong>da</strong> mesma<br />

maneira, e têm hábitos sexuais bastante peculiares.<br />

O processo <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação com o pronome próprio “Bráulio”,<br />

provocou reações <strong>da</strong>s mais diversas. Num instante, o Sr. Bráulio<br />

roubou a cena <strong>da</strong> campanha e as discussões passaram a girar em torno<br />

<strong>de</strong> quem seria o “Bráulio”, se o dono <strong>da</strong> banca <strong>da</strong> esquina, o<br />

aposentado, ou, ain<strong>da</strong>, o gerente do supermercado. A própria mídia<br />

fomentou o <strong>de</strong>svio <strong>da</strong>s atenções, logo na primeira semana após o<br />

130 Roland Barthes, Roland. O óbvio e o obtuso. Ed. Nova Fronteira, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 1982, p 28, citado por Accioly,<br />

Rejane Vasconcelos. 1996, op cit., p 3 Mimeo.<br />

131 PARKER, R. 1991. Op cit., p 64.<br />

131


lançamento <strong>da</strong> campanha, no início <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 95. Foram produzi<strong>da</strong>s<br />

enquetes para <strong>de</strong>tectar possíveis Bráulios insatisfeitos e saber se<br />

estes iriam, ou não, mover processos contra o Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>,<br />

ou, ain<strong>da</strong>, se a agência <strong>de</strong>veria substituir o “Bráulio” por um<br />

substantivo qualquer. 132<br />

Enquanto isto, na sala <strong>de</strong> espera, a camisinha <strong>de</strong> protagonista<br />

passou à mera figurante na campanha.<br />

Selecionamos dois dos quatro spots veiculados: o relativo a<br />

instruções <strong>de</strong> uso porque consi<strong>de</strong>ramos que representou um gran<strong>de</strong><br />

avanço em relação às outras campanhas, <strong>de</strong>monstrando a forma correta<br />

<strong>de</strong> colocar o preservativo, bem assim, o que diz respeito ao sexo<br />

anal, pelo tratamento que foi <strong>da</strong>do, sem preconceito, que admitiu,<br />

inclusive o gosto heterossexual por esta prática.<br />

BRÁULIO NA TV<br />

“(...) Este sexo que se <strong>de</strong>veria olhar bem <strong>de</strong> frente, numa época<br />

em que to<strong>da</strong>s as campanhas contra a AIDS não tinham sequer a coragem<br />

<strong>de</strong> mostrar como se usa camisinha, com medo <strong>de</strong> mostrar um peru”. 133 ­<br />

Oliveiro Toscani, referindo­se à campanha <strong>de</strong> primavera/verão 93 <strong>da</strong><br />

132 BIANCARELLI, Aureliano. Pesquisa elege nome para o “Braúlio”.Folha <strong>de</strong> São Paulo, sucursal <strong>de</strong> Brasília, 19 <strong>de</strong>z<br />

1995, Ed cotidiano, ca<strong>de</strong>rno 3 p 1.<br />

133 TOSCANI. Oliveiro.Op cit., p 93<br />

132


Benneton, on<strong>de</strong> fotografou 49 quadros <strong>de</strong> homens, mulheres e crianças<br />

em nu frontal, com close nas genitálias­.<br />

A necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ultrapassar os limites <strong>da</strong>s instruções <strong>de</strong> uso<br />

conti<strong>da</strong>s nas caixinhas dos preservativos é mais do que evi<strong>de</strong>nte. O<br />

manuseio incorreto expõe os usuários ao HIV. Desta vez, acharam<br />

melhor esquecer as bananas, cenouras ou cabos <strong>de</strong> vassoura e<br />

utilizaram uma versão mais próxima do real: um mol<strong>de</strong> do pênis<br />

masculino. Finalmente se admite publicamente: Os homens tem algo<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>da</strong>s calças. Vejamos o texto:<br />

­Hoje eu vou mostrar prá vocês como usar a camisinha<br />

­Oba! É hoje que eu vou aparecer na TV.<br />

­Não, Braúlio, você é muito feio: eu vou usar um dublê.<br />

­Ah, modéstia à parte, eu sou mais eu.<br />

­Você quer prestar atenção?<br />

­Tá.<br />

­Olha gente: com esses dois <strong>de</strong>dos a gente aperta a ponta <strong>da</strong> camisinha<br />

até tirar o ar.<br />

­hum...<br />

­Depois vai <strong>de</strong>senrolando até o Bráulio ficar todo vestido.<br />

­Sim.<br />

­Agora dá pra gente fazer isso <strong>de</strong> um jeito mais gostoso...<br />

­Ah! tô fora!<br />

­Pedindo a ela pra colocar prá você, por exemplo.<br />

­Tô <strong>de</strong>ntro!<br />

133


­Gostou, né metido?<br />

VOZ OFF: VIVA COM PRAZER. VIVA O SEXO SEGURO.<br />

O primeiro enunciado <strong>de</strong>monstra que o ator dirige­se a um<br />

público, ocupando o lugar do <strong>de</strong>tentor do saber: “Hoje eu vou mostrar<br />

prá vocês...” Ele anuncia que vai ensinar a maneira correta <strong>de</strong><br />

utilizar o preservativo: lembra a maneira com a qual um professor se<br />

dirige aos alunos, informando qual vai ser o assunto a ser<br />

ministrado.<br />

Existem dois níveis <strong>de</strong> diálogo presentes neste spot: um travado<br />

com o público, presumi<strong>da</strong>mente composto por homens e o ator, o outro,<br />

pelo ator com o “Bráulio”.<br />

Os percursos figurativos utilizados para ambientar a cena são: uma<br />

poltrona, situa<strong>da</strong> à direita <strong>da</strong> tela, uma mesa <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira simples, na<br />

qual está sobreposto com um objeto retangular, à esquer<strong>da</strong> <strong>da</strong> tela, e,<br />

ao fundo, um papel <strong>de</strong> pare<strong>de</strong> estampado em diversos tons <strong>de</strong> marrom. As<br />

cores presentes na cena são suaves, com o predomínio do tom pastel.<br />

Não existe nenhum ponto que chame a atenção pelas cores. A luz, no<br />

entanto, inci<strong>de</strong> apenas sobre o ator que já aparece em cena, munido <strong>da</strong><br />

camisinha. Ao anunciar que vai ensinar ao público a manusear<br />

corretamente o preservativo, o ator o ergue com uma <strong>da</strong>s mãos, para<br />

levá­lo a <strong>de</strong>staque.<br />

O “Bráulio” conversa com o ator, mas não se dirige ao público.<br />

Sua primeira intervenção cria um suspense: ­“Oba! É hoje que eu vou<br />

aparecer na TV!”.<br />

134


Neste momento existe a constatação <strong>de</strong> que o pênis, apesar <strong>de</strong> sua<br />

inegável existência, sua aparição pública continua sendo veta<strong>da</strong>: “Não<br />

Bráulio, você é muito feio”­ <strong>de</strong>ve continuar guar<strong>da</strong>do, escondido,<br />

velado.”Eu vou usar um dublê”. O clone fálico representa um avanço<br />

diante <strong>da</strong>s representações que costumavam utilizar para simbolizar o<br />

pênis. A anatomia, no entanto, não está muito bem <strong>de</strong>fini<strong>da</strong>:<br />

percebemos alguns traços que permitem i<strong>de</strong>ntificar a glan<strong>de</strong>, mas os<br />

contornos são muito discretos.<br />

O“Bráulio” se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> dizendo: ­“Ah, modéstia à parte, eu sou<br />

mais eu”, ao que o ator retruca ”Você quer prestar atenção?” É o<br />

momento em que a camisinha volta à cena <strong>da</strong> ação para que se <strong>de</strong>monstre<br />

a forma <strong>de</strong> manuseá­la. O ator abre o lacre, retira a camisinha, a<br />

câmara se <strong>de</strong>sloca em direção ao clone do pênis e fecha o ângulo.<br />

Enquanto as instruções são <strong>de</strong>monstra<strong>da</strong>s, o “Bráulio”, através <strong>de</strong><br />

monossílabos “hum” ,”sim”, informa que está prestando atenção e<br />

compreen<strong>de</strong>ndo­as. A parte técnica, que diz respeito ao manuseio, é<br />

encerra<strong>da</strong> com uma sugestão:” Agora dá pra fazer isso <strong>de</strong> um jeito mais<br />

gostoso...”<br />

O Bráulio ,à primeira vista, recusa o preservativo: “Ah, tô<br />

fora”. É uma simulação <strong>da</strong> relação <strong>de</strong> rejeição masculina à camisinha.<br />

“Pedindo prá ela colocar prá você, por exemplo. É um apelo à<br />

erotização do uso <strong>da</strong> camisinha. A sugestão <strong>da</strong> participação <strong>da</strong> mulher<br />

no momento <strong>da</strong> colocação do preservativo, é um estímulo a mais para o<br />

uso. No Ceará, por exemplo, a Presi<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> Associação <strong>da</strong>s<br />

Prostitutas, Rosalina Sampaio Silva, ensina às associa<strong>da</strong>s a colocar a<br />

135


camisinha com a boca e com uma mão só. “ Com a outra você continua<br />

fazendo o que o freguês gosta.” 134<br />

“Tô <strong>de</strong>ntro”. A camisinha fornece a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> do uso criativo, um<br />

elemento erótico a mais. As duas posições do “Bráulio”, <strong>de</strong> rejeição e<br />

a<strong>de</strong>são simulam o movimento coital: “Tô fora/Tô <strong>de</strong>ntro”.<br />

O ator faz um comentário íntimo para o “Bráulio”, sussurrando:<br />

Gostou, né metido? Essa passagem traduz uma conotação erótica, alu<strong>de</strong><br />

à sacanagem no sentido <strong>de</strong> brinca<strong>de</strong>ira, diversão e excitação sexual. 135<br />

A VOZ OFF “ Viva com prazer. Viva o sexo seguro”, enaltece o uso <strong>da</strong><br />

camisinha <strong>de</strong> forma positiva. O prazer está vinculado ao sexo seguro,<br />

logo, a camisinha possibilita a continuação <strong>da</strong>s prazeirosas práticas<br />

penetrativas, com segurança.<br />

“TODO MUNDO NU”<br />

À primeira vista parece uma alusão ao sexo grupal, à liberali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

extrema e até à promiscui<strong>da</strong><strong>de</strong>: “Todo mundo nu”. É um apelo<br />

orgiástico:<br />

­Todo mundo nu, oba! todo mundo nu, oba!<br />

­Que emoção é essa Bráulio? tá maluco?<br />

­Que na<strong>da</strong>, chefia, é que hoje eu tô a fim <strong>de</strong> variar um pouquinho.<br />

­Como variar?<br />

134 BIANCARELLI, Aureliano. Folha <strong>de</strong> São Paulo, São Paulo,23 <strong>de</strong>z 1996. Cotidiano p 03­09.<br />

135 PARKER,R. 1991.Op cit., p 159..<br />

136


­Vamo brincar por trás, vamo, vamo!<br />

­Po<strong>de</strong> ser... mas...ó, ó, tem que ser <strong>de</strong> camisinha!<br />

­Lá vem essa história <strong>de</strong> camisinha <strong>de</strong> novo!<br />

­Não, Bráulio. Camisinha sim, pô! por trás é mais perigoso, a gente<br />

não po<strong>de</strong> correr riscos.<br />

­Tá legal! Vamo vestir logo essa toquinha aí e... todo mundo nu, oba!<br />

olha o prego, oba!<br />

Pelo título do anúncio, a cena se passa durante uma festa,<br />

provavelmente do cabi<strong>de</strong>! Uma porta se abre, um barulho externo <strong>de</strong><br />

música, vozes, gente conversando. Alguém aparece na cena, abrindo a<br />

porta, e já <strong>de</strong>tectamos se tratar <strong>de</strong> homem, relativamente jovem. Aos<br />

poucos, vamos tendo contato com indicadores <strong>da</strong> natureza do local:<br />

uma pia, com objetos <strong>de</strong> higiene pessoal, toalhas e um espelho ­ a<br />

cena se passa num banheiro <strong>de</strong> uma residência. Chegamos à conclusão <strong>de</strong><br />

que não se trata <strong>de</strong> um bar, ou qualquer outro ambiente público, pela<br />

presença <strong>de</strong> roupas e outros elementos pessoais tais como: escova <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>ntes e pente <strong>de</strong> cabelo.<br />

Bráulio está em ritmo <strong>de</strong> festa... cantarolando animado : Todo mundo<br />

nu, oba! A porta ain<strong>da</strong> estava aberta quando o ator, ao sentir a<br />

“alteração do humor” do Bráulio, procurou utilizar um boné para<br />

encobri­lo.<br />

“Que emoção é essa Bráulio, tá maluco? ­ o pênis tem vonta<strong>de</strong> própria<br />

e o ambiente <strong>da</strong> festa acaba por instigá­lo.<br />

137


­“Que na<strong>da</strong>, chefia, é que hoje eu tô a fim <strong>de</strong> variar um pouquinho!” A<br />

necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> varie<strong>da</strong><strong>de</strong> erótica já fôra <strong>de</strong>tecta<strong>da</strong> por teóricos como<br />

Ellis, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o século passado. A criativi<strong>da</strong><strong>de</strong> necessária para se ter<br />

uma vi<strong>da</strong> sexual prazerosa é a mesma que costumamos exercitar para que<br />

a nossa vi<strong>da</strong> cotidiana não se transforme numa entediante rotina.<br />

“Fazer papai e mamãe sempre <strong>de</strong>ve ser tão chato como tudo mais que se<br />

faz sempre” 136 .<br />

­“vamo brincar por trás, vamo, vamo!” Pela primeira vez se fez uma<br />

abor<strong>da</strong>gem <strong>da</strong> prática do sexo anal por heterossexuais. O ator para,<br />

pensa e o efeito <strong>de</strong> sentido produzido pelas reticências se traduz<br />

numa forte sugestão <strong>de</strong> erotismo. Não se diz no enunciado, mas se diz<br />

na enunciação. Utiliza­se apenas <strong>de</strong> indicações, dizendo sem dizer. 137<br />

“Mas, ó, ó, tem que ser <strong>de</strong> camisinha”. O racional novamente vem à<br />

tona para controlar os impulsos do pênis <strong>de</strong>sejante, que primeiramente<br />

rejeita, mas logo é convencido a utilizar o preservativo.<br />

“Por trás é mais perigoso, a gente não po<strong>de</strong> correr risco”.<br />

Sutilmente, o anúncio adverte que a prática do sexo anal é mais<br />

perigosa, <strong>de</strong>vendo ser feita com preservativo.<br />

“Tá legal, vamo vestir logo essa toquinha aí...” A imagem <strong>da</strong><br />

camisinha é transforma<strong>da</strong> <strong>de</strong> algo inconveniente (“lá vem essa história<br />

<strong>de</strong> camisinha <strong>de</strong> novo!”) para um querido objeto pessoal a quem <strong>da</strong>mos<br />

um apelido carinhoso: toquinha. A camisinha é o green card para a<br />

folia. O ator ajeita as sombrancelhas, pega um retrato <strong>de</strong> mulher<br />

136 VILELA, WILZA.Oficinas <strong>de</strong> sexo mais seguro para mulheres. São Paulo: NEPAIDS. 1996., p 29.<br />

138


preso ao espelho, mira­o como se fosse beijar­ exprimindo a natureza<br />

heterossexual do seu <strong>de</strong>sejo­ e, em segui<strong>da</strong>, movimenta os braços<br />

rapi<strong>da</strong>mente como quem vai correndo à caça <strong>da</strong> sua parceira.<br />

Após a análise <strong>de</strong>stes spots, fica mais fácil perceber por<br />

quais motivos uma campanha tão criativa foi bruscamente retira<strong>da</strong> do<br />

ar. Tornar explícitas atitu<strong>de</strong>s sexuais tão íntimas, não é aceitável<br />

do ponto <strong>de</strong> vista ético­religioso. Os princípios <strong>da</strong> formação<br />

católica, não o permitem. Uma outra evidência do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> fogo <strong>da</strong><br />

Igreja, por exemplo, é o entrave na aprovação <strong>da</strong> Lei <strong>de</strong> legalização<br />

do aborto. O representante máximo <strong>de</strong>sta instituição, o Papa, durante<br />

suas peregrinações pelo mundo, continua a con<strong>de</strong>nar o uso <strong>de</strong> métodos<br />

contraceptivos não­naturais e, principalmente, o uso <strong>da</strong> camisinha.<br />

A campanha do Bráulio registrou um avanço na abor<strong>da</strong>gem <strong>da</strong><br />

camisinha no contexto <strong>da</strong>s campanhas preventivas, mas foi substituí<strong>da</strong><br />

em nome <strong>da</strong> “moral e dos bons costumes”. Lamentavelmente, na<br />

campanha seguinte, veicula<strong>da</strong> durante o carnaval <strong>de</strong> 96, o<br />

preservativo sequer aparece na tela. Enquanto a camisinha fica fora<br />

<strong>de</strong> cena, as DST/AIDS estão mais presentes do que nunca no cotidiano<br />

dos brasileiros.<br />

137 FIORIN,José Luiz. Elementos <strong>da</strong> análise do discurso.2 a .Ed.São Paulo: Contexto. 1990. , p 60.<br />

139


CAPÍTULO 4<br />

CONCLUSÃO<br />

Po<strong>de</strong>mos observar, ao longo <strong>de</strong>stes apontamentos, que o<br />

preservativo possui diversas utili<strong>da</strong><strong>de</strong>s, tanto preventivas, quanto<br />

contraceptivas. Do ponto <strong>de</strong> vista do controle <strong>da</strong> natali<strong>da</strong><strong>de</strong> é um<br />

método comprova<strong>da</strong>mente eficaz e não possui quaisquer contra­<br />

indicações. Sua utilização é recomen<strong>da</strong><strong>da</strong>, ain<strong>da</strong>, como suporte <strong>de</strong><br />

140


outros contraceptivos, nos períodos <strong>de</strong> interrupção programa<strong>da</strong>, ou<br />

não, <strong>de</strong>stes.<br />

As características profiláticas <strong>da</strong> camisinha foram realça<strong>da</strong>s<br />

neste século, a partir <strong>da</strong> <strong>de</strong>scoberta <strong>da</strong> AIDS. O preservativo oferece<br />

segurança e proteção para ambos os parceiros, quanto à exposição ao<br />

vírus HIV. Entretanto o seu uso, no controle <strong>da</strong>s DST, já era<br />

recomen<strong>da</strong>do <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o século XVI.<br />

A importância assumi<strong>da</strong> pelo condom, ao longo <strong>da</strong> História, merece<br />

ser conheci<strong>da</strong> e torna<strong>da</strong> pública. “O repouso para a alma” referido por<br />

Casanova, <strong>de</strong>fine o preservativo não como “barreira”, mas como<br />

mecanismo <strong>de</strong> liberação: o uso <strong>da</strong> camisinha instaurou a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

concreta <strong>de</strong> vivenciar a sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong> sem o temor <strong>da</strong> gravi<strong>de</strong>z. O sexo<br />

reprodutivo <strong>de</strong>u lugar ao sexo/prazer.<br />

Entretanto, o uso do preservativo no Brasil ain<strong>da</strong> encontra<br />

gran<strong>de</strong>s resistências culturais. O imaginário social está repleto <strong>de</strong><br />

conotações negativas a respeito <strong>da</strong> sua utilização, tais como: “o<br />

preservativo tira o prazer”, “é um mal necessário”, “o preservativo<br />

rompe com facili<strong>da</strong><strong>de</strong>”.<br />

Uma vez constituídos os mitos acerca do preservativo, a reversão<br />

<strong>de</strong>ste processo é muito difícil. Com relação ao rompimento, sabemos<br />

que ele <strong>de</strong>corre <strong>de</strong> inúmeros fatores, <strong>de</strong>ntre os quais o mais freqüente<br />

é o manuseio incorreto. A solução para este problema é a vivência e a<br />

experiência com o método. As instruções <strong>de</strong> uso são simples e<br />

acompanham as embalagens dos preservativos mas, se o usuário não<br />

141


seguir corretamente as recomen<strong>da</strong>ções, não po<strong>de</strong>rá <strong>de</strong>sfrutar <strong>da</strong><br />

segurança ofereci<strong>da</strong> pelo preservativo que, em geral, chega a 85%. 138<br />

O uso do preservativo é uma garantia <strong>da</strong> continui<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s<br />

práticas sexuais penetrativas, <strong>de</strong> qualquer natureza e qualquer que<br />

seja a orientação sexual adota<strong>da</strong> pelo usuário, <strong>de</strong> forma segura.<br />

A reprodução <strong>de</strong> “impressões” equivoca<strong>da</strong>s acerca do condom,<br />

constituem um <strong>de</strong>safio a mais para os órgãos e enti<strong>da</strong><strong>de</strong>s envolvias na<br />

prevenção <strong>de</strong> DST/AIDS.<br />

As campanhas ANTI­AIDS têm que levar em consi<strong>de</strong>ração todos os<br />

fatores relacionados com a camisinha e, ain<strong>da</strong>, fornecer informações<br />

sobre to<strong>da</strong>s as formas <strong>de</strong> contágio, comportamentos <strong>de</strong> risco, além <strong>de</strong><br />

impedir a discriminação dos soropositivos, chamando a atenção para a<br />

gravi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> AIDS, sem pregar o fatalismo­ atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong>smobilizadora.<br />

Com todos estes ingredientes obrigatórios, será que ain<strong>da</strong> há espaço<br />

para o prazer?<br />

Não é fácil organizar uma campanha que envolva tantos e<br />

diferenciados aspectos. Some­se a isto, a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> a<strong>da</strong>ptar o<br />

discurso <strong>da</strong> campanha ao veículo utilizado.<br />

O comercial <strong>de</strong> TV possui um formato próprio e lança mão <strong>de</strong><br />

técnicas e recursos específicos para pren<strong>de</strong>r a atenção do espectador.<br />

O objetivo do anúncio é a ven<strong>da</strong>. O setor privado é diretamente<br />

beneficiado pelas campanhas preventivas, uma vez que a sensibilização<br />

<strong>da</strong>s pessoas para o uso do preservativo também se reverte em aumento<br />

138 BRASIL. Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>.1997.Op cit. p 74<br />

142


nas ven<strong>da</strong>s <strong>de</strong>stes. No entanto, a contribuição <strong>de</strong>ste setor po<strong>de</strong>ria<br />

estar engaja<strong>da</strong> a uma política global <strong>de</strong> prevenção. A formulação<br />

<strong>de</strong>stas diretrizes <strong>de</strong>veria estar a cargo <strong>de</strong> profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e<br />

<strong>de</strong> comunicação, habilitados que são para tratar <strong>de</strong> tão relevante<br />

questão social.<br />

Acreditamos ser possível incluir a camisinha <strong>de</strong> forma mais<br />

positiva e estimulante. “Viva o prazer. Viva o sexo seguro” é para<br />

nós, mais que uma frase <strong>de</strong> efeito, é uma representação concreta <strong>de</strong>sta<br />

possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>. Não há subtração do prazer neste slogan, mas, sim, uma<br />

exaltação <strong>da</strong>s possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> obtenção <strong>de</strong>ste, em se tomando medi<strong>da</strong>s<br />

preventivas, o que se traduz no uso regular do preservativo.<br />

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />

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