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Viagem às antigas igrejas de Minas - Quintal dos Poetas

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<strong>Viagem</strong> <strong>às</strong><br />

<strong>antigas</strong> <strong>igrejas</strong><br />

<strong>de</strong> <strong>Minas</strong><br />

José Roberto <strong>de</strong> Amorim<br />

<strong>Quintal</strong> <strong>dos</strong> <strong>Poetas</strong><br />

2011


José Roberto <strong>de</strong> Amorim<br />

<strong>Viagem</strong> <strong>às</strong> <strong>antigas</strong> <strong>igrejas</strong> <strong>de</strong> <strong>Minas</strong><br />

Segunda edição<br />

Trilogia<br />

“Fábula <strong>de</strong> Ribeirão do Carmo”<br />

Parte I<br />

a<br />

<strong>Quintal</strong> <strong>dos</strong> <strong>Poetas</strong><br />

Oficina Literária<br />

2


Copyright 2011 by José Roberto <strong>de</strong> Amorim<br />

Da<strong>dos</strong> <strong>de</strong> Catalogação na Publicação (CIP)<br />

A524v Amorim, José Roberto <strong>de</strong><br />

VIAGEM ÀS ANTIGAS IGREJAS DE MINAS / José Roberto <strong>de</strong> Amorim –<br />

2ª edição. Lagoa Santa: <strong>Quintal</strong> <strong>dos</strong> <strong>Poetas</strong> Oficina Literária, 2011.<br />

ISBN 978-85-911866-6-2<br />

1. Edifícios históricos. 2. <strong>Minas</strong> Gerais. 3. Igrejas. 4. Viagens. 5.<br />

Patrimônio histórico. I. Título.<br />

Esta edição foi produzida sob responsabilida<strong>de</strong> editorial do autor<br />

<strong>Quintal</strong> <strong>dos</strong> <strong>Poetas</strong><br />

Oficina Literária<br />

Lagoa Santa – 2011<br />

www.quintal<strong>dos</strong>poetas.com<br />

quintal<strong>dos</strong>poetas@quintal<strong>dos</strong>poetas.com<br />

CDD:726. 5098151.<br />

3


José Roberto <strong>de</strong> Amorim<br />

<strong>Viagem</strong> <strong>às</strong> <strong>antigas</strong> <strong>igrejas</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>Minas</strong><br />

4


FÁBULA DE RIBEIRÃO DO CARMO<br />

O Ribeirão do Carmo é aquele ribeirão com jeito <strong>de</strong> rio<br />

que cerca a episcopal cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Mariana.<br />

Cláudio Manuel da Costa achava que ele era encardido<br />

e tinha perdido o seu faustíssimo ouro<br />

por vingança <strong>de</strong> Apolo, ciumento porque o pobre ribeirão,<br />

com uma certa concupiscência,<br />

tinha bolinado a ninfa Eulina que se banhava inocente em<br />

suas águas.<br />

Ali nasceu Cláudio e <strong>Minas</strong> Gerais.<br />

Eulina não é mais ninfa<br />

mas Cláudio a mantém viva.<br />

O ouro não acabou<br />

a liberda<strong>de</strong> tarda ainda,<br />

<strong>Minas</strong> segue perseguindo a sua glória<br />

e a fábula continua.<br />

5


Toma <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> a estrada<br />

Na Igreja Nova, a que fica<br />

Ao direito lado, e segue<br />

Sempre firme à Vila Rica<br />

Tomás Antônio Gonzaga – 1792<br />

Minha igrejinha do Outeiro<br />

que Rodrigo zela tanto,<br />

e entre cujos azulejos<br />

esvoaça o Espírito Santo<br />

Carlos Drummond <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> – 1960<br />

6


Homenagem a Rodrigo Mello Franco <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>,<br />

um homem que venceu o tempo<br />

Terno agra<strong>de</strong>cimento a Maria Inez,<br />

companheira <strong>de</strong> <strong>antigas</strong> viagens<br />

7


Sumário<br />

A título <strong>de</strong> introdução ............................................................ 9<br />

Os viajantes do século <strong>de</strong>zenove ......................................... 13<br />

Os fundamentos ................................................................... 18<br />

A Igreja Mineira do século XVIII ........................................... 33<br />

Os construtores <strong>de</strong> templos ................................................. 38<br />

Os mo<strong>de</strong>los e referências das <strong>igrejas</strong> setecentistas<br />

mineiras ............................................................................... 44<br />

Cronologia <strong>dos</strong> templos, uma dificulda<strong>de</strong>............................. 65<br />

Cadastro das <strong>igrejas</strong>, outra dificulda<strong>de</strong>................................. 71<br />

Caminhos antigos .................................................................73<br />

Finalmente a viagem............................................................. 75<br />

Cadastro das <strong>igrejas</strong> setecentistas <strong>de</strong> <strong>Minas</strong>......................342<br />

Bibliografia............................................................................351<br />

8


A título <strong>de</strong> introdução<br />

Alguém já disse que prefácio é aquilo que o autor escreve por<br />

último, coloca no princípio do livro e que o leitor ignora, começando<br />

a leitura pelo capítulo I. Para fugir a tão terrível con<strong>de</strong>nação, resolvi<br />

usar o subterfúgio <strong>de</strong> incluir essa introdução que, sinceramente, é<br />

mesmo uma espécie <strong>de</strong> prefácio.<br />

Este livro – primeiro da trilogia mineiriana Fábula <strong>de</strong> Ribeirão do<br />

Carmo - é fruto <strong>de</strong> duas paixões persistentes e mal resolvidas. Des<strong>de</strong><br />

cedo experimentei sentimentos <strong>de</strong> admiração diante das nossas velhas<br />

<strong>igrejas</strong>. Minha mãe se casou numa igreja antiga e lá estava eu <strong>de</strong> paletó,<br />

gravata e calça curta, admirando a antiguida<strong>de</strong> do templo enquanto a<br />

cerimônia corria sem me <strong>de</strong>spertar o mais leve interesse. 1 Para ser<br />

honesto, aquela não era uma igreja verda<strong>de</strong>iramente antiga, mas se<br />

parecia com os templos setecentistas mineiros da <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>ira fase e isso,<br />

na época, me bastava inteiramente. Lamentei mesmo quando o dito<br />

templo foi arrasado para dar lugar a uma praça que hoje é um árido<br />

espaço ladrilhado, nem é mesmo praça e que, em não o sendo, também<br />

não é histórico, cívico, botânico, útil ou arquitetônico. Ou seja, um<br />

lugar sem gosto, sem cheiro e <strong>de</strong> precário ver<strong>de</strong>, que não <strong>de</strong>sperta<br />

nenhum particular prazer.<br />

A segunda paixão se reacen<strong>de</strong>u recentemente, um pouco por<br />

acaso. Morei alhures por onze anos e no tempo em que alhures estive<br />

amarguei um certo remorso por ter passado os melhores anos da<br />

juventu<strong>de</strong> em <strong>Minas</strong> e não ter usado o exce<strong>de</strong>nte da minha energia <strong>de</strong><br />

então para conhecer verda<strong>de</strong>iramente o estado. Ao voltar, para me<br />

redimir, embora a energia já não fosse mais a mesma, resolvi me <strong>de</strong>dicar<br />

a conhecer melhor as raízes da formação cultural das <strong>Minas</strong> Gerais até<br />

mea<strong>dos</strong> do século XIX. Foi aí, buscando referências bibliográficas, que<br />

me <strong>de</strong>parei novamente com a outra paixão, igualmente remota, mas um<br />

tanto mais adormecida: os relatos <strong>de</strong> <strong>antigas</strong> e aventureiras viagens. Na<br />

adolescência gostava <strong>de</strong> vasculhar nossa biblioteca, lendo velhas<br />

brochuras <strong>dos</strong> institutos históricos e geográficos e aquelas belas<br />

coleções <strong>de</strong> narrativas <strong>de</strong> viagens, ilustradas e enriquecidas por<br />

1 Não estranhe meu caro leitor, é que minha mãe enviuvou muito jovem e estou me<br />

referindo ao segundo casamento.<br />

9


artísticos trabalhos <strong>de</strong> enca<strong>de</strong>rnação, com borda<strong>dos</strong> doura<strong>dos</strong> e toda a<br />

exuberância que os bons livros merecem. Na verda<strong>de</strong>, muito antes já<br />

tinha <strong>de</strong>spertado minha veia <strong>de</strong> andarilho do tempo, mergulhando nas<br />

páginas fantásticas do Tesouros da Juventu<strong>de</strong>. Modorrentas e sau<strong>dos</strong>as<br />

tar<strong>de</strong>s <strong>de</strong> leituras do tempo das ilusões, que a mágica <strong>dos</strong> livros faz<br />

voltar.<br />

A província <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> foi trilhada por vários viajantes<br />

estrangeiros no século XIX que nos <strong>de</strong>ixaram interessantíssimas<br />

observações sobre os aspectos geográficos e culturais da região,<br />

principalmente das zonas do ouro e <strong>dos</strong> diamantes. Esse material é <strong>de</strong><br />

inestimável valor para quem quer conhecer melhor as origens da<br />

formação cultural e até as transformações ecológicas por que a região<br />

passou nos últimos séculos. Assim, embora o foco da nossa visitação<br />

nessa viagem seja os muitos templos antigos ainda existentes, não<br />

hesitei em convidar alguns <strong>de</strong>sses narradores a fazerem parte da<br />

mesma. A partir daí me pus à vonta<strong>de</strong> para tomar-lhes emprestado<br />

comentários que fizeram sobre paisagens, costumes, cida<strong>de</strong>s, pessoas e<br />

até sobre as próprias <strong>igrejas</strong> que, até o século XIX, ainda marcavam<br />

muito nossa paisagem urbana, chamando-lhes a atenção.<br />

Devo confessar que a minha i<strong>de</strong>ia original era restringir esta<br />

jornada rigorosamente <strong>às</strong> <strong>igrejas</strong> setecentistas, visto que meu interesse<br />

neste instante, está essencialmente focado no século XVIII. São,<br />

portanto, <strong>às</strong> <strong>igrejas</strong> <strong>de</strong>ssa centúria gloriosa que chamei, respeitosamente,<br />

<strong>de</strong> “<strong>antigas</strong> <strong>igrejas</strong>”. Contudo, pela gran<strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> lidar com<br />

datas, já que a documentação disponível a respeito <strong>dos</strong> velhos templos é<br />

muito precária, não está afastada a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> algumas das <strong>igrejas</strong>,<br />

relacionadas no meu inventário, terem sido erigidas efetivamente no<br />

século XIX. Afiançamos, porém, tratar-se <strong>de</strong> exceções. Em alguns<br />

casos isso até foi <strong>de</strong>liberadamente admitido. De qualquer forma, muitos<br />

são os templos <strong>de</strong> construção excepcionalmente <strong>de</strong>morada que vararam<br />

mais do que um século e agregaram várias tendências em sua<br />

conformação, confundindo estilos e subvertendo referências. Outros<br />

foram inteiramente reconstruí<strong>dos</strong> já no século XIX e até no século XX.<br />

Por tudo isso, a classificação <strong>de</strong> um templo como “setecentista”, em<br />

alguns casos tem uma conotação muito mais cultural do que<br />

cronológica. Para se classificar um templo antigo, sempre exposto aos<br />

caprichos <strong>dos</strong> membros que se suce<strong>de</strong>ram nas mesas diretivas das<br />

irmanda<strong>de</strong>s, é necessário se fazer um corte no tempo e congelar o<br />

10


esultado. Por isso, não raro, a vinculação <strong>de</strong> uma igreja ao setecentos<br />

chega a ser feita por meio <strong>de</strong> pura opção pessoal. Mas, no geral, a<br />

<strong>de</strong>speito das incertezas, penso que uma certa i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> pô<strong>de</strong> ser<br />

preservada e o título <strong>de</strong>sta obra po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado inteiramente<br />

apropriado.<br />

Gostaria <strong>de</strong> acrescentar a este mal dissimulado prefácio, que<br />

meu trabalho, como não po<strong>de</strong>ria mesmo <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser, não se baseia<br />

apenas em pesquisas bibliográficas. Percorri efetivamente os roteiros,<br />

visitei os templos aqui <strong>de</strong>staca<strong>dos</strong> e, inúmeras vezes, assisti <strong>às</strong><br />

cerimônias neles oficiadas. Uma jornada nada comparável <strong>às</strong> viagens<br />

que Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> empreen<strong>de</strong>u em 1919 e 1924, fascinado pela<br />

força da cultura colonial mineira. 2 Mas tentei re<strong>de</strong>scobrir, a meu modo,<br />

os caminhos da <strong>Minas</strong> Setecentista e, como o Gran<strong>de</strong> Mário, também<br />

muito preocupado com o <strong>de</strong>scaso que o levou a escrever sobre nosso<br />

patrimônio ameaçado, essas palavras amargas: “[...] dorme sono <strong>de</strong> cobra,<br />

enorme, tombada aos pedaços, apodrecida pelas goteiras, na Trinda<strong>de</strong>, no<br />

Rosário, na Casa <strong>de</strong> Tira<strong>de</strong>ntes”.<br />

Amparado na reação que tais advertências provocaram em<br />

Rodrigo <strong>de</strong> Mello Franco <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, pu<strong>de</strong> fazer minha viagem,<br />

oitenta anos <strong>de</strong>pois. E fui: segui os velhos caminhos, conversei com<br />

pessoas e procurei conhecer um pouco melhor os lugares em que os<br />

templos estão erigi<strong>dos</strong> e a comunida<strong>de</strong> que vive em torno <strong>de</strong>les e que<br />

ainda os freqüenta com visível orgulho. Foi uma viagem <strong>de</strong> in<strong>de</strong>scritível<br />

prazer que também me permitiu conviver com a incrível vitalida<strong>de</strong> da<br />

cultura mineira do século XVIII, ainda tão presente no dia-a-dia do<br />

nosso povo. Mas também me condoí <strong>de</strong> constatar que muito do nosso<br />

patrimônio histórico e cultural ainda dorme sono <strong>de</strong> cobra, aos<br />

pedaços, apodrecido pelas goteiras ...<br />

Na verda<strong>de</strong>, em muitos aspectos, esse trabalho não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser<br />

um típico diário <strong>de</strong> um viajante que passou pelas vicissitu<strong>de</strong>s próprias<br />

<strong>de</strong> um turista, inclusive encontrando vários templos sistematicamente<br />

fecha<strong>dos</strong>, só po<strong>de</strong>ndo conhecê-los externamente. Isso sem mencionar<br />

2 Alphonsus <strong>de</strong> Guimaraens registrou, em carta <strong>de</strong> 16 julho <strong>de</strong> 1919, que Mário<br />

passou em Mariana apenas para conhecê-lo mas que quando se encontraram ele já<br />

tinha visitado to<strong>dos</strong> os velhos templos da cida<strong>de</strong>.<br />

11


estradas precárias, indicações erradas e a gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiência <strong>de</strong><br />

sinalização que ainda assola nossos sítios turísticos, apesar da gran<strong>de</strong><br />

maioria <strong>dos</strong> respectivos prefeitos gostar <strong>de</strong> <strong>de</strong>clarar que o turismo é<br />

uma das priorida<strong>de</strong>s da sua administração. Mas, em nenhum momento,<br />

pu<strong>de</strong> me queixar da simpatia do povo <strong>de</strong>ssas localida<strong>de</strong>s, especialmente<br />

das cida<strong>de</strong>s menores e pouco procuradas.<br />

Mas, enfim, é sob a condição corajosa <strong>de</strong> turista brasileiro que é<br />

dado à maioria <strong>dos</strong> mortais a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trilhar caminhos em<br />

busca <strong>de</strong> <strong>igrejas</strong> <strong>antigas</strong>. E é aí que a <strong>de</strong>sinformação po<strong>de</strong> tornar os<br />

caminhos muito mais tortuosos.<br />

Foi tentando minimizar as agruras <strong>de</strong>ssa condição que escrevi<br />

este livro. Seu objetivo confesso é servir <strong>de</strong> uma espécie <strong>de</strong> roteiro <strong>de</strong><br />

visitação para pessoas interessadas em conhecer, com um pouco mais<br />

<strong>de</strong> profundida<strong>de</strong>, as <strong>igrejas</strong> barrocas mineiras e o ambiente que as<br />

gerou. Tenho a esperança que ele sirva não apenas para saciar<br />

curiosida<strong>de</strong>s efêmeras, mas também consiga sensibilizar aqueles que<br />

tiverem a curiosida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o ler, da necessida<strong>de</strong>, mais presente do que<br />

nunca, <strong>de</strong> conservar esse fantástico patrimônio e guardá-lo para o<br />

futuro. Hoje temos uma quantida<strong>de</strong> significativa <strong>de</strong> indivíduos e<br />

organizações mobiliza<strong>dos</strong> para preservar o meio ambiente e<br />

pouquíssimos <strong>de</strong>dica<strong>dos</strong> a preservar o patrimônio histórico, o que é<br />

compreensível mas injusto. Mesmo porque, a natureza, ainda que<br />

profundamente judiada como tem acontecido, é forte e se recupera. Um<br />

monumento histórico que se per<strong>de</strong>, porém, é para sempre. Mas<br />

compete a nós, ingênuos apaixona<strong>dos</strong>, tornar esta luta mais interessante<br />

e cativar outros a<strong>de</strong>ptos para ela.<br />

Devo advertir, enfaticamente, que esse não é o trabalho <strong>de</strong> um<br />

historiador, arquiteto ou perito em arte ou imaginária. Portanto, não é<br />

obra <strong>de</strong> um especialista em <strong>igrejas</strong> <strong>antigas</strong>. É apenas fruto <strong>de</strong> uma<br />

quase obsessão e da doce obrigação que me impus <strong>de</strong> compartilhá-la<br />

com outros. Confessando isso não me <strong>de</strong>i ao trabalho <strong>de</strong> disfarçar<br />

minha ignorância em relação a alguns <strong>de</strong>talhes técnicos que,<br />

verda<strong>de</strong>iramente, não escapariam a um especialista. Mesmo parte da<br />

terminologia que usei para <strong>de</strong>screver coisas, não foi buscada nos<br />

compêndios <strong>de</strong> arte e arquitetura e sim construí<strong>dos</strong> sob a mais pura<br />

liberda<strong>de</strong> poética. Rogo a tolerância do leitor quanto a essas visíveis<br />

<strong>de</strong>ficiências. Porém, acredito po<strong>de</strong>r compensá-lo <strong>de</strong> alguma outra<br />

forma. Caso contrário não teria me dado à empreitada <strong>de</strong> produzir<br />

esse roteiro. Mas, essencialmente, este é um diário <strong>de</strong> viagem<br />

12


construído para servir <strong>de</strong> simples guia <strong>de</strong> visitação para quem, como<br />

eu, se interessa por <strong>igrejas</strong> <strong>antigas</strong> pelo simples e irrenunciável prazer<br />

que sua contemplação proporciona.<br />

Não posso <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> registrar uma inquietação que tive em<br />

relação à forma <strong>de</strong> <strong>de</strong>scrição <strong>dos</strong> templos visita<strong>dos</strong>. Durante algum<br />

tempo vacilei entre as opções <strong>de</strong> <strong>de</strong>screvê-los <strong>de</strong> forma mais genérica<br />

ou mais <strong>de</strong>talhada. Acabei ten<strong>de</strong>ndo para a segunda alternativa, mesmo<br />

ciente <strong>de</strong> que muitos possam achar enfadonha a leitura <strong>de</strong> <strong>de</strong>scrições <strong>de</strong><br />

altares, fachadas, imagens e pinturas, com um certo grau <strong>de</strong> minúcia.<br />

Não po<strong>de</strong>ria ser outra a opção, inclusive para ser coerente com um <strong>dos</strong><br />

objetivos <strong>de</strong>ste trabalho que tem mesmo a pretensão <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r servir <strong>de</strong><br />

referência para a contemplação <strong>de</strong> templos setecentistas que mostram,<br />

exatamente no <strong>de</strong>talhe, a essência mesma do barroco que, <strong>de</strong> forma tão<br />

enfática, os caracteriza. Mas tentei me manter distante <strong>dos</strong> exageros. 3<br />

Muitos dirão que é inútil e sem sentido se dar a esse trabalho<br />

<strong>de</strong>scritivo, confrontando os tantos recursos <strong>de</strong> registros visuais<br />

atualmente disponíveis. Desculpem, mas com a mágica com que as<br />

técnicas computadorizadas hoje manipulam imagens, passei a acreditar<br />

ainda mais na longevida<strong>de</strong> <strong>dos</strong> livros. Além do mais, só mesmo velhas<br />

construções literárias ainda são capazes <strong>de</strong> transmitir sentimentos diante<br />

do inanimado.<br />

Enfim, espero po<strong>de</strong>r propiciar aos que se <strong>de</strong>rem à paciente<br />

tarefa <strong>de</strong> percorrer este meu trabalho, uma pitada <strong>de</strong> tempero sobre<br />

duas coisas que, posto serem um enorme prazer por si só, ainda se<br />

combinam muitíssimo bem: ler e viajar.<br />

Os viajantes do século <strong>de</strong>zenove<br />

A necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ampliação <strong>dos</strong> horizontes do conhecimento,<br />

contida na própria dinâmica <strong>de</strong> evolução da era mo<strong>de</strong>rna, se tornou<br />

crítica no século XIX. Essa criticida<strong>de</strong>, por um lado, foi atiçada pelas<br />

raízes do pensamento <strong>de</strong> base racional que então começava a se<br />

interessar mais pela natureza e pela cultura como parte integrante do<br />

3 A maioria das obras, hoje disponíveis sobre as <strong>igrejas</strong> <strong>antigas</strong> mineiras, ou são<br />

excessivamente <strong>de</strong>talhadas ou excessivamente sintéticas.<br />

13


acervo da ciência, abrindo novas e fascinantes janelas para o mundo.<br />

Por outro lado, a globalização imposta pela revolução industrial e pelo<br />

amadurecimento do capitalismo, pedia a integração <strong>de</strong> novos merca<strong>dos</strong>.<br />

Ou seja, numa relação promíscua <strong>de</strong> causas e consequências, o homem<br />

aperfeiçoava seus meios <strong>de</strong> produção e conseguia produzir mais, mais<br />

rápido e melhor e, consequentemente, tinha que ven<strong>de</strong>r mais, mais<br />

rápido e por preço mais compensador.<br />

É certo que o aperfeiçoamento mais acelerado <strong>dos</strong> meios <strong>de</strong><br />

transporte e comunicação só veio a ocorrer, <strong>de</strong> fato, no século seguinte.<br />

Isso, no entanto, não foi empecilho para que longas e penosas viagens<br />

exploratórias, <strong>de</strong> interesse comercial ou científico, viessem a acontecer<br />

naquele século, mais do que em qualquer outro. Vai daí que homens<br />

mais letra<strong>dos</strong> com espírito aventureiro, mais aventureiros com espírito<br />

letrado ou simples comerciantes atira<strong>dos</strong>, começaram a se interessar<br />

vivamente por terras e povos distantes. Foram atraí<strong>dos</strong>,<br />

particularmente, pelos horizontes do Novo Mundo e da Velha África,<br />

on<strong>de</strong> havia tanta coisa ainda a ser examinada. Para os sábios, o interesse<br />

por terras distantes extrapolava o campo da zoobotânica e atingia o<br />

berço da indagação antropológica que, então, começava a tomar o lugar<br />

das inquietações puramente filosóficas a respeito <strong>dos</strong> homens e suas<br />

instituições. Eis, pois, que muitos sábios abandonaram seus gabinetes e<br />

começaram a viajar mundo afora. Finalmente, a invasão pacífica<br />

motivada pela ânsia do conhecimento, substituía a invasão predatória da<br />

exploração puramente econômica, tão típica do século anterior e que<br />

tanto dilapidou a natureza e humilhou culturas, algumas milenares e até<br />

superiores à cultura europeia em muitos aspectos. Fato é que, ao lado<br />

<strong>dos</strong> aventureiros ingleses, hábeis em juntar capitais especulativos para<br />

explorar minas no Brasil, cá vierem dar renoma<strong>dos</strong> sábios e políticos.<br />

As interpretações que esses viajantes <strong>de</strong>ram ao que viram são<br />

bastante variadas e muitos não <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> fazer reiteradas observações<br />

preconceituosas, <strong>às</strong> vezes arrogantes e totalmente <strong>de</strong>stituídas <strong>de</strong> sentido<br />

à luz do atual estágio das ciências sociais. Foram incapazes, por<br />

exemplo, <strong>de</strong> reconhecer a genialida<strong>de</strong> <strong>dos</strong> nossos artistas barrocos e não<br />

faltaram citações históricas vigorosamente equivocadas. As<br />

comparações etnocentristas com a cultura europeia foram inevitáveis e<br />

o incompreensível nunca <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser visto como exótico. Mas to<strong>dos</strong><br />

eles, penso que com autêntica sincerida<strong>de</strong>, não <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> prever um<br />

futuro brilhante para o Brasil e, sobretudo, algumas minuciosas<br />

observações que fizeram sobre nossa cultura e natureza nos chegaram<br />

como um inestimável acervo <strong>de</strong> informações, muitas das quais,<br />

14


inquestionavelmente úteis para enten<strong>de</strong>r o grau <strong>de</strong> criticida<strong>de</strong> histórica<br />

<strong>de</strong> muitos <strong>dos</strong> nossos problemas atuais. 4<br />

O mais profícuo e arguto <strong>dos</strong> viajantes estrangeiros que<br />

passaram pelo Brasil no século XIX foi, sem dúvida, o naturalista<br />

francês August <strong>de</strong> Saint-Hilaire. 5 Aqui esteve <strong>de</strong> 1816 a 1822, coletando<br />

material que alimentou assunto para mais <strong>de</strong> 10 livros, publica<strong>dos</strong> na<br />

França alguns anos após o seu retorno. Percorreu cerca <strong>de</strong> 15.000 km<br />

pelo território brasileiro, a maioria sobre o lombo <strong>de</strong> um animal.Visitou<br />

quase to<strong>dos</strong> os principais arraiais e vilas <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> do século XIX, na<br />

região do ouro, do diamante, por sobre montes, planaltos, florestas e<br />

cerra<strong>dos</strong>. Conheceu várias localida<strong>de</strong>s que também fazem parte <strong>de</strong>sse<br />

nosso roteiro <strong>de</strong> visita <strong>às</strong> <strong>igrejas</strong> setecentistas mineiras: Barbacena,<br />

Queluz (Cons. Lafaiete), Vila Rica (Ouro Preto), Mariana, Catas Altas,<br />

Vila do Príncipe (Serro), Tijuco (Diamantina), Sabará, Caeté, Vila do<br />

Paracatu e tantos outros lugares. Tomamos várias <strong>de</strong> suas observações<br />

sobre essas vilas e povoa<strong>dos</strong>, enriquecendo sobremaneira nosso<br />

trabalho.<br />

O inglês sir Richard Francis Burton foi outro ilustre visitante<br />

que registrou em livro suas viagens a <strong>Minas</strong>. Diplomata, escritor,<br />

aventureiro, geólogo, militar e antropólogo, era cônsul em Santos, no<br />

litoral paulista, em 1867, quando, acompanhado <strong>de</strong> sua mulher Isabel,<br />

resolveu conhecer as ativida<strong>de</strong>s mineradoras, especialmente em Morro<br />

Velho, Cuiabá e Congo Soco e o rio São Francisco. Partindo do Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro passou por Barbacena, São João <strong>de</strong>l Rei, São José <strong>de</strong>l Rei<br />

(Tira<strong>de</strong>ntes), Congonhas, N. S. do Pilar <strong>de</strong> Congonhas do Sabará (Nova<br />

Lima), Raposos, São João do Morro Gran<strong>de</strong> (Barão <strong>de</strong> Cocais), Catas<br />

Altas, Mariana, Ouro Preto, Caeté e Sabará on<strong>de</strong> largou a mulher, 6<br />

pegou uma tosca canoa e <strong>de</strong>sceu o rio das Velhas até o rio São<br />

Francisco e daí até a sua foz no oceano Atlântico, visitando na travessia<br />

4 Escuso-me <strong>de</strong> ocultar <strong>dos</strong> meus leitores que muitas das citações tomadas das<br />

observações <strong>dos</strong> nossos viajantes foram feitas <strong>de</strong> forma bastante livre,<br />

próxima ao irresponsável.<br />

5 Vi<strong>de</strong> as referências bibliográficas das diversas obras consultadas, no final do livro.<br />

6 No bom sentido já que, o que ele queria mesmo, era poupá-la <strong>dos</strong> riscos da viagem<br />

pelo rio São Francisco.<br />

15


Santa Luzia, Jaguara (Matosinhos) e Diamantina, além <strong>de</strong> várias<br />

povoações na Bahia. Burton já havia servido na Índia, tinha explorado<br />

as cabeceiras do rio Nilo, tinha feito uma peregrinação à Meca<br />

disfarçado <strong>de</strong> muçulmano e no Brasil levava vida mais quieta fazendo<br />

parte do corpo diplomático do, então, ainda flamejante império<br />

britânico.<br />

Spix e Martius, a conhecida dupla <strong>de</strong> naturalistas alemães, forma<br />

a terceira ala do nosso grupo <strong>de</strong> insignes naturalistas viajantes.<br />

Estiveram no Brasil por influência da arquiduquesa da Áustria - a nossa<br />

princesa Leopoldina - <strong>de</strong> 1817 a 1820, integrando uma comitiva <strong>de</strong><br />

sábios europeus em visita ao nosso país quando do casamento da<br />

princesa austríaca com o príncipe Pedro <strong>de</strong> Alcântara, o futuro<br />

imperador d. Pedro I. Por pouco não encontraram Saint-Hilaire em<br />

alguma hospedaria do interior <strong>de</strong> <strong>Minas</strong>, já que aqui passaram pouco<br />

tempo <strong>de</strong>pois. Eram então dois jovens naturalistas: Spix com trinta e<br />

seis anos e Martius com apenas vinte e três. Incansáveis tanto quanto<br />

Saint-Hilaire, também fizeram registros científicos, históricos e culturais<br />

muito relevantes. Penetraram na capitania <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> vin<strong>dos</strong> <strong>de</strong> São<br />

Paulo, estiveram na região <strong>de</strong> Vila Rica, Sabará, Tijuco, até o vale do<br />

Jequitinhonha, visitando várias fazendas, vilas e povoa<strong>dos</strong>. Martius,<br />

após a viagem e a prematura morte <strong>de</strong> Spix, prestou um inestimável<br />

serviço ao Brasil dirigindo, durante muitos anos, a elaboração <strong>de</strong> uma<br />

monumental obra <strong>de</strong> catalogação da flora brasileira, a maior e mais<br />

completa obra botânica da humanida<strong>de</strong> <strong>de</strong> to<strong>dos</strong> os tempos. Muitos<br />

anos <strong>de</strong>pois da viagem, Martius ainda continuou muito ligado ao nosso<br />

país tendo, inclusive, vencido um concurso para produzir um ensaio<br />

sobre a cultura indígena brasileira, sob patrocínio do imperador d.<br />

Pedro II.<br />

O quinto viajante em cuja narrativa fomos buscar referências,<br />

foi o botânico escocês George Gardner que fez uma longa viagem ao<br />

interior do Brasil entre 1836 e 1841, portanto posterior a Saint-Hilaire e<br />

Spix e Martius mas anterior a Richard Burton. Ao contrário <strong>dos</strong> <strong>de</strong>mais,<br />

que penetraram em <strong>Minas</strong> pelo sul vin<strong>dos</strong> <strong>de</strong> São Paulo ou do Rio,<br />

Gardner penetrou pelo norte, percorrendo o vale do Jequitinhonha,<br />

Diamantina, Serro, a região <strong>de</strong> Cocais, Morro Velho, Ouro Preto e daí<br />

rumo ao Rio <strong>de</strong> Janeiro. Sua narrativa é curta e mais preocupada com<br />

botânica e geologia, mas igualmente digna <strong>de</strong> ser citada em muitas <strong>de</strong><br />

suas passagens.<br />

16


De to<strong>dos</strong> eles, como dissemos, o mais <strong>de</strong>talhista e metódico foi<br />

Saint-Hilaire e, <strong>de</strong> fato, é quem mais contribuição <strong>de</strong>u a essa nossa<br />

viagem, como se verá.<br />

No geral, <strong>de</strong> todas as narrativas <strong>de</strong>sses viajantes, é possível tirar um<br />

retrato bastante nítido do que seria <strong>Minas</strong> Gerais no século XIX:<br />

uma região enorme e variada, com vilas em gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>cadência, com<br />

casas pobres e pouco mobiliadas, <strong>de</strong>stituída <strong>de</strong> hospedarias <strong>de</strong>centes,<br />

com estradas estreitas e mal cuidadas, com um povo indolente e<br />

beberrão, com técnicas agrícolas primitivas; mas ao mesmo tempo,<br />

com uma natureza exuberante e fantásticos cursos d'água, com a<br />

agricultura e o comércio em expansão, com uma promissora<br />

indústria nascente ligada ao ferro, com um povo extremamente<br />

hospitaleiro e orgulhoso da sua terra, com mulheres belas e muito<br />

recatadas e... com inúmeras <strong>igrejas</strong>, muitas inacabadas ou em ruínas,<br />

tantas estranhas, muitas grotescas, mas, algumas particularmente<br />

belas.<br />

Mas permita-me, meu caro leitor, criar um espaço especial para<br />

introduzir um outro viajante, um tanto singular em comparação com o<br />

grupo que acabo <strong>de</strong> caracterizar. Trata-se <strong>de</strong> um visitador eclesiástico<br />

cujo relatório <strong>de</strong> viagem é particularmente útil aos propósitos <strong>de</strong>ste<br />

trabalho. Percorreu a província <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> no primeiro quarto do século<br />

XIX, <strong>de</strong>ntro da rotina imposta pelo senso <strong>de</strong> zelo indispensável à<br />

correta condução do seu pie<strong>dos</strong>o trabalho pastoral. Falo <strong>de</strong> dom frei<br />

José da Santíssima Trinda<strong>de</strong>, um bom português, nascido no Porto em<br />

1762 e que cedo veio para o Brasil seguir carreira eclesiástica. Dom frei<br />

José foi o sexto bispo <strong>de</strong> Mariana, estando à frente da Diocese <strong>de</strong> 1820<br />

a 1835. Ele empreen<strong>de</strong>u uma série <strong>de</strong> viagens pelas freguesias sob sua<br />

orientação pastoral, entre 1821 e 1825 e fez registrar comentários e<br />

provisões <strong>de</strong>ssas visitações. Entre eles se incluem interessantes<br />

referências sobre as matrizes, capelas e ermidas da sua jurisdição e<br />

sobre os respectivos padres. Isso nos permite, especialmente, saber da<br />

condição em que se encontravam alguns <strong>de</strong> nossos conheci<strong>dos</strong> velhos<br />

templos no princípio do século XIX. Pelo seu registro, ficamos sabendo<br />

da quantida<strong>de</strong> enorme <strong>de</strong> templos inacaba<strong>dos</strong> ou em ruínas, existentes<br />

naquela época. A maioria <strong>de</strong>les realmente se per<strong>de</strong>u e outros,<br />

milagrosamente escaparam, ressurgiram e hoje se encontram à<br />

disposição para nossa visitação. Nada mais justificável, pois, do que nos<br />

17


valermos também das anotações do nosso pie<strong>dos</strong>o bispo para<br />

enriquecer os atrativos da nossa viagem. 7<br />

Os fundamentos 8<br />

Já nos primeiros capítulos do estudo da nossa economia,<br />

apren<strong>de</strong>mos que a formação econômica do nosso país se <strong>de</strong>u em ciclos,<br />

caracteriza<strong>dos</strong> conforme a ativida<strong>de</strong> predominante <strong>de</strong> sustentação do<br />

processo <strong>de</strong> geração da riqueza num dado período. Um <strong>dos</strong> exemplos<br />

mais extraordinários <strong>de</strong>sse processo, mesmo numa perspectiva mundial,<br />

sem dúvida foi o do ciclo do ouro ocorrido no século XVIII e apoiado<br />

nas riquezas naturais da capitania <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> Gerais, quando teve curso<br />

uma produção extraordinária <strong>de</strong> gemas e metais preciosos. O fascínio<br />

que esse período exerce vem não só do peso econômico que ele<br />

representou, mas também do vigor político e cultural que <strong>de</strong>monstrou<br />

possuir. Em <strong>Minas</strong> foi competente para fermentar uma cultura, talvez<br />

hoje a única no país capaz <strong>de</strong> mostrar, com clareza, o rastro da sua<br />

ligação com o passado. A cultura mineira do ciclo do ouro,<br />

indubitavelmente foi a mãe sanguínea do que se costuma chamar hoje,<br />

talvez até com um certo exagero típico do orgulho embutido no antigo<br />

senso <strong>de</strong> cidadania <strong>de</strong>ssa mesma cultura, <strong>de</strong> “mineirida<strong>de</strong>”.<br />

O volume <strong>de</strong> riqueza gerado nesse período nunca foi muito<br />

bem contabilizado mas para alguns historiadores mais entusiasma<strong>dos</strong><br />

ele teria chegado a tal ponto que acabou sendo o esteio da geração <strong>dos</strong><br />

capitais indispensáveis a viabilização da revolução industrial, ocorrida<br />

na Inglaterra no século seguinte 9 . De fato, parte significativa do ouro<br />

7 Outro viajante que nos propiciou impressões interessantes consignadas nesse livro,<br />

foi José Joaquim da Silva. Trata-se <strong>de</strong> um mineiro <strong>de</strong> Juiz <strong>de</strong> Fora que, em 1879,<br />

publicou um tratado geográfico sobre a província <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> Gerais. Dele tomamos<br />

trechos <strong>de</strong> <strong>de</strong>scrições marcantes, geralmente simpáticas, sobre as principais cida<strong>de</strong>s<br />

mineiras da segunda meta<strong>de</strong> do século XIX. Trechos <strong>de</strong>ssas <strong>de</strong>scrições prece<strong>de</strong>m<br />

nossa entrada na maioria das cida<strong>de</strong>s que visitamos.<br />

8 Há muitas controvérsias e <strong>de</strong>sencontros sobre os fatos da História mineira <strong>dos</strong><br />

primeiros tempos. Em algumas passagens optamos por não tomar partido. Por isso os<br />

relatos inseri<strong>dos</strong> nessa seção po<strong>de</strong>m diferir <strong>dos</strong> fatos menciona<strong>dos</strong> no último livro da<br />

nossa trilogia on<strong>de</strong> voltaremos a tratar <strong>de</strong>sses mesmos assuntos.<br />

9 No último livro da trilogia levanto questionamentos sobre possíveis exageros na<br />

contabilização do montante <strong>de</strong> ouro que fluiu das minas brasileiras no século XVIII.<br />

18


mineiro aportou nos cofres <strong>dos</strong> empreen<strong>de</strong>dores britânicos,<br />

principalmente via o Acordo <strong>de</strong> Methuen, mediante o qual a Inglaterra<br />

garantia privilégios na colocação <strong>de</strong> seus produtos no reino e nas<br />

colônias portuguesas. Gran<strong>de</strong> parte <strong>dos</strong> produtos coloca<strong>dos</strong> pelos<br />

ingleses no Brasil, especialmente teci<strong>dos</strong> e utensílios, foi direcionada ao<br />

mercado das minas. Na direção contrária, fluiu bom e sonante ouro,<br />

transferido em dinâmicas transações à indústria têxtil inglesa, base da<br />

revolução industrial. Estima-se que logo nos primeiros anos da<br />

exploração aurífera, esta ativida<strong>de</strong> já empregava cerca <strong>de</strong> duzentas mil<br />

pessoas. Consi<strong>de</strong>rando que a renda <strong>de</strong>sse contingente estava entre as<br />

maiores do mundo, 10 seguramente, esse era um <strong>dos</strong> melhores merca<strong>dos</strong><br />

do planeta. Levando-se em conta ainda que a produção em série<br />

introduzida pela ativida<strong>de</strong> industrial <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da <strong>de</strong>sconcentração da<br />

renda e da <strong>de</strong>mocratização do consumo, há <strong>de</strong> se valorizar o papel do<br />

mercado mineiro na história da economia mundial, na primeira meta<strong>de</strong><br />

do século XVIII. On<strong>de</strong> mais, escravos e joãos-ninguém aventureiros<br />

podiam representar abasta<strong>dos</strong> consumidores, tanto <strong>de</strong> artigos <strong>de</strong> luxo<br />

(franceses) como <strong>de</strong> manufaturas <strong>de</strong> utilida<strong>de</strong>s básicas do dia-a-dia<br />

(ingleses). 11<br />

O Acordo <strong>de</strong> Methuen é consi<strong>de</strong>rado a mais extraordinária peça<br />

comercial gerada pela i<strong>de</strong>ologia mercantilista inglesa. Sem dúvida,<br />

garantia à Inglaterra, em suas transações comerciais <strong>de</strong>siguais com<br />

Portugal, um troco pesado e sonante, consubstanciado no mais<br />

10 É certo que gran<strong>de</strong> parte <strong>de</strong>sse contingente era constituída <strong>de</strong> escravos, mas nunca<br />

antes, nem talvez <strong>de</strong>pois, esses <strong>de</strong>safortuna<strong>dos</strong> tiveram acesso tão facilitado a meios<br />

<strong>de</strong> troca, através <strong>de</strong> incentivos ou da retenção, consentida ou não, <strong>de</strong> parte do<br />

resultado do seu trabalho. Fato é que muitos <strong>de</strong>les enriqueceram, se alforriaram ou<br />

construíram <strong>igrejas</strong>. É certo, também, que a <strong>de</strong>cadência foi rápida e na segunda<br />

meta<strong>de</strong> do século XVIII já se tinha esvaído o antigo esplendor.<br />

11 Antonil, um jesuíta italiano que viveu no Brasil <strong>de</strong> 1681 a 1716, escreveu a respeito<br />

do potencial consumista <strong>de</strong>ssa turma: (***) logo, começaram os mercadores a mandar <strong>às</strong><br />

minas, o melhor que chega nos navios do Reino e <strong>de</strong> outras partes, assim <strong>de</strong> mantimentos, como <strong>de</strong><br />

regalo e <strong>de</strong> pomposo para se vestirem, além <strong>de</strong> mil bugiarias <strong>de</strong> França que lá também foram dar.<br />

Também registra ele, em várias passagens do seu livro, a gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> negros<br />

enriqueci<strong>dos</strong> que encontrou, seja catando ouro, seja no meretrício.<br />

19


po<strong>de</strong>roso <strong>dos</strong> instrumentos <strong>de</strong> troca mercantil: o ouro; o do Brasil, vale<br />

dizer, principalmente das <strong>Minas</strong> Gerais. É interessante observar que o<br />

acordo sobreviveu, basicamente, enquanto perdurou o ciclo do ouro<br />

brasileiro e há quem diga que ele foi criado astutamente pelo<br />

embaixador inglês em Lisboa, John Methuen, sabedor da <strong>de</strong>scoberta do<br />

ouro já em 1698, exatamente para carrear esse ouro para seu país.<br />

Enfim, o ouro brasileiro teria contribuído, direta e indiretamente, para<br />

garantir o fortalecimento da indústria britânica e isso sem agravar a<br />

inflação que, no início do processo, po<strong>de</strong>ria ser uma séria ameaça ao<br />

seu sucesso. Assim, durante o século XVIII, os industriais ingleses se<br />

capitalizaram o bastante para tomar fôlego e começar a fermentar a<br />

revolução industrial, amadurecida no século seguinte. Por outro lado,<br />

vale lembrar ainda que, mesmo <strong>de</strong>pois que a ativida<strong>de</strong> aurífera começou<br />

a <strong>de</strong>clinar, uma incipiente indústria têxtil e <strong>de</strong> fundição que nascia na<br />

capitania <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> foi sufocada pela Coroa Portuguesa através da<br />

proibição da implantação <strong>de</strong> equipamentos industriais. Essa política<br />

férrea exacerbada pela metrópole, visava não só proteger as<br />

manufaturas do reino e abrir mercado aos produtos ingleses, como<br />

também impedir que outras ativida<strong>de</strong>s viessem a prejudicar a <strong>de</strong>dicação<br />

da população à produção <strong>de</strong> ouro e diamante. Já em 1717 o con<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Assumar proibia as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> engenhos em <strong>Minas</strong>. Em 1775 foi<br />

proibida a fabricação <strong>de</strong> chapéus e teci<strong>dos</strong>. Em 1785 foram proibidas as<br />

manufaturas em geral em todo o país. 12 Essa proibição foi revogada<br />

por d. João VI em 1808, mas somente no segundo reinado é que o<br />

processo <strong>de</strong> industrialização começou a se mover com menos vagar,<br />

principalmente através <strong>de</strong> fundições e teares, mas aí, infelizmente, em<br />

bases políticas e econômicas bastante fragilizadas, incapazes <strong>de</strong> criar<br />

lastro para que o barão <strong>de</strong> Mauá pu<strong>de</strong>sse encarar os fazen<strong>de</strong>iros e<br />

principalmente os capitalistas e industriais ingleses da época.<br />

A ativida<strong>de</strong> aurífera do século XIX já foi a das minas profundas<br />

cuja exploração <strong>de</strong>mandou gran<strong>de</strong>s capitais e tecnologia mais avançada.<br />

Mais uma vez os ingleses estavam presentes na linha <strong>de</strong> frente (Morro<br />

Velho, Cuiabá, Congo Soco, etc). Tudo isso acabou atirando<br />

<strong>de</strong>finitivamente a província nos braços da opção agropecuária,<br />

<strong>de</strong>sviando o eixo da economia mineira das áreas urbanas, gran<strong>de</strong>mente<br />

dinamizadas pela ativida<strong>de</strong> aurífera, para as áreas rurais distantes e mal<br />

12 Era permitido fabricar apenas teci<strong>dos</strong> rústicos para uso <strong>dos</strong> escravos.<br />

20


servidas. A conseqüência final foi a notável <strong>de</strong>cadência das <strong>antigas</strong> vilas<br />

e cida<strong>de</strong>s, a estagnação econômica e sobretudo, o retardamento do<br />

processo <strong>de</strong> industrialização do futuro estado <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> Gerais. Assim, a<br />

capitania essencialmente urbana do século XVIII, se tornou o estado<br />

essencialmente rural do século XIX e primeira meta<strong>de</strong> do século XX. 13<br />

Essa inversão contribuiu certamente para o vertiginoso crescimento do<br />

analfabetismo que, nas <strong>Minas</strong> do século XVIII e primeira meta<strong>de</strong> do<br />

século XIX, era proporcionalmente menor do que hoje. Richard Burton<br />

comentou que, surpreen<strong>de</strong>ntemente, o nível <strong>de</strong> analfabetismo na<br />

província entre os cidadãos livres era menor do que na França e<br />

Inglaterra. Esse contingente, inclusive, abrigava uma “classe média<br />

colonial” formada por artesãos que vieram <strong>de</strong> outros centros mais<br />

adianta<strong>dos</strong> atraí<strong>dos</strong> pela <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> maior sofisticação,<br />

característicos das concentrações urbanas <strong>de</strong> maior porte.<br />

Efetivamente, o processo <strong>de</strong> urbanização do estado <strong>de</strong> <strong>Minas</strong><br />

Gerais teve origem nos sítios <strong>de</strong> exploração do ouro. Os mais<br />

dinâmicos foram crescendo como círculos concêntricos, formando<br />

conglomera<strong>dos</strong> maiores ao longo <strong>dos</strong> anos. Esse tipo <strong>de</strong> evolução po<strong>de</strong><br />

ser facilmente observado em Sabará, Ouro Preto e Mariana que hoje<br />

são formadas por uma serie <strong>de</strong> bairros e distritos próximos,<br />

emblematicamente i<strong>de</strong>ntificado por uma toponímia muito antiga. No<br />

século XVIII eles eram arraiais in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, cada um tendo à frente<br />

seu respectivo potentado, dono da lavra e não raramente <strong>de</strong> alguma<br />

fazenda nas proximida<strong>de</strong>s. Arraial Velho, Roças Gran<strong>de</strong>s, Santana em<br />

torno <strong>de</strong> Sabará ou Antônio Dias, Morro da Queimada, Padre Faria em<br />

torno <strong>de</strong> Ouro Preto, são exemplos <strong>de</strong>sse processo.<br />

Na ponta mais recente da formação urbana do estado estão as<br />

roças, pousos e vendas que cresceram e que hoje formam algumas das<br />

maiores cida<strong>de</strong>s do interior mineiro. Finalmente, <strong>de</strong>pois da amarga<br />

penúria que o esgotamento mineral do ouro e do diamante provocou da<br />

segunda meta<strong>de</strong> do século XVIII à segunda meta<strong>de</strong> do século XX<br />

surgem os centros urbanos tipicamente industriais, próximos <strong>às</strong> novas<br />

jazidas <strong>de</strong> ferro e, geralmente, não muito distantes <strong>de</strong> <strong>antigas</strong> minas <strong>de</strong><br />

ouro.<br />

13 Evi<strong>de</strong>ntemente, a população mineira do século XVIII não se restringia aos<br />

habitantes das “vilas do ouro” e suas cercanias. O que estamos querendo acentuar é<br />

que a ativida<strong>de</strong> econômica estava substancialmente concentrada em torno <strong>de</strong> núcleos<br />

urbanos, alguns então até maiores do que muitas se<strong>de</strong>s municipais atuais.<br />

21


Tudo começou já no século XVI. Em 1573, aten<strong>de</strong>ndo a<br />

<strong>de</strong>terminações <strong>de</strong> interesse da Coroa, Sebastião Fernan<strong>de</strong>s Tourinho,<br />

partindo do Espírito Santo, a<strong>de</strong>ntrou o território mineiro. Não foi o<br />

primeiro mas foi um <strong>dos</strong> mais promissor e, graças à sua expedição, a<br />

região passou a <strong>de</strong>spertar gran<strong>de</strong> interesse <strong>dos</strong> governadores e <strong>dos</strong><br />

aventureiros <strong>de</strong> então, pelas suas auspiciosas promessas minerais.<br />

Tourinho percorreu a bacia do rio Doce e chegou até o pico do Itambé,<br />

retornando ao litoral e ao ponto <strong>de</strong> partida, através do rio<br />

Jequitinhonha. 14 Na sua jornada teria se <strong>de</strong>parado com vários <strong>de</strong>pósitos<br />

<strong>de</strong> pedras preciosas <strong>de</strong> todas as cores e qualida<strong>de</strong>s. Mas não conseguiu<br />

mostrar exemplares que provassem o potencial mineral das histórias<br />

que contou. Isso só veio a ocorrer em 1611 quando Marcos <strong>de</strong> Azevedo<br />

percorreu roteiro semelhante e voltou com uns belos exemplares <strong>de</strong><br />

gemas que, envia<strong>dos</strong> à metrópole, fizeram brilhar verda<strong>de</strong>iramente os<br />

olhos do rei, pois eram esmeraldas autênticas. Porém Azevedo não quis<br />

mostrar o mapa da mina, foi preso e morreu com o segredo. 15 Mas<br />

persistiu o fascínio por aqueles fantásticos relatos. E daí nasceu a Lenda<br />

da Lagoa do Vupabuçu em cujas margens Azevedo teria encontrado as<br />

cobiçadas pedras ver<strong>de</strong>s. 16<br />

Muitos outros aventureiros, com apoio moral e apelos piegas da<br />

realeza, andaram penetrando esporadicamente na região. Mas só por<br />

volta <strong>de</strong> 1664, ou seja, quase cem anos <strong>de</strong>pois da expedição <strong>de</strong><br />

Tourinho, é que a Coroa <strong>de</strong>cidiu vasculhar verda<strong>de</strong>iramente o território<br />

e explorar <strong>de</strong> forma mais consistente as riquezas minerais anunciadas<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o século anterior. Assim é que d. Afonso VI mandou carta a<br />

Agostinho Barbalho pedindo providências, mas ainda prometendo<br />

14 O roteiro seguido por Tourinho não é muito claro pois parece que ele fez duas<br />

incursões ao território mineiro e os historiadores confun<strong>de</strong>m esses roteiros. Em linhas<br />

gerais, ele entrou pelo rio Doce e retornou pelo rio Jequitinhonha, encerrando a<br />

aventura em Porto Seguro.<br />

15 Há outras versões para essa história e <strong>de</strong>las tratamos com mais <strong>de</strong>talhe no último<br />

livro da nossa trilogia.<br />

16 Segundo Lúcio José <strong>dos</strong> Santos, em 1926 o bispo <strong>de</strong> Diamantina d. João<br />

Pimenta, teria apresentado provas convincentes <strong>de</strong> que a lagoa do Vupabuçu<br />

se encontra no distrito da Vargem Gran<strong>de</strong>, à cinco quilômetros da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Itacambira.<br />

22


muito mais apoio moral do que físico. Era preciso encontrar as minas<br />

mas sem onerar muito a Real Fazenda. Vai daí que apenas em 1672 é<br />

que o projeto prosperaria, já sendo rei d. Pedro II e governador d.<br />

Afonso Furtado <strong>de</strong> Mendonça. Este mandou cartas aos intimoratos<br />

potenta<strong>dos</strong> da vila <strong>de</strong> São Paulo do Piratininga, pedindo apoio. No<br />

princípio ninguém quis encarar aquela barra o que obrigou o<br />

governador a reforçar o apelo uma vez mais. Foi então que Fernão Dias<br />

Paes, fiel e <strong>de</strong>dicado vassalo, se impôs a missão. Ele, embora já contasse<br />

com sessenta anos, ida<strong>de</strong> muito avançada para os padrões da época,<br />

mergulhou <strong>de</strong> corpo e alma no cometimento. Levou dois anos se<br />

preparando e em julho <strong>de</strong> 1674, partiu em direção à Mantiqueira ao<br />

norte do planalto <strong>de</strong> Piratininga. Entre muitos, contava em sua comitiva<br />

gran<strong>de</strong>s povoadores da futura capitania <strong>de</strong> <strong>Minas</strong>: seu filho Garcia<br />

Rodrigues Paes e o genro Manuel <strong>de</strong> Borba Gato. Um ano antes,<br />

Fernão Dias já tinha <strong>de</strong>spachado seu sobrinho, o valoroso capitão<br />

Matias Car<strong>dos</strong>o <strong>de</strong> Almeida que entrou na frente, plantando as roças<br />

que iriam abastecer a comitiva no caminho. Em seguida entrou<br />

Bartolomeu Gago e foi proce<strong>de</strong>ndo à colheita e armazenamento <strong>dos</strong><br />

víveres. Só <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> tudo isso é que partiu o miolo da expedição. Ou<br />

seja, o pessoal era aventureiro mas não era <strong>de</strong>sprevenido e tinha que<br />

seguir uma certa logística, cuida<strong>dos</strong>amente traçada para viabilizar o<br />

empreendimento. 17<br />

Partindo da vila <strong>de</strong> São Paulo, a tropa passou por Taubaté e<br />

alcançou Pindamonhangaba e Guaratinguetá sem maiores dificulda<strong>de</strong>s.<br />

Daí cortou a serra da Mantiqueira pela Garganta do Embaú, atravessou<br />

o rio Passa-quatro e veio dar na região do rio Capivari, já no atual<br />

estado <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> Gerais. Seguindo sempre em direção ao norte Fernão<br />

Dias e seus comanda<strong>dos</strong> encontraram uma região propicia a uma pausa<br />

para <strong>de</strong>scanso, a que os índios chamavam <strong>de</strong> Maependi. Passaram o<br />

rio Ver<strong>de</strong> e nas proximida<strong>de</strong>s do rio Gran<strong>de</strong> fundaram um arraial,<br />

chamado <strong>de</strong> Ibituruna e que vem a ser, portanto, a primeira povoação<br />

<strong>de</strong> <strong>Minas</strong>. 18 Aí estancaram por uns tempos, a plantar as suas roças e<br />

17 Essa é a gran<strong>de</strong> diferença entre o estilo <strong>de</strong> penetração <strong>dos</strong> ban<strong>de</strong>irantes e as<br />

incursões <strong>dos</strong> tempos <strong>de</strong> Fernan<strong>de</strong>s Tourinho. Enquanto as primeiras tinham alguma<br />

orientação colonizadora, as primitivas entradas tinham sentido puramente<br />

exploratório. Mas ambas tinham algo em comum: eram essencialmente aventureiras.<br />

18 Este é o roteiro traçado pelo historiador Diogo <strong>de</strong> Vasconcelos no seu clássico<br />

História Antiga das <strong>Minas</strong> Gerais e que foi copiado por muitos historiadores<br />

23


esperar passar a estação das chuvas, tempo <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> estorvo para as<br />

jornadas, quando os rios enchiam e se mostravam intransponíveis. De<br />

sorte que, em março, pu<strong>de</strong>ram seguir: atingiram uma região <strong>de</strong> campos<br />

cortada pela serra da Borda e pelo rio Paraopeba, mais a noroeste. Nas<br />

proximida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sse rio fundaram o segundo arraial a que chamaram <strong>de</strong><br />

São Pedro, que mais tar<strong>de</strong> veio a se chamar Santana do Paraopeba e<br />

<strong>de</strong>pois sumir do mapa. 19 Mas não pararam e rumando sempre com o<br />

nascente à direita, foram dar numa lagoa on<strong>de</strong> os índios achavam que a<br />

água sumia e assim a chamavam <strong>de</strong> Anhonhecanhuva (Sumidouro). Aí<br />

fundaram o arraial <strong>de</strong> São João. Então a tropa do velho ban<strong>de</strong>irante já<br />

estava na maior penúria e ele arranchou sem condições <strong>de</strong> avançar nem<br />

mais um passo e sem ter tido a fortuna <strong>de</strong> encontrar qualquer coisa <strong>de</strong><br />

valor. Matias Car<strong>dos</strong>o, resolveu voltar a São Paulo mas Borba Gato e<br />

Garcia Rodrigues <strong>de</strong>cidiram ficar e explorar um pouco as cercanias do<br />

sumidouro, vale dizer a região do Sabarabuçu que era tudo que suas<br />

precárias condições então permitiam.<br />

Fernão Dias tinha escrito ao governador pedindo socorros mas<br />

eles já estavam <strong>de</strong>morando muito. Assim, logo que conseguiu juntar<br />

um suprimento conveniente <strong>de</strong> sementes e peixe salgado, o tenaz<br />

ban<strong>de</strong>irante resolveu dar seqüência à penetração rumo ao norte em<br />

busca <strong>de</strong> uma lagoa cujas margens, contavam os índios, eram forradas<br />

<strong>de</strong> pedras ver<strong>de</strong>s. Com certeza <strong>de</strong>via ser a Vupabuçu, perdida com seus<br />

tesouros <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o começo do século. Subiu a serra do Cipó, passou pela<br />

região do Serro, Itamarandiba e além. Próximo à região da Itacambira,<br />

encontrou a sonhada lagoa e em conseqüência as tais pedras ver<strong>de</strong>s.<br />

Tinha certeza <strong>de</strong> que tinha encontrado o caminho das minas, cujo<br />

segredo Marcos <strong>de</strong> Azevedo tinha selado e levado para o além. Assim,<br />

encheu o embornal com amostras das ditas e retornou pelo mesmo<br />

caminho, cantarolante e feliz. Mas no trajeto <strong>de</strong>scobriu-se atacado das<br />

temíveis febres palustres. Por conta disso chegou no rio Guaicuí já<br />

subseqüentes. Mas há quem acredite que Fernão Dais subiu a Mantiqueira <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />

passar pela região <strong>de</strong> Atibaia, ou seja, pelo mesmo caminho da rodovia que hoje leva o<br />

seu nome.<br />

19 De acordo com Wal<strong>de</strong>mar <strong>de</strong> Almeida Barbosa (Dicionário Histórico-Geográfico <strong>de</strong><br />

<strong>Minas</strong> Gerais), o atual povoado <strong>de</strong> Santana do Paraopeba, distrito do município <strong>de</strong><br />

Belo Vale, nada tem a ver com a roça criada por Fernão Dias.<br />

24


praticamente terminal e aí não durou mais do que alguns dias. 20 Seu<br />

filho Garcia Rodrigues Paes, embalsamou o corpo do velho pai, meteuo<br />

numa re<strong>de</strong>, pegou o alforje com as pedras ver<strong>de</strong>s e planejou voltar<br />

para São Paulo, seguindo a trilha que sua penetração tinha aberto e que<br />

então passava a ser a ligação do centro da nova terra com a vila <strong>de</strong> São<br />

Paulo. Parou no Sumidouro para <strong>de</strong>scansar alguns dias e já estava <strong>de</strong><br />

partida quando recebeu recado <strong>de</strong> Matias Car<strong>dos</strong>o dando conta que ele<br />

se encontrava ali em São Pedro do Paraopeba acompanhando d.<br />

Rodrigo Castel Branco, enviado do rei para inspecionar o trabalho <strong>de</strong><br />

Fernão Dias e assumir a superintendência das minas passando a<br />

gerenciar o esforço minerador. Garcia Paes se dispor a receber d.<br />

Rodrigo com toda e fidalguia e assim fez. Mandou uma comitiva seguir<br />

com o corpo do pai para São Paulo e retardou sua partida por alguns<br />

meses, só chegando na vila paterna em <strong>de</strong>zembro quando o corpo <strong>de</strong><br />

Fernão Dias já tinha sido finalmente sepultado. 21 Ao partir <strong>de</strong>ixou<br />

Borba Gato no comando e aí o clima <strong>de</strong> parceria foi mudando. É que<br />

este, enquanto seu sogro andava pelas bandas do Itambé, andou<br />

pesquisando as margens do rio das Velhas e encontrou algumas<br />

promissoras pepitas <strong>de</strong> ouro. Agora temia que o enviado do rei pu<strong>de</strong>sse<br />

se apossar do seu <strong>de</strong>scoberto, assim sem mais-nem-menos. De sorte<br />

que o Borba teimava em não colaborar com o real enviado e essa<br />

antipatia foi engrossando até que um dia chegaram <strong>às</strong> vias <strong>de</strong> fato. D.<br />

Rodrigo ameaçou o <strong>de</strong>sconfiado ban<strong>de</strong>irante com um bofete, mas esse<br />

foi mais rápido e radical e varou o dito fidalgo com um golpe fatal. 22<br />

20 Segundo cálculos do historiador Tarquínio Barbosa <strong>de</strong> Oliveira, a morte teria se<br />

dado em junho <strong>de</strong> 1681. Diogo <strong>de</strong> Vasconcelos antecipa o trágico <strong>de</strong>sfecho em um<br />

mês, ou seja, maio.<br />

21 Existe uma versão <strong>de</strong> que o corpo <strong>de</strong> Fernão Dias não voltou para São Paulo, tendo<br />

se perdido numa travessia <strong>de</strong>sastrosa do rio das Velhas, na chegada ao Sumidouro.<br />

Em sendo assim, to<strong>dos</strong> os registros do seu sepultamento no mosteiro <strong>de</strong> São Bento<br />

seriam falsos, o que me parece muito fantasioso. Pedro Taques fala que Garcia<br />

Rodrigues chegou a São Paulo com os ossos do pai, que foram sepulta<strong>dos</strong> na capela<br />

mor do mosteiro. Dá assim a enten<strong>de</strong>r que o velho ban<strong>de</strong>irante foi enterrado no<br />

Sumidouro mesmo e que <strong>de</strong>pois seu corpo foi exumado e os ossos traslada<strong>dos</strong> pelo<br />

filho para São Paulo.<br />

22 A versão mais comum é que Borba Gato não matou o fidalgo pessoalmente, sendo<br />

o crime <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> uma precipitação da sua guarda pessoal que reagiu <strong>de</strong> modo<br />

<strong>de</strong>sastrado à ameaça do tal tabefe na cara do chefe, varando o promitente agressor<br />

25


Em consequência do crime o Gato teve que se embrenhar no<br />

mato e ali permanecer quase vinte anos, até que o governador,<br />

interessado no boato <strong>de</strong> que ele tinha <strong>de</strong>scoberto ouro, revolveu<br />

perdoá-lo para que ele pu<strong>de</strong>sse levantar o tal metal e repartir a parte <strong>de</strong><br />

Sua Majesta<strong>de</strong>, do que resultou ele voltar e re<strong>de</strong>scobrir o <strong>de</strong>scoberto. 23<br />

Ficou rico, voltou à sua pátria vez ou outra mas faleceu no Sabarabuçu<br />

em avançadíssima ida<strong>de</strong> e teria sido enterrado na mo<strong>de</strong>sta capela <strong>de</strong><br />

Santana, a poucos metros da margem do rio das Velhas.<br />

Fernão Dias foi o pioneiro e motor da ocupação do solo<br />

mineiro, mas não foi do planalto <strong>de</strong> Piratininga e sim <strong>de</strong> Taubaté que<br />

partiram os maiores fluxos <strong>de</strong> mineradores e as principais ban<strong>de</strong>iras<br />

conquistadoras. 24 Parece que a turma <strong>de</strong> Taubaté, transpunha a serra<br />

mais a leste da Garganta do Embaú, buscando uma linha reta em<br />

direção a São João <strong>de</strong>l Rei e o rio das Mortes e, na sequência,<br />

assentando sua base na região <strong>de</strong> Itaverava e daí alcançando os leitos<br />

auríferos <strong>dos</strong> rios Gualacho e Casca, os ribeirões do Tripuí e do<br />

Carmo. As regiões <strong>dos</strong> rios das Velhas e São Francisco tinham sido<br />

ocupadas, respectivamente, por Borba Gato e Matias Car<strong>dos</strong>o. 25<br />

com uma lança. Outra versão diz que houve luta corporal e que d. Rodrigo escorregou<br />

e caiu num socavão.<br />

23 Teria sido ele, portanto, quem primeiro encontrou ouro em <strong>Minas</strong> Gerais e não a<br />

turma que ocupou a região do Ouro Preto, mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong>pois. Eventualmente a<br />

<strong>de</strong>scoberta ocorreu em parceria com seu cunhado que chegou a espalhar que tinha<br />

achado ouro no Sabarabuçu já em 1679. Não é impossível que isso tivesse mesmo<br />

acontecido pois Fernão Dias estava alucinado com a busca das esmeralda e po<strong>de</strong>ria ter<br />

dito aos seus capitães que não o aborrecessem com frustrantes notícias <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobertas<br />

<strong>de</strong> ouro.<br />

24 No último livro da trilogia tentarei refinar um pouco mais a tipologia <strong>dos</strong> pioneiros<br />

da ocupação do solo mineiro distinguindo os ban<strong>de</strong>irantes, os mineradores e os<br />

sesmeiros.<br />

25 Parece que havia um certo acordo <strong>dos</strong> ban<strong>de</strong>irantes <strong>de</strong> São Paulo e <strong>de</strong> Taubaté<br />

quanto a critérios <strong>de</strong> ocupação. Assim é que, como Borba Gato já tinha ocupado a<br />

região do rio das Velhas e Matias Car<strong>dos</strong>o a região do São Francisco, os taubateanos<br />

miraram as bacias do rio das Mortes e do rio Doce.<br />

26


Por volta <strong>de</strong> 1689, uma gente valente <strong>de</strong> Taubaté andava pelo<br />

vale do Tripuí caçando índios. Eis que uma tar<strong>de</strong> resolveram acampar à<br />

margem do ribeirão e um mulato <strong>de</strong>sceu até o mesmo para apanhar um<br />

pouco <strong>de</strong> água. Meteu a gamela no fundo, tocou com a ponta no leito<br />

<strong>de</strong> areia e ao levantar o vasilhame colheu não só a água mas também<br />

umas pedrinhas <strong>de</strong> metal escuro. Essas foram dar em Taubaté e – para<br />

encurtar a história – alguém acabou encontrando por trás naquela<br />

camada escura superficial, ouro do mais puro quilate. Interroga<strong>dos</strong><br />

sobre o sítio on<strong>de</strong> aquelas preciosida<strong>de</strong>s tinham sido encontradas, os<br />

<strong>de</strong>scobridores informaram que era num fundo vale, guardando por um<br />

pico com duas pedras parecendo o pai e seu filhote. Vai daí, os<br />

aventureiros <strong>de</strong> Taubaté se entusiasmaram e em março <strong>de</strong> 1691,<br />

<strong>de</strong>spacharam José Gomes <strong>de</strong> Oliveira e Vicente Lopes para fixar um<br />

caminho <strong>de</strong> acesso à região promissora. As referências eram o pico do<br />

Itaverava e o tal pico da pedra com filhote – o Itacolomi. Gomes<br />

chegou na Itaverava sem maior dificulda<strong>de</strong>. Mas a partir daí começava<br />

uma série <strong>de</strong> serras e vales, abruptos e perigosos e a penetração era um<br />

<strong>de</strong>safio maior. Resultado: o <strong>de</strong>sbravador achou melhor pedir socorro e<br />

se dar por satisfeito com a <strong>de</strong>scoberta do Itaverava, 26 fixando ali a<br />

cabeça <strong>de</strong> ponte para a conquista das minas <strong>dos</strong> Goitacás.<br />

Os bravos <strong>de</strong> Taubaté certamente não se contentaram com<br />

aquela pífia conquista e logo <strong>de</strong>ram seqüência ao ambicioso projeto. 27<br />

Por volta <strong>de</strong> 1694 várias ban<strong>de</strong>iras subiram em direção à região aurífera<br />

<strong>dos</strong> Goitacás e é impossível se saber quem <strong>de</strong>scobriu o primeiro ouro<br />

ali. Mas entre esses é sempre muito bem lembrado o nome do<br />

taubateano Antônio Rodrigues Arzão. 28 Ele rompeu o ponto do<br />

Itaverava, mas passou ao sul do Itacolomi sem avistá-lo. Seguiu em<br />

26 Que aliás já era conhecido <strong>dos</strong> caçadores <strong>de</strong> índios.<br />

27 A bem da verda<strong>de</strong> aqueles empreendimentos tinham duplo propósito ou seja, não<br />

só buscar ouro mas também apreen<strong>de</strong>r índios. Ouro era uma coisa incerta e assim,<br />

trazer alguns selvagens que pu<strong>de</strong>ssem ser vendi<strong>dos</strong> no dinâmico mercado <strong>de</strong> São<br />

Paulo, po<strong>de</strong>ria reduzir os riscos <strong>de</strong> um fracasso financeiro. Há medida que a ativida<strong>de</strong><br />

mineradora ia se tornando mais compensadora a perigosa ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> caça aos índios<br />

ia sendo abandonada. Foi aí que a era <strong>dos</strong> ban<strong>de</strong>irantes <strong>de</strong>u lugar ao clico <strong>dos</strong><br />

mineradores.<br />

28 Para alguns autores Arzão era do Embu e não <strong>de</strong> Taubaté.<br />

27


frente e, orientando por índios, penetrou o sertão do Cuité 29 subiu a<br />

serra <strong>dos</strong> Arrepia<strong>dos</strong> e foi dar no rio Casca on<strong>de</strong> finalmente encontrou<br />

algumas faíscas <strong>de</strong> ouro. Tinha errado o roteiro do Tripuí, mas acabou<br />

atingindo seu objetivo maior que era encontrar o metal. A quantida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> ouro colhido, contudo, foi muito pequena. Nem índios ele pô<strong>de</strong><br />

capturar pois os selvagens dali eram muito bravos e puseram a<br />

ban<strong>de</strong>ira pra correr. Mas Arzão não <strong>de</strong>sanimou, embarcou no rio Doce<br />

e saiu na capitania do Espírito Santo em busca <strong>de</strong> apoio para<br />

aprofundar seu <strong>de</strong>scoberto. Não conseguindo voltou a Taubaté por<br />

mar, via Rio <strong>de</strong> Janeiro e Santos. Em casa também não conseguiu novo<br />

apoio pois não tinha muito que mostrar: nem ouro, nem uns tantos<br />

selvagens que pu<strong>de</strong>ssem ir a mercado. Mas a cobiça aumentou ainda<br />

mais: já eram dois os pontos <strong>de</strong> que se dava notícia <strong>de</strong> ocorrência <strong>de</strong><br />

ouro. De sorte que o povo <strong>de</strong> Taubaté se convenceu <strong>de</strong> que aquelas<br />

minas eram gerais e redobraram o esforço. Mas Arzão foi afastado da<br />

empreitada 30 e substituído por seu cunhado Bartolomeu Bueno <strong>de</strong><br />

Siqueira. 31 Este tinha perdido todo o seu cabedal no baralho e estava<br />

precisando muito <strong>de</strong> uma reabilitação. Assim, se dispôs a partir logo,<br />

tentando refazer a trilha do cunhado. Mas como estava quebrado teve<br />

que reunir os parentes e vizinhos e pedir uma ajuda. Acabou que<br />

formaram um consórcio, tendo como primeiro cotista Carlos Pedroso<br />

da Silveira que investiu na ban<strong>de</strong>ira e veio a ser talvez o primeiro<br />

empresário do ramo na história do Brasil o que lhe valeu uma boa<br />

carreira política. Outro sócio <strong>de</strong> peso foi o capitão Miguel <strong>de</strong> Almeida<br />

Cunha que se pôs à frente <strong>de</strong> uma tropa, suprida à sua custa. Assim, se<br />

<strong>de</strong>ram por prontos e em abril <strong>de</strong> 1694 tomaram o rumo do Itaverava.<br />

29 Não confundir a região do Cuité (região das cabaças) com a região do Caeté (região<br />

do mato fechado). A primeira ficava na bacia do Rio Doce, Comarca <strong>de</strong> Vila Rica e a<br />

segunda na bacia do Rio das Velhas, Comarca <strong>de</strong> Sabará.<br />

30 Há uma versão <strong>de</strong> que Arzão tenha morrido logo que voltou a Taubaté e por isso é<br />

que não teria voltado ao seu <strong>de</strong>scoberto. Tarquínio Barbosa <strong>de</strong> Oliveira, no entanto,<br />

diz ter encontrado documentos assina<strong>dos</strong> posteriormente por Arzão e um registro <strong>de</strong><br />

que em 1720 um escravo <strong>de</strong>le foi a leilão para pagar suas dívidas <strong>de</strong> jogo. No último<br />

livro da trilogia tratamos da polêmica com mais <strong>de</strong>talhes.<br />

31 Naquele tempo nas pequenas vilas, quase todo mundo era parente. Não fora assim,<br />

ten<strong>de</strong>ríamos a consi<strong>de</strong>rar que entre os ban<strong>de</strong>irantes imperava um nepotismo<br />

exacerbado.<br />

28


No princípio fizeram algumas incursões estéreis nos arredores, até que<br />

se aproximou a época das chuvas e acharam melhor interromper o<br />

mister capital e cuidar das roças para repor os suprimentos e redobrar a<br />

procura no ano seguinte. Resolveram repartir os campos <strong>de</strong> cultivo <strong>de</strong><br />

sorte que Almeida ficou em Itaverava e Siqueira subiu um pouco mais,<br />

margeando o rio Paraopeba até os primitivos campos <strong>de</strong> Fernão Dias<br />

no arraial que ele fundara. Mas não se pensou em ouro naquele breve<br />

intervalo. No Itaverava, ao contrário, o pessoal não esquecia o metal.<br />

Assim é que sempre que iam capturar algum peixe, ciscavam o fundo<br />

do leito, examinando a areia. Eis senão que um belo dia, Miguel <strong>de</strong><br />

Almeida Cunha cavou o fundo <strong>de</strong> um rio e lá estava um cascalho<br />

reluzente, pouco mas promissor.<br />

Acontece que nessa ocasião o capitão Salvador Fernan<strong>de</strong>s<br />

Furtado <strong>de</strong> Mendonça, tendo como sócio Manuel Garcia Velho, vinha<br />

voltando do sertão do Cuité on<strong>de</strong> tinham ido caçar índios. Passaram em<br />

Itaverava, fizeram umas barganhas com Almeida e o ouro acabou <strong>de</strong><br />

posse <strong>de</strong> Garcia Velho que o levou a Taubaté, passou a Carlos Pedroso<br />

que por sua vez o levou ao governador. E a febre foi crescendo e os<br />

empreendimentos mineradores foram aumentando. 32<br />

Contaminado por essa agitação o capitão Furtado voltou para<br />

Taubaté mas não <strong>de</strong>scansou e acabou seguindo para a região do Carmo.<br />

Foi no finalzinho do século, mais ou menos na mesma época em que<br />

João Lopes <strong>de</strong> Lima e Miguel Garcia estavam achando o metal em<br />

abundância e muitos já estavam cavando numa certa <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m. O<br />

bravo Bartolomeu Bueno <strong>de</strong> Siqueira, tinha ido pro lado errado e não<br />

teve muita sorte tendo que se contentar com a insigne honra do esforço<br />

heroico e a morte gloriosa em 1696 num campo <strong>de</strong> batalha contra<br />

ferozes selvagens. Mas o intimorato ban<strong>de</strong>irante não morreu sem o<br />

32 Esta história é controvertida. Para Tarquínio Barbosa <strong>de</strong> Oliveira quem era sócio<br />

<strong>de</strong> Furtado e levou as pepitas para Taubaté foi Miguel Garcia e não Manuel Garcia<br />

Velho. Há também quem diga que Miguel Garcia era o próprio sócio <strong>de</strong> Bartolomeu<br />

Bueno e que e a tal barganha gerou uma <strong>de</strong>savença entre Bueno e Garcia que levou a<br />

uma ruptura da socieda<strong>de</strong> e aí Furtado e Garcia teriam se tornado sócios e rumado<br />

para a região do ribeirão do Carmo on<strong>de</strong> <strong>de</strong>scobriram ouro pra valer. Essa confusão<br />

<strong>de</strong>riva do fato <strong>de</strong> que o nome completo <strong>de</strong> Miguel <strong>de</strong> Almeida Cunha seria Miguel<br />

Garcia <strong>de</strong> Almeida Cunha. Realmente é um belo <strong>de</strong> um emaranhado <strong>de</strong> nomes.<br />

Aliás, isso é próprio das histórias <strong>de</strong> ban<strong>de</strong>irantes. É porque, além <strong>dos</strong> extensos laços<br />

<strong>de</strong> parentesco entre eles, também não havia um padrão no uso <strong>dos</strong> sobrenomes,<br />

havendo a omissão <strong>de</strong> um ou outro <strong>de</strong>les em documentos diversos.<br />

29


gosto <strong>de</strong> também achar umas faíscas o que aconteceu nas margens do<br />

Pitangui e do rio <strong>de</strong> Pedras. Pouco antes da morte <strong>de</strong> Siqueira, seu sócio<br />

Miguel <strong>de</strong> Almeida Cunha <strong>de</strong>ixou a Itaverava a sua procura e, sabedor<br />

da sua morte, preferiu voltar a Taubaté, findando assim a frustrada<br />

empreitada <strong>de</strong> Bartolomeu Bueno <strong>de</strong> Siqueira. 33<br />

Quando o capitão Furtado chegou ao ribeirão do Carmo, botou<br />

seus filhos para batear os leitos daquelas agitadas e frias águas e foi<br />

assim que um dia <strong>de</strong>scobriu um rico manancial aurífero, próximo <strong>de</strong><br />

on<strong>de</strong> cresceria um arraial, cinquenta anos mais tar<strong>de</strong> chamado <strong>de</strong> cida<strong>de</strong><br />

episcopal <strong>de</strong> Mariana. Miguel Garcia, também já tinha encontrado<br />

fartura <strong>de</strong> metal no riacho que tomaria seu nome. Assim estavam<br />

praticamente assentadas as mais ricas minas auríferas da florente<br />

colônia <strong>de</strong> Portugal, finalzinho do século XVII. 34 Mas o vizinho veio<br />

aurífero do Tripuí, on<strong>de</strong> tinham sido <strong>de</strong>scobertas aquelas pepitas<br />

escuras que incendiaram a vila <strong>de</strong> Taubaté, oito anos antes, continuava<br />

perdido. O farol do Itacolomi continuava difícil <strong>de</strong> ser avistado e a<br />

turma continuava andando em volta sem chegar no ponto<br />

originalmente buscado. 35<br />

Essa gloria estaria reservada, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o princípio <strong>dos</strong> tempos, a<br />

Antônio Dias <strong>de</strong> Oliveira e ao padre João <strong>de</strong> Faria Fialho. 36 Acontece<br />

33 Essa, evi<strong>de</strong>ntemente seria a versão <strong>de</strong> quem não acredita que Miguel <strong>de</strong> Almeida<br />

Cunha e Miguel Garcia fossem a mesma pessoa. É o meu caso. O mais provável é que<br />

Miguel Garcia tenha pisado na região das minas pela primeira vez por volta <strong>de</strong> 1698.<br />

34 O cônego Raimundo Trinda<strong>de</strong>, baseado em Diogo <strong>de</strong> Vasconcelos, aponta Salvador<br />

Fernan<strong>de</strong>s Furtado <strong>de</strong> Mendonça como o próprio fundador <strong>de</strong> Mariana, o que teria<br />

acontecido no dia 16 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1696, data oficial <strong>de</strong> fundação da cida<strong>de</strong> adotada pelo<br />

governo mineiro. Essa possibilida<strong>de</strong> estaria fundamentada na crença <strong>de</strong> que ele, em<br />

lugar <strong>de</strong> voltar para Taubaté em 1694, partiu direto para a região do ribeirão do<br />

Carmo. Outros acreditam que em 1696 Furtado estava em Taubaté. O que to<strong>dos</strong><br />

concordam é que no princípio do século XVIII o coronel Salvador Fernan<strong>de</strong>s Furtado<br />

<strong>de</strong> Mendonça já estava instalado em <strong>de</strong>finitivo no arraial <strong>de</strong> São Caetano, próximo ao<br />

arraial do Carmo, on<strong>de</strong> criaria sua numerosa família e viria a falecer em 1725.<br />

35 Visto <strong>de</strong> Mariana o pico não mostra o perfil da “pedra com filhote”, portanto<br />

ninguém sabia ser aquele, o ponto <strong>de</strong> referência para o veio do Tripuí.<br />

36 Essa é a versão romântica <strong>de</strong> Diogo <strong>de</strong> Vasconcelos, mas quando Antônio Dias e o<br />

padre Faria ali chegaram e fundaram seus respectivos arraiais já encontraram um<br />

monte <strong>de</strong> gente faiscando, como veremos a seguir.<br />

30


que ainda assistiam em Taubaté alguns remanescentes daquela<br />

expedição <strong>de</strong> caça <strong>de</strong> índios que resultara na <strong>de</strong>scoberta do ouro do<br />

Tripuí. De sorte que alguns resolveram fazer um acordo com Dias e<br />

guiá-lo direto ao ponto. Partiram em abril <strong>de</strong> 1698. Chegaram no<br />

Itaverava sem maiores transtornos como era comum e aí é que estava o<br />

segredo do caminho. Os primitivos <strong>de</strong>scobridores entraram no vale do<br />

Tripuí pelo lado noroeste e, seguindo o leito do riacho, vislumbraram o<br />

pico do Itacolomi do lado em que ele mostra a sua característica<br />

marcante que são as duas pedras parecendo o pai e seu filhote. E foi<br />

essa característica que levaram para Taubaté como referência. Os<br />

caminhos conheci<strong>dos</strong>, basicamente o roteiro <strong>de</strong> Arzão, passavam pelo<br />

Itacolomi pelo lado oposto, ou seja, do lado em que o pico tem outras<br />

características, sem nada <strong>de</strong> notável. Daí porque a elevação mostrar-se<br />

invisível, embora estivesse ali o tempo todo, bem perto das trilhas.<br />

O pessoal <strong>de</strong> Antônio Dias, naturalmente refez o caminho <strong>de</strong><br />

volta e não o caminho <strong>de</strong> ida que dava uma volta pelo lado <strong>de</strong> Mariana.<br />

Ou seja, <strong>de</strong> Itaverava seguiram em direção ao noroeste e se<br />

aproximaram do vale pelo lado do morro <strong>de</strong> São Sebastião, lado oposto<br />

do Itacolomi. Não <strong>de</strong>u outra: lá estava o vale e o pico a guarnecê-lo,<br />

com a pedra e seu filhote e o Tripuí correndo em baixo, manso e cheio<br />

das pepitas <strong>de</strong> fino ouro cobertas com uma camada escura: o ouro<br />

preto. Era 24 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1698, as <strong>Minas</strong> <strong>de</strong> Taubaté finalmente<br />

estavam estabelecidas. 37<br />

37 Mas, como dito, parece que quando Antônio Dias e o padre Faria lá chegaram já<br />

encontraram José <strong>de</strong> Camargos Pimentel e seu irmão minerando no morro <strong>de</strong> São<br />

Sebastião, on<strong>de</strong> estariam <strong>de</strong>s<strong>de</strong> final <strong>de</strong> 1695. Antes, os irmão Camargo, associa<strong>dos</strong> a<br />

Francisco Bueno da Silva, já tinham encontrado faisqueiras <strong>de</strong> ouro na região do rio<br />

<strong>de</strong> Pedras, atual Acuruí, município <strong>de</strong> Itabirito, cabeceira do rio das Velhas. Mas Dias<br />

e o padre é que ocuparam primeiro as datas do fundo do vale e do morro <strong>de</strong> São João<br />

on<strong>de</strong> o ouro preto foi <strong>de</strong>scoberto e em torno do qual cresceu Vila Rica. Daí porque o<br />

nome <strong>dos</strong> dois estar tão ligado à história <strong>de</strong> Ouro Preto. Os partidários do<br />

pioneirismo <strong>de</strong> Antônio Dias acreditam que os irmãos Camargos faziam parte da<br />

própria ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Dias e, portanto, não o teriam precedido. Esse argumento, porém,<br />

não é suficiente para confirmar a primazia já que, mesmo fazendo parte da mesma<br />

ban<strong>de</strong>ira, os Camargos po<strong>de</strong>riam ter chegado antes pois, como já mencionamos, não<br />

era incomum um flanco <strong>de</strong> uma ban<strong>de</strong>ira se <strong>de</strong>slocar antes <strong>de</strong> outro, preparando o<br />

caminho para o grosso da tropa.<br />

Também tem quem afirma que o padre Faria não fazia parte da ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong><br />

Dias e chegou <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>le. Enfim, a comprovação <strong>de</strong> quem chegou primeiro em cada<br />

mina é mesmo muito difícil mas isso é irrelevante. O que po<strong>de</strong>mos admitir é que a<br />

31


A notícia se espalhou rapidamente e a gente <strong>de</strong> Taubaté,<br />

Guaratinguetá e do Piratininga subiu em peso para as minas. Muita<br />

gente veio até <strong>de</strong> Portugal. De sorte que, em pouco tempo, os morros e<br />

vales do ouro preto foram rasga<strong>dos</strong> e peneira<strong>dos</strong> e era ouro <strong>de</strong> todo<br />

lado e <strong>de</strong> todo jeito, em pepitas, lascas e em pó, preto e amarelo.<br />

Foi aí que os mineradores, alucina<strong>dos</strong> com a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

metal, teriam se esquecido <strong>de</strong> cuidar da sua própria sobrevivência e<br />

<strong>de</strong>ixado <strong>de</strong> plantar as suas roças, do que resultou um surto <strong>de</strong> fome por<br />

volta <strong>de</strong> 1700 que obrigou a paralisação das ativida<strong>de</strong>s das catas.<br />

Muitos teriam abandonado a região e voltado para Taubaté.<br />

Essa história não parece muito bem contada. Mesmo porque,<br />

para sair das minas e chegar a Taubaté seriam necessários dois meses,<br />

tempo em que muitas roças podiam ser plantadas e colhidas.<br />

Desabastecimento realmente houve e os preços dispararam, mas o mais<br />

provável é que a interrupção temporária da mineração tenha sido<br />

provocada pela impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> acesso ao metal com as técnicas<br />

primitivas que até então vinham sendo usadas, o que gerou a crença <strong>de</strong><br />

que as minas estavam esgotadas. Ou por outra, a carestia <strong>dos</strong> gêneros,<br />

aliada <strong>às</strong> dificulda<strong>de</strong>s crescentes <strong>de</strong> recolher o ouro <strong>de</strong>ve ter tornado<br />

aquela aventura <strong>de</strong>sinteressante. E foi aí que os pioneiros Antônio Dias,<br />

padre Faria e os irmãos Camargos <strong>de</strong>ixaram a região. Mas logo vieram<br />

outros, principalmente portugueses com nova tecnologia, e acharam<br />

mais ouro ainda. Foi o caso <strong>de</strong> Paschoal da Silva Guimarães um <strong>dos</strong><br />

homens que mais achou ouro à vista do pico do Itacolomi, o farol do<br />

Tripuí que foi o marco <strong>de</strong> referência que tanto esquentou as cabeças<br />

<strong>dos</strong> taubateanos valentes do século XVII.<br />

Aqui cabe uma observação relevante a respeito da índole <strong>dos</strong><br />

ban<strong>de</strong>irantes paulistas. Parece que eles eram essencialmente inquietos<br />

aventureiros, tangi<strong>dos</strong> muito mais pelo espírito do <strong>de</strong>safio e da glória do<br />

que do enriquecimento fácil e rápido. É claro que tinham espírito<br />

região pululava <strong>de</strong> aventureiros por volta do final do século XVII, cada um ocupando<br />

um terreno aurífero relativamente pequeno, cercado <strong>de</strong> vizinhos que chegaram um<br />

pouco antes ou um pouco <strong>de</strong>pois. Juntos cavavam a terra <strong>de</strong> forma um tanto<br />

primitiva mas, no conjunto, conseguiam uma boa produção. Tanto que em 1698 o<br />

Governador Artur <strong>de</strong> Sá já pensava em mandar abrir o caminho novo para facilitar o<br />

escoamento da produção até o Rio <strong>de</strong> Janeiro, sem os perigos da travessia por mar<br />

entre Parati e Guaratiba, trecho infestado <strong>de</strong> piratas.<br />

32


prático e esperavam retorno pelo seu esforço. Mas lhes parecia muito<br />

mais interessante laçar índios do que cavar a terra. Enquanto o ouro<br />

estava solto no fundo <strong>dos</strong> córregos se interessaram por ele. Mas quanto<br />

a cavar a terra e <strong>de</strong>sviar o leito <strong>dos</strong> rios, aí já era outra história. Mesmo<br />

porque, não conheciam técnicas mais apuradas <strong>de</strong> mineração e a mão<br />

<strong>de</strong> obra disponível para o trabalho pesado era <strong>dos</strong> nativos brasileiros,<br />

tão aventureiros e avessos à monotonia do trabalho mecânico quanto<br />

os próprios aventureiros paulistas. E foi aí que apareceu o pessoal do<br />

norte <strong>de</strong> Portugal com alguma experiência <strong>de</strong> mineração na região do<br />

Douro e trazendo uma gran<strong>de</strong> novida<strong>de</strong> para a região e o mister: negros<br />

africanos, dóceis e extremamente competentes para a execução <strong>de</strong><br />

trabalhos pesa<strong>dos</strong> como exigia a mineração da época e que, cientes da<br />

realida<strong>de</strong> miserável da sua condição, trataram <strong>de</strong> sobreviver. A<br />

acrescentar ainda a presença <strong>dos</strong> baianos que até po<strong>de</strong>m ter penetrado<br />

na região mesmo antes <strong>dos</strong> paulistas, criando gado no São Francisco.<br />

Eles acabaram concentrando seus cabedais na exploração das minas.<br />

Associa<strong>dos</strong> aos portugueses formaram o conjunto “Os emboabas”,<br />

com seu repertório <strong>de</strong>stinado a azucrinar os ouvi<strong>dos</strong> <strong>dos</strong> paulistas.<br />

Houve conflito mas foi aí que a coisa <strong>de</strong>colou.<br />

É meu amigo, a dinâmica da economia mineira na primeira<br />

meta<strong>de</strong> do século XVIII foi <strong>de</strong>vida, basicamente, à esperteza <strong>dos</strong><br />

portugueses, a laboriosida<strong>de</strong> <strong>dos</strong> baianos e ao realismo <strong>dos</strong> negros. Ou<br />

seja, exatamente o contrário da imagem preconceituosa que hoje<br />

fazemos <strong>de</strong>sses bravos irmãos. Mas, convenhamos, quem teve coragem<br />

<strong>de</strong> arrostar os perigos <strong>de</strong>ssa terra e abrir seus horizontes foram mesmo<br />

os paulistas do planalto do Piratininga e do vale do Paraíba.<br />

A Igreja Mineira do século XVIII<br />

Não há como falar <strong>dos</strong> templos sem falar da Igreja, ou seja, da<br />

instituição que lhes <strong>de</strong>u berço e formato. A religião católica, como não<br />

po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser, foi o traço dominante do direcionamento da<br />

ocupação cultural <strong>de</strong> Portugal sobre suas colônias. Fazia parte do<br />

projeto colonizador luso, a catequização do gentio no melhor<br />

compromisso possível com as revelações tri<strong>de</strong>ntinas e a missão<br />

inaciana. Não havia incursão aos ermos do mundo sem um capelão<br />

jesuíta. Porém, em <strong>Minas</strong> a coisa correu <strong>de</strong> forma um pouco diferente já<br />

que aqueles campos dilata<strong>dos</strong> e aquelas <strong>de</strong>nsas florestas nunca<br />

chegaram a seduzir os padres da Cia. <strong>de</strong> Jesus e permaneceram como<br />

33


<strong>de</strong>sertos inciviliza<strong>dos</strong> até o final do século XVII. Eis pois que o gentio<br />

mineiro nunca foi catequizado nem teve a proteção e o zelo <strong>dos</strong> bons<br />

costumes <strong>dos</strong> her<strong>de</strong>iros <strong>de</strong> Nóbrega e Anchieta. Aqui não houve<br />

piratiningas, nem colégios, nem mosteiros, nem pie<strong>dos</strong>as fazendas.<br />

Resultou então que apenas uns poucos Carijós e Botocu<strong>dos</strong> pu<strong>de</strong>ram<br />

salvar as suas almas na primeira meta<strong>de</strong> do século XVIII. Ficaram<br />

praticamente fora da miscigenação do negro e do europeu que no auge<br />

do barroco <strong>de</strong>u numa igreja quase natural, fruto muito mais da própria<br />

dinâmica da formação das culturas novas do que <strong>de</strong> um projeto<br />

missionário como aconteceu nas áreas <strong>de</strong> colonização quientista das<br />

vastas terras <strong>de</strong> Santa Cruz, vizinhas ao litoral. Somente na virada <strong>dos</strong><br />

mea<strong>dos</strong> do setecentos é que teve início um trabalho catequético nos<br />

sertões das <strong>Minas</strong> Gerais. Foi quando o seminário <strong>de</strong> Mariana começou<br />

a <strong>de</strong>spejar seus padres no mercado e alguns <strong>de</strong>les partiram para salvar a<br />

gente bravia do vale do Rio Doce. 38 Exatamente aquele bando <strong>de</strong><br />

pagãos que, inconformado com aquelas tardias intromissões, vivia<br />

flechando os invasores.<br />

Quem trouxe a fé católica a essas plagas foram os próprios<br />

ban<strong>de</strong>irantes, aliás gente um tanto aversa à missão <strong>dos</strong> padres inacianos,<br />

especialmente em relação ao seu lado mais pragmático que os levava a<br />

ver os bugres não só como criaturas <strong>de</strong> Deus mas também como os<br />

amaldiçoa<strong>dos</strong> <strong>de</strong> Adão que bem podiam suar o rosto para ganhar a<br />

vida, como ralhou o Senhor na expulsão do paraíso. De preferência,<br />

claro, no cabo da enxada numa plantação jesuíta. Assim, a religião<br />

católica chegou <strong>às</strong> minas do ouro sem o fervor missionário do resgate<br />

das almas. De certa forma, nas minas da virada do século XVII, Deus<br />

não estava presente em to<strong>dos</strong> os lugares, embora sempre ocupasse<br />

muitos espaços. Com certeza se fazia mais presente entre a sala e o<br />

alpendre. Naqueles tempos o ato religioso supremo consistia num rito<br />

público singelo praticado em torno <strong>de</strong> uma pequena imagem do santo<br />

da <strong>de</strong>voção que seguia a ban<strong>de</strong>ira abrigado num oratório <strong>de</strong> campanha.<br />

Quando muito, um padre capelão rezava uma missa nos intervalos da<br />

sua faina <strong>de</strong> batear o fundo <strong>dos</strong> riachos em busca do ouro. Afinal, era<br />

essa a real razão da sua vinda e o pastoreio das almas ficava em segundo<br />

lugar. Esses rituais buscavam muito mais animar o cometimento do que<br />

38 Justo lembrar que embora os padres jesuítas tivessem tido pouca presença na<br />

missão catequética sobre os selvagens das plagas mineiras, eles tiveram passagem<br />

marcante como mestres do seminário <strong>de</strong> Mariana.<br />

34


prover benefícios em reinos futuros. A moda era a reza coletiva em<br />

bom e troante som. De sorte que a fé católica chegou tangida pelo seu<br />

lado mais exterior, ou seja, aquele do ritual <strong>de</strong> agregação comunitária,<br />

agrupando forças para um objetivo terreno impregnado <strong>de</strong> peca<strong>dos</strong>.<br />

Deus <strong>de</strong>via ser, acima <strong>de</strong> tudo, o patrono das aventuras <strong>de</strong> sucesso mais<br />

do que o pai capaz <strong>de</strong> assegurar a salvação eterna das boas almas. Havia<br />

também o lado da or<strong>de</strong>m social que a religião garantia, on<strong>de</strong> a<br />

observância <strong>de</strong> mandamentos como “não roubar” e “não matar”<br />

prevalecia sobre outros teologicamente mais nobres. Esse pragmatismo<br />

permeou a igreja mineira ao longo <strong>de</strong> todo o século colonial. Em <strong>Minas</strong><br />

a procissão sempre foi mais importante do que a contrição. Não havia<br />

melhor hora e lugar para o <strong>de</strong>sfile <strong>de</strong> prestígio e po<strong>de</strong>r <strong>dos</strong> grupos<br />

sociais setecentistas. Tanto que as mais ferrenhas brigas judiciais eram<br />

aquelas entre irmanda<strong>de</strong>s se enfrentando pelo privilégio <strong>de</strong> precedência<br />

na or<strong>de</strong>m <strong>dos</strong> cortejos. Especialmente entre os abasta<strong>dos</strong> irmãos do<br />

Carmo e os não menos abasta<strong>dos</strong> <strong>de</strong> São Francisco, sempre em peleja<br />

para cercar o pálio que ia na parte mais vistosa das procissões. Também<br />

havia rumorosos casos entre esses e seus congêneres do Cordão <strong>de</strong> São<br />

Francisco, se batendo pela exclusivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uso <strong>dos</strong> ícones seráficos<br />

nos <strong>de</strong>sfiles.<br />

Por tudo isso é que a maior manifestação da opulência mineira<br />

do século XVIII foi exatamente a Procissão do Triunfo Eucarístico em<br />

1733, ou seja, realizada nos tempos do auge da riqueza. Essa celebração<br />

<strong>de</strong> exuberância exterior da religião católica portuguesa, foi consi<strong>de</strong>rada<br />

a mais espetacular celebração colonial das Américas no século XVIII,<br />

pelo seu luxo e riqueza. A <strong>de</strong>scrição minuciosa <strong>de</strong>ste acontecimento<br />

feito por um cronista da época, nos admira pela sua exuberância,<br />

essencialmente mundana.<br />

É certo que a exteriorida<strong>de</strong> e o ritualismo pomposo são<br />

características marcantes da religião católica em Portugal e este traço foi<br />

levado na sua bagagem <strong>de</strong> potencia colonizadora para os quatros cantos<br />

do mundo. Mas, na capitania <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> Gerais, essa tendência ritualista e<br />

esse fascínio interativo atingiram o seu ponto culminante. Foi on<strong>de</strong> o<br />

consistório se impôs ao claustro. O fato <strong>de</strong> em <strong>Minas</strong> não ter havido<br />

conventos veio potenciar ainda mais essa tendência.<br />

Mas também havia um certo lado mórbido na exteriorida<strong>de</strong> da<br />

religiosida<strong>de</strong> mineira do século XVIII e que tem uma faceta<br />

predominante terrena. É a representação do sofrimento. Nossa Senhora<br />

das Dores, da Pieda<strong>de</strong>, os estigmas, o Bom Jesus, São Francisco<br />

sofredor nas telas <strong>de</strong> Ataí<strong>de</strong> da sacristia da sua igreja <strong>de</strong> Mariana. Para o<br />

35


mineiro do tempo, encarar essas coisas tinha muito mais o propósito do<br />

consolo do que o da re<strong>de</strong>nção. Via o sofrimento como uma condição<br />

natural que afeta os santos e os homens em to<strong>dos</strong> os planos e épocas. É<br />

preciso nos resignarmos a ele e até quem sabe, transformá-lo em<br />

penitência e esperar um retorno pro futuro. E eis que o pie<strong>dos</strong>o das<br />

gerais se atira sem reservas ao culto <strong>dos</strong> símbolos sagra<strong>dos</strong> do<br />

sofrimento, acreditando talvez que, quanto mais ele venerasse esses<br />

símbolos, mais distante conseguiria ficar do sofrimento real do dia a dia,<br />

no duro ganha-pão daqueles tempos.<br />

Como instituição a igreja mineira começou com a criação do<br />

bispado <strong>de</strong> Mariana em 1745 sendo seu primeiro bispo d. frei Manuel<br />

da Cruz. Então o bispo do Rio <strong>de</strong> Janeiro <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser o pastor <strong>dos</strong><br />

mineiros e os seus visitadores respiraram alivia<strong>dos</strong> com a<br />

<strong>de</strong>sincumbência <strong>de</strong> ter que ir a terras tão distantes e ru<strong>de</strong>s para <strong>de</strong>vassar<br />

os maus costumes, in<strong>de</strong>vassáveis pela sua abundância.<br />

Ao longo <strong>de</strong> todo o século o bispado marcou sua condição <strong>de</strong><br />

se<strong>de</strong> vacante, regida por vigários gerais sem a a<strong>de</strong>quada autorida<strong>de</strong> para<br />

impor aquela extenuante tarefa <strong>de</strong> conter as más condutas <strong>de</strong> leigos e<br />

padres, agiotas e concubinas. Assim, ao longo do setecentos ocuparam<br />

a testa do bispado <strong>de</strong> Mariana, além do primeiro, apenas mais um bispo:<br />

d. frei Domingos da Encarnação Pontével.<br />

Por qualquer lado que se olha, nenhum <strong>de</strong>sses bispos teve<br />

atuação muita <strong>de</strong>stacada, mesmo porque não tinham muito espaço para<br />

isso. 39 Nem o seminário instituído em 1751 por d. Manuel produziu<br />

religiosos <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque para aquilo em que foram forma<strong>dos</strong>, a não ser<br />

gatos pinga<strong>dos</strong> vocaciona<strong>dos</strong> no berço. Não que <strong>de</strong> lá não tivessem<br />

saído gran<strong>de</strong>s figuras bem formadas. Ao contrário, farto e ilustre é o<br />

elenco <strong>dos</strong> egressos do seminário <strong>de</strong> Mariana que brilharam aqui e além<br />

mar. Isso reforça a crença <strong>de</strong> que o lado leigo do seminário <strong>de</strong>via ser o<br />

mais interessante e está aí a semente da formação <strong>de</strong> tantos mineiros <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>staque do século XVIII e XIX especialmente nas artes, na política e<br />

até nas ciências. Certamente era uma gran<strong>de</strong> escola preparatória para<br />

Coimbra.<br />

39 D. Manuel, por exemplo, tinha fama <strong>de</strong> preguiçoso e nepotista e teria sido advertido<br />

por permitir que uns padres seus sobrinhos tocassem o bispado.<br />

36


Deve ser lembrando ainda entre os ingredientes <strong>de</strong> formação da<br />

igreja mineira do século XVIII – especialmente no seu último quarto -<br />

a forte influência do iluminismo, aquele turbilhão <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias que tanto<br />

impregnou os doutores <strong>de</strong> Coimbra leigos ou religiosos, <strong>de</strong>pois da<br />

reforma pombalina. Eram frequentes os achaques que bispos e cônegos<br />

tinha que engolir da parte <strong>de</strong> ouvidores e generais racionalistas, um<br />

tanto incomoda<strong>dos</strong> com a razão da autorida<strong>de</strong> <strong>dos</strong> bispos em geral. 40 O<br />

mais famoso <strong>de</strong>sses achaques está documentado nas Cartas Chilenas <strong>de</strong><br />

Tomás Antônio Gonzaga. Foi quando o governador Cunha Menezes,<br />

ao sair <strong>de</strong> uma cerimônia acompanhado do bispo Pontével, impediu<br />

que o prelado ocupasse o interior da sua carruagem, indicando-lhe a<br />

boleia. E o pobre bispo teve que <strong>de</strong>sfilar por Vila Rica sentado ao lado<br />

do cocheiro, para sua suprema humilhação. Nem pô<strong>de</strong> se queixar ao<br />

bispo que, nesse caso, era ele mesmo e a única coisa que podia fazer era<br />

chorar baixinho.<br />

De certa forma a religião pertencia muito mais ao povo do que à<br />

igreja. Eis porque as capelas se rivalizavam com as matrizes e facilmente<br />

as superavam.<br />

Enfim, tudo isso também explica a exuberância do barroco<br />

mineiro. Foi nesse tempo que os homens se reuniram para falar com<br />

Deus prescindindo da orientação <strong>dos</strong> padres e da benção <strong>dos</strong> bispos.<br />

Uni<strong>dos</strong> se sentiram cre<strong>de</strong>ncia<strong>dos</strong> para isso e criaram templos suntuosos,<br />

claros e abertos, on<strong>de</strong> pu<strong>de</strong>ssem fazê-lo <strong>de</strong> acordo com o espírito<br />

religioso dominante, mais extrovertido e alegórico. Vinha a ser um<br />

diálogo coloquial, ainda que grupal, apaixonado e muito solene. Não<br />

podia ser diferente, dado aquele caráter exterior da sua <strong>de</strong>voção. Claro<br />

que não foi esse espírito que fermentou o nascimento do barroco<br />

religioso, 41 mas ninguém po<strong>de</strong>ria tê-lo adotado com maior entusiasmo<br />

e competência do que o povo mineiro do século XVIII e o<br />

pragmatismo interativo da sua Igreja, cujas celebrações eram o ponto<br />

40 Mas <strong>de</strong>vemos fazer justiça ao fato <strong>de</strong> que certos ramos da igreja portuguesa foram<br />

verda<strong>de</strong>iros antros <strong>de</strong> iluministas, mas muitos <strong>de</strong> seus colegas leigos tiveram<br />

dificulda<strong>de</strong> para perceber isso.<br />

41 Com certeza, a agonia do embate entre a fé e a razão que tanto fermentou o<br />

nascimento do barroco na Europa, jamais atormentou o mineiro do século XVIII.<br />

37


mais marcante e agregador da vida comunitária. Uma igreja mais das<br />

formas do que <strong>dos</strong> conteú<strong>dos</strong>. Uma igreja mais da terra do que do céu.<br />

Os construtores <strong>de</strong> templos<br />

As <strong>igrejas</strong> barrocas mineiras teriam existido sem o Ciclo do<br />

Ouro? Essa é uma pergunta singela mas necessária para fazer notar<br />

que, geograficamente, elas estão significativamente associadas ao lugar<br />

das lavras e minas. Ou seja, on<strong>de</strong> havia ouro em certa medida, surgiam<br />

templos notáveis. Evi<strong>de</strong>ntemente a ativida<strong>de</strong> aurífera fomentou a<br />

formação <strong>de</strong> núcleos urbanos e eles por sua vez, fomentaram a<br />

construção <strong>de</strong> templos, requisito sociocultural indispensável ainda hoje.<br />

Numa colocação bastante simplista: comunida<strong>de</strong>s geram templos, mas<br />

só comunida<strong>de</strong>s ricas geram templos ricos. 42 Templos surgiriam <strong>de</strong><br />

qualquer forma mas certamente a opulência do barroco mineiro é<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte direta do Ciclo do Ouro. Enfim, a construção <strong>de</strong> obras<br />

públicas dispendiosas como é o caso da maioria das <strong>igrejas</strong> barrocas,<br />

requer a disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um exce<strong>de</strong>nte econômico <strong>de</strong> certa monta<br />

que po<strong>de</strong> ser abstraído do ciclo produtivo a curto ou médio prazo. Esse<br />

exce<strong>de</strong>nte po<strong>de</strong>, evi<strong>de</strong>ntemente, ser gerado por diversos tipos <strong>de</strong><br />

ativida<strong>de</strong>s econômicas. Em <strong>Minas</strong> pô<strong>de</strong> ser gerado da rica ativida<strong>de</strong> da<br />

mineração, assim como na Bahia e no nor<strong>de</strong>ste, pô<strong>de</strong> ser gerado pelos<br />

gran<strong>de</strong>s engenhos que sustentaram indiretamente as or<strong>de</strong>ns primeira,<br />

gran<strong>de</strong>s construtores <strong>de</strong> templos naquelas paragens. 43<br />

Uma característica que <strong>de</strong> fato contribuiu para a proliferação e<br />

suntuosida<strong>de</strong> das <strong>igrejas</strong> setecentistas mineiras é que a ativida<strong>de</strong><br />

42 Aqui, quando falamos em “comunida<strong>de</strong>” falamos do seu aspecto mais concreto, ou<br />

seja, um núcleo urbano qualquer e um entorno econômico que lhe dá sustentação e<br />

que concentra nele as ativida<strong>de</strong>s sociais essenciais naquele tempo, vale dizer: o culto<br />

religioso, o mercado <strong>de</strong> trocas, a assembleia política. A rigor, até recentemente,<br />

bastava a concentração <strong>de</strong> uma meia dúzia <strong>de</strong> famílias para justificar o surgimento <strong>de</strong><br />

uma capela. E elas surgiram aos montes nos arraiais, grotões e encruzilhadas:<br />

mo<strong>de</strong>stíssimas assembleias comunitárias nas quais Deus era presença obrigatória.<br />

43 Os Jesuítas, por exemplo, não <strong>de</strong>pendiam muito da ajuda <strong>de</strong> terceiros pois eram<br />

gran<strong>de</strong>s produtores e exportadores <strong>de</strong> produtos tropicais, especialmente no século<br />

XVII.<br />

38


mineradora então praticada, via <strong>de</strong> regra, não chegava propriamente a<br />

exigir gran<strong>de</strong>s investimentos. Sobretudo não exigia a retenção<br />

sistemática <strong>de</strong> parcela <strong>dos</strong> rendimentos para capitalização do<br />

empreendimento. 44 Assim, muitas vezes, um aventureiro bem sucedido<br />

acabava dispondo <strong>de</strong> bom dinheiro sem ter muitas alternativas <strong>de</strong> como<br />

gastá-lo. De certa forma, a mineração <strong>de</strong> ouro <strong>de</strong> aluvião que muitas<br />

vezes po<strong>de</strong> ser exercida com uma bateia e um par <strong>de</strong> escravos, abriu<br />

oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ascensão social a ampla faixa da população colonial. 45<br />

Unida em irmanda<strong>de</strong>s essa parcela da plebe multiplicou<br />

significativamente seu po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> erigir obras. E foi assim que as<br />

irmanda<strong>de</strong>s religiosas mineiras do século XVIII se tornaram gran<strong>de</strong>s<br />

construtoras <strong>de</strong> <strong>igrejas</strong>. É claro que o ritmo das construções barrocas<br />

acompanhou nitidamente o vigor da economia mas, com maior ou<br />

menor dinamismo, templos foram ergui<strong>dos</strong> ao longo <strong>de</strong> todo o século.<br />

Consi<strong>de</strong>rando os propósitos <strong>de</strong>ste livro, via <strong>de</strong> regra trataremos<br />

genericamente como “irmanda<strong>de</strong>s” todas as associações setecentistas<br />

formais que tinham em ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> motivação religiosa o elo da união<br />

entre seus membros. Assim, vamos abranger, numa mesma categoria, as<br />

or<strong>de</strong>ns terceira, as irmanda<strong>de</strong>s propriamente ditas e as confrarias;<br />

embora sua natureza jurídica e seu grau <strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência institucional em<br />

relação à igreja católica pu<strong>de</strong>sse variar. 46<br />

É interessante observar que essas irmanda<strong>de</strong>s se constituíam em<br />

grupos segrega<strong>dos</strong>, socialmente muito bem <strong>de</strong>fini<strong>dos</strong> e que exerciam<br />

44 Somente no século seguinte, quando o ouro <strong>de</strong> aluvião ou <strong>de</strong> barranco, <strong>de</strong><br />

exploração mais simples, havia se esgotado totalmente é que a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mineração,<br />

propriamente dita, tomou pulso. Foi ai que surgiram companhias mineradoras inglesas<br />

no Brasil, <strong>de</strong>tentoras <strong>de</strong> tecnologia mais sofisticada e capitais mais abundantes.<br />

45 Nos primórdios, os recursos básicos da ativida<strong>de</strong> da mineração eram o negro e o<br />

ferro. Nenhum <strong>dos</strong> dois era barato mas <strong>de</strong> qualquer forma, a ativida<strong>de</strong> exigia<br />

consi<strong>de</strong>ravelmente menos capital e trabalho do que uma fazenda paulista, um engenho<br />

no litoral ou o manejo do gado ao longo do São Francisco.<br />

46 Grosso modo, as irmanda<strong>de</strong>s propriamente ditas, eram socieda<strong>de</strong>s mais abertas e<br />

distantes <strong>de</strong> qualquer controle eclesiástico. As or<strong>de</strong>ns terceiras, ainda que<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes eram prolongamentos leigos das suas respectivas or<strong>de</strong>ns primeiras e as<br />

confrarias ficavam em posição intermediária mantendo, porém, certo relacionamento<br />

com sua respectiva or<strong>de</strong>m terceira.<br />

39


expressiva influência política na comunida<strong>de</strong>. De certa forma, quanto<br />

mais suntuoso fosse o templo erigido por uma irmanda<strong>de</strong>, maior a<br />

expressão do seu po<strong>de</strong>r e maior o prestígio social <strong>dos</strong> seus membros e<br />

vice versa.<br />

Convém observar, também, que a construção <strong>de</strong> algumas das<br />

mais suntuosas capelas das irmanda<strong>de</strong>s do Carmo e São Francisco, não<br />

coinci<strong>de</strong> exatamente com o auge do Ciclo do Ouro. Essa aparente<br />

contradição se explica pelo fato <strong>de</strong> que essas irmanda<strong>de</strong>s se<br />

capitalizaram ao longo <strong>de</strong> muitos anos <strong>de</strong> vacas gordas e magras. Além<br />

disso, era comum elas atuarem como casas <strong>de</strong> empréstimos bancários,<br />

ativida<strong>de</strong> que apesar do risco, muitas vezes é mais rentável exatamente<br />

nos tempos <strong>dos</strong> capitais escassos. Assim, o ambiente socioeconômico<br />

da época da construção das matrizes públicas e das capelas das<br />

irmanda<strong>de</strong>s privadas é diferente mas, <strong>de</strong> uma forma ou <strong>de</strong> outra,<br />

recursos não faltaram para erigir belos templos, característicos <strong>de</strong> uma e<br />

outra época. Na primeira fase prevaleceram as doações da Coroa ou<br />

extraídas <strong>dos</strong> cabedais <strong>de</strong> ricos potenta<strong>dos</strong>. Na segunda predominou a<br />

paciente poupança <strong>de</strong> uma típica classe média mais abastada e que<br />

inclusive costumava ter competentes artesãos entre seus membros. É<br />

por isso que as <strong>igrejas</strong> da primeira fase eram construídas em poucos<br />

anos enquanto os templos da segunda fase avançaram suas construções<br />

sobre boa parte do século seguinte. De qualquer forma, por trás da<br />

construção <strong>de</strong> quase todas as nossas <strong>igrejas</strong> setecentistas, estava o ouro<br />

ou o diamante, mais abundante ou mais escasso, mas sempre presente<br />

no século XVIII a girar a roda <strong>dos</strong> negócios divinos e terrenos.<br />

Alguns autores gostam <strong>de</strong> usar a dinâmica da atuação das<br />

diferentes irmanda<strong>de</strong>s para i<strong>de</strong>ntificar as fases da história da construção<br />

das nossas <strong>igrejas</strong> setecentistas. Para eles, nos primórdios, vale dizer, no<br />

primeiro quarto do século XVIII, predominou a atuação das<br />

irmanda<strong>de</strong>s do Santíssimo Sacramento, responsáveis pela construção <strong>de</strong><br />

matrizes. No período seguinte predominou a atuação das or<strong>de</strong>ns<br />

terceiras e confrarias, empenhadas na ereção <strong>de</strong> suas respectivas<br />

capelas. Essa divisão, porém, força uma redução um tanto imperfeita<br />

pois as irmanda<strong>de</strong>s, indistintamente, sempre foram atuantes ao longo <strong>de</strong><br />

todo o setecentos e estavam fortemente presentes na ereção tanto das<br />

matrizes quanto das capelas. A diferença é que no princípio do século<br />

XVIII, as comunida<strong>de</strong>s ainda estavam consolidando suas instituições<br />

básicas e predominava o interesse público, agregado nas irmanda<strong>de</strong>s do<br />

Santíssimo e suas tantas coadjutoras. Na fase subsequente o interesse<br />

40


maior era abrir espaço para influir nessas instituições e é aí que as<br />

or<strong>de</strong>ns terceiras, em especial , começaram a competir entre si, sendo a<br />

suntuosida<strong>de</strong> do seu templo um emblema estratégico. 47 De fato, as<br />

irmanda<strong>de</strong>s, or<strong>de</strong>ns terceiras e confrarias eram, genericamente,<br />

grupamentos com interesses diversos do céu e da terra, entre os quais<br />

não faltavam os tais componentes <strong>de</strong> prestígio e po<strong>de</strong>r. Em muitos<br />

aspectos elas exerciam o mesmo papel que hoje exercem nossos clubes,<br />

fraternida<strong>de</strong>s e associações <strong>de</strong> classe, plenas <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s sociais,<br />

assistenciais e políticas. A igreja era o centro da comunhão física e<br />

espiritual. Nos consistórios se tramava e nas capelas e naves<br />

transcorriam as gran<strong>de</strong>s celebrações públicas quando as pessoas<br />

queriam ver e serem vistas, mostrando não só a fé e a contrição mas<br />

também o séqüito e as vestimentas, entre outros sinais externos da sua<br />

condição social. Depois <strong>de</strong> mortos tinham também assegurado o direito<br />

<strong>de</strong> serem enterra<strong>dos</strong> na área do templo: na parte interna ou externa,<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo <strong>de</strong> condições estabelecidas formalmente nos estatutos da<br />

irmanda<strong>de</strong>, nos termos <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são e na legislação vigente que no início<br />

do século XIX chegou a proibir o sepultamento no porão <strong>dos</strong> templos<br />

por questões <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m sanitária. 48 É claro que os irmãos, ainda que<br />

assemelha<strong>dos</strong> por algum requisito comum exigível como condição<br />

básica para pertencer à sua comunida<strong>de</strong> religiosa, não eram<br />

propriamente iguais nem contribuíam igualmente para os fun<strong>dos</strong> das<br />

suas organizações. A própria disposição das pessoas no recinto do<br />

templo obe<strong>de</strong>cia a uma or<strong>de</strong>m <strong>de</strong>finida que revelava com clareza essas<br />

diferenças. Durante as cerimônias, conforme o arranjo do espaço do<br />

templo permitisse, os notáveis com suas famílias postavam-se nas<br />

tribunas elevadas. Os mais <strong>de</strong>staca<strong>dos</strong> <strong>de</strong>ntre eles ocupavam as tribunas<br />

localizadas nas laterais do presbitério. Os outros ocupavam as <strong>de</strong>mais<br />

tribunas da capela mor ou da nave. Era comum se fazerem doações à<br />

irmanda<strong>de</strong> por conta do privilégio perpétuo <strong>de</strong> fazer uso das tribunas,<br />

verda<strong>de</strong>iros camarotes à expor luxo e prestígio. Os menos notáveis<br />

ocupavam o recinto da nave: as mulheres, crianças e homens comuns<br />

no centro, ao nível do piso e os homens medianamente notáveis nas<br />

47 Essa competição, evi<strong>de</strong>ntemente, tinha suas respectivas limitações. Uma irmanda<strong>de</strong><br />

do Rosário em geral, não podia competir com uma or<strong>de</strong>m terceira franciscana, mas<br />

bem podia encarar uma confraria do cordão <strong>de</strong> São Francisco.<br />

48 A proibição ocorreu por influência do médico mineiro Vicente Coelho <strong>de</strong> Seabra<br />

Silva Teles que publicou um livro em 1800, con<strong>de</strong>nando a prática.<br />

41


laterais, em plano mais alto, atrás <strong>de</strong> balaustradas. Os negros e<br />

<strong>de</strong>serda<strong>dos</strong> também podiam assistir a certas celebrações nos templos<br />

<strong>dos</strong> brancos, mas tinham que se colocar nas entradas, vislumbrando o<br />

interior como fosse possível. Especialmente na fase da construção das<br />

matrizes, os membros mais abasta<strong>dos</strong> da comunida<strong>de</strong> costumavam<br />

marcar a força do seu po<strong>de</strong>r, riqueza e prestígio doando um altar, uma<br />

talha dourada, uma portada ou uma pintura. Enfim, quanto mais rica<br />

fosse a irmanda<strong>de</strong> e seus membros mais suntuoso podia e tinha que ser<br />

o seu templo. De fato era assim. Parece que a aplicação <strong>de</strong> recursos em<br />

edificações <strong>de</strong> fundo caritativo foi pouco expressiva na época. Tudo era<br />

canalizado para a majesta<strong>de</strong> <strong>dos</strong> templos. Como vimos, a própria Coroa<br />

colaborava investindo conforme seu interesse político sobre as<br />

respectivas irmanda<strong>de</strong>s e paróquias.<br />

A suntuosida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um templo era a expressão clara do tamanho<br />

da contribuição <strong>dos</strong> irmãos para a Glória <strong>de</strong> Deus, o que também era<br />

forte fator <strong>de</strong> prestígio. Afinal, foi esse espírito <strong>de</strong> elevação típico da<br />

contrarreforma que, a partir da valorização iconográfica preconizada<br />

pelo Concílio <strong>de</strong> Trento, acolheu o barroco e fez <strong>de</strong>le a linguagem<br />

eloqüente da arquitetura e da arte religiosa <strong>dos</strong> séculos XVII e XVIII.<br />

Não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> <strong>de</strong>stacar aqui as irmanda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pretos<br />

que também construíram inúmeros templos. São as várias <strong>igrejas</strong><br />

<strong>de</strong>dicadas a N. S. do Rosário 49 e Mercês espalhadas pelas várias partes<br />

do estado. Ainda que não possam competir em riqueza com as <strong>igrejas</strong><br />

das or<strong>de</strong>ns terceiras são a expressão mais pura do quanto os homens<br />

daquela época estavam dispostos a empreen<strong>de</strong>r a construção <strong>de</strong> <strong>igrejas</strong>,<br />

concentrando recursos nos limites <strong>de</strong> suas posses para louvar e<br />

glorificar, da melhor maneira possível, o seu <strong>de</strong>us. 50 Um <strong>de</strong>us suntuoso,<br />

cunhado à imagem <strong>dos</strong> tantos papas monárquicos que não<br />

49 O cadastro que fizemos das <strong>igrejas</strong> setecentistas mineiras mostra uma<br />

predominância <strong>de</strong> templos <strong>de</strong>dica<strong>dos</strong> a N. S. do Rosário sobre todas as <strong>de</strong>mais,<br />

inclusive N. S. da Conceição. Ninguém foi mais construtor <strong>de</strong> <strong>igrejas</strong> do que os<br />

negros. Isso <strong>de</strong>monstra a relevância do papel que exerceram durante o ciclo do ouro,<br />

não só como mão-<strong>de</strong>-obra mas também como investidores e consumidores.<br />

50 Ainda que evi<strong>de</strong>ntemente, as irmanda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pretos tivessem espaço limitado para<br />

atuação política, este propósito não era <strong>de</strong> todo inexistente. Especialmente as<br />

irmanda<strong>de</strong>s das Mercês se <strong>de</strong>dicavam intensamente à causa <strong>dos</strong> negros alforria<strong>dos</strong>.<br />

42


dispensavam as magníficas obras <strong>de</strong> Michelangelo e Bernini como<br />

ponto <strong>de</strong> apoio para consolidação <strong>de</strong> seu po<strong>de</strong>r e majesta<strong>de</strong> nesse<br />

mundo.<br />

A atuação das irmanda<strong>de</strong>s como construtoras <strong>de</strong> <strong>igrejas</strong>, contém<br />

algumas nuances interessantes. Na verda<strong>de</strong>, nem todas elas construíam<br />

<strong>igrejas</strong> e realmente muitas só conseguiam chegar a tanto <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> anos<br />

<strong>de</strong> paciente trabalho <strong>de</strong> acumulação <strong>de</strong> doações diversas. Também era<br />

comum várias irmanda<strong>de</strong>s se unirem para construir um templo. Muitas<br />

são as notícias <strong>de</strong> irmanda<strong>de</strong>s que durante anos praticavam seus cultos<br />

em templos cedi<strong>dos</strong> até que tivessem condição <strong>de</strong> erigir os seus<br />

próprios, o que até podia não chegar a acontecer. 51 Também não eram<br />

raros os casos <strong>de</strong> brigas e dissidências com irmanda<strong>de</strong>s surgindo a partir<br />

<strong>de</strong> outras.<br />

Tal como nossos clubes atuais elas proliferavam nos mais<br />

diversos pontos, em locais próximos uns <strong>dos</strong> outros e com nomes<br />

muito pareci<strong>dos</strong>, o que hoje contribui para confundir os próprios<br />

nomes das <strong>igrejas</strong>. Assim é que em Ouro Preto, por exemplo, temos<br />

uma profusão <strong>de</strong> templos “do Rosário”. Tem a Rosário <strong>dos</strong> Pretos, tem<br />

a Rosário do Padre Faria e tem a Santa Efigênia do Rosário <strong>dos</strong> Pretos<br />

que também é do Padre Faria. A confusão é aparente pois tudo é muito<br />

bem <strong>de</strong>finido. É que, antigamente, a nossa Ouro Preto era um conjunto<br />

<strong>de</strong> arraiais contíguos, com irmanda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> mesmo nome. Assim, tinha os<br />

pretos do Padre Faria cuja igreja era a Santa Efigênia. A irmanda<strong>de</strong> da<br />

capela do próprio Padre Faria era a do Rosário <strong>dos</strong> Brancos Pobres e<br />

<strong>dos</strong> Par<strong>dos</strong>. A Irmanda<strong>de</strong> do Rosário <strong>dos</strong> Pretos <strong>de</strong> Ouro Preto - cuja<br />

capela primitiva ficava on<strong>de</strong> hoje é a igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula -<br />

é a da igreja do Rosário <strong>dos</strong> Pretos propriamente dita: aquela <strong>de</strong> formas<br />

arredondadas que fica no atual largo do Rosário. Enten<strong>de</strong>ram?<br />

Cabe reforçar que na capitania <strong>de</strong> <strong>Minas</strong>, embora ocorressem<br />

práticas caritativas no seio das irmanda<strong>de</strong>s, praticamente to<strong>dos</strong> os<br />

investimentos em construções <strong>de</strong> fundo religioso eram canaliza<strong>dos</strong><br />

51 Na verda<strong>de</strong>, um mesmo templo podia abrigar, sem nenhum transtorno, até sete<br />

irmanda<strong>de</strong>s. É que, naquele tempo havia missa to<strong>dos</strong> os dias e em cada dia, a<br />

cerimônia ficava por conta <strong>de</strong> uma irmanda<strong>de</strong>.<br />

43


para a ereção <strong>de</strong> <strong>igrejas</strong>. 52 Isso porque, com a proibição durante gran<strong>de</strong><br />

parte do século XVIII <strong>de</strong> que as or<strong>de</strong>ns primeira e segunda atuassem<br />

na capitania, praticamente não foram construí<strong>dos</strong> conventos, colégios,<br />

asilos ou hospitais religiosos. Assim, tem-se notícia <strong>de</strong> raras construções<br />

<strong>de</strong> motivação religiosa que não foram <strong>igrejas</strong> levantadas naquele<br />

século. 53 Entre elas po<strong>de</strong>mos citar a ermida <strong>de</strong> N. S. Mãe <strong>dos</strong> Homens<br />

no Caraça (transformada no colégio do Caraça no século seguinte),<br />

<strong>de</strong>dicada à contemplação e construída com doações amealhadas pelo<br />

irmão Lourenço na região, o seminário <strong>de</strong> Mariana e o convento <strong>de</strong><br />

Macaúbas <strong>de</strong> Santa Luzia construí<strong>dos</strong> por famílias abastadas mineiras<br />

para servir <strong>de</strong> local <strong>de</strong> recolhimento ou <strong>de</strong> educandário e a ermida e<br />

asilo <strong>de</strong> N. S. da Pieda<strong>de</strong>, construí<strong>dos</strong> por Bracarena <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter se<br />

tornado um discípulo do irmão Lourenço. Assim, a generosida<strong>de</strong> <strong>dos</strong><br />

fieis pô<strong>de</strong> ser canalizada para a construção e embelezamento <strong>de</strong> <strong>igrejas</strong>.<br />

Os mo<strong>de</strong>los e referências das <strong>igrejas</strong> setecentistas<br />

mineiras<br />

Não é razão dominante <strong>de</strong>ste trabalho fazer uma abordagem<br />

estritamente técnica das minúcias arquitetônicas e ornamentais das<br />

<strong>igrejas</strong> setecentistas mineiras, mesmo porque, como dissemos na nossa<br />

introdução, essa não é a nossa seara. Todavia, não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong><br />

fazer consi<strong>de</strong>rações a propósito das referências normalmente adotadas<br />

na tipificação <strong>dos</strong> templos e seus principais adornos. Isso é necessário<br />

para que possamos dar uma certa or<strong>de</strong>m e estrutura <strong>às</strong> visitações <strong>de</strong>ssa<br />

nossa viagem e nos tornarmos aptos a enten<strong>de</strong>r o respectivo significado<br />

e valor <strong>de</strong> cada templo no contexto em que foi erigido. Enfim, ainda<br />

que esse não seja o livro <strong>de</strong> um esperto, a caracterização da tipologia<br />

das <strong>igrejas</strong> é importante para os nossos propósitos. Contudo, penso que<br />

o mais importante critério para avaliação <strong>de</strong> uma igreja é mesmo o<br />

52 Existiam <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> irmanda<strong>de</strong>s na Vila Rica do século XVIII, porém somente<br />

uma, a <strong>de</strong> Santana, cuidava apenas <strong>de</strong> obras assistenciais, no caso a Santa Casa <strong>de</strong><br />

Misericórdia.<br />

53 É claro que as irmanda<strong>de</strong>s se <strong>de</strong>dicavam a obras pie<strong>dos</strong>as e sociais, mas elas, em<br />

gran<strong>de</strong> medida, ocorriam aproveitando as <strong>de</strong>pendências das próprias <strong>igrejas</strong>. Ainda<br />

hoje é muito comum encontramos ativida<strong>de</strong>s comunitárias tendo lugar nos amplos e<br />

numerosos salões das sacristias e consistórios <strong>dos</strong> nossos templos setecentistas.<br />

44


sentimento que ela <strong>de</strong>sperta, não importando muito qual é a base <strong>de</strong>sse<br />

sentimento. Po<strong>de</strong>mos valorizar as <strong>igrejas</strong> pela sua riqueza, antiguida<strong>de</strong>,<br />

pelo traço arquitetônico, pela forma ou pela qualida<strong>de</strong> da execução <strong>de</strong><br />

altares ou pinturas que contêm, ou ainda pelo <strong>de</strong>safio que elas<br />

representaram para a comunida<strong>de</strong> que as ergueu. Embora cada templo<br />

seja único e sua unicida<strong>de</strong> possa gerar sentimentos <strong>de</strong> menor ou maior<br />

intensida<strong>de</strong> em diferentes pessoas, sempre ten<strong>de</strong>mos a avaliar os<br />

diversos templos mediante comparações. Isso po<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve ser feito <strong>de</strong><br />

forma mais metódica, através do uso <strong>de</strong> alguns parâmetros. Por outro<br />

lado, cada igreja setecentista é um universo repleto <strong>dos</strong> mais <strong>de</strong>lica<strong>dos</strong><br />

<strong>de</strong>talhes. Assim, sem referências nossos olhos ten<strong>de</strong>m a passear <strong>de</strong><br />

forma <strong>de</strong>sorganizada entre esses <strong>de</strong>talhes, sem conseguir distinguir o<br />

que realmente viram.<br />

Embora existam inúmeros recursos básicos e dominantes é<br />

difícil encontrar propriamente uma padronização nas <strong>igrejas</strong> mineiras. É<br />

claro que elas têm uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e esta resulta do entrelaçamento <strong>dos</strong><br />

fatores que atuam na formação da cultura <strong>de</strong> qualquer povo,<br />

especialmente em perío<strong>dos</strong> muito dinâmicos e criativos como foi o caso<br />

do século XVIII em <strong>Minas</strong>. Mas <strong>de</strong>vido à infinita possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

combinação <strong>de</strong> elementos – típicas da linguagem barroca e rococó - as<br />

referências se multiplicam como peças <strong>de</strong> um calei<strong>dos</strong>cópio. Assim,<br />

nossas <strong>igrejas</strong> não costumam se enquadrar <strong>de</strong> forma comportada em<br />

mo<strong>de</strong>los estáticos. Contudo os mo<strong>de</strong>los existem e acabam cumprindo<br />

<strong>de</strong> alguma forma seu papel <strong>de</strong> disciplinar o exame das convergências e<br />

divergências <strong>dos</strong> diversos templos entre si e cutucar a emoção com a<br />

vara da razão. Um <strong>dos</strong> principais motivos pelos quais as <strong>igrejas</strong> mineiras<br />

não seguem mo<strong>de</strong>los muito bem <strong>de</strong>fini<strong>dos</strong> é que elas, como <strong>de</strong> resto a<br />

maioria <strong>dos</strong> templos e monumentos do nosso passado, <strong>de</strong>moravam<br />

<strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> anos para serem construídas. Por outro lado, obe<strong>de</strong>ciam a<br />

planos diversos <strong>de</strong> construção e adorno, cria<strong>dos</strong> e executa<strong>dos</strong> por<br />

diferentes pessoas ao longo <strong>dos</strong> anos. Muitas sofreram obras sucessivas<br />

<strong>de</strong> reforma e restauração que <strong>de</strong>sfiguraram inteiramente seus traços<br />

primitivos. Era comum uma inovação introduzida por um artista num<br />

<strong>de</strong>terminado templo, <strong>de</strong>spertar inveja nos membros <strong>de</strong> outras<br />

irmanda<strong>de</strong>s que logo contratavam alguém para copiá-la. Portanto, eram<br />

freqüentes as obras <strong>de</strong> “mo<strong>de</strong>rnização”. Foi assim que a influência do<br />

Aleijadinho se multiplicou enormemente gerando confusões <strong>de</strong> autoria.<br />

45


Praticamente todas as <strong>igrejas</strong> setecentistas mineiras são obras <strong>de</strong><br />

criação coletiva. 54 Não era raro as <strong>igrejas</strong> serem construídas em módulos<br />

que começavam por incorporar uma pequena capela primitiva que<br />

virava capela mor anexada a uma nave maior construída <strong>de</strong>pois e que ia<br />

crescendo até se fechar na fachada, anos mais tar<strong>de</strong>. Usualmente a parte<br />

interna também era construída aos poucos, altar por altar. Também não<br />

era raro que as torres fossem acrescidas ou até subtraídas mais tar<strong>de</strong>.<br />

Tudo era construído e modificado sucessivas vezes. Assim, nenhuma<br />

das nossas <strong>igrejas</strong> setecentistas é conseqüência da execução <strong>de</strong> um<br />

projeto arquitetônico global, <strong>de</strong>finido, realizado e preservado.<br />

Portanto, <strong>de</strong> certa forma, para acertar a autenticida<strong>de</strong> <strong>dos</strong> nossos<br />

templos do século XVIII temos que fazer um corte no tempo e adotar<br />

a imagem assim obtida.<br />

Por conta <strong>de</strong> toda essa enorme variabilida<strong>de</strong>, ao tipificar as<br />

<strong>igrejas</strong> do século XVIII, muitas vezes é muito mais apropriado falar em<br />

referências do que em mo<strong>de</strong>los. E aqui me permito formular alguns<br />

conceitos. Um mo<strong>de</strong>lo é um conjunto <strong>de</strong> variáveis, or<strong>de</strong>nadas e<br />

<strong>de</strong>limitadas <strong>de</strong> uma forma previamente <strong>de</strong>finida. Referências são partes<br />

<strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo, abstraídas e <strong>de</strong>limitadas <strong>de</strong> forma arbitrária. Não se<br />

po<strong>de</strong> secionar um mo<strong>de</strong>lo, sob pena <strong>de</strong> <strong>de</strong>scaracterizá-lo como tal. Uma<br />

referência, ao contrário, po<strong>de</strong> ser secionada à vonta<strong>de</strong> e cada uma<br />

<strong>de</strong>ssas seções acaba sendo também uma referência. Não é possível, ou<br />

melhor, não tem sentido prático montar mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong>stina<strong>dos</strong> a<br />

enquadrar tipos <strong>de</strong> interiores das nossas <strong>igrejas</strong> do setecentos. Seria<br />

necessário juntar uma quantida<strong>de</strong> extraordinária <strong>de</strong> variáveis e costurálas<br />

num trabalho <strong>de</strong> gineceu. Depois, simplesmente não teríamos o que<br />

fazer com o resultado. Ele seria aplicável a um ou dois casos. 55 Muito<br />

54 Uma notável exceção seria a igreja da Jaguara na região rural <strong>de</strong> Matosinhos,<br />

criação do Aleijadinho. A igreja está em ruínas, fruto <strong>de</strong> <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> anos <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sinteresse <strong>dos</strong> antigos ingleses administradores da Mina <strong>de</strong> Morro Velho que ali<br />

mantinham uma proprieda<strong>de</strong> rural. O altar, contudo, foi preservado e doado por eles<br />

e hoje adorna a matriz <strong>de</strong> Nova Lima em total <strong>de</strong>sarmonia com o conjunto da igreja, a<br />

<strong>de</strong>speito da maravilhosa obra que é. Junto com os antigos altares hoje preserva<strong>dos</strong> na<br />

matriz <strong>de</strong> Diamantina, ficaria melhor em um museu. Ouvi notícias <strong>de</strong> que a igreja da<br />

Jaguara vai ser reconstruída e o retábulo voltará a seu antigo lugar. Torço por isso.<br />

55 É certo, como dissemos, que existem elementos na <strong>de</strong>coração interna das <strong>igrejas</strong><br />

setecentistas muito característicos e quase sempre presentes. Por exemplo: nichos com<br />

baldaquinos, retábulos la<strong>de</strong>a<strong>dos</strong> por colunas torsas e/ou em quartelas, púlpitos em<br />

46


trabalho por pouco. Por outro lado, os elementos externos <strong>de</strong> um<br />

templo setecentista são relativamente limita<strong>dos</strong>. É possível juntá-los,<br />

<strong>de</strong>limitá-los, perceber a niti<strong>de</strong>z das suas particularida<strong>de</strong>s e até configurálos<br />

como mo<strong>de</strong>los. Depois <strong>de</strong>sses mo<strong>de</strong>los prontos, vamos constatar<br />

que eles são aplicáveis a gran<strong>de</strong> maioria <strong>dos</strong> casos. Enfim, penso que<br />

po<strong>de</strong>mos recorrer a mo<strong>de</strong>los quando tratamos do geral e a referências<br />

quando falamos do particular. Não há nada mais particular do que o<br />

interior <strong>de</strong> uma igreja barroca.<br />

Há <strong>de</strong> se consi<strong>de</strong>rar, também, que as convergências e<br />

divergências da tipologia das <strong>igrejas</strong> mineiras têm a mesma natureza do<br />

conflito natural que existe entre o espaço e o tempo. Quando falamos<br />

<strong>de</strong> espaço a tipologia é bem comportada, plenamente a<strong>de</strong>quada,<br />

aca<strong>de</strong>micamente perfeita. Porém, quando introduzimos o fator tempo,<br />

a coisa se expan<strong>de</strong> profundamente e o resultado final é a diversida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>ntro da unida<strong>de</strong>, sendo esse um traço dominante, tão característico da<br />

arquitetura religiosa setecentista mineira. Essa distinção é que nos<br />

permite enten<strong>de</strong>r porque encontramos num mesmo altar ou fachada,<br />

estilos que <strong>de</strong>veriam guardar distancia entre si do ponto <strong>de</strong> vista<br />

cronológico. De fato, o espaço é o mesmo mas o tempo é muito<br />

diferente. Daí resulta a verda<strong>de</strong>ira mágica que são certos resulta<strong>dos</strong> que<br />

po<strong>de</strong>mos contemplar em muitas das nossas <strong>igrejas</strong>. Atuando ainda a<br />

favor <strong>de</strong> toda essa diversida<strong>de</strong> há <strong>de</strong> se lembrar <strong>dos</strong> estilos individuais<br />

<strong>dos</strong> nossos inúmeros artistas setecentista que, longe das matrizes<br />

europeias, sem prima-donas e libera<strong>dos</strong> <strong>de</strong> controles acadêmicos,<br />

restavam livres para criar.<br />

Mas, apesar <strong>de</strong> todas as diversida<strong>de</strong>s, procedido o corte<br />

temporal <strong>de</strong> que falamos à pouco, po<strong>de</strong>mos perceber que nossas <strong>igrejas</strong><br />

realmente têm i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e há um forte amálgama cultural unindo-as.<br />

Em gran<strong>de</strong>s linhas, as <strong>igrejas</strong> <strong>antigas</strong> brasileiras tiveram como<br />

origem comum o chamado estilo jesuítico que <strong>de</strong> resto abraçou o uso<br />

do barroco como um <strong>dos</strong> marcos da briga da contrarreforma. Os<br />

seguidores <strong>de</strong> santo Inácio <strong>de</strong> Loiola encontraram na nova estética <strong>dos</strong><br />

séculos XVII/XVIII uma eloqüente forma para expressar<br />

forma <strong>de</strong> cálice, etc. Porém, mesmo assim, sempre estão presentes <strong>de</strong>talhes que os<br />

individualizam.<br />

47


artisticamente sua reação aguerrida contra a expansão do<br />

protestantismo. Para alguns autores, o que a igreja católica visou<br />

adotando o barroco, foi seduzir os espíritos usando como base estética<br />

a retratação do sentimento expresso no enlevo e no êxtase, do qual, a<br />

Santa Teresa <strong>de</strong> Bernini é a síntese perfeita. Para outros o foco foi a<br />

restauração da credibilida<strong>de</strong> nas crenças da igreja - ameaçadas pelos<br />

seguidores <strong>de</strong> Lutero - por meio do reconhecimento da sua autorida<strong>de</strong><br />

inconteste para preservar a divinda<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssas crenças. A partir <strong>de</strong>ssa<br />

intenção - que seduziu também os reis - o barroco teria se tornado a<br />

linguagem do exibicionismo do po<strong>de</strong>r absoluto. Sua obsessão pela<br />

sensação do movimento e principalmente seu empenho na violação do<br />

natural, serviram como expressão do ilimitado, do incontido, do<br />

infinito, enfim: <strong>de</strong> tudo po<strong>de</strong>r sobre o céu e sobre a terra. Pois que o<br />

po<strong>de</strong>r <strong>dos</strong> soberanos <strong>de</strong>rivava da sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se interpor entre<br />

Deus e a natureza e estaria contido na autorida<strong>de</strong> por ele <strong>de</strong>legada para<br />

recriá-la. Foi isso que permitiu a Luiz XIV tomar o lugar do sol da<br />

França. Então o barroco veio entronizar o po<strong>de</strong>r inconteste <strong>de</strong> reis e<br />

papas para aniquilar as ameaças sobre as coisas terrenas e divinas,<br />

principalmente quando provenientes das assembleias <strong>dos</strong> duques ou do<br />

colégio <strong>dos</strong> car<strong>de</strong>ais. E assim se espalhou rapidamente por templos,<br />

praças e palácios do velho mundo e <strong>de</strong> suas colônias.<br />

Sem dúvida, muito mais do que estandarte do zelo místico <strong>dos</strong><br />

jesuítas, o barroco foi mesmo a estética do absolutismo. Mesmo<br />

porque, umas boas décadas separam o fim do Concílio <strong>de</strong> Trento, da<br />

febre criadora <strong>de</strong> Bernini, Borromini e Cortona. Na verda<strong>de</strong>, o<br />

protestantismo grassou rapidamente, não <strong>de</strong>vido a algum arrefecimento<br />

do fervor religioso católico, mas sim porque muitos príncipes estavam<br />

loucos para se verem livres das ingerências terrenas do Papa. Para evitar<br />

isso a nova estética foi, sem embargo, uma reação tardia que acabou<br />

dando no que <strong>de</strong>u. Assim, <strong>de</strong> certa forma o que os inacianos<br />

conseguiram patrocinando entusiasticamente as volutas do Barroco -<br />

além <strong>de</strong> acalmar fra<strong>de</strong>s recalcitrantes - foi mesmo reconfortar<br />

invetera<strong>dos</strong> carolas. 56 Indubitavelmente ele é em gran<strong>de</strong> medida a<br />

expressão da arrogância e prepotência da autorida<strong>de</strong>, esta coisa rica,<br />

56 Quando o Barroco estava no auge, basicamente quem tinha que virar protestante já<br />

tinha virado e quem tinha <strong>de</strong> continuar católico já tinha continuado e isso persistiu<br />

nos séculos seguintes.<br />

48


santa e gloriosa capaz <strong>de</strong> construir coisas além do natural. Mas há um<br />

complicador: como explicar que uma i<strong>de</strong>ologia absolutista tenha gerado<br />

uma arte tão livre, tão emocionante e tão esteticamente antidogmática?<br />

Eis o paradoxo do barroco: Deus é divino e os soberanos são sua<br />

autorida<strong>de</strong> sobre a terra, mas o que transforma a natureza é a força da<br />

razão <strong>de</strong> que todo homem é dotado, para o bem e para o mal. Essa é,<br />

enfim, a i<strong>de</strong>ia essencial que completou a ruptura com o passado<br />

medieval, arejando o pensamento e alargando os horizontes <strong>dos</strong><br />

artistas. Nesse ponto o renascimento e o barroco se tocam fortemente,<br />

ainda que o artista renascentista tenha almejado a perfeição em<br />

reproduzir <strong>de</strong> forma estática uma natureza perfeita, recém libertada, e o<br />

artista barroco tenha almejado retratar uma natureza dinâmica e<br />

transformável em novas formas e movimentos. 57 Fato é que a razão e a<br />

admiração pelas capacida<strong>de</strong>s humanas, re<strong>de</strong>scobertas no renascimento,<br />

estavam <strong>de</strong>finitivamente instaladas e daí para a frente a fé teria que<br />

conviver com isso. Por esse lado, o barroco também po<strong>de</strong> ser visto<br />

como a expressão <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> conflito espiritual que não<br />

conseguindo resolver seus paradoxos se contorcia furiosamente. Na<br />

verda<strong>de</strong> esta é a minha interpretação favorita. O barroco é claramente<br />

uma linguagem <strong>de</strong> fortes emoções e não há emoção mais forte do que a<br />

agonia do conflito entre a fé e a razão. Hoje isso está inteiramente fora<br />

<strong>de</strong> moda, mas na passagem do século XVII para o século XVIII era<br />

uma questão crucial, a inquietar palácios e mosteiros. Enfim, a minha<br />

teoria sobre o surgimento do barroco é simples. Baseia-se no<br />

entendimento <strong>de</strong> que a agonia advinda do terrível embate entre fé e<br />

razão exacerbou a paixão e esta explodiu da única forma que podia:<br />

gerando uma linguagem estética exageradamente emocional. Assim,<br />

pela sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> provocar forte impacto, o barroco acabou sendo<br />

mesmo um instrumento muito útil para reis, papas e jesuítas tentarem<br />

sensibilizar o mundo para a legitimida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suas respectivas convicções.<br />

Reis e papas tentando causar admiração diante <strong>de</strong> seu po<strong>de</strong>r e os<br />

jesuítas tentando provocar êxtase diante da divinda<strong>de</strong> da Santa Madre<br />

Igreja. A partir daí gran<strong>de</strong>s artistas pu<strong>de</strong>ram, enfim, atenuar o terrível<br />

57 Se você quiser enten<strong>de</strong>r melhor as diferenças, sugiro comparar o David <strong>de</strong><br />

Michelangelo com o <strong>de</strong> Bernini. Enquanto o primeiro está estático, posando<br />

majestoso seus músculos <strong>de</strong>scansa<strong>dos</strong> para a posterida<strong>de</strong>; o segundo gesticula e se<br />

contorce, usando sua força para buscar garantir um lugar num futuro incerto. No<br />

David <strong>de</strong> Bernini, Golias certamente está presente embora não possa ser visto.<br />

49


sofrimento proveniente <strong>de</strong> suas indagações filosóficas insolúveis, sob<br />

os luxuosos tetos <strong>de</strong> seus mecenas.<br />

Por conta da contradição impregnada em suas bases, o barroco<br />

já nasceu prevendo o seu cansaço. O divino se humanizou rapidamente<br />

e então o glorioso simplificou-se e se tornou <strong>de</strong>corativo. Foi assim que<br />

ele ganhou uma sobrevida e atravessou com certa vitalida<strong>de</strong> todo o<br />

século XVIII nas nossas bandas, produzindo suas mais belas <strong>igrejas</strong><br />

exatamente quando o Ciclo do Ouro já estava <strong>de</strong>clinante.<br />

Os mo<strong>de</strong>los primitivos <strong>dos</strong> templos barrocos jesuíticos foram<br />

<strong>igrejas</strong> essencialmente renascentistas, construídas pelos padres <strong>de</strong> Jesus<br />

ainda no século XVI em Roma e mais tar<strong>de</strong> em Lisboa. Contudo, os<br />

cânones estabeleci<strong>dos</strong> pelos jesuítas tiveram menor influencia na<br />

arquitetura religiosa barroca mineira pois, como se recorda, as or<strong>de</strong>ns<br />

primeiras foram proibidas <strong>de</strong> se estabelecer na capitania <strong>de</strong> <strong>Minas</strong>. De<br />

fato, no auge do Ciclo do Ouro, o po<strong>de</strong>r <strong>dos</strong> jesuítas no Brasil já estava<br />

inteiramente minado pela ojeriza pombalina, o que culminou com sua<br />

expulsão do país em 1759. Em conseqüência, os artistas mineiros<br />

tiveram mais liberda<strong>de</strong> para exercer sua criativida<strong>de</strong> o que <strong>de</strong> fato<br />

fizeram, especialmente na última fase. 58<br />

Relevante é lembrar que, especialmente o barroco brasileiro,<br />

não foi um instrumento <strong>de</strong> persuasão i<strong>de</strong>ológica. Isso porque, por um<br />

lado - salvo os perigos das invasões holan<strong>de</strong>sas - os protestantes nunca<br />

foram <strong>de</strong> fato, uma ameaça por aqui naqueles tempos. 59 Por outro lado,<br />

d. João V nunca teve mesmo que justificar sua real vonta<strong>de</strong> aos seus<br />

súditos d’aquém ou d’além mar. Daí que nosso barroco,<br />

58 Há registros <strong>de</strong> artistas que trabalharam em <strong>igrejas</strong> no litoral e que <strong>de</strong>pois vieram<br />

para <strong>Minas</strong> e, sem dúvida, acrescentaram muita coisa na formação do estilo barroco<br />

mineiro. Estou me referindo especialmente a Francisco Xavier <strong>de</strong> Brito que trabalhou<br />

na magnífica igreja do mosteiro <strong>de</strong> São Francisco do Rio <strong>de</strong> Janeiro antes <strong>de</strong> vir para<br />

<strong>Minas</strong> e <strong>de</strong>ixar marcas <strong>de</strong> suas obra em várias <strong>de</strong> nossas <strong>igrejas</strong>. Ele é autor da genial<br />

estátua do Cristo Alado que se encontra no templo franciscano do Rio e que se<br />

rivaliza com as melhores obras do Mestre Aleijadinho. É tido também como o<br />

introdutor das pilastras em quartela, tão usadas nos altares <strong>de</strong> nossas <strong>igrejas</strong><br />

setecentistas.<br />

59 Está certo que os holan<strong>de</strong>ses tinham mania <strong>de</strong> <strong>de</strong>struir os templos católicos das<br />

regiões dominadas o que fizeram com prazer, pelo nor<strong>de</strong>ste à fora. Mas isso não<br />

ren<strong>de</strong>ria nenhum divi<strong>de</strong>ndo a Lutero.<br />

50


particularmente o mineiro, figurou como algo culturalmente mais<br />

autêntico e livre que brotou da terra para o céu ao contrário do que<br />

aconteceu na Europa. Eis o moto da sua evolução a que muitos autores<br />

chamam ina<strong>de</strong>quadamente <strong>de</strong> retardatária. Mesmo que seja, se tornou<br />

original e foi assim que o rococó entre nós, ainda que assentado numa<br />

economia <strong>de</strong>clinante, teve forças para avançar e explodir <strong>de</strong><br />

criativida<strong>de</strong>.<br />

Muitos historiadores da nossa arte, impregna<strong>dos</strong> daquela<br />

pegajosa mentalida<strong>de</strong> neocolonialista que tanto os caracteriza, gostam<br />

<strong>de</strong> menosprezar o <strong>de</strong>scompasso cronológico existente entre as matrizes<br />

europeias da nossa cultura setecentista e a produção cultural realizada<br />

aqui naquele tempo. Assim é com a nossa música, pintura e arquitetura.<br />

Convém não esquecer, contudo, que no princípio do século XVIII<br />

uma ramificação tardia do barroco italiano ainda produzia belas obras<br />

pela Europa a fora e que o rococó só nasceu por volta <strong>de</strong> 1730. Não<br />

mais do que um quarto <strong>de</strong> século <strong>de</strong>pois, essas manifestação já<br />

inspiravam nossos talentosos artistas setecentistas e essa inspiração<br />

<strong>de</strong>ixou marcas gloriosas.<br />

Indispensável reparar que a primeira fase do barroco brasileiro<br />

marca a atuação <strong>de</strong> estrangeiros – fra<strong>de</strong>s italianos e artesãos portugueses<br />

– enquanto a segunda fase <strong>de</strong>ve sua força à notável atuação <strong>de</strong> artistas<br />

brasileiros, geralmente bastar<strong>dos</strong>, mulatos e autoditadas. Pensando<br />

nisso seria justo admitir que as coisas até que andaram muito <strong>de</strong>pressa<br />

por aqui. Principalmente se lembrarmos que esses criadores talentosos<br />

estavam concentra<strong>dos</strong> em umas longínquas montanhas do longínquo<br />

vice-reino do Brasil, acessível somente após uma viagem <strong>de</strong> penosos<br />

dois meses <strong>de</strong> duração, se muito vento e pouca chuva ajudassem.<br />

Não falta quem menospreze nossa arte colonial em geral. Aliás,<br />

a arte barroca como um todo, sempre foi muito controvertida. Ainda<br />

hoje, <strong>de</strong> forma mais ou menos velada, pesa a convicção <strong>de</strong> que ela é<br />

essencialmente uma filha imperfeita do Renascimento. Fruto que<br />

brotou para acomodar artistas menores que não conseguiram sustentar<br />

a trajetória iniciada pelos mestres geniais do século XVI que, por conta<br />

<strong>de</strong> magníficos, ilumina<strong>dos</strong> e serenos soberanos, embriagavam o povo<br />

<strong>de</strong> arte nas praças <strong>de</strong> Florença, Roma e Veneza. Esse tipo <strong>de</strong><br />

interpretação é conseqüência <strong>de</strong> uma mania infeliz. Penso que a<br />

comparação valorativa <strong>de</strong> movimentos artísticos não tem muito<br />

51


sentido. Eles são expressão da cultura e do momento histórico em que<br />

estão inseri<strong>dos</strong>. Como tal, não são bons nem ruins, melhores ou piores.<br />

Po<strong>de</strong>mos gostar mais ou gostar menos <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> obras<br />

característico <strong>de</strong> uma ou outra escola, país ou tempo. É uma questão<br />

pessoal e como tal, da mesma forma, não admite muita discussão. Não<br />

obstante, volta e meia nos <strong>de</strong>paramos com comentários eruditos<br />

<strong>de</strong>stina<strong>dos</strong> a convencer que a arte renascentista é maior do que a arte<br />

barroca e que o barroco italiano é melhor do que o português ou o<br />

espanhol e que estes são melhores do que o das suas colônias<br />

americanas. Tudo isso parece óbvio e ninguém precisa nos convencer<br />

da magnificência da cultura europeia <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que Roma é Roma.<br />

Também, em matéria <strong>de</strong> formação cultural, um par <strong>de</strong> milênios faz<br />

enorme diferença. Convém não esquecer, contudo, que muito <strong>de</strong>ssa<br />

magnificência resultou <strong>de</strong> espólios <strong>de</strong> países subjuga<strong>dos</strong>, perpetra<strong>dos</strong> ao<br />

longo <strong>dos</strong> séculos. Por exemplo, na própria Europa: o bronze do<br />

Panteon <strong>de</strong> Atenas que Bernini dilapidou para lapidar as colunas torsas<br />

<strong>de</strong> seu incomparável baldaquino na Capela Sistina. Sem <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong><br />

mencionar, também, a esplendorosa pare<strong>de</strong> <strong>de</strong> nichos da Catedral <strong>de</strong><br />

Sevilha, feita com ouro tomado <strong>dos</strong> nativos do México e do Peru. De<br />

resto, por aqui aproveitamos muito bem o que sobrou, algum tempo<br />

<strong>de</strong>pois.<br />

Está certo que o barroco envelheceu o renascimento, jogando<br />

sobre ele sombras e rugas e o rococó, a seu modo infantil, <strong>de</strong>volveu a<br />

luz e aplainou as rugas. Também se po<strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r que o barroco é<br />

fruto do vazio que Miguelangelo <strong>de</strong>ixou e Bernini não conseguiu <strong>de</strong><br />

todo preencher. Mas, na sequência, também Bernini <strong>de</strong>ixou um vazio e<br />

foi esse o barroco que chegou até nós. São tênues <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong>s que<br />

saco<strong>de</strong>m uma dada trajetória como a própria dinâmica da História faz.<br />

Tais <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong>s não necessariamente diminuem a fase que não<br />

manteve a glória do período que a antece<strong>de</strong>u pois esta, certamente,<br />

buscou e encontrou a sua própria. E a arte barroca aqui e acolá, fez o<br />

que a arte sempre faz: transformou e foi transformada pela sua época.<br />

Peneirando tudo isso, acho que po<strong>de</strong>mos nos sentir<br />

<strong>de</strong>scontraí<strong>dos</strong> com o que sobrou e aptos para examinar alguns <strong>dos</strong><br />

mo<strong>de</strong>los e referências característicos das <strong>igrejas</strong> setecentistas mineiras.<br />

Numa abordagem bastante genérica po<strong>de</strong>mos agrupar nossas<br />

<strong>igrejas</strong> em duas fases, correspon<strong>de</strong>ntes grosseiramente à primeira e<br />

segunda meta<strong>de</strong>s do século XVIII. Basicamente, i<strong>de</strong>ntificamos tais<br />

52


fases exatamente como fase barroca e fase rococó. Para nós leigos, essa<br />

distinção é um tanto difícil, mas ao mesmo tempo quase <strong>de</strong>snecessária.<br />

No geral, o que importa mesmo é saber que as <strong>igrejas</strong> mineiras do<br />

setecentos são essencialmente barrocas e que isso significa a união da<br />

arquitetura, da escultura e da pintura, numa interligação harmônica em<br />

busca da emoção contida no compromisso místico e prazer estético<br />

advin<strong>dos</strong> da sensação <strong>de</strong> movimento provocado pela contemplação <strong>de</strong><br />

formas recortadas em linhas curvas profusamente entrelaçadas. Tudo<br />

isso temperado com cores fortes, especialmente o dourado, o azul e o<br />

vermelho e com posturas dinâmicas <strong>de</strong> figuras humanas. Num segundo<br />

momento isso tudo se simplifica e há mais luz e alegria. Mas a evolução<br />

foi natural e não precisou <strong>de</strong> <strong>de</strong>bates teológicos para justificar a<br />

diferença: ficou nas competentes mãos <strong>de</strong> artistas, muitos <strong>dos</strong> quais<br />

mulatos, pobres e bastar<strong>dos</strong>. Portanto meu caro leitor, não se aflija<br />

tanto com aquelas obscuras teorias sobre o barroco e suas<br />

contradições. Não importa muito quem é mais glorioso: Deus, o papa<br />

ou o rei. Consi<strong>de</strong>re apenas que o artista barroco, especialmente o<br />

pintor, abomina a i<strong>de</strong>ia do estático e tenta imprimir na figura retratada,<br />

a sensação dinâmica <strong>de</strong> que o gesto reproduzido é apenas um momento<br />

que capta um movimento que foi precedido por um outro gesto e que<br />

será seguido por um terceiro. A figura contemplativa barroca não está<br />

inerte nem passiva. Ao contrário, gesticula <strong>de</strong> alguma forma tentando se<br />

comunicar dramaticamente com a divinda<strong>de</strong>, objeto da contemplação.<br />

Na segunda fase da trajetória do barroco em <strong>Minas</strong>, como<br />

mencionamos, há uma nítida simplificação com predominância da<br />

intenção <strong>de</strong> agradar mais pelo <strong>de</strong>corativo do que extasiar pelo místico.<br />

Eis enfim o rococó assumindo o lugar que já lhe estava reservado. Deus<br />

se aloja, mais uma vez no meio <strong>dos</strong> seus fiéis e brinca com eles <strong>de</strong><br />

forma mais singela e <strong>de</strong>scontraída. 60<br />

60 Po<strong>de</strong>m parecer não muito claras as ligações instrumentais do barroco com a contrareforma<br />

ou com o absolutismo. O rococó porém, sem dúvida tem muito a ver com a<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tornar mais tolerável a vivência em espaços menores, tornando-os<br />

mais agradáveis através <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>coração mais leve e repousante. Tal era a realida<strong>de</strong><br />

da França <strong>de</strong> Luiz XV, mais pobre do que a <strong>de</strong> Luiz XIV e com a nobreza tendo que<br />

se arrumar nos menores espaços <strong>de</strong> Paris <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r as mordomias <strong>de</strong> Versailles<br />

e sem ânimo <strong>de</strong> retornar à ru<strong>de</strong>za das suas habitações campestres.<br />

53


Para a maioria <strong>de</strong> nós simples viajantes, talvez a principal<br />

distinção necessária à comparação e i<strong>de</strong>ntificação das nossas <strong>igrejas</strong><br />

setecentistas seja aquela que estabelece que os templos da primeira<br />

meta<strong>de</strong> do século são <strong>de</strong> interior mais rico e trabalhado e <strong>de</strong> exterior<br />

mais simples e os da segunda meta<strong>de</strong> têm seu exterior bastante<br />

trabalhado e seu interior mais simplificado, sóbrio e leve do que os da<br />

primeira meta<strong>de</strong>. Os exemplos clássicos que po<strong>de</strong>mos citar são a matriz<br />

<strong>de</strong> N. S. da Conceição <strong>de</strong> Antônio Dias (1727) e a igreja <strong>de</strong> São<br />

Francisco <strong>de</strong> Assis em Ouro Preto (1766), ou ainda a N. S. da<br />

Conceição (1714) e a igreja do Carmo em Sabará (1763). Basta, penso<br />

eu, comparar o interior e exterior <strong>de</strong> cada uma <strong>de</strong>las entre si e reparar<br />

a natureza das diferenças. Eis a essência <strong>dos</strong> tipos <strong>de</strong> cada fase a nos<br />

tornar capazes <strong>de</strong> distinguir, admirar e gozar as diferenças entre o<br />

barroco e o rococó. 61<br />

Um outro parâmetro importante <strong>de</strong> caracterização <strong>dos</strong> nossos<br />

templos setecentistas é o plano <strong>de</strong> distribuição <strong>dos</strong> seus espaços<br />

internos. Ele, com maior ou menor grau <strong>de</strong> variação, obe<strong>de</strong>ce a uma<br />

planta distribuída conforme o mo<strong>de</strong>lo que se segue, baseado na<br />

chamada cruz latina. O corpo maior é constituído pela nave a que se<br />

acessa diretamente por uma gran<strong>de</strong> porta frontal e portas laterais<br />

menores. É on<strong>de</strong> a maioria <strong>dos</strong> fieis se posta para acompanhar os<br />

ofícios. O piso da nave é assoalhado, mais alto nas laterais e na frente e<br />

guarnecido por balaustradas. Nesse plano mais elevado estão os altares<br />

laterais. À frente da nave há uma abertura encimada por um arco (arco<br />

cruzeiro) que a liga a um recinto menor, num plano mais elevado e mais<br />

estreito que é a capela mor, no fundo da qual se ergue o altar mor on<strong>de</strong><br />

está a imagem do padroeiro ou orago do templo. O altar está numa<br />

espécie <strong>de</strong> plataforma que se alcança após alguns <strong>de</strong>graus geralmente <strong>de</strong><br />

pedras chamado presbitério. Nas laterais do arco cruzeiro há um espaço<br />

que seria os braços da cruz latina ou o transepto. 62 O pé direito da nave<br />

61 Logo adiante trataremos da distinção <strong>de</strong> fases com base nas características <strong>dos</strong><br />

retábulos <strong>dos</strong> altares.<br />

62 Alguns autores preferem consi<strong>de</strong>rar que a cruz latina e conseqüentemente o<br />

transepto, só existem quando há corredores laterais se abrindo para a nave e<br />

ampliando seu espaço. Não compartilho <strong>de</strong>ssa opinião e tomo a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r<br />

que sempre que a capela mor é mais estreita do que a nave, que é o que acontece com<br />

praticamente todas as nossa <strong>igrejas</strong>, está caracterizada a cruz latina.<br />

54


é mais alto do que o da capela mor. Nas laterais há corredores<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes que contornam a nave e/ou a capela mor e vão até o<br />

fundo da igreja on<strong>de</strong> está a sacristia, em geral equipada com um<br />

pequeno altar, uma espécie <strong>de</strong> chafariz ou lavabo e um gran<strong>de</strong> móvel <strong>de</strong><br />

gavetões chamado arcaz. Esses corredores são atravessa<strong>dos</strong> por portas<br />

que ligam as laterais da nave com o exterior da igreja. Existem ainda<br />

dois cômo<strong>dos</strong> que em geral se posicionam nas laterais da capela mor: o<br />

consistório, on<strong>de</strong> a irmanda<strong>de</strong> fazia suas reuniões ordinárias e a Capela<br />

do Santíssimo.<br />

Outros corredores laterais, no alinhamento do transepto, <strong>às</strong><br />

vezes se abrem para o interior da nave comunicando-se com este<br />

através <strong>de</strong> largos arcos e formando quase que naves adicionais. A<br />

comunicação entre esses ambientes normalmente é feita através <strong>de</strong> três<br />

arcos e esses cômo<strong>dos</strong> contíguos se chamam trifórios. Em cima <strong>dos</strong><br />

corredores estão as tribunas abertas para a capela mor e/ou para a nave.<br />

Elas são acessadas por escadarias que começam nos corredores laterais<br />

antes da entrada da sacristia. Na parte oposta da capela mor está o coro,<br />

suspenso logo após a porta <strong>de</strong> entrada, aberto para a nave. Olhado <strong>de</strong><br />

baixo as vezes são retos e as vezes têm um formato em curvas,<br />

semelhante <strong>às</strong> bestas (aquelas geringonças <strong>antigas</strong> usadas para atirar<br />

flechas) também chamado <strong>de</strong> “arbaleta”. É muito comum o coro se<br />

posicionar como uma peça in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da nave formando o segundo<br />

andar <strong>de</strong> uma espécie <strong>de</strong> vestíbulo que prece<strong>de</strong> a nave (átrio). Suspenso<br />

<strong>de</strong> cada lado da nave estão os púlpitos. O do lado direito é o da epístola<br />

e o do lado esquerdo é o do evangelho. Casualmente um ou outro altar<br />

da nave é substituído por uma pequena capela recuada, não raro<br />

guarnecida por uma balaustrada ou porta <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira torneada.<br />

O risco da fachada do templo setecentista também segue um<br />

mo<strong>de</strong>lo mais ou menos padronizado. A igreja está erigida num plano<br />

mais elevado a que se chega galgando alguns <strong>de</strong>graus. Está à frente <strong>de</strong><br />

uma área livre (adro) completada por uma praça ou largo. O corpo<br />

principal da fachada é reto e quase quadrado (frontispício). As quinas<br />

das laterais (cunhais) são guarnecidas por pilastras expostas <strong>de</strong> pedra<br />

ou ma<strong>de</strong>ira em ângulo reto ou arredondado conforme a forma das<br />

torres. Há molduras guarnecendo a porta (ombreiras) bem como<br />

pilastras eqüidistantes entre as ombreiras e os cunhais e no mesmo<br />

alinhamento da parte interna das torres, fazendo parecer que elas são<br />

peças in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes do corpo principal da fachada. Há uma gran<strong>de</strong><br />

porta <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira no centro da fachada, emoldurada por arranjos<br />

dispostos nas ombreiras e mais carrega<strong>dos</strong> na parte superior (verga)<br />

55


formando um conjunto chamado portada. Acima da portada há uma<br />

abertura arredondada para entrada <strong>de</strong> luz (óculo). Em plano mais<br />

elevado, <strong>de</strong> cada lado da porta, há janelões ou sacadas guarnecidas <strong>de</strong><br />

balaustradas. A luz natural que ilumina o interior da nave é garantida<br />

por janelões ou óculos nas laterais do templo, dispostos na parte<br />

superior entre os altares laterais. Na capela mor a iluminação natural é<br />

garantida por óculos menores <strong>de</strong> formato irregular.<br />

A parte quadrada, em cujo centro está a porta <strong>de</strong> entrada, é<br />

separada da parte superior por uma trave exposta reta ou curva <strong>de</strong><br />

ma<strong>de</strong>ira ou pedra (cimalha) que corta a frente <strong>de</strong> fora a fora, pegando<br />

inclusive as colunas das torres e contornando o óculo. Às vezes é<br />

apenas uma espécie <strong>de</strong> beiral coberto <strong>de</strong> telhas. Em cima e no centro<br />

<strong>de</strong>ssa trave, à frente do telhado da nave, está uma pare<strong>de</strong> (empena) <strong>de</strong><br />

forma triangular <strong>de</strong> corte reto ou em curvas trabalhadas (frontão) com<br />

gran<strong>de</strong>s pinhas nas laterais (coruchéus). A parte <strong>de</strong> cima se alarga<br />

formando um pe<strong>de</strong>stal (acrotério) em cima do qual está uma cruz. Na<br />

parte central do frontão (tímpano) po<strong>de</strong> estar um óculo redondo ou<br />

irregular. Nas laterais está a parte <strong>de</strong> cima <strong>de</strong> duas torres quadradas ou<br />

redondas um pouco mais altas do que o frontão. Têm coberturas<br />

afuniladas, altas ou achatadas, redondas ou piramidadas, encimadas,<br />

cada uma, por uma cruz ou ponta (pináculo). Essa cobertura <strong>às</strong> vezes é<br />

revestida <strong>de</strong> telhas formando um telhado em quatro águas.<br />

Como exercício didático para ilustrar o quanto nossas <strong>igrejas</strong><br />

são variadas e refratárias à uma padronização, vamos examinar alguns<br />

casos em que elas não se enquadram nos mo<strong>de</strong>los acima.<br />

Igreja <strong>de</strong> N. S. do Ó <strong>de</strong> Sabará (1717) – A fachada é chanfrada e<br />

não reta. Há uma única torre e não há empena. A torre repousa sobre o<br />

próprio corpo principal da fachada. Esse mesmo traço po<strong>de</strong> ser<br />

observado em pelo menos mais quatro outras <strong>igrejas</strong> da região: a N. S.<br />

do Rosário <strong>de</strong> Santa Bárbara , a São Francisco <strong>de</strong> Caeté, a N. S. Rainha<br />

<strong>dos</strong> Anjos <strong>de</strong> Mariana e a Santa Quitéria <strong>de</strong> Catas Altas.<br />

Igreja <strong>de</strong> N. S. do Carmo <strong>de</strong> Mariana (1784) – As torres estão<br />

atrás do frontão e repousam sobre o corpo principal da fachada<br />

<strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> ser peças in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes coladas <strong>às</strong> laterais.<br />

Igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Assis <strong>de</strong> Ouro Preto (1766) – As<br />

torres estão posicionadas em plano diferente e atrás do corpo principal<br />

56


da fachada e seu respectivo frontão cujas extremida<strong>de</strong>s diferenciadas<br />

repousam diretamente nas colunas do corpo principal da fachada. Não<br />

há óculo. O <strong>de</strong>snível do plano das torres com o frontispício ocorre<br />

também na igreja <strong>de</strong> N. S. do Carmo, vizinha (também <strong>de</strong> 1766), porém<br />

nesta as laterais e bases <strong>de</strong> sustentação das torres são mais retilíneas.<br />

Ambos os riscos são do mestre Antônio Francisco Lisboa. Essa mesma<br />

disposição das torres po<strong>de</strong> ser encontrada em outra igreja <strong>de</strong> São<br />

Francisco <strong>de</strong> Assis, on<strong>de</strong> o Aleijadinho também trabalhou, a <strong>de</strong> São<br />

João <strong>de</strong>l Rei (1772).<br />

Outra particularida<strong>de</strong> interessante do plano arquitetônico da<br />

igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Assis <strong>de</strong> Ouro Preto são as sacadas laterais<br />

num plano elevado, se abrindo para o exterior.<br />

Igreja <strong>de</strong> N. S. do Rosário <strong>de</strong> Ouro Preto (1762) – A fachada é<br />

inteiramente arredondada e a curva do frontispício e a da base das<br />

torres formam um arco único. A porta não está postada no corpo da<br />

fachada mas sim no fundo <strong>de</strong> uma espécie <strong>de</strong> alpendre (galilé) que<br />

antece<strong>de</strong> a entrada da nave e que se liga ao exterior através <strong>de</strong> três<br />

aberturas encimadas por arcos perfeitos. Essa solução também existe na<br />

igreja <strong>de</strong> São Pedro <strong>dos</strong> Clérigos <strong>de</strong> Mariana, porém a forma elíptica<br />

pega apenas a nave, sendo a fachada inteiramente reta.<br />

Igreja <strong>de</strong> N. S. da Glória em Passagem (Mariana) – A torre fica<br />

ao nível do chão, do lado do portão <strong>de</strong> entrada no adro da igreja.<br />

Também po<strong>de</strong>mos observar essa disposição na capelinha do Padre<br />

Faria em Ouro Preto e na igreja da Confraria do Cordão <strong>de</strong> São<br />

Francisco em Santa Bárbara.<br />

Igreja <strong>de</strong> São João Batista <strong>de</strong> Barão <strong>de</strong> Cocais (1763) – Não há<br />

propriamente a cruz latina. A capela mor é da mesma largura da nave e<br />

tem forma arredondada, semelhante a uma absi<strong>de</strong>.<br />

Há inúmeras outras exceções, especialmente quando vamos nos<br />

afastando do perímetro Sabará/Ouro Preto/Mariana.<br />

Como salientamos antes, quando falamos das particularida<strong>de</strong>s<br />

do interior das <strong>igrejas</strong> setecentistas as diversida<strong>de</strong>s são<br />

significativamente maiores do que aquelas verificadas no plano exterior<br />

que, <strong>de</strong> resto, oferece mesmo muito menos espaço para exercício da<br />

57


criativida<strong>de</strong>. É então que preferimos falar <strong>de</strong> referências do que falar <strong>de</strong><br />

mo<strong>de</strong>los.<br />

Existe uma tipologia <strong>de</strong> altares e adornos que po<strong>de</strong> ser uma<br />

referência comparativa útil. 63 Os especialistas costumam i<strong>de</strong>ntificar três<br />

fases na trajetória barroca <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> altares e adornos internos<br />

das <strong>igrejas</strong> do século XVIII, em <strong>Minas</strong>. A primeira <strong>de</strong>las vai até 1740 e<br />

se caracteriza pelo uso <strong>de</strong> arcos concêntricos profusamente talha<strong>dos</strong><br />

(arquivoltas), emoldurando o frontal <strong>dos</strong> altares (retábulos). Estes se<br />

apresentam fundamente encrava<strong>dos</strong> nas grossas pare<strong>de</strong>s das naves<br />

formando verda<strong>de</strong>iras grutas. A composição da talha, via <strong>de</strong> regra,<br />

representa pequenas e abundantes figuras da fauna (zoomorfas) e da<br />

flora (fitomorfas) talhadas <strong>de</strong> forma mais superficial e <strong>de</strong>lgada. A<br />

imagem se apoia num trono mais baixo em formato <strong>de</strong> cântaro. Esses<br />

tipos são classifica<strong>dos</strong> genericamente como do estilo “nacional<br />

português”. Os exemplos mais característicos seriam os altares das<br />

<strong>igrejas</strong> <strong>de</strong> N. Senhora do Ó <strong>de</strong> Sabará (1717) e <strong>de</strong> N. S. <strong>de</strong> Nazaré <strong>de</strong><br />

Cachoeira do Campo (1725).<br />

A segunda fase vai até 1760 e se caracteriza pelo aparecimento<br />

do cortinado (<strong>dos</strong>sel) aberto no alto do retábulo, interrompendo ou<br />

encimando a volta do arco. Há normalmente duas colunas: uma interna<br />

que contorna o trono e uma externa que arremata o conjunto. Entre<br />

uma e outra coluna há dois nichos com imagens secundárias. A imagem<br />

principal passa a se apoiar num trono alto cujo comprimento se eleva<br />

<strong>de</strong> tal forma que resta pouco espaço entre ela e o arco. Os altares<br />

laterais ainda parecem encrava<strong>dos</strong> nas pare<strong>de</strong>s das naves, porém <strong>de</strong><br />

forma menos profunda do que na fase anterior. Boa parte do seu perfil<br />

avança para fora <strong>de</strong> forma mais generosa. A talha é mais profunda e<br />

rotunda enchendo os espaços com abundância e obesida<strong>de</strong>. Gor<strong>dos</strong><br />

anjinhos <strong>de</strong> corpo inteiro são exageradamente usa<strong>dos</strong>. As colunas são<br />

em geral torsas e robustas, enlaçadas <strong>de</strong> ramagens carregadas. Começam<br />

a surgir colunas retas, esculpidas em médio relevo como se fossem<br />

compri<strong>dos</strong> pe<strong>de</strong>stais (quartelas). Esses tipos <strong>de</strong> retábulo são<br />

i<strong>de</strong>ntifica<strong>dos</strong> como do estilo “d. João V”.<br />

63 A maioria <strong>dos</strong> registros sobre nossas <strong>igrejas</strong> barrocas, não diferenciam “altares” <strong>de</strong><br />

“retábulos”. Pessoalmente prefiro consi<strong>de</strong>rar que “altar” se refere ao conjunto<br />

ornamental como um todo e “retábulo” à parte da moldura externa que é exatamente<br />

a mais <strong>de</strong>corativa e trabalhada do conjunto. Portanto, o altar seria o conjunto formado<br />

basicamente pelo camarim, o trono e o retábulo.<br />

58


Na terceira fase, a partir <strong>de</strong> 1760, surge o rococó. O <strong>dos</strong>sel<br />

<strong>de</strong>saparece e o arco do retábulo passa a ser incompleto, interrompido<br />

por franjas (lambrequins), medalhões ou cobertos por semibaldaquinos<br />

ou falsos <strong>dos</strong>séis contorna<strong>dos</strong> por uma trave em arbaleta com<br />

lambrequins pingentes. Há dois tipos <strong>de</strong> colunas usadas<br />

simultaneamente: as torsas e <strong>de</strong>lgadas e as em forma <strong>de</strong> quartelas em<br />

médio relevo. Também estão enlaçadas por ramagens, porém elas são<br />

afiladas, simples filetes doura<strong>dos</strong>. Há sanefas acima do retábulo bem<br />

como altos dia<strong>de</strong>mas ou espaldares, especialmente nos altares laterais.<br />

Entre o plano externo e interno do retábulo aparece muitas vezes a<br />

superfície em forma <strong>de</strong> conchas invertidas. Nessa fase os altares laterais<br />

se apresentam encosta<strong>dos</strong> nas pare<strong>de</strong>s das naves como se fossem<br />

verda<strong>de</strong>iros moveis in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes. O talhe se torna menos profundo.<br />

Desaparecem as frutas e pássaros e em seu lugar surgem cabeças <strong>de</strong><br />

anjinhos compondo buquês, laços e flores. Os robustos anjinhos em<br />

corpo inteiro dão lugar a anjos longilíneos <strong>de</strong> conformação adulta. As<br />

figuras da Santíssima Trinda<strong>de</strong> aparecem com muita freqüência no alto<br />

do retábulo. Quase não há mais talha policromada mas sim frisos<br />

doura<strong>dos</strong> sobre fundo branco. A imagem continua a se apoiar numa<br />

alta coluna em forma <strong>de</strong> cascata com plataformas superpostas.<br />

Evi<strong>de</strong>ntemente não há unanimida<strong>de</strong> na aceitação <strong>de</strong>ssa<br />

tipologia. Alguns autores consi<strong>de</strong>ram que certos elementos da terceira<br />

fase são na verda<strong>de</strong> bastante primitivos, até mesmo anteriores à<br />

primeira fase, posto que muito comuns nas <strong>igrejas</strong> <strong>dos</strong> séculos XVI e<br />

XVII: as sanefas, baldaquinos e arcos frisa<strong>dos</strong>, por exemplo. Por outro<br />

lado, a cronologia das fases mencionadas é aplicável mais à região do<br />

triângulo entre Sabará, Vila Rica e São João <strong>de</strong>l Rei, pois, como se verá<br />

adiante, em Diamantina as <strong>igrejas</strong>, embora tenham sido construídas<br />

mais tar<strong>de</strong>, obe<strong>de</strong>cem predominantemente ao estilo da segunda fase.<br />

Especialmente no antigo arraial do Tijuco as fachadas <strong>dos</strong> templos são<br />

muito peculiares, fugindo bastante do mo<strong>de</strong>lo traçado há pouco. Lá<br />

encontramos invariavelmente, <strong>igrejas</strong> com torre única colocada à<br />

direita, à esquerda e até atrás <strong>dos</strong> templos. Predominam as fachadas <strong>de</strong><br />

sentido longitudinal, representado pela linha que vai da ponta da torre<br />

lateral até o pé do frontispício no lado oposto. Essa parece ser uma<br />

influência advinda principalmente das <strong>igrejas</strong> jesuíticas do nor<strong>de</strong>ste,<br />

on<strong>de</strong> é comum se ver <strong>igrejas</strong> com uma única torre lateral. É claro que<br />

na região sul do estado, existem numerosas <strong>igrejas</strong> <strong>de</strong> torre única mas<br />

essas muitas vezes resultaram <strong>de</strong> adaptações por falta <strong>de</strong> recursos,<br />

sobre projetos originais <strong>de</strong> torres duplas. É o caso das <strong>igrejas</strong> <strong>de</strong> São<br />

59


José e Mercês e Misericórdia <strong>de</strong> Ouro Preto. Também estão postadas<br />

normalmente no centro do frontispício, repudiando o sentido<br />

longitudinal comum nas <strong>igrejas</strong> da região <strong>de</strong> Diamantina. Mas,<br />

evi<strong>de</strong>ntemente, nem todas as <strong>igrejas</strong> <strong>de</strong> torre única da região mais<br />

central do Estado, usaram essa solução por falta <strong>de</strong> recursos. Fazem<br />

notável exceção à essa condição fortuita, capelinhas <strong>de</strong> frente chanfrada<br />

como a já citada capelinha do Ó <strong>de</strong> Sabará cuja torre única é parte<br />

harmônica do projeto global original do corpo da capela, servindo o<br />

triângulo exatamente <strong>de</strong> base para a torre única.<br />

Até a região <strong>de</strong> São João <strong>de</strong>l Rei, tão próxima a Ouro Preto e<br />

com artistas comuns, tem algumas características típicas marcantes tais<br />

como: óculos redon<strong>dos</strong> exageradamente reticula<strong>dos</strong> (Carmo e São<br />

Francisco <strong>de</strong> São João <strong>de</strong>l Rei e Santo Antônio <strong>de</strong> Tira<strong>de</strong>ntes), braços<br />

<strong>de</strong> cabeça <strong>de</strong> águia sustentando can<strong>de</strong>labros à frente <strong>dos</strong> altares laterais<br />

(Carmo e São Francisco <strong>de</strong> S. João <strong>de</strong>l Rei, Santo Antônio <strong>de</strong><br />

Tira<strong>de</strong>ntes e a matriz <strong>de</strong> Pra<strong>dos</strong>), ausência <strong>de</strong> torres (Mercês, São João<br />

Evangelistas e São Francisco <strong>de</strong> Paula <strong>de</strong> Tira<strong>de</strong>ntes).<br />

Essas características regionais po<strong>de</strong>m ser notadas até mesmo na<br />

região <strong>de</strong> Congonhas/Lafaiete/Barbacena, ainda mais próxima da<br />

região <strong>de</strong> Ouro Preto/Mariana, on<strong>de</strong> se po<strong>de</strong> observar traços comuns<br />

como as naves sem balaustradas laterais separando os altares do recinto<br />

central 64 e o piso num plano único pegando toda a nave e a capela<br />

mor, bem como a ausência <strong>de</strong> assoalhos. 65<br />

Mesmo entre Diamantina e Serro há particularida<strong>de</strong>s subregionais.<br />

Por exemplo: enquanto as <strong>igrejas</strong> <strong>de</strong> Diamantina ten<strong>de</strong>m ao<br />

traçado longitudinal, as do Serro são predominantemente verticais, com<br />

suas altas e <strong>de</strong>lgadas torres. 66<br />

64 Em alguns casos, como na igreja <strong>de</strong> Bom Jesus <strong>de</strong> Matosinhos <strong>de</strong> Congonhas e<br />

matriz <strong>de</strong> Santo Antônio <strong>de</strong> Ouro Branco, há balaustrada apenas em frente à capela<br />

mor, separando os altares colaterais do resto da nave.<br />

65 Praticamente todas as <strong>igrejas</strong> <strong>de</strong>sta região apresentam hoje pisos em ladrilho<br />

hidráulico que substituíram antigos assoalhos e suas balaustradas que foram retira<strong>dos</strong><br />

quando da exumação <strong>de</strong> corpos sepulta<strong>dos</strong> segundo o costume antigo. Ou seja, a<br />

turma daqui foi mais radical retirando <strong>de</strong> uma só vez, os corpos e o assoalho.<br />

66 As fachadas das <strong>igrejas</strong> do Serro seguem um padrão mais variado do que o <strong>de</strong><br />

Diamantina.<br />

60


Cada uma das três fases típicas durou poucas décadas, assim<br />

não houve tempo <strong>de</strong> se produzir tipos puros característicos <strong>de</strong> uma ou<br />

outra igreja. Mesmo porque, como dissemos, a maioria <strong>dos</strong> nossos<br />

templos setecentistas levou <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> anos para ficar pronta. Assim, o<br />

que se vê com mais freqüência são <strong>igrejas</strong> com altares das mais diversas<br />

fases e até mesmo uma mesma peça incorporando, quase sempre <strong>de</strong><br />

forma harmoniosa, elementos característicos <strong>de</strong> cada uma das fases<br />

<strong>de</strong>scritas. Enfim, os artistas construtores e embelezadores <strong>de</strong> <strong>igrejas</strong><br />

mineiros foram mesmo notáveis por sua criativida<strong>de</strong> e capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

misturar estilos e referências, produzindo adaptações competentes. É<br />

isso que faz nosso barroco tão rico e transforma cada igreja num museu<br />

à parte e que vale a pena visitar por mais <strong>de</strong> uma vez.<br />

Concretamente, especialmente em relação aos retábulos, é difícil<br />

encontramos tipos puros <strong>de</strong> <strong>dos</strong>sel ou arquivoltas. Assim, na maioria<br />

das vezes os cortina<strong>dos</strong> <strong>dos</strong> <strong>dos</strong>séis acabam virando semibaldaquinos<br />

alonga<strong>dos</strong>, as arquivoltas acabam interrompidas por tarjas ou<br />

medalhões e estes, por sua vez, acabam estica<strong>dos</strong> para os la<strong>dos</strong>, virando<br />

folhas <strong>de</strong> cortina<strong>dos</strong>. Por isso é que muitas vezes preferimos i<strong>de</strong>ntificar<br />

certos tipos como “falso” <strong>dos</strong>sel ou “falsa” arquivolta ou “tipo<br />

oratório”. Em alguns casos optamos por não usar o adjetivo que,<br />

certamente não é pejorativo, preferindo dizer “ten<strong>de</strong>ndo para”.<br />

Na verda<strong>de</strong>, acho apropriado reconhecer a existência <strong>de</strong> uma<br />

quarta categoria <strong>de</strong> retábulos que não tem absolutamente nenhuma<br />

característica das principais referências listadas acima. São altares que<br />

apresentam um arco completo, ininterrupto, sem nenhum adorno<br />

especial no coroamento do arco e que estão emoldura<strong>dos</strong> geralmente<br />

por discretas colunas em quartela esculpida em baixo relevo.<br />

Normalmente é dado especial <strong>de</strong>staque aos recortes da janela do<br />

camarim, com o uso <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s lavores doura<strong>dos</strong> tentando salvar a<br />

penúria do conjunto. Não há sanefas e o conjunto avança compacto até<br />

o teto. Há uma versão mais sofisticada <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> altar na capelinha<br />

da Serra da Pieda<strong>de</strong>.<br />

Cronologicamente este tipo se situa no último quarto <strong>de</strong> século<br />

XVIII, quando o estilo <strong>dos</strong> altares setecentista mineiros caminhava para<br />

uma gran<strong>de</strong> simplificação e a talha se tornava obra mais <strong>de</strong> carpinteiro<br />

do que <strong>de</strong> toreuta. Em alguns templos essa simplificação <strong>de</strong>u lugar a um<br />

maior uso <strong>de</strong> tintas fortes sobre fun<strong>dos</strong> em tons pastéis. Em muitos<br />

casos nem sequer há entalhes, sendo as colunas, consolos e arquitraves,<br />

simplesmente pintadas com técnicas ingênuas que sequer conseguem<br />

61


criar ilusão <strong>de</strong> volumes. Esse tipo talvez nem seja mesmo um retábulo e<br />

sim um altar apainelado. É típico das <strong>igrejas</strong> mais pobres do final do<br />

século que, afinal, também empobrecia. É a esses tipos que chamo <strong>de</strong><br />

“tipo oratório” pois o retábulo é como se fosse a frente <strong>de</strong> uma simples<br />

caixa <strong>de</strong>corada, emoldurando o camarim e guardando o recinto do<br />

trono, exatamente como acontece com os oratórios. A rigor, este tipo é<br />

antiguíssimo, <strong>de</strong> origem medieval e que po<strong>de</strong> ser encontrado em <strong>igrejas</strong><br />

brasileira <strong>dos</strong> séculos XVI e XVII. Porém, esses remotos exemplares<br />

são muito ricos, com talha caprichada e muito uso <strong>de</strong> dourado e<br />

policromia variada 67 .<br />

Enfim, reforçando o que já foi dito, os vários tipos <strong>de</strong> soluções<br />

e adornos disponíveis foram usa<strong>dos</strong> <strong>de</strong> forma indistinta ao longo <strong>de</strong><br />

todo o setecentos. Assim, não existem tipos puros e <strong>de</strong>sta forma<br />

consolos, pilastras retas misuladas (quartelas), colunas salomônicas<br />

(torsas) com superfície entre a base e o capitel (fuste) lisa ou estriada,<br />

anjos, atlantes, lavores, conchas, baldaquinos, sanefas, espaldares,<br />

dia<strong>de</strong>mas, medalhões, tarjas, frisos, lambrequins; etc, etc, etc; foram<br />

combina<strong>dos</strong> e recombina<strong>dos</strong> das mais diversas maneiras, ao sabor do<br />

gosto irrequieto das mesas das irmanda<strong>de</strong>s barrocas na sua ânsia <strong>de</strong><br />

excitar os espíritos, girar a natureza e superar as irmanda<strong>de</strong>s<br />

concorrentes.<br />

Também em relação à pintura usada na <strong>de</strong>coração das <strong>antigas</strong><br />

<strong>igrejas</strong> mineiras é possível <strong>de</strong>linear-se pelo menos dois tipos<br />

característicos. Na primeira fase, que vai aproximadamente até 1750,<br />

não existem ainda as gran<strong>de</strong>s cenas pintadas no forro da capela mor ou<br />

da nave. Predominam pinturas <strong>de</strong> menores dimensões enquadradas nas<br />

molduras <strong>dos</strong> tetos artesoa<strong>dos</strong> ou em molduras nas pare<strong>de</strong>s da capela<br />

mor. Os elementos puramente <strong>de</strong>corativos disputam espaço com<br />

elementos cênicos que muitas vezes nem têm motivos religiosos. O<br />

recurso <strong>de</strong>corativo <strong>de</strong> gosto oriental é muito usado. A fase seguinte é<br />

marcada pela influência <strong>dos</strong> tetos ilusionistas do italiano Andrea Pozzo.<br />

É então que surgem as majestosas pinturas <strong>de</strong> tetos <strong>de</strong> Manuel da Costa<br />

Ataí<strong>de</strong> e José Soares <strong>de</strong> Araújo e a bela pintura <strong>de</strong>corativa<br />

67 O retábulo mor da matriz <strong>de</strong> Itabirito aproxima-se um pouco <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> oratório<br />

mais antigo com sua talha dourada mais trabalhada.<br />

62


genuinamente rococó <strong>de</strong> Sivestre <strong>de</strong> Almeida Lopes. Cada um <strong>de</strong>sses<br />

autores tipifica um estilo marcante que influencia seguidores menores.<br />

A pintura <strong>de</strong> Ataí<strong>de</strong> é luminosa, gloriosa, <strong>de</strong> genial criativida<strong>de</strong><br />

pictórica que usa elementos arquitetônicos <strong>de</strong> forma secundária. José<br />

Soares <strong>de</strong> Araújo, inspirado na pintura das <strong>igrejas</strong> da Bahia, faz o<br />

contrário. As caprichosas e <strong>de</strong>nsas pilastras e parapeitos em tons<br />

sombrios são o traço dominante em sua composição. A cena é que é<br />

secundária. O pintor mulato Silvestre <strong>de</strong> Almeida Lopes abre uma<br />

terceira via. Sua pintura é mundana, <strong>de</strong>corativa. Seu retrato está <strong>de</strong>ntro<br />

<strong>de</strong> um medalhão, cheio <strong>de</strong> resplan<strong>de</strong>centes elementos rococós a alegrar<br />

os tetos das sacristias e capelas. O uso <strong>de</strong> peças arquitetônicas é<br />

simplificado e elas tomam a forma <strong>de</strong> pequenos parapeitos<br />

contornando a cena central, nas cercanias da cimalha. O pintor<br />

sabarense Joaquim Gonçalves da Rocha, autor do forro da nave do<br />

Carmo, em sua terra natal, se aproxima <strong>de</strong>ste mesmo estilo <strong>de</strong><br />

composição. Convém não esquecer Francisco Xavier Carneiro,<br />

Bernardo Pires da Silva e João Nepomuceno Correia e Castro,<br />

<strong>de</strong>staca<strong>dos</strong> mestres da pintura rococó mineira com seus corretos<br />

parapeitos e cercaduras em rocalhas, contemporâneos ou precursores<br />

<strong>de</strong> Ataí<strong>de</strong>.<br />

Enfim, existem pinturas competentes a adornar várias das<br />

nossas <strong>igrejas</strong> e muitas vezes elas são o elemento mais valioso mas,<br />

infelizmente, a gran<strong>de</strong> maioria <strong>de</strong>las permanece obra <strong>de</strong> autor<br />

<strong>de</strong>sconhecido. Também encontramos uma infinida<strong>de</strong> <strong>de</strong> obras<br />

pictóricas ingênuas e <strong>de</strong> técnica pouco apurada em muitas <strong>dos</strong> nossos<br />

templos antigos. Verda<strong>de</strong>iramente, é nas pinturas das <strong>igrejas</strong> on<strong>de</strong> mais<br />

se acentua o diferencial <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> do trabalho <strong>dos</strong> nossos artistas<br />

setecentistas. Para completar, foi nas pinturas on<strong>de</strong> mais ocorreram<br />

mutilações mo<strong>de</strong>rnizantes cometidas nos séculos XIX e XX. E hoje<br />

temos que conviver com as armas do império no teto da nave da Sé <strong>de</strong><br />

Mariana, pintado originalmente em 1750.<br />

Em vista <strong>de</strong>ssa gran<strong>de</strong> diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> referências que<br />

<strong>de</strong>screvemos, envolvendo retábulos, fachadas e pinturas é que sou<br />

levado a afirmar que nossas <strong>igrejas</strong> carregam distinções <strong>de</strong> natureza<br />

regional. Mas, sem dúvida, o barroco mineiro forma um conjunto com<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e características gerais nitidamente <strong>de</strong>finidas e os mo<strong>de</strong>los e<br />

referências que traçamos tangenciam o perfil <strong>de</strong>ssa realida<strong>de</strong>. O ponto<br />

crucial que fermentou tal i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, a nosso ver, é o relativo<br />

63


distanciamento que os templos da região das minas guardaram do<br />

mo<strong>de</strong>lo jesuítico e do estilo típico <strong>dos</strong> templos <strong>dos</strong> conventos das<br />

or<strong>de</strong>ns primeira. Estes - pela origem e formação <strong>de</strong> seus criadores,<br />

normalmente religiosos intimamente liga<strong>dos</strong> a uma robusta e persistente<br />

formação erudita europeia - a partir <strong>dos</strong> mo<strong>de</strong>los <strong>dos</strong> templos <strong>dos</strong><br />

séculos XVI e XVII, projetaram uma trajetória retrógrada nos templos<br />

<strong>dos</strong> séculos XVIII nas regiões litorâneas <strong>de</strong> colonização mais antiga,<br />

especialmente na Bahia e nor<strong>de</strong>ste.<br />

Um exame a alguns <strong>dos</strong> mais belos templos brasileiros <strong>de</strong> século<br />

XVIII e anteriores <strong>de</strong> outros esta<strong>dos</strong> brasileiros, reforça essa assertiva.<br />

Pela localização próxima aos portos, os construtores <strong>de</strong> igreja daquelas<br />

regiões, ao contrário <strong>dos</strong> mineiros, tinham facilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> importar<br />

materiais e adornos <strong>de</strong> seus reinos. 68 Assim, as <strong>igrejas</strong> <strong>antigas</strong> localizadas<br />

próximas ao litoral recorreram abundantemente <strong>às</strong> peças <strong>de</strong> azulejaria<br />

vindas da Itália e <strong>de</strong> Portugal, coisa muito rara em <strong>Minas</strong>. Nas<br />

montanhas, longe da costa e com caminhos precários, tiveram que ser<br />

criadas soluções com materiais e técnicas auxiliares <strong>de</strong> concepção local.<br />

Por exemplo, varieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pedras rústicas que se apren<strong>de</strong>u a cortar<br />

com maestria e originalida<strong>de</strong>. 69<br />

Nos templos do litoral em geral, principalmente os que tiveram<br />

suas construções iniciadas nos séculos anteriores ao setecentos,<br />

observamos fortes resquícios renascentistas e do rico barroco italiano,<br />

com uso abundante do mármore, pilastras retas imponentes, profusão<br />

<strong>de</strong> naves, pisos resplan<strong>de</strong>centes e galilés; coisas igualmente raras ou<br />

mesmo inexistentes nas <strong>igrejas</strong> mineiras. Naqueles templos predomina<br />

um barroco muito mais ligado à forte influência <strong>de</strong> Bernini e Borromini<br />

do que ao barroco mais simplificado da Península Ibérica que foi o que<br />

alimentou mais diretamente a arte religiosa mineira do século XVIII.<br />

Individualmente, com algumas exceções, os templos do ouro <strong>de</strong><br />

<strong>Minas</strong> Gerais não são particularmente <strong>de</strong>slumbrantes. Não há nada que<br />

se compare ao Convento <strong>de</strong> São Francisco e à Basílica <strong>de</strong> Salvador na<br />

68 Diz-se que a igreja da Conceição da Praia da Bahia foi construída na Europa e<br />

literalmente <strong>de</strong>smontada e remontada no Brasil, peça por peça.<br />

69 Na falta <strong>de</strong> azulejos, Ataí<strong>de</strong> teve que criar pinturas imitando-os, como vemos na<br />

igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Assis Ouro Preto. Outro artista fez o mesmo no Carmo <strong>de</strong><br />

Sabará.<br />

64


Bahia com seus magníficos traços do barroco italiano ainda<br />

impregnado <strong>de</strong> heranças renascentistas ou com as <strong>igrejas</strong> <strong>dos</strong> mosteiros<br />

<strong>de</strong> São Bento e a <strong>de</strong> São Francisco da Penitência no Rio <strong>de</strong> Janeiro. Mas<br />

tudo isso é cultura europeia colonialista aproveitando as riquezas do<br />

além-mar para glorificar o po<strong>de</strong>r das or<strong>de</strong>ns primeiras. Naquelas plagas<br />

há um forte cordão umbilical ligando suas <strong>igrejas</strong> à estética mística da<br />

igreja <strong>de</strong> Gesú, o esplendoroso quartel general <strong>dos</strong> Jesuítas em Roma. 70<br />

As <strong>igrejas</strong> mineiras do século XVIII são sobretudo expressivas e<br />

mais, formam um conjunto que projeta com niti<strong>de</strong>z a época e o lugar<br />

que lhes <strong>de</strong>u berço. O que as faz grandiosas é sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> cultural e<br />

sua inserção harmoniosa em uma época gloriosa, a qual ilustram com<br />

absoluta proprieda<strong>de</strong> e da qual são o marco fisicamente robustecido a<br />

enfrentar, através <strong>dos</strong> séculos, a ignorância e o <strong>de</strong>scaso. O acervo<br />

mineiro tem forte sustentação histórica e isso é peculiar. Como<br />

conjunto é insuperável e representa o mais expressivo movimento<br />

brasileiro <strong>de</strong> arte <strong>de</strong> to<strong>dos</strong> os tempos, gran<strong>de</strong>mente admirado pelos<br />

próprios mo<strong>de</strong>rnistas <strong>de</strong> vinte e dois, principais responsáveis pelo<br />

resgate da cultura mineira do século XVIII.<br />

Tudo isso parece ainda mais espetacular se lembramos que as<br />

<strong>igrejas</strong> mineiras foram construídas pelas irmanda<strong>de</strong>s que tinham atrás<br />

<strong>de</strong> si - ainda que <strong>de</strong> forma rigidamente estratificada - o povo:<br />

mineradores, comerciantes, artesãos e até escravos.<br />

Notem que as <strong>igrejas</strong> do litoral su<strong>de</strong>ste e do nor<strong>de</strong>ste são<br />

essencialmente partes <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s complexos conventuais on<strong>de</strong> a capela,<br />

ainda que muitas vezes majestosa, era apenas uma <strong>de</strong>pendência <strong>de</strong>stes<br />

palácios monásticos. As <strong>igrejas</strong> mineiras são edifícios singulares,<br />

majestosos em si mesmos, geralmente localiza<strong>dos</strong> em praças, nos<br />

centros das povoações, permanentemente abertos para o povo.<br />

Cronologia <strong>dos</strong> templos, uma dificulda<strong>de</strong>.<br />

É usual aos pesquisadores das <strong>igrejas</strong> <strong>antigas</strong>, o lamento pela<br />

escassez <strong>de</strong> documentos que comprovem as autorias e as datas em que<br />

70 Embora como se sabe, as or<strong>de</strong>ns primeiras fossem proibidas <strong>de</strong> se instalar em<br />

<strong>Minas</strong>, elas não eram impedidas <strong>de</strong> garimpar esmolas nas vilas do ouro, inclusive<br />

mantendo estabelecimentos exclusivamente volta<strong>dos</strong> para isso. Vai daí que o ouro <strong>de</strong><br />

<strong>Minas</strong> muito contribuiu para embelezar também templos franciscanos, beneditinos e<br />

jesuítas no litoral.<br />

65


elas foram erguidas ou sofreram algum tipo <strong>de</strong> intervenção mais<br />

radical. Os documentos sempre foram minuciosamente gera<strong>dos</strong> sob a<br />

forma <strong>de</strong> atas, recibos, estatutos; já que as <strong>igrejas</strong> eram, em sua maioria,<br />

erigidas e mantidas por socieda<strong>de</strong>s civis como era o caso das<br />

irmanda<strong>de</strong>s. Mas eles foram se per<strong>de</strong>ndo ao longo do tempo por<br />

<strong>de</strong>scuido ou ignorância <strong>de</strong> quem <strong>de</strong>veria zelar por eles. Na verda<strong>de</strong>, a<br />

maioria das datas hoje utilizadas não são seguras para atestar o grau <strong>de</strong><br />

antiguida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma igreja ou em que ponto do século XVIII ela po<strong>de</strong><br />

ser catalogada. Muitas vezes uma data aceita como sendo a da<br />

construção <strong>de</strong> uma igreja, marca apenas o ano em que a irmanda<strong>de</strong> que<br />

a construiu se reuniu e fez constar em ata sua intenção <strong>de</strong> fazê-lo,<br />

po<strong>de</strong>ndo a construção só ter sido efetivamente iniciada alguns anos<br />

<strong>de</strong>pois. Também uma data po<strong>de</strong> se referir a uma construção anterior<br />

há muito <strong>de</strong>molida e não a que acabou por chegar até os nossos dias.<br />

Com vimos, a maioria das <strong>igrejas</strong> setecentista foram erigidas em<br />

substituição a capelinhas mais <strong>antigas</strong> a que suce<strong>de</strong>ram no mesmo lugar<br />

e em nome do mesmo orago. Assim, <strong>de</strong>vemos ter uma certa cautela em<br />

lidar com datas como referência à história das <strong>igrejas</strong>, mesmo em<br />

relação àquelas mais conhecidas e aceitas.<br />

Em geral, as datas aqui registradas são aquelas que me<br />

pareceram mais verossímeis, lastreadas em documentos,<br />

acontecimentos históricos notórios, características dominantes ou<br />

mesmo na tradição e que não se referem, necessariamente, ao início da<br />

construção <strong>de</strong> cada igreja. Também vale lembrar, mais uma vez, que as<br />

construções podiam levar várias décadas até serem concluídas. Isso faz<br />

com que os documentos disponíveis revelem as mais diversas datas <strong>de</strong><br />

início ou conclusão <strong>de</strong> construções e reformas das várias peças que<br />

compõem uma igreja barroca, o que contribui para gerar mais confusão<br />

sobre a cronologia das <strong>igrejas</strong>. Enfim, seria uma ingenuida<strong>de</strong> pensarmos<br />

que as <strong>igrejas</strong> <strong>antigas</strong> que chegaram aos nossos dias foram erigidas em<br />

poucos anos e se preservaram até hoje, tal qual foram criadas. Todas<br />

elas passaram por inúmeras reformas, algumas preservando o estado<br />

anterior e outras modificando-o com critérios mo<strong>de</strong>rnizadores.<br />

Dificulda<strong>de</strong>s existem, mas vamos tentar estabelecer alguns<br />

marcos. Comecemos lembrando que em 1724 uma carta régia elevou<br />

várias <strong>igrejas</strong> mineiras à condição <strong>de</strong> matrizes, habilitadas a disporem <strong>de</strong><br />

vigários cola<strong>dos</strong>. Os atuais registros cronológicos <strong>de</strong> muitas <strong>de</strong>ssas<br />

<strong>igrejas</strong>, no entanto, situam sua fundação em data anterior àquela. Faz<br />

66


sentido já que muitas construções atuais foram precedi<strong>dos</strong> por outras,<br />

mais singelas, erguidas pelos primitivos moradores e que começavam<br />

geralmente como simples abrigos das imagens <strong>dos</strong> santos que<br />

trouxeram consigo como se fossem pessoas da família. Não obstante, já<br />

estavam aptas a serem matrizes nas rústicas plagas mineiras do primeiro<br />

quarto do século XVIII. 71 Na verda<strong>de</strong>, o foco da carta régia que criou as<br />

primeiras matrizes mineiras em 1724, não era propriamente as <strong>igrejas</strong> e<br />

sim os locais on<strong>de</strong> <strong>de</strong>veriam ser implantadas as se<strong>de</strong>s das paróquias.<br />

Assim, o dito documento real i<strong>de</strong>ntifica poucos templos on<strong>de</strong> <strong>de</strong>veriam<br />

ser instaladas as se<strong>de</strong>s das vigararias. São eles a igreja <strong>de</strong> Santo Antônio<br />

da Vila <strong>de</strong> São José <strong>de</strong>l Rei, a igreja <strong>de</strong> N. S. <strong>de</strong> Nazaré da Cachoeira do<br />

Campo e a igreja <strong>de</strong> N. S. da Conceição <strong>de</strong> Antônio Dias. A todas essas<br />

se po<strong>de</strong>, portanto, atribuir a data <strong>de</strong> fundação como anterior a 1724.<br />

Partindo do princípio <strong>de</strong> que as <strong>de</strong>mais <strong>igrejas</strong> pertencentes <strong>às</strong><br />

paróquias citadas na dita carta régia sejam as matrizes que chegaram até<br />

os nosso dias, po<strong>de</strong>mos incluir ainda nesse grupo primitivo as seguintes<br />

<strong>igrejas</strong>: igreja <strong>de</strong> N. S. da Conceição da Vila do Ribeirão do Carmo que<br />

<strong>de</strong>pois virou a Sé <strong>de</strong> N. S. da Assunção, igreja do Pilar da Vila <strong>de</strong> São<br />

João <strong>de</strong>l Rei, igreja <strong>de</strong> N. S. do Bom Sucesso da Vila Nova da Rainha<br />

do Caeté, igreja <strong>de</strong> N. S. da Conceição <strong>de</strong> Catas Altas, igreja <strong>de</strong> N. S. da<br />

Conceição da Vila do Príncipe do Serro Frio, igreja <strong>de</strong> Santo Antônio<br />

do Ouro Branco, igreja <strong>de</strong> N. S. da Conceição da Vila do Sabará, igreja<br />

do Pilar <strong>de</strong> Vila Rica do Ouro Preto, igreja <strong>de</strong> Santo Antônio <strong>de</strong> Santa<br />

Bárbara, igreja <strong>de</strong> N. S. da Conceição <strong>dos</strong> Raposos. Todas essas, com<br />

certeza, tiveram sua fundação no primeiro quarto do século XVIII e<br />

muito provavelmente nasceram com um telhado <strong>de</strong> palha sustentado<br />

por estacas, meias pare<strong>de</strong>s <strong>de</strong> barro guarnecendo as laterais e um<br />

tabuleiro <strong>de</strong> paus servindo <strong>de</strong> trono para um altar portátil.<br />

Mas todas as imprecisões relacionadas <strong>às</strong> datas <strong>de</strong> fundações das<br />

<strong>igrejas</strong> <strong>de</strong>vem ser aplainadas <strong>de</strong> alguma forma e <strong>de</strong>ve ser estabelecido<br />

algum ponto no tempo, pois uma referência cronológica é indispensável<br />

ao trato sistemático do nosso assunto e ao norteamento <strong>dos</strong> rumos da<br />

nossa viagem.<br />

Seguramente o leitor, ao consultar fontes distintas <strong>de</strong> maior ou<br />

menor erudição, vai encontrar datas diversas das que aqui utilizamos.<br />

71 É provável que até 1710 todas as <strong>igrejas</strong> mineiras fossem ru<strong>de</strong>s choupanas <strong>de</strong> pau-apique<br />

e cobertas <strong>de</strong> folhas <strong>de</strong> palmito barreadas.<br />

67


É relevante registrar ainda, que alguns historiadores, basea<strong>dos</strong><br />

nas <strong>de</strong>scrições das construções do início do século XVIII e nos<br />

registros das profissões da época, duvidam que qualquer das <strong>igrejas</strong><br />

setecentistas atualmente preservadas, tenham tido sua construção<br />

efetivamente iniciada antes <strong>de</strong> 1725. A explicação é que somente no<br />

segundo quarto do setecentos é que começaram a aparecer construtores<br />

e artesãos com competência e conhecimento para erguer e ornamentar<br />

templos com as características que vemos hoje. Mas, para eles, isso não<br />

quer dizer que qualquer data anterior a 1725, atribuída a qualquer das<br />

nossas <strong>igrejas</strong> setecentistas, seja falsa. Quer dizer, exatamente, que tais<br />

datas adotaram como referência algum fragmento primitivo que<br />

antece<strong>de</strong>u à conformação das características atualmente dominantes<br />

num templo. Diriam respeito a coisas como uma pare<strong>de</strong>, uma laje ou<br />

um lavabo, cujos resquícios eventualmente ainda pu<strong>de</strong>ram ser<br />

i<strong>de</strong>ntifica<strong>dos</strong> quando do cadastramento cronológico.<br />

De qualquer forma, não tenho dúvidas que <strong>igrejas</strong> como a Sé <strong>de</strong><br />

Mariana, a igrejinha do Ó e a matriz <strong>de</strong> N. S. da Conceição <strong>de</strong> Sabará<br />

ou a Matriz <strong>de</strong> Raposos, tenham muitas <strong>de</strong> suas características atuais<br />

oriundas <strong>de</strong> obras do primeiro quinto do setecentos e ainda<br />

autenticamente preservadas. Suas grossas pare<strong>de</strong>s <strong>de</strong> taipa <strong>de</strong> sebe ou<br />

<strong>de</strong> pilão, suas naves com trifório ou seus retábulos em arquivoltas são<br />

<strong>de</strong> certo muito primitivos. Não po<strong>de</strong>mos comparar a arquitetura<br />

religiosa com a arquitetura das habitações comuns que, àquela altura do<br />

século XVIII, eram <strong>de</strong>stinadas a abrigar ru<strong>de</strong>s aventureiros ainda no<br />

principio das suas aventuras. 72 Na verda<strong>de</strong>, foram as próprias <strong>igrejas</strong><br />

que serviram <strong>de</strong> lastro para o surgimento <strong>de</strong> povoa<strong>dos</strong> mais perenes<br />

com habitações mais sólidas e caprichadas. Ou seja, as <strong>igrejas</strong><br />

prece<strong>de</strong>ram em muitos anos a arquitetura civil em qualida<strong>de</strong> e soli<strong>de</strong>z.<br />

Por outro lado, é leviano dizer que não havia artesãos competentes no<br />

início da povoação das <strong>Minas</strong> Gerais com base apenas em registros<br />

precários e incompletos contendo cadastros <strong>de</strong> membros das<br />

corporações <strong>de</strong> ofício existentes naquela época. Além do que, a<br />

profissão não i<strong>de</strong>ntifica a competência do profissional nem o alcance<br />

do escopo da sua capacida<strong>de</strong>. Não esquecendo também que, naquela<br />

época, eram poucas as profissões regulamentadas e sob a <strong>de</strong>nominação<br />

72 Um registro do Códice Matoso conta que, quando Antônio <strong>de</strong> Albuquerque<br />

instalou a Câmara <strong>de</strong> Vila Rica, em 1710, havia uma única casa <strong>de</strong> telhas em toda a<br />

vila e foi nela que teve lugar a instalação da câmara.<br />

68


<strong>de</strong> “artes mecânicas” se abrigavam as mais variadas categorias<br />

profissionais.<br />

Mas <strong>de</strong> qualquer forma, é muito provável que antes <strong>de</strong> 1710<br />

nossas <strong>igrejas</strong> não passassem <strong>de</strong> choupanas que, ao longo do século,<br />

foram sofrendo melhorias contínuas, muitas das quais alcançaram<br />

nossos dias. Corroborando essa i<strong>de</strong>ia permitam-me transcrever<br />

<strong>de</strong>poimentos esparsos <strong>de</strong> antigos conquistadores das <strong>Minas</strong>,<br />

cataloga<strong>dos</strong> no Códice Matoso e que dá a imagem <strong>dos</strong> nossos templos<br />

no princípio do século XVIII:<br />

“[...] A igreja eram quatro forquilhas, forrada <strong>de</strong> esteira <strong>de</strong> taquara e coberta <strong>de</strong><br />

palha [...]. Mariana tinha outra capela <strong>de</strong> mesmo feitio”.<br />

“Morava em São Caetano um coronel que a sua capela era coberta <strong>de</strong> pau <strong>de</strong><br />

palmito em lugar <strong>de</strong> telhas”.<br />

Uma dificulda<strong>de</strong> adicional <strong>de</strong> catalogação <strong>dos</strong> nossos templos é<br />

a i<strong>de</strong>ntificação <strong>dos</strong> seus construtores e artistas embelezadores e suas<br />

obras. Assim, uma mesma igreja apresenta vários arrematantes,<br />

entalhadores ou pintores. Até aí tudo bem, pois como dissemos, as<br />

<strong>igrejas</strong> possuem inúmeras peças e foram construídas aos pedaços, em<br />

tempos distintos e <strong>de</strong>mora<strong>dos</strong>. O problema começa quando tentamos<br />

saber quem fez exatamente o que. Aí aparecem frequentemente duas<br />

pessoas como autores da mesma peça. Contribui também para<br />

confundir as autorias o fato <strong>de</strong> ser muito comum um artista projetar<br />

uma peça e outro executar acrescentando modificações no risco<br />

original. Também era muito comum uma obra ser executada por um e<br />

“melhorada” em seguida, por outro. Isso sem falar ainda nas<br />

<strong>de</strong>sastrosas restaurações perpetradas ao longo <strong>dos</strong> anos. Infelizmente os<br />

artistas sacros setecentistas não tinham muita consciência da sua<br />

individualida<strong>de</strong> autoral e não assinavam suas obras, restando<br />

gratifica<strong>dos</strong> <strong>de</strong> fazerem parte da coletivida<strong>de</strong> que transformou um<br />

templo em realida<strong>de</strong> da qual participavam em pé <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> artesãos,<br />

empreiteiros, arquitetos e pedreiros.<br />

Há <strong>de</strong> se lembrar ainda, que muitas obras eram executadas em<br />

estúdios on<strong>de</strong> certamente muito do trabalho era feito por aprendizes<br />

<strong>de</strong> maior ou menor talento. Disso resulta ser comum encontrarmos<br />

peças atribuídas a um autor e que não são exatamente dignas da sua real<br />

capacida<strong>de</strong>. É o caso especial do Aleijadinho que sempre recorreu a<br />

69


auxiliares, especialmente a partir <strong>de</strong> certo estágio do avanço <strong>de</strong> sua<br />

doença. A acrescentar o fato <strong>de</strong> que era comum uma peça talhada no<br />

atelier <strong>de</strong> um artista encontrar dificulda<strong>de</strong>s para ser montada no lugar a<br />

ela <strong>de</strong>stinado, o que podia exigir ajustes <strong>de</strong> mestres-<strong>de</strong>-obra mutilando a<br />

arte original <strong>de</strong> um criador maior. É claro que todas as variações tinham<br />

que ser aprovadas pelas mesas das irmanda<strong>de</strong>s que eram muito<br />

rigorosas no diligenciamento das obras. Mas modificações eram<br />

frequentemente <strong>de</strong>batidas e autorizadas. Aliás, ao contrario <strong>de</strong><br />

preservar, muitas vezes os conselhos das irmanda<strong>de</strong>s atuavam no<br />

sentido <strong>de</strong> <strong>de</strong>svirtuar a integrida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma criação artística por motivos<br />

econômicos. É o caso, novamente, do Aleijadinho que parece não ter<br />

podido concluir sua obra no Carmo <strong>de</strong> Sabará pelo fato da irmanda<strong>de</strong><br />

ter achado muito caro o valor que ele pediu para realizar <strong>de</strong>terminado<br />

serviço. Pobre do nosso artista, morreu só, dilacerado e miserável e<br />

ainda teve essa <strong>de</strong>sfeita <strong>de</strong> ter sido consi<strong>de</strong>rado “careiro”.<br />

O caráter coletivo predominante no trabalho <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> uma<br />

igreja barroca mineira também contribuía para dificultar a i<strong>de</strong>ntificação<br />

das autorias. Esse caráter se acentuava principalmente na elaboração <strong>de</strong><br />

retábulos e portadas monumentais. Também nesses casos era comum<br />

que um artista riscasse o projeto, outro executasse, um terceiro<br />

montasse e um quarto modificasse. Essas peças, criadas assim em<br />

conjunto, acabam hoje sendo atribuídas somente ao mais distinto <strong>dos</strong><br />

membros do grupo. Assim é que várias portadas atribuídas a Antônio<br />

Francisco Lisboa, até como forma <strong>de</strong> aumentar os atributos <strong>de</strong> uma<br />

igreja, na verda<strong>de</strong> tiveram a contribuição do mestre somente no<br />

<strong>de</strong>senho, ou na execução ou na modificação <strong>de</strong> peça já existente.<br />

Além <strong>de</strong> tudo isso, a questão da autoria era tão <strong>de</strong>sinteressada<br />

que muitas vezes um gran<strong>de</strong> artista como Ataí<strong>de</strong> era solicitado, sem<br />

nenhum constrangimento para as partes, a fazer trabalhos menores<br />

como carnação <strong>de</strong> imagens ou douramento <strong>de</strong> talhas. Complica ainda<br />

mais o quadro <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> autores, a similarida<strong>de</strong> nas<br />

combinações <strong>de</strong> nomes. Antônio, Francisco, Silva, Xavier, Brito se<br />

combinam nas mais variadas e profusas formas o que faz com que<br />

historiadores e críticos, copiando-se distraidamente uns aos outros,<br />

acabem criando mestres que nunca existiram ou façam alguém trabalhar<br />

em um templo anos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> haver morrido ou antes <strong>de</strong> haver<br />

nascido.<br />

Também, muitas obras têm sido atribuídas a alguns autores sem<br />

base documental, sendo cada vez mais aceitas atribuições apoiadas em<br />

70


simples similitu<strong>de</strong>s iconográficas, muitas das quais feitas por autores<br />

sem a <strong>de</strong>vida autorida<strong>de</strong>. É por tudo isso que eu disse que o mero<br />

<strong>de</strong>slumbramento po<strong>de</strong> ser o melhor critério para se julgar uma peça<br />

sacra setecentista. Assim meu amigo, se você achar que <strong>de</strong>scobriu um<br />

Aleijadinho inédito no nicho do altar da capela <strong>de</strong> uma fazenda antiga,<br />

vale a emoção.<br />

Cadastro das <strong>igrejas</strong>, outra dificulda<strong>de</strong><br />

Necessito fazer alguns comentários também sobre o<br />

cadastramento <strong>dos</strong> templos que se encontra em anexo. Quando alguém<br />

busca listar as <strong>igrejas</strong> setecentista mineiras, várias são as fontes que<br />

po<strong>de</strong>m ser consultadas. Des<strong>de</strong> organismos <strong>de</strong> preservação do<br />

patrimônio histórico, passando por obras literárias especializadas,<br />

referências em jornais, revistas, documentários audiovisuais até folhetos<br />

turísticos edita<strong>dos</strong> por prefeituras municipais. O cruzamento <strong>dos</strong> da<strong>dos</strong><br />

<strong>de</strong>ssas diversas fontes revela uma gran<strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong> em disciplinar as<br />

informações. Há templos com <strong>de</strong>nominações diversas, datas<br />

terrivelmente <strong>de</strong>sencontradas, fotos <strong>de</strong> um templo indicado como<br />

sendo um outro e até lugares inexistentes. Isso faz com que, mesmo<br />

consagra<strong>dos</strong> autores contemporâneos, citem como ainda existentes,<br />

templos que já foram <strong>de</strong>moli<strong>dos</strong> há <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> anos. Existem até <strong>igrejas</strong><br />

tombadas que hoje estão na mais completa ruína mas que continuam na<br />

relação <strong>de</strong> bens <strong>dos</strong> órgãos tombadores, atestando o próprio fracasso<br />

do tombamento. O resultado <strong>de</strong> tudo isso é que não conseguimos<br />

verificar se alguns templos, menciona<strong>dos</strong> em fontes diversas,<br />

efetivamente existem. Por outro lado, também tivemos a felicida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

encontrar templos cuja existência <strong>de</strong>sconhecíamos, por falta <strong>de</strong><br />

referência nas fontes consultadas, via <strong>de</strong> regra muito escassas. Enfim,<br />

consoante os propósitos <strong>de</strong>ste trabalho, <strong>de</strong>screvemos ao longo do texto<br />

básico apenas os templos que efetivamente visitamos. Vários <strong>de</strong>les,<br />

infelizmente só pu<strong>de</strong>mos conhecer externamente. 73 Outros, embora<br />

73 Como vários templos permanecem fecha<strong>dos</strong> a maior parte do tempo só pu<strong>de</strong>mos<br />

conhecê-los externamente, mesmo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> várias tentativas <strong>de</strong> encontrá-los abertos.<br />

Em casos em que isso aconteceu tivemos que nos contentar com uma pequena<br />

anotação sobre sua fachada e excepcionalmente, alguma <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> seus altares e<br />

pinturas feita a partir <strong>de</strong> consultas a fontes bibliográficas ou a traiçoeiros registros<br />

fotográficos.<br />

71


comprovadamente existentes, por motivos diversos não tivemos<br />

condições <strong>de</strong> visitar. De qualquer modo, elaboramos um cadastro geral<br />

<strong>de</strong> templos que se encontra no anexo. Parte <strong>de</strong>ste cadastro contém<br />

informações baseadas em consultas a fontes secundárias e que, por<br />

isso mesmo, <strong>de</strong>vem ser tomadas com reservas. Também tive<br />

dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> compor este cadastro, assaltado que fui inúmeras vezes,<br />

por dúvidas se um templo era autenticamente do século XVIII ou não.<br />

Muitos templos apresentam características nitidamente setecentista mas<br />

faltam registros váli<strong>dos</strong> que corroborem esta condição. A recíproca<br />

também é verda<strong>de</strong>ira, ou seja, existe o registro mas foram tantas as<br />

mutilações que um templo sofreu ao longo do tempo que fica a duvida<br />

se é legitima ou justa a atribuição <strong>de</strong> nobre antiguida<strong>de</strong> a ele. É aí que<br />

muitas vezes tem que prevalecer uma pura opção pessoal.<br />

Não posso <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> mencionar também a gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

informações incorretas encontradas em diversos autores ou instituições<br />

que se propõem a <strong>de</strong>screver e fornecer <strong>de</strong>talhes sobre as profusas e<br />

abundantes peças que formam nossas <strong>igrejas</strong> setecentistas. Isso até é<br />

compreensível pois a riqueza <strong>de</strong> <strong>de</strong>talhes muitas vezes nos confun<strong>de</strong>.<br />

Creio que eu mesmo não estou livre <strong>de</strong> ter sido enganado pelos<br />

senti<strong>dos</strong> em alguns casos. Mas sei que meu caro leitor vai reconhecer o<br />

meu esforço.<br />

Necessito ainda fazer alguns comentários a respeito da<br />

qualificação <strong>dos</strong> templos. Matrizes, capelas, e ermidas têm significado<br />

diferente, conforme o status <strong>de</strong> um templo, segundo critérios formais<br />

regula<strong>dos</strong> por estatutos eclesiásticos <strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência e jurisdição e que<br />

distinguem privilégios e funções. Confesso que nesse trabalho<br />

consi<strong>de</strong>rei relevante distinguir apenas as matrizes pois elas têm certos<br />

traços relativamente característicos, principalmente do ponto <strong>de</strong> vista<br />

histórico. Assim, to<strong>dos</strong> os <strong>de</strong>mais templos são trata<strong>dos</strong> indistintamente<br />

como “<strong>igrejas</strong>”. O termo “capela” também foi usado mas muito no seu<br />

sentido popular que em geral, associa o termo aos templos mais<br />

singelos e <strong>de</strong> menor dimensão.<br />

72


Caminhos antigos<br />

Devemos reconhecer que uma das formas mais eficazes <strong>de</strong> se<br />

valorizar o patrimônio cultural é a través <strong>dos</strong> roteiros turísticos. De<br />

certa forma essa crença contribui para que esse livro viesse à luz. É<br />

certo que a vertente cultural do turismo não conta com um público<br />

muito extenso. Mas, qualquer que seja ele, essa clientela <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>mandar<br />

mais do que simples viagens <strong>de</strong> fim <strong>de</strong> semana <strong>de</strong>stinadas à visitação<br />

superficial à <strong>igrejas</strong>, museus e casarões <strong>de</strong> Ouro Preto, Tira<strong>de</strong>ntes ou<br />

Diamantina. É preciso querer enxergar o lado vivo da História e<br />

mergulhar nele. Mas isso não basta, o turista <strong>de</strong> hoje é muito exigente e<br />

se entedia com facilida<strong>de</strong>. Assim, além <strong>de</strong> atrações culturais, jamais abre<br />

mão <strong>de</strong> bons hotéis, bons restaurantes e noites animadas. Poucas<br />

cida<strong>de</strong>s mineiras têm condições <strong>de</strong> oferecer isso. Mas, <strong>de</strong> toda forma,<br />

com maior ou menor entusiasmo, nosso patrimônio histórico é uma<br />

atração e sua valorização <strong>de</strong>ve começar pela valorização da própria<br />

História e é aí que procuro fazer a minha parte. O caminho que me foi<br />

reservado é o <strong>de</strong> tentar fazer o passado mais presente. Penso que<br />

mesmo as cida<strong>de</strong>s mais jovens <strong>de</strong>veriam se preocupar com isso pois a<br />

História começa todo dia e não vai acabar enquanto a Raça Humana<br />

estiver fazendo as suas peripécias sobre o singular planeta terra.<br />

A<strong>de</strong>mais, como os ban<strong>de</strong>irantes vararam nossa terra em todas as<br />

longitu<strong>de</strong>s e latitu<strong>de</strong>s, com toda a certeza, alguém andou passando<br />

perto <strong>de</strong> nossa porta na virada do século XVII para o XVIII. Vale a<br />

pena tentar <strong>de</strong>scobrir quem e trazê-lo ao presente.<br />

A criação <strong>de</strong> um roteiro turístico a que se chamou “Estrada<br />

Real” é uma iniciativa meritória para dinamização do turismo em <strong>Minas</strong>.<br />

Mas essa iniciativa é muito específica e quem não se preocupou em<br />

preservar seu patrimônio histórico ao longo do tempo, está con<strong>de</strong>nado<br />

a ficar mais distante <strong>de</strong>la, até com certa justiça. Mas existem muitos<br />

outros caminhos que, embora não tenham a mesma riqueza em termos<br />

<strong>de</strong> patrimônio histórico preservado, precisam ser valoriza<strong>dos</strong>. Mesmo<br />

porque, ficar querendo atrair turistas com atrativos naturais e artesanato<br />

não esta dando mais muito resultando já que todo mundo tem a sua<br />

cachoeira e a sua pinga <strong>de</strong> quintal, pois esse país é muito rico e criativo.<br />

Portanto vamos nos unir no esforço <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrir a nossa história e<br />

torná-la interessante nos dias atuais.<br />

73


O turismo cultural passa pela recriação <strong>dos</strong> caminhos antigos e<br />

pela i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> cida<strong>de</strong>s que merecem <strong>de</strong>staque, especialmente pelo<br />

que teriam representado na epopeia da penetração e ocupação do solo<br />

mineiro e na formação da nossa cultura, lentamente fermentada ao logo<br />

<strong>dos</strong> séculos XVIII e XIX. É certo que a maioria das nossas cida<strong>de</strong>s<br />

<strong>antigas</strong> já não são <strong>antigas</strong>, ou seja, já não apresentam mais nenhum<br />

resquício <strong>de</strong> seu glorioso passado. Muitas se encontram na mais<br />

completa <strong>de</strong>cadência, mas mesmo assim, não conseguem ficar livres <strong>de</strong><br />

um curioso das coisas <strong>de</strong> <strong>Minas</strong>, como eu, que abre mão do espetacular<br />

pelo simples prazer <strong>de</strong> imaginar que há trezentos anos atrás tinha gente<br />

aqui e acolá tentando levar da, melhor maneira, a sua efêmera e dura<br />

existência e que por conta disso ganhou um anônimo lugar na História.<br />

Certamente existem outros curiosos como eu.<br />

Devo salientar que é muito difícil recriar os caminhos antigos,<br />

não só por falta <strong>de</strong> registros como também porque os nomes <strong>dos</strong><br />

lugares e <strong>dos</strong> aci<strong>de</strong>ntes geográficos mudaram muito ao longo <strong>dos</strong> anos.<br />

Certos núcleos urbanos antigos simplesmente <strong>de</strong>sapareceram e é muito<br />

comum que um arraial crescesse e engolisse uma povoação maior,<br />

inclusive tomando-lhe o nome.<br />

Assim a recriação <strong>dos</strong> velhos caminhos <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> <strong>de</strong>manda uma<br />

boa <strong>dos</strong>e <strong>de</strong> amor e romantismo e essa – insisto – também é uma forma<br />

válida <strong>de</strong> se reviver a História e eu a tenho preferido pois não consigo<br />

<strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> sentir emoção diante do antigo, qualquer que seja o estado em<br />

que ele hoje se encontra. Mas, a rigor, quem quiser recriar os caminhos<br />

antigos vai conseguir apenas ligar os pontos mais relevantes ao longo<br />

<strong>de</strong>les, sem pisar necessariamente na trilha usada por nossos<br />

antepassa<strong>dos</strong> para fazer o mesmo trajeto, exceto em um ou outro<br />

trecho. Muitas trilhas foram <strong>de</strong>voradas pela natureza e hoje as estradas<br />

que dispomos para ligar dois sítios urbanos antigos foram criadas<br />

obe<strong>de</strong>cendo a critérios mo<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> engenharia e segurança, interesses<br />

econômicos ou <strong>às</strong> vezes até interesses puramente eleitoreiros. As<br />

picadas <strong>de</strong> antigamente eram abertas da forma mais direta possível, só<br />

admitindo <strong>de</strong>svios para contornar algum aci<strong>de</strong>nte geográfico<br />

especialmente difícil para a travessia a pé ou no lombo <strong>de</strong> animais.<br />

Muitas vezes, ao contrário, voltas eram dadas exatamente para se<br />

aproveitar aci<strong>de</strong>ntes geográficos favoráveis. Não obstante a força <strong>dos</strong><br />

aci<strong>de</strong>ntes geográficos no traçado <strong>dos</strong> caminhos antigos, muitos <strong>dos</strong><br />

caminhos novos aproveitaram trajetos estabeleci<strong>dos</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o tempo <strong>dos</strong><br />

primeiros ban<strong>de</strong>irantes que, pela habilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> orientação geográfica<br />

74


aprendida com os índios, eram mesmo notáveis navegadores <strong>de</strong> rios,<br />

matas e montanhas e sempre acabavam chegando on<strong>de</strong> queriam. Hoje<br />

temos que nos preocupar apenas com banais placas indicativas fincadas<br />

ao longo das estradas e assim passamos <strong>de</strong>satentos pelos mesmos perfis<br />

das serras e picos que os caminhantes antigos avistavam com a maior<br />

alegria pois era assim que sabiam estar no rumo certo.<br />

Finalmente a viagem<br />

O propósito <strong>de</strong>sse trabalho, como anunciado na introdução, é<br />

servir <strong>de</strong> roteiro àqueles que se disponham a conhecer as <strong>igrejas</strong><br />

setecentistas <strong>de</strong> <strong>Minas</strong>. Vale dizer, seguir as trilhas que tivemos o prazer<br />

<strong>de</strong> seguir mais <strong>de</strong> uma vez, procurando variar os ângulos e buscando<br />

<strong>de</strong>scobrir novas luzes, cores, volumes e reflexos <strong>de</strong> que são sempre<br />

plenos nossos templos barrocos, construí<strong>dos</strong> que foram pacientemente<br />

entrelaçando profusamente as mais diversas referências. Assim, tornase<br />

indispensável <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já, a adoção <strong>de</strong> um critério que facilite e organize<br />

a vida <strong>de</strong> quem se interesse em correr algumas centenas <strong>de</strong> quilômetros<br />

em busca <strong>de</strong> um passado glorioso. Algumas linhas atrás pon<strong>de</strong>rei que é<br />

muito difícil recriar os caminhos antigos <strong>de</strong> <strong>Minas</strong>. Eles são muitos e<br />

varia<strong>dos</strong> mas têm um veio em comum expresso na própria sucessão <strong>de</strong><br />

<strong>igrejas</strong> <strong>antigas</strong> ao longo <strong>de</strong>sses caminhos e que representam marcos<br />

seguros a serem segui<strong>dos</strong> e admira<strong>dos</strong>.<br />

Nosso roteiro começa por dividir o estado em regiões à luz da<br />

divisão administrativa adotada no século XVIII para a capitania <strong>de</strong><br />

<strong>Minas</strong> Gerais. Ao longo <strong>de</strong> todo aquele século a capitania era dividida<br />

em quatro comarcas: Rio das Velhas (com se<strong>de</strong> em Sabará), Rio das<br />

Mortes (com se<strong>de</strong> em São João <strong>de</strong>l Rei), Vila Rica e Serro do Frio (com<br />

se<strong>de</strong> em Vila do Príncipe, atual Serro). Um pouco mais tar<strong>de</strong>, já no<br />

século XIX, a gran<strong>de</strong> comarca <strong>de</strong> Sabará foi subdividida e surgiu a<br />

Comarca <strong>de</strong> Paracatu. O Distrito <strong>dos</strong> Diamantes era uma região<br />

separada do restante da capitania, gozando <strong>de</strong> uma condição<br />

administrativa especial <strong>de</strong>stinada a manter a produção <strong>de</strong> diamantes<br />

controlado <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um anel <strong>de</strong> ferro. Aproveitando, <strong>de</strong> alguma forma<br />

essa configuração, levando em conta também os meios <strong>de</strong> locomoção,<br />

as interligações e vias <strong>de</strong> acesso hoje disponíveis, vamos dividir nosso<br />

roteiro da seguinte forma:<br />

75


Sabará - abrangendo também Raposos, Santa Luzia, Caeté (Vila<br />

Nova da Rainha), Barão <strong>de</strong> Cocais (São João do Morro Gran<strong>de</strong>), Santa<br />

Bárbara, Catas Altas e Paracatu;<br />

Ouro Preto - abrangendo também Itabirito (Itabira do Campo),<br />

Mariana, Ouro Branco, Congonhas, São Brás do Suaçuí, Conselheiro<br />

Lafaiete (Queluz) e Itaverava;<br />

São João <strong>de</strong>l Rei - abrangendo também Tira<strong>de</strong>ntes (São José <strong>de</strong>l<br />

Rei), Pra<strong>dos</strong>, Barbacena e Oliveira;<br />

Serro - abrangendo também Diamantina (Tijuco). 74<br />

É um roteiro arbitrário e pessoal que extrapola o leito básico da<br />

fictícia Estrada Real e não <strong>de</strong>spreza regiões <strong>antigas</strong> e ricas em<br />

patrimônio cultural, hoje relegadas a segundo plano por não disporem<br />

<strong>de</strong> certas comodida<strong>de</strong>s turísticas. Da forma em que está alinhado não é<br />

o melhor trajeto do ponto <strong>de</strong> vista da malha rodoviária disponível. Hoje<br />

é possível partir <strong>de</strong> Paracatu e, em alguns dias, conhecer to<strong>dos</strong> os sítios<br />

que <strong>de</strong>screvemos, finalizando o percurso na região <strong>de</strong> São João <strong>de</strong>l Rei.<br />

Eis uma sugestão alternativa, mais cômoda: Paracatu, Diamantina,<br />

Serro, Santa Luzia, Raposos, Sabará, Caeté, Barão <strong>de</strong> Cocais, Santa<br />

Bárbara, Catas Altas, Mariana, Ouro Preto, Ouro Branco, Congonhas,<br />

São Brás do Suaçuí, Conselheiro Lafaiete, Itaverava, Barbacena,<br />

Tira<strong>de</strong>ntes, São João <strong>de</strong>l Rei, Pra<strong>dos</strong> e Oliveira. É um in<strong>de</strong>scritível<br />

roteiro <strong>de</strong> charme, beleza, história e natureza pelas <strong>Minas</strong> Gerais <strong>dos</strong><br />

séculos XVIII, XIX e XXI.<br />

Existem várias <strong>igrejas</strong> <strong>antigas</strong> espalhadas pelo estado, em se<strong>de</strong>s<br />

ou distritos que ficam fora <strong>de</strong>sse nosso roteiro básico. Isso não que<br />

dizer que elas não mereçam ser conhecidas, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo da<br />

conveniência <strong>de</strong> cada um. De qualquer forma, elas são mencionadas no<br />

cadastro e penso que as oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> se conhecer qualquer igreja<br />

setecentista, por mais distante e isolada que se encontre e por mais<br />

singela que seja, nunca <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>sprezada. Mantenho a convicção <strong>de</strong><br />

74 Entre parênteses estão os nomes ainda encontra<strong>dos</strong> nas obras <strong>dos</strong> nossos visitantes<br />

do século XIX.<br />

76


que cada igreja remanescente do setecentos é em si um cofre <strong>de</strong><br />

riquezas que vale a pena ser conhecido nas minúcias. Mesmo porque,<br />

quando pouco, representam o zelo e o amor <strong>de</strong> alguns abnega<strong>dos</strong><br />

lutando para conservá-las<br />

Nosso guia <strong>de</strong> visitação tem propósitos práticos. Assim, ele<br />

contém basicamente algumas indicações sobre os acessos <strong>às</strong> cida<strong>de</strong>s e<br />

aos templos, pequenas dicas turísticas e uma <strong>de</strong>scrição <strong>dos</strong> aspectos<br />

internos e externos <strong>de</strong> cada templo, tomando por base os mo<strong>de</strong>los e<br />

referências que <strong>de</strong>lineamos. Principalmente em relação aos aspectos<br />

internos das <strong>igrejas</strong>, nossa <strong>de</strong>scrição ten<strong>de</strong>rá a parecer um fiapo em<br />

relação <strong>às</strong> riquezas que po<strong>de</strong>m ser observadas por cada viajante. De<br />

fato, nosso esforço <strong>de</strong>scritivo, embora muitas vezes minucioso, não<br />

chega a ser extensivo e se presta sobretudo a disciplinar um pouco mais<br />

a contemplação do visitante. Nada na verda<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ou <strong>de</strong>ve substituir a<br />

festa que uma igreja barroca é para os olhos e cada visitante po<strong>de</strong><br />

enxergar as coisas que eu <strong>de</strong>screvi, <strong>de</strong> forma diversa e até enxergar o<br />

que eu não enxerguei.<br />

Sempre que possível, também trouxe informações <strong>dos</strong> viajantes<br />

do século XIX, sobre os lugares, as <strong>igrejas</strong> ou até a natureza, como<br />

pertinente.<br />

Também tomei outras liberda<strong>de</strong>s. Uma <strong>de</strong>las foi inserir<br />

referências sobre fatos e personagens da Inconfidência Mineira nos<br />

locais em que eles ocorreram. Não pu<strong>de</strong> resistir a fazer essa fascinante<br />

ligação entre tempo e espaço em se tratando do mais singular<br />

acontecimento da história mineira. 75<br />

Outra liberda<strong>de</strong> que tomei foi revelar e comentar certos fatos e<br />

intimida<strong>de</strong>s que aconteceram nas minhas viagens. Aqui <strong>de</strong>i uma <strong>de</strong><br />

cronista, imitando prazerosamente os nossos viajantes do século XIX.<br />

Enfim, enquanto relato <strong>de</strong> viagens efetivamente realizadas, este<br />

livro carrega uma carga intimista, mesmo porque não há nada mais<br />

intimista do que gostar <strong>de</strong> minudências <strong>de</strong> <strong>igrejas</strong> <strong>antigas</strong> e sair à caça<br />

<strong>de</strong>las trilhando caminhos antigos.<br />

75 Esse apaixonante assunto ocupa todo o segundo livro da trilogia da Fábula <strong>de</strong><br />

Ribeirão do Carmo.<br />

77


Antes <strong>de</strong> começarmos efetivamente nossa viagem, convém<br />

reforçar mais uma vez que é sempre bom nos precavermos em obter<br />

informações sobre os horários em que as <strong>igrejas</strong> estão abertas à<br />

visitação. Relembro que muitas <strong>de</strong>las permanecem fechadas a maior<br />

parte do tempo e realmente é <strong>de</strong>sagradável programar uma visita a um<br />

<strong>de</strong>terminado templo e só ter a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conhecê-lo<br />

externamente. Não há informações seguras a esse respeito mas as<br />

melhores fontes são os centros <strong>de</strong> turismo das prefeituras e<br />

especialmente as administrações das paróquias. Contudo, qualquer<br />

viajante que queira conhecer templos <strong>de</strong> menor prestígio,<br />

inevitavelmente <strong>de</strong>ve estar preparado para conhecer apenas o seu<br />

exterior, mesmo porque, com a atual carência <strong>de</strong> sacerdotes muitos<br />

<strong>de</strong>les permanecem efetivamente inativos. De qualquer forma, vale a<br />

pena perguntar aos vizinhos. É comum um <strong>de</strong>les guardar a chave do<br />

templo e não hesitar em emprestá-la. Foi assim que conhecemos o<br />

interior <strong>de</strong> várias igrejinhas interessantes.<br />

SABARÁ<br />

COMARCA DO RIO DAS VELHAS<br />

Tem quatro fontes que abastecem a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ótima água.<br />

O seu comércio é ativo e forte, e o seu crédito é muito<br />

bem firmado. Tem um bom e bem construído teatro, feito<br />

<strong>às</strong> expensas <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> particular.<br />

Os edifícios são <strong>de</strong> bela arquitetura e forte construção;<br />

entre eles há um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> sobra<strong>dos</strong>.<br />

O povo da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Sabará é tão civilizado e amante<br />

da instrução que custa encontrar-se um sabarense<br />

que não saiba ler, escrever; contar; música e ofício.<br />

José Joaquim da Silva – 1879 76<br />

Vamos começar nossa viagem pela cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Sabará, antiga Vila<br />

Real <strong>de</strong> N. S. da Conceição do Sabará, a terceira povoação <strong>de</strong> <strong>Minas</strong><br />

76 Todas as pequenas citações que abrem as referências sobre as cida<strong>de</strong>s visitantes são<br />

<strong>de</strong>ste autor. Vi<strong>de</strong> bibliografia.<br />

78


elevada à vila por Antônio <strong>de</strong> Albuquerque em 1711. Esta simpática<br />

cida<strong>de</strong> dista apenas vinte quilômetros do nosso ponto <strong>de</strong> partida que é<br />

Belo Horizonte. Po<strong>de</strong> ser facilmente alcançada por rodovia estadual<br />

asfaltada que, em uma parte do trajeto, margeia o rio das Velhas e na<br />

sequência, nos leva a Caeté, passando ao largo da serra da Pieda<strong>de</strong>. É<br />

uma estrada pitoresca que, após Sabará, serpenteia por uma serra<br />

interessante, no alto da qual está a antiga Mina <strong>de</strong> Ouro <strong>de</strong> Cuiabá. O<br />

trecho é muito bem preservado e vale a pena conhecê-lo, também pelos<br />

seus atributos ecológicos.<br />

Nossos viajantes do século XIX visitaram Sabará entre 1817 e<br />

1867, anotando interessantes observações sobre a vila e, mais tar<strong>de</strong>,<br />

cida<strong>de</strong>.<br />

O botânico escocês George Gardner esteve em Sabará em<br />

agosto <strong>de</strong> 1840 tendo alcançado a cida<strong>de</strong> vindo <strong>de</strong> N. S. do Pilar <strong>de</strong><br />

Congonhas do Sabará, a nossa Nova Lima <strong>de</strong> hoje. O mesmo roteiro<br />

foi trilhado por Burton vinte e sete anos mais tar<strong>de</strong>. Esse trajeto ainda<br />

po<strong>de</strong> ser feito nos dias atuais, através <strong>de</strong> uma terrível mas pitoresca<br />

estrada <strong>de</strong> terra <strong>de</strong> doze quilômetros que, seguindo o traçado da serra<br />

do Curral do lado oposto <strong>de</strong> Belo Horizonte, liga as duas cida<strong>de</strong>s,<br />

passando por uma região surpreen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong>sabitada, não obstante<br />

sua proximida<strong>de</strong> da capital e <strong>dos</strong> seus tentáculos <strong>de</strong> especulação<br />

imobiliária. Foi mais ou menos ao longo <strong>de</strong>ste trecho que Manuel<br />

Nunes Viana, o chefe <strong>dos</strong> emboabas, partindo <strong>de</strong> Caeté venceu as<br />

primeiras escaramuças <strong>dos</strong> paulistas em 1709. Algum sangue <strong>de</strong>ve ter<br />

então corrido para o leito do rio das Velhas, conspurcando suas<br />

gloriosas águas com os <strong>de</strong>stroços <strong>de</strong> uma guerra civil absurda mas<br />

historicamente explicável (Guerra <strong>dos</strong> Emboabas). Não sabemos o<br />

número <strong>de</strong> vítimas <strong>de</strong>sses <strong>de</strong>sentendimentos, mas as perdas materiais<br />

foram gran<strong>de</strong>s pois a turma <strong>de</strong> Viana conseguiu botar fogo no arraial,<br />

assustando os paulistas e fazendo-os correr para a região <strong>de</strong> Pitangui. 77<br />

Spix e Martius rumaram para Sabará a partir <strong>de</strong> Vila Rica,<br />

passando por Santo Antônio <strong>de</strong> Casa Gran<strong>de</strong> (hoje Glaura, distrito <strong>de</strong><br />

Ouro Preto) e Rio das Pedras (Acuruí, distrito <strong>de</strong> Itabirito), seguindo<br />

77 Pessoalmente acho que a Guerra <strong>dos</strong> Emboabas não foi tão sanguinária quanto<br />

dizem e trato disso no terceiro livro da trilogia.<br />

79


aproximadamente o traçado do histórico rio, antigamente chamado <strong>de</strong><br />

Guaicuí.<br />

Saint-Hilaire ganhou Sabará pelo lado oposto. Estava voltando<br />

do Distrito <strong>dos</strong> Diamantes e antes havia passado na serra da Pieda<strong>de</strong><br />

on<strong>de</strong> ficou algum tempo observando os transes apoplécticos da irmã<br />

Germana que tinham mania <strong>de</strong> ficar horas imóvel, com o corpo<br />

enrijecido. É mais ou menos por isso que a serra ganhou a aura mística<br />

que conserva até hoje<br />

O princípio da história <strong>de</strong> Sabará está ligado à <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong><br />

ouro na região, então conhecida como Sabarabuçu, em finais do<br />

século XVII e a presença <strong>de</strong> Borba Gato que ali permaneceu após a<br />

morte <strong>de</strong> Fernão Dias e que, como vimos, veio a ser o seu primeiro<br />

guarda-mor. Na verda<strong>de</strong> ele só se estabeleceu ali cerca <strong>de</strong> doze anos<br />

<strong>de</strong>pois, após a fuga a que foi obrigado por conta da sua participação na<br />

morte <strong>de</strong> d. Rodrigo. Predomina hoje a versão <strong>de</strong> que quando o<br />

ban<strong>de</strong>irante paulista aqui chegou, por volta <strong>de</strong> 1701, já encontrou uma<br />

povoação e que o núcleo urbano por ele criado foi, na verda<strong>de</strong>, Santo<br />

Antônio do Bom Retiro da Roça Gran<strong>de</strong> que está um pouco antes da<br />

entrada <strong>de</strong> Sabará, do outro lado do rio das Velhas. A origem do nome<br />

é bastante controvertida. Burton ouviu em 1867 que ele teria sido<br />

tomado <strong>de</strong> um velho pagé que ali viveu em tempos remotos. Saint-<br />

Hilaire também dá uma versão pouco consistente misturando<br />

corruptelas <strong>de</strong> termos indígenas numa bela confusão. Segundo nosso<br />

caro historiador Diogo <strong>de</strong> Vasconcelos, o nome tem a ver com as<br />

particularida<strong>de</strong>s geográficas da junção <strong>de</strong> um rio menor com um rio<br />

maior, como ocorre no sítio em que a cida<strong>de</strong> foi criada, on<strong>de</strong> o rio<br />

Sabará <strong>de</strong>ságua no rio das Velhas. Isso faz algum sentido, sabedores que<br />

somos <strong>de</strong> que nossos índios, das mais diversas nações, sempre<br />

i<strong>de</strong>ntificavam os aci<strong>de</strong>ntes geográficos compondo nomes, conforme a<br />

figuração ou i<strong>de</strong>ia concreta ou abstrata que tais aci<strong>de</strong>ntes sugeriam.<br />

Mas, na verda<strong>de</strong>, o nome Sabará é simples corruptela do nome<br />

Sabarabuçu, cuja origem tratamos no último livro da nossa trilogia.<br />

Sabará foi elevada a categoria <strong>de</strong> vila por Antônio <strong>de</strong><br />

Albuquerque, logo após o fim da Guerra <strong>dos</strong> Emboabas, juntamente<br />

com o Ribeirão do Carmo e Vila Rica. Como se<strong>de</strong> <strong>de</strong> comarca <strong>de</strong> uma<br />

importante região aurífera, possuía a sua odiada casa <strong>de</strong> fundição para<br />

on<strong>de</strong> <strong>de</strong>veria ser levado todo o ouro extraído na região para ser fundido<br />

80


em barras e <strong>de</strong>vidamente taxado. A antiga Comarca <strong>de</strong> Sabará era a<br />

maior <strong>de</strong> <strong>Minas</strong>, atingindo até a região <strong>de</strong> Paracatu na borda <strong>dos</strong> limites<br />

com a capitania <strong>de</strong> Goiás.<br />

No princípio do século XIX Sabará era dividida em cida<strong>de</strong> velha<br />

e cida<strong>de</strong> nova. A cida<strong>de</strong> velha era a região on<strong>de</strong> hoje ficam as <strong>igrejas</strong> <strong>de</strong><br />

N. S. do Ó e N. S. da Conceição e a cida<strong>de</strong> nova era a região que<br />

abrange o centro histórico e a parte baixa, em direção ao rio.<br />

Devido a proximida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Belo Horizonte, Sabará possui poucas<br />

opções <strong>de</strong> hospedagem. Há uma pousada instalada num interessante<br />

casarão antigo, próximo à igreja das Mercês. Há alguns restaurantes<br />

típicos <strong>de</strong> cida<strong>de</strong>zinhas do interior, com cardápio farto e muita comida<br />

a quilo.<br />

Possui alguns trechos históricos preserva<strong>dos</strong>, especialmente no<br />

centro da cida<strong>de</strong>, na rua Pedro II, antiga rua Direita, on<strong>de</strong> ainda<br />

encontramos alguns casarões especialmente do século XIX. 78 Destaque<br />

para o Solar do Padre Correia ou <strong>de</strong> Jacinto Dias construído em 1773<br />

on<strong>de</strong> funciona hoje a Prefeitura Municipal. Ali já se hospedaram figuras<br />

ilustres como d. Pedro I e d. Pedro II. Visitem a capela e admirem seus<br />

adornos rococó. Seu antigo proprietário, o padre José Correia da Silva<br />

era suspeito <strong>de</strong> ser inconfi<strong>de</strong>nte e assim, provavelmente, os ouvi<strong>dos</strong> <strong>de</strong><br />

algumas das pare<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ssa casa <strong>de</strong>vem ter escutado muito xingação<br />

contra a Coroa e o governador Cunha Menezes, o Fanfarrão Minésio<br />

ridicularizado nas Cartas Chilenas <strong>de</strong> Tomas Antônio Gonzaga.<br />

Foi em Sabará que morreu um <strong>dos</strong> <strong>de</strong>latores da Inconfidência<br />

Mineira, o coronel do regimento <strong>de</strong> auxiliares <strong>de</strong> Paracatu Basílio do<br />

Brito Malheiro. Morreu amaldiçoando o Brasil e os brasileiros e<br />

temendo ser emboscado em algum beco escuro, punido pelo povo <strong>de</strong><br />

Sabará pela sua vil <strong>de</strong>lação. Daqui também saiu um <strong>dos</strong> mais<br />

implacáveis <strong>de</strong>vassantes da Inconfidência, o <strong>de</strong>sembargador César<br />

Manitti, ouvidor da Comarca e escrivão do inquérito que acabou na<br />

con<strong>de</strong>nação <strong>dos</strong> inconfi<strong>de</strong>ntes.<br />

78 Burton cita alguns casarões imponentes que observou em Sabará: o do barão <strong>de</strong><br />

Sabará na praça do Rosário, a do <strong>de</strong>sembargador José Lopes da Silva Viana e a<br />

in<strong>de</strong>fectível casa do barão <strong>de</strong> Catas Altas (João Batista Ferreira <strong>de</strong> Souza Coutinho)<br />

na rua Direita.<br />

81


Outra construção do século XVIII é a chamada Casa Azul on<strong>de</strong><br />

nos dias <strong>de</strong> hoje funciona uma repartição pública fe<strong>de</strong>ral. Tem ainda<br />

uma atração que é a chamada Casa Borba Gato. O nome é um chamariz<br />

turístico pois o famoso <strong>de</strong>sbravador do Sabarabuçu nunca morou ali e<br />

ele foi tomado da rua on<strong>de</strong> está situada. Trata-se da antiga Rua da<br />

Ca<strong>de</strong>ia que foi rebatizada com o nome do ban<strong>de</strong>irante em 1911. A casa,<br />

construída pela família Guimarães em 1814 já foi hotel, escola, casa <strong>de</strong><br />

padre e hoje é uma instituição do IPHAN voltada para a preservação<br />

do patrimônio histórico da cida<strong>de</strong>.<br />

Sabará possui ainda vários antigos chafarizes, sendo mais<br />

conheci<strong>dos</strong> o do Katen<strong>de</strong>, na rua São Pedro, 79 o do Rosário instalado<br />

ao lado da igreja <strong>de</strong> mesmo nome na praça Melo Viana e o da Corte<br />

Real.<br />

Indo a Sabará em busca <strong>de</strong> suas <strong>igrejas</strong> setecentistas o visitante<br />

tem ainda a feliz possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> visitar duas outras atrações<br />

imperdíveis: o Museu do Ouro e o Teatro Elisabetano. O museu está<br />

instalado num casarão construído em 1730 (rua da Intendência) on<strong>de</strong><br />

funcionaram a Casa <strong>de</strong> Fundição e a Intendência. Tendo como tema<br />

principal a extração e fundição do ouro, o museu possui peças diversas<br />

representativas da história mineira do setecentos, incluindo móveis,<br />

pinturas, utensílios domésticos, além <strong>de</strong> instrumentos e ilustrações <strong>de</strong><br />

técnicas utiliza<strong>dos</strong> na extração e fundição do ouro. O casarão é uma<br />

atração em si. Burton conta que quando passou pela cida<strong>de</strong> (em 1867)<br />

ele tinha sido comprado pelo professor <strong>de</strong> latim sr. Francisco <strong>de</strong> Paula<br />

Rocha e transformado numa escola. Mais tar<strong>de</strong> a casa foi comprada <strong>de</strong><br />

seus her<strong>de</strong>iros pela Cia. Belgo Mineira e transformada em patrimônio<br />

cultural aberto ao público.<br />

O teatro elisabetano se encontra no alto da rua Pedro II,<br />

próximo à praça da igreja do Rosário, estando regularmente aberto à<br />

visitação pública. O atual foi construindo no século XIX e suce<strong>de</strong>u a<br />

antiga Casa da Ópera construída em 1770. Depois <strong>de</strong> ter sido o Cine<br />

Teatro Borba Gato e entrado em total ruína, a casa foi recuperada e<br />

79 Há uma piada popular na cida<strong>de</strong> alertando que há bicas certas para uso <strong>de</strong> homens<br />

e mulheres e que beber água na bica errada po<strong>de</strong> ser perigoso. A lenda antiga que<br />

floreia os predica<strong>dos</strong> do chafariz, porém, é menos cruel e apenas con<strong>de</strong>na quem bebe<br />

a água da antiga fonte à doce pena <strong>de</strong> nunca mais esquecer Sabará.<br />

82


hoje tenta cumprir sua heroica vocação original, prestando-se<br />

<strong>de</strong>mocraticamente à realização <strong>de</strong> espetáculos diversos on<strong>de</strong> não faltam<br />

representações <strong>de</strong> peças teatrais ou musicais, amadoras mas esforçadas.<br />

Com alguma sorte é possível assistir a um concerto mais competente no<br />

agradável ambiente. De toda forma me fica a convicção <strong>de</strong> que o<br />

teatrinho é muito mal aproveitado e <strong>de</strong>veria merecer mais atenção das<br />

nossas autorida<strong>de</strong>s culturais. Foi totalmente restaurado em 1970 e, em<br />

1995, sofreu uma outra reforma. Uma fachada mo<strong>de</strong>sta e discreta oculta<br />

um interior bastante interessante. O recinto <strong>de</strong> espetáculos tem a forma<br />

ligeiramente ovalada, num traçado dito “italiano” e, além do piso<br />

abaixo do nível do palco, possui três andares <strong>de</strong> galerias. De qualquer<br />

<strong>dos</strong> pontos tem-se uma ótima visão do palco e se goza <strong>dos</strong> benefícios<br />

<strong>de</strong> uma excelente acústica o que <strong>de</strong>monstra como, na falta <strong>de</strong> recursos<br />

tecnológicos, as técnicas arquitetônicas utilizadas naquela época<br />

supriam com proprieda<strong>de</strong>, as necessida<strong>de</strong>s funcionais. Richard Burton,<br />

consi<strong>de</strong>rou o teatro “tolerável” o que até po<strong>de</strong> ser traduzido como um<br />

elogio.<br />

Sabará possui um <strong>dos</strong> mais notáveis acervos <strong>de</strong> <strong>igrejas</strong><br />

setecentistas <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> entre as quais, consoante a cronologia <strong>de</strong><br />

ocupação da região, estão algumas das mais <strong>antigas</strong>. Burton anotou os<br />

seguintes templos quando da sua visita: igreja do Carmo, matriz <strong>de</strong> N.<br />

S. da Conceição, igreja das Mercês, igreja <strong>de</strong> São Francisco, igreja <strong>de</strong><br />

Santa Rita, igreja <strong>de</strong> N. S. do Ó e uma capela no alto do Cruzeiro. Fez<br />

comentários apenas em relação à <strong>de</strong> São Francisco que notou estar<br />

inacabada e das Mercês que observou ser pequena e <strong>de</strong>spretensiosa.<br />

Dessas, apenas a <strong>de</strong> Santa Rita não existe mais, miseravelmente<br />

<strong>de</strong>molida em 1937. 80<br />

Saint-Hilaire aponta cinco templos principais mais uma série <strong>de</strong><br />

capelas. Contudo nomeia apenas as <strong>de</strong> N. S. da Conceição e a do<br />

Carmo.<br />

Spix e Martius e Gardner fizeram poucos comentários sobre<br />

Sabará. Os naturalistas alemães registram ter participado <strong>de</strong> um almoço<br />

a convite do juiz <strong>de</strong> fora que muito os agradou. O botânico escocês,<br />

80 Augusto <strong>de</strong> Lima Jr. conta que a Igreja era construída <strong>de</strong> antiga e boa taipa <strong>de</strong> sebe<br />

com armações <strong>de</strong> aroeira e que na sua <strong>de</strong>molição foi usado dinamite, com sucesso<br />

relativo, tendo sido necessário completar a <strong>de</strong>molição das pare<strong>de</strong>s mediante o paciente<br />

e <strong>de</strong>morado corte das ma<strong>de</strong>iras da estrutura da taipa.<br />

83


por outro lado, passou pela vila praticamente incógnito. Não <strong>de</strong>ixaram,<br />

contudo, <strong>de</strong> tecer elogios à beleza da natureza circundante e ao aspecto<br />

urbanístico agradável da vila <strong>de</strong> Sabará. Gardner fala ainda <strong>de</strong> inúmeras<br />

fontes públicas e das várias belas <strong>igrejas</strong>.<br />

Dom frei José, o bispo <strong>de</strong> Mariana incluído singularmente no<br />

nosso grupo <strong>de</strong> viajantes, esteve em Sabará em 1822 pouco antes da<br />

proclamação da in<strong>de</strong>pendência. 81 Mandou fazer registros sobre o estado<br />

da matriz <strong>de</strong> N. S. da Conceição, N. S. do Carmo, capela <strong>de</strong> Santa Rita,<br />

capela <strong>de</strong> N. S. do Pilar, igreja das Mercês, Santo Antônio <strong>de</strong> Pompéu e<br />

a N. S. do Rosário, naquele tempo, claro, já <strong>de</strong>vidamente inacabada.<br />

Além da <strong>de</strong>molida capela <strong>de</strong> Santa Rita, menciona ainda a igreja N. S.<br />

<strong>dos</strong> Anjos que é a mesma São Francisco <strong>de</strong> Assis. Fala do bom estado<br />

da matriz <strong>de</strong> N. S. da Conceição e da igreja do Carmo e nos informa<br />

que na capela <strong>de</strong> Santa Rita estava exposto o Santíssimo Sacramento<br />

para conforto <strong>dos</strong> enfermos mas que o templo tinha um só altar e era<br />

muito pobre.<br />

Parece que hoje a cida<strong>de</strong> carece <strong>de</strong> padres. Notamos nas<br />

eventuais cerimônias que assistimos aqui, que o padre é sempre o<br />

mesmo. De fato, as missas são em horário sucessivo e já o vimos sair <strong>de</strong><br />

uma igreja e correr para outra. Melhor do que Diamantina on<strong>de</strong>,<br />

embora se<strong>de</strong> <strong>de</strong> diocese, algumas <strong>igrejas</strong> não têm mais a lâmpada do<br />

Santíssimo e, portanto, não estão mais consagradas para missas.<br />

Cadastramos, somando a se<strong>de</strong> e distritos um total <strong>de</strong> treze<br />

templos em Sabará. São eles:<br />

matriz <strong>de</strong> N. S. da Conceição, igreja <strong>de</strong> N. S. do Ó, igreja <strong>de</strong> São<br />

Francisco, igreja do Rosário, igreja do Carmo, igreja das Mercês, capela<br />

do Pilar, capela <strong>de</strong> Santa Cruz, capela <strong>de</strong> Santana no Arraial Velho,<br />

capela <strong>de</strong> Santo Antônio do Pompéu, igreja <strong>de</strong> Santa Efigênia, igreja <strong>de</strong><br />

N. S. do Rosário no distrito <strong>de</strong> Mestre Caetano e igreja <strong>de</strong> N. S. da<br />

Lapa/Assunção no distrito <strong>de</strong> Ravena<br />

Matriz <strong>de</strong> Nossa Senhora da Conceição – 1714<br />

81 Aliás, ele foi um <strong>dos</strong> prela<strong>dos</strong> que participou da solenida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sagração <strong>de</strong> d. Pedro<br />

I como imperador do Brasil.<br />

84


Esta notável igreja é uma das mais <strong>antigas</strong> <strong>de</strong> <strong>Minas</strong>, rivalizando<br />

em antiguida<strong>de</strong> com a matriz <strong>de</strong> Raposos e a Sé <strong>de</strong> Mariana. 82 Está<br />

entre as primeiras <strong>igrejas</strong> <strong>de</strong> vigararias coladas da capitania, 83 o que<br />

ocorreu por força da citada carta régia <strong>de</strong> 1724, sendo governador d.<br />

Lourenço <strong>de</strong> Almeida.<br />

Sua construção está ligada ao esforço do padre José <strong>de</strong> Queiroz<br />

Coimbra que foi seu vigário por mais <strong>de</strong> meio século.<br />

Está situada na parte baixa da cida<strong>de</strong>, próxima à igreja <strong>de</strong> N. S.<br />

do Ó, ou seja, na autêntica parte velha que hoje, na realida<strong>de</strong>, tem<br />

aspecto mais novo do que a região central <strong>de</strong> Sabará.<br />

É popularmente chamada <strong>de</strong> igreja nova ou gran<strong>de</strong>, tradição que<br />

vem <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a época da sua construção em substituição à capela primitiva<br />

existente no mesmo local.<br />

Seguindo o mo<strong>de</strong>lo característico da primeira meta<strong>de</strong> do século,<br />

tem uma fachada simples e um interior bastante suntuoso. A fachada<br />

segue, <strong>de</strong> forma comportada, o mo<strong>de</strong>lo clássico da primeira fase. O<br />

frontispício está organizado a partir do quadrado tradicional, tendo uma<br />

porta elementar no centro e cunhais <strong>de</strong> tábuas pintadas emoldurando a<br />

base das torres. Dois janelões retangulares se abrem nas laterais um<br />

pouco acima da parte superior do portal. O frontão é bastante singelo<br />

com perfil em curvas discretas, guarnecido por um beiral <strong>de</strong> telhas e<br />

encimado por uma cruz resplan<strong>de</strong>cente. O telhado das torres é em<br />

forma <strong>de</strong> duas águas e elas têm no alto duas cruzes apoiadas em esferas<br />

armilares. A cimalha é coberta também por um telhado em forma <strong>de</strong><br />

beiral que segue o seu traçado.<br />

O interior é, como dissemos, o ponto alto do conjunto. Aqui,<br />

contrariando a austerida<strong>de</strong> do mo<strong>de</strong>lo da fachada, há bastante<br />

diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> referências como convém a uma velha matriz do<br />

setecentos. Começa pela planta <strong>de</strong> distribuição do espaço interno. A<br />

capela mor, confrontando o mo<strong>de</strong>lo tradicional, é da mesma largura da<br />

82 Saint-Hilaire, citando Pizzarro, dá a data <strong>de</strong> início da construção do templo em<br />

1701. Isso não é <strong>de</strong> todo impossível pois esse é o ano da instalação da paróquia e não<br />

é improvável que já nesse ano começasse a ser construída a nova igreja, contudo,<br />

<strong>de</strong>via ser uma mera choupana <strong>de</strong> pau-a-pique, consoante o padrão paupérrimo<br />

daqueles primitivos tempos .<br />

83 Cobiçada condição que abria oportunida<strong>de</strong> para a provisão <strong>de</strong> vigários com direito a<br />

remuneração do estado, bom emprego naqueles tempos.<br />

85


nave. Porém é um ambiente inteiramente distinto <strong>de</strong>sta, separada pelo<br />

arco cruzeiro. A nave é acrescida <strong>de</strong> corredores laterais em trifórios,<br />

ou seja, liga<strong>dos</strong> a ela por aberturas sob arcos sustenta<strong>dos</strong> por pilastras e<br />

on<strong>de</strong> estão os altares laterais que, assim, não ficam no mesmo recinto<br />

da nave como tradicionalmente acontece. Essa particularida<strong>de</strong> obrigou<br />

a colocação <strong>dos</strong> púlpitos apoia<strong>dos</strong> nas pilastras laterais o que lhes<br />

confere bastante rarida<strong>de</strong> e um inusitado aspecto <strong>de</strong> fragilida<strong>de</strong>,<br />

incomum em qualquer peça das <strong>igrejas</strong> <strong>de</strong>ssa época. Essa divisão da<br />

nave em três ambientes é semelhante ao que ocorre em outras matrizes<br />

do princípio do século XVIII em Mariana e Raposos. Alguns autores<br />

concebem o espaço interno do templo como constituído <strong>de</strong> três naves<br />

o que não nos parece correto pois a nave propriamente é claramente<br />

<strong>de</strong>finida e preserva sua função primordial.<br />

O recinto interno é bastante iluminado pela luz natural já que<br />

existem vários janelões eleva<strong>dos</strong> se abrindo para a nave e a capela mor.<br />

Os corredores <strong>dos</strong> la<strong>dos</strong> da nave, como dito, se comunicam com o<br />

corpo principal da mesma através <strong>de</strong> largos arcos enfileira<strong>dos</strong>. Saint-<br />

Hilaire observa não ter visto tal particularida<strong>de</strong> em nenhuma outra<br />

igreja. Elogia especialmente os quadros ao lado do coro rotulando-os os<br />

melhores da província.<br />

O altar mor tem características predominantes da primeira fase<br />

ten<strong>de</strong>ndo para arquivoltas, porém interrompidas por uma tarja no<br />

coroamento. A talha é rotunda e profusa, com dois nichos laterais, um<br />

pouco acima <strong>de</strong> duas misteriosas portas e la<strong>de</strong>a<strong>dos</strong> por colunas torsas,<br />

encimadas por uma espécie <strong>de</strong> baldaquino. Entronada se encontra uma<br />

gran<strong>de</strong> imagem da padroeira do templo, composta pela virgem e anjos<br />

aos borbotões. É uma Nossa Senhora jovial com feições que satisfazem<br />

plenamente os mo<strong>de</strong>rnos padrões <strong>de</strong> beleza. O trono é baixo, quase<br />

inexistente, distante da exuberância <strong>dos</strong> tronos rococós, verda<strong>de</strong>iras<br />

fontes <strong>de</strong> cascatas. O teto da capela é artesoado, em molduras<br />

retangulares, com pinturas. As pare<strong>de</strong>s laterais são <strong>de</strong>coradas por<br />

pinturas ricamente emolduradas. Há três janelões guarneci<strong>dos</strong> <strong>de</strong><br />

balaustradas e coruchéus <strong>de</strong> cada lado da capela mor.<br />

O arco cruzeiro é encimado por um medalhão caprichoso e é<br />

todo entalhado no mesmo estilo das galerias laterais. No recinto <strong>de</strong>ssas<br />

galerias estão os altares secundários, num total <strong>de</strong> seis, com retábulos<br />

em arquivoltas mas com colunas torsas mais robustas, acentuando a<br />

mistura <strong>de</strong> referências existentes no templo. Os tronos <strong>dos</strong> dois<br />

primeiros altares têm um formato semelhante ao cálice <strong>de</strong> uma fonte<br />

ou a um cântaro. Há fartura <strong>de</strong> entalhes por todo o templo,<br />

86


combinando folhas, frutas, atlantes, cariáti<strong>de</strong>s e anjos. Há também<br />

gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pinturas com cenas variadas <strong>de</strong> inspiração<br />

religiosa. O teto da nave também é artesoado e mostra uma pintura<br />

<strong>de</strong>corativa suave e bastante discreta. O coro é simples e um pouco<br />

afastado, distinguido-se do recinto da nave. O dourado da talha está<br />

bastante <strong>de</strong>scorado o que é atribuído por alguns autores à gran<strong>de</strong><br />

incidência <strong>de</strong> luminosida<strong>de</strong> no interior do templo. Além do recinto da<br />

nave e da capela mor, há ainda como cômo<strong>dos</strong> principais, a Capela do<br />

Santíssimo, a sacristia e o consistório. Belas portas guarnecem a entrada<br />

<strong>de</strong>sses cômo<strong>dos</strong>. A capela lateral se abre para o trifório. Seu altar<br />

apresenta um retábulo básico com colunas em quartela sustentando<br />

uma espécie <strong>de</strong> baldaquino e guarnecendo o Cristo Crucificado. O teto<br />

é artesoado em gamela e a porta <strong>de</strong> acesso é almofadada e com<br />

entalhes policroma<strong>dos</strong>. A sacristia apresenta um gran<strong>de</strong> e belo arcaz<br />

com entalhes <strong>de</strong> prata, sobre o qual está um altar tipo oratório, la<strong>de</strong>ado<br />

por quadros. O forro é em planos faceta<strong>dos</strong> e há um lavabo <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira<br />

encostado numa das pare<strong>de</strong>s. Destaque ainda para as portas que ligam<br />

a sacristia e o consistório ao recinto da capela mor: são em <strong>de</strong>licadas<br />

pinturas em dourado e vermelho <strong>de</strong> inspiração chinesa.<br />

Visitamos a igreja três vezes, na virada do milênio, <strong>às</strong> vésperas<br />

<strong>de</strong> completar trezentos anos. O estado geral <strong>de</strong> conservação da<br />

magnífica matriz <strong>de</strong> N. S. da Conceição <strong>de</strong> Sabará, então inspirava<br />

cuida<strong>dos</strong>.<br />

Igreja do Rosário – 1768<br />

A igreja do Rosário nunca foi concluída e é, como há quase<br />

duzentos e cinquenta anos atrás, uma capelinha cercada por altas<br />

muralhas <strong>de</strong> pedra, parecendo mais um forte do que uma igreja. Erguese<br />

na parte alta da praça Melo Viana, no centro histórico <strong>de</strong> Sabará.É<br />

imponente apesar <strong>de</strong> inconclusa. Merece ser visitada pois revela como<br />

eram construídas as igreja setecentistas. Ou seja, primeiro havia uma<br />

capelinha à frente da qual se construía a nave, sendo a antiga capela<br />

transformada em capela mor e seu altar transformado no altar mor da<br />

futura igreja. Na verda<strong>de</strong>, a abortada construção que atualmente se vê,<br />

parece abraçar a primitiva capela e provavelmente o que resta <strong>de</strong>la é o<br />

pequeno recinto que hoje serve <strong>de</strong> nave do híbrido templo. Caso a<br />

construção tivesse seguimento, este recinto seria <strong>de</strong>molido e a<br />

majestosa nave se fecharia no arco cruzeiro atual, já pronto para<br />

viabilizar esta intenção. Mas os valentes irmãos do Rosário <strong>de</strong> Sabará,<br />

87


na impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> concluírem sua igreja, improvisaram um altar <strong>de</strong><br />

tábuas pintadas, emendaram a capela mor com a construção antiga,<br />

fecharam o vão do <strong>de</strong>snível do pé direito do arco cruzeiro e foram<br />

realizando suas pie<strong>dos</strong>as cerimônias, ao longo <strong>dos</strong> séculos.<br />

Outra particularida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa igreja é ser toda estruturada em<br />

pedra, quando as <strong>igrejas</strong> da época eram construídas em taipa ou adobe.<br />

Atenção para os púlpitos esculpi<strong>dos</strong> em rocha e chumba<strong>dos</strong><br />

solidamente nas pare<strong>de</strong>s laterais formando quase que uma única peça.<br />

O acesso é livre e assim é possível subir até eles e fazer alguma<br />

molecagem.<br />

O piso também é todo <strong>de</strong> pedra, antecipando a época em que<br />

não seria mais permitido enterrar os mortos das irmanda<strong>de</strong>s nos porões<br />

das <strong>igrejas</strong>. 84<br />

Ao lado da igreja está o belo e imponente chafariz do Rosário.<br />

À frente está a simpática pracinha <strong>de</strong> Sabará com seus artesãos e<br />

ambulantes em geral.<br />

Igreja do Carmo - 1763<br />

A rua do Carmo separa a igreja do seu cemitério. É por ela que<br />

se alcança a matriz <strong>de</strong> N. S. da Conceição, partindo do centro histórico.<br />

A igreja começou a ser erigida em 1763 pela Irmanda<strong>de</strong> do Carmo que<br />

ainda hoje é atuante, zela pelos documentos antigos da igreja e a<br />

mantém permanentemente aberta à visitação. É valorizada por uma<br />

série <strong>de</strong> obras do Aleijadinho nos púlpitos, no coro, no frontão, na<br />

portada, nos balaústres <strong>dos</strong> altares da nave e em algumas imagens. O<br />

projeto básico e a administração da empreitada são <strong>de</strong> Tiago Moreira.<br />

Trabalharam ainda na obra o conhecido e competente entalhador<br />

português Francisco Viera Servas (Altar <strong>de</strong> Santo Elias e altar mor) e<br />

José Fernan<strong>de</strong>s Lobo com entalhes na capela mor. Possui uma bela<br />

fachada com to<strong>dos</strong> os imponentes ingredientes típicos da fase rococó.<br />

A portada é valorizada pelos <strong>de</strong>talhes cria<strong>dos</strong> e executa<strong>dos</strong> pelo<br />

Aleijadinho <strong>de</strong>stacando-se dois anjos, volutas e uma coroa no centro.<br />

Ela é consi<strong>de</strong>rada uma das primeiras portadas genuinamente rococó do<br />

84 Isso ocorreria em 1801 quando o príncipe d. João baixou carta régia nesse sentido.<br />

Sua <strong>de</strong>cisão,como dito, foi conseqüência <strong>de</strong> um estudo do cientista mineiro Vicente<br />

Coelho <strong>de</strong> Seabra Silva Teles intitulado Memória sobre os prejuízos causa<strong>dos</strong> pela sepultura<br />

<strong>dos</strong> cadáveres nos templos e método <strong>de</strong> os prevenir, publicado em Lisboa no ano anterior.<br />

88


patrimônio sacro setecentista mineiro. Acima, <strong>de</strong> cada lado da porta, há<br />

sacadas com cimalhinhas finamente trabalhadas. As torres são marcadas<br />

por cunhais e pilastras em pedra com base aumentada. Há duas<br />

aberturas tipo seteiras, vazadas por uma gra<strong>de</strong>, <strong>de</strong> cada lado, no<br />

alinhamento das torres. O extraordinário frontão é talvez o mais belo<br />

<strong>de</strong> todas as <strong>igrejas</strong> <strong>antigas</strong> mineiras. É curvo e estreito e oferece um<br />

espaço, entre ele e as torres, on<strong>de</strong> repousam duas imponentes peças<br />

altas <strong>de</strong> pedra trabalhadas em complexas volutas. Há um óculo<br />

ovalado, com molduras em pedra e com <strong>de</strong>talhes conchoi<strong>de</strong>s. Acima<br />

do frontão está uma cruz em resplendor la<strong>de</strong>ada dor duas estrelas sobre<br />

colunas redondas e <strong>de</strong>lgadas. Este frontão po<strong>de</strong> ser incluído entre as<br />

obras-primas do Aleijadinho e vale compará-lo com o da igreja <strong>de</strong> São<br />

Francisco <strong>de</strong> Assis <strong>de</strong> Ouro Preto para se ter uma dimensão da<br />

criativida<strong>de</strong> do mestre que usou, em cada uma, solução absolutamente<br />

oposta: nesta predominantemente vertical e naquela<br />

predominantemente horizontal. As cúpulas das torres são em forma <strong>de</strong><br />

pirâmi<strong>de</strong> achatada com pináculos <strong>de</strong> pedra. Enfim é uma fachada<br />

notável bastante característica do estilo do período, dominado pelo<br />

Aleijadinho.<br />

O interior, ainda <strong>de</strong> acordo com a tendência da última meta<strong>de</strong><br />

do século XVIII, é um tanto mais singelo que o exterior predominando<br />

pare<strong>de</strong>s brancas nas laterais da nave e apenas dois altares oblíquos no<br />

transepto do arco cruzeiro.<br />

A capela mor possui gran<strong>de</strong>s janelões que garantem a<br />

iluminação diurna do interior. O retábulo é em <strong>dos</strong>sel simplificado.<br />

Parece mais um baldaquino que se alonga para as laterais on<strong>de</strong> encontra<br />

a parte superior <strong>de</strong> duas colunas retas <strong>de</strong> fuste estriado, reto na parte <strong>de</strong><br />

cima e torso no terço inferior. O trono é alto, em planos superpostos<br />

em forma <strong>de</strong> cascata. Os retábulos <strong>dos</strong> altares laterais são em arco<br />

interrompido por franjas com sanefas no alto. As colunas são retas <strong>de</strong><br />

fuste estriado na parte externa e em quartelas na parte interna. Não se<br />

observa praticamente nenhuma <strong>de</strong>coração nas laterais da capela mor,<br />

salientando-se as próprias pare<strong>de</strong>s caiadas.<br />

Em todo o conjunto da igreja há pouca talha dourada,<br />

predominando o branco mesmo nos altares. Há pinturas no teto da<br />

capela mor, bem como, imitações <strong>de</strong> azulejos na parte inferior das<br />

pare<strong>de</strong>s laterais que alguns suspeitam terem sido executas por Ataí<strong>de</strong><br />

que é, comprovadamente, autor <strong>de</strong> obra semelhante na capela mor da<br />

igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Assis <strong>de</strong> Ouro Preto e na matriz <strong>de</strong> Santa<br />

Bárbara. Também muito competente é a retratação da Virgem <strong>de</strong>ntro<br />

89


<strong>de</strong> um medalhão rococó cercado <strong>de</strong> barra<strong>dos</strong> em perspectiva<br />

arquitetônica ilusionista, existente no teto da capela mor. Mas a<br />

participação do mestre pintor <strong>de</strong> Mariana no embelezamento <strong>de</strong>sta<br />

igreja é altamente especulativa.<br />

O arco cruzeiro é sóbrio, com colunas sustentando capitéis<br />

salientes e sendo sustentadas, por sua vez, por bases aumentadas. É<br />

estruturado em pedra, coberta por uma pintura imitando mármore,<br />

puxada para um azul escuro relativamente incomum. Há uma cornija<br />

simples que circunda todo o teto abobadado da nave. Há seis gran<strong>de</strong>s<br />

janelões no alto, garantindo boa iluminação. No teto se <strong>de</strong>scortina a<br />

cena <strong>de</strong> Santo Elias subindo aos céus conduzido por um par <strong>de</strong><br />

robustos e bem dispostos cavalos ala<strong>dos</strong>, arremetendo num ângulo<br />

impossível. Esta pintura, assim como as existentes na capela mor, é<br />

atribuída ao pintor sabarense Joaquim Gonçalves da Rocha e muito<br />

citada como ilustrativa do estilo rococó pela pouca <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus<br />

planos e profusão <strong>de</strong> nuvens achatadas que mais parecem conchas ou<br />

pétalas do que novelos. 85 Destaque para as imagens: são Simão Stock e<br />

são João da Cruz entrona<strong>dos</strong> nos altares laterais. Essas imagens estão<br />

entre os melhores trabalhos do Aleijadinho. A balaustrada que separa os<br />

altares do corpo principal da nave apresenta belas peças <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira<br />

torneada que também são atribuídas ao Mestre <strong>de</strong> Vila Rica.<br />

Vale a pena comparar também os púlpitos do Aleijadinho <strong>de</strong>sta<br />

igreja com os da igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Ouro Preto. Estes são<br />

muito mais sóbrios e <strong>de</strong> inclinação um tanto renascentista. No geral,<br />

são absolutamente diferentes, o que serve para ilustrar, mais uma vez, a<br />

criativida<strong>de</strong> do gênio em sua melhor fase. É interessante observar que<br />

eles parecem entalha<strong>dos</strong> em pedra mas apenas a base é <strong>de</strong>sse material, o<br />

restante é <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira. O do lado da epístola mostra Jesus com a<br />

Samaritana e o do lado do evangelho mostra Jesus com seus discípulos.<br />

Alguns atribuem ao Aleijadinho apenas a escultura das figuras em baixo<br />

relevo do guarda-corpo <strong>dos</strong> púlpitos, porém é pouco provável que ele<br />

não tenha influído na concepção do conjunto como um todo. No<br />

Museu Regional <strong>de</strong> São João <strong>de</strong>l Rei existem reproduções <strong>de</strong>sses<br />

púlpitos em gesso. Segundo a informação do IPHAN, estampada em<br />

etiquetas grosseiramente coladas <strong>às</strong> peças, a reprodução em gesso<br />

85 Alguns autores atribuem a ele apenas a pintura da nave, duvidando <strong>de</strong> sua autoria<br />

no trabalho do forro da capela mor.<br />

90


precedia e auxiliava o entalhe posterior da peça em ma<strong>de</strong>ira. Parece um<br />

tanto estranho que essa técnica invertida pu<strong>de</strong>sse ter alguma utilida<strong>de</strong>.<br />

O coro, em perfil <strong>de</strong> besta, está sobre uma plataforma em base<br />

arredondada, cercada por balaustradas, sustentada por pilastras <strong>de</strong>lgadas<br />

e arcos irregulares e apoiada nas pare<strong>de</strong>s da nave sobre os vigorosos<br />

atlantes do Aleijadinho.<br />

A Capela do Santíssimo, ao lado da capela mor, apresenta um<br />

altar tipo oratório <strong>de</strong> colunas retas sustentando uma arquitrave irregular<br />

com uma tarja no centro. O teto é facetado e ostenta uma pintura do<br />

Espírito Santo <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um medalhão. Do lado oposto está a sacristia<br />

on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>stacam o oratório sobre um comprido arcaz e um gran<strong>de</strong><br />

lavabo em pedra com peixes contorcionistas amorosamente<br />

entrelaça<strong>dos</strong>.<br />

Saint-Hilaire, cujo gosto pelo barroco mineiro era instável e até<br />

contraditório, mostrou especial admiração pela igreja do Carmo e<br />

Burton não <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> lembrar que o Aleijadinho, cuja obra já tinha<br />

conhecido em São João <strong>de</strong>l Rei, Congonhas e Vila Rica, havia<br />

participado da criação do templo.<br />

Igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Assis - 1761<br />

A igreja da Arquiconfraria do Cordão <strong>de</strong> São Francisco, tal qual<br />

a <strong>dos</strong> seus confra<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Mariana foi erguida sob a invocação <strong>de</strong> N. S.<br />

<strong>dos</strong> Anjos. Está situada na parte alta da praça <strong>de</strong> mesmo nome, próxima<br />

ao centro histórico <strong>de</strong> Sabará. Para criar espaço para sua construção foi<br />

necessário fazer um corte no morro que <strong>de</strong>sce em direção à praça<br />

frontal. Isso não é comum pois a maioria das <strong>igrejas</strong> setecentistas está<br />

construída na parte mais alta <strong>dos</strong> terrenos sobre áreas planas ou<br />

plataformas aterradas.<br />

A fachada é do tipo retangular com duas torres <strong>de</strong> cúpulas<br />

irregulares. Seu traço geral é <strong>de</strong> um estilo que, na época, já estava<br />

começando a sair <strong>de</strong> moda.<br />

Os cunhais e pilastras são em alvenaria e repousam sobre bases<br />

mais largas. Um bonito nicho acima da porta abriga a imagem <strong>de</strong> são<br />

Francisco. Os portais são simples, <strong>de</strong> pedra e com uma verga em curva<br />

abatida. Nas laterais há duas sacadas com cimalhinhas também em<br />

curva e que se comunicam com o coro, após atravessar grossas pare<strong>de</strong>s.<br />

As torres são piramidadas, irregulares, afiladas e encimadas por pontas<br />

arredondadas. O frontão é estreito, alto e singelo e sustenta uma<br />

91


pequena cruz acima do acrotério. Vê-se um diminuto óculo circular na<br />

parte <strong>de</strong> baixo, logo acima da cimalha.<br />

Embora a fachada da igreja seja elementar, a construção é<br />

imponente e assim, o seu interior <strong>de</strong>cepciona sobremaneira o visitante.<br />

A impressão que se tem, reforçando o comentário <strong>de</strong> Richard Burton<br />

<strong>de</strong> 1867, é que a igreja não foi mesmo concluída e o que se vê hoje<br />

não condiz com a intenção <strong>dos</strong> antigos irmãos. De fato, a igreja não<br />

tem altares na nave, nem mesmo no transepto. Apenas existem duas<br />

cavida<strong>de</strong>s nas pare<strong>de</strong>s laterais e que talvez <strong>de</strong>vessem dar lugar a dois<br />

altares verda<strong>de</strong>iros mais tar<strong>de</strong>. Isso porém não aconteceu e o que se<br />

po<strong>de</strong> contemplar hoje são imagens inexpressivas, humil<strong>de</strong> e<br />

zelosamente colocadas na cavida<strong>de</strong> nua.<br />

O altar da capela mor é pintado, imitando entalhes e colunas.<br />

Assim, não há propriamente um retábulo. O trono é em forma <strong>de</strong><br />

pirâmi<strong>de</strong> com plataformas superpostas. Abaixo da mesa da comunhão<br />

há uma vitrine com o Senhor Morto. Há uma pintura <strong>de</strong> N. S. Rainha<br />

<strong>dos</strong> Anjos e <strong>de</strong> Santos Evangelistas no teto da capela mor. Talvez o<br />

único <strong>de</strong>talhe digno <strong>de</strong> nota <strong>de</strong>sta capela sejam as tribunas laterais que<br />

apresentam uma balaustrada mais trabalhada. São alcançadas da forma<br />

tradicional, ou seja, através <strong>de</strong> uma escada existente entre o altar e a<br />

sacristia. Há registro <strong>de</strong> que o entalhador sabarense, Domingos Pinto<br />

Coelho, teria trabalhado na igreja, realizando entalhes em pedra. Deve<br />

ter sido no nicho do frontispício pois praticamente não há nenhum<br />

outro trabalho <strong>de</strong> entalhe no templo, nem em pedra nem em ma<strong>de</strong>ira.<br />

A imagem <strong>de</strong> são Francisco existente no nicho é inequivocamente<br />

atribuída a ele.<br />

Existem, contudo, dois <strong>de</strong>talhes arquitetônicos singulares na<br />

igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Sabará. O primeiro diz respeito ao fato do<br />

arco cruzeiro ser mais alto do que a capela mor, chegando quase ao<br />

topo da nave. Isso provocou a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se fazer uma espécie <strong>de</strong><br />

arremate <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira cobrindo o <strong>de</strong>snível. O resultado é relativamente<br />

<strong>de</strong>sagradável. Talvez até se preten<strong>de</strong>sse alguma coisa interessante que,<br />

no entanto, não pô<strong>de</strong> ser executada como previsto. O segundo <strong>de</strong>talhe<br />

interessante é que os púlpitos ficam apoia<strong>dos</strong> no arco cruzeiro e não na<br />

nave. Essa é uma solução incomum, adotada pelo Aleijadinho na igreja<br />

<strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Assis <strong>de</strong> Ouro Preto.<br />

Não está, evi<strong>de</strong>ntemente, à altura <strong>de</strong> outros notáveis templos <strong>de</strong><br />

Sabará.<br />

92


A igreja não está regularmente disponível para visitação mas seu<br />

zelador mora perto e gosta <strong>de</strong> mostrá-la aos visitantes. Numa das<br />

nossas visitas ele estava muito indignado pois entre a igreja e o costão<br />

do morro há um espaço que o pessoal vem usando para encontros<br />

amorosos, cujos resquícios emporcalham o adro do vetusto templo.<br />

Igreja <strong>de</strong> N. S. do Ó - 1717<br />

A igrejinha <strong>de</strong> N. S. do Ó <strong>de</strong> Sabará é uma das mais notáveis<br />

<strong>igrejas</strong> do Brasil pela qualida<strong>de</strong> da sua talha e pela pureza do seu<br />

interior, representativo da primeira fase do barroco mineiro. Tem um<br />

charme irresistível ainda que, por fora, possa até passar <strong>de</strong>spercebida<br />

aos incautos. Minha relação com ela é da mais pura e incontida paixão.<br />

Fica situada numa pracinha, infelizmente já bastante<br />

<strong>de</strong>scaracterizada, na chamada “cida<strong>de</strong> velha”, próximo ao rio Sabará e à<br />

matriz <strong>de</strong> N. S. da Conceição. Lamentavelmente, nos dias <strong>de</strong> hoje tem<br />

que conviver com uma espelunca que funciona ao seu lado e cujo<br />

proprietário coloca mesas na calçada, roubando o seu espaço sagrado.<br />

Pelo cheiro exalado suspeita-se que o pessoal não se dá ao trabalho <strong>de</strong><br />

ir ao banheiro, usando como mictório as próprias pare<strong>de</strong>s da igrejinha.<br />

Mas a quase tricentenária há <strong>de</strong> resistir.<br />

Sua construção está ligada ao empenho do capitão Lucas<br />

Ribeiro <strong>de</strong> Almeida que <strong>de</strong>u início à obra sobre terreno cedido pelo<br />

Senado da Câmara <strong>de</strong> Sabará. É interessante notar que há registro <strong>de</strong><br />

um ex-voto, mandado fazer pelo capitão por graça alcançada em<br />

escapar <strong>de</strong> uma emboscada em 1720. A pintura é em tela e está fixada<br />

na pare<strong>de</strong>, na entrada da nave. É uma rarida<strong>de</strong> pois, normalmente, as<br />

pinturas <strong>de</strong> ex-votos eram feitas sobre ma<strong>de</strong>ira e não em tela,<br />

geralmente adornando o forro do vestíbulo. O registro também é mais<br />

longo e <strong>de</strong>talhado do que o usual. Permite-nos um prazeroso contato<br />

com o curiosíssimo português do século XVIII.<br />

A igrejinha, como a maioria <strong>dos</strong> nossos templos setecentistas,<br />

sofreu várias reformas <strong>de</strong>scaracterizadoras que foram sendo corrigidas<br />

ao longo <strong>dos</strong> últimos anos até o glorioso retorno ao aspecto original<br />

como vemos hoje.<br />

O exterior é bastante singelo e não anuncia a riqueza que<br />

guarda. Está erigida sobre um pequeno platô cuja frente é acessada por<br />

93


uma rústica escadaria <strong>de</strong> pedras lajeadas. A fachada é poligonal, sendo a<br />

face central do polígono toda ocupada pela gran<strong>de</strong> porta e pela sacada,<br />

logo acima. Nas faces laterais estão mais duas sacadas simétricas. Um<br />

beiral <strong>de</strong> telhas separa o frontispício da única torre, que tem a face<br />

central do polígono como base. O telhado da torre é em quatro águas,<br />

baixo e com garras ace<strong>de</strong>ntes ao estilo chinês, nas pontas. No pináculo<br />

está uma pequena cruz <strong>de</strong> metal sobre um estranho e <strong>de</strong>scomunal catavento.<br />

Não há portas laterais pois o espaço da nave não permite nem<br />

carece <strong>de</strong>ssa comodida<strong>de</strong>.<br />

Tal é a face externa da igrejinha. Não são precisas mais do que<br />

algumas palavras para <strong>de</strong>screvê-la, a <strong>de</strong>scrição do interior porém daria<br />

um livro inteiro.<br />

Internamente a igrejinha tem vários itens que a valorizam, um<br />

<strong>de</strong>les é a sua autenticida<strong>de</strong>. Teve a sorte <strong>de</strong> não ter sofrido atenta<strong>dos</strong><br />

irreparáveis <strong>de</strong> <strong>de</strong>scaracterização ao longo <strong>dos</strong> anos. Assim, temos aqui<br />

hoje talvez o mais puro exemplar da arte religiosa barroca da primeira<br />

fase. Ao lado da matriz <strong>de</strong> N. S. da Conceição e da igreja da Irmanda<strong>de</strong><br />

do Carmo, forma a trinda<strong>de</strong> das magníficas <strong>igrejas</strong> setecentistas <strong>de</strong><br />

Sabará. É aqui que a herança colonial portuguesa do oci<strong>de</strong>nte e do<br />

oriente se encontram <strong>de</strong> forma extraordinariamente harmoniosa.<br />

Na entrada da igrejinha do Ó há uma espécie <strong>de</strong> vestíbulo, após<br />

o que se abre o belo interior. Primeiro a diminuta nave e em seguida a<br />

capela mor, ainda mais diminuta como se fizesse parte do próprio<br />

retábulo. As laterais da nave e da capela mor estão todas cobertas <strong>de</strong><br />

pinturas ricamente emolduradas, a maioria <strong>de</strong>las representando cenas da<br />

vida <strong>de</strong> Jesus. À esquerda o único púlpito, <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira e com guardacorpo<br />

<strong>de</strong> recortes vaza<strong>dos</strong>, num traço que lembra motivos achinesa<strong>dos</strong>.<br />

Há suspeitas <strong>de</strong> que um pintor <strong>de</strong> nome Jacinto Ribeiro,<br />

originário <strong>de</strong> terras do lado do sol nascente, provavelmente filho <strong>de</strong><br />

portugueses, tenha executado as pinturas <strong>de</strong> influência oriental<br />

existentes na igrejinha. O teto da nave é artesoado em caixotões que se<br />

harmonizam com as molduras <strong>dos</strong> quadros laterais como se lhes <strong>de</strong>sse<br />

seqüência, atravessando o recinto <strong>de</strong> um lado para o outro. O arco<br />

cruzeiro é um autêntico retábulo com pinturas e douramentos e outros<br />

traços policroma<strong>dos</strong>. Está adornado com magníficas chinesices, com<br />

riscos doura<strong>dos</strong> sobre fundo preto.<br />

A capela mor segue o estilo da nave com forro também em<br />

caixotões artesoa<strong>dos</strong>. O magnífico retábulo é em arquivoltas puras,<br />

profusamente entalhadas e policromadas. O trono é em formato raro<br />

<strong>de</strong> cântaro e sustenta uma bela imagem <strong>de</strong> Nossa Senhora. Abaixo, na<br />

94


parte frontal do camarim, há uma pequena imagem <strong>de</strong> Santa Bárbara, a<br />

protetora <strong>dos</strong> mineradores. As colunas torsas das arquivoltas são<br />

envoltas em ramagens magistralmente entalhadas. Forma um<br />

exuberante conjunto, com a ramagem ocultando <strong>de</strong>licadamente o miolo<br />

torso das próprias colunas.<br />

Em tudo predomina uma elegante harmonia numa in<strong>de</strong>scritível<br />

festa visual.<br />

Meu amigo, é preciso voltar mais uma vez!<br />

Igreja das Mercês - 1781<br />

Depois da exuberância da igreja do Ó é justo <strong>de</strong>scansar os olhos<br />

na simplicida<strong>de</strong> da igreja das Mercês. Ela fica numa plataforma, num<br />

plano mais elevado em relação à rua da Intendência, próximo ao Museu<br />

do Ouro. Há um mo<strong>de</strong>sto adro <strong>de</strong> pedras irregulares e o beco das<br />

Mercês passa num <strong>dos</strong> la<strong>dos</strong> do templo. Tem uma fachada bastante<br />

simples com duas torres altas, retas, cobertas <strong>de</strong> telhas em quatro águas,<br />

encimadas por pontas. O frontão é uma empena básica, <strong>de</strong>spojada e<br />

reta, guarnecida <strong>de</strong> telhas e serve <strong>de</strong> base a uma cruz, acima <strong>de</strong> um<br />

óculo redondo pequeno. Não há propriamente uma cimalha mas<br />

apenas uma proteção <strong>de</strong> telhas em forma <strong>de</strong> beiral. As pilastras, cunhais<br />

e ombreiras são to<strong>dos</strong> <strong>de</strong> alvenaria sendo que os cunhais são<br />

enquadra<strong>dos</strong> sob tábuas pintadas <strong>de</strong> azul. Acima da porta elementar e<br />

larga, há ainda duas sacadas altas com balaustradas <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira.<br />

O interior é <strong>de</strong> uma simplicida<strong>de</strong> paupérrima, um <strong>dos</strong> mais<br />

pobres <strong>de</strong> todas as <strong>igrejas</strong> setecentistas mineiras. Não há propriamente<br />

altares e sim umas espécies <strong>de</strong> prateleiras pintadas e sem qualquer<br />

adorno on<strong>de</strong> as imagens estão expostas. Nem chegam a ser oratórios. É<br />

assim tanto com o altar mor quanto com os dois altares laterais,<br />

encosta<strong>dos</strong> ao arco cruzeiro.<br />

Algumas referências situam a construção do templo na primeira<br />

meta<strong>de</strong> do século XVIII. Não parece, contudo, uma típica igreja <strong>de</strong>ste<br />

período. A construção tem aspecto frágil e suas pare<strong>de</strong>s são pouco<br />

espessas contrariando a robusta compleição das <strong>igrejas</strong> mais <strong>antigas</strong>.<br />

Uma informação editada pela Prefeitura <strong>de</strong> Sabará sustenta a<br />

antiguida<strong>de</strong> do templo atribuindo sua simplicida<strong>de</strong> a uma característica<br />

das <strong>igrejas</strong> da primeira fase do barroco mineiro. Essa não é<br />

propriamente uma cre<strong>de</strong>ncial para o caso <strong>de</strong>sse templo. Contudo, isso<br />

não torna discutível que o templo seja realmente setecentista, mesmo se<br />

95


lembramos que dom frei José o encontrou inacabado em 1822. O<br />

IPHAN, responsável pelo tombamento, cita várias obras <strong>de</strong> restauração<br />

da construção antes <strong>de</strong>ssa época, inclusive numa possível gran<strong>de</strong><br />

reforma ocorrida em 1781, <strong>de</strong>dução advinda do fato <strong>de</strong> que naquele<br />

ano, a imagem da padroeira foi trasladada para a igreja do Carmo.<br />

Saint-Hilaire fala em cinco <strong>igrejas</strong> principais em Sabará no ano<br />

<strong>de</strong> 1816. Contando a <strong>de</strong> Santa Rita já <strong>de</strong>molida, po<strong>de</strong>r-se-ia supor que a<br />

igreja das Mercês não existia naquela época. 86 Isso porém não tem<br />

maior significado pois os nossos antigos viajantes não eram muito<br />

precisos nas suas contagens <strong>de</strong> <strong>igrejas</strong>. No geral, porém, parece-se com<br />

as capelas do século XIX, notavelmente empobrecidas. O mais certo é<br />

que a igreja atual realmente tenha sido totalmente reconstruída em 1781<br />

<strong>de</strong> forma a mais econômica possível, compatível com as posses das<br />

sempre pobres irmanda<strong>de</strong>s das Mercês. Disso resultou o aspecto<br />

pouco sólido que o templo tem hoje e que po<strong>de</strong> estar traindo sua real<br />

antiguida<strong>de</strong>. 87<br />

Capela <strong>de</strong> N. S. do Pilar - 1759<br />

A capela fica próxima a igreja das Mercês e do cemitério, ao<br />

lado <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> solar cercado <strong>de</strong> uma muralha <strong>de</strong> pedra on<strong>de</strong><br />

funcionou o antigo Hospício da Terra Santa, local on<strong>de</strong> os fra<strong>de</strong>s<br />

esmoleiros iam se hospedar. O solar <strong>de</strong>sperta muito minha curiosida<strong>de</strong><br />

mas é hoje uma proprieda<strong>de</strong> particular in<strong>de</strong>vassável que só se po<strong>de</strong><br />

contemplar pelas frestas do intransponível portão, rasgado na<br />

instransponível muralha <strong>de</strong> pedra. Embora pertencesse ao patrimônio<br />

da hospedaria, a construção da capela contou com a colaboração da<br />

Irmanda<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Francisco. Sua fachada apresenta uma porta<br />

avantajada para suas dimensões, com uma moldura trabalhada em<br />

massa <strong>de</strong> reboco mais saliente na verga, acima da qual está um pequeno<br />

óculo. O frontão também é trabalhado nas laterais com adornos em<br />

massa e sustenta uma cruz simples. A torre sineira está localizada no<br />

fundo do templo. Há seteiras nas pare<strong>de</strong>s laterais. A parte posterior do<br />

86 As quatro restantes seriam: N. S. da Conceição, igrejinha do Ó, Carmo e São<br />

Francisco.<br />

87 Esta igreja foi praticamente <strong>de</strong>struída por um incêndio ocorrido <strong>de</strong>pois da primeira<br />

edição <strong>de</strong>ste livro e até hoje (mea<strong>dos</strong> <strong>de</strong> 2011) não foi reconstruída.<br />

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edifício abriga a capela mor e a sacristia com um conjunto <strong>de</strong> sinos<br />

assenta<strong>dos</strong> sobre ela. Dom frei José da Santíssima Trinda<strong>de</strong>, na visita <strong>de</strong><br />

1822, achou o templo em condição <strong>de</strong>cente e bem preparado para as<br />

suas funções. Sua construção <strong>de</strong>ve ter se iniciado antes <strong>de</strong> 1759 pois há<br />

registros <strong>de</strong> casamentos ocorri<strong>dos</strong> nessa capela naquele ano.<br />

Após quatro tentativas <strong>de</strong>sistimos <strong>de</strong> conhecer a capela por<br />

<strong>de</strong>ntro. Mas soubemos que ela possui três altares puxa<strong>dos</strong> ao rococó,<br />

provavelmente provenientes da contemplação <strong>dos</strong> trabalhos existentes<br />

na igreja do Carmo, pelos artesãos que os executaram. O piso da nave é<br />

coberto por ladrilhos <strong>de</strong>scaracteriza<strong>dos</strong> <strong>de</strong> colocação mais recente. O<br />

forro apresenta pintura representativa da Santíssima Trinda<strong>de</strong>. Há ainda<br />

pinturas <strong>de</strong> painéis nas pare<strong>de</strong>s laterais da nave, da capela mor e do<br />

coro. O arco cruzeiro ostenta altares tipo oratório com pintura<br />

policromada. O retábulo da capela mor é <strong>de</strong>limitado por duas colunas<br />

retas <strong>de</strong> fuste estriado, dourado sobre branco e completa<strong>dos</strong> por talha<br />

policromada e dourada e colunas em quartelas do lado interno. Foi o<br />

que nos disseram.<br />

Capela <strong>de</strong> Santa Cruz<br />

A igreja notada por Burton quando <strong>de</strong> sua passagem por aqui,<br />

está situada no Alto da Cruz, do lado do Arraial Velho, <strong>de</strong> fato em<br />

posição bastante visível <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o centro histórico <strong>de</strong> Sabará. É acessada<br />

após uma subida íngreme por vias estreitas, irregulares e mal calçadas.<br />

Do seu outeiro é possível enxergar quase toda a cida<strong>de</strong> com as <strong>igrejas</strong><br />

<strong>de</strong>spontando num e noutro ponto, especialmente a igreja <strong>de</strong> São<br />

Francisco que, à distância, faz sua melhor figura. O sítio da capela é<br />

<strong>de</strong>spojado e tem um alto cruzeiro à frente. A fachada é bastante singela<br />

com uma porta gran<strong>de</strong> <strong>de</strong> ferro, forrada com <strong>de</strong>sagradáveis folhas <strong>de</strong><br />

flandres e contornada por uma moldura <strong>de</strong> massa vergada no alto. Há<br />

dois janelões suspensos <strong>de</strong> cada lado. Acima está uma empena reta e<br />

baixa com um pequeno óculo vazado. Um pouco recuado, sobre a<br />

cumeeira, há uma cruz simples. Do lado, na altura da nave, há pequenas<br />

janelas. É uma das mais pobres fachadas <strong>de</strong> todas as capelas visitadas<br />

nessa nossa viagem. Não conseguimos vê-la por <strong>de</strong>ntro pois a casa da<br />

zeladora que nos disseram ter a chave, também estava fechada. Fomos<br />

recebi<strong>dos</strong> apenas por um cachorro fanfarrão e nada conseguimos ficar<br />

sabendo sobre o interior do templo que imagino ser muito <strong>de</strong>spojado<br />

97


pois praticamente ninguém fala <strong>de</strong>le, apesar <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r ser notado <strong>de</strong><br />

qualquer ponto <strong>de</strong> Sabará.<br />

Não tenho certeza se é efetivamente um templo setecentista e<br />

certamente, muito pouco acrescenta ao rico acervo <strong>de</strong> Sabará.<br />

Capela <strong>de</strong> Santana – 1749<br />

Esta interessante capela fica no Arraial Velho, ou seja, do lado<br />

esquerdo do rio das Velhas, on<strong>de</strong> se chega a partir <strong>de</strong> estreitas e<br />

tortuosas vielas. Saindo <strong>de</strong> Sabará, segue-se uma pitoresca estradinha<br />

com bela vegetação abraçando a passagem em vários trechos e<br />

pequenos olhos d’água cruzando o leito <strong>de</strong> terra. De repente, após um<br />

velho paredão <strong>de</strong> pedras, eis a capelinha cercada por um muro baixo e<br />

com uma estrutura <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira sustentando um sino carcomido ao lado.<br />

Estava praticamente em ruínas em 1950, quando foi tombada e<br />

restaurada pelo IPHAN. Possui uma fachada singela, composta <strong>de</strong> uma<br />

única peça <strong>de</strong>limitada pelos cunhais e uma empena baixa, sustentando<br />

uma cruz <strong>de</strong>lgada na cumeeira. Os cunhais são <strong>de</strong> alvenaria e a porta é<br />

avantajada, com moldura e ornatos <strong>de</strong> cantaria sobre a verga. No alto<br />

há um pequeno óculo cruciforme e duas janelas nas laterais, com<br />

molduras <strong>de</strong> pedra.<br />

Diogo <strong>de</strong> Vasconcelos registrou a possibilida<strong>de</strong> <strong>dos</strong> restos<br />

mortais <strong>de</strong> Borba Gato terem sido sepulta<strong>dos</strong> nessa capela não<br />

havendo, contudo, maiores indícios para o visitante. De toda forma não<br />

seria nessa capela e sim na primitiva, <strong>de</strong>molida para dar lugar à atual.<br />

Po<strong>de</strong> ser que na <strong>de</strong>molição os preciosos restos do bravo ban<strong>de</strong>irante<br />

tenham virado entulho.<br />

As pare<strong>de</strong>s da nave não têm revestimento, o que <strong>de</strong>ixa à vista<br />

sua estrutura <strong>de</strong> canga. Essa particularida<strong>de</strong>, aliada ao teto sem forro e<br />

com caibros a mostra, dá ao templo um aspecto rústico e primitivo. A<br />

moldura do arco cruzeiro e a base do púlpito único sem guarda-corpo,<br />

são em pedra. A pia batismal, também <strong>de</strong> pedra, está a um canto da<br />

entrada sobre uma base <strong>de</strong> laje rústica. O restante do piso é <strong>de</strong> assoalho.<br />

A capela mor tem as pare<strong>de</strong>s rebocadas e caiadas e guarda o altar mor<br />

com talha fitomorfa policromada em tons leves, com toques em<br />

dourado que valorizam o conjunto. O retábulo ten<strong>de</strong> ao <strong>dos</strong>sel com<br />

pingentes pen<strong>de</strong>ndo do cortinado e a Santíssima Trinda<strong>de</strong> no alto,<br />

adornada por volutas e figuras <strong>de</strong> anjos. Apresenta colunas retas <strong>de</strong><br />

98


fuste torso na parte externa e pilastras internas em quartelas. Entre elas<br />

há nichos com corte conchoi<strong>de</strong> no alto. Dispostas no altar estão as<br />

imagens <strong>de</strong> Santana entronada e na boa companhia <strong>de</strong> são Joaquim, são<br />

José, Nossa Senhora e são Miguel Arcanjo. Nos nichos estão santo<br />

Antônio e N. S. da Conceição. Na sacristia po<strong>de</strong> ser encontrado um<br />

lavabo <strong>de</strong> pedra e duas janelas com bancos também <strong>de</strong> pedra,<br />

utilíssimos para se olhar a paisagem e admirar os caprichos ver<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

Deus e sentir o cheiro do seu frescor. Não tenho dúvidas que ele, vez<br />

em quanto <strong>de</strong>scansa por aqui.<br />

Capela <strong>de</strong> Santo Antônio <strong>de</strong> Pompéu - 1730<br />

Esta capela fica situada no povoado <strong>de</strong> Pompéu, próximo à<br />

antiga mina <strong>de</strong> Cuiabá, ainda em ativida<strong>de</strong> e po<strong>de</strong> ser acessada pela<br />

estrada <strong>de</strong> Caeté margeando o rio Sabará e <strong>de</strong>pois subindo a serra rumo<br />

à terra <strong>de</strong> João Pinheiro. 88 A estrada, como dito, também é muito<br />

interessante e leva à velha mina que quase to<strong>dos</strong> os nossos antigos<br />

viajantes quiseram conhecer. Do alto da serra há uma vista interessante,<br />

com Belo Horizonte ao longe. A construção da capela po<strong>de</strong> ser situada<br />

antes <strong>de</strong> 1731 pois há documento <strong>de</strong> registro <strong>de</strong> batizado ocorrido<br />

naquele ano. Possui um único altar, com características típicas da<br />

primeira fase do setecentos, ou seja, ten<strong>de</strong>ndo a arquivoltas, porém com<br />

as colunas concêntricas interrompidas por um medalhão e figuras <strong>de</strong><br />

atlantes sustentando colunas, nas laterais. É o ponto alto do templo,<br />

<strong>de</strong>stacando-se a competente talha policromada com motivos fitomorfos<br />

e figuras <strong>de</strong> pelicanos no melhor estilo da primeira fase. O trono<br />

sustenta a imagem <strong>de</strong> santo Antônio à frente <strong>de</strong> resplendores. O teto da<br />

capela mor é artesoado, com pinturas <strong>de</strong> cenas sacras e inscrições<br />

latinas que continuam nas pare<strong>de</strong>s laterais. Também se <strong>de</strong>staca o arco<br />

cruzeiro em ma<strong>de</strong>ira natural com entalhes <strong>de</strong> anjos e uma tarja no alto<br />

que se multiplica nas laterais do arco. O coro é reto, com balaustrada <strong>de</strong><br />

ma<strong>de</strong>ira torneada. É alcançado através <strong>de</strong> uma escada <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira na<br />

lateral do vestíbulo. Nas pilastras do coro há duas pequenas pias em<br />

ma<strong>de</strong>ira <strong>de</strong>stinadas no passado a conter a água benta para unção <strong>dos</strong><br />

fiéis. O forro, recentemente colocado, é <strong>de</strong> esteira natural. Do lado<br />

direito da capela mor está a sacristia e do lado oposto está a Capela do<br />

88 Na verda<strong>de</strong> ele nasceu no Serro mas fincou raízes e está sepultado em Caeté.<br />

99


Santíssimo. Em ambos há interessantes oratórios policroma<strong>dos</strong>. A<br />

sacristia apresenta também um lavabo em ma<strong>de</strong>ira. O traço<br />

arquitetônico da fachada é bastante simples, estruturada numa única<br />

peça, sem cimalha. No centro está uma gran<strong>de</strong> porta e nas laterais duas<br />

pequenas janelas, uma das quais ostenta um pequeno sino. Há um<br />

óculo abaixo da cumeeira e um beiral abaixo da borda do telhado. Um<br />

segundo sino está colocado sob uma sineira <strong>de</strong> estrutura <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira<br />

postada no adro, próximo ao portão <strong>de</strong> entrada, rasgado no muro <strong>de</strong><br />

pedras baixo. O sino parece muito velho mas, na verda<strong>de</strong> não é tão<br />

velho assim pois foi fundido em 1950. Cercando o templo há uma<br />

plataforma <strong>de</strong> pedras superpostas <strong>de</strong> sólido aspecto que mostra a<br />

intenção <strong>de</strong> seus construtores <strong>de</strong> fazê-la atravessar os séculos. As<br />

pare<strong>de</strong>s do templo sofreram várias reformas e po<strong>de</strong>-se imaginar que<br />

nada mais há da primitiva estrutura <strong>de</strong> taipa.<br />

Ao tentar visitar a igrejinha <strong>de</strong> Pompéu você fatalmente vai<br />

encontrá-la fechada. Mas este problema é facilmente contornável. Basta<br />

procurar a d. Nilda, guardiã das chaves que mora próximo e terá<br />

gran<strong>de</strong> prazer em abri-lo para sua visitação. A simpática senhora é<br />

testemunha eloqüente <strong>dos</strong> esforços que a comunida<strong>de</strong> tem feito para<br />

preservar o templo e mostra aflita preocupação com as possibilida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong>le se per<strong>de</strong>r, pois constantes são as ameaças <strong>de</strong> ruína. De fato, essa<br />

ameaça é real e ronda continuamente a gran<strong>de</strong> maioria das nossas<br />

<strong>igrejas</strong> <strong>antigas</strong>, especialmente as <strong>de</strong> menor prestígio.<br />

Há pouco assisti na televisão uma solenida<strong>de</strong> em que o<br />

presi<strong>de</strong>nte da república e o ministro da cultura anunciavam verbas e<br />

facilida<strong>de</strong>s para ajudar a indústria cinematográfica nacional.<br />

Prestigiando a solenida<strong>de</strong> estavam notórias figuras do nosso cinema,<br />

eufóricas com as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> porem a mão no bom dinheirinho<br />

público para fazer suas obras que, via <strong>de</strong> regra, envelhecem e per<strong>de</strong>m<br />

totalmente o sentido em poucos anos. 89 Mas o governo acha que eles<br />

precisam <strong>de</strong> incentivo pois o mercado é muito insensível à genialida<strong>de</strong><br />

89 Isso quando chegam a ser feitas. Há o escandaloso caso envolvendo conhecidas<br />

figuras do meio televisivo e cinematográfico que <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> embolsarem polpu<strong>dos</strong><br />

subsídios públicos não realizaram o que prometeram ou o fizeram porcamente. Há<br />

ainda o caso da empresária <strong>de</strong> teatro que teria comprado uma cobertura com verba da<br />

mesma fonte.<br />

100


<strong>de</strong>sse pessoal. É, d. Nilda está numa briga <strong>de</strong>sigual e vai ter que<br />

continuar a se virar sozinha para preservar a sua igrejinha. Ela e a brava<br />

comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Pompéu.<br />

Matriz <strong>de</strong> N. S. da Lapa/Assunção <strong>de</strong> Ravena - 1727<br />

O antigo povoado <strong>de</strong> N. S. da Lapa é o atual distrito <strong>de</strong> Ravena<br />

que po<strong>de</strong> ser alcançado através da BR. 262, no sentido <strong>de</strong> Caeté. O<br />

povo do local i<strong>de</strong>ntifica essa igreja como <strong>de</strong> N. S. da Assunção,<br />

ignorando portanto, a <strong>de</strong>nominação oficial. Dom frei José, no seu<br />

relatório <strong>de</strong> 1822, dá como seu orago N. S. da Lapa. O mesmo faz o<br />

IEPHA, responsável pelo tombamento. Mas há registro <strong>de</strong> criação da<br />

paróquia em 1855 com a <strong>de</strong>nominação <strong>de</strong> N. S. da Assunção e é daí que<br />

vem a referência popular atual. Há quem diga que se trata da matriz <strong>de</strong><br />

N. S. da Lapa sob a invocação <strong>de</strong> N. S. da Assunção e assim<br />

acomodam-se os dois nomes da igreja.<br />

O templo está no finalzinho da vila, à frente <strong>de</strong> uma ampla<br />

praça. Possui uma fachada quadrada com uma porta singela, com<br />

portais igualmente simples e dois janelões no alto, adorna<strong>dos</strong> com<br />

cimalhinhas elementares e um óculo cruciforme. A cimalha é um beiral<br />

<strong>de</strong> massa <strong>de</strong> alvenaria e contorna todo o telhado. O frontão abraça a<br />

torre única central, é recortado em leves volteios e la<strong>de</strong>ado por<br />

coruchéus, em forma <strong>de</strong> pirâmi<strong>de</strong>, no alinhamento <strong>dos</strong> cunhais. A torre<br />

sineira tem uma cobertura <strong>de</strong> quatro águas <strong>de</strong> telha, afunilada no alto,<br />

com garras chinesas nas pontas e uma pequena cruz no topo. Há um<br />

baixo muro cercando o templo.<br />

Não conseguimos as chaves para examiná-la por <strong>de</strong>ntro, tão<br />

<strong>de</strong>sencontradas eram as informações sobre quem era o guardião das<br />

mesmas. A casa paroquial era o lugar mais provável, mas estava<br />

fechada.<br />

RAPOSOS<br />

Uma estrada sinuosa e pitoresca liga Raposos a Belo Horizonte,<br />

vinte quilômetros a leste, atrás da serra do Curral, após Nova Lima. Seu<br />

nome primitivo era N. S. da Conceição <strong>de</strong> Raposos do Sabará e foi<br />

fundada por Pedro <strong>de</strong> Morais Raposo. É hoje uma típica cida<strong>de</strong>zinha<br />

do interior mineiro com suas vendas e prosas.<br />

101


Richard Burton visitou a vila em 1867 e registrou que a Matriz<br />

<strong>de</strong> N. S. da Conceição era tida como a mais antiga <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> e que sua<br />

conservação <strong>de</strong>via ser atribuída ao zelo do seu vigário José <strong>de</strong> Araújo da<br />

Cunha Alvarenga.<br />

George Gardner passou em Raposos vindo <strong>de</strong> Morro<br />

Vermelho, no dia 29 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1840 e consi<strong>de</strong>rou o arraial como o<br />

menor que já tinha visitado em <strong>Minas</strong>. Classificou a ponte sobre o rio<br />

das Velhas como muito estreita e perigosa. Ainda é!<br />

Matriz <strong>de</strong> N. S. da Conceição - 1704<br />

A igreja po<strong>de</strong> ser vista <strong>de</strong> longe, após uma curva do rio das<br />

Velhas e é fácil acessá-la sem <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> informações. É<br />

tradicionalmente consi<strong>de</strong>rada a mais antiga igreja <strong>de</strong> <strong>Minas</strong>, construída<br />

ainda no final do século XVII, mas isso não está inteiramente<br />

comprovado. A data mais comum <strong>de</strong> referência é o longínquo ano <strong>de</strong><br />

1690 ou seja, da época <strong>dos</strong> primeiros <strong>de</strong>scobrimentos do ouro no<br />

Sabarabuçu. Porém, acreditamos que ela seja um pouco mais nova. 90 De<br />

qualquer forma, faz parte do grupo das primeiras <strong>igrejas</strong> mineiras<br />

erigidas à condição <strong>de</strong> vigairaria colada (1724).<br />

Está erigida praticamente <strong>às</strong> margens do rio das Velhas mas a<br />

segura distância <strong>de</strong> eventuais enchentes. Um morador contou-nos que<br />

por volta <strong>de</strong> 1995, uma gran<strong>de</strong> enchente inundou Raposos cobrindo<br />

todas as casas ribeirinhas. A matriz, porém, não foi atingida,<br />

remanescendo preservada graças à sábia prudência <strong>de</strong> seus construtores.<br />

Do seu adro tem-se uma bela visão <strong>de</strong> uma larga curva do rio, ainda<br />

majestosa a <strong>de</strong>speito das <strong>de</strong>gradações que o histórico curso d’água vem<br />

sofrendo ao longo <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> trezentos anos. Para uma matriz do<br />

princípio do século XVIII, a igreja <strong>de</strong> Raposos é relativamente simples,<br />

90<br />

Segundo Diogo <strong>de</strong> Vasconcelos, Pedro Raposo chegou a <strong>Minas</strong> na comitiva<br />

do Governador Artur <strong>de</strong> Sá por volta <strong>de</strong> 1695. Em sendo assim ou encontrou<br />

um núcleo com a igreja <strong>de</strong> N. S. da Conceição já erigida ou a igreja é<br />

realmente um pouco mais nova do que se costuma acreditar. Penso que a<br />

matriz <strong>de</strong> Raposos seja do principio <strong>de</strong> Século XVIII e que os primeiros<br />

templos mineiros sejam mesmo aqueles construí<strong>dos</strong> pela turma <strong>de</strong> Januário<br />

Car<strong>dos</strong>o no norte <strong>de</strong> <strong>Minas</strong>. Por isso prefiro a data <strong>de</strong> 1704 usada por alguns<br />

autores.<br />

102


com poucos adornos e pouca riqueza. O douramento e a pintura <strong>dos</strong><br />

altares estão quase que inteiramente apaga<strong>dos</strong>, prevalecendo a<br />

exposição da ma<strong>de</strong>ira ao natural. Burton assinala que outrora, a igreja<br />

era muito rica em prata e que naquela época apenas algumas peças<br />

ainda restavam. Hoje sobrou pouco do antigo patrimônio e mesmo as<br />

imagens são pobres e, aparentemente, com antiguida<strong>de</strong> não condizente<br />

com a ida<strong>de</strong> do templo. Está construída sobre uma plataforma que<br />

avança em direção ao rio das Velhas e que termina numa escadaria que<br />

após o pequeno adro <strong>de</strong>sce em direção à apertada rua frontal.<br />

A fachada mostra uma porta retangular elementar, sem<br />

moldura. Não há cunhais nem pilastras aparentes. Há um minúsculo<br />

óculo vazado e duas sacadas laterais. As torres são encimadas por<br />

coberturas piramidadas altas com pináculos singelos. Há quatro finas<br />

colunas quadradas em cada canto das torres circundando as pirâmi<strong>de</strong>s,<br />

ao estilo do pobre neogótico das <strong>igrejas</strong> brasileira do século XX.<br />

Provavelmente foram ali colocadas bem mais recentemente. De fato,<br />

dom frei José registrou em 1822 que o edifício da igreja estava em<br />

ruínas. Portanto, <strong>de</strong>ve ter passado por uma gran<strong>de</strong> reforma no século<br />

XIX que, seguramente, <strong>de</strong>scaracterizou sua fachada original. Há umas<br />

cimalhinhas pintadas retas em forma <strong>de</strong> telhado, abaixo das aberturas<br />

<strong>dos</strong> sinos. O frontão é quase reto com volutas pintadas na parte <strong>de</strong><br />

baixo e uma base pontuda na parte <strong>de</strong> cima, on<strong>de</strong> repousa uma cruz<br />

básica.<br />

O altar mor tem colunas torsas, duas <strong>de</strong> cada lado. A base do<br />

trono é alta e há duas pequenas imagens <strong>de</strong> cada lado, sob consolos.<br />

Dois gran<strong>de</strong>s óculos retangulares atravessam as grossas pare<strong>de</strong>s da<br />

capela mor. O arco cruzeiro não tem qualquer <strong>de</strong>coração. Em suas<br />

laterais, encosta<strong>dos</strong> em ângulo reto, há dois altares nos quais o retábulo<br />

é quase que uma simples moldura entalhada. Nas laterais da nave, atrás<br />

<strong>de</strong> balaustradas, há dois corredores em ma<strong>de</strong>ira, com arcos que se<br />

abrem para o interior da nave em trifório. Apresentam o teto em forma<br />

<strong>de</strong> abóbadas <strong>de</strong> arestas, com facetas que se encontram no alto ao estilo<br />

gótico. Como já citamos, essa subdivisão lateral da nave po<strong>de</strong> ser<br />

observada também em outras duas matrizes muito <strong>antigas</strong>: a <strong>de</strong> N. S. da<br />

Conceição <strong>de</strong> Sabará, que já visitamos, e a matriz <strong>de</strong> N. S. da Assunção<br />

<strong>de</strong> Mariana. Na parte da frente <strong>de</strong>sses corredores laterais, próximos ao<br />

arco cruzeiro, há dois outros altares. O da direita é em arquivoltas e o<br />

da esquerda é em <strong>dos</strong>sel. O entalhe <strong>dos</strong> altares é competente mas o<br />

douramento e a pintura apresentam apenas vestígios do que foram no<br />

103


passado. No da direita, provavelmente mais antigo, prevalecem<br />

entalhes <strong>de</strong> uvas e folhas e no da esquerda prevalecem figuras <strong>de</strong> anjos.<br />

O teto da nave é facetado e no centro há uma visão <strong>de</strong> N. S. da<br />

Conceição que parece ser mais recente. O piso <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira atual<br />

substitui o primitivo piso <strong>de</strong> terra batida. Não há quebra vento e o coro<br />

é reto sem qualquer <strong>de</strong>coração, cercado por uma balaustrada fina que<br />

não tem outro propósito que não seja impedir a queda das pessoas.<br />

Enfim, a igreja <strong>de</strong> N. S. da Conceição <strong>de</strong> Raposos é uma igreja<br />

relativamente singela para sua condição <strong>de</strong> matriz do princípio do<br />

século XVIII. Mas é muito peculiar, o que po<strong>de</strong> servir para atestar sua<br />

antiguida<strong>de</strong>. Oferece ainda a romântica possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se po<strong>de</strong>r<br />

contemplar o movimento manso e heróico do rio das Velhas, do alto<br />

do seu adro. Esta igreja foi tombada pelo IPHAN em 1938.<br />

SANTA LUZIA<br />

A povoação <strong>de</strong> Santa Luzia é um <strong>dos</strong> mais lin<strong>dos</strong> lugares<br />

da província: colocada em lugar alto, dali <strong>de</strong>scortina-se muito<br />

longe, e a povoação também se avista <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> distância,<br />

assim como o Rio das Velhas, que passa aí, abaixo da cida<strong>de</strong>.<br />

Esta não é gran<strong>de</strong>, mas tem alguns edifícios, como a matriz e<br />

um bom hospital, fundado pelo Barão <strong>de</strong> Santa Luzia.<br />

O pessoal <strong>de</strong>sta cida<strong>de</strong> é em tudo semelhante ao <strong>de</strong> Sabará.<br />

O município é rico e tem homens bem importantes.<br />

Santa Luzia é outra velha cida<strong>de</strong> localizada nas cercanias <strong>de</strong><br />

Belo Horizonte. Por volta <strong>de</strong> 1700 já havia registro da existência da<br />

povoação. Embora também tenha tido suas ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> mineração,<br />

cedo se firmou como centro <strong>de</strong> indústrias rudimentares e como<br />

entreposto comercial, postado no rumo entre Sabará e o Distrito <strong>dos</strong><br />

Diamantes. Fica bem próxima, no início do caminho para o Aeroporto<br />

<strong>de</strong> Confins. Possui um pequeno núcleo histórico com algumas<br />

construções <strong>antigas</strong> do fim do século XVIII.<br />

Um registro <strong>de</strong> 1761 que pedia a elevação do arraial à categoria<br />

<strong>de</strong> vila, apresenta como cre<strong>de</strong>ncial para tal o fato da localida<strong>de</strong><br />

apresentar duas gran<strong>de</strong>s <strong>igrejas</strong>, mais cinco nas cercanias. O arraial só<br />

conseguiu ir a vila 86 anos <strong>de</strong>pois (1847), <strong>de</strong>smembrado <strong>de</strong> Sabará que<br />

então já era cida<strong>de</strong>.<br />

104


Foi aqui que se travou a batalha que pôs termo à famosa<br />

revolução liberal <strong>de</strong> 1842, quando as tropas legalistas, comandadas pelo<br />

coronel Lima e Silva (futuro duque <strong>de</strong> Caxias) venceu Teófilo Otoni e<br />

seus parceiros.<br />

A Vila <strong>de</strong> Santa Luzia foi visitada por Richard Burton em 1867,<br />

vindo <strong>de</strong> Sabará <strong>de</strong> canoa, navegando o rio das Velhas. Hospedou-se<br />

num hotel que consi<strong>de</strong>rou muito precário mas barato. Teve sua atenção<br />

<strong>de</strong>spertada pelo gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> prostíbulos estabeleci<strong>dos</strong> na vila<br />

apesar <strong>de</strong>la ser tida como se<strong>de</strong> <strong>de</strong> um santuário. Comentou, porém, ter<br />

ouvido falar que esse comércio ali era menos próspero do que em<br />

Curvelo. 91<br />

Registrou a existência da igreja matriz e da igreja <strong>de</strong> N. S. do<br />

Rosário.<br />

Uma atração extra <strong>de</strong> Santa Luzia é o convento <strong>de</strong> Macaúbas,<br />

fundado pelos irmãos Manuel e Felix da Costa Soares em 1714. O<br />

convento, <strong>de</strong>vido à proibição da existência <strong>de</strong> obras <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m segunda<br />

em <strong>Minas</strong>, não era propriamente um convento mas sim uma casa <strong>de</strong><br />

recolhimento. 92 Só foi <strong>de</strong>vidamente regulamentado como instituição<br />

religiosa no final do século XVIII. O convento também foi visitado<br />

por Burton que anotou que a construção que visitara era <strong>de</strong> 1745 e não<br />

a primitiva <strong>de</strong> 1714 cujas ruínas ainda podiam ser vistas.<br />

Aqui se educaram filhas ilustres <strong>de</strong> Diamantina, <strong>de</strong> Chica da<br />

Silva e do padre Rolim. Com seus respectivos cogenitores e não ente si,<br />

bem entendido. Quando o inquieto padre inconfi<strong>de</strong>nte foi para o<br />

<strong>de</strong>gredo, sua mulher e filhos ficaram morando numa casa na entrada do<br />

convento. Ao regressar ao Brasil <strong>de</strong>vidamente indultado, ele os<br />

91 Não pensem mal das luzienses e curvelanas é que naquele tempo havia um déficit<br />

<strong>de</strong> mulheres, principalmente para um bom casamento; já que as famílias <strong>de</strong> bem<br />

nascer gostavam muito <strong>de</strong> induzir suas filhas a abraçarem a vida religiosa o que,<br />

inclusive, economicamente lhes era muito conveniente. Provavelmente as prostitutas<br />

<strong>de</strong> Santa Luzia e Curvelo eram pobres negras e mulatas errantes, <strong>de</strong>safortunadas, sem<br />

qualquer outra opção para ganhar a vida.<br />

92 Às vezes era usado para “guardar” senhoras casadas, durante perío<strong>dos</strong> longos <strong>de</strong><br />

ausência <strong>de</strong> seus mari<strong>dos</strong>. O ministro português do ultramar - Martinho <strong>de</strong> Melo e<br />

Castro - certa vez nomeou o estabelecimento como “ colégio para formação <strong>de</strong> boas e<br />

exemplares mães <strong>de</strong> família”.<br />

105


ecolheu, voltou para Diamantina e viveu feliz até quase os noventa<br />

anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, sobrevivendo à mulher e a alguns filhos.<br />

O mais interessante é que a mulher do padre Rolim, Quitéria<br />

Rita, era exatamente filha <strong>de</strong> Chica da Silva.<br />

Santa Luzia possui uma infraestrutura turística mo<strong>de</strong>sta com<br />

poucas opções <strong>de</strong> hospedagem e alimentação. A cida<strong>de</strong> é mal sinalizada<br />

o que, agravado pelo traçado bastante irregular <strong>de</strong> seu plano urbano,<br />

dificulta o trânsito do turista. Ao contrário <strong>de</strong> Sabará é uma cida<strong>de</strong><br />

muito afetada pelo tumulto urbanístico da região metropolitana <strong>de</strong> Belo<br />

Horizonte. Porém seu patrimônio histórico ainda que pequeno, é<br />

interessante e a matriz <strong>de</strong> Santa Luzia justifica a visita. A comunida<strong>de</strong><br />

também tem mostrado seu esforço na manutenção das coisas <strong>antigas</strong><br />

da gloriosa cida<strong>de</strong>, procurando preservá-las em museus instala<strong>dos</strong> em<br />

antigos casarões, no centro histórico.<br />

Cadastramos dois templos setecentista na região, são eles: a<br />

matriz e a capelinha do Bonfim.<br />

Matriz <strong>de</strong> Santa Luzia – 1744<br />

A Matriz Santuário <strong>de</strong> Santa Luzia está majestosamente erigida<br />

no alto da rua Direita, no centro histórico da cida<strong>de</strong>. A ela se chega<br />

passando por casarões interessantes do século XVIII, como a<br />

imponente Casa da Baronesa e o casarão tombado pelo IPHAN em<br />

1950, on<strong>de</strong> hoje funcionam museus. A igreja foi tombada pelo IEPHA<br />

em 1976.<br />

Encontramos referências <strong>de</strong> que a data da construção do templo<br />

seria 1774. Isso é pouco provável pois como citamos há pouco, já há<br />

referências a “dois gran<strong>de</strong>s templos” na petição <strong>de</strong> 1761, reivindicando<br />

fosse o arraial elevado à categoria <strong>de</strong> vila. É difícil acreditar que um<br />

<strong>de</strong>les fosse <strong>de</strong>struído nos treze anos seguintes para dar lugar a um outro<br />

gran<strong>de</strong> templo. Certamente essa data se refere a obras <strong>de</strong> acabamento<br />

ou reconstrução. De resto, sua fachada é característica da primeira<br />

meta<strong>de</strong> do século XVIII ou seja, da primeira fase do barroco mineiro.<br />

O amplo adro, aberto para a rua, é alcançado após uma alta<br />

escadaria <strong>de</strong> cimento, fruto <strong>de</strong> uma reforma mais recente. Possui duas<br />

altas torres quadradas, com cúpulas em forma <strong>de</strong> pirâmi<strong>de</strong>, encimadas<br />

por pináculos também <strong>de</strong> forma piramidada. Em cada um <strong>dos</strong> quatro<br />

la<strong>dos</strong> das cúpulas há <strong>de</strong>lgadas e singelas pontas. O frontão é uma<br />

106


empena <strong>de</strong>spojada e praticamente reta, encimada por uma cruz<br />

pequena, acima <strong>de</strong> um pe<strong>de</strong>stal irregular. Há um óculo redondo a meio<br />

caminho entre o frontispício e o frontão, sob uma cimalha simples que<br />

se verga para contorná-lo. A porta é bastante singela, com ombreiras<br />

retas e <strong>de</strong>lgadas em alvenaria. Há dois janelões eleva<strong>dos</strong>, com<br />

balaustradas em ferro e duas janelas baixas ao nível do piso.<br />

O interior da matriz causa agradável surpresa pela qualida<strong>de</strong> da<br />

talha, harmonia do conjunto e profusão <strong>de</strong> pinturas.<br />

A capela mor é guarnecida <strong>de</strong> imponentes tribunas à frente <strong>de</strong><br />

gran<strong>de</strong>s janelões. São alcançadas através da tradicional escadaria<br />

íngreme posicionada atrás do altar e a que se chega por um <strong>dos</strong><br />

corredores laterais. Estão ligadas a um amplo salão que além <strong>de</strong> servir<br />

<strong>de</strong> consistório, provavelmente servia também para as abastadas famílias<br />

que tinham o privilegio <strong>de</strong> assistir aos ofícios do alto da capela mor,<br />

aguardarem o início das cerimônias; tempo que seguramente,<br />

aproveitavam para fazer negócios, politicar e arranjar bons casamentos.<br />

Na parte <strong>de</strong> baixo, sob este salão, está a sacristia igualmente ampla,<br />

porém com um arcaz bastante simples e diminuto.<br />

O retábulo da capela mor é em <strong>dos</strong>sel com colunas torsas<br />

marfinizadas, contornadas por ramagens <strong>de</strong> folhas. Acima do cortinado<br />

estão imagens da Santíssima Trinda<strong>de</strong> entalhadas. Há uma espécie <strong>de</strong><br />

nicho <strong>de</strong> cada lado on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>stacam figuras <strong>de</strong> anjos. Po<strong>de</strong>m ser vistas<br />

figuras <strong>de</strong> anjos também sobre consolos, <strong>de</strong> cada lado do altar. A mesa<br />

da comunhão é bastante rica e entalhada da mesma forma que o altar<br />

com o qual compõe um harmonioso conjunto. Há dois gran<strong>de</strong>s painéis<br />

<strong>de</strong> cada lado representando, conforme indicado, são Bento e são<br />

Francisco <strong>de</strong> Sales. O arco cruzeiro tem colunas quadradas com capitéis<br />

retos e uma tarja trabalhada na forma <strong>de</strong> medalhão. Ao seu lado,<br />

voltadas para a nave, estão quatro pinturas sobre portas que dão acesso<br />

aos corredores laterais, representando os evangelistas. Essas portas são<br />

pintadas imitando mármore.<br />

A nave é iluminada por janelões que se abrem atrás <strong>de</strong> tribunas,<br />

guarnecidas por balaustradas <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira torneada e tendo no alto arcos<br />

rebaixa<strong>dos</strong>. Os altares, em número <strong>de</strong> seis, apresentam os dois primeiro<br />

em <strong>dos</strong>sel e os <strong>de</strong>mais em arco ininterrupto, com franjas e conchas e<br />

emoldura<strong>dos</strong> por colunas retas com fuste <strong>de</strong> estrias largas, partindo <strong>de</strong><br />

consolos.<br />

O teto da nave é assoalhado, <strong>de</strong> forma abaulada e <strong>de</strong>corado com<br />

uma figura <strong>de</strong> Nossa Senhora guarnecida por grossas cornijas retilíneas<br />

107


contornando todo o recinto da nave. O coro é simples e reto,<br />

sustentado por colunas <strong>de</strong>lgadas sob arcos. As tribunas também não<br />

foram objeto <strong>de</strong> maior atenção por parte <strong>dos</strong> construtores do templo.<br />

Toda a talha é clara, predominando o branco sobre o dourado,<br />

característica própria da segunda data que encontramos como sendo o<br />

ano <strong>de</strong> ereção do templo.<br />

Enfim, a matriz <strong>de</strong> Santa Luzia é um templo imponente que<br />

causa boa impressão ao visitante.<br />

CAETÉ<br />

A cida<strong>de</strong> é gran<strong>de</strong>, tem diversas ruas, bons prédios e<br />

boa Casa <strong>de</strong> Câmara. Tem uma das melhores<br />

e maiores <strong>igrejas</strong> da província, que é as sua matriz.<br />

Presentemente é <strong>de</strong> pouco comércio, porém seus ares<br />

são benignos e o pessoal é bem importante.<br />

A antiga Vila Nova da Princesa po<strong>de</strong> ser alcançada pela BR 262<br />

ou preferencialmente, através <strong>de</strong> Sabará, por aquela pitoresca estrada<br />

asfaltada <strong>de</strong> que já falamos e que também leva à vilazinha <strong>de</strong> Pompéu<br />

e à Mina <strong>de</strong> Cuiabá. A gênese do nome também é controvertida, nos<br />

parecendo mais aceitável a versão <strong>de</strong> Spix e Martius, corroborada por<br />

vários historiadores que atribuem sua origem a uma junção <strong>de</strong> termos<br />

indígenas que significam mais ou menos, “mato <strong>de</strong>nso”. Começou a ser<br />

povoada por volta <strong>de</strong> 1701 tendo passado a vila em 1714. Tal foi a<br />

<strong>de</strong>cadência com o fim do ouro na região que o núcleo urbano voltou a<br />

condição <strong>de</strong> arraial, só retornando à posição <strong>de</strong> vila em 1840. É uma<br />

cida<strong>de</strong> sem especial apelo turístico mas que possui pelo menos duas<br />

construções interessantes do século XVIII que são o prédio da<br />

Biblioteca Pública Municipal e o Solar do Barão <strong>de</strong> Catas Altas, hoje um<br />

museu. 93 Possui ainda boas pousadas localizadas nos distritos <strong>de</strong> Roças<br />

93 João Batista Ferreira <strong>de</strong> Souza Coutinho – o barão <strong>de</strong> Catas Altas - foi o homem<br />

mais rico da província <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> Gerais no seu tempo. Era dono da Mina <strong>de</strong> Congo<br />

Soco, uma das mais produtivas do século XIX, vendida aos ingleses em 1824. Possuía<br />

suntuosas casas em Sabará, Santa Luzia, Caeté e Ouro Preto. Diz a lenda que ele tinha<br />

o hábito <strong>de</strong> presentear seus convida<strong>dos</strong> com talheres <strong>de</strong> ouro.<br />

108


Novas e Morro Vermelho mas a cida<strong>de</strong> não tem qualquer cultura<br />

turística. Contudo vale a pena ser visitada em razão da bela igreja <strong>de</strong> N.<br />

S. do Bom Sucesso. Foi berço da Guerra <strong>dos</strong> Emboabas cujo estopim<br />

se acen<strong>de</strong>u por conta <strong>de</strong> inci<strong>de</strong>ntes banais envolvendo arroubos <strong>de</strong><br />

valentia que acabaram confrontando membros <strong>de</strong> famílias po<strong>de</strong>rosas<br />

que habitavam o arraial. 94 Caeté era um centro que agregava muitos<br />

migrantes baianos que junto aos portugueses formaram o grosso das<br />

fileiras <strong>dos</strong> emboabas. Dali partiram os contingentes que sob o<br />

comando do caudilho Manuel Nunes Viana 95 seguiram para as primeiras<br />

batalhas com os paulistas da região <strong>de</strong> Sabará, Ouro Preto, Ribeirão do<br />

Carmo e Guarapiranga até o famoso massacre do Capão da Traição, nas<br />

cercanias <strong>de</strong> São João <strong>de</strong>l Rei. O conflito também teve seu termo em<br />

Caeté quando o governador Antônio <strong>de</strong> Albuquerque Coelho<br />

convenceu Manuel Nunes Viana a se retirar para sua fazenda e <strong>de</strong>ixar<br />

<strong>de</strong> ser encrenqueiro. Anos mais tar<strong>de</strong> voltou para azucrinar o enfezado<br />

con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Assumar, o que resultou no seu retorno forçado para Portugal<br />

aon<strong>de</strong> veio a falecer confortavelmente sobre uma fortuna consi<strong>de</strong>rável<br />

que amealhou em suas muitas ativida<strong>de</strong>s nas <strong>Minas</strong> Gerais, da<br />

mineração à pecuária.<br />

Em Caeté morava a tia do inconfi<strong>de</strong>nte José <strong>de</strong> Sá Bittencourt<br />

– d. Maria Isabel <strong>de</strong> Bittencourt e Sá. Ele próprio morou por aqui uns<br />

tempos, antes <strong>de</strong> fugir para a Bahia. Depois voltou à época da morte da<br />

94 Claro que havia uma forte fermentação criando condições para que o conflito<br />

eclodisse, o que <strong>de</strong> fato, somente aconteceu <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> algumas mortes isoladas<br />

envolvendo ambos os la<strong>dos</strong>. Os ânimos estavam exalta<strong>dos</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> quando a Coroa<br />

acreditou que o potencial aurífero <strong>dos</strong> riachos era duradouro e enten<strong>de</strong>u que quanto<br />

mais gente tivesse catando ouro maior o quinto arrecadado. Isso, certamente não<br />

podia mesmo agradar aos paulistas <strong>de</strong>scobridores das minas e primeiros habitantes e<br />

ocupantes da maioria <strong>dos</strong> cargos <strong>de</strong> guarda-mores que, como vimos, guardavam<br />

importante prerrogativa na distribuição das datas para exploração do ouro. Também<br />

havia interesses sobre monopólios comerciais em jogo.<br />

95 O chefe <strong>dos</strong> Emboabas acabou sendo <strong>de</strong>clarado, à revelia <strong>de</strong> Sua Majesta<strong>de</strong>,<br />

Governador das <strong>Minas</strong> Gerais. O movimento ensejou lances <strong>de</strong> rebeldia que<br />

registraram inclusive a expulsão do Governador <strong>de</strong> direito, vindo do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

para assumir o controle da situação. O episódio terminou com a ampla, geral e quase<br />

irrestrita anistia <strong>dos</strong> revoltosos pelo rei, seduzido que foi por boas arrobas do quinto<br />

cobrado sobre o ouro que nunca ren<strong>de</strong>u tanto à Coroa como naquela ocasião e que<br />

inclusive lhe foi entregue a domicílio, pelo enviado <strong>dos</strong> revoltosos.<br />

109


tia, para assegurar sua parte na herança. D. Maria teve que pagar duas<br />

arrobas <strong>de</strong> ouro para livrá-lo <strong>de</strong> ser con<strong>de</strong>nado por sua participação na<br />

Conjuração Mineira. Diz a lenda que ela não tinha o ouro em mãos para<br />

pagar a propina exigida pelos juízes do Tribunal da Alçada. Assim rezou<br />

muito a N. S. do Bom Sucesso. Depois da penitência, tocou a cavar<br />

embaixo <strong>de</strong> umas touceiras em suas vastas proprieda<strong>de</strong>s e não <strong>de</strong>u<br />

outra: achou alguns quilos <strong>de</strong> bom e brilhante ouro, exatamente o que<br />

precisava para completar a cota exigida pelos juízes corruptos. É bem<br />

possível que ela tenha feito alguma substanciosa doação para sua santa<br />

protetora, em agra<strong>de</strong>cimento pela graça recebida, provindo <strong>de</strong>la parte<br />

do acervo da maravilhosa matriz <strong>de</strong> Caeté.<br />

Próximo a Caeté está a serra da Pieda<strong>de</strong> que po<strong>de</strong> ser acessada<br />

por estrada asfaltada e <strong>de</strong> on<strong>de</strong> se po<strong>de</strong> vislumbrar magnífica vista <strong>de</strong><br />

toda a região metropolitana <strong>de</strong> Belo Horizonte, bem como contemplar<br />

a serra do Caraça, no lado leste.<br />

Com exceção <strong>de</strong> Richard Burton, to<strong>dos</strong> os viajantes do século<br />

XIX a que fazemos referência nesta obra, passaram pela cida<strong>de</strong>.<br />

Saint-Hilaire chegou a Caeté vindo <strong>de</strong> São João do Morro<br />

Gran<strong>de</strong> (Barão <strong>de</strong> Cocais). Notou belas casas no então arraial, mas<br />

praticamente em ruínas. Estimou a população em quatrocentas<br />

pessoas. Consi<strong>de</strong>rou a igreja <strong>de</strong> N. S. do Bom Sucesso a mais bonita da<br />

província e duvidou que mesmo no Rio <strong>de</strong> Janeiro houvesse outra igual.<br />

Admirou sobretudo o seu tamanho, a qualida<strong>de</strong> das imagens e da<br />

pintura do teto.<br />

Spix e Martius passaram por Caeté vin<strong>dos</strong> <strong>de</strong> Sabará com<br />

<strong>de</strong>stino a São João do Morro Gran<strong>de</strong> ou seja, em sentido inverso ao<br />

roteiro <strong>de</strong> Saint-Hilaire. Comentaram que o povoado se espalhava por<br />

um vale fértil e que estava em gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>cadência.<br />

Gardner, alguns anos mais tar<strong>de</strong>, fez um roteiro semelhante.<br />

Notou sua “miserável aparência” e que <strong>de</strong>veria ter tido melhores dias<br />

no passado a julgar pelas belas casas em ruínas e pela igreja elogiada por<br />

Saint-Hilaire e que, no entanto, não teve interesse em visitar.<br />

Catalogamos sete templos em Caeté: matriz <strong>de</strong> N. S. do Bom<br />

Sucesso, igreja do Rosário, igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Assis, igreja <strong>de</strong><br />

N. S. <strong>de</strong> Nazaré no distrito <strong>de</strong> Morro Vermelho, igreja <strong>de</strong> Madre <strong>de</strong><br />

Deus do distrito <strong>de</strong> Roças Novas e a Capela <strong>de</strong> N. S. da Pieda<strong>de</strong> na<br />

serra da Pieda<strong>de</strong>.<br />

110


Dom frei José da Santíssima Trinda<strong>de</strong> dá notícia em 1822 <strong>de</strong><br />

mais um templo em Caeté, a capela <strong>de</strong> São Gonçalo, da qual não temos<br />

qualquer outro registro ou conhecimento.<br />

A matriz <strong>de</strong> Bom Sucesso foi tombada pelo IPHAN em 1938, a<br />

matriz <strong>de</strong> Nazaré e a igreja do Rosário foram tombadas em 1950. A<br />

capela da serra da Pieda<strong>de</strong> foi tombada em 1956. A igreja <strong>de</strong> Roças<br />

Novas e a igreja <strong>de</strong> São Francisco não são tombadas.<br />

Matriz <strong>de</strong> N.Senhora do Bom Sucesso – 1752<br />

O templo tão admirado por Saint-Hilaire está situado numa<br />

praça apertada, um pouco abaixo <strong>dos</strong> restos do antigo pelourinho. Foi<br />

aqui que, no dia 12 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1822, o povo se reuniu para, sob a<br />

regência do vigário Manuel Gonçalves <strong>de</strong> Almeida, entoar um Te Deum<br />

em louvor pela aclamação <strong>de</strong> d. Pedro como Imperador do Brasil. 96<br />

O adro disputa espaço com a praça, numa fusão meio infeliz.<br />

Esta é uma igreja muita especial porque praticamente inaugurou a<br />

última fase do estilo mineiro <strong>de</strong> fazer <strong>igrejas</strong>. 97 Sua fachada é<br />

imponente, preconizando em alguns anos o estilo Aleijadinho. O então<br />

jovem mestre <strong>de</strong> Vila Rica, trabalhou nesta igreja como aprendiz e teve<br />

gran<strong>de</strong> parcela <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> sobre os altares laterais. A fachada<br />

certamente o influenciou e serviu <strong>de</strong> fonte para sua arquitetura nos anos<br />

seguintes. O estilo do templo, segundo alguns autores, teria marcado o<br />

fim do chamado estilo jesuítico que influenciou os construtores<br />

mineiros <strong>de</strong> <strong>igrejas</strong> da primeira meta<strong>de</strong> do século XVIII. 98 Certamente<br />

inaugurou a fase das <strong>igrejas</strong> <strong>de</strong> fachada estruturada em cantaria com<br />

torres, frontão e portadas mais trabalhadas. A maioria <strong>dos</strong> especialistas<br />

96 Interessante anotar que entre os presentes estava o ex-inconfi<strong>de</strong>nte José <strong>de</strong> Sá<br />

Bittencourt e Câmara Acyoli, então vereador à Câmara <strong>de</strong> Caeté.<br />

97 Diante <strong>de</strong> tamanha relevância é <strong>de</strong> se estranhar que o IPHAN, no cadastro <strong>de</strong> bens<br />

tomba<strong>dos</strong> encontrado no seu site na Internet, tenha <strong>de</strong>dicado ao templo não mais do<br />

que meia miserável página.<br />

98 Notem meus caros leitores que se trata <strong>de</strong> um estilo já adaptado <strong>às</strong> pobres<br />

condições das colônias espanholas e portuguesas e que pouco tem a ver com a<br />

magnificência <strong>dos</strong> templos jesuítas europeus do século XVI .<br />

111


acredita que o autor do projeto tenha sido o arquiteto Antônio<br />

Gonçalves da Silva Bracarena. Há quem acredite que ele tenha sido<br />

apenas o construtor sendo o projeto do pai do Aleijadinho, Manuel<br />

Francisco Lisboa. Esta polêmica é interessante pois o pai do genial<br />

mulato também é tido como o autor do risco da fachada da igreja <strong>de</strong><br />

Santa Efigênia <strong>de</strong> Ouro Preto, igualmente consi<strong>de</strong>rada como<br />

representativa da passagem do barroco para o rococó. Se ele foi o autor<br />

<strong>dos</strong> dois projetos então seguramente <strong>de</strong>ve ser reconhecido como um<br />

<strong>dos</strong> principais responsáveis por essa passagem. Em caso contrário terá<br />

sido muito mais um bom aprendiz <strong>de</strong> Bracarena.<br />

Em 1790 o vereador da Câmara <strong>de</strong> Mariana, Joaquim José da<br />

Silva, escreveu um pequeno ensaio sobre o Aleijadinho e em uma <strong>de</strong><br />

suas passagens registrou que Bracarena foi apenas o executor,<br />

atribuindo a Manuel Francisco Lisboa a autoria do projeto. Em sendo<br />

assim, o pai do Aleijadinho teria evoluindo muito rapidamente, saltado<br />

em poucos anos, da matriz <strong>de</strong> Antônio Dias, pesadamente barroca, para<br />

a igreja <strong>de</strong> Santa Efigênia, levemente rococó. Infelizmente as datas não<br />

nos po<strong>de</strong>m ajudar muito aqui pois, embora o início da construção da<br />

igreja do Alto da Cruz <strong>de</strong> Ouro Preto seja anterior a matriz <strong>de</strong> Caeté,<br />

sabe-se que houve obras na fachada da primeira, pelo menos até 1780.<br />

Admitida esta rápida evolução, fica mais nítido o quanto Manuel<br />

Francisco Lisboa teria contribuído para que seu filho fizesse explodir<br />

o melhor do rococó na fachada das <strong>igrejas</strong> mineiras e esta é sua maior<br />

obra. 99<br />

A matriz <strong>de</strong> Caeté, como bem notou Saint-Hilaire, é um templo<br />

<strong>de</strong> dimensões avantajadas com sólida e imponente fachada. A portada é<br />

<strong>de</strong> ombreiras largas, trabalhadas e encimadas por um alto medalhão que<br />

alcança até um <strong>dos</strong> janelões, mais acima. Está cheio <strong>de</strong> inscrição latinas<br />

que não consegui <strong>de</strong>cifrar. Nos meus tempos <strong>de</strong> aluno <strong>dos</strong> Maristas eu<br />

era bom nessa matéria, hoje latim pra mim é grego.<br />

São três janelões ao todo, com molduras <strong>de</strong> pedras e<br />

cimalhinhas retas se encontrando no alto num toque meio romano. O<br />

corpo principal da fachada é <strong>de</strong>lineado por pilastras duplas <strong>de</strong> cantaria,<br />

99 É fato que Manuel Francisco Lisboa, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> Caeté continuou construindo <strong>igrejas</strong><br />

numa linha evolutiva, enquanto Bracarena preferiu renunciar <strong>às</strong> glórias <strong>de</strong>sse mundo<br />

se internando na serra da Pieda<strong>de</strong>.<br />

112


marcando a base das torres. Os cunhais também são <strong>de</strong> pedra. A<br />

cimalha que separa a base da fachada do frontão e torres é bem<br />

<strong>de</strong>lineada e robusta, mas não é <strong>de</strong> pedra. As torres são quadradas com<br />

pirâmi<strong>de</strong>s achatadas no topo e cantos arredonda<strong>dos</strong>, solução muita<br />

utilizada por Antônio Francisco Lisboa nos anos seguintes. O alto das<br />

torres é fechado por pináculos orientais. Há umas espécies <strong>de</strong> pinhas<br />

em cada um <strong>dos</strong> quatro cantos das torres ao nível da base das<br />

pirâmi<strong>de</strong>s. O frontão é alto, em curvas suaves e molduras <strong>de</strong> cantaria.<br />

Nas laterais há arremates <strong>de</strong> pedra em forma <strong>de</strong> pequenas colunas com<br />

bases alargadas. A cruz é simples e um tanto em <strong>de</strong>sacordo com a<br />

robustez do frontão. Um pouco abaixo do centro do mesmo, abre-se<br />

um óculo ovalado guarnecido <strong>de</strong> vidraças.<br />

Por se situar numa fase fronteiriça <strong>de</strong> mudança <strong>de</strong> estilos, o<br />

interior guarda muito da exuberância da primeira fase, acrescida tanto<br />

<strong>de</strong> estilos mais remotos quando <strong>de</strong> soluções inovadoras. Isso foi<br />

possível pela gran<strong>de</strong> fartura e dimensão <strong>dos</strong> altares nas laterais do<br />

templo o que disponibilizou muito espaço para a criativida<strong>de</strong> <strong>dos</strong><br />

artistas que ali trabalharam. Sabemos que trabalhou nos altares da<br />

matriz o famoso entalhador José Coelho Noronha que tinha uma escola<br />

em Caeté on<strong>de</strong> ensinava o ofício <strong>de</strong> entalhe e que foi freqüentada pelo<br />

Aleijadinho. Fato é que esta igreja teve papel relevante no fértil<br />

aprendizado <strong>de</strong> Antônio Francisco Lisboa e exerceu influência sobre<br />

sua obra nos anos seguintes. Também seu pai, com uma ajuda <strong>de</strong><br />

Bracarena, po<strong>de</strong> ter tirado <strong>de</strong>sta igreja um melhor aprendizado sobre o<br />

uso <strong>de</strong> cantaria, tão característica da última meta<strong>de</strong> do setecentos, tanto<br />

na arquitetura religiosa quanto civil, especialmente na região <strong>de</strong> Ouro<br />

Preto e Mariana.<br />

A igreja possui nada menos do que oitos altares distribuí<strong>dos</strong> no<br />

amplo recinto da nave. Poucas <strong>igrejas</strong> contam com tal fartura. Os do<br />

transepto são <strong>de</strong> espaldar alto, sanefas e um discreto baldaquino<br />

franjado, numa solução muito usada pelo Aleijadinho. As colunas<br />

internas são torsas e as externas são em quartelas. Os <strong>de</strong>mais altares<br />

alternam soluções diversas como falsos <strong>dos</strong>séis, arcos frisa<strong>dos</strong> com<br />

medalhões no coroamento, colunas torsas e em quartelas e pequenos<br />

nichos encima<strong>dos</strong> por baldaquinos e ainda as tradicionais sanefas<br />

113


ococó 100 sobre as quais se abrem gran<strong>de</strong>s janelões. São <strong>de</strong> talha<br />

relativamente discreta, revestida <strong>de</strong> pintura clara e frisos doura<strong>dos</strong> que,<br />

emoldura<strong>dos</strong> pelo branco das pare<strong>de</strong>s, forma um leve e harmonioso<br />

conjunto, característica própria da última fase do barroco mineiro.<br />

Esses altares são ti<strong>dos</strong> como os primeiros marcadamente rococós <strong>de</strong><br />

<strong>Minas</strong> e, como dissemos, há autores que acreditam que o aprendiz<br />

Aleijadinho tenha muito mais responsabilida<strong>de</strong> por isso do que o<br />

próprio mestre José Coelho <strong>de</strong> Noronha. Aqui nasceram os anjinhos<br />

marcantes do mestre mulato <strong>de</strong> Vila Rica e é possível que algumas<br />

imagens sejam <strong>de</strong> sua autoria, especialmente a imagem <strong>de</strong> Santa Luzia<br />

que se encontra no Altar <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula. Os anjinhos<br />

topetu<strong>dos</strong> do <strong>dos</strong>sel do Altar <strong>de</strong> Santo Antônio são inequivocamente<br />

atribuí<strong>dos</strong> a ele. 101<br />

O teto da nave é tipo abóbada <strong>de</strong> berço com pinturas<br />

relativamente discretas em perspectiva arquitetônica no contorno e<br />

singelos adornos rococó. No centro, em lugar <strong>de</strong> uma cena <strong>de</strong> visão, há<br />

apenas um adorno com relevos doura<strong>dos</strong> valorizando a base <strong>de</strong><br />

sustentação do lustre.<br />

O arco cruzeiro é em pedra com discreta pintura marmorizada.<br />

O altar mor não chega a ser em <strong>dos</strong>sel e salienta a figura <strong>de</strong><br />

Deus Pai e o Espírito Santo em resplendor, no alto. As colunas são<br />

torsas com adornos fitomorfos contornado-as. No alto do trono não há<br />

imagem mas sim, mais uma vez, o Espírito Santo em resplendor. O<br />

orago, N. S. do Bom Sucesso, está num plano inferior subjugada à<br />

pomba sagrada. Nas laterais estão nichos com belos e originais<br />

baldaquinos. No alto das colunas internas, anjos policroma<strong>dos</strong><br />

valorizam o contorno do retábulo. Duas portas com vergas trabalhadas,<br />

ligam a capela mor à corredores laterais que contornam o recinto e<br />

levam à sacristia e <strong>de</strong>mais aposentos, <strong>de</strong>vidamente fecha<strong>dos</strong> guardando<br />

seus segre<strong>dos</strong> <strong>de</strong> curiosos como eu. O teto da capela mor é abaulado e<br />

imaculado, na forma <strong>de</strong> um mata borrão. Nas pare<strong>de</strong>s laterais se abrem<br />

gran<strong>de</strong>s óculos irregulares com fortes molduras <strong>de</strong> pedra.<br />

100 Não sabemos se as sanefas foram i<strong>de</strong>ia do Aleijadinho mas elas o maravilhavam e<br />

ele as espalhou por todo lado on<strong>de</strong> trabalhou, ou prevendo-as em seus riscos<br />

originais ou acrescentando-as nos riscos ou entalhes <strong>dos</strong> outros que ele,<br />

freqüentemente era convidado a melhorar.<br />

101 Saint-Hilaire não gostou <strong>de</strong>sses topetes, achando-os um tanto exagera<strong>dos</strong>.<br />

114


O coro é reto com balaústres em <strong>de</strong>lgada ma<strong>de</strong>ira torneada. É<br />

sustentado por pilastras em três arcos. O reverso da sacada está<br />

adornado com molduras <strong>de</strong> pedra e há ainda um prolongamento da<br />

pintura do teto sobre a pare<strong>de</strong> do fundo do coro, representando um<br />

avantajado adorno rococó.<br />

Destaque final para a gran<strong>de</strong> pia batismal em ma<strong>de</strong>ira do lado<br />

esquerdo da entrada do vestíbulo, on<strong>de</strong> os bons católicos <strong>de</strong> Caeté têm<br />

sido ungi<strong>dos</strong> ao longo <strong>dos</strong> séculos.<br />

Igreja <strong>de</strong> N. S. do Rosário - 1730<br />

A igreja prece<strong>de</strong>u a matriz <strong>de</strong> Caeté, portanto é seguramente da<br />

primeira meta<strong>de</strong> do setecentos. Está na parte alta <strong>de</strong> uma la<strong>de</strong>ira, <strong>de</strong>ntro<br />

<strong>de</strong> um cemitério que ocupa inclusive o adro, sendo necessário vencer<br />

alguns suntuosos túmulos para se alcançar a porta do templo. Antes do<br />

adro/cemitério há uma plataforma com um cruzeiro <strong>de</strong> on<strong>de</strong> se po<strong>de</strong><br />

contemplar o pouquíssimo que resta da parte histórica <strong>de</strong> Caeté. O<br />

frontispício é quase quadrado com cunhais <strong>de</strong> cantaria. A porta está<br />

guarnecida <strong>de</strong> ombreiras também <strong>de</strong> cantaria com uma verga trabalhada<br />

sustentando um gran<strong>de</strong> medalhão, arrematado em conchas sob uma<br />

discreta cruz <strong>de</strong> massa <strong>de</strong> reboco. Tem duas janelas no alto, com<br />

molduras como as da porta e umas cimalhinhas simples. O frontão é<br />

pequeno e baixo, discretamente curvo e la<strong>de</strong>ado por arcos vaza<strong>dos</strong><br />

tendo umas espécies <strong>de</strong> coruchéus na cúpula e com um óculo<br />

envidraçado e <strong>de</strong> forma ovalada e com moldura <strong>de</strong> pedra no centro. No<br />

alto está uma cruz <strong>de</strong> pedra. Não tem propriamente cimalha mas sim<br />

um beiral <strong>de</strong> massa <strong>de</strong> reboco coberta <strong>de</strong> telhas e que contorna todo o<br />

telhado da igreja.<br />

Após duas tentativas, <strong>de</strong>sistimos <strong>de</strong> conhecer o interior do<br />

templo, mas soubemos que no forro da nave há uma pintura em<br />

perspectiva puxada ao rococó e adornada por figuras <strong>de</strong> fra<strong>de</strong>s. No<br />

centro há um medalhão enquadrando uma N. S. Mãe <strong>dos</strong> Homens,<br />

divinda<strong>de</strong> muita apreciada nesta região. Nos altares do transepto estão<br />

os santos <strong>de</strong> <strong>de</strong>voção das irmanda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pretos : são Benedito e santa<br />

Efigênia. O altar mor se mostra inconcluso.<br />

Temos registro <strong>de</strong> que esta igreja estava praticamente em ruínas<br />

em 1957, segundo relato <strong>de</strong> um <strong>dos</strong> membros <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>legação do<br />

Instituto Histórico e Geográfico <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> Gerais que naquele ano,<br />

visitou o túmulo <strong>de</strong> João Pinheiro localizado no seu adro. Hoje o<br />

próprio túmulo está carecendo <strong>de</strong> maiores cuida<strong>dos</strong>.<br />

115


Igreja do Cordão <strong>de</strong> São Francisco - 1808<br />

Esta é uma das <strong>igrejas</strong> i<strong>de</strong>ntificadas como tendo sua construção<br />

se iniciado inequivocamente no século XIX, que resolvemos incluir no<br />

nosso roteiro, em homenagem à valente Caeté e também aos irmãos do<br />

cordão <strong>de</strong> São Francisco que embora tipicamente setecentistas, só<br />

conseguiram construir esta sua igreja no século seguinte. Fica próxima<br />

da matriz <strong>de</strong> N. S. <strong>de</strong> Bom Sucesso, numa esquina acanhada da rua São<br />

Francisco. Tem um pequeno adro cercado <strong>de</strong> um gra<strong>de</strong>ado <strong>de</strong> ferro<br />

batido. Sua fachada é poligonal e, simetricamente, em cada uma das<br />

faces apresenta uma porta básica com verga em arco, abaixo <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s<br />

janelões <strong>de</strong> mesmo formato, guarneci<strong>dos</strong> <strong>de</strong> balaustradas. A verga da<br />

porta central apresenta um recorte diferente das <strong>de</strong>mais. Há um<br />

envergonhado óculo no centro da fachada. O frontispício se eleva na<br />

face central e sustenta uma única torre quadrada, com beirais salientes e<br />

com cobertura em quatro águas guarnecida <strong>de</strong> telhas.<br />

Dom frei José registrou que em 1822 esta igreja ainda estava<br />

inacabada.<br />

Seu interior, também após duas tentativas para <strong>de</strong>svendá-lo,<br />

continua um mistério para nós.<br />

SERRA DA PIEDADE<br />

A meio caminho entre Sabará e Caeté ergue-se a abrupta<br />

formação montanhosa da serra da Pieda<strong>de</strong>. É alcançada pelo lado<br />

setentrional, através da estrada que liga Caeté à rodovia BR 262. No<br />

século XIX o local já era famoso pelas virtu<strong>de</strong>s místicas e atributos<br />

ecológicos. Com exceção <strong>de</strong> Burton to<strong>dos</strong> nossos viajantes subiram ao<br />

topo da serra, ao lombo <strong>de</strong> seus valentes burros ou cavalos para<br />

admirar a paisagem e os atrativos que ainda em nossos dias são objeto<br />

<strong>de</strong> intensa e ecumênica romaria . A serra conta hoje com uma<br />

infraestrutura turística apropriada aos seus apelos que inclui um<br />

restaurante e um centro <strong>de</strong> alojamento <strong>de</strong> romeiros, além da capela<br />

setecentista. Contrastando com a vocação original do lugar, há ainda<br />

um observatório astronômico e inúmeras torres <strong>de</strong> comunicação que<br />

sem qualquer cerimônia, quebram o equilíbrio histórico, místico e<br />

ecológico do antigo sítio <strong>de</strong> contemplações. É o tributo pago pela sua<br />

brusca altitu<strong>de</strong> e privilegiada localização. Do alto da serra se po<strong>de</strong> ver<br />

116


praticamente toda a região metropolitana <strong>de</strong> Belo Horizonte e a<br />

paisagem encantou nossos visitantes do século XIX, sem exceção.<br />

Como dissemos, apenas Richard Burton não se interessou em<br />

fazer algum tipo <strong>de</strong> registro sobre a serra da Pieda<strong>de</strong> quando <strong>de</strong> sua<br />

passagem por aqui.<br />

O mais longo registro, como não po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser, é o <strong>de</strong><br />

Saint-Hilaire. Nosso perspicaz e persistente sábio subiu a serra vindo <strong>de</strong><br />

Caeté e lá passou vários dias. Observou que a capela era cercada <strong>de</strong><br />

edifícios on<strong>de</strong> moravam eremitas e romeiros. Um <strong>dos</strong> moradores era a,<br />

já citada, irmã Germana. Uma mulher <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> trinta e cinco anos,<br />

penitente que quase não comia e dada a crises <strong>de</strong> histeria. O povo<br />

acreditava tratar-se <strong>de</strong> uma santa. O sábio francês improvisou alguns<br />

experimentos para tentar se convencer <strong>de</strong> que os transes da irmã eram<br />

uma farsa, mas na verda<strong>de</strong> não conseguiu provar isto. Ele <strong>de</strong> fato, se<br />

interessou muito pelo caso e andou até consultando um estudo que o<br />

médico mineiro dr. Antônio Gonçalves Gomi<strong>de</strong> escreveu sobre o<br />

assunto em 1814 e concordando com a tese <strong>de</strong> que o caso da irmã não<br />

tinha nada <strong>de</strong> sobrenatural. Aqui não posso <strong>de</strong>ixar passar a<br />

oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer algumas referências sobre este dr. Gomi<strong>de</strong>.<br />

Parece que ele foi uma personalida<strong>de</strong> assaz incomum, um cidadão <strong>de</strong><br />

mente aberta e pensamentos avança<strong>dos</strong>. Xavier da Veiga, andou<br />

coletando alguns documentos antigos contendo advertências que o<br />

médico levou do governador por seu envolvimento com “libertinagem<br />

e livros perniciosos”. Em 1819 vamos encontrá-lo envolvido com uma<br />

<strong>de</strong>vassa por ser chefe <strong>de</strong> clubes liga<strong>dos</strong> a fatos escandalosos(?). Mas em<br />

1823 e 1826 vamos encontrá-lo na nobre condição <strong>de</strong> <strong>de</strong>putado<br />

constituinte e senador do Império. Saint-Hilaire, notório conservador,<br />

provavelmente não soube <strong>de</strong> nada disso e ficou feliz <strong>de</strong> ter a obra do dr.<br />

Gomi<strong>de</strong> no meio da sua biblioteca.<br />

D. frei José também relata as crises <strong>de</strong> Germana e,<br />

comedidamente, informa que não estava <strong>de</strong>vidamente comprovado que<br />

elas não fossem <strong>de</strong> origem sobrenatural.<br />

Spix e Martius igualmente estiveram na serra e, da mesma<br />

forma, registraram a existência <strong>de</strong> uma tal personagem singular<br />

comentando, contudo, que ela já não mais lá se encontrava por ter sido<br />

117


proibida <strong>de</strong> exercer suas faculda<strong>de</strong>s catalépticas pelas autorida<strong>de</strong>s da<br />

igreja. 102<br />

Gardner, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> passar em Cuiabá 103 subiu a Pieda<strong>de</strong> e<br />

também redigiu notas sobre os penitentes da serra. Anotou que a igreja<br />

era cuidada por uma mulata e um velho vestido <strong>de</strong> batina com um<br />

sórdido aspecto e que se dizia eremita.<br />

Pelos relatos <strong>dos</strong> nossos viajantes feitos entre 1820 e 1840, o<br />

que se po<strong>de</strong> observar é que, naquele período, a instituição da serra<br />

esteve na mais completa <strong>de</strong>cadência, entregue a fanáticos e charlatões.<br />

A capelinha, contudo, se manteve e hoje, no meio <strong>de</strong> várias<br />

mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>s é a única construção que preserva a história mística do<br />

lugar.<br />

Capela <strong>de</strong> N. S. da Pieda<strong>de</strong> - 1767<br />

A capela <strong>de</strong> N. S. da Pieda<strong>de</strong> é uma construção bastante<br />

simples, compatível com sua <strong>de</strong>stinação que era <strong>de</strong> ser um templo <strong>de</strong><br />

orações <strong>de</strong> humil<strong>de</strong>s romeiros e penitentes que subiam àquela altura<br />

para recolhimento, à distância das coisas mundanas e à proximida<strong>de</strong> da<br />

coisa divina. Como dito, foi construída pelo mesmo Antônio da Silva<br />

Bracarena que projetou a bela matriz <strong>de</strong> N. S. do Bom Sucesso <strong>de</strong><br />

Caeté, o oposto da capelinha da Serra pelo seu luxo e riqueza. Na<br />

verda<strong>de</strong>, Bracarena a construiu exatamente para criar o local <strong>de</strong><br />

recolhimento a que ele voluntariamente se con<strong>de</strong>nou, algum tempo<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> criar a matriz <strong>de</strong> Caeté. Ali permaneceu como irmão<br />

penitente da Or<strong>de</strong>m Terceira do Carmo até a sua morte, cercado por<br />

um grupo <strong>de</strong> seguidores. É interessante notar que Bracarena, da mesma<br />

forma como aconteceu com o irmão Lourenço na serra do Caraça, não<br />

conseguiu <strong>de</strong>ixar raízes que pu<strong>de</strong>ssem garantir a seqüência da sua obra<br />

após sua morte e <strong>dos</strong> seguidores que recrutou em vida. No final do<br />

século XIX, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter virado lugar <strong>de</strong> atuação <strong>de</strong> fanáticos e<br />

102 A irmã Germana foi convencida pelo padre José Gonçalves Pereira, antigo capelão<br />

da Pieda<strong>de</strong> a acompanhá-lo quando se mudou para o arraial <strong>de</strong> Roças Novas on<strong>de</strong><br />

continuou com os seus transes, porém <strong>de</strong> forma mais discreta sem a audiência <strong>dos</strong><br />

inúmeros romeiros da serra da Pieda<strong>de</strong>.<br />

103 Hoje rebatizada <strong>de</strong> Mestre Caetano, distrito <strong>de</strong> Sabará, on<strong>de</strong> já estivemos.<br />

118


visionários como mostra o relato <strong>dos</strong> nossos viajantes, foi instalado na<br />

serra um asilo sob cuidado das Irmãs da Pieda<strong>de</strong> e que não sobreviveu<br />

até nossos dias.<br />

A capela está erigida sobre um tablado <strong>de</strong> pedras a que se chega<br />

galgando uma escada. O corpo da construção ultrapassa o espaço lateral<br />

da fachada, dando ao conjunto um aspecto <strong>de</strong>sarmônico. A parte<br />

principal do frontispício é retangular, guarnecida <strong>de</strong> pilastras e cunhais<br />

<strong>de</strong> alvenaria acompanhando o alinhamento das torres. Há uma porta<br />

simples no centro. A cimalha também é <strong>de</strong> alvenaria e as torres são<br />

quadradas e altas, cobertas com telhas dispostas numa estrutura baixa<br />

<strong>de</strong> quatro águas, arrematadas com pináculos altos e <strong>de</strong>lga<strong>dos</strong>. Há pontas<br />

curvadas nos cantos do telhado das torres dando a elas o conhecido<br />

aspecto chinês. O interior é minúsculo mas, além da capela mor, tem<br />

ainda uma capelinha lateral. O retábulo é do tipo oratório e apresenta<br />

um arco rendilhado com um medalhão no alto. As colunas internas são<br />

misuladas e as externas são redondas <strong>de</strong> fuste liso com estrias retas na<br />

parte superior e retorcidas no terço inferior. Não há relevos na parte<br />

externa do coroamento do retábulo e todo o conjunto avança até o<br />

teto, com ressaltos que dão continuida<strong>de</strong> <strong>às</strong> linhas das colunas. O trono<br />

é simples e sustenta a N. S. da Pieda<strong>de</strong> com o Cristo <strong>de</strong>sfalecido. Já<br />

encontrei autores que atribuem essa imagem ao Aleijadinho. O camarim<br />

é recoberto por um pano e há nichos laterais: um abrigando uma<br />

imagem e o outro abrigando um valente vaso <strong>de</strong> flores.<br />

BARÃO DE COCAIS<br />

Barão <strong>de</strong> Cocais po<strong>de</strong> ser alcançada a partir da BR 262 que liga<br />

Belo Horizonte ao litoral capixaba e que é a principal via <strong>de</strong> circulação<br />

<strong>de</strong>sse trecho da nossa viagem. Hoje área <strong>de</strong> predominância <strong>de</strong><br />

ativida<strong>de</strong>s si<strong>de</strong>rúrgicas, a cida<strong>de</strong> é a antiga Vila <strong>de</strong> São João do Morro<br />

Gran<strong>de</strong>. Criado como núcleo minerador, em 1713 o povoado já tinha<br />

certa importância econômica e nos mea<strong>dos</strong> do século alguns <strong>dos</strong><br />

homens mais ricos da capitania se incluíam entre seus moradores. Em<br />

1763 dois <strong>de</strong>les: Domingos da Silva Maia e o coronel Manuel da<br />

Câmara Bittencourt <strong>de</strong>cidiram iniciar a construção <strong>de</strong> um templo que<br />

fizesse jus à gran<strong>de</strong>za do lugar e que hoje é um <strong>dos</strong> poucos vestígios<br />

daqueles tempos gloriosos. De fato, Barão <strong>de</strong> Cocais não preservou<br />

praticamente nada do seu patrimônio histórico. Ao contrário da se<strong>de</strong> do<br />

119


município, contudo, o distrito <strong>de</strong> Cocais, localizado a poucos<br />

quilômetros, preserva ainda interessantes construções do século XVIII.<br />

O arraial fica à margem da mesma rodovia usada para acessar a região a<br />

partir da BR 262. No século XIX, ambos pertenciam a Santa Bárbara e<br />

o distrito <strong>de</strong>spertava mais atenção do que São João do Morro Gran<strong>de</strong><br />

posto que Cocais era a porta <strong>de</strong> entrada para as <strong>Minas</strong> <strong>de</strong> Congo Soco<br />

cuja visitação era obrigatória para todo viajante europeu ilustre daquele<br />

tempo. Cocais possui algumas pousadas e hoje atrai também a atenção<br />

da turma do turismo ecológico pelas belezas e curiosida<strong>de</strong>s da região,<br />

entre as quais se incluem cachoeiras e <strong>antigas</strong> inscrições rupestres.<br />

George Gardner consi<strong>de</strong>rou Cocais a mais bonita localida<strong>de</strong> que<br />

tinha visto na província <strong>de</strong> <strong>Minas</strong>. Elogiou suas casas pelo estado <strong>de</strong><br />

conservação e asseio. A respeito da povoação do Morro Gran<strong>de</strong>, o<br />

botânico escocês observou tratar-se <strong>de</strong> uma longa e estreita rua com<br />

casas caindo aos pedaços. Elogiou, contudo, a bela igreja no centro do<br />

povoado.<br />

Spix e Martius, a caminho do norte <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> passaram por São<br />

João do Morro Gran<strong>de</strong> e notaram as “torres gêmeas” da cida<strong>de</strong>.<br />

Provavelmente se referiam <strong>às</strong> torres da matriz <strong>de</strong> São João Batista, que<br />

contemplaram à distância sem distinguir exatamente que eram as torres<br />

<strong>de</strong> uma igreja. Sobre Cocais, comentaram que o arraial tinha uma capela<br />

graciosa localizada num outeiro e cercada <strong>de</strong> palmeiras. Provavelmente<br />

se referiam a igreja do Rosário cujo outeiro cercado <strong>de</strong> ver<strong>de</strong>, ainda lá<br />

está nesse mesmo estado.<br />

Richard Burton também observou ser a atual Barão <strong>de</strong> Cocais,<br />

uma rua comprida com uma igreja com torres redondo-quadradas em<br />

forma <strong>de</strong> “pimenteiras”. Provavelmente não foi informado <strong>de</strong> que a<br />

criação da igreja teve a participação do Aleijadinho cuja obra<br />

“extravagante” já tinha chamado sua atenção em São João <strong>de</strong>l Rei.<br />

O bispo <strong>de</strong> Mariana anotou três templos em Barão <strong>de</strong> Cocais: a<br />

matriz, a N. S. do Socorro e a Santana <strong>de</strong> Cocais, não mencionando a<br />

igreja do Rosário <strong>de</strong> Cocais. Faz referências que nos permitem observar<br />

que a maioria <strong>dos</strong> padres daqui, naquela época, eram fazen<strong>de</strong>iros.<br />

Cadastramos quatro templos na região: a matriz <strong>de</strong> São João<br />

Batista, a igreja <strong>de</strong> São Gonçalo do distrito <strong>de</strong> São Gonçalo do Rio<br />

Acima e as <strong>igrejas</strong> <strong>de</strong> N. S. do Rosário e <strong>de</strong> Santana no distrito <strong>de</strong><br />

Cocais. As <strong>igrejas</strong> <strong>de</strong> Barão <strong>de</strong> Cocais foram tombadas pelo IPHAN em<br />

1939, exceto a igreja <strong>de</strong> São Gonçalo que não é tombada.<br />

120


Matriz <strong>de</strong> São João Batista – 1763<br />

O projeto da matriz <strong>de</strong> Barão <strong>de</strong> Cocais, assim como a imagem<br />

<strong>de</strong> são João Batista que se encontra no nicho da portada e o medalhão<br />

<strong>de</strong> pedra sabão do arco cruzeiro, são atribuí<strong>dos</strong> a Antônio Francisco<br />

Lisboa. 104 Seriam seus primeiros trabalhos <strong>de</strong> maior vulto, <strong>de</strong>pois do<br />

profícuo aprendizado com Noronha em Caeté. A Igreja fica numa<br />

ampla praça muito bem cuidada, do lado oposto ao principal acesso à<br />

cida<strong>de</strong>.<br />

O risco <strong>de</strong>ssa igreja é mais ou menos contemporâneo ao que o<br />

Aleijadinho fez para as especiais <strong>igrejas</strong> <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Assis e <strong>de</strong><br />

N. S. do Carmo <strong>de</strong> Ouro Preto e que lhe são superiores em muitos<br />

aspectos. Embora relativamente singela, a fachada é especial e<br />

apresenta alguns elementos originais dignos do gran<strong>de</strong> mestre, porém<br />

não é possível precisar qual foi exatamente a amplitu<strong>de</strong> da sua<br />

participação na sua criação.<br />

O frontispício está claramente dividido pela cimalha, em duas<br />

peças inteiramente distintas. Ou seja, a base das torres não <strong>de</strong>sce<br />

simetricamente até o nível do chão. Ao contrário, repousa sobre as<br />

laterais da parte principal da fachada que se <strong>de</strong>stacam <strong>de</strong>sta em plano<br />

mais recuado e têm forma angulada. Robustas colunas <strong>de</strong> cantaria<br />

ombreiam a fachada e os cunhais em vários planos diferencia<strong>dos</strong>. As<br />

mesmas pedras formam uma muralha na base do frontispício, dando<br />

ampla sensação <strong>de</strong> soli<strong>de</strong>z. A portada é relativamente simples, um<br />

pouco mais trabalhada na verga e emendando no nicho com a bela<br />

imagem <strong>de</strong> são João, comprovadamente obra do Aleijadinho. Dos la<strong>dos</strong><br />

há duas pequenas sacadas com cimalhinhas lindamente trabalhadas. A<br />

cimalha é saliente, contorna todo o frontispício acompanhando<br />

valentemente to<strong>dos</strong> seus planos diferencia<strong>dos</strong> e ainda se curva para<br />

contornar um relógio. Há aberturas seteiras nas laterais, abaixo das<br />

torres. O frontão é simples e alto, em curvas discretas e sustenta uma<br />

cruz singela, la<strong>de</strong>ada por coruchéus pontu<strong>dos</strong> com esferas na ponta. As<br />

torres, contrariando a abundância <strong>de</strong> linhas retas da parte inferior da<br />

104 Alguns autores acreditam que o projeto original seja do seu antigo mestre José<br />

Coelho Noronha e que o Aleijadinho tenha apenas sugerido algumas alterações que<br />

acabaram sendo adotadas. Compartilho <strong>de</strong>sta opinião.<br />

121


fachada, são cilíndricas e <strong>de</strong>lgadas. As cúpulas se afilam bruscamente e<br />

acabam em complica<strong>dos</strong> pináculos. A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> robustez predomina.<br />

Tirando-se o frontão e as torres sobraria uma construção que bem<br />

po<strong>de</strong>ria ser um forte ou uma masmorra. É a herança da arquitetura<br />

militar no modo português <strong>de</strong> se construir <strong>igrejas</strong>.<br />

A distribuição do espaço interno é muito rara para uma igreja<br />

mineira. Não há propriamente a cruz latina. Embora haja um<br />

estreitamento da passagem da nave para a capela mor, ambas têm a<br />

mesma largura. O estreitamento da passagem permitiu a colocação <strong>de</strong><br />

um monumental arco cruzeiro em pedra sabão, na verda<strong>de</strong> um <strong>dos</strong> mais<br />

belos das nossas <strong>igrejas</strong> setecentistas. Destaca-se um medalhão no<br />

coroamento com o ostensório sob uma coroa, atribuído ao Aleijadinho.<br />

A capela mor tem formato arredondado e lembra uma absi<strong>de</strong> com o<br />

presbitério no centro e bancos nas laterais. Não me lembro <strong>de</strong><br />

distribuição semelhante em nenhuma outra igreja mineira do século<br />

XVIII. 105 Dada essa situação o altar mor parece impróprio ao ambiente.<br />

De fato, está encostado na pare<strong>de</strong> central da nave com suas pilastras<br />

dispostas em ângulos chanfra<strong>dos</strong> a fim <strong>de</strong> acompanhar o perfil curvo da<br />

pare<strong>de</strong>. Parece uma peça in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte como se fosse um oratório<br />

complexo, mal acomodado à pare<strong>de</strong>. As pilastras alternam colunas <strong>de</strong><br />

fuste reto com quartelas. O trono é simplificado e sustenta são João<br />

Batista la<strong>de</strong>ado por dois pequenos nichos. No coroamento do retábulo<br />

sobressai um arco em conchas invertidas emendando com um espaldar<br />

alto. Está tinto em frisos doura<strong>dos</strong> foscos sobre fundo branco. O teto<br />

não tem adornos é inteiramente plano, o que também é uma rarida<strong>de</strong>.<br />

Dom frei José da Santíssima Trinda<strong>de</strong>, na sua visita pastoral <strong>de</strong><br />

1821, observou que a capela mor ainda não estava concluída. Fez<br />

menção a sete altares <strong>de</strong> talha branca, menos um colateral que pela sua<br />

antiguida<strong>de</strong> <strong>de</strong>stoava bastante <strong>dos</strong> <strong>de</strong>mais. Anotou provisão para que<br />

ele fosse recuperado assim como o cemitério da igreja que não tinha<br />

muros. Hoje não há cemitério nem altares colaterais e os altares da nave<br />

são em número <strong>de</strong> quatro. Também não são <strong>de</strong> talha branca. Ao<br />

contrário, alternam uma policromia <strong>de</strong> cores suaves e dourado, ma<strong>de</strong>ira<br />

105 No Serro, já no século XIX, criou-se a moda <strong>de</strong> abrir arcos na capela mor,<br />

emendando-a com os cômo<strong>dos</strong> laterais e aí instalar fileiras <strong>de</strong> bancos em sentido<br />

transverso, mas o efeito é mais <strong>de</strong> trifórios improvisa<strong>dos</strong> do que <strong>de</strong> absi<strong>de</strong>.<br />

122


ao natural ou com verniz discreto. São em estilo muito variado e <strong>de</strong><br />

fato, um <strong>de</strong>les parece mais antigo pois ten<strong>de</strong> a arquivoltas, porém<br />

interrompidas por cabeças <strong>de</strong> anjos e com a parte superior em forma <strong>de</strong><br />

espaldar. Não sabemos se ele é o tal citado por d. frei José como<br />

carecedor <strong>de</strong> reparos. Po<strong>de</strong> ser que ele tenha sido removido do seu local<br />

original próximo ao arco cruzeiro e sofrido modificações<br />

mo<strong>de</strong>rnizantes, como pediu o bispo. A talha é competente com colunas<br />

torsas enlaçadas por ramagens. Há um outro altar, próximo ao arco<br />

cruzeiro que também parece mais antigo. Tem uma espécie <strong>de</strong><br />

baldaquino no coroamento do retábulo com um medalhão mais acima.<br />

Os outros dois altares são simplifica<strong>dos</strong>, embora com talha <strong>de</strong> boa<br />

qualida<strong>de</strong> que procura copiar os <strong>de</strong>mais em forma reduzida. Na verda<strong>de</strong><br />

estão encaixa<strong>dos</strong> um tanto <strong>de</strong>sajeitadamente nos espaços que sobraram<br />

na nave, completando a diferença <strong>de</strong> tamanho com os <strong>de</strong>mais altares,<br />

recorrendo a molduras e outros adornos para preencher espaços<br />

exce<strong>de</strong>ntes. Um <strong>de</strong>les está datado <strong>de</strong> 1817.<br />

O teto da nave é abobadado em assoalho e ostenta uma pintura<br />

num rococó simplificado com a visão <strong>de</strong> são João Batista. Não há<br />

balaustrada guarnecendo os altares e assim, o assoalho <strong>de</strong> toda a nave<br />

está num mesmo nível. Seis janelões com molduras <strong>de</strong> pedra sabão se<br />

abrem no alto. Os púlpitos também possuem molduras e bases em<br />

pedra sabão. A base parece flutuar, sustentando um cálice <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira<br />

sem adornos. O coro é reto com balaustrada <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira recortada e se<br />

sustenta em arcos <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira.<br />

Enfim, embora não seja particularmente <strong>de</strong>slumbrante, a matriz<br />

<strong>de</strong> Barão <strong>de</strong> Cocais têm muitas características incomuns, o que a faz<br />

uma igreja especial.<br />

Igreja <strong>de</strong> N. S. do Rosário - 1769<br />

A Igreja <strong>de</strong> N. S. do Rosário do distrito <strong>de</strong> Cocais fica localizada<br />

numa larga praça, serena e cercada <strong>de</strong> ver<strong>de</strong>, da mesma forma como se<br />

conserva há pelo menos, cento e oitenta anos. 106 Quando da nossa<br />

106 O estado atual confere com a <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> Spix e Martius que muito<br />

provavelmente, estavam se referindo mesmo a esta praça.<br />

123


primeira visita o aspecto do templo era <strong>de</strong> <strong>de</strong>cadência com reboco solto<br />

na fachada e nas laterais. Na verda<strong>de</strong> estava para se iniciar um processo<br />

<strong>de</strong> restauração. Segundo consta, o edifício atual é na realida<strong>de</strong>, uma<br />

reconstrução do século XIX.<br />

Na nossa segunda visita já encontramos a igreja em processo <strong>de</strong><br />

restauração. Conversamos com o seu Enéas um <strong>dos</strong> moradores, que se<br />

ocupava com paciente trabalho <strong>de</strong> recuperação <strong>de</strong> pedaços <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira<br />

no interior do templo. Ele contou que a restauração ora em curso, é<br />

iniciativa da comunida<strong>de</strong> e não do IPHAN, responsável pelo<br />

tombamento do templo e que alega que a reforma não foi autorizada.<br />

Fato é que, a esta altura a igreja já per<strong>de</strong>u o telhado original das torres e<br />

a restauração está em andamento. A conservação das nossas <strong>igrejas</strong><br />

<strong>antigas</strong> é uma ameaça constante: ou por falta ou por excesso <strong>de</strong><br />

iniciativa. A comunida<strong>de</strong> acha que o IPHAN controla <strong>de</strong>mais e não<br />

ajuda e que a igreja não podia esperar mais. É uma questão <strong>de</strong>licada que<br />

requer muita habilida<strong>de</strong> pois não é possível, nem <strong>de</strong>sejável, confrontar a<br />

comunida<strong>de</strong> local que aliás, tem plena consciência do valor <strong>dos</strong> seus<br />

templos e da importância <strong>de</strong> conservá-los, mas está impaciente.<br />

O frontispício da igreja do Rosário <strong>de</strong> Cocais é quadrado,<br />

guarnecido <strong>de</strong> pilastras revestidas <strong>de</strong> tábua pintada. O mesmo ocorre<br />

com os cunhais. Entre eles há dois óculos <strong>de</strong> aspecto curioso e original.<br />

A porta é <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira almofadada com portal simples e trave superior<br />

levemente curvada. Três janelões com peitoril <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira torneada e<br />

com o mesmo formato da porta, estão posiciona<strong>dos</strong> acima <strong>de</strong>la. A<br />

cimalha é básica, revestida <strong>de</strong> telhas e contorna todo o templo,<br />

marcando a base do telhado como autêntico beiral. O frontão está<br />

colocado entre as torres e tem o perfil em curvas irregulares,<br />

guarnecidas <strong>de</strong> telhas. Não há uma cruz sobre ele, fato verda<strong>de</strong>iramente<br />

raro. Talvez ela tenha caído e vai ser recolocada ao final das obras<br />

atuais. A cúpula das torres é <strong>de</strong> forma piramidada com base saliente do<br />

mesmo formato da cimalha, sendo cobertas <strong>de</strong> telhas em quatro-águas e<br />

encimadas por pináculos altos. 107 Um pequeno óculo está posicionado<br />

na parte <strong>de</strong> baixo do frontão.<br />

107 A reforma empreendida pela comunida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>scaracterizou muito o telhado e<br />

restaurá-lo será uma questão que exigirá habilida<strong>de</strong> do IPHAN.<br />

124


O interior é muito simples e está muito <strong>de</strong>scaracterizado. Seu<br />

Enéas está ciente disto e neste ponto, preza a ajuda do IPHAN para<br />

orientar sobre o que <strong>de</strong>ve ser feito para restaurar as características<br />

originais. De fato, prevalece uma <strong>de</strong>sastrada pintura recente em cores<br />

fortes e contrastantes no altar mor. Ele parece um painel multicolorido<br />

on<strong>de</strong> vemos singelamente esculpidas <strong>de</strong> cada lado do trono, os três<br />

tipos característicos <strong>de</strong> colunas <strong>dos</strong> nossos retábulos setecentistas:<br />

quartela, colunas retas <strong>de</strong> fuste estriado e colunas torsas. Há um<br />

medalhão no alto e anjos sobre as colunas torsas. O trono é uma<br />

pirâmi<strong>de</strong> elementar e o teto é um assoalho abobadado com uma pintura<br />

<strong>de</strong> N. S. do Rosário. Há tribunas nas laterais da nave, sustentadas em<br />

estruturas <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira e com forro em esteira natural. O presbitério tem<br />

uma característica incomum: está cercado por uma balaustrada <strong>de</strong><br />

tábuas pintadas. Tudo isso dá à capela mor um certo aspecto <strong>de</strong> um<br />

palco <strong>de</strong> teatro. A nave possui dois altares colaterais com colunas retas<br />

e pinta<strong>dos</strong> com tinta branca e frisos doura<strong>dos</strong>. O arco cruzeiro é <strong>de</strong><br />

ma<strong>de</strong>ira e tem um medalhão no alto, representando um ostensório<br />

cercado <strong>de</strong> cabeças <strong>de</strong> anjos. O teto é facetado e sem adornos. O coro<br />

está pintado com forte tinta a óleo amarela muito <strong>de</strong>sagradável. Os<br />

púlpitos são simples, <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira e são acessa<strong>dos</strong> por escadas abertas<br />

para a nave. Não havia imagens, posto que foram recolhidas <strong>às</strong> casas<br />

<strong>dos</strong> moradores <strong>de</strong>vido <strong>às</strong> obras. Uma gran<strong>de</strong> e competente imagem do<br />

Senhor <strong>dos</strong> Passos, porém, foi <strong>de</strong>ixada na sacristia. Seu avantajado<br />

tamanho impediu sua guarda em recintos domésticos.<br />

Igreja <strong>de</strong> Santana - 1752<br />

A igreja <strong>de</strong> Santana <strong>de</strong> Cocais fica <strong>de</strong>ntro do cemitério do<br />

arraial, num <strong>dos</strong> la<strong>dos</strong> do largo <strong>de</strong> Santana, um espaço amplo e<br />

gramado com vários casarões antigos muito bem conserva<strong>dos</strong>, em seu<br />

entorno. Pertenceu à família <strong>de</strong> Feliciano Pinto Coelho da Cunha, o<br />

inevitável barão <strong>de</strong> Cocais. O barão foi figura muito atuante no século<br />

XIX, tendo sido presi<strong>de</strong>nte da província em 1835 e lí<strong>de</strong>r da Revolução<br />

liberal <strong>de</strong> 1842, como já mencionamos.<br />

O aspecto que a igreja apresenta hoje não é o original e resulta<br />

<strong>de</strong> uma ampla reformulação cometida no século XIX. Na fachada<br />

125


<strong>de</strong>staca-se uma gran<strong>de</strong> porta <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira almofadada emoldurada por<br />

um portal <strong>de</strong> pedra com um arremate <strong>de</strong> alvenaria sobre a verga. Nos<br />

la<strong>dos</strong>, acima da porta, vêem-se duas sacadas com peitoril <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira<br />

torneada. A cimalha, saliente e coberta <strong>de</strong> telhas, faz uma curva<br />

acentuada para contornar um minúsculo óculo redondo e vazado.<br />

Abaixo há uma voluta e uma cruz singelamente esculpidas sobre o<br />

reboco do revestimento. Há uma única torre no centro, la<strong>de</strong>ada por<br />

arremates laterais como se fosse um frontão. Dos la<strong>dos</strong> há umas<br />

espécies <strong>de</strong> pinhas sobre o cunhais. O vão do sino tem uma janela que<br />

se fecha sobre ele. A cúpula da torre é em forma <strong>de</strong> quatro-águas,<br />

coberta <strong>de</strong> telhas, encimadas por um pináculo com uma fina e pequena<br />

cruz armilar na ponta.<br />

Soubemos que a talha <strong>dos</strong> três altares internos é <strong>de</strong> boa<br />

qualida<strong>de</strong> com ornamentação em conchas e colunas torsas, mas não<br />

pu<strong>de</strong>mos vê-los.<br />

O bispo <strong>de</strong> Mariana, em sua visita pastoral à igreja <strong>de</strong> Santana<br />

no século XIX, escandalizou-se com o fato das mulheres freqüentarem<br />

a capela sem usar véu e <strong>de</strong>ixou instruções firmes ao padre para reverter<br />

esse con<strong>de</strong>nável hábito.<br />

Não foi possível conhecer o templo internamente. Segundo seu<br />

Enéas, após a reforma da Igreja do Rosário será a vez da <strong>de</strong> Santana.<br />

Espero que até lá a comunida<strong>de</strong> e o IPHAN tenham se acertado.<br />

SANTA BÁRBARA<br />

A povoação é gran<strong>de</strong>, tem diversas ruas, boas <strong>igrejas</strong>,<br />

boa Casa <strong>de</strong> Câmara e Ca<strong>de</strong>ia, como também bons edifícios.<br />

Seu pessoal é gran<strong>de</strong> e ilustrado; há ali gran<strong>de</strong>s fortunas.<br />

O território do município é fertilíssimo e produz vantajosamente<br />

to<strong>dos</strong> os gêneros comestíveis.<br />

Após Barão <strong>de</strong> Cocais está Santa Bárbara. Portanto o acesso<br />

também é feito a partir da BR 262, a in<strong>de</strong>fectível estrada que liga os<br />

mineiros ao mar. Na seqüência está Brumal e após Santa Bárbara,<br />

Catas Altas e Mariana. Este é o antigo trecho <strong>de</strong> uma das variantes da<br />

estrada que ligava Ouro Preto e Mariana ao distrito <strong>dos</strong> Diamantes.<br />

126


Existem poucas opções <strong>de</strong> hospedagem na região. Uma <strong>de</strong>las é<br />

um hotel agradavelmente instalado num casarão do século XIX,<br />

recentemente restaurado e que está situado bem em frente à matriz <strong>de</strong><br />

Santo Antônio. Outra é a Pousada do Colégio do Caraça. Só é<br />

recomendável você se hospedar lá se estiver propenso a uma vida mais<br />

ecológica ou contemplativa. O portão fecha <strong>às</strong> 18:00 horas, o jantar é<br />

cedo, o álcool não é bem vindo e a igreja atual é uma reconstrução da<br />

antiga ermida da Mãe <strong>dos</strong> Homens em confuso toque neogótico. 108 Mas<br />

vale a pena visitar o velho complexo do Caraça, admirar o que sobrou<br />

da obra do irmão Lourenço e conhecer os resquícios da visita <strong>de</strong> d.<br />

Pedro II em 1881: o marco <strong>de</strong> pedra com as armas do império, a cama<br />

on<strong>de</strong> dormiu e o riacho on<strong>de</strong> tomou banho e cujas águas ainda<br />

continuam cristalinas e convidativas. Sobretudo, lá está a Última Ceia <strong>de</strong><br />

mestre Ataí<strong>de</strong> a adornar uma das pare<strong>de</strong>s da nave da ermida e dois <strong>dos</strong><br />

retábulos antigos ainda estão preserva<strong>dos</strong>, manti<strong>dos</strong> em capelas nas<br />

laterais do vestíbulo.<br />

Na verda<strong>de</strong>, o patrimônio histórico do Caraça, tal qual se<br />

apresenta hoje, tem pouco que ver com a obra do irmão Lourenço.<br />

Quando ele morreu, praticamente selou o fim da sua missão doando<br />

seu patrimônio à Coroa. Mas d. João VI reverteu a situação, repassando<br />

o patrimônio a congregações religiosas, surgindo daí o colégio e o<br />

seminário.<br />

Santa Bárbara como não po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser, teve sua origem<br />

ligada à exploração do ouro a partir da <strong>de</strong>scoberta do metal no ribeirão<br />

<strong>de</strong> Santa Bárbara por Antônio Bueno, fundador do arraial <strong>de</strong> Brumado,<br />

hoje simpático distrito com o nome <strong>de</strong> Brumal.<br />

Existem alguns casarões antigos ainda preserva<strong>dos</strong> em Santa<br />

Bárbara, entre eles aquele on<strong>de</strong> atualmente funciona a Casa da Cultura<br />

do município (largo do Rosário), a casa <strong>de</strong> Afonso Pena na rua que tem<br />

seu nome, a antiga ca<strong>de</strong>ia, a Prefeitura e a Casa da Câmara. Junto com a<br />

matriz <strong>de</strong> Santo Antônio e a igreja do Rosário formam o Centro<br />

Histórico da cida<strong>de</strong>.<br />

108 Saint-Hilaire, faz uma <strong>de</strong>scrição razoavelmente <strong>de</strong>talhada da antiga ermida em seu<br />

livro. Parece bem mais interessante do que a atual (vi<strong>de</strong> bibliografia).<br />

127


Um folheto distribuído aos turistas com informações <strong>de</strong>stinadas<br />

a valorizar os atributos culturais da cida<strong>de</strong>, informa que por aqui<br />

passaram Spix e Martius rumo ao Distrito <strong>dos</strong> Diamantes. Consultando<br />

a obra <strong>dos</strong> ditos cujos não encontrei nenhum registro a esse respeito.<br />

Parece ter havido confusão com outra Santa Bárbara por on<strong>de</strong> os<br />

sábios alemães passarem mas que vem a ser uma fazenda que ficava nas<br />

proximida<strong>de</strong>s da Campanha do Rio Ver<strong>de</strong>, no sul <strong>de</strong> <strong>Minas</strong>. Assim, o<br />

único <strong>dos</strong> nossos viajantes que fez comentários sobre a vila <strong>de</strong> Santa<br />

Bárbara foi Saint-Hilaire que aqui passou, a caminho da região do Serro<br />

Frio e registrou que a cida<strong>de</strong> estava em tal estado <strong>de</strong> <strong>de</strong>cadência que as<br />

casas eram oferecidas <strong>de</strong> graça mas ninguém queria morar nelas. Hoje a<br />

valente gente da simpática cida<strong>de</strong> não <strong>de</strong>ixa que seja assim e tem<br />

conseguido melhorar a infraestrutura turística. Eu gosto daqui pois a<br />

matriz <strong>de</strong> Santo Antônio e a igreja <strong>de</strong> Brumal muito me agradam.<br />

Também aqui se criam abelhas e se fabrica um mel famoso, bom para<br />

quem gosta.<br />

Frei d. José anotou em Santa Bárbara além da matriz, as <strong>igrejas</strong><br />

do Rosário, das Mercês, a do Cordão <strong>de</strong> São Francisco e a do Senhor <strong>de</strong><br />

Matosinhos.<br />

Cadastramos os seguintes templos no município: matriz <strong>de</strong><br />

Santo Antônio, igreja das Mercês, igreja do Rosário, igreja da<br />

Arquiconfraria do Cordão <strong>de</strong> São Francisco, capela do Bonfim e igreja<br />

<strong>de</strong> Santo Amaro, no distrito <strong>de</strong> Brumal. A igreja do Senhor <strong>de</strong><br />

Matosinhos, citada pelo bispo, é a mesma capela do Bonfim. A matriz<br />

<strong>de</strong> Santo Antônio e a igreja <strong>de</strong> Santo Amaro foram tombadas pelo<br />

IPHAN, em 1938 e 1945, respectivamente. As <strong>de</strong>mais não são<br />

tombadas.<br />

Matriz <strong>de</strong> Santo Antônio – 1724<br />

A matriz <strong>de</strong> Santa Bárbara é uma das mais belas <strong>igrejas</strong><br />

setecentistas <strong>de</strong> <strong>Minas</strong>, valorizada ainda mais pelas pinturas <strong>de</strong> Ataí<strong>de</strong>.<br />

Faz parte do grupo das <strong>igrejas</strong> que em 1724, foram erigidas como se<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> vigararias coladas, ou seja, está entre as mais <strong>antigas</strong> da capitania.<br />

Fica localizada na parte baixa <strong>de</strong> uma avenida que começa na igreja do<br />

Rosário em frente a uma pequena praça no centro histórico da cida<strong>de</strong>.<br />

Sua fachada é típica da época em que foi erigida ou seja, primeira<br />

meta<strong>de</strong> do século XVIII. Possui, contudo, uma portada atípica para a<br />

época com uma verga trabalhada, ostentando um adorno conchoi<strong>de</strong> no<br />

128


centro e volutas no alinhamento das ombreiras laterais. Acima estão<br />

três janelões guarneci<strong>dos</strong> <strong>de</strong> balaustradas e com cimalhinhas trabalhadas<br />

semelhantes a da verga da porta. As pilastras e cunhais são <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira<br />

apoiadas em bases <strong>de</strong> pedra. Há dois óculos singulares nas laterais da<br />

fachada, no alinhamento da base das torres. A cimalha é em forma <strong>de</strong><br />

beiral guarnecido <strong>de</strong> telhas. O frontão é simples e reto, la<strong>de</strong>ado por<br />

beirais como os da cimalha com um óculo cruciforme envidraçado no<br />

centro e uma pequena cruz na cumieira. As torres são baixas e simples<br />

com cúpula em quatro águas cobertas <strong>de</strong> telhas.<br />

Internamente a matriz <strong>de</strong> Santa Bárbara apresenta um <strong>dos</strong> mais<br />

belos recintos setecentistas <strong>de</strong> <strong>Minas</strong>, numa notável harmonia <strong>de</strong> talha,<br />

ornatos e pinturas. O altar mor apresenta um retábulo em arco<br />

simplificado com pilastras internas em quartela e colunas externas retas<br />

e <strong>de</strong> fuste canelado, apoiadas sobre consolos. Está adornado com frisos<br />

doura<strong>dos</strong> e policromia suave. No alto do retábulo há uma tarja com<br />

ornatos conchoi<strong>de</strong>s e figuras <strong>de</strong> anjos. O trono é baixo em três <strong>de</strong>graus,<br />

acima <strong>dos</strong> quais está o santo Antônio. Atrás do sacrário há uma pintura<br />

do Cristo carregando a cruz. O camarim ostenta belas e <strong>de</strong>licadas<br />

figuras <strong>de</strong> anjos. Há ainda nichos com baldaquinos valoriza<strong>dos</strong> por<br />

belos cortina<strong>dos</strong>. Segundo consta este retábulo não é o original e ten<strong>de</strong><br />

para um rococó mais tardio em relação a data <strong>de</strong> início da construção<br />

do templo. O altar mor original teria sido o que hoje se encontra na<br />

Capela do Santíssimo. Há uma magnífica pintura <strong>de</strong> Ataí<strong>de</strong> no teto com<br />

soluções arquitetônicas em perspectiva ilusionista e suas colunas<br />

infinitas sustentando uma cena <strong>de</strong> Cristo. Outras pinturas do mestre<br />

adornam as laterais da capela mor, ten<strong>de</strong>ndo <strong>às</strong> famosas imitações <strong>de</strong><br />

azulejos que ele já tinha feito na São Francisco <strong>de</strong> Ouro Preto. Na parte<br />

superior da capela mor estão imponentes tribunas douradas com arcos<br />

sustenta<strong>dos</strong> por colunas incomuns, alargadas na base do capitel e<br />

afiladas na parte <strong>de</strong> baixo. Há pinturas parietais entre as tribunas e o<br />

altar. Há também belas pinturas no teto da nave em competente rococó<br />

com conchas e parapeitos simplifica<strong>dos</strong>, <strong>de</strong> autor não i<strong>de</strong>ntificado mas<br />

que se supõe terem sido executa<strong>dos</strong> por algum brilhante discípulo <strong>de</strong><br />

Ataí<strong>de</strong>. Uma bela cornija múltipla com pintura imitando mármore,<br />

contorna toda a nave. O arco cruzeiro é imponente, profusamente<br />

entalhado e tem no alto um medalhão com a imagem <strong>de</strong> santo Antônio<br />

com o Menino. É trabalhado em finos <strong>de</strong>talhes <strong>de</strong> talha, cores e<br />

douramentos. Nas laterais estão altares com colunas torsas, anjos,<br />

pelicanos, ramagens e falsos <strong>dos</strong>séis encima<strong>dos</strong> por espaldares<br />

129


complexos. Um <strong>dos</strong> altares laterais da nave está recuado formando uma<br />

pequena capela separada do recinto da nave. O altar do lado oposto é<br />

puxado ao rococó com baldaquino, pilastras em quartela e espaldar alto<br />

adornado por um medalhão dourado. Predomina nos altares uma<br />

combinação <strong>de</strong> dourado com uma policromia suave. Os púlpitos<br />

apresentam base e guarda-corpo complexos e com policromia em tons<br />

pasteis e doura<strong>dos</strong> e guarneci<strong>dos</strong> com baldaquinos, sustentando anjos.<br />

O coro da matriz <strong>de</strong> Santo Antônio também é um <strong>dos</strong> mais<br />

belos entre todas as <strong>igrejas</strong> mineiras do século XVIII. Seu perfil em<br />

curvas avança generosamente nas laterais da nave. Seu corpo principal é<br />

sustentado por pilastras em arco. É guarnecido com belas balaustradas<br />

<strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira escura sobre base com frisos marmoriza<strong>dos</strong> e doura<strong>dos</strong>,<br />

combina<strong>dos</strong> numa incrível festa visual.<br />

A história da construção da matriz é razoavelmente<br />

documentada e nos revela que o templo passou por várias reformas e<br />

reconstruções ao longo <strong>dos</strong> últimos séculos. Há registros <strong>dos</strong> nomes <strong>de</strong><br />

muitos daqueles que trabalharam aqui: Francisco Maria Xavier, Antônio<br />

Martins Passos e João da Costa Batista, empreiteiros; Manuel Rebelo <strong>de</strong><br />

Souza, Gonçalo Francisco Xavier, José Rodrigues da Silva e sobretudo<br />

Manuel da Costa Ataí<strong>de</strong>, pintores. Há registro também das várias<br />

irmanda<strong>de</strong>s que se uniram no esforço <strong>de</strong> erguer e conservar essa<br />

<strong>de</strong>stacada matriz, além da Irmanda<strong>de</strong> do Santíssimo: São Miguel e<br />

Almas, Antônio e N. S. do Terço.<br />

Dom frei José consi<strong>de</strong>rou a matriz <strong>de</strong> Santo Antônio a mais<br />

bela <strong>de</strong> todas as que visitou na viagem <strong>de</strong> 1821 pela sua diocese, com<br />

seus seis altares mais a capela do Senhor <strong>dos</strong> Passos, toda acabada e<br />

<strong>de</strong>cente. De fato assim é ainda hoje.<br />

Igreja do Rosário – 1771<br />

Já encontramos referências <strong>de</strong> que essa igreja seja do século<br />

XIX mas não tivermos dúvidas em incluí-la em nossa relação. Isso,<br />

sobretudo, <strong>de</strong>vido <strong>às</strong> suas características externas, parecidas com as da<br />

igreja do Ó <strong>de</strong> Sabará, autêntica joia do início do século XVIII e muitas<br />

outras semelhantes do final do setecentos. Fica no largo do Rosário, na<br />

extremida<strong>de</strong> alta da avenida que corta o centro histórico <strong>de</strong> Santa<br />

Bárbara. Quando da nossa visita a igreja estava interditada pois o teto<br />

havia ruído. O aci<strong>de</strong>nte foi rotulado <strong>de</strong> inesperado pois ninguém<br />

percebeu sinais <strong>de</strong> <strong>de</strong>terioração da sustentação do mesmo.<br />

Externamente porém, o templo está bem conservado e po<strong>de</strong>mos<br />

130


observar que ele segue o mo<strong>de</strong>lo padrão das igrejinhas <strong>de</strong> frente<br />

chanfrada, em três planos com uma porta e uma sacada em cada plano<br />

e uma torre única, quadrada e <strong>de</strong> telhado achinesado no centro. Não<br />

falta também o minúsculo óculo redondo abaixo da torre e o beiral <strong>de</strong><br />

telhas contornando a cimalha. De toda forma adorna com muita<br />

dignida<strong>de</strong> a pracinha on<strong>de</strong> está erigida e valoriza o centro histórico <strong>de</strong><br />

Santa Bárbara.<br />

Igreja das Mercês – 1748<br />

A igreja das Mercês fica um pouco afastada do centro histórico<br />

mas é fácil alcançá-la. Não tem propriamente adro, estando ligada<br />

diretamente a um alargamento da rua por meio <strong>de</strong> uma escadaria baixa<br />

<strong>de</strong> pedras. Externamente tem mesmo o aspecto <strong>dos</strong> templos da<br />

primeira fase. O frontispício é quadrado, emoldurado por pilastras <strong>de</strong><br />

ma<strong>de</strong>ira pintada, assentadas sobre bases <strong>de</strong> pedra. A sustentação das<br />

torres está colada ao frontispício completando o conjunto abaixo da<br />

cimalha. Esta é um simples beiral <strong>de</strong> telhas apoiando uma empena reta<br />

com um óculo abaixo da cumeeira on<strong>de</strong> uma cruz <strong>de</strong>lgada se equilibra.<br />

As torres são quadradas com uma cobertura em quatro águas<br />

sustentando um telhado <strong>de</strong> toque achinesado.<br />

Seu interior é muito singelo, típico da capacida<strong>de</strong> das<br />

Irmanda<strong>de</strong>s das Mercês, esforçadas mas sempre muito pobres. O altar<br />

mor é um oratório simplificado e se apresenta pintado a óleo num tom<br />

bege. Exibe quatro colunas retas <strong>de</strong> fuste estriado apoiadas sobre<br />

consolos, la<strong>de</strong>ando um arco rendilhado, recortado na frente do<br />

camarim e com o medalhão da irmanda<strong>de</strong> mais acima. Tem pequenos<br />

altares a título <strong>de</strong> nichos, apoia<strong>dos</strong> sobre cabeças <strong>de</strong> anjos. A imagem <strong>de</strong><br />

N. S. das Mercês está apoiada num trono simples em <strong>de</strong>graus. Não há<br />

altares na nave, apenas uma pequena cavida<strong>de</strong> num <strong>dos</strong> corredores<br />

laterais abrigando o Senhor <strong>dos</strong> Passos. Há tribunas na nave e na capela<br />

mor com molduras <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira pintadas como o altar e com forro em<br />

esteira natural. O arco cruzeiro e a cimalha também são em ma<strong>de</strong>ira<br />

pintada. Tudo é muito singelo.<br />

Igreja da Arquiconfraria do Cordão <strong>de</strong> São Francisco – 1783<br />

Esta igreja está situada no alto da rua São Francisco um pouco<br />

mais distante do centro histórico <strong>de</strong> Santa Bárbara. Embora <strong>de</strong> interior<br />

simples, sua nave chama a atenção pela boa iluminação natural<br />

131


garantida por um alto pé direito com pare<strong>de</strong>s vazadas por janelões bem<br />

coloca<strong>dos</strong>. O altar mor é um painel pintado, retratando sonhadas<br />

pilastras em quartelas e torsas apoiadas sobre consolos. O trono é em<br />

<strong>de</strong>graus com são Francisco <strong>de</strong> roca e uma pintura do Cristo Crucificado<br />

no fundo do camarim e a Santíssima Trinda<strong>de</strong> coroando N. S. na parte<br />

do forro. No coroamento está o medalhão da or<strong>de</strong>m. O teto da capela<br />

mor é abobadado e mostra uma pintura ingênua do Cristo Alado na<br />

cruz, passando os estigmas a são Francisco. Há tribunas guarnecidas <strong>de</strong><br />

molduras <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira nas laterais com aberturas externas <strong>de</strong> formato<br />

original, protegidas por treliças que impe<strong>de</strong>m que essas aberturas<br />

cumpram função <strong>de</strong> óculos ou seja, contribuam para a aluminação do<br />

recinto da capela mor que, ao contrário da nave, tem fraca iluminação<br />

natural. O arco cruzeiro é <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira e ostenta um medalhão com os<br />

estigmas simplifica<strong>dos</strong> no coroamento. O teto da nave também é<br />

arqueado, forrado com assoalho branco. O coro é reto, sustentado<br />

sobre pilastras e arcos e com uma balaustrada <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira torneada<br />

escura. A escada <strong>de</strong> acesso começa no vestíbulo.<br />

O adro da igreja está protegido por uma gra<strong>de</strong> <strong>de</strong> ferro<br />

chumbada numa base <strong>de</strong> pedras. A torre sineira está ao nível do chão<br />

com sua cobertura em quatro águas, achatada e afilada no centro. O<br />

frontispício é uma peça única. No centro está uma larga porta sem<br />

qualquer adorno, com portal em ma<strong>de</strong>ira e verga em arco completo.<br />

Acima estão três sacadas com balaústres <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira torneada. Não há<br />

cimalha mas apenas um beiral protegendo o telhado e sustentando uma<br />

minúscula cruz na cumeeira. Abaixo está um gran<strong>de</strong> óculo reticulado e<br />

quadrado com adornos cruciformes. Os cunhais são simples quinas <strong>de</strong><br />

ma<strong>de</strong>ira pintadas.<br />

Capelinha do Bonfim/ Bom Jesus <strong>de</strong> Matosinhos<br />

As capelinhas do Bonfim tinham a função básica <strong>de</strong> abrigar<br />

rituais <strong>de</strong> encomendação <strong>de</strong> almas. Assim eram, em geral, pequenas e<br />

discretas, <strong>de</strong>stinadas apenas a abrigar terços e benzeções. Esta não foge<br />

à regra. 109 É tão discreta que passamos varias vezes por ela sem<br />

perceber.<br />

109 As capelinhas do Bonfim <strong>de</strong> Ouro Preto, Santa Luzia e Catas Altas também se<br />

enquadram com perfeição nesse mo<strong>de</strong>lo.<br />

132


Como dito, o bispo <strong>de</strong> Mariana a i<strong>de</strong>ntificou como do Senhor<br />

<strong>de</strong> Matosinhos mas hoje ninguém aqui a conhece com tal<br />

<strong>de</strong>nominação. 110<br />

Está situada numa esquina elevada, ao pé da la<strong>de</strong>ira que leva à<br />

igreja da Confraria do Cordão <strong>de</strong> São Francisco. Não conseguimos vêla<br />

por <strong>de</strong>ntro. Por fora parece abandonada, com o capim tomando<br />

rebel<strong>de</strong>mente os espaços do seu adro. É muito pequena. Sua porta com<br />

colunas torneadas e uma espécie <strong>de</strong> beiral reto na verga, ocupa toda a<br />

fachada. Resta apenas um pequeno espaço para um óculo quadrado, um<br />

pouco acima. Há um prolongamento recuado do edifício on<strong>de</strong> está<br />

uma abertura para o sino. Não há mesmo muito para ser <strong>de</strong>scrito.<br />

Igreja <strong>de</strong> Santo Amaro <strong>de</strong> Brumal - 1727<br />

A igreja <strong>de</strong> Santo Amaro, como já foi citado, fica localizada no<br />

antigo arraial <strong>de</strong> Brumado, hoje o distrito <strong>de</strong> Brumal. Não sei porque<br />

o pessoal preferiu essa corruptela em lugar <strong>de</strong> preservar o nome<br />

primitivo do arraial. Talvez seja resultado <strong>de</strong> uma pronúncia<br />

simplificada, consolidada ao longo <strong>dos</strong> séculos. Mineiro é mesmo muito<br />

chegado a essas comodida<strong>de</strong>s lingüísticas.<br />

O arraial fica a poucos quilômetros <strong>de</strong> Santa Bárbara, logo após<br />

o trevo da estrada que leva ao Caraça, serpenteando serra acima e<br />

cortando caprichosas obras <strong>de</strong> Deus. A igreja po<strong>de</strong> ser facilmente<br />

acessada pois fica numa rua paralela à rodovia, à pequena distância.<br />

Tem uma boa iluminação <strong>de</strong> efeito que a <strong>de</strong>staca à noite e que po<strong>de</strong><br />

surpreen<strong>de</strong>r agradavelmente o viajante noturno ao se <strong>de</strong>parar<br />

inesperadamente com um templo seticentista daquele porte num arraial<br />

tão diminuto. O templo é praticamente da mesma ida<strong>de</strong> da matriz <strong>de</strong><br />

Santo Antônio e como ela, tem uma fachada característica da fase em<br />

que foi erigida.<br />

Saint-Hilaire, passou por Brumal <strong>de</strong>stacando apenas seu aspecto<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>cadência e abandono. George Gardner, vindo <strong>de</strong> Congo Soco,<br />

também passou por aqui e viu um povoado comprido, solitário e em<br />

gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>cadência.<br />

110 Na verda<strong>de</strong>, o Bom Jesus <strong>de</strong> Matosinhos resulta ser o Senhor do Bonfim.<br />

133


Dom frei José em 1821, observou sem maiores comentários,<br />

que um certo padre <strong>de</strong> Brumal, Sebastião José <strong>de</strong> Carvalho Penha,<br />

morava perto da igreja e que ajudava o capelão quando lhe permitia<br />

“suas lavouras e gran<strong>de</strong> escravatura”. Ou seja, o tal padre tinha o<br />

sacerdócio como ocupação das horas vagas, preferindo ser mesmo um<br />

gran<strong>de</strong> fazen<strong>de</strong>iro tal qual muitos <strong>dos</strong> seus confra<strong>de</strong>s do século XIX.<br />

Outra observação, interessante para nós sobre o clero do passado, ele<br />

também faria por ocasião da visita a Sabará quando contabilizou três<br />

padres “<strong>de</strong>semprega<strong>dos</strong>” na gloriosa freguesia do rio das Velhas.<br />

A igreja foi erguida por Amaro da Silveira Borges e <strong>de</strong>dicada ao<br />

seu santo homônimo. Está localizada num plano ligeiramente elevado<br />

em relação à ruazinha <strong>de</strong>fronte, ao lado <strong>de</strong> uma ampla praça <strong>de</strong>spojada,<br />

tendo no centro um velho marco <strong>de</strong> pedra enfeitando um gramado.<br />

Sofreu várias reformas ao longo <strong>dos</strong> tempos inclusive, por volta <strong>de</strong><br />

1990, teve uma das suas torres reconstruídas, <strong>de</strong>struída que tinha sido<br />

por um impie<strong>dos</strong>o raio. É contornada por um muro baixo que <strong>de</strong>ixa<br />

um espaço para um pequeno adro lajeado e uma escadaria à frente,<br />

tendo o cemitério nos fun<strong>dos</strong>. O frontispício é quadrado com uma<br />

porta encimada por uma singela verga <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira reforçada e portais<br />

simples. No canto superior <strong>de</strong> cada lado da porta estão duas janelas<br />

retangulares com balaustradas <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira. Nas laterais, <strong>de</strong>limitas por<br />

pilastras e cunhais <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira apoiadas sobre pedras, estão as bases das<br />

torres tendo no alto duas aberturas singulares. O frontão é baixo e<br />

estreito com um pequeno óculo redondo no centro, contornado por<br />

telhas e com uma singela cruz na cumieira. A cimalha é em forma <strong>de</strong><br />

beiral sustentando telhas. As torres são simples, quadradas e cobertas<br />

com telhas em quatro águas.<br />

Quando visitamos a igreja da velha Brumado estava<br />

acontecendo uma cerimônia fúnebre <strong>de</strong> corpo presente que unia uma<br />

música sinceramente sentida, a velhos costumes religiosos da gente<br />

mineira e isso num ambiente setecentista <strong>de</strong> enorme respeito e glória.<br />

Nenhuma boa alma po<strong>de</strong>ria ter encomendação mais solene e nobre.<br />

Fiquei tão contrito com a cerimônia que me abstraí respeitosamente <strong>de</strong><br />

anotar os <strong>de</strong>talhes das características internas da igrejinha <strong>de</strong> Brumal.<br />

Mas me lembro bem da profusão <strong>de</strong> pinturas emolduradas e da talha<br />

policromada <strong>dos</strong> retábulos do altar mor, <strong>dos</strong> dois altares colaterais e do<br />

arco cruzeiro. Tudo em fiel obediência ao bom estilo do barroco da<br />

primeira fase.<br />

134


CATAS ALTAS<br />

Catas Altas é a penúltima cida<strong>de</strong> da primeira fase do nosso<br />

roteiro arbitrariamente chamado <strong>de</strong> roteiro da “Comarca do Rio das<br />

Velhas” e que inclui esta cida<strong>de</strong> a <strong>de</strong>speito da sua proximida<strong>de</strong> e<br />

afinida<strong>de</strong> histórica com Mariana e a Comarca <strong>de</strong> Vila Rica. A partir <strong>de</strong><br />

Santa Bárbara é possível alcançar Catas Altas através <strong>de</strong> estrada<br />

asfaltada, recentemente implantada. A cida<strong>de</strong> tem as características<br />

típicas das pequenas concentrações urbanas mineiras, simpáticas e<br />

sonolentas. Foi fundada em 1703 por Manuel Dias, havendo autores<br />

que apontam Domingos Borges como seu fundador. Fica ao pé da serra<br />

do Caraça cujo paredão domina magnificamente o horizonte sudoeste<br />

da cida<strong>de</strong>. Catas Altas marcava uma das fronteiras da região do “Mato<br />

Dentro”, ou seja da área outrora coberta <strong>de</strong> <strong>de</strong>nsa floresta que<br />

começando na região do Caraça e passando por Cocais e Caeté ia até<br />

<strong>de</strong>pois da serra do Cipó, pegando ainda nos seus limites a nor<strong>de</strong>ste, a<br />

região <strong>de</strong> Itabira. O nome da cida<strong>de</strong> lembra as escavações feitas em<br />

áreas mais elevadas e que caracterizavam as condições <strong>de</strong> extração do<br />

ouro na região. Catas Altas possui alguns casarões antigos bem<br />

preserva<strong>dos</strong>. Não há praticamente opções <strong>de</strong> hospedagem a não ser<br />

mais uma vez, o Colégio do Caraça, cujo acesso, contudo, <strong>de</strong>manda<br />

contornar toda a serra, passando por Santa Bárbara e Brumal até ganhar<br />

a antiga ermida do irmão Lourenço.<br />

George Gardner passou em Catas Altas registrando apenas que<br />

o povoado nada mais era do que uma rua comprida como tantos que<br />

<strong>de</strong>screveu com esta mesma imagem.<br />

Richard Burton revela ter se hospedado em Catas Altas num tal<br />

Hotel Fluminense, proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> um filho <strong>de</strong> ingleses que<br />

infelizmente só falava português. Observou que após a <strong>de</strong>cadência da<br />

ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mineração os habitantes ganhavam a vida plantando milho.<br />

Notou também que a cida<strong>de</strong> tinha uma única rua. Registrou a existência<br />

<strong>de</strong> três <strong>igrejas</strong>: a Matriz, a Santa Quitéria e a Bonfim. Observou que a<br />

matriz <strong>de</strong> N. S. da Conceição tinha um interior extravagante, ornado<br />

com curiosas colunas retorcidas. É provável que ele tenha visitado o<br />

Vaticano e visto essas mesmas colunas no famoso baldaquino <strong>de</strong><br />

Bernini. Mas se assim foi, lá ele não notou essa mesma extravagância.<br />

135


Saint-Hilaire esteve em Catas Altas a caminho do Caraça.<br />

Reclamou da curiosida<strong>de</strong> <strong>dos</strong> habitantes para com a sua figura, o que<br />

estava atrapalhando o seu meticuloso trabalho <strong>de</strong> secar plantas e espetar<br />

borboletas. Contou que o jantar da hospedaria tinha sido servido em<br />

baixela <strong>de</strong> prata e que após, foi brindado com um agradável recital <strong>de</strong><br />

canto e violão pela dona do lugar, acompanhada das irmãs. Registrou<br />

que o povoado tinha sido construído com esmero mas que o aspecto<br />

então era <strong>de</strong> abandono e <strong>de</strong>cadência. Não sabemos o que tomou <strong>de</strong><br />

aperitivo no tal jantar mas aproveitou o <strong>de</strong>leite da inebriante vesperata<br />

para fazer digressões sobre as causas da <strong>de</strong>cadência da capitania das<br />

<strong>Minas</strong> Gerais. Concluiu que uma das causas era a tal Inconfidência<br />

Mineira que tinha obrigado vários notáveis cidadãos mineiros a fugirem<br />

para escapar à perseguição da Coroa. E não disse mais nenhuma<br />

bobagem nesse dia, indo na sequência se penitenciar merecidamente<br />

nas íngremes encostas da serra do Caraça.<br />

O Bispo Visitador <strong>de</strong> Mariana na sua passagem, além da matriz<br />

fala da capela <strong>de</strong> N. S. do Rosário <strong>dos</strong> Pretos, Santa Quitéria e a Ermida<br />

da Arquiconfraria <strong>de</strong> São Francisco. Conta-nos que o povo era muito<br />

chegado à igreja e que havia nada menos do que seis padres na<br />

paróquia. Contabilizamos três templos em Catas Altas: a matriz <strong>de</strong> N.<br />

S. da Conceição, a igreja do Rosário e a igreja <strong>de</strong> Santa Quitéria.<br />

Portanto, não conseguimos localizar a igreja da Arquiconfraria do<br />

Cordão <strong>de</strong> São Francisco, citada pelo Bispo. As <strong>igrejas</strong> <strong>de</strong> Catas Altas,<br />

por incrível que pareça, não são tombadas.<br />

Matriz <strong>de</strong> N. S. da Conceição - 1738<br />

Esta notável matriz fica localizada numa ampla praça que serve<br />

para compor com a escadaria da igreja, talvez o maior adro <strong>de</strong> <strong>Minas</strong><br />

Gerais. É particularmente pitoresco porque <strong>de</strong>fronte à igreja se ergue a<br />

pedra do Caraça preenchendo magnificamente, todo o horizonte<br />

sudoeste da cida<strong>de</strong>. É nesse praça que se erguem alguns casarões<br />

antigos em bom estado <strong>de</strong> preservação, formando com a matriz um<br />

conjunto <strong>de</strong> certo interesse. Esta é uma das poucas <strong>igrejas</strong> em que se<br />

po<strong>de</strong> fixar a data <strong>de</strong> fundação com precisão pois uma notícia inserida<br />

no Códice Matoso dá conta <strong>de</strong> que em 1739 foi feito o translado do<br />

Santíssimo Sacramento para a “nova matriz, que hoje existe” (1750).<br />

136


Uma boa documentação sobre os construtores do templo<br />

também foi preservada e através <strong>de</strong>la sabemos que nele trabalharam os<br />

notáveis entalhadores Francisco Xavier <strong>de</strong> Brito e Francisco Vieira<br />

Servas. O primeiro produziu <strong>de</strong>stacadas obras sobretudo em Ouro<br />

Preto e Mariana e o segundo é responsável por belos trabalhos <strong>de</strong><br />

entalhe na igreja do Carmo <strong>de</strong> Sabará e esculturas no Santuário <strong>de</strong><br />

Congonhas. No trono está ainda o Cristo crucificado, obra do<br />

Aleijadinho e que antes <strong>de</strong> ser atribuído ao mestre, tinha posição <strong>de</strong><br />

pouco <strong>de</strong>staque no consistório <strong>dos</strong> Irmãos do Santíssimo.<br />

A parte principal da fachada é bem <strong>de</strong>finida, limitada por<br />

pilastras que parecem apoiar a cimalha que é reta e pouco saliente. Os<br />

cunhais seguem o mesmo estilo. No centro do frontispício há três<br />

gran<strong>de</strong>s portas em arco que dão acesso a uma espécie <strong>de</strong> alpendre após<br />

o qual estão as portas <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira que permitem a entrada na nave<br />

propriamente dita. Esta solução chamada galilé, é semelhante a da igreja<br />

do Rosário <strong>dos</strong> Pretos <strong>de</strong> Ouro Preto e da Basílica Menor <strong>de</strong> São Pedro<br />

<strong>dos</strong> Clérigos <strong>de</strong> Mariana. É pouco comum em <strong>Minas</strong> e não me lembro<br />

<strong>de</strong> nenhum outro caso além <strong>de</strong>sses três templos cita<strong>dos</strong>.<br />

Acima do vestíbulo estão três gran<strong>de</strong>s janelões envidraça<strong>dos</strong><br />

que se comunicam com o coro. O frontão tem o recorte <strong>de</strong> uma curva<br />

suave, emoldurada <strong>de</strong> pedra e que se confun<strong>de</strong> com a parte inferior das<br />

torres. No centro há um pequeno óculo irregular vazado e em cima está<br />

uma pequena cruz. As torres são <strong>de</strong>lgadas e emolduradas <strong>de</strong> pedras. Há<br />

pontas em cada um <strong>dos</strong> quatro cantos da base das cúpulas. Essas são<br />

em formato bastante original e se alongam até virarem pináculos<br />

pontiagu<strong>dos</strong>. Este formado incomum chama atenção do visitante já à<br />

entrada da cida<strong>de</strong>. Mais tar<strong>de</strong> fomos encontrar coisa semelhante na<br />

matriz da Boa <strong>Viagem</strong> <strong>de</strong> Itabirito.<br />

Dom frei José observou na sua visita, que o retábulo do altar<br />

mor não tinha pintura. Hoje ele está adornado <strong>de</strong> fundo branco com<br />

frisos doura<strong>dos</strong>. Suas colunas internas são em quartela e as externas são<br />

torsas com estrias no terço inferior e tendo no alto anjos apoia<strong>dos</strong><br />

sobre fragmentos <strong>de</strong> arquitrave. No coroamento está o <strong>dos</strong>sel clássico<br />

com a Santíssima Trinda<strong>de</strong> coroando a N. S. da Conceição. Ela ce<strong>de</strong>u<br />

lugar ao Cristo do Aleijadinho e hoje está em posição inferior ao pé do<br />

trono. Nas laterais da escadaria do presbitério estão belos anjos<br />

lampadóforos.<br />

137


Não há altares no transepto e sim portas que levam <strong>às</strong><br />

intimida<strong>de</strong>s da matriz. Acima <strong>de</strong>las estão as pinturas <strong>dos</strong> quatro<br />

doutores da Igreja, atribuídas por alguns a Manuel da Costa Ataí<strong>de</strong>.<br />

Os altares próximos ao arco cruzeiro são um pouco recua<strong>dos</strong> e<br />

<strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s dimensões. O da esquerda apresenta colunas torsas<br />

encimadas por um baldaquino e com nichos laterais em ângulo diverso<br />

ao do trono. O da direita parece um majestoso oratório com um fundo<br />

camarim abrigando uma original imagem do Cristo Crucificado.<br />

Abaixo do trono há um baldaquino e no alto se <strong>de</strong>staca um gran<strong>de</strong><br />

medalhão que ultrapassa espetacularmente a cimalha.<br />

A mesma notícia do Códice Matoso, já citada, também informa<br />

que a terceira imagem doada à matriz, e que <strong>de</strong>pois foi transferida à<br />

nova matriz, foi exatamente um Senhor Crucificado. Se estivermos<br />

falando da mesma imagem ela teria sido doada entre 1710 e 1738. 111<br />

Portando a sua originalida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>vido à sua antiguida<strong>de</strong>.<br />

Nos altares seguintes - em número <strong>de</strong> quatro, espalha<strong>dos</strong> pela<br />

nave - predomina o <strong>dos</strong>sel com pilastras pequenas em quartelas e a<br />

presença <strong>dos</strong> braços com figuras <strong>de</strong> águias avançando pelo alto do<br />

retábulo.<br />

Os púlpitos são pinta<strong>dos</strong> <strong>de</strong> branco e apresentam guarda-corpo<br />

retilíneo e bela base <strong>de</strong> sustentação arrematada em pinhas que chegam a<br />

poucos centímetros do chão. No alto estão guarneci<strong>dos</strong> <strong>de</strong> baldaquinos<br />

<strong>de</strong> on<strong>de</strong> pen<strong>de</strong>m lambrequins e sobre os quais se apoiam anjos. As<br />

tribunas, tanto da nave quanto da capela mor, são verda<strong>de</strong>iros retábulos<br />

adorna<strong>dos</strong> com sanefas e lambrequins trabalha<strong>dos</strong> em ma<strong>de</strong>ira. Toda a<br />

igreja é revestida em ma<strong>de</strong>ira entalhada e apesar <strong>de</strong> haver <strong>de</strong>sarmonia<br />

nos acabamentos da mesma – parte está ao natural, parte pintada <strong>de</strong><br />

branco e parte dourada e policromada – compõe um <strong>dos</strong> mais belos<br />

interiores do conjunto <strong>de</strong> nossas <strong>igrejas</strong> setecentistas.<br />

Igreja <strong>de</strong> Santa Quitéria - 1728<br />

Esta simpática igrejinha fica na parte mais elevada <strong>de</strong> Catas<br />

Altas num outeiro bucólico cercado <strong>de</strong> gramado natural com poucas<br />

habitações nas proximida<strong>de</strong>s. Ao fundo tem-se bela visão da serra do<br />

Caraça e do lado oposto avista-se a matriz <strong>de</strong> N. S. da Conceição. Após<br />

subir à pé uma pequena la<strong>de</strong>ira, chega-se a uma escadaria <strong>de</strong> pedras<br />

111 O doador foi um certo capitão Domingos Vieira <strong>de</strong> Macedo.<br />

138


ústicas que, na sequência, formam o que seria o adro da igreja<br />

propriamente dito. Segundo o mesmo registro constante na coletânea<br />

do Códice Matoso, o templo foi fundado por Paulo <strong>de</strong> Araújo <strong>de</strong><br />

Aguiar em 1728.<br />

A construção é pequena, o adro também mas a vista alcança<br />

longe e tudo é belo e faz você respirar fundo, sorvendo, com vonta<strong>de</strong> o<br />

ar puro que circula livremente entre a montanha e os ver<strong>de</strong>s <strong>dos</strong><br />

resquícios do “Mato Dentro”. Não conseguimos visitar o interior da<br />

igreja. Seu perfil arquitetônico é o mesmo <strong>de</strong> outras igrejinhas mineiras,<br />

li<strong>de</strong>radas pela igrejinha do Ó <strong>de</strong> Sabará, muito mais antiga e que lhes<br />

serviu <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lo. É aquela solução singela da frente chanfrada com<br />

torre única <strong>de</strong> telhado em quatro águas, uma porta no centro, três<br />

sacadas em cada uma das faces da fachada e pintadas <strong>de</strong> azul e branco.<br />

São muito especiais e em geral, muito queridas pelas suas comunida<strong>de</strong>s.<br />

Esta também é assim. Soubemos que praticamente já não há missas<br />

nesse templo, mas os casamentos são frequentes. De fato, a igrejinha <strong>de</strong><br />

Santa Quitéria <strong>de</strong> Catas Altas parece estar impregnada <strong>de</strong> augúrios<br />

promissores, propícios a bem sucedidas uniões.<br />

Igreja do Rosário<br />

Localiza-se, discretamente, na beira <strong>de</strong> uma das ruas que cortam<br />

o largo da matriz. Está erguida no fundo <strong>de</strong> um terreno cuja frente<br />

gramada forma o seu adro natural. Não encontramos referências<br />

cronológicas sobre esta igreja. A já citada notícia do Códice Matoso dá<br />

a existência <strong>de</strong> uma igreja do Rosário em Catas Altas que seguramente<br />

não é esta. De toda forma ela é, pelo menos, do princípio do século<br />

XIX, já que d. frei José registra sua existência em 1821. Passa muito<br />

bem por uma típica Igreja do Rosário do século XVIII pois a pobreza<br />

das irmanda<strong>de</strong>s <strong>dos</strong> pretos extravasou o setecentos e antecipou a<br />

<strong>de</strong>cadência das nossas <strong>igrejas</strong> no século seguinte.<br />

Sua frente é uma peça única. Não há cimalha nem cunhais. A<br />

cobertura é um telhado em duas águas protegido por um beiral. Na<br />

cumeeira está a cruz e abaixo está um minúsculo óculo <strong>de</strong> formato<br />

in<strong>de</strong>ciso. A porta é guarnecida <strong>de</strong> portais singelos com uma verga em<br />

arco abatido. Acima está uma pequena abertura retangular abrigando<br />

um sino entre duas gran<strong>de</strong>s sacadas.<br />

Também não conseguimos ver a igreja por <strong>de</strong>ntro e assim, foi<br />

só isso que conseguimos registrar.<br />

139


PARACATU<br />

A povoação é gran<strong>de</strong> e bem colocada: tem boas ruas,<br />

boas <strong>igrejas</strong>, boa Casa <strong>de</strong> Câmara e Ca<strong>de</strong>ia. Seu povo é o<br />

mais hospitaleiro e amável que é possível: há ali muita vida,<br />

muita animação e muita sociabilida<strong>de</strong>, ao contrário <strong>de</strong> outros<br />

lugares da província. Há ali muita vocação para a música,<br />

tanto que há uma gran<strong>de</strong> corporação musical. Seu comércio<br />

é animado e importante, sendo feito quase tudo pela Bahia.<br />

Em Paracatu concluímos nossa andança pela primeira comarca<br />

da nossa <strong>de</strong>marcação imaginária do atual estado <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> Gerais. A<br />

cida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ser acessada através da rodovia que liga Belo Horizonte a<br />

Brasília e que segue um trecho da antiga Picada <strong>de</strong> Goiás. Fica um tanto<br />

afastada em relação <strong>às</strong> localida<strong>de</strong>s já visitadas e que em geral, estão a<br />

menos <strong>de</strong> cem quilômetros da se<strong>de</strong> representada pela vila <strong>de</strong> Sabará.<br />

Mas como se recorda, a comarca do Rio das Velhas era muito extensa,<br />

alcançando o extremo oeste da capitania <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> Gerais on<strong>de</strong> está<br />

Paracatu.<br />

O lugarejo surgiu bem no início <strong>de</strong> século XVIII, a partir <strong>de</strong><br />

incursões <strong>de</strong> baianos <strong>de</strong>scendo o rio São Francisco em busca <strong>de</strong> pastos<br />

e <strong>de</strong> paulistas buscando as minas <strong>de</strong> Goiás. Paracatu começou a se<br />

organizar politicamente em 1744, quando José Rodrigues Fróis<br />

informou oficialmente ao governador Gomes Freire <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> a<br />

<strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> ouro no Córrego Rico. Em troca, ganhou do dito a<br />

condição <strong>de</strong> guarda-mor, vale dizer, autorida<strong>de</strong> responsável por<br />

organizar a exploração do cobiçado metal, entre outras atribuições<br />

reguladoras. Outro nome ligado aos primórdios da organização política<br />

do arraial é o <strong>de</strong> Felisberto Cal<strong>de</strong>ira Brant, mais tar<strong>de</strong> contratador <strong>de</strong><br />

diamantes no Tijuco e que acabou preso em Lisboa, parece que mais<br />

por intriga pessoal do ouvidor do Serro Frio que não gostou nada do<br />

contratador ter tentado matá-lo. Quando chegarmos ao Distrito <strong>dos</strong><br />

Diamantes voltaremos à sua história.<br />

Em 1798 Paracatu ganhou a condição <strong>de</strong> vila com direito a juiz<br />

<strong>de</strong> fora e Câmara mas a comarca só foi criada no principio do século<br />

seguinte.<br />

O <strong>de</strong>lator na Inconfidência Mineira - Basílio <strong>de</strong> Brito Malheiro -<br />

tinha o título <strong>de</strong> coronel <strong>de</strong> auxiliares <strong>de</strong> Paracatu, mas é possível que<br />

140


ele nunca tenha andado por aqui. Provavelmente ganhou o título do<br />

governador Cunha Menezes - seu notório e corrupto protetor - sem ter<br />

tido que gastar nada para prover Paracatu com uma milícia auxiliar.<br />

Também aqui andou em 1789, meio fugido, o capitão da tropa paga <strong>de</strong><br />

<strong>Minas</strong> Maximiano <strong>de</strong> Oliveira Leite, com receio <strong>de</strong> ser preso como<br />

inconfi<strong>de</strong>nte. Ele era simpatizante <strong>de</strong> Tira<strong>de</strong>ntes e andou gostando do<br />

discurso do Alferes. Per<strong>de</strong>u sua patente mas acabou se livrando da<br />

prisão.<br />

Paracatu teve <strong>de</strong>stacado papel na revolução liberal <strong>de</strong> 1842,<br />

sendo uma das últimas cida<strong>de</strong>s on<strong>de</strong> se restaurou a legalida<strong>de</strong>.<br />

O único <strong>dos</strong> nossos companheiros viajantes que se animou a vir<br />

até Paracatu, como não po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser, foi o <strong>de</strong>dicado e<br />

incansável Saint-Hilaire. Encontrou a vila em acentuada <strong>de</strong>cadência<br />

como <strong>de</strong> resto acontecia com toda a capitania. Mas observou que ainda<br />

existia alguma exploração aurífera, em ativida<strong>de</strong>s mineradoras baseadas<br />

em escavações <strong>de</strong> maior profundida<strong>de</strong>. Ou seja, esgotadas as pepitas<br />

superficiais do Córrego Rico, o pessoal daqui não <strong>de</strong>sanimou e quem<br />

tinha maiores recursos partiu para tecnologias mais custosas e<br />

continuou tentando bravamente. Infelizmente Saint-Hilaire falou pouco<br />

da vila propriamente dita. Registrou que as casas eram baixas e mal<br />

caiadas, que a igreja <strong>de</strong> Santana estava em ruínas e que as ruas eram<br />

retas e bem calçadas. Contou que os chafarizes não tinham qualquer<br />

tipo <strong>de</strong> adorno. Não foi bem o que observamos em nossa visita. Há um<br />

chafariz em frente ao atual Museu Histórico que embora singelo não é<br />

totalmente <strong>de</strong>stituído <strong>de</strong> adornos. Po<strong>de</strong> ser que tenha recebido alguma<br />

melhoria após a passagem do sábio no princípio <strong>de</strong> século XIX.<br />

A Paracatu <strong>de</strong> hoje é uma cida<strong>de</strong>zinha simpática, com ruas<br />

largar e bem cuidadas, com boas opções <strong>de</strong> hospedagem e alimentação.<br />

O calor <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro é insuportável mas o povo é educado e gentil e<br />

há uma forte consciência <strong>de</strong> valorização do patrimônio histórico e<br />

cultural da cida<strong>de</strong>. Acredite se quiser, em Paracatu o pe<strong>de</strong>stre tem<br />

absoluta preferência e os carros param para que você possa atravessar a<br />

rua.<br />

O pequeno trecho histórico da cida<strong>de</strong> está mais ou menos<br />

compreendido entre a praça da Matriz, a antiga rua Direita, atual rua<br />

Dr. Seabra, o largo da Igreja do Rosário e a rua Goiás que antigamente<br />

era um trecho da própria picada on<strong>de</strong> passavam ban<strong>de</strong>irantes e<br />

141


tropeiros em <strong>de</strong>manda à capitania vizinha. Nesse espaço há uma série<br />

<strong>de</strong> becos atestando a primitivida<strong>de</strong> do traçado da antiga Vila do<br />

Príncipe.<br />

Não conseguimos localizar nenhum casarão autenticamente<br />

setecentista em Paracatu, mas há imponentes construções do século<br />

XIX e princípios do século XX, como aquelas on<strong>de</strong> estão instala<strong>dos</strong> o<br />

Museu Histórico, a Casa da Cultura e a Câmara Municipal. Mas no<br />

geral, pouco restou do perfil arquitetônico da gloriosa Paracatu do<br />

século XVIII. Mas existem duas <strong>igrejas</strong> autenticamente setecentistas em<br />

Paracatu: a matriz <strong>de</strong> Santo Antônio e a igreja do Rosário. A primitiva<br />

igreja <strong>de</strong> Santana que Saint-Hilaire já encontrou em ruínas no princípio<br />

do século XIX, foi totalmente <strong>de</strong>molida na década <strong>de</strong> 1930.<br />

D. frei José da Santíssima Trinda<strong>de</strong>, naturalmente não andou<br />

visitando <strong>igrejas</strong> por aqui, na sua pie<strong>dos</strong>a peregrinação pastoral do<br />

princípio do século XIX. Não po<strong>de</strong>ria, pois Paracatu não pertencia à<br />

Diocese <strong>de</strong> Mariana e sim à <strong>de</strong> Pernambuco, cujo bispo naturalmente<br />

teria reduzidas condições <strong>de</strong> se <strong>de</strong>slocar <strong>de</strong> Olinda para ditar provisões<br />

aos seus paroquianos <strong>de</strong> Paracatu.<br />

Cadastramos em Paracatu a matriz <strong>de</strong> Santo Antônio e a igreja<br />

do Rosário, ambas tombadas pelo IPHAN em 1962.<br />

Matriz <strong>de</strong> Santo Antônio - 1730<br />

A matriz <strong>de</strong> Paracatu tem características muito peculiares que a<br />

distingue em relação à arquitetura religiosa setecentistas do restante da<br />

capitania. É <strong>de</strong>stituída <strong>de</strong> torres e <strong>de</strong>ve ser a única matriz existente em<br />

<strong>Minas</strong> que ostenta essa condição. É certo que em outras regiões existem<br />

<strong>igrejas</strong> sem torres como é principalmente o caso <strong>de</strong> São José <strong>de</strong>l Rei,<br />

nossa atual Tira<strong>de</strong>ntes. Mas lá pelo menos a matriz, que também é <strong>de</strong><br />

Santo Antônio, ostenta duas imponentes torres a coadjuvar<br />

orgulhosamente uma portada que alguns atribuem ao Aleijadinho.<br />

Segundo o IPHAN, a fachada da matriz <strong>de</strong> Paracatu teria influência<br />

maior do estilo goiano <strong>de</strong> se fazer <strong>igrejas</strong>.<br />

O exterior <strong>de</strong>ssa igreja é extremamente singelo e há muito<br />

pouco a ser <strong>de</strong>scrito. Não fosse pelas dimensões avantajadas essa<br />

fachada po<strong>de</strong>ria ser confundida com a <strong>de</strong> uma mo<strong>de</strong>sta capela do<br />

rosário <strong>de</strong> um distrito afastado, outrora antigo quilombo.<br />

142


O frontispício e constituída <strong>de</strong> uma única peça com uma gran<strong>de</strong><br />

porta reta no centro e dois janelões do mesmo traçado, mais acima. O<br />

telhado é baixo, com beirais simples e um óculo redondo abaixo da<br />

cumeeira. Há prolongamentos nas laterais, com pé direito mais baixo,<br />

que compreen<strong>de</strong>m os amplos corredores internos cola<strong>dos</strong> à nave e à<br />

capela mor. A eles se acessa diretamente através <strong>de</strong> portas secundárias<br />

retilíneas, encimadas por janelões <strong>de</strong> mesmo traçado.<br />

Internamente a matriz <strong>de</strong> Santo Antônio, causa bem melhor<br />

impressão. Em primeiro lugar pelas suas gran<strong>de</strong>s dimensões. O pé<br />

direito é muito alto e o coro está próximo do céu, lembrando o interior<br />

da igreja do Rosário <strong>de</strong> Marina. É reto e se sustenta sobre <strong>de</strong>lgadas<br />

colunas <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira ao natural.<br />

O altar mor é <strong>de</strong> excelente qualida<strong>de</strong>, com talha e concepção<br />

competentes. Encontra-se em estado natural exibindo a cor escura <strong>de</strong><br />

um bom cedro envelhecido pelos séculos. Apresenta uma espécie <strong>de</strong><br />

<strong>dos</strong>sel duplo. O externo repousa sobre colunas em quartela, encimadas<br />

por anjos. Em lugar das tradicionais representações da Santíssima<br />

Trinda<strong>de</strong> tem uma coroa simples fechando o topo do cortinado<br />

superior. Há duas colunas em quartela <strong>de</strong> cada lado do retábulo, com<br />

nichos entre elas. Há ainda colunas torsas adornando harmoniosamente<br />

o conjunto.<br />

O trono apresenta <strong>de</strong>graus mistos, começando em perfil reto e<br />

tomando forma abaulada próximo ao topo. O camarim é amplo e não<br />

apresenta qualquer <strong>de</strong>coração. Não há imagens nos nichos e pu<strong>de</strong>mos<br />

notar que a imaginária <strong>de</strong>sta igreja se encontra bastante <strong>de</strong>spojada.<br />

Fomos informa<strong>dos</strong> que as imagens originais foram retiradas para<br />

restauração.<br />

A base do presbitério é <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira e este é cercado por uma<br />

balaustrada <strong>de</strong> mesmo material. Aliás há quase que uma total ausência<br />

do uso <strong>de</strong> pedras na construção <strong>de</strong>sta igreja e até na base <strong>dos</strong> portais<br />

predomina a ma<strong>de</strong>ira.<br />

O teto da capela mor é reto no centro e contornado por uma<br />

moldura angulada on<strong>de</strong> se abrem originais claraboias. É totalmente<br />

branco. O teto da nave tem o mesmo formato e no momento da nossa<br />

visita estava sendo restaurado, mostrando sua estrutura sem<br />

revestimento e mais acima um telhado em estado preocupante,<br />

provavelmente vazado por temerárias goteiras.<br />

Há duas tribunas, <strong>de</strong> cada lado, se abrindo para a capela mor e<br />

mais duas se abrindo para o recinto da nave.<br />

143


O arco cruzeiro é <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira, praticamente sem adornos. Há<br />

dois altares no transepto. O da esquerda <strong>de</strong> quem contempla a capela<br />

mor, é <strong>de</strong> colunas torsas com pequenos nichos, coroadas por um<br />

<strong>dos</strong>sel simplificado e um espaldar alto <strong>de</strong> formação retilínea. O trono é<br />

baixo <strong>de</strong> formato aproximado ao <strong>de</strong> cântaro. O altar do lado oposto<br />

segue o mesmo estilo mas as colunas são retas. A pintura é suave e<br />

homogênea com traços marmoriza<strong>dos</strong>.<br />

Os altares da nave são cava<strong>dos</strong> nas pare<strong>de</strong>s, lembrando<br />

molduras e oratórios, encima<strong>dos</strong> por arcos simples sem adornos no<br />

coroamento. Os dois primeiros, contando a partir do arco cruzeiro,<br />

ostentam colunas torsas trabalha<strong>dos</strong> com acantos e folhas e uma<br />

pintura muito discreta valorizando o próprio tom da ma<strong>de</strong>ira natural e<br />

harmonizando com o altar mor. Nos altares seguintes sobressaem<br />

colunatas retas e estriadas e uma pintura suave sob raja<strong>dos</strong> mais<br />

escuros, acentuando um marmorizado <strong>de</strong> contraste mais carregado.<br />

Os púlpitos são simples, em forma <strong>de</strong> tulipas suavemente<br />

abauladas.<br />

Não há qualquer pintura <strong>de</strong>corativa nesta igreja e o assoalho<br />

parece preservado com possíveis resquícios <strong>de</strong> <strong>antigas</strong> campas.<br />

Igreja do Rosário - 1744<br />

A igreja <strong>dos</strong> Pretos <strong>de</strong> Paracatu está situada no antigo largo do<br />

Rosário, hoje uma praça espaçosa e bem urbanizada. Infelizmente não<br />

conseguimos conhecê-la internamente. Uma das portas <strong>de</strong> acesso se<br />

encontra em estado muito precário e certamente com um empurrão<br />

po<strong>de</strong> ce<strong>de</strong>r revelando e expondo o seu interior. Mas, evi<strong>de</strong>ntemente,<br />

não iríamos cometer tal ignominiosa imprudência. É certo que a tal<br />

porta mesmo frágil consegue proteger a igreja <strong>de</strong> curiosos como eu,<br />

mas certamente não a protegerá <strong>de</strong> incursores mal intenciona<strong>dos</strong>.<br />

Externamente a igreja parece muito <strong>de</strong>scaracterizada, em relação<br />

à sua origem setecentista. E <strong>de</strong> fato ela sofreu uma reforma mutiladora<br />

em mea<strong>dos</strong> do século XX. Assim, hoje o templo ostenta uma torre<br />

nitidamente estranha ao conjunto e que foi acrescida por conta da dita<br />

reforma. Observa-se que toda a seção da fachada que sustenta a tal<br />

torre foi acrescida mais tar<strong>de</strong>, avançando a igreja em direção ao seu<br />

adro primitivo. Essa intervenção <strong>de</strong>scarecterizadora fica mais<br />

evi<strong>de</strong>nciada pela observação <strong>dos</strong> cunhais e pilastras <strong>de</strong> alvenaria<br />

estampa<strong>dos</strong> na fachada: foram construí<strong>dos</strong> recorrendo a técnicas mais<br />

144


ecentes e têm a função evi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> sustentar a torre extemporânea.<br />

Reforça esta evidência a observação adicional <strong>de</strong> que um <strong>dos</strong> janelões<br />

do frontispício ostenta um sino. A função das torres das <strong>igrejas</strong>, em<br />

to<strong>dos</strong> os tempos e lugares, é <strong>de</strong> abrigar os sinos e torná-los audíveis nos<br />

mais distantes lugares. Nitidamente esta torre não foi construída com<br />

função <strong>de</strong> ser uma torre sineira. Assim, seria mais um elemento<br />

puramente <strong>de</strong>corativo. O mesmo acontece com os pináculos retilíneos<br />

coloca<strong>dos</strong> no topo <strong>dos</strong> cunhais. Este <strong>de</strong>talhe representa uma figuração<br />

inteiramente estranha ao estilo <strong>de</strong> adornar <strong>igrejas</strong> na capitania <strong>de</strong> <strong>Minas</strong><br />

no século XVIII.<br />

Tirando a tal torre e os tais pináculos e visualizando que o<br />

telhado primitivo se fechava em cumeeira, a fachada da igreja do<br />

Rosário fica muito parecida com a da matriz <strong>de</strong> Santo Antônio. A<br />

diferença básica é a inexistência <strong>dos</strong> prolongamentos laterais presentes<br />

na matriz e o perfil da verga das portas e <strong>dos</strong> janelões <strong>de</strong>sta igreja que,<br />

ao contrário do que acontece na matriz <strong>de</strong> Santo Antônio, têm formato<br />

curvilíneo.<br />

Não consegui saber a posição do IPHAN em relação à<br />

<strong>de</strong>scaracterização da fachada da igreja <strong>dos</strong> pretos <strong>de</strong> Paracatu. Os da<strong>dos</strong><br />

que o organismo disponibiliza a respeito da mesma são extremamente<br />

resumi<strong>dos</strong>.<br />

COMARCA DE VILA RICA<br />

OURO PRETO<br />

Seu clima, em geral, é saudável. Seu comércio, conquanto<br />

não seja <strong>dos</strong> mais anima<strong>dos</strong>, contudo não é <strong>dos</strong> piores.<br />

Seu povo é dócil, pacífico, amante da instrução,<br />

bem hospitaleiro e civilizado. A cida<strong>de</strong> é abundantíssima<br />

<strong>de</strong> boas águas, entre as quais algumas ferruginosas,<br />

e a melhor é a que se encontra no morro <strong>de</strong> Santana.<br />

A cida<strong>de</strong> antigamente chamava-se Vila Rica, e já foi<br />

uma cida<strong>de</strong> opulenta e ativa, como o atestam muitos<br />

monumentos que ainda duram para a glória do seu passado.<br />

145


As Ruas<br />

Ouro Preto é o centro da nossa comarca imaginária <strong>de</strong> Vila<br />

Rica, outra região do roteiro <strong>de</strong>sta nossa viagem. Foi a segunda vila <strong>de</strong><br />

<strong>Minas</strong>, condição que ganhou em 1711 quando São Paulo e <strong>Minas</strong> ainda<br />

eram uma única capitania. Patrimônio Mundial da Humanida<strong>de</strong>, a<br />

cida<strong>de</strong> tem o mesmo status cultural <strong>de</strong> magníficos monumentos da<br />

antiguida<strong>de</strong> como Florença, Atenas e Veneza. De fato, constitui o mais<br />

<strong>de</strong>stacado <strong>dos</strong> nossos conjuntos arquitetônicos coloniais on<strong>de</strong> se<br />

sobressaem não só algumas das mais belas <strong>igrejas</strong> brasileiras como<br />

também casarões, museus e o próprio arranjo urbano que dispõe<br />

curiosamente seu casario ao longo <strong>de</strong> tortuosas e íngremes vielas. Ouro<br />

Preto está erigida numa plataforma geológica que constitui talvez o<br />

último lugar do mundo que alguém escolheria para erguer uma cida<strong>de</strong>.<br />

Na sua parte principal, com exceção da praça Tira<strong>de</strong>ntes não se<br />

encontra nenhuma área plana com mais do que algumas <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong><br />

metros quadra<strong>dos</strong>. A visão do seu conjunto, espremido sobre o perfil<br />

enrugado do vale que se espalha entre as serras <strong>de</strong> Ouro Preto e do<br />

Itacolomi, mostra o que os homens são capazes <strong>de</strong> fazer quando<br />

toca<strong>dos</strong> pela energia febril que recen<strong>de</strong> do mais nobre e raro <strong>dos</strong><br />

metais. A cida<strong>de</strong> parece ter brotado do chão sem nenhuma cerimônia<br />

ou intenção. Na verda<strong>de</strong> foi quase isso mesmo: um subproduto das<br />

escavações da cata do ouro. Era assim que as cida<strong>de</strong>s do ouro nasciam.<br />

As casas eram erguidas em torno da lavra, cresciam e se emendavam à<br />

medida que a população chegava e se acomodava em novas ou mais<br />

profícuas datas. É, como dissemos, a mesma frutificação urbanística<br />

que gerou Sabará e Mariana. Uma olhada nos nomes <strong>dos</strong> bairros <strong>de</strong><br />

Ouro Preto confirma essa história.<br />

Na baixada do extremo leste, na direção <strong>de</strong> Mariana, o padre<br />

Faria, no final do século XVII estabeleceu a sua lavra, uma das<br />

pioneiras. O venerando padre implantou sua capela, recolheu o seu<br />

ouro e se mandou <strong>de</strong> volta para São Paulo on<strong>de</strong> morreu pouco <strong>de</strong>pois<br />

(Guaratinguetá – 1703). Mas <strong>de</strong>ixou o seu nome para sempre<br />

marcando um <strong>dos</strong> bairros da cida<strong>de</strong>.<br />

Ao norte do bairro do padre está o Morro da Queimada, cabeça<br />

da cida<strong>de</strong>la do indigitado Paschoal da Silva Guimarães da sedição <strong>de</strong><br />

1720, já citado. O potentado acabou seus dias <strong>de</strong>gredado pelo con<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Assumar que, aos 35 anos e com uma força militar absolutamente<br />

ridícula, varou um exercito <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> dois mil homens, pren<strong>de</strong>u o<br />

146


caudilho e tacou fogo nas sua posses fazendo o Morro do Paschoal<br />

virar o Morro da Queimada <strong>de</strong> hoje. O que não valia um sangue azul<br />

naqueles tempos barrocos em que a nobreza das investiduras era mais<br />

forte do que os exércitos do povo.<br />

Entre a praça Tira<strong>de</strong>ntes e o Padre Faria estava a lavra <strong>de</strong><br />

Antônio Dias, em cujo centro se ergue a matriz <strong>de</strong> N. S. da Conceição.<br />

O ban<strong>de</strong>irante paulista foi outro pioneiro que aportou na região do<br />

ribeirão do Tripuí no final do século XVII. À exemplo do padre Faria<br />

também não morreu no seu arraial. Irrequieto como era acabou<br />

partindo para a região do rio Piracicaba on<strong>de</strong> abriu novas lavras e<br />

semeou novo núcleo urbano.<br />

Do outro lado do morro, na direção oeste, está a região do<br />

Ouro Preto propriamente dita, ou seja a região do ribeirão on<strong>de</strong> foram<br />

encontradas as pepitas escurecidas que, superficialmente raspadas,<br />

revelavam o mais luzente amarelo, cor do ouro <strong>de</strong> alto quilate que foi o<br />

estopim que incendiou a região. Hoje o ribeirão do Ouro Preto é aquele<br />

esgotinho a céu aberto que nasce na montanha, passa a ponte <strong>dos</strong><br />

Contos, margeia a matriz do Pilar sob a ponte do Ouro Preto, encontra<br />

o ribeirão do Funil e juntos formam o ribeirão do Carmo, passam em<br />

Mariana e vão recebendo afluentes à esquerda e direita até engrossarem<br />

o caudal do rio Doce.<br />

A Vila Rica do século XVIII era então constituída <strong>de</strong> dois<br />

arraiais que formavam as duas paróquias, separadas pelo morro on<strong>de</strong><br />

hoje está a praça Tira<strong>de</strong>ntes e mais os pequenos núcleos urbanos em<br />

torno <strong>de</strong>les.<br />

As montanhas em volta constituem uma outra riqueza,<br />

compondo o conjunto ecológico, histórico e cultural que torna o lugar<br />

tão especial. A pedra do Itacolomi, “a pedra menina” ou “pedra com<br />

filhote” que sempre chama a tenção do visitante, mais do que uma<br />

curiosida<strong>de</strong> geológica era o marco <strong>de</strong> referência <strong>dos</strong> paulistas para<br />

encontrar a região do Casca e <strong>dos</strong> ribeirões do Gualacho e do Tripuí,<br />

vin<strong>dos</strong> da Borda do Campo, região próxima à atual Barbacena. Abaixo<br />

da curiosa pedra se <strong>de</strong>scortinava o vale do ouro aon<strong>de</strong> vinham dar as<br />

levas <strong>dos</strong> potenta<strong>dos</strong> <strong>de</strong> Taubaté e seus agrega<strong>dos</strong> brancos, negros e<br />

mistura<strong>dos</strong>.<br />

Em Ouro Preto tudo é atração: as casas, as <strong>igrejas</strong>, os museus,<br />

as ruas, os chafarizes, as hospedarias, as minas <strong>de</strong>sativadas, as trilhas, os<br />

restaurantes, as lojas <strong>de</strong> buchingangas, as pedras da calçada, a camionete<br />

147


do gás com seu in<strong>de</strong>fectível sino, as repúblicas <strong>de</strong> estudantes, o povo e<br />

até os próprios turistas, alguns absolutamente pitorescos: jovens <strong>de</strong><br />

sandálias e mochilas, paulistas falantes, velhos franceses, alemães<br />

branquelos; além das hordas <strong>de</strong> <strong>de</strong>socupa<strong>dos</strong> nativos que vêm<br />

chamando a atenção <strong>dos</strong> nossos ilustres visitadores <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o século XIX.<br />

Reparem como as meninas <strong>de</strong> Ouro Preto <strong>de</strong>slizam sobre as<br />

perigosas pedras do calçamento irregular <strong>de</strong> salto alto, com absoluta<br />

graça e leveza como se fossem malabaristas circenses.<br />

Não <strong>de</strong>ixe <strong>de</strong> circular pela periferia, ali você seguramente vai<br />

encontrar muito do cidadão da Vila Rica do século XVIII. Ouro Preto<br />

pe<strong>de</strong> indolência e contemplação. Não tente dirigir seu carro pelas ruas<br />

da cida<strong>de</strong>, você não tem um sexto sentido necessário que só os<br />

moradores do lugar têm e que os faz perceber antecipadamente, que do<br />

outro lado <strong>de</strong> uma rua curva sem cruzamento e estreita, vem outro<br />

veículo. Pois a cida<strong>de</strong> foi feita para ser percorrida a pé e reparada nos<br />

<strong>de</strong>talhes.<br />

Começando do Padre Faria, na rua que liga a capela do padre à<br />

igreja <strong>de</strong> Santa Efigênia 112 é possível conhecer uma mina <strong>de</strong>sativada que<br />

se encontra escavada na rocha do morro da Queimada. É uma mina <strong>de</strong><br />

cerca <strong>de</strong> 30 metros <strong>de</strong> comprimento, praticamente sem <strong>de</strong>clive on<strong>de</strong><br />

ainda se po<strong>de</strong> ver farelo <strong>de</strong> ouro incrustado na argila <strong>de</strong> jacutinga. O<br />

guia da mina, alguns <strong>de</strong>cibéis acima do razoável, informa ser Filipe do<br />

Santos - outra das vítimas do con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Assumar - o antigo proprietário<br />

da dita mina. É possível, pois embora se saiba que ali era domínio do<br />

seu - já citado colega <strong>de</strong> infortúnio Paschoal da Silva Guimarães –<br />

também se sabe que ele era possuidor <strong>de</strong> um par <strong>de</strong> escravos e dado a<br />

aventuras mineradoras. A propósito, quem observa as condições em<br />

que o ouro era removido das minas, picando rocha a muque ou em<br />

infindáveis bateadas no fundo <strong>dos</strong> riachos, enten<strong>de</strong> porque a cobrança<br />

do quinto gerava tanta revolta. Não é que o imposto fosse caro. 113 O<br />

problema é que ele não era justo, cobrado avidamente ao longo <strong>de</strong> todo<br />

o século por monarcas perdulários da sobrevida <strong>de</strong> um reino arruinado<br />

112 A visitação <strong>às</strong> <strong>igrejas</strong> será <strong>de</strong>scrita com maiores <strong>de</strong>talhes, mais adiante.<br />

113 O que são 20% compara<strong>dos</strong> aos 40% que o cidadão brasileiro tem que pagar hoje<br />

em dia ?<br />

148


e que não teriam o menor remorso se <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> esgotado o ouro das<br />

minas gerais tivesse ficado apenas um buraco no lugar.<br />

Continuando nossa caminhada, após subir uma la<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> média<br />

dificulda<strong>de</strong> alpinística, chegamos no alto on<strong>de</strong> está a igreja <strong>de</strong> Santa<br />

Efigênia e <strong>de</strong> on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>scortina todo o arraial <strong>de</strong> Antônio Dias com<br />

sua imponente matriz. Antes porém <strong>de</strong> se alcançar a igreja, à esquerda<br />

há um chafariz encimado por uma figura <strong>de</strong> mulher, atribuída ao<br />

Aleijadinho, com um exuberante colo à mostra cuja fartura <strong>de</strong> carnes<br />

expostas é uma rarida<strong>de</strong> para aqueles tempos comedi<strong>dos</strong>. Nossos<br />

artistas religiosos antigos cultivavam zelosa autocensura e teimavam em<br />

mostrar a virgem Maria e <strong>de</strong>mais santas inteiramente <strong>de</strong>sfeminilisadas. 114<br />

Talvez o nosso mestre Antônio Francisco Lisboa tivesse querido ir à<br />

forra com a moça do chafariz. Ataí<strong>de</strong> já foi mais direto e não hesitou<br />

em pintar uma virgem mulata e peituda no teto da igreja <strong>de</strong> São<br />

Francisco <strong>de</strong> Assis.<br />

A <strong>de</strong>scida é feita por uma la<strong>de</strong>ira extremamente íngreme, a<br />

famosa la<strong>de</strong>ira do Vira e Saia, talvez a <strong>de</strong> maior <strong>de</strong>clive <strong>de</strong> Ouro Preto<br />

que <strong>de</strong>clina espetacularmente até o imponente chafariz <strong>de</strong> Marília<br />

construído em 1759 e a ponte <strong>de</strong> Antônio Dias, obra arrematada pelo<br />

pai do Aleijadinho, Manuel Francisco Lisboa mas repassada a terceiros<br />

em 1755. No meio da ponte tem um banco <strong>de</strong> pedra on<strong>de</strong> você po<strong>de</strong> se<br />

assentar e se por a imaginar on<strong>de</strong> realmente era a casa <strong>de</strong> Marília: no<br />

imponente sobrado atrás do chafariz ou, um pouco mais à direita, numa<br />

casa já <strong>de</strong>molida que ficava no lugar on<strong>de</strong> hoje está uma escola com o<br />

nome da musa. Essa polêmica <strong>de</strong> alguns metros acirrou os ânimos <strong>de</strong><br />

historiadores mineiros em mea<strong>dos</strong> do século passado.<br />

Após a ponte inicia-se nova subida em direção a matriz <strong>de</strong> N. S.<br />

da Conceição, ao lado da qual está a rua do Aleijadinho. Ali há um<br />

casarão com uma placa indicando o local da casa do mestre. Mas não é<br />

a construção que lá agora se encontra. A original, segundo seu o<br />

primeiro biógrafo (1858) - Rodrigo José Ferreira Bretas, foi <strong>de</strong>molida<br />

em mea<strong>dos</strong> do século XIX. Aleijadinho passou seus últimos e<br />

114 Na euforia da libertação renascentista do corpo humano a coisa era mais largada e<br />

não são raras as pinturas <strong>de</strong>sse período, mostrando a virgem <strong>de</strong> seio à mostra. Nesse<br />

aspecto, no barroco houve um certo retrocesso.<br />

149


tormentosos dias na casa da nora, invocado porque um <strong>de</strong> seus<br />

escravos aprendizes recebeu uma paga por serviços presta<strong>dos</strong> na igreja<br />

do Carmo e não repassou a parte que lhe tocava.<br />

Passada a rua do Aleijadinho chega-se à esquina do chafariz <strong>dos</strong><br />

Passos e da casa <strong>de</strong> Cláudio Manuel da Costa, hoje residência<br />

particular. 115 A imagem do infortunado inconfi<strong>de</strong>nte é a mais arranhada<br />

<strong>de</strong> todas e sobre ela paira a dúvida das circunstâncias da sua morte. A<br />

versão oficial, como se sabe, é <strong>de</strong> que ele teria se suicidado na prisão,<br />

acovardando-se diante da pressão da <strong>de</strong>vassa. Sua conduta no seu único<br />

interrogatório, porém, não me parece ter sido especialmente<br />

<strong>de</strong>gradante. Na verda<strong>de</strong>, com exceção <strong>de</strong> Tira<strong>de</strong>ntes, não tivermos<br />

condutas particularmente intemeratas <strong>dos</strong> inconfi<strong>de</strong>ntes nas masmorras<br />

<strong>dos</strong> conventos e fortalezas on<strong>de</strong> apodreceram por três anos à espera da<br />

sentença. Mas, não vamos reduzir nossos notáveis poetas inconfi<strong>de</strong>ntes<br />

à fragmentos <strong>de</strong> suas biografias. No geral sonharam um sonho possível<br />

que acabou se revelando impossível e eles acabaram pagando muito<br />

caro por ele.<br />

Como brilhante advogado, historiador, homem público,<br />

famoso e rico, o dr. Cláudio era sem dúvida, uma figura influente em<br />

toda a capitania e entre os <strong>de</strong>mais inconfi<strong>de</strong>ntes. Não é difícil encontrar<br />

motivos para que o governador Barbacena quisesse eliminá-lo.<br />

Inclusive, ao contrário <strong>dos</strong> <strong>de</strong>mais lí<strong>de</strong>res, não foi imediatamente levado<br />

preso para o Rio <strong>de</strong> Janeiro ficando diretamente à mercê do viscon<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Barbacena. Sabe-se que ele teve que fazer arranjos para ocultar as<br />

circunstâncias da morte. O governador retardou o anúncio do suposto<br />

suicídio <strong>às</strong> autorida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Lisboa pelo menos durante <strong>de</strong>z dias, tempo<br />

que levou para convencer um <strong>dos</strong> legistas a alterar o seu laudo sobre a<br />

causa da morte. Augusto <strong>de</strong> Lima Jr. <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a tese <strong>de</strong> que Cláudio<br />

Manuel da Costa foi assassinado para silenciar-se diante do fato <strong>de</strong> que<br />

sua casa tinha sido saqueada durante sua prisão e gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

ouro tinha sido apreendida irregularmente. Informa o nosso caro<br />

historiador que o saque se esten<strong>de</strong>u à fazenda do ilustre advogado<br />

on<strong>de</strong> sete pessoas foram assassinadas, inclusive sua filha e seu genro.<br />

A tese até faria sentido pois se sabe que ele era muito rico e que o<br />

<strong>de</strong>svio <strong>de</strong> qualquer <strong>dos</strong> seus bens antes do seqüestro legal, se<br />

constituiria em grave crime contra a Coroa. Há quem acredite que a<br />

115 O segundo livro da nossa trilogia trata exclusivamente da Inconfidência Mineira.<br />

150


quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ouro extraviado tenha sido significativa pois <strong>de</strong>la fazia<br />

parte doações amealhadas para fazer face <strong>às</strong> <strong>de</strong>spesas militares do<br />

levante. Mas essa tese é contestada pois há vestígios <strong>de</strong> que seus<br />

<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes continuaram vivos após a inconfidência. Pessoalmente<br />

penso que ele foi assassinado porque sua honestida<strong>de</strong> e autorida<strong>de</strong><br />

po<strong>de</strong>riam prejudicar a manipulação que o governador queria fazer ao<br />

processo <strong>de</strong> punição <strong>dos</strong> inconfi<strong>de</strong>ntes e, principalmente, ocultar seus<br />

comprometedores rastros.<br />

Os partidários do suicídio <strong>de</strong> Cláudio Manuel da Costa ficaram<br />

felizes ao ser revelado que ele foi encontrado morto numa sala ao lado<br />

do cubículo existente sob a escadaria da Casa <strong>dos</strong> Contos e não no<br />

próprio, on<strong>de</strong> seria impossível alguém se suicidar por enforcamento,<br />

<strong>de</strong>vido a absoluta falta <strong>de</strong> espaço. Contrariando o laudo da sua morte,<br />

acreditou-se durante algum tempo, que ele tivesse ficado preso no tal<br />

cubículo e lá portanto, tivesse se suicidado. É difícil saber as<br />

circunstâncias da sua morte mas oficialmente ele se suicidou<br />

espetacularmente pren<strong>de</strong>ndo uma ponta do cadarço do calção numa<br />

prateleira e a outra no pescoço que forçou até se esganar. 116 Trata-se <strong>de</strong><br />

um verda<strong>de</strong>iro caso Herzog, em que a cena montada acabou<br />

<strong>de</strong>scaracterizando o suicídio anunciado em lugar <strong>de</strong> confirmá-lo. Ambas<br />

versões subestimam nossa inteligência. O dr. Cláudio teve que se<br />

enforcar <strong>de</strong>licadamente num frágil cordão, pressionando a nuca;<br />

Herzog teve que fazer enorme esforço para conseguir se enforcar numa<br />

corda <strong>de</strong>pendurada a um metro e meio do chão. E <strong>de</strong>pois ainda dizem<br />

que os suicidas são covar<strong>de</strong>s.<br />

Richard Burton, gran<strong>de</strong> admirador da Inconfidência Mineira<br />

como já vimos, ouviu uma história corrente em Ouro Preto por volta<br />

<strong>de</strong> 1867, <strong>de</strong> que uma parteira ao passar pelo local na madrugada do dia<br />

do <strong>de</strong>senlace para aten<strong>de</strong>r a um chamado, viu um corpo sendo<br />

arrastado por solda<strong>dos</strong> nas imediações da Casa <strong>dos</strong> Contos.<br />

Cláudio Manuel da Costa, como lí<strong>de</strong>r conhecia e como<br />

historiador certamente registrava to<strong>dos</strong> os <strong>de</strong>talhes da inconfidência. E<br />

mais, como <strong>de</strong>monstrou no interrogatório <strong>de</strong> 02 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1789,<br />

estava sendo sincero e se mostrava disposto a contar o que sabia. Ele<br />

tinha então sessenta anos e estava doente, sem nenhum ânimo para<br />

suportar torturas físicas ou mentais. Um <strong>de</strong>poimento franco lastreado<br />

116 O laudo <strong>dos</strong> legistas <strong>de</strong> fato parece altamente fantasioso.<br />

151


na sua autorida<strong>de</strong> diante <strong>dos</strong> inquiridores do vice-rei, po<strong>de</strong>ria<br />

comprometer o acobertamento que o viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Barbacena queria<br />

dar a alguns conspiradores, especialmente a João Rodrigues <strong>de</strong> Macedo<br />

o rico contratador que, a <strong>de</strong>speito <strong>dos</strong> seus evi<strong>de</strong>ntes envolvimentos<br />

com o movimento, foi <strong>de</strong>ixado <strong>de</strong> fora da <strong>de</strong>vassa. Barbacena teve<br />

especial empenho em proteger ainda José Álvares Maciel e Francisco<br />

<strong>de</strong> Paula Freire <strong>de</strong> Andrada, ambos cita<strong>dos</strong> pelo dr. Cláudio no seu<br />

<strong>de</strong>poimento como fortemente implica<strong>dos</strong> no movimento, junto ao<br />

padre Toledo, Alvarenga e Tomás Gonzaga. É interessante observar<br />

que o governador tentou proteger especialmente os militares e se<br />

Freire <strong>de</strong> Andrada, que era a maior autorida<strong>de</strong>s militar da capitania, não<br />

foi <strong>de</strong>ixado <strong>de</strong> fora foi porque seu envolvimento era por <strong>de</strong>mais<br />

comprometedor.<br />

Barbacena quis tratar a Inconfidência Mineira <strong>de</strong> modo velado e<br />

personalizado, certamente para contar com a prerrogativa <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r<br />

escolher quem <strong>de</strong>veria ou não ser punido. Seu tio Luis <strong>de</strong> Vasconcelos e<br />

Souza - o Vice-Rei - é que, ao ser informado da conspiração, aprontou<br />

o maior escândalo e mandou instalar a <strong>de</strong>vassa que <strong>de</strong>u no que <strong>de</strong>u. O<br />

fato <strong>de</strong>le ter querido livrar a cara justo <strong>dos</strong> inconfi<strong>de</strong>ntes mais ricos,<br />

torna legítimo conjeturar que ele tivesse querido usar o crime para fazer<br />

uma monumental chantagem. 117 Mas a <strong>de</strong>vassa tomou uma tal dimensão<br />

que ele per<strong>de</strong>u totalmente o controle da situação e no fim apenas João<br />

Rodrigues <strong>de</strong> Macedo, o mais rico <strong>de</strong> to<strong>dos</strong>, ficou efetivamente <strong>de</strong> fora,<br />

sobrando apenas para o seu contador.<br />

Cláudio Manuel da Costa tinha ainda contra si a ira pessoal do<br />

truculento sargento-mor José <strong>de</strong> Vasconcelos Parada e Souza, o Pa<strong>de</strong>la<br />

satirizado nas Cartas Chilenas que, naquela época, se acreditava ser sua<br />

obra indiscutível. Fato é que a quatro <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1789 o ilustre<br />

bacharel foi encontrado morto. Exatos <strong>de</strong>z dias <strong>de</strong>pois o povo<br />

amotinado tomava o presídio da Bastilha em Paris e <strong>de</strong>flagrava o início<br />

do fim das monarquias europeias.<br />

Enfim, que a morte <strong>de</strong> Cláudio Manuel da Costa foi muito conveniente,<br />

isso foi. Pelo menos por três bons motivos como vimos.<br />

117 Há quem afiance que ele sabia da existência do movimento <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o princípio. De<br />

fato, seu relacionamento com vários <strong>dos</strong> cabeças, embora <strong>de</strong> curta data (exceto<br />

Gonzaga que já o conhecia <strong>de</strong> velhos carnavais), era <strong>de</strong> uma intimida<strong>de</strong> suspeitosa.<br />

Acredito piamente nesta versão, mas essa já é uma outra história e será<br />

melhor contada no segundo livro da nossa trilogia.<br />

152


É muito provável que se a Inconfidência Mineira tivesse<br />

eclodido e suportado uma campanha <strong>de</strong> alguns meses, a ela teriam<br />

a<strong>de</strong>rido os revolucionários franceses e os americanos. 118 As chances <strong>de</strong><br />

vitória teriam sido absolutas, dada a notória fragilida<strong>de</strong> da armada<br />

portuguesa. É excitante pensar que po<strong>de</strong>ríamos ter feito uma tríplice<br />

aliança com os Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong> e a França, formando o seleto grupo<br />

das primeiras repúblicas da ida<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna. Napoleão teria liquidado a<br />

recém-nascida república francesa do mesmo jeito, mas teríamos feito<br />

uma bela parceria com o gran<strong>de</strong> irmão do norte. Por outro lado, há<br />

quem acredite que se a República das <strong>Minas</strong> Gerais tivesse vingado, ela<br />

não teria tido forças para agregar as <strong>de</strong>mais capitanias e assim o Brasil<br />

hoje não seria mais do que um conjunto <strong>de</strong> republiquetas latinoamericanas.<br />

Indispensável voltar aqui à questão da racionalida<strong>de</strong> do plano da<br />

Inconfidência Mineira e à questão militar <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>la. Isso requer<br />

pensar um pouco mais os papéis <strong>de</strong> Francisco <strong>de</strong> Paula Freire <strong>de</strong><br />

Andra<strong>de</strong> e <strong>de</strong> Joaquim José da Silva Xavier <strong>de</strong>ntro do levante. Os<br />

papéis que lhes foram atribuí<strong>dos</strong> ilustra com força a essência da<br />

estratégia militar do movimento que, <strong>de</strong> resto, é sobejamente conhecida<br />

pela História. Freire <strong>de</strong> Andrada era comandante da mais bem<br />

preparada guarnição militar do país: o Regimento <strong>dos</strong> Dragões <strong>de</strong><br />

<strong>Minas</strong>, aquartela<strong>dos</strong> na Cachoeira do Campo <strong>às</strong> portas da residência do<br />

governador, bem arma<strong>dos</strong> e permanentemente prontos para uma ação<br />

imediata. Tira<strong>de</strong>ntes era o agitador inflamado, incumbido <strong>de</strong> sublevar as<br />

guarnições <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> e do Rio <strong>de</strong> Janeiro. A junção <strong>de</strong>ssas duas forças<br />

teria indubitavelmente garantido a imposição do levante em pouco<br />

tempo. Pensando nisso faz sentido tudo que aconteceu, urdido<br />

astutamente pelo viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Barbacena: Freire <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> foi<br />

convencido a <strong>de</strong>sistir do movimento, sob promessas <strong>de</strong> não ser punido<br />

e ce<strong>de</strong>u a esse encanto. O governador efetivamente tentou cumprir sua<br />

promessa, mas inutilmente. Tira<strong>de</strong>ntes, <strong>de</strong>sfavorecido pela distância, foi<br />

isolado e encantoado no Rio sem nada po<strong>de</strong>r fazer. Talvez esses dois<br />

pontos básicos expliquem o fracasso do plano militar do movimento<br />

que se tivesse vingado, por si só po<strong>de</strong>ria ter mudado radicalmente o<br />

118 Essa possibilida<strong>de</strong> fazia parte do plano militar <strong>de</strong> alguns inconfi<strong>de</strong>ntes mas não foi<br />

suficientemente levada a sério ou não houve tempo.<br />

153


umo das coisas. No mais como dissemos, faltou tempo e sobrou<br />

<strong>de</strong>lação. E tudo acabou antes mesmo <strong>de</strong> começar.<br />

A casa do dr. Cláudio também tem a sua história. Depois da sua<br />

morte foi a leilão sendo arrematada por vil quantia pelo dr. Diogo<br />

Pereira Ribeiro <strong>de</strong> Vasconcelos, igualmente advogado e historiador. Era<br />

amigo <strong>de</strong> alguns inconfi<strong>de</strong>ntes e também não hesitou em renegá-los na<br />

<strong>de</strong>sgraça, principalmente após passar pelo susto <strong>de</strong> ser acusado <strong>de</strong> fazer<br />

parte da conspiração. Escapou <strong>de</strong> ser julgado e fez inflamado discurso<br />

em nome da Câmara <strong>de</strong> Vila Rica em regozijo pela morte do infame<br />

Tira<strong>de</strong>ntes.<br />

Recentemente a casa chegou a ser um clube noturno; que não<br />

<strong>de</strong>u certo, por conta quem sabe, do ruído inaudível mas pesado das<br />

seculares lamurias noturnas <strong>dos</strong> drs. Cláudio e Diogo.<br />

Prosseguindo rua acima, encontramos a escadaria do adro da<br />

igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Assis que se abre para uma pequena praça<br />

on<strong>de</strong> antigamente ficava o pelourinho e o mercado, hoje transformada<br />

em ponto <strong>de</strong> venda <strong>de</strong> quinquilharias <strong>de</strong> pedra sabão. 119 À esquerda da<br />

igreja há um pequeno portão e uma escadaria que <strong>de</strong>sce a uma ruela <strong>de</strong><br />

on<strong>de</strong> é possível alcançar a igreja <strong>de</strong> N. S. das Mercês e Perdões, a<br />

Mercês <strong>de</strong> Baixo. A construção <strong>de</strong>sta igreja está enriquecida por uma<br />

lenda que vamos contar mais adiante.<br />

Voltando ao adro da igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Assis, do lado<br />

oposto na atual rua Cláudio Manuel está a casa on<strong>de</strong> efetivamente<br />

morava o então ouvidor Gonzaga, nosso outro poeta inconfi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong><br />

Vila Rica, o Dirceu <strong>de</strong> Marilia, nascido em Portugal <strong>de</strong> pai brasileiro e<br />

mãe portuguesa, graduado naturalmente em Coimbra. A casa é hoje a<br />

Secretaria <strong>de</strong> Cultura do município e está aberta a visitação, valendo a<br />

pena percorrê-la e conhecer um típico casarão abastado do século<br />

XVIII, sustentado com dinheiro público para servir <strong>de</strong> moradia ao<br />

ouvidor <strong>de</strong> Vila Rica. Nela se hospedava eventualmente o terceiro<br />

gran<strong>de</strong> poeta inconfi<strong>de</strong>nte:Alvarenga Peixoto. Ali também se hospedou<br />

o padre Toledo no verão <strong>de</strong> 1788, ocasião em que Vila Rica fervilhava e<br />

cochichos <strong>de</strong> conspiração ocorriam em todo canto.<br />

119 O mercado foi <strong>de</strong>molido por volta <strong>de</strong> 1940 e o pelourinho, segundo registro <strong>de</strong><br />

Burton <strong>de</strong> 1867, foi <strong>de</strong>struído por jovens vândalos enfureci<strong>dos</strong>.<br />

154


Na casa ao lado da <strong>de</strong> Gonzaga morava a tia <strong>de</strong> Marília. Foi<br />

bisbilhotando <strong>de</strong> cima do muro que o ouvidor conheceu a sua musa.<br />

Feliz era o poeta, do quintal podia contemplar a bela Marília<br />

<strong>de</strong>spetalando flores e da janela podia acompanhar a construção da igreja<br />

<strong>de</strong> São Francisco. Depois nosso poeta, encarcerado uma semana antes<br />

da data marcada para as ansiadas bodas, foi cumprir o seu <strong>de</strong>gredo <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>z anos na África. Casou com a filha <strong>de</strong> um rico comerciante e seguiu<br />

brilhante carreira pública ou seja, apagou Vila Rica, a inconfidência e<br />

Marília da memória.<br />

Na verda<strong>de</strong> Dirceu se <strong>de</strong>cepcionou muito com a sua musa pois<br />

ela <strong>de</strong>clinou do convite para acompanhá-lo ao <strong>de</strong>gredo, alegando<br />

possíveis dificulda<strong>de</strong>s com o clima. Os biógrafos <strong>de</strong> Marília costumam<br />

justificar a negativa alegando que sua ida para a África não era<br />

legalmente possível. Fato é que ele antes <strong>de</strong> embarcar, mandou a Vila<br />

Rica um mensageiro com a proposta e ela recusou formalmente o<br />

pedido. O poeta nunca mais escreveu poesia com a mesma<br />

competência, <strong>de</strong>safinando um tanto a sua lira. Morriam então<br />

melancolicamente, Marília e Dirceu. 120<br />

A mesma sorte <strong>de</strong> Tomás Antônio Gonzaga não teve o pobre<br />

coronel Ignácio José <strong>de</strong> Alvarenga Peixoto. Não suportou mais ficar<br />

longe da sua amada, a Bárbara Bela e morreu na distante África,<br />

indigente <strong>de</strong> corpo e <strong>de</strong> espírito. 121 Ela porém não se <strong>de</strong>sesperou.<br />

Serena<strong>dos</strong> os ânimos, essa mulher forte <strong>de</strong> bom sangue paulista buscou<br />

uma parceria com João Rodrigues <strong>de</strong> Macedo, tocou muito bem sua<br />

fazenda no Rio Ver<strong>de</strong>, criou os filhos com dignida<strong>de</strong> e morreu em São<br />

Gonçalo do Sapucaí um tanto <strong>de</strong>mente, mas sempre Bárbara e sempre<br />

Bela.<br />

Por outro lado, na versão <strong>de</strong> Richard Burton, d. Maria<br />

Dorotheia Joaquina <strong>de</strong> Seixas <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser Marília e com um<br />

pragmatismo inesperado para uma musa imorredoura do século XVIII,<br />

120 Os poemas do apaixonado poeta só foram publica<strong>dos</strong> quando ele já estava no<br />

exílio e só se tornaram efetivamente populares após a sua morte. Sem querer ser<br />

muito cruel, me parece bem possível que esse amor não fosse <strong>de</strong> fato, tão arrebatador<br />

e que Marília só assumiu verda<strong>de</strong>iramente seu papel <strong>de</strong> musa quando já era uma<br />

irremediável solteirona.<br />

121 A maioria <strong>dos</strong> inconfi<strong>de</strong>ntes morreu no <strong>de</strong>gredo na mais absoluta indigência,<br />

ampara<strong>dos</strong> pela carida<strong>de</strong> pública.<br />

155


casou-se com o dr. Queiroga e encheu-lhe a casa com três pimpolhos.<br />

Burton que, como se recorda, esteve em Vila Rica cerca <strong>de</strong> quinze anos<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> sua morte, conta que ela era então conhecida respeitosamente<br />

como “a mãe do dr. Queiroga”. Essa versão confusa se baseia em<br />

maledicências que, <strong>de</strong> fato circulavam em Ouro Preto em mea<strong>dos</strong> do<br />

século XIX. Segundo as más línguas que medravam e medram na Ponte<br />

do Cochicho, o rapaz que Marília criara (o dr. Queiroga) era seu filho<br />

e não <strong>de</strong> sua irmã Emerenciana. Ela realmente não só custeou os<br />

estu<strong>dos</strong> <strong>de</strong> medicina do sobrinho como ainda legou a ele e a outra<br />

sobrinha to<strong>dos</strong> os seus bens. Mas a musa do poeta era respeitadíssima<br />

em Vila Rica e quando da proclamação da in<strong>de</strong>pendência em 1822, o<br />

povo acorreu a sua casa e a ovacionou entusiasticamente vendo nela um<br />

símbolo legítimo da memória <strong>dos</strong> inconfi<strong>de</strong>ntes. Então quase to<strong>dos</strong> eles<br />

já estavam mortos. O padre Rolim, <strong>de</strong> volta a Diamantina <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />

anos preso em Portugal, ainda continuaria lutando alguns anos para<br />

reaver os seus bens seqüestra<strong>dos</strong> pela Coroa, o que acabou conseguindo<br />

já no período do Brasil Império.<br />

Marília <strong>de</strong> Dirceu morreu em 1853, com oitenta e cinco anos,<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> curtir, por mais <strong>de</strong> cinqüenta anos a gloriosa condição <strong>de</strong><br />

musa do poeta-inconfi<strong>de</strong>nte, que por sinal já estava morto <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1809.<br />

Era reconhecida nas ruas e muita gente vinha <strong>de</strong> longe só para vê-la.<br />

Ditoso século XVIII, em que as musas literárias eram ídolos populares<br />

a arrancar muxoxos invejosos <strong>de</strong> donzelas indolentes.<br />

Subindo um pouco mais a rua Cláudio Manuel chega-se ao<br />

platô da imponente praça Tira<strong>de</strong>ntes. O local é ponto obrigatório <strong>de</strong><br />

tráfego turístico on<strong>de</strong> encontramos cornucópias <strong>de</strong> guias, táxis e<br />

indicações <strong>de</strong> restaurantes <strong>de</strong> comidas típicas mineiras, to<strong>dos</strong><br />

invariavelmente sofríveis. Uma dica aos meus caros leitores: salvo<br />

honrosas exceções, os melhores restaurantes <strong>de</strong> Ouro Preto são os <strong>dos</strong><br />

hotéis.<br />

Pela praça passam os ônibus urbanos que percorrem os bairros<br />

mais afasta<strong>dos</strong>, alguns <strong>dos</strong> quais merecem ser visita<strong>dos</strong>. O interessante é<br />

ir ao subúrbio <strong>de</strong> ônibus e voltar a pé reparando nos <strong>de</strong>talhes. Tome<br />

cuidado com o local exato <strong>de</strong> tomar o ônibus pois dois veículos com a<br />

mesma i<strong>de</strong>ntificação e que vão na mesma direção, não vão<br />

necessariamente para o mesmo lugar. Exemplo: se você quiser ir para o<br />

bairro do Padre Faria pegue o ônibus “Padre Faria” no meio da praça e<br />

156


não ao lado do museu . Eles vão se cruzar mas enquanto o primeiro vai<br />

efetivamente para o bairro o segundo vai para a rodoviária.<br />

É falsa a informação <strong>de</strong> que a cabeça <strong>de</strong> Tira<strong>de</strong>ntes ficou<br />

exposta no alto do obelisco que hoje sustenta a sua estátua, posto que o<br />

mesmo então nem existia. Sabe-se que ela ficou fincada num poste mas<br />

o local exato é controvertido. Há quem diga que ela ficou presa, não<br />

numa estaca e sim num suporte fixado numa casa, na esquina da praça<br />

com a rua Direita ou Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Boba<strong>de</strong>la. O monumento, assim como<br />

o museu, foi erigido mais tar<strong>de</strong>. Quando Richard Burton visitou a praça<br />

observou que no alto do obelisco não havia nada e que não tinha<br />

sentido não ter ali uma estátua <strong>de</strong> uma figura histórica ou mesmo <strong>de</strong> um<br />

índio. Na verda<strong>de</strong> o monumento que Burton viu teve vida efêmera e foi<br />

<strong>de</strong>molido para dar lugar àquele que hoje se vê. O primeiro obelisco foi<br />

construído poucos meses antes da visita do cônsul inglês, no local<br />

exato on<strong>de</strong> se erguia a estaca que teria sustentado a cabeça <strong>de</strong><br />

Tira<strong>de</strong>ntes por uns dias. Em sua base foi encerrado um cofre contendo<br />

vários objetos, inclusive obras <strong>de</strong> Alvarenga Peixoto, Tomás Antônio<br />

Gonzaga e Cláudio Manuel da Costa. Vinte e cinco anos <strong>de</strong>pois, o<br />

monumento foi consi<strong>de</strong>rado <strong>de</strong>masiadamente mo<strong>de</strong>sto e se lançou a<br />

pedra fundamental do atual, que acabou sendo inaugurado por Afonso<br />

Pena em 1894. Quando da <strong>de</strong>molição do antigo obelisco, poucos dias<br />

antes da inauguração do novo, resgatou-se o cofre e os papeis ali<br />

encerra<strong>dos</strong>, um quarto <strong>de</strong> século antes, estavam inteiramente<br />

<strong>de</strong>struí<strong>dos</strong>, exceto a capa <strong>de</strong> uma edição do Marilia <strong>de</strong> Dirceu cujas letras,<br />

bordadas a ouro, se mantiveram preservadas. Como o atual<br />

monumento foi construído antes da <strong>de</strong>molição do obelisco primitivo,<br />

ele não está erigido no exato local em que, segundo uns, foi exibida a<br />

cabeça <strong>de</strong> Joaquim José da Silva Xavier.<br />

O antigo monumento homenageava a to<strong>dos</strong> os inconfi<strong>de</strong>ntes,<br />

inclusive estampando o nome <strong>de</strong> cada um <strong>de</strong>les. O atual homenageia<br />

apenas a Tira<strong>de</strong>ntes e, um tanto ina<strong>de</strong>quadamente, a Bárbara Eliodora.<br />

A estátua do Mártir da In<strong>de</strong>pendência dá as costas ao palácio<br />

<strong>dos</strong> governadores, símbolo da opressão no passado e hoje a centenária<br />

Escola <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Ouro Preto. Foi aqui que<br />

nosso João Bosco natural da vizinha cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ponte Nova, estudou<br />

mas não chegou a se formar e preferiu compor e cantar no Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro, para felicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> to<strong>dos</strong> nós. Ao lado <strong>de</strong> outro mineiro - esse<br />

157


<strong>de</strong> Ubá, Ari Barroso - forma a dupla <strong>dos</strong> maiores sambistas do Brasil<br />

em to<strong>dos</strong> os tempos.<br />

Na escola também funciona um museu, on<strong>de</strong> po<strong>de</strong>m ser vistas<br />

interessantes curiosida<strong>de</strong>s mineralógicas. Na construção do palácio em<br />

1743, trabalharam, como empreiteiro o nosso Manuel Francisco Lisboa<br />

e como arquiteto José Fernan<strong>de</strong>s Pinto Alpoin que trabalhou também<br />

na igreja do Convento <strong>de</strong> São Francisco do Rio <strong>de</strong> Janeiro e que<br />

projetou o traçado urbano <strong>de</strong> Mariana e <strong>de</strong> Barbacena.<br />

À frente <strong>de</strong> Tira<strong>de</strong>ntes está o Museu da Inconfidência que<br />

ocupa a antiga ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> on<strong>de</strong> a glorificação <strong>dos</strong> inconfi<strong>de</strong>ntes roubou a<br />

função <strong>de</strong> prisão, num gesto simbólico <strong>de</strong> libertação, inda que tardia. O<br />

museu foi instalado em 1944 por inspiração <strong>de</strong> Augusto <strong>de</strong> Lima Jr. 122<br />

Seu primeiro diretor foi o cônego Raimundo Trinda<strong>de</strong>, autor <strong>de</strong><br />

preciosas obras. Entre elas, várias memórias históricas sobre as <strong>igrejas</strong><br />

da Diocese <strong>de</strong> Mariana, que no século XVIII abrangia praticamente<br />

toda a capitania das <strong>Minas</strong> Gerais.<br />

Interessante observar que o projeto do prédio, ou pelo menos o<br />

esboço da i<strong>de</strong>ia, é do odiado governador Luiz da Cunha Menezes. Foi<br />

ele o <strong>de</strong>safeto <strong>dos</strong> inconfi<strong>de</strong>ntes, <strong>de</strong>stinatário das farpas das Cartas<br />

Chilenas hoje tida como obra indiscutível <strong>de</strong> Tomás Antônio Gonzaga,<br />

sob o pseudônimo <strong>de</strong> Critilo. No museu - ao lado <strong>de</strong> obras <strong>de</strong><br />

Aleijadinho e Ataí<strong>de</strong>, documentos e objetos diversos - está o Panteão<br />

<strong>dos</strong> Inconfi<strong>de</strong>ntes. Trata-se <strong>de</strong> imponente e solene salão on<strong>de</strong> sob a luz<br />

simbólica da liberda<strong>de</strong> repousam gloriosos, finalmente juntos para<br />

sempre: Marilia e Dirceu, Alvarenga Peixoto e Bárbara Eliodora. 123<br />

Chamar <strong>de</strong> “ca<strong>de</strong>ia” o magnífico edifício do museu é um tanto<br />

<strong>de</strong>sairoso. Mas foi para isso mesmo que ele foi originalmente criado em<br />

1746. Neste ano houve a arrematação da obra. Mas o prédio não saiu<br />

do chão. Só por volta <strong>de</strong> 1788 é que a construção começou <strong>de</strong> fato. Foi<br />

122 O caro mestre registra em um apêndice da sua história <strong>de</strong> <strong>Minas</strong>, sua mágoa por<br />

não ter sido, sequer convidado, para a solenida<strong>de</strong> <strong>de</strong> inauguração do museu.<br />

123 Pairam dúvidas sobre os restos mortais ali existentes: Gonzaga e Alvarenga Peixoto<br />

morreram e foram enterra<strong>dos</strong> na áfrica e como se quer acreditar, <strong>de</strong>pois translada<strong>dos</strong><br />

<strong>de</strong> volta. Bárbara Eliodora expressamente não está enterrada ali e Marília teria sido<br />

trasladada da Matriz <strong>de</strong> Antônio Dias, porém, segundo Burton quando foram<br />

exumar seus restos encontraram apenas uma tíbia que talvez nem fosse <strong>de</strong>la.<br />

158


quando o governador Cunha Menezes andou retocando o projeto e<br />

botando os presos para trabalhar na obra, sob os olhares críticos <strong>de</strong><br />

Tomás Antônio Gonzaga, como ele registrou magistralmente nas<br />

Cartas Chilenas. Com certeza o inconfi<strong>de</strong>nte Domingos <strong>de</strong> Abreu<br />

Vieira e seu colega Francisco Antônio <strong>de</strong> Oliveira Lopes estavam entre<br />

os primeiros <strong>de</strong>safortuna<strong>dos</strong> que foram ali encerra<strong>dos</strong>. Então o prédio<br />

não tinha passado do estágio <strong>de</strong> uma mo<strong>de</strong>sta enxovia <strong>de</strong> quatro<br />

pare<strong>de</strong>s. E assim permaneceu pelo menos até 1828 quando o<br />

governador se queixou à Assembleia Provincial a propósito do<br />

lastimável estado da ca<strong>de</strong>ia ainda inacabada e já em ruínas. Então já<br />

tinha passado mais <strong>de</strong> oitenta anos do início do projeto. Acontece que<br />

tinha havido muita corrupção com o empreendimento, com histórias <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>svio <strong>de</strong> dinheiro e material ao longo <strong>de</strong> to<strong>dos</strong> aqueles anos. Volta e<br />

meia alguém pensava em dar andamento ao projeto dando fim à<br />

persistente malversação. O bem finalmente triunfou ali pelos mea<strong>dos</strong><br />

do século XIX. Esse retardo é que acabou dando aquelas pinceladas<br />

neoclássicas que vemos no edifício hoje, a encher <strong>de</strong> nobreza a<br />

imponente praça. Mas pouca gente se dá conta da singular aventura da<br />

sua construção.<br />

Ao lado do museu está a escadaria que dá acesso ao adro da<br />

igreja <strong>de</strong> Nossa Senhora do Carmo. Atrás da mesma - instalado na<br />

antiga Casa do Noviciado, construção <strong>de</strong> 1753, adaptada com total<br />

proprieda<strong>de</strong> para tal - está o precioso Museu do Oratório. Possui um<br />

raro acervo composto <strong>de</strong> oratórios <strong>de</strong> várias épocas, tamanhos e<br />

formatos, formado paciente e amorosamente por Ângela Gutierrez ao<br />

longo <strong>dos</strong> anos e abnegadamente doado à humanida<strong>de</strong>. À frente do<br />

adro da igreja, num plano mais baixo, está um pequeno largo on<strong>de</strong> se<br />

acha a Casa da Ópera, teatrinho simpático que se rivaliza ao <strong>de</strong> Sabará<br />

e que merece ser visitado. Saint-Hilaire assistiu a uma peça nele em<br />

1816 e observou que quase to<strong>dos</strong> os atores eram mulatos, <strong>de</strong>vidamente<br />

clarea<strong>dos</strong> com pesada maquiagem.<br />

Visitado o teatrinho o melhor é voltar à praça pois o acesso ao<br />

arraial do Ouro Preto que não seja pela ponte da Casa <strong>dos</strong> Contos, é<br />

um tanto mais complicado.<br />

Da praça, pelo lado oposto <strong>de</strong> on<strong>de</strong> viemos, passa-se ao lado da<br />

Escola <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> e se acessa a igreja <strong>de</strong> N. S. das Mercês e Misericórdia,<br />

a Mercês <strong>de</strong> Cima. Deixando a praça, pela primeira rua após o adro da<br />

159


igreja, <strong>de</strong>scendo uma la<strong>de</strong>ira mediana com o hotel <strong>de</strong> Niemayer 124 à<br />

direita, alcança-se a rua São José antes da qual está o chafariz <strong>dos</strong><br />

Contos com sua inscrição pomposa on<strong>de</strong> Richard Burton encontrou<br />

um erro gramatical e observou que a água era melhor do que o latim. 125<br />

Uma outra opção, partindo da praça Tira<strong>de</strong>ntes, rumo à<br />

paróquia do Ouro Preto, é <strong>de</strong>scer pela rua Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Boba<strong>de</strong>la. No<br />

meio do quarteirão, do lado esquerdo, vamos encontrar uma famosa<br />

casa. Nela morou o tenente-coronel Francisco <strong>de</strong> Paula Freire <strong>de</strong><br />

Andrada. O atual nome da rua até po<strong>de</strong> ter sido colocado em sua<br />

homenagem. Ele era sobrinho do primeiro con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Boba<strong>de</strong>la e filho<br />

do segundo. Mas não chegaria a ser o terceiro con<strong>de</strong> nem que não<br />

tivesse sido con<strong>de</strong>nado pelo crime da inconfidência pois era filho<br />

bastardo. Na sua casa se realizaram várias reuniões conspiratórias,<br />

inclusive a famosa reunião <strong>de</strong> 26 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1788 quando foram<br />

aprova<strong>dos</strong> os planos finais do levante.<br />

Seguindo em frente e virando à direita, encontramos a já citada<br />

Casa <strong>dos</strong> Contos. Trata-se <strong>de</strong> uma construção suntuosa <strong>de</strong> 1788,<br />

bancada pelo também já citado, rico contratador <strong>de</strong> impostos João<br />

Rodrigues <strong>de</strong> Macedo e que foi cedida para servir <strong>de</strong> prisão para os<br />

inconfi<strong>de</strong>ntes e patíbulo para Cláudio Manuel da Costa. Provavelmente<br />

o viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Barbacena escolheu a casa <strong>de</strong> Macedo para consumar seu<br />

plano <strong>de</strong> livrar a cara do contratador <strong>de</strong> ser incriminado na <strong>de</strong>vassa <strong>dos</strong><br />

inconfi<strong>de</strong>ntes. Ele, apesar <strong>de</strong> estar envolvido até o pescoço 126 como<br />

dito, <strong>de</strong> fato ficou livre. Alguns anos <strong>de</strong>pois, porém, a Coroa tomou-lhe<br />

124 O projeto do nosso arrojado arquiteto, foi muito criticado por incrustar retilíneas<br />

mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>s nas vetustas rugas <strong>de</strong> Ouro Preto e, dialética à parte, me incluo entre<br />

esses críticos. Mas para quem gosta do padrão americano <strong>de</strong> hospedagem como eu,<br />

ele é a melhor opção da cida<strong>de</strong> com suas amplas e arejadas suítes e uma garagem <strong>de</strong><br />

acesso honestíssimo que dispensa a ajuda <strong>de</strong> um manobrista legitimamente<br />

ouropretano. Foi construído no local on<strong>de</strong> antigamente ficava o quartel do Regimento<br />

da Cavalaria <strong>dos</strong> Dragões <strong>de</strong> <strong>Minas</strong>.<br />

125 Na verda<strong>de</strong> a inscrição latina transcrita por Burton em seu livro, não confere com<br />

a original que hoje está bastante ilegível e aparentemente, assim já estava na época em<br />

que ele por aqui passou .<br />

126 Junto com Joaquim Silvério <strong>dos</strong> Reis entre outros, ela fazia parte da ala <strong>dos</strong><br />

contratadores endivida<strong>dos</strong> da inconfidência.<br />

160


a casa para saldar sua enorme dívida. Hoje é um museu fazendário.<br />

Visita obrigatória sim, mas mais pela construção e pelo significado<br />

histórico do que pelo acervo exposto. Tem, contudo, uma valiosa<br />

biblioteca e uma interessante sala <strong>de</strong> exposição <strong>de</strong> moedas on<strong>de</strong> está<br />

fartamente ilustrada a fantástica corrosão do dinheiro do Brasil. Bem<br />

po<strong>de</strong>ria ser chamada <strong>de</strong> “Sala da Inflação”.<br />

Antigamente a Casa <strong>dos</strong> Contos se chamava “Casa do<br />

Contrato”. Macedo – seu abastado dono - era famoso e fausto anfitrião<br />

e gostava <strong>de</strong> um carteado, especialmente com seu compadre Alvarenga<br />

Peixoto. Aqui aconteceram várias conversas conspiratórias envolvendo<br />

ilustres inconfi<strong>de</strong>ntes.<br />

Bem em frete à Casa <strong>dos</strong> Contos está a casa on<strong>de</strong> morava o<br />

tenente-coronel Domingos <strong>de</strong> Abreu Vieira, outro ilustre conspirador.<br />

Ali esteve hospedado o padre Rolim em <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1788 e rolou<br />

muito bate-papo subversivo que contou também com a participação <strong>de</strong><br />

Freire <strong>de</strong> Andrada e naturalmente, do inflamado Tira<strong>de</strong>ntes.<br />

Ao lado funcionava a se<strong>de</strong> da Junta da Fazenda da capitania e<br />

no piso superior morava o Procurador da Coroa, o inten<strong>de</strong>nte<br />

Ban<strong>de</strong>ira. Ele era muito amigo <strong>dos</strong> inconfi<strong>de</strong>ntes mas não quis saber <strong>de</strong><br />

participar daquela aventura perigosa.<br />

Evite as exposições <strong>de</strong> quadros na sala térrea da Casa <strong>dos</strong><br />

Contos e entre direto na rua que leva à ponte e <strong>de</strong>pois emenda com a<br />

via on<strong>de</strong> morou o alferes Tira<strong>de</strong>ntes e nasceu o poeta Alphonsus <strong>de</strong><br />

Guimarães. Este teve a sorte <strong>de</strong> não nascer no século XVIII e assim ter<br />

se livrado da tentação <strong>de</strong> ser também um poeta inconfi<strong>de</strong>nte. Preferiu<br />

viver e morrer em Mariana, on<strong>de</strong> a casa on<strong>de</strong> morou está hoje aberta à<br />

visitação. 127<br />

Como se lembra, a sentença <strong>dos</strong> inconfi<strong>de</strong>ntes previa que a casa<br />

<strong>de</strong> Tira<strong>de</strong>ntes fosse arrasada e suas terras salgadas para que nada mais<br />

ali nascesse. Isso <strong>de</strong> fato aconteceu mas o dono teve que ser in<strong>de</strong>nizado<br />

pois a casa era alugada. Saint-Hilaire menciona ter visto o marco que ai<br />

foi colocado execrando o ato do herói. Mas o sal não funcionou por<br />

127 O poeta também viveu em Conceição do Serro, on<strong>de</strong> foi juiz e sustentou um<br />

jornalzinho durante algum tempo.<br />

161


muito tempo e foi possível reconstruir a casa e colocar nela uma placa<br />

indicativa, como hoje se vê. Burton, na sua sempre original versão,<br />

menciona que apenas uma parte da casa foi <strong>de</strong>struída e foi aí que<br />

assentaram o marco da execração. As casas <strong>de</strong> Cláudio Manuel da Costa<br />

e Tomás Antônio Gonzaga hoje aí estão para serem vistas, exatamente<br />

como eram. Enfim, no geral as casas <strong>dos</strong> inconfi<strong>de</strong>ntes foram à hasta<br />

pública. Mas sobrou poucos troca<strong>dos</strong> para a Coroa embolsar pois elas<br />

foram vendidas a baixos preços, a arrematadores cuida<strong>dos</strong>amente<br />

escolhi<strong>dos</strong> cuja habilitação velada para participar do leilão exigia do<br />

candidato ter prestado algum servicinho contra o movimento.<br />

Seguindo a rua São José, no seu final nos <strong>de</strong>paramos com um<br />

pequeno alargamento antigamente chamado <strong>de</strong> largo da Alegria. À<br />

esquerda está a ruas das Escadinhas, uma rua estreita que, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />

cruzar com a rua da mo<strong>de</strong>sta Capela do Bonfim, vai dar na matriz do<br />

Pilar e seu interessante museu. Consta que havia um oratório <strong>de</strong>dicado<br />

a N. S. da Guia no antigo largo, na esquina da rua das escadinhas, mas<br />

hoje não há qualquer vestígio do mesmo.<br />

Continuando ainda, no sentido leste, após passar pelo chafariz<br />

do Bonfim e a ponte Seca, damos no largo da igreja do Rosário.<br />

Esquecendo o largo e seguindo reto passamos a ponte do Caquen<strong>de</strong> e,<br />

após um aclive relativamente suave para os padrões ouropretanos,<br />

vamos encontrar a igreja <strong>de</strong> São Miguel e Almas/Bom Jesus <strong>de</strong><br />

Matosinhos e o Colégio Diocesano do Bairro das Cabeças que era por<br />

on<strong>de</strong> se entrava em Vila Rica antigamente, vindo do Rio <strong>de</strong> Janeiro e<br />

São Paulo. Voltando ao largo da igreja do Rosário, ao norte há uma<br />

ruela, infelizmente <strong>de</strong> aclive já não tão suave. Por ela alcançamos a<br />

igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula, a Chico <strong>de</strong> Cima e um pouco mais<br />

abaixo, a igreja <strong>de</strong> São José <strong>de</strong> on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>sce <strong>de</strong> volta à Casa <strong>dos</strong><br />

Contos e ao hotel do Niemayer <strong>de</strong> cuja varanda se po<strong>de</strong> contemplar<br />

uma serena Ouro Preto ao cair da tar<strong>de</strong>.<br />

Existem muitas variantes mas esse – entre tantos disponíveis<br />

por aí - é o meu mo<strong>de</strong>sto roteiro básico <strong>de</strong> Ouro Preto: do Padre Faria,<br />

passando por Antônio Dias, até o Ouro Preto propriamente dito. Isso<br />

era Vila Rica que, natureza exclusa, levou basicamente cerca <strong>de</strong> cem<br />

anos para ser construída e sobrevive há trezentos ainda que muita<br />

162


<strong>de</strong>struição tenha ocorrido e ameaças permaneçam. 128 Assim, é uma<br />

insensibilida<strong>de</strong> querer trilhá-lo apenas em um par <strong>de</strong> dias ou em uma<br />

única viagem. Ouro Preto pe<strong>de</strong> e merece paciência, respeito e habitual<br />

visitação. Por isso, corteje-a e aproveite.<br />

E os viajantes do passado?<br />

To<strong>dos</strong> os nossos amigos viajantes do século XIX que tão<br />

fielmente nos têm acompanhado, aqui estiveram e muito registraram<br />

sobre a Vila Rica <strong>de</strong> então e essencialmente, ainda <strong>de</strong> hoje. Algumas <strong>de</strong><br />

suas observações já salpicamos em um ou outro lugar <strong>de</strong>ste livro mas<br />

ainda há muito mais material interessante.<br />

George Gardner, habitualmente lacônico continuou a sê-lo e<br />

gastou pouca tinta em Vila Rica e como não po<strong>de</strong>riam <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser,<br />

foram Saint-Hilaire e Burton os que mais escarafuncharam a vila. O<br />

naturalista francês a<strong>de</strong>ntrou Vila Rica no dia 26 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1816,<br />

para uma estada <strong>de</strong> <strong>de</strong>zoito dias, 129 como hóspe<strong>de</strong> ilustre do não menos<br />

ilustre e prestigiado barão <strong>de</strong> Eschwege, então prestando serviços à<br />

Coroa Portuguesa. Esteve no teatro, nas <strong>igrejas</strong>, nas minas e participou<br />

<strong>de</strong> uma recepção no palácio do governador cuja arquitetura consi<strong>de</strong>rou<br />

pretensiosa e <strong>de</strong> mau gosto. Elogiou, contudo, as maneiras das damas<br />

presentes à recepção, ressalvado, porém, o fato que muita o<br />

incomodava, <strong>de</strong> que elas não se escandalizavam diante da tal dança<br />

in<strong>de</strong>cente que os negros gostavam <strong>de</strong> dançar e os brancos <strong>de</strong> admirar.<br />

Lamentou que na vila não tivesse passeio público, biblioteca ou<br />

gabinete literário, emendando que as únicas distrações locais eram os<br />

prazeres grosseiros e as pequenas intrigas. Aos pintores <strong>de</strong> <strong>igrejas</strong><br />

chamou <strong>de</strong> “miseráveis borradores”, embora não escon<strong>de</strong>sse admiração<br />

diante <strong>de</strong> um ou outro <strong>de</strong>talhe <strong>dos</strong> templos <strong>de</strong> Vila Rica. 130 Lamentou<br />

128 Uma absurda ameaça à integrida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ouro Preto são as folias <strong>de</strong> carnaval, que as<br />

autorida<strong>de</strong>s resistem em afastar do centro histórico por pressão <strong>dos</strong> comerciantes que<br />

vivem do turismo. Isso é <strong>de</strong> uma burrice monumental pois a verda<strong>de</strong>ira sustentação<br />

turística da cida<strong>de</strong> é o seu patrimônio histórico e arquitetônico que é o que atrai gente<br />

durante todo o ano.<br />

129 Ele voltou a Vila Rica quase dois anos <strong>de</strong>pois, mas pouco registrou <strong>de</strong>sta segunda<br />

passagem.<br />

130 Quando ele aqui esteve, Ataí<strong>de</strong> estava em plena ativida<strong>de</strong> e ainda nem tinha<br />

pintado a Santa Ceia do Caraça.<br />

163


que a Santa Casa estivesse quase arruinada e que os mineiros gastassem<br />

dinheiro com <strong>igrejas</strong> inúteis em lugar <strong>de</strong> investir em obras <strong>de</strong><br />

benemerência. Confundiu as matrizes <strong>de</strong> N. S. da Conceição e do Pilar,<br />

dizendo que a primeira era a matriz <strong>de</strong> Ouro Preto e a segunda a <strong>de</strong><br />

Antônio Dias. Transformou a Inconfidência Mineira literalmente num<br />

convescote, explicando aos seus leitores europeus que ela se resumiu a<br />

um almoço on<strong>de</strong> o pessoal bebeu <strong>de</strong>mais e exagerou nas críticas ao<br />

regime, tendo sua imprudência chegado aos ouvi<strong>dos</strong> do viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Barbacena que reagiu iradamente. 131 Enfim o nosso sábio estava<br />

visivelmente mau-humorado quando esteve em Vila Rica. A única coisa<br />

que fez elogios irrestritos foi com relação a qualida<strong>de</strong> da água, porém<br />

criticou os chafarizes.<br />

Richard Burton, ao contrário, sempre bem humorado, se abriu<br />

mais aos encantos da cida<strong>de</strong>. No seu tempo, pleno segundo reinado, o<br />

assunto da Inconfidência já <strong>de</strong>ixara <strong>de</strong> ser tão proibido e os políticos<br />

com quem teve contato em sua visita – muitos <strong>dos</strong> quais, bons<br />

republicanos - o encheram <strong>de</strong> entusiasmo pelo movimento. Várias são<br />

as observações interessantes que fez sobre a conspiração, algumas das<br />

quais já mencionamos. Claro que Burton não é propriamente uma fonte<br />

autorizada sobre a Inconfidência Mineira e <strong>de</strong> fato fez muita confusão,<br />

inclusive levando Cláudio Manuel da Costa a dar corajosos<br />

<strong>de</strong>poimentos coisa que, certamente, nunca aconteceu. Cita uma<br />

versão 132 que ouviu, inclusive na região do São Francisco, <strong>de</strong> que o<br />

responsável pelo aviso aos inconfi<strong>de</strong>ntes, alertando que o movimento<br />

havia sido <strong>de</strong>scoberto, foi o irmão Lourenço – o do Caraça. Suas<br />

131 A incrível redução que Saint-Hilaire fez da Inconfidência mineira apenas vinte e<br />

sete anos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>la ter acontecido, ilustra como o movimento ainda era tratado pela<br />

Coroa Portuguesa naquele tempo. Vale lembrar que então o Brasil ainda era um vicereino<br />

português e que o sábio francês viajava sob proteção especial <strong>de</strong>ste mesmo<br />

Governo.<br />

É provável que a versão <strong>de</strong> Saint-Hilaire tenha se baseado no acontecido na<br />

festa <strong>de</strong> batizado <strong>dos</strong> filhos <strong>de</strong> Alvarenga Peixoto em São José <strong>de</strong>l Rei. De fato, nesse<br />

dia a turma bebeu muito, ameaçou cortar cabeças <strong>de</strong> po<strong>de</strong>rosos, Bárbara Eliodora<br />

quase virou rainha e o Padre Toledo quase virou papa.<br />

132 Compartilhada também por Augusto <strong>de</strong> Lima Jr.<br />

164


eferências, <strong>de</strong> toda forma, valem como curiosa ilustração da tradição<br />

oral sobre o movimento, ainda viva em mea<strong>dos</strong> do século XIX.<br />

O diplomata inglês entrou na cida<strong>de</strong> pelo caminho <strong>de</strong> Mariana e<br />

a primeira construção que chamou sua atenção foi a igreja do Alto da<br />

Cruz que comparou a um “Frankenstein ameaçador e gigantesco”.<br />

Hospedou-se na casa <strong>de</strong> um certo comendador Paula Santos a quem<br />

intitulou “Hospe<strong>de</strong>iro e Recebedor Geral <strong>dos</strong> Ingleses em Ouro Preto”<br />

e que, pela sua <strong>de</strong>scrição, <strong>de</strong>via ficar perto da igreja do Pilar, próximo<br />

ao ribeirão do Ouro Preto. O primeiro passeio foi pela rua São José,<br />

com passagem pela casa <strong>de</strong> Tira<strong>de</strong>ntes que chamou <strong>de</strong> “patriota” e<br />

comentou que a cida<strong>de</strong> tinha razão <strong>de</strong> ter orgulho <strong>de</strong>le.<br />

Seu roteiro seguiu basicamente aquele que hoje ainda fazemos:<br />

<strong>igrejas</strong>,casarões, prédios públicos, chafarizes. Próximo à rua Direita,<br />

informa Burton se situar o melhor hotel da cida<strong>de</strong>: o “Quatro<br />

Nações”, pertencente a um francês. Sobre o interior da igreja do Pilar<br />

fez uma <strong>de</strong>scrição minuciosa com base em informações <strong>de</strong> sua mulher<br />

Isabel que, como católica fervorosa que era, não <strong>de</strong>ixava <strong>de</strong> visitar os<br />

templos e até i<strong>de</strong>ntificar a imaginária com alguma competência. 133 Na<br />

Casa <strong>dos</strong> Contos, chamou sua atenção a gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

funcionários públicos ociosos. No Palácio não <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ganhar a<br />

tradicional carta <strong>de</strong> recomendação com que o governo mineiro<br />

costumava facilitar as viagens <strong>dos</strong> estrangeiros ilustres pela província. A<br />

visita à ca<strong>de</strong>ia, atual Museu da Inconfidência, serviu para Burton<br />

registrar uma piada corrente na época entre os próprios ouropretanos,<br />

<strong>de</strong> que as únicas coisas boas da cida<strong>de</strong> eram a água e a ca<strong>de</strong>ia.<br />

Encontrou ali presos, quatrocentos e cinqüenta e quatro homens e doze<br />

133 Não posso <strong>de</strong>ixar passar aqui a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> transcrever um pedaço do<br />

surpreen<strong>de</strong>nte prefácio que Isabel Burton, <strong>de</strong>positária da incumbência <strong>de</strong> provi<strong>de</strong>nciar<br />

a publicação da memória da <strong>Viagem</strong> <strong>dos</strong> Burton ao Brasil, escreveu em 1868 para a<br />

primeira edição do livro: “É tempo, portanto, para respeitosa mas firmemente, afirmar<br />

que, embora eu aceite com orgulho a tarefa que me foi confiada (...), protesto, com<br />

veemência, contra os seus (<strong>de</strong> Burton) sentimentos religiosos e morais, em <strong>de</strong>sacordo<br />

com uma vida plena <strong>de</strong> correção. Chamo a atenção indignada, particularmente para a<br />

maneira <strong>de</strong>turpada <strong>de</strong> se referir a nossa Santa Igreja Católica Romana (...)”.<br />

Na verda<strong>de</strong> as relações do casal sempre foram um tanto estranhas para quem<br />

olha <strong>de</strong> longe. Sabe-se que <strong>de</strong>pois da norte do marido, Isabel, impelida por um furor<br />

religioso absolutamente irracional, <strong>de</strong>struiu muitos <strong>dos</strong> originais <strong>dos</strong> livros que ele<br />

produziu no fim da vida e que ela consi<strong>de</strong>rava imorais, com potencial para conspurcar<br />

a memória do velho Burton.<br />

165


mulheres. Visitou também a Casa da Ópera cujo estilo chamou <strong>de</strong><br />

“<strong>de</strong>mocrático” como o <strong>dos</strong> teatros que visitou nos Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong>. Fez<br />

piada com o nome da guarda <strong>de</strong> Ouro Preto dizendo que o nome <strong>de</strong><br />

“Guarnição Fixa” não era apropriado já que ela não estava na cida<strong>de</strong>,<br />

tendo se <strong>de</strong>slocado para participar da Guerra no Paraguai. Fez uma<br />

gran<strong>de</strong> confusão misturando particularida<strong>de</strong>s das casas <strong>de</strong> Cláudio<br />

Manuel da Costa e <strong>de</strong> Tomáz Antônio Gonzaga. De qualquer forma,<br />

notou que a casa do dr. Cláudio não ostentava nenhuma inscrição<br />

<strong>de</strong>stacando a sua condição e propôs: Vita dignissimus est, quique morte sua<br />

patrie salutem quaerit. No final o nosso cônsul britânico elogiou Ouro<br />

Preto e consi<strong>de</strong>rou injustas as críticas que todo europeu costumava<br />

fazer então, taxando-a <strong>de</strong> estranha e <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>nte. Deixando a cida<strong>de</strong> foi<br />

<strong>de</strong> volta a Morro Velho e <strong>de</strong>pois à Sabará, mas não sem antes subir as<br />

grimpas do Itacolomi. Esse era o capitão Burton então com 46 anos:<br />

irlandês <strong>de</strong> nascimento, veterano do Regimento <strong>de</strong> Bombaim, que leu<br />

(em português) mais obras sobre o Brasil do que a maioria <strong>dos</strong><br />

brasileiros jamais fará , membro ilustre da Royal Geographical Society<br />

britânica, <strong>de</strong>scobridor do lago africano <strong>de</strong> Tanganica, tradutor <strong>dos</strong><br />

Lusíadas <strong>de</strong> Camões para o inglês e quase homônimo do marido<br />

favorito <strong>de</strong> Liz Taylor.<br />

Permita-me caro leitor, introduzir nesse instante na nossa<br />

comitiva, um viajante do passado cuja presença ainda não tínhamos<br />

dado conta. Falo do mineralogista e comerciante inglês John Mawe que<br />

fez uma viagem ao Brasil entre 1807 e 1811, portanto anterior a to<strong>dos</strong><br />

os nossos <strong>de</strong>mais acompanhantes. Justifico essa inclusão tardia: é que<br />

os seus relatos são, ou <strong>de</strong>masiadamente sucintos, ou <strong>de</strong>masiadamente<br />

específicos para os nossos propósitos. Porém, quando da sua passagem<br />

em Vila Rica, registrou algumas minúcias que nos pareceu interessante<br />

recriar aqui. 134<br />

Mawe, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> tomar uns sustos na Argentina, <strong>de</strong>sembarcou<br />

no Brasil à procura <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> negócios. Não se estabeleceu<br />

no país mas abriu caminho para fundar em Londres, uma próspera casa<br />

<strong>de</strong> comércio <strong>de</strong> pedras preciosas brasileiras. Viajou sob proteção do<br />

134 Também, mais tar<strong>de</strong>, vamos incluí-lo na viagem ao Tijuco, on<strong>de</strong> ele, como em<br />

Ouro Preto, foi mais generoso em seus comentários.<br />

166


con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Linhares que o guarneceu não só das indispensáveis cartas <strong>de</strong><br />

recomendação como também <strong>de</strong> uma escolta militar.<br />

Partiu do Rio <strong>de</strong> Janeiro em direção à capitania <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> Gerais,<br />

no dia 17 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1809. Depois <strong>de</strong> passar Juiz <strong>de</strong> Fora, Barbacena,<br />

Queluz e Ouro Branco, chegou a Vila Rica cerca <strong>de</strong> três semanas<br />

<strong>de</strong>pois. Entrou na vila pelo caminho tradicional que a ligava a São Paulo<br />

e Rio <strong>de</strong> Janeiro e que hoje é parte da rodovia batizada <strong>de</strong> Estrada Real,<br />

referência indispensável para circular na região e ir até Santa Bárbara e<br />

além. Hospedou-se próximo à entrada da cida<strong>de</strong> numa hospedaria<br />

sofrível que pertencia a um padre 135 e era administrada por um mulato.<br />

É curioso o registro da trivialida<strong>de</strong> das refeições servidas na tal<br />

pousada ao viajante inglês: jantar com bife <strong>de</strong> panela, frango e pão; café<br />

da manhã com ovos, café, manteiga e pão. Mas logo o comerciante<br />

inglês, usando as cartas <strong>de</strong> recomendação do con<strong>de</strong>, tratou <strong>de</strong> melhorar<br />

essa condição conseguindo do ouvidor a cessão <strong>de</strong> uma casa na rua<br />

Direita on<strong>de</strong> se alojou confortavelmente e <strong>de</strong> graça. Num <strong>de</strong> seus<br />

passeios noturnos pela vila, teve a atenção <strong>de</strong>sperta por um certo ritual<br />

religioso, muito concorrido que provavelmente era um terço tirado<br />

numa das capelinhas <strong>dos</strong> passos da paixão, ainda hoje existentes em<br />

alguns pontos da cida<strong>de</strong>. Mawe estimou que a vila tivesse cerca <strong>de</strong><br />

vinte mil habitantes e <strong>de</strong>clarou que o clima era agradável como o <strong>de</strong><br />

Nápoles. Observou que em Vila Rica havia poucas opções <strong>de</strong> se ganhar<br />

a vida além do comércio e que o ócio era um vício generalizado.<br />

Comparou preços com Londres e concluiu que as roupas e teci<strong>dos</strong><br />

eram igualmente baratos, o leite tão caro quanto e que as velas<br />

custavam duas vezes mais.<br />

135 Uma olhada na história mineira do século XVIII mostra como os padres foram<br />

gran<strong>de</strong>s proprietários <strong>de</strong> fazendas, minas e escravos. Muitos eram chega<strong>dos</strong> a negócios<br />

<strong>de</strong> contrabando e não hesitavam em usar meios violentos para conseguir seus<br />

intentos. A proibição <strong>de</strong> que as or<strong>de</strong>ns primeira se estabelecessem na capitania,<br />

enfraqueceu muito o po<strong>de</strong>r regulador das instituições religiosas sobre o seu clero<br />

que, liberado, chafurdou à vonta<strong>de</strong> em negócios escusos e <strong>de</strong>vassos. O padre Toledo,<br />

o nosso prezado inconfi<strong>de</strong>nte, foi um <strong>dos</strong> homens mais ricos do seu tempo e a sua<br />

monumental casa em Tira<strong>de</strong>ntes está aí , ainda hoje , para <strong>de</strong>monstrar isso. I<strong>de</strong>m, o<br />

padre Rolim no Tijuco cuja casa hoje também é um museu. No início do século XIX,<br />

então, a coisa já tinha mudado e eles já estavam reduzi<strong>dos</strong> a cuidar <strong>de</strong> pequenos<br />

negócios como a tal hospedaria em que Mawe se alojou. Mas, sem dúvida, ainda<br />

continuavam fincando o pé num patrimoniozinho mundano.<br />

167


Falou um pouco <strong>dos</strong> chafarizes e nada das <strong>igrejas</strong>, ruas ou da<br />

inconfidência ocorrida, apenas, vinte anos antes. 136 Mas elogiou as casas<br />

e sua mobília taxando-as <strong>de</strong> melhores do que as <strong>de</strong> São Paulo e Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro. Encantou-se com as alcovas e <strong>de</strong>screveu minuciosamente as<br />

roupas <strong>de</strong> cama usadas nas casas abastadas <strong>de</strong> Vila Rica. Participou <strong>de</strong><br />

jantares em casas <strong>de</strong> padres e ouvidores e elogiou as atenções que<br />

recebeu. Finalmente, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> fazer alguns comentários sobre a<br />

moldagem das barras <strong>de</strong> ouro na casa <strong>de</strong> fundição e <strong>de</strong>ixar algumas<br />

recomendações escritas 137 aos funcionários sobre méto<strong>dos</strong> que<br />

po<strong>de</strong>riam economizar o uso <strong>de</strong> mercúrio, Mawe pegou as suas tralhas,<br />

sua escolta e se mandou para os la<strong>dos</strong> <strong>de</strong> Mariana, rumo ao Distrito <strong>dos</strong><br />

Diamantes que era <strong>de</strong> fato o seu maior interesse.<br />

Compiladas as principais impressões do nosso prezado<br />

comerciante <strong>de</strong> pedras preciosas vamos <strong>às</strong> notas <strong>dos</strong> nossos,<br />

igualmente preza<strong>dos</strong> sábios alemães, Spix e Martius, sobre Vila Rica. A<br />

dupla ganhou a vila vinda <strong>de</strong> São João <strong>de</strong>l Rei, no dia vinte e oito <strong>de</strong><br />

fevereiro <strong>de</strong> 1818 ou seja, nove anos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> Mawe. Assim como ele,<br />

ficaram hospeda<strong>dos</strong> na entrada da cida<strong>de</strong> que <strong>de</strong>ve ser a mesma<br />

hospedaria do padre e cujo nome era “As Cabeças”, que é o nome do<br />

bairro on<strong>de</strong> estava localizada. 138 Como Saint-Hilaire, dois anos antes,<br />

tiveram como principal anfitrião o barão Eschwege. Infelizmente os<br />

sábios alemães fizeram apenas sucintas anotações sobre Vila Rica. O<br />

mais longo relato é sobre o processo <strong>de</strong> fundição das barras <strong>de</strong> ouro.<br />

Contam que o trabalho era realizado por <strong>de</strong>zoito funcionários e que a<br />

confecção <strong>de</strong> uma barra levava cerca <strong>de</strong> três horas. Mawe fala em cerca<br />

<strong>de</strong> quarenta e cinco minutos. Ficamos sem saber se a produtivida<strong>de</strong><br />

piorou ou se não se tratava, afinal, <strong>de</strong> um mesmo processo. Criticaram a<br />

136 Ainda bem pois ele freqüentemente fazia tremenda salada com a geografia e a<br />

história antiga <strong>de</strong> <strong>Minas</strong>.<br />

137 Mawe andou espalhando know-how inglês pelo interior <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> sobre coisas<br />

como fundir o ferro, bater manteiga e fazer queijo.<br />

138 Esta hospedaria já existia <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os tempos <strong>de</strong> Tira<strong>de</strong>ntes e era muito freqüentada<br />

pelo pessoal do Serro Frio quando vinha a Vila Rica. O <strong>de</strong>lator da inconfidência -<br />

Brito Malheiro na sua carta <strong>de</strong>núncia, cita conversas comprometedoras havidas numa<br />

hospedaria localizada “nas Cabeças”.<br />

168


aplicação que a Coroa portuguesa fez do ouro brasileiro, preferindo<br />

gastá-lo em obras suntuosas como o Aqueduto <strong>de</strong> Lisboa e o Convento<br />

<strong>de</strong> Mafra, do que aplicá-lo por exemplo, na melhoria da sua armada.<br />

Observam que as barras <strong>de</strong> ouro podiam ser convertidas apenas nas<br />

casas da moeda mas que o povo preferia negociar no paralelo, pois<br />

havia um <strong>de</strong>ságio <strong>de</strong> <strong>de</strong>z por cento. Contam que o quinto naquela<br />

época, ainda arrecadava cerca <strong>de</strong> quarenta arrobas anuais o que<br />

<strong>de</strong>monstra que a produção não era no princípio do século XIX, assim<br />

tão ruim se lembrarmos que, ao longo do século anterior, esse<br />

montante girava em torno <strong>de</strong> cem arrobas em média. Registram que a<br />

vila contava cerca <strong>de</strong> oito mil e quinhentos habitantes, contra os vinte<br />

mil que Mawe registrou em 1809. Informam que o comércio era<br />

animado e que havia na região fábricas <strong>de</strong> pólvora, louças, chapéus <strong>de</strong><br />

feltro e forjas para produzir ferro. Registram como principais<br />

construções - além das <strong>igrejas</strong>, do palácio, da ca<strong>de</strong>ia, do teatro, da<br />

tesouraria (Casa <strong>dos</strong> Contos), e do mercado - uma certa “Escola <strong>de</strong><br />

Latim”.<br />

Isso posto, <strong>de</strong>ixaram a “miserável hospedaria” do padre rumo<br />

a Sabará e <strong>de</strong>pois o Distrito <strong>dos</strong> Diamantes. 139<br />

Cerca <strong>de</strong> vinte anos <strong>de</strong>pois a nossa Ouro Preto recebia a visita<br />

<strong>de</strong> George Gardner. O botânico escocês aqui passou em 1840, vindo<br />

<strong>de</strong> Mariana em regresso do Distrito <strong>dos</strong> Diamantes. Ficou na cida<strong>de</strong> 140<br />

pouco tempo e isso se reflete no pequeno registro que fez da sua<br />

passagem. Conta-nos que não havia um único hotel respeitável e que<br />

ficou hospedado na casa <strong>de</strong> um certo José Peixoto <strong>de</strong> Souza,<br />

i<strong>de</strong>ntificado por ele como o mais rico comerciante <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> na época,<br />

proprietário da mais bela casa da cida<strong>de</strong> (?) cuja construção teria<br />

consumido cerca <strong>de</strong> quatro mil libras esterlinas. Disse que cida<strong>de</strong> não<br />

era tão imponente quanto Mariana mas elogiou a qualida<strong>de</strong> da água.<br />

Notou o palácio e a ca<strong>de</strong>ia, contou seis <strong>igrejas</strong> e elegeu a do Carmo<br />

como a mais bela. Ou seja, nosso companheiro parece que teve<br />

139 Na verda<strong>de</strong> Spix e Martius usaram Ouro Preto como base para viagens nas<br />

cercanias e na região da serra do Caraça, algumas em companhia do barão Eschwege.<br />

Deixaram a “inesquecível Vila Rica”, em <strong>de</strong>finitivo, em princípio <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1818.<br />

140 Vila Rica foi elevada a condição <strong>de</strong> Imperial Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ouro Preto em 1823 por<br />

<strong>de</strong>creto <strong>de</strong> d. Pedro I.<br />

169


prequiça <strong>de</strong> galgar as la<strong>de</strong>iras e se limitou a passear nas cercanias da<br />

praça Tira<strong>de</strong>ntes como faz a maioria <strong>dos</strong> nossos <strong>de</strong>sinteressa<strong>dos</strong> turistas<br />

<strong>de</strong> hoje. Contou oito mil almas e arrematou que a cida<strong>de</strong> não tinha<br />

nenhuma livraria mas tinha duas tipografias e quatro jornais. E nada<br />

mais disse nem lhe foi perguntado, do que se aproveitou Gardner para<br />

rumar ligeiro para o Rio <strong>de</strong> Janeiro, preservando notável ignorância<br />

sobre a nossa antiga capital, com seus poetas anti-imperialistas mortos e<br />

hoje, em socieda<strong>de</strong>, repousando no Museu da Inconfidência.<br />

Agora as Igrejas<br />

Depois <strong>de</strong> passear pelas ruas da imperial cida<strong>de</strong> em tão boa<br />

companhia quanto po<strong>de</strong> ser a lembrança <strong>dos</strong> nossos gloriosos<br />

inconfi<strong>de</strong>ntes e <strong>dos</strong> singulares viajantes do século XIX, finalmente<br />

chegamos ao nosso <strong>de</strong>stino e cumprimos o propósito que<br />

verda<strong>de</strong>iramente nos trouxe a Ouro Preto: seu extraordinário conjunto<br />

<strong>de</strong> <strong>igrejas</strong> setecentistas, entre as quais se encontram algumas das mais<br />

belas <strong>de</strong> todo o Brasil. E elas são apenas uma parte do rico acervo <strong>de</strong>ssa<br />

urbe singular, sempre impregnada <strong>de</strong> um clima especial, embora muitos<br />

não consigam senti-lo em plenitu<strong>de</strong>. Mas eu, apaixonado terminal, ando<br />

sempre por aqui.<br />

Cida<strong>de</strong>s Históricas autênticas são aquelas cuja antiguida<strong>de</strong><br />

preservada forma um conjunto harmonioso e consistente. Quer dizer,<br />

você po<strong>de</strong> extrair as mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>s circundantes que o conjunto<br />

permanece vivo. Elas têm uma característica muita especial. Sinto nelas<br />

um doce e persistente cheiro <strong>de</strong> cravo e <strong>de</strong> canela. Claro que essa<br />

sensação <strong>de</strong>ve ser mero produto <strong>de</strong> um elevo exagerado a excitar<br />

minhas narinas. Mas também po<strong>de</strong> ser que esse cheiro emane <strong>de</strong><br />

antigos sons <strong>de</strong> glória e <strong>de</strong> sofrimento que o tempo fermentou e<br />

transformou em odores. Mais certo mesmo é que seja a exalação <strong>de</strong><br />

poeiras e <strong>de</strong> mofos; caprichosa e lentamente curti<strong>dos</strong> em porões,<br />

sacristias, frestas e gavetas. É assim com Ouro Preto: uma festa para a<br />

alma e os senti<strong>dos</strong> que atinge seu ponto alto nas tantas exuberantes<br />

construções preservadas, com <strong>de</strong>staque para suas <strong>igrejas</strong>.<br />

Como vimos, há pouco, a cida<strong>de</strong> se reparte em duas paróquias.<br />

A praça Tira<strong>de</strong>ntes as divi<strong>de</strong> com clareza. Do lado oci<strong>de</strong>ntal está a<br />

paróquia do Ouro Preto com sua matriz do Pilar erguida numa baixada<br />

ao lado do ribeirão, hoje um filete <strong>de</strong> água suja. Do lado oposto se<br />

170


espalha a paróquia <strong>de</strong> Antônio Dias e sua matriz <strong>de</strong> Nossa Senhora da<br />

Conceição. Da praça, buscando posição estratégica frente <strong>às</strong> ruas que<br />

nela vão dar, se po<strong>de</strong> ver praticamente todas as principais <strong>igrejas</strong> da<br />

nossa Vila Rica. No círculo turístico, vale dizer no perímetro urbano<br />

mais central, elas somam as duas matrizes e mais <strong>de</strong>z <strong>igrejas</strong>. Spix e<br />

Martius as contaram corretamente. Saint-Hilaire fala em quinze ou<br />

<strong>de</strong>zesseis capelas, além das duas matrizes. Certo é que nenhuma igreja<br />

foi <strong>de</strong>molida ou construída <strong>de</strong>pois da passagem <strong>dos</strong> nossos viajantes.<br />

Na verda<strong>de</strong>, do circuito <strong>de</strong> <strong>igrejas</strong> setecentistas <strong>de</strong> Ouro Preto fazem<br />

parte, nada menos do que vinte e quatro templos, incluindo aqueles<br />

localiza<strong>dos</strong> em distritos. 141 Os roteiros turísticos espalha<strong>dos</strong> por aí,<br />

costumam fazer confusão com elas, misturando nomes, invertendo<br />

fatos. Algumas têm acesso um tanto difícil mas aqui vale a advertência<br />

que fizemos quando chegamos: locomover-se a pé é fundamental pois<br />

tudo tem que ser visto nos <strong>de</strong>talhes, inclusive os caminhos. Vamos<br />

examinar pelo menos, as principais <strong>de</strong>las. Mas antes, como não po<strong>de</strong>ria<br />

<strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser e com razão, vamos tratar um pouco <strong>dos</strong> dois gênios da<br />

arte mineira do século XVIII, respeita<strong>dos</strong> por críticos <strong>de</strong> todo o<br />

mundo e responsáveis em gran<strong>de</strong> parte, por nosso barroco religioso ser<br />

o que é: Aleijadinho e Ataí<strong>de</strong>.<br />

Antônio Francisco Lisboa nasceu, viveu e morreu em Vila Rica.<br />

O nascimento se <strong>de</strong>u em 1738 e a morte em 1814, ou seja apenas dois<br />

anos antes da visita <strong>de</strong> Sait-Hilaire que, no geral, achava o barroco<br />

mineiro grotesco e seus pintores como vimos, autênticos borradores. 142<br />

Dos seus setenta e seis anos, em cerca da meta<strong>de</strong> o Aleijadinho<br />

carregou a doença que o mutilou mas não impediu que continuasse<br />

exercendo o seu talento genial. 143 Misteriosas e polêmicas têm sido as<br />

teorias sobre as causas do seu mal, sendo a mais comum aquela que o<br />

141 Tomo a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> incluir aqui um templo, cuja construção atual começou,<br />

efetivamente no século XIX mas que é injusto abstrair do roteiro <strong>de</strong> visitação <strong>de</strong><br />

Ouro Preto e que é a igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula .<br />

142 Interessante notar que foi outro francês – Germain Bazin - curador honorário do<br />

Museu do Louvre, quem revelou a obra do Aleijadinho além fronteiras do Brasil,<br />

consi<strong>de</strong>rando-o um <strong>dos</strong> mais geniais escultores <strong>de</strong> to<strong>dos</strong> os tempos.<br />

143 Segundo Bretas ele adoeceu em 1777, ou seja, com trinta e nove anos.<br />

171


consi<strong>de</strong>rava portador <strong>de</strong> sífilis, que aliás era doença usual no interior <strong>de</strong><br />

<strong>Minas</strong> nos séculos XVIII e XIX. Burton ouviu uma versão <strong>de</strong> que a sua<br />

doença teria sido causada por uma droga que ele teria tomado para<br />

aguçar a sua criativida<strong>de</strong> e que <strong>de</strong>u um efeito colateral arrasador. Esta<br />

versão foi registrada também por Saint-Hilaire que inclusive, po<strong>de</strong> ter<br />

sido a fonte <strong>de</strong> referência para o diplomata inglês. Como vimos, o sábio<br />

francês passou em Vila Rica apenas dois anos após a morte do<br />

Aleijadinho. De toda sorte, sabe-se que essa história era contada sem<br />

segre<strong>dos</strong>, por uma vizinha do nosso incomum mulato e era corrente na<br />

Ouro Preto do século XIX. Bretas repete a história em seu artigo sobre<br />

o Aleijadinho e i<strong>de</strong>ntifica a droga como sendo uma tal <strong>de</strong> cardina. 144<br />

O aprendizado do Aleijadinho é um tanto misterioso, pelo<br />

menos a ponto <strong>de</strong> explicar a grandiosida<strong>de</strong> da sua capacida<strong>de</strong> como<br />

escultor e arquiteto. É certo que ele estudou com José Coelho Noronha<br />

e João Gomes Batista e certamente recebeu <strong>de</strong> seu pai os primeiros<br />

ensinamentos do ofício <strong>de</strong> construir <strong>igrejas</strong>. Porém, o seu estilo não<br />

parece ter sido influenciado diretamente por nenhum <strong>dos</strong> seus<br />

instrutores. Na verda<strong>de</strong> ele, com a capacida<strong>de</strong> iluminada que tinha,<br />

parece ter extrapolado os limites do seu ambiente, assimilado tudo que<br />

pu<strong>de</strong>sse acrescentar alguma lasca no seu enorme po<strong>de</strong>r criador,<br />

processando cada uma das contribuições que recebeu e <strong>de</strong>volvido tudo<br />

isso ao mundo na forma <strong>de</strong> obras intrigantes. Aleijadinho não inventou<br />

uma linguagem arquitetônica ou escultórica nem é o pai do rococó em<br />

<strong>Minas</strong> Gerais mas a sua obra forma um conjunto peculiar,<br />

extremamente harmônico e homogêneo, i<strong>de</strong>ntificando um estilo<br />

marcante. É possível apontar obras em estilo semelhante ao seu e que o<br />

prece<strong>de</strong>ram. Algumas <strong>de</strong>ssas relações são claras como com a igreja <strong>de</strong><br />

N. S. do Bom Sucesso <strong>de</strong> Caeté cuja fachada certamente o influenciou,<br />

como já mencionamos. Bazin foi quem reforçou a possibilida<strong>de</strong> do<br />

Aleijadinho ter participado na elaboração <strong>de</strong> altares nessa igreja, como<br />

aprendiz <strong>de</strong> Noronha. 145 Também aparece como possível orientador <strong>de</strong><br />

Antônio Francisco Lisboa, o cunhador <strong>de</strong> moedas português João<br />

Gomes Batista que bem po<strong>de</strong> ter ensinado ao nosso mulato genial a<br />

arte <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhar e executar finos <strong>de</strong>talhes. Esse po<strong>de</strong> ter sido um<br />

144 Publicado originalmente em 1858 no Correio Oficial <strong>de</strong> <strong>Minas</strong>.<br />

145 O Aleijadinho - Germain Bazin.<br />

172


aprendizado fundamental à consolidação do estilo rococó do mestre,<br />

evi<strong>de</strong>nte principalmente no entalhe das barbas, cabelos e dobras <strong>de</strong><br />

teci<strong>dos</strong> que ele fazia com inigualável <strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za. Comparem os <strong>de</strong>talhes<br />

das <strong>de</strong>lgadas curvas do Aleijadinho com as das figuras robustas <strong>de</strong><br />

Miguelangelo. É aí que está toda a essência da diferença entre nossas<br />

imagens barrocas e as estátuas do renascimento e é por isso que os<br />

mestres do rococó mineiro fizeram <strong>de</strong> materiais macios como a ma<strong>de</strong>ira<br />

e a pedra sabão sua matéria prima fundamental, diferentemente <strong>dos</strong><br />

mestres do renascimento ou do barroco europeu com seus duros<br />

mármores e granitos. As esculturas <strong>dos</strong> profetas do Santuário <strong>de</strong><br />

Congonhas até po<strong>de</strong>m parecer grosseiras e contrariar essa afirmativa,<br />

porém não <strong>de</strong>vemos esquecer que, nessa fase, o mestre já tinha sido<br />

muito maltratado por sua doença e que também os materiais usa<strong>dos</strong><br />

foram muito <strong>de</strong>sgasta<strong>dos</strong> pelas intempéries e pelo passar <strong>dos</strong> anos e os<br />

finos cortes do entalhe original certamente não têm hoje o seu traço<br />

primitivo. Nesse caso não se <strong>de</strong>ve esquecer também que a quase<br />

totalida<strong>de</strong> das figuras <strong>dos</strong> profetas foram esculpidas por aprendizes do<br />

Atelier <strong>de</strong> Aleijadinho e não por ele pessoalmente.<br />

A formação do artesão é relativamente clara, nem tanto porém<br />

em relação à formação do criador. É certo que o estilo do mestre <strong>de</strong><br />

Vila Rica é singular e marcante mas ele certamente não estava solto no<br />

tempo e no espaço, tirando arte <strong>de</strong> uma cartola mágica. Suas fontes <strong>de</strong><br />

referência po<strong>de</strong>m ser discretamente rastreadas até o Rio <strong>de</strong> Janeiro e daí<br />

até Portugal. Existe notável semelhança <strong>de</strong> seu traço com figuras <strong>de</strong><br />

estátuas portando tochas <strong>de</strong> lampadóforos <strong>de</strong> origem portuguesa<br />

reproduzi<strong>dos</strong> no livro <strong>de</strong> Bazin. O primeiro <strong>de</strong>les, <strong>de</strong> 1724 <strong>de</strong> autor<br />

<strong>de</strong>sconhecido, está na Coleção <strong>de</strong> Ernesto Vilhena em Lisboa. Outro<br />

esculpido em 1737, está no mosteiro <strong>de</strong> São Bento no Rio <strong>de</strong> Janeiro. A<br />

semelhança das figuras <strong>de</strong>ssas peças com as personagens do Aleijadinho<br />

é impressionante: <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a expressão, passando pelas dobras da roupa,<br />

até a posição do pé, guarnecido com as mesmas botas <strong>de</strong> tantas das suas<br />

imagens. Certamente se essas obras se encontrassem em algum canto da<br />

região <strong>de</strong> <strong>Minas</strong>, seriam facilmente atribuídas a Antônio Francisco<br />

Lisboa. Há também obras <strong>de</strong> escultores portugueses que trabalharam<br />

no Rio e <strong>de</strong>pois em Vila Rica que lembram o traço do mestre. 146 É<br />

146 O já citado Francisco Xavier <strong>de</strong> Brito é apontado também como tendo sido um<br />

<strong>dos</strong> mestres do Aleijadinho e <strong>de</strong> fato seu “Cristo Alado” da igreja do Mosteiro <strong>de</strong> São<br />

Francisco do Rio <strong>de</strong> Janeiro lembra muito as obras do nosso artista maior mas, se esse<br />

173


muito provável que o Aleijadinho tenha visitado as <strong>igrejas</strong> do Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro durante sua ida a esta cida<strong>de</strong> em 1776 e tenha tido ali algumas<br />

i<strong>de</strong>ia inspiradoras. Mas ele extrapolou tudo isso e parece ter viajado<br />

pelo Oriente e a Europa, freqüentado algum atelier especial, visitado<br />

museus e monumentos por todo o mundo. Enfim, assim são mesmo os<br />

gênios: não há razão suficiente que explique a origem da sua capacida<strong>de</strong><br />

criativa. 147<br />

Infelizmente o vida do Aleijadinho está marcada não só pela sua<br />

obre incomum mas também pela doença que amaldiçoou gran<strong>de</strong> parte<br />

da sua existência. A doença <strong>de</strong>formante e mutiladora foi contraída em<br />

1777, ou seja quando ele tinha trinta e nove anos. Até hoje não se sabe<br />

muito bem o que era aquilo. Cronistas antigos falam que seu mal era<br />

seqüela da “Zamparina”, doença contagiosa que teria grassado na<br />

capitania naquele tempo.<br />

As obras <strong>de</strong> Antônio Francisco Lisboa se espalham por <strong>igrejas</strong><br />

<strong>de</strong> Ouro Preto, Congonhas, Sabará, São João <strong>de</strong>l Rei, Nova Lima, 148 etc<br />

e há peças no Museu da Inconfidência e no próprio museu do<br />

Aleijadinho, anexo à matriz <strong>de</strong> Antônio Dias, todas elas invariavelmente<br />

dignas <strong>de</strong> admiração. Os restos mortais do mestre estariam hoje sob um<br />

<strong>dos</strong> altares <strong>de</strong>sta matriz. Em 1937, Afonso Arinos <strong>de</strong> Melo Franco<br />

ouviu do então prefeito municipal <strong>de</strong> Ouro Preto que no local on<strong>de</strong>,<br />

segundo a tradição, estavam os restos do Aleijadinho; foram<br />

encontra<strong>dos</strong> apenas três tíbias e porções <strong>de</strong> cabelos e que havia uma<br />

série <strong>de</strong> restos humanos superpostos no entorno. Na verda<strong>de</strong>, parece<br />

que o Altar da Boa Morte da Matriz <strong>de</strong> Antônio Dias era uma cova<br />

coletiva que foi acumulando restos mortais ao longo <strong>dos</strong> anos. Ao pé<br />

do altar está uma tumba com o nome <strong>de</strong> Antônio Francisco Lisboa<br />

estampado, mas se nela existem hoje restos ti<strong>dos</strong> como sendo<br />

relacionamento duvi<strong>dos</strong>o aconteceu, foi muito nos primórdios da sua formação pois<br />

quando Xavier <strong>de</strong> Brito morreu, o Aleijadinho tinha apenas treze anos. De qualquer<br />

forma a referência é importante pois ele era português e po<strong>de</strong> muito bem ter visto os<br />

tais lampadóforos ou outras obras da mesma fonte.<br />

147 Bazin chega e insinuar, discretamente, a hipótese <strong>de</strong> que ele pu<strong>de</strong>sse ter<br />

visitado Portugal na adolescência.<br />

148 Na Matriz <strong>de</strong> Nova Lima, como já dissemos, encontram-se algumas peças<br />

retiradas das ruínas da Capela <strong>de</strong> Jaguará.<br />

174


efetivamente do mestre, eles po<strong>de</strong>m ter sido escolhi<strong>dos</strong> um tanto<br />

aleatoriamente. 149 Em sendo assim, não se recomenda verter lágrimas<br />

apaixonadas diante do dito túmulo. Melhor regozijar-se com tantas<br />

maravilhosas criações autenticamente do Aleijadinho, espalhadas pela<br />

cida<strong>de</strong>. a começar pela extraordinária fachada da vizinha igreja <strong>de</strong> São<br />

Francisco.<br />

Manuel da Costa Ataí<strong>de</strong>, o outro genial artista do barroco<br />

mineiro, a exemplo do seu colega arquiteto e escultor, também nasceu<br />

e morreu na mesma cida<strong>de</strong>, agora a vizinha Mariana on<strong>de</strong> viu a luz pela<br />

primeira vez em 1762 e fechou os olhos pela última vez, em 1830.<br />

Portanto, apesar <strong>de</strong> saudável durante toda a vida, viveu menos do que o<br />

Aleijadinho. Também, proporcionalmente, produziu menos do que ele.<br />

Parece que Ataí<strong>de</strong> não apreciava muito trabalhar em andaimes tendo<br />

<strong>de</strong>clinado <strong>de</strong> trabalhar nas alturas da igreja do Carmo <strong>de</strong> Ouro Preto<br />

por achar que a remuneração não compensava o risco para si e seus<br />

ajudantes. De qualquer forma enfrentava essa barra e é nas suas<br />

pinturas <strong>de</strong> tetos que po<strong>de</strong>mos contemplar suas obras mais marcantes.<br />

O mestre marianense, por outro lado, não se <strong>de</strong>dicou à sua arte com a<br />

mesma obsessão do Aleijadinho, tendo parte do seu tempo <strong>de</strong>dicado<br />

também à carreira militar e outra ao magistério. Ele se i<strong>de</strong>ntificava<br />

como branco, solteiro, vivendo do ofício <strong>de</strong> pintor e gostava <strong>de</strong> ser<br />

chamado <strong>de</strong> professor. Nosso amado mestre, inclusive tentou em 1818,<br />

criar uma escola <strong>de</strong> arte em Mariana e escreveu à Coroa pedindo<br />

autorização. Sequer mereceu resposta, mesmo porque àquela época, d.<br />

João VI ultimava preparativos para implantar a Escola Nacional <strong>de</strong><br />

Belas Artes no Rio <strong>de</strong> Janeiro conforme projeto da famosa missão<br />

francesa que aqui aportou em 1816, repleta <strong>dos</strong> neoclassicismos que<br />

vieram tomar o lugar do nosso barroco moribundo. Ataí<strong>de</strong> contudo,<br />

ignorante disto tudo, se conformou e continuou pintando os seus tetos.<br />

As obras <strong>de</strong> Ataí<strong>de</strong> também estão espalhadas por vários locais.<br />

No Caraça, como já comentamos, se encontra sua conhecida tela da<br />

Santa Ceia, havendo ainda algumas peças duvi<strong>dos</strong>as no Museu da<br />

Inconfidência, atribuídas a ele. Dele se louva especialmente a habilida<strong>de</strong><br />

149 Cabe observar que, volta e meia os tais restos do Aleijadinho são exuma<strong>dos</strong> para<br />

pesquisas sobre as causas da sua doença. Sejamos céticos porém, se tais pesquisas<br />

concluírem que ele nunca foi doente.<br />

175


em arranjar tons e sobre-tons produzindo as tais cores “valentes e<br />

insabidas”, 150 a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> criar os efeitos ilusórios tão ao gosto da<br />

época, a riqueza criativa na composição das cenas e a ousadia pictórica,<br />

criando figuras idiossincráticas nacionais como a tal virgem da<br />

Porciúncula mulata e feminina. 151<br />

O mestre é freqüentemente enquadrado como “pintor rococó”.<br />

É claro que ele gostava <strong>de</strong> achatar e recortar nuvens e <strong>de</strong> dispor suas<br />

figuras em curvas e arcos insistentes, além <strong>de</strong> emoldurá-las por<br />

profusão <strong>de</strong> conchea<strong>dos</strong>, mas essa é uma rotulação excessivamente<br />

acadêmica pois ele <strong>de</strong>slizou pelo barroco com uma <strong>de</strong>senvoltura <strong>de</strong><br />

Fred Astaire e excedia em habilida<strong>de</strong> artesanal os requisitos técnicos da<br />

pintura estritamente rococó, pautada por exageros <strong>de</strong>corativos muito<br />

limitadores para os pintores realmente geniais como Ataí<strong>de</strong>. Num certo<br />

aspecto ele nasceu na época errada, mas se virou como po<strong>de</strong>,<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte que era do gosto “sofisticado” das ricas irmanda<strong>de</strong>s que<br />

pagavam pela arte das <strong>igrejas</strong>, talvez único mercado <strong>de</strong> trabalho para os<br />

artistas <strong>de</strong> então.<br />

Meu caro, se você quiser entrar no céu ainda em vida,<br />

contemple os forros das naves ou capelas das <strong>igrejas</strong> <strong>de</strong> São Francisco<br />

<strong>de</strong> Assis <strong>de</strong> Ouro Preto, Rosário <strong>dos</strong> Pretos <strong>de</strong> Mariana, matrizes <strong>de</strong><br />

Santo Antônio <strong>de</strong> Ouro Branco, 152 Santa Bárbara e Itaverava. Não sei se<br />

pela mão <strong>de</strong> Ataí<strong>de</strong> no céu entrar você vai conseguir, mas na porta<br />

seguramente vai chegar. Cores e perspectivas habilmente combinadas,<br />

mexendo luzes e espaços: Ataí<strong>de</strong> estreitou o infinito e o colocou sobre<br />

nossas cabeças.<br />

Muito pouco se sabe também do aprendizado do singular pintor<br />

<strong>de</strong> Mariana. Uma das poucas referências é que o autor <strong>de</strong> algumas<br />

figuras <strong>de</strong> teto <strong>de</strong> <strong>igrejas</strong>, especialmente da região <strong>de</strong> Mariana, João<br />

150 Na concepção <strong>de</strong> Carlos Drumonnd <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> e do próprio Ataí<strong>de</strong>.<br />

151 Ataí<strong>de</strong> não se casou mas teve quatro filhos com Maria do Carmo Raimunda da<br />

Silva mulata que, acredita-se, tenha sido o mo<strong>de</strong>lo da virgem do teto da nave da igreja<br />

<strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Ouro Preto.<br />

152 O mestre repetiu no teto da capela mor <strong>de</strong>sta igreja a mesma figura da virgem<br />

mulata da Porciúcula <strong>de</strong> São Francisco o que reforça a possibilida<strong>de</strong> do mo<strong>de</strong>lo ter<br />

sido mesmo a Maria do Carmo Raimunda da Silva, como insinuamos na nota acima.<br />

Já em Itaverava, preferiu representar Nossa Senhora <strong>de</strong> cabelos louros, soltos em<br />

caprichosa onda, cercada <strong>de</strong> anjinhos igualmente louros.<br />

176


Batista <strong>de</strong> Figueiredo, teria sido um <strong>dos</strong> seus mestres ou pelo menos<br />

servido <strong>de</strong> referência.<br />

Ataí<strong>de</strong> gostava <strong>de</strong> pesquisar a satisfação <strong>de</strong> seus clientes<br />

perguntando se eles estavam tão satisfeitos com a sua obra quanto ele<br />

com o valor do pagamento recebido. 153 Enfim, como o mestre assinou<br />

na Santa Ceia do Caraça: “Athaí<strong>de</strong> fes (sic) em 1824” e... para sempre.<br />

Tendo sabido algumas ligeiras coisas a respeito <strong>dos</strong> dois maiores<br />

artistas do barroco religioso mineiro, passemos ao objeto da sua<br />

genialida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> tantos outros mestres notáveis que no seu conjunto,<br />

são os responsáveis maiores pelo nosso magnífico acervo religioso<br />

setecentista.<br />

Contabilizamos nada menos do que vinte e quatro templos em<br />

Ouro Preto. São eles: matriz <strong>de</strong> N. S. do Pilar, matriz <strong>de</strong> N. S. da<br />

Conceição <strong>de</strong> Antônio Dias, capela <strong>de</strong> N. S. do Rosário <strong>dos</strong> Par<strong>dos</strong> do<br />

Padre Faria, capela <strong>de</strong> São João Batista do Ouro Podre, igreja <strong>de</strong> Santa<br />

Efigênia <strong>dos</strong> Pretos do Alto da Cruz, igreja <strong>de</strong> Bom Jesus das Flores do<br />

Taquaral, igreja <strong>de</strong> São Miguel e Almas/Bom Jesus <strong>de</strong> Matosinhos,<br />

igreja do Carmo, igreja <strong>de</strong> N. S. do Rosário <strong>dos</strong> Pretos, igreja <strong>de</strong> N. S.<br />

das Mercês e Misericórdia, igreja <strong>de</strong> N. S. das Mercês e Perdões, igreja<br />

<strong>de</strong> São José, capela do Bonfim do Alto das Cabeças, capela <strong>de</strong> Santana,<br />

igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula, capela <strong>de</strong> N. S. da Pieda<strong>de</strong> do Ouro<br />

Podre, igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Assis, capela <strong>de</strong> São Sebastião do<br />

Ouro Podre, matriz <strong>de</strong> N. S. <strong>de</strong> Nazaré e igreja <strong>de</strong> N. S. das Dores do<br />

Distrito <strong>de</strong> Cachoeira do Campo, matriz <strong>de</strong> São Bartolomeu, matriz <strong>de</strong><br />

Santo Antônio <strong>de</strong> Glaura, matriz <strong>de</strong> N. S. <strong>dos</strong> Prazeres do distrito <strong>de</strong><br />

Lavras Novas, igreja <strong>de</strong> São Gonçalo do distrito <strong>de</strong> Amarantina.<br />

A maioria <strong>dos</strong> templos <strong>de</strong> Ouro Preto foi tombada pelo IPHAN<br />

em 1939, exceto a igreja do Carmo, a capela <strong>de</strong> São João Batista, a igreja<br />

<strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Assis e a matriz <strong>de</strong> Cachoeira do Campo que foram<br />

tombadas no ano anterior. A capela <strong>de</strong> Santana e a matriz <strong>de</strong> Nazaré<br />

foram tombadas em 1949, a matriz <strong>de</strong> São Bartolomeu em 1960 e a<br />

matriz <strong>de</strong> Glaura em 1964. As <strong>igrejas</strong> <strong>de</strong> Lavras Novas e Amarantina<br />

não são tombadas.<br />

153 Como se sabe que os artistas embelezadores <strong>de</strong> <strong>igrejas</strong> do século XVII, eram<br />

muito mal remunera<strong>dos</strong>, fica a dúvida se o mestre estava ou não ironizando.<br />

177


Matriz <strong>de</strong> Nossa S. da Conceição <strong>de</strong> Antônio Dias - 1727<br />

A matriz da paróquia <strong>de</strong> Antônio Dias domina <strong>de</strong> forma<br />

imponente, toda a área da baixada entre o morro da atual praça<br />

Tira<strong>de</strong>ntes e os altos <strong>de</strong> Santa Efigênia. A construção atual, com data <strong>de</strong><br />

1727, substituiu a antiga capela erigida pelo próprio Antônio Dias logo<br />

que chegou à região em 1699. Embora tenha sofrido muitas alterações<br />

em sua fachada original, é uma igreja que mantem os traços típicos das<br />

matrizes da primeira fase do barroco. Seu aspecto externo no geral é<br />

simples e o adro acaba numa escadaria que <strong>de</strong>sce até uma espécie <strong>de</strong><br />

jardim com fonte e tudo mais. O frontispício é emoldurado por colunas<br />

salientes apoiadas sobre pedras. A base das torres é num plano<br />

ligeiramente recuado e os cunhais seguem o mesmo padrão das colunas.<br />

A porta está enquadrada em robustas ombreiras <strong>de</strong> pedra com adornos<br />

simplifica<strong>dos</strong> na parte superior. Há um óculo cruciforme e envidraçado<br />

no alto e duas sacadas com guarda-corpo <strong>de</strong> ferro nas laterais. Abaixo<br />

está um medalhão extemporâneo com as armas do império. Há duas<br />

aberturas seteiras superpostas na base <strong>de</strong> cada torre. A cimalha é<br />

saliente, coberta <strong>de</strong> telhas e faz uma pequena curvatura para contornar<br />

o óculo. O frontão é alto e robusto com arremates em curva nas laterais<br />

e dois pináculos em cima, la<strong>de</strong>ando uma pequena cruz em resplendor.<br />

As torres são quadradas, com cantos chanfra<strong>dos</strong>, cobertas por cúpulas<br />

irregulares achatadas e com pináculos <strong>de</strong>lga<strong>dos</strong> nas pontas, arremata<strong>dos</strong><br />

por pequenas esferas. O risco é atribuído ao pai do Aleijadinho, Manuel<br />

Francisco Lisboa.<br />

O interior é profusamente <strong>de</strong>corado, ao gosto da primeira fase,<br />

com muita talha e pintura. Rivaliza-se com a suntuosida<strong>de</strong> <strong>de</strong> outras<br />

gran<strong>de</strong>s matrizes do primeiro quarto do setecentos como a <strong>de</strong> Sabará e<br />

a <strong>de</strong> São João <strong>de</strong>l Rei. Possui uma ampla nave com oito altares laterais e<br />

tribunas com janelões para arejar as costas <strong>dos</strong> bens nasci<strong>dos</strong> que as<br />

freqüentavam. Elas avançam sobre o arco cruzeiro e o coro e mostram<br />

pinturas emolduradas no fundo. Infelizmente o douramento <strong>dos</strong> altares<br />

está bastante <strong>de</strong>scorado. Dois se encostam no transepto e os <strong>de</strong>mais se<br />

espalham pela nave. Parecem módulos in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes encrava<strong>dos</strong> nas<br />

pare<strong>de</strong>s. O arco cruzeiro é imponente, em pedra, formando colunas <strong>de</strong><br />

fuste e capitel retilíneos. No centro há uma tarja <strong>de</strong>lgada que vai à<br />

cornija e avança até uma gran<strong>de</strong> coroa sustentada por anjos. Não há<br />

pintura no teto da nave mas apenas um adorno em volta da base <strong>de</strong><br />

sustentação do lustre. Tem forma abobadada e se embute além da<br />

178


cornija. O altar mor, obra do tio <strong>de</strong> Aleijadinho, Antônio Francisco<br />

Pombal, é em <strong>dos</strong>sel clássico franjado com anjos abrindo o cortinado.<br />

Tem colunas torsas nas laterais e dois nichos competentes encima<strong>dos</strong><br />

por baldaquinos, abrigando belas imagens quase tão gran<strong>de</strong>s quanto a<br />

do orago. Acima <strong>dos</strong> capitéis das colunas estão dois fragmentos <strong>de</strong><br />

arquitrave que apoiam o <strong>dos</strong>sel. O trono é alto, em <strong>de</strong>graus abaula<strong>dos</strong>,<br />

sustentando a gran<strong>de</strong> imagem <strong>de</strong> N. S. da Conceição. O camarim é<br />

ricamente <strong>de</strong>corado com baixos-relevos. Há tribunas nas laterais do<br />

presbitério e entre elas há muitos <strong>de</strong>talhes <strong>de</strong>corativos, misturando<br />

relevos e pinturas. O teto da capela mor é <strong>de</strong>corado com pinturas<br />

suaves, mostrando os doutores da igreja e adornos em relevo.<br />

Os altares da nave também ten<strong>de</strong>m ao <strong>dos</strong>sel, graças aos<br />

baldaquinos existes no coroamento das colunas. Mostram farta talha <strong>de</strong><br />

motivos fito e zoomorfos com colunas torsas, anjos, nichos e tronos<br />

em forma <strong>de</strong> cântaro, típicos do primeiro quarto do século XVIII.<br />

Seguramente são anteriores à introdução das quartelas <strong>de</strong> Xavier <strong>de</strong><br />

Brito. Do lado direito <strong>de</strong> quem entra estão os altares <strong>de</strong> N. S. da Boa<br />

Morte, on<strong>de</strong> estariam os tais restos do Aleijadinho; N. S. do Rosário,<br />

São Gonçalo e São Miguel Arcanjo. Do lado contrário estão os altares<br />

<strong>de</strong> São José, São Sebastião, Santo Antônio e Sagrado Coração <strong>de</strong> Jesus.<br />

Os púlpitos ten<strong>de</strong>m para as linhas retas e têm bases muito<br />

discretas. O coro é reto e se sustenta em duas colunas em arco que se<br />

ligam <strong>às</strong> pare<strong>de</strong>s <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> se dobrarem num ângulo discreto.<br />

No vestíbulo há duas gran<strong>de</strong>s pias <strong>de</strong> água benta <strong>de</strong> pedra e no<br />

batistério encontra-se uma razoável pintura <strong>de</strong> são João Batista.<br />

Trabalharam no templo entre outros, o pintor José Martins e o<br />

dourador Manuel Gonçalves.<br />

Nos fun<strong>dos</strong> da igreja está o Museu do Aleijadinho on<strong>de</strong> se<br />

encontram várias <strong>de</strong> suas obras, inclusive o único retrato conhecido do<br />

escultor e que o representa como um típico mulato <strong>de</strong> cabelo carapinha<br />

<strong>de</strong>vidamente espichado e com as mãos disformes ocultas sob luvas ou<br />

ataduras. É pouco provável que a figura retrate mesmo o nosso<br />

Antônio Francisco Lisboa. Po<strong>de</strong> eventualmente, até se parecer com ele<br />

mas seguramente ele não posou para o retrato. Parece muito alegórico<br />

com os traços mulatos excessivamente caricatos e as mãos mutiladas<br />

tão postas em <strong>de</strong>staque.<br />

A matriz <strong>de</strong> Antônio Dias abrigava uma infinida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Irmanda<strong>de</strong>s no século XVIII, entre elas: Santíssimo Sacramento, N. S.<br />

da Conceição, Par<strong>dos</strong> da N. S. da Boa Morte, São Miguel e Almas, São<br />

179


Gonçalo, Santo Antônio, São Sebastião, Rosário da <strong>de</strong>voção do terço,<br />

São Francisco <strong>de</strong> Paula.<br />

Matriz <strong>de</strong> N. S. do Pilar - 1733<br />

A matriz da Paróquia do Ouro Preto é consi<strong>de</strong>rada a segunda<br />

igreja mais rica do Brasil tendo sido gastos perto <strong>de</strong> quatrocentos quilos<br />

<strong>de</strong> ouro no douramento da sua talha e mais tantos na prata das peças do<br />

sacro serviço. Praticamente não tem adro e o templo surge<br />

atravancando a passagem bem no meio da rua. Começou a ser<br />

construída em 1720 e foi inaugurada em 1733 para o que se organizou<br />

a famosa celebração do Triunfo Eucarístico que durou vários dias e<br />

mostrou com enorme ostentação, a riqueza daquela época <strong>de</strong> vacas<br />

gordas quando o quinto gerava folgadas cem arrobas <strong>de</strong> ouro à fazenda<br />

real. Os atos fúnebres pela morte <strong>de</strong> d. João V também foram aí<br />

realiza<strong>dos</strong>, do que há material alusivo no Museu Sacro <strong>de</strong> imagens e<br />

pratarias, anexo à matriz. Os treze anos que foram gastos na sua<br />

construção po<strong>de</strong>m ser consi<strong>de</strong>ra<strong>dos</strong> um recor<strong>de</strong> insuperável para uma<br />

igreja setecentista mineira. Talvez por isso acabou sendo construída<br />

sobre bases frágeis e cerca <strong>de</strong> noventa anos <strong>de</strong>pois teve que passar por<br />

reformas substanciais. Saint-Hilaire, com suas costumeiras contradições<br />

em relação <strong>às</strong> <strong>igrejas</strong> mineiras, 154 confessou que a igreja do Pilar era, “no<br />

geral bastante bonita”. Completou que as pinturas eram “passáveis”,<br />

muito acima do padrão da província. Atribuiu essa certa superiorida<strong>de</strong><br />

ao fato <strong>de</strong> que os pintores do Pilar tinham vindo diretamente <strong>de</strong><br />

Portugal, posto que os locais eram os tais “miseráveis borradores”. Não<br />

obstante os discretos elogios do sábio francês, por ocasião <strong>de</strong> sua visita<br />

o templo se encontrava em lamentável estado <strong>de</strong> conservação, tanto<br />

154 A sensação que se tem é que o sábio francês ficou um tanto perplexo diante da<br />

nossa arte religiosa barroca, emocionalmente gostando mas racionalmente<br />

repudiando. Afinal, como po<strong>de</strong>ria uma certa arte do interior do Brasil seduzir um<br />

legítimo <strong>de</strong>positário <strong>de</strong> boa porção da gloriosa cultura francesa. Convém não esquecer<br />

que o ano em que Saint Hilaire aportou no Brasil foi o mesmo da chegada da famosa<br />

“Missão Francesa” que, sob patrocínio real, veio fincar as bases do neoclassicismo em<br />

nosso país, <strong>de</strong>limitando uma cruel e brusca ruptura entre a arte colonial do século<br />

XVIII e a arte imperial do século XIX. Isso duraria um século e resultaria que o<br />

magnífico conjunto barroco da praça Tira<strong>de</strong>ntes em Ouro Preto viesse dar lugar ao<br />

neoclassicismo requentado do conjunto da praça da Liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Belo Horizonte,<br />

construído poucos anos antes do advento da Semana da Arte Mo<strong>de</strong>rna.<br />

180


que alguns anos <strong>de</strong>pois em 1826, ele passou por uma verda<strong>de</strong>ira<br />

reconstrução. Consta que a reconstrução das torres estaria inteiramente<br />

concluída em 1852, mas Burton registrou em sua visita a Ouro Preto<br />

em 1867, que as torres estavam “meio acabadas”, o que nos permite<br />

após singelo exercício aritmético, concluir que só a reforma das torres<br />

consumiu mais tempo do que toda a construção do templo original.<br />

O projeto arquitetônico é do sargento-mor Pedro Gomes<br />

Chaves <strong>de</strong> quem pouco sabemos. A igreja foi edificada em taipa pouco<br />

sólida do que resultou o edifício ter passado por várias ameaças <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sabamento ao longo <strong>dos</strong> anos o que obrigou <strong>às</strong> tais obras <strong>de</strong><br />

reconstrução em princípio do século XIX, que mencionamos.<br />

A distribuição arquitetônica é convencional com vestíbulo,<br />

nave, capela mor e corredores laterais que ligam à sacristia no andar<br />

térreo e ao consistório no andar superior. Acima do vestíbulo está o<br />

coro, muito espaçoso e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da nave. Tanto o piso do<br />

vestíbulo quanto o do coro são <strong>de</strong> pedra.<br />

O altar mor é do nosso notável Francisco Xavier <strong>de</strong> Brito,<br />

tendo trabalhado ainda na igreja em obras <strong>de</strong> entalhe nos altares laterais,<br />

José Coelho <strong>de</strong> Noronha, José Martins Lisboa e Antônio Francisco<br />

Pombal - o tio do Aleijadinho - e ainda João Carvalhais nas pinturas<br />

ilusionistas do teto da nave. O altar <strong>de</strong> Xavier <strong>de</strong> Brito é uma referência<br />

e nele estão as colunas em quartelas, tão usadas na segunda fase do<br />

nosso barroco e uma das suas características mais marcantes. É em<br />

<strong>dos</strong>sel clássico com a Santíssima Trinda<strong>de</strong> num plano mais elevado,<br />

sobressaindo-se os resplendores do Espírito Santo. O trono que<br />

sustenta a N. S. do Pilar é relativamente baixo, em camadas e talha<br />

branca e dourada. As colunas externas são <strong>de</strong>lgadas e torsas e as<br />

internas são as tais colunas em quartelas que, a partir daí, se espalharam<br />

por altares em to<strong>dos</strong> os cantos da capitania. Entre elas há falsos nichos<br />

com figuras <strong>de</strong> anjos. Na capela mor se <strong>de</strong>stacam ainda as pinturas<br />

laterais representando os quatro evangelistas no plano superior e as<br />

quatro estações no plano inferior. No centro do barrete está a<br />

representação da última ceia. No teto da nave, reto e com relevos<br />

artesoa<strong>dos</strong> estão representadas cenas do antigo testamento atribuídas a<br />

Carvalhais e também a Bernardo Pires que, portanto, são os tais que<br />

Saint-Hilaire consi<strong>de</strong>rou melhores que os borradores da terra.Tanto a<br />

nave quando a capela mor estão guarnecidas <strong>de</strong> tribunas com guardacorpo<br />

<strong>de</strong> jacarandá torneado que permitem uma bela visão do interior<br />

do templo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> um plano mais elevado. A igreja do Pilar oferece a<br />

181


vantagem <strong>de</strong> ter uma boa infraestrutura turística que permite ao<br />

visitante percorrer praticamente todas as suas <strong>de</strong>pendências, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />

museu na sacristia até as escadarias das torres.<br />

Embora tenha sido construída na primeira meta<strong>de</strong> do<br />

setecentos, a fachada é típica <strong>de</strong> uma transição para a última fase,<br />

combinando elementos das velhas matrizes com os templos das<br />

irmanda<strong>de</strong>s opulentas. Isso se explica pelo fato <strong>de</strong> que a fachada que<br />

hoje se vê não é a original tendo sido introduzida como parte das obras<br />

<strong>de</strong> reconstrução do templo já citadas, realizadas em mea<strong>dos</strong> do século<br />

XIX. 155 Há colunas e cunhais <strong>de</strong> cantaria e quatro janelões na parte<br />

principal do frontispício e na parte inferior <strong>de</strong> sustentação das torres,<br />

emoldura<strong>dos</strong> e com cimalhinhas simples <strong>de</strong> pedra. As colunas centrais<br />

são salientes e <strong>de</strong> forma arredondada. Há um óculo irregular<br />

envidraçado na parte principal da fachada e um segundo óculo menor<br />

cruciforme vazando no frontão. Este é em formato irregular com<br />

baixos relevos simples <strong>de</strong> massa <strong>de</strong> alvenaria e uma pequena cruz no<br />

topo. A cimalha é simples e se curva para contornar o óculo. As torres<br />

são altas, retangulares e sustentam uma cúpula piramidal achatada e<br />

irregular com o topo servindo <strong>de</strong> base a pináculos convencionais.<br />

Na nave chama a atenção a largura <strong>dos</strong> espaços laterais,<br />

guarneci<strong>dos</strong> <strong>de</strong> balaustradas em frente aos altares. Do alto das tribunas<br />

se po<strong>de</strong> perceber com clareza, a forma elíptica das pare<strong>de</strong>s internas da<br />

nave, estruturadas em ma<strong>de</strong>ira.<br />

O arco cruzeiro apresenta um gran<strong>de</strong> medalhão com anjos e<br />

uma coroa no alto e fileiras <strong>de</strong> buquês doura<strong>dos</strong> em suas colunas. A<br />

cornija é discreta com leves saliências e uma pintura suave imitando<br />

mármore. A nave apresenta seis altares, sendo que dois <strong>de</strong>les estão<br />

atravessa<strong>dos</strong> em cada lado do arco cruzeiro, quebrando os ângulos do<br />

transepto. São genericamente em <strong>dos</strong>sel e colunas em quartelas<br />

profusamente entalhadas.<br />

Os púlpitos, também profusamente entalha<strong>dos</strong>, apresentam<br />

figuras <strong>de</strong> anjos na base e são guarneci<strong>dos</strong> com baldaquinos. São os<br />

mais suntuosos <strong>de</strong> todas as <strong>igrejas</strong> setecentistas mineiras.<br />

Na sacristia encontra-se um belíssimo arcaz on<strong>de</strong> está um<br />

oratório em ma<strong>de</strong>ira natural, obra atribuída ao Aleijadinho. O teto é<br />

155 Situação semelhante ocorreu com a matriz do Pilar <strong>de</strong> São João <strong>de</strong>l Rei só que lá a<br />

<strong>de</strong>scaracterização foi mais contemporânea e a fachada atual ten<strong>de</strong> para o neoclássico,<br />

enquanto a matriz do Pilar <strong>de</strong> Ouro Preto ten<strong>de</strong> para o rococó.<br />

182


plano com molduras artesoadas, representando figuras com adornos<br />

puxa<strong>dos</strong> ao rococó. Apresenta ainda um lavabo em pedra sabão com as<br />

tradicionais figuras <strong>dos</strong> peixes entrelaça<strong>dos</strong>. Abaixo da sacristia está o<br />

museu sacro e acima está o consistório on<strong>de</strong> também existem várias<br />

imagens expostas.<br />

Assim como a matriz <strong>de</strong> Antônio Dias, a <strong>de</strong> Ouro Preto cedia<br />

espaço para uma série <strong>de</strong> Irmanda<strong>de</strong>s, como: Santíssimo Sacramento,<br />

N. S. do Pilar, Senhor <strong>dos</strong> Passos, Almas e Santo Antônio.<br />

Capela do Rosário <strong>dos</strong> Par<strong>dos</strong> do Padre Faria - 1740<br />

A capelinha do Padre Faria é muito especial e em alguns<br />

aspectos se rivaliza com a igrejinha do Ó <strong>de</strong> Sabará. É um <strong>dos</strong> poucos<br />

templos que não po<strong>de</strong>m ser vistos <strong>dos</strong> altos da praça Tira<strong>de</strong>ntes. Fica<br />

longe mas os <strong>de</strong>sacoroçoa<strong>dos</strong> po<strong>de</strong>m tomar um ônibus na própria<br />

praça e alcançá-la sem dificulda<strong>de</strong>s. A atual construção não é a original<br />

do Padre pois data <strong>de</strong> 1740, época em que seu corpo já repousava em<br />

paz em Guaratinguetá, como vimos, e sua alma já <strong>de</strong>via estar se<br />

regozijando no céu. A capela atual foi erigida pela Irmanda<strong>de</strong> <strong>dos</strong><br />

Par<strong>dos</strong> que <strong>de</strong>pois absorveu as Irmanda<strong>de</strong>s do Bom Sucesso e do<br />

Rosário <strong>dos</strong> Brancos expulsos pela Irmanda<strong>de</strong> do Rosário <strong>dos</strong> Pretos <strong>de</strong><br />

Santa Efigênia.<br />

Seu aspecto externo é bastante singelo. Tem um pequeno adro<br />

que se alcança após uma escada e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> se passar por uma espécie<br />

<strong>de</strong> mata burro muito peculiar. Há um gran<strong>de</strong> cruzeiro à frente,<br />

ostentando a cruz papal. A capela não tem torre sendo seu sino alojado<br />

numa edificação à parte, acrescida ao conjunto um pouco mais tar<strong>de</strong>. A<br />

fachada é típica das capelas do início do século XVIII com toda a<br />

simplicida<strong>de</strong>. Constitui-se numa peça única sem cimalha e sem frontão<br />

com uma simples empena baixa, sustentando uma discreta cruz. Os<br />

cunhais são arremata<strong>dos</strong> por coruchéus que vão até a altura do topo da<br />

empena. A porta avantajada está la<strong>de</strong>ada na parte superior, por dois<br />

janelões.<br />

O aspecto atual da fachada foi restabelecido em 1940 quando o<br />

IPHAN eliminou os acréscimo e modificações introduzidas no século<br />

XIX, buscando retornar a capela ao seu formato original setecentista. A<br />

singeleza externa contrasta com a gran<strong>de</strong> riqueza interna. A capela mor<br />

é pequena mas encontrou-se espaço suficiente para a colocação <strong>de</strong> um<br />

óculo retangular único e dois quadros ricamente emoldura<strong>dos</strong> em cada<br />

uma das pare<strong>de</strong>s laterais. O altar é muito peculiar. Não há <strong>dos</strong>sel mas as<br />

183


colunas laterais não chegam a completar o arco no coroamento, sendo<br />

interrompidas por complexos fragmentos <strong>de</strong> arquitrave e consolos. As<br />

colunas torsas têm profun<strong>dos</strong> entalhes fitomorfos e há dois minúsculos<br />

nichos entre elas que abrigam são Sebastião e são João da Cruz. Há um<br />

buquê <strong>de</strong> anjos no alto do retábulo. O camarim é espaçoso, com rica<br />

<strong>de</strong>coração <strong>de</strong> talha e adornos policroma<strong>dos</strong>. O trono é relativamente<br />

simples e ostenta a imagem <strong>de</strong> N. S. do Rosário. Ao pé do trono está a<br />

N. S. do Parto, postada sobre o sacrário. O teto ostenta uma<br />

competente pintura em complexas perspectivas arquitetônicas,<br />

lembrando um pouco as pinturas <strong>de</strong> José Soares <strong>de</strong> Araújo em <strong>igrejas</strong><br />

da região <strong>de</strong> Diamantina, porém mais luminosa. O arco cruzeiro é<br />

simples e ostenta um medalhão coroado, sustentado por anjos<br />

sorri<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> boca carmim e <strong>de</strong>ntes à mostra, graciosamente<br />

assenta<strong>dos</strong> sobre a cornija simples e <strong>de</strong>ntilhada que contorna e embute<br />

o forro da nave. No transepto estão altares dispostos obliquamente. São<br />

muito especiais. Possuem colunas torsas na parte externa, sustentando<br />

fragmentos <strong>de</strong> arquitrave. Na parte interna há entalhes <strong>de</strong> robustos<br />

consolos que não chegam a ser propriamente uma coluna. Acima está<br />

um semibaldaquino ou falso <strong>dos</strong>sel, encimado por medalhões coroa<strong>dos</strong>,<br />

sustenta<strong>dos</strong> por anjos. O altar da esquerda apresenta um nicho<br />

incomum, abaixo do trono. Nos la<strong>dos</strong>, em seus lugares usuais estão<br />

ainda dois nichos com baldaquinos. O teto da nave apresenta uma<br />

pintura <strong>de</strong>scorada que tenta inutilmente, criar efeitos <strong>de</strong> volumes<br />

arquitetônicos. Segundo consta é <strong>de</strong> 1930, executada após uma reforma<br />

que removeu o forro original. Os púlpitos são enriqueci<strong>dos</strong> por<br />

adornos doura<strong>dos</strong> e repousam sobre robustas bases em forma <strong>de</strong><br />

consolos. O coro é reto e se sustenta em pilastras coladas nas laterais.<br />

Sob ele há um forro artesoado mas sem pinturas. A sacristia tem o piso<br />

lajeado e dispõe <strong>de</strong> um lavabo <strong>de</strong> pedra, adornado com um mascarão.<br />

Uma singularida<strong>de</strong>: a Capela do Santíssimo fica <strong>de</strong>baixo do altar mor<br />

com acesso pela sacristia.<br />

Igreja <strong>de</strong> Santa Efigênia do Alto da Cruz - 1733<br />

A igreja da Irmanda<strong>de</strong> do Rosário <strong>dos</strong> Pretos fica situada na<br />

parte elevada do morro que separava o arraial do Padre Faria do <strong>de</strong><br />

Antônio Dias. É a tal que Burton comparou estranhamente a uma<br />

Frankenstein ameaçador. Do seu adro tem-se uma das mais belas visões<br />

<strong>de</strong> Ouro Preto, do lado leste da cida<strong>de</strong>. Para alcançá-lo é necessário<br />

galgar uma imponente escadaria <strong>de</strong> pedras. Reza a tradição que o<br />

184


templo foi construído com ouro <strong>dos</strong> escravos, especialmente da Mina<br />

do Chico Rei. A Irmanda<strong>de</strong> foi constituída em 1717 na freguesia da N.<br />

S. da Conceição, a paróquia <strong>de</strong> Antônio Dias. A data <strong>de</strong> referência da<br />

construção do templo é 1733, portanto mesmo ano do Triunfo<br />

Eucarístico que marcou a inauguração da matriz do Pilar. Seu aspecto<br />

exterior é <strong>de</strong> soli<strong>de</strong>z, lembrando um estabelecimento militar. A parte<br />

principal do frontispício é <strong>de</strong>limitada por duas colunas. Estão em níveis<br />

diferentes e sustentam uma cimalha rasa que se curva no centro para<br />

contornar um semióculo irregular envidraçado com uma moldura <strong>de</strong><br />

pedra e que repousa sobre um bonito nicho on<strong>de</strong> está a imagem do<br />

orago do templo. Ao lado estão duas sacadas com balaustradas <strong>de</strong> ferro<br />

e molduras e cimalhinhas <strong>de</strong> pedra. A porta é simples com adornos<br />

romanos na trave superior e sólidas ombreiras, lembrando um pouco<br />

coisas do barroco italiano. O frontão é irregular e sustenta uma cruz<br />

sobre esferas com discretos resplendores. A moldura lembra também,<br />

traços italianos, com volutas discretas e robustas nas laterais. As torres<br />

são altas e ostentam arremates arredonda<strong>dos</strong> <strong>de</strong> pedra nas quinas. As<br />

cúpulas são esféricas e chatas, repousam sobre uma base saliente com o<br />

mesmo traçado da cimalha e terminam com pináculos com pontas<br />

esféricas. Abaixo há dois falsos relógios com os números grava<strong>dos</strong> em<br />

círculos <strong>de</strong> pedra. Manuel Francisco Lisboa esteve presente na<br />

construção do templo, po<strong>de</strong>ndo ter sido o autor do projeto<br />

arquitetônico.<br />

O exterior <strong>de</strong>sta igreja tem uma importância especial pois<br />

extrapola o mo<strong>de</strong>lo das fachadas da primeira meta<strong>de</strong> do século,<br />

incorporando elementos barrocos a outros elementos tipicamente<br />

rococós que só iriam se consolidar nos templos mineiros, cerca <strong>de</strong> trinta<br />

anos <strong>de</strong>pois. 156 Junto com a matriz <strong>de</strong> Caeté mostra a trajetória da<br />

mudança sedimentada na parte final do século e ilustra como essa<br />

mudança fluiu das mãos do pai do Aleijadinho para ele, que muito bem<br />

soube revigorar enormemente os ensinamentos que recebeu. Há,<br />

contudo, quem acredite que Manuel Francisco Lisboa tenha sido apenas<br />

empreiteiro e fornecedor <strong>de</strong> materiais, que pouco contribuiu para o<br />

embelezamento <strong>de</strong>sta igreja e que a “mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>” da sua fachada foi<br />

fruto <strong>de</strong> modificações gradativas, visando melhorá-la <strong>de</strong> acordo com a<br />

moda predominante em cada época. Em assim sendo, reforça-se a tese<br />

<strong>de</strong> que a fachada da matriz <strong>de</strong> Caeté foi mesmo obra <strong>de</strong> Bracarena.<br />

156 A concha invertida que sustenta a abóbada do nicho é rococó clássico.<br />

185


O altar mor é em <strong>dos</strong>sel clássico com anjos abrindo o cortinado<br />

e tudo mais. Acima do arco do retábulo está o medalhão coroado,<br />

sustentado por mais anjos. Não há propriamente colunas, mas sim<br />

fragmentos <strong>de</strong> consolos entalha<strong>dos</strong> em motivos fitomorfos. Há dois<br />

nichos com baldaquinos e o trono é simples, estruturado em <strong>de</strong>graus<br />

largos e retos. O teto da capela mor, em forma <strong>de</strong> barrete, exibe<br />

pinturas em perspectivas, <strong>de</strong>stacando a figura do papa negro com<br />

barrete frígio. Há muitos entalhes nas laterais cujas pare<strong>de</strong>s estão<br />

rasgadas por tribunas com balaústres. Entre elas há pinturas com<br />

molduras ricamente entalhadas. Existem ainda duas portas com verga<br />

adornada com fragmentos <strong>de</strong> arquitrave.<br />

Os altares do transepto estão fixa<strong>dos</strong> num ângulo incomum,<br />

sendo a parte que se encosta na pare<strong>de</strong> da nave maior do que a parte<br />

que se encosta na pare<strong>de</strong> do arco cruzeiro. Este é simples, <strong>de</strong> pedra<br />

com belos capitéis adorna<strong>dos</strong> com acantos. Há um gran<strong>de</strong> medalhão<br />

segurado por anjos no coroamento.<br />

Os primeiros altares não têm <strong>dos</strong>sel mas apenas um arco<br />

trabalhado, acima <strong>dos</strong> quais dois anjos levitam com a coroa. As colunas<br />

externas são torsas e não há propriamente colunas internas mas sim<br />

fragmentos <strong>de</strong> consolos. Existem ainda dois pequenos nichos com<br />

baldaquinos.<br />

Os dois altares seguintes, seguramente mais recentes, são em<br />

<strong>dos</strong>sel clássico, encima<strong>dos</strong> por altos espaldares adorna<strong>dos</strong> com coroa e<br />

anjos. Há <strong>de</strong>lgadas pilastras em quartela na parte interna e colunas<br />

torsas na parte externa.<br />

As pinturas estão bastante <strong>de</strong>scoradas assim como os retábulos<br />

que já exibem a ma<strong>de</strong>ira natural predominando sobre fragmentos do<br />

antigo douramento.<br />

Os púlpitos repousam sob consolos robustos em pedra e a<br />

cimalha é simples e <strong>de</strong>ntilhada.<br />

O coro é reto, guarneci<strong>dos</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>lga<strong>dos</strong> balaústres e sustentado<br />

por um arco complexo, apoiado nas pare<strong>de</strong>s sob umas espécies <strong>de</strong><br />

consolos.<br />

O altar mor e os dois altares perto <strong>dos</strong> púlpitos são atribuí<strong>dos</strong> a<br />

ao gran<strong>de</strong> Francisco Xavier <strong>de</strong> Brito.<br />

O teto da sacristia é artesoado, enquadrando variadas pinturas,<br />

<strong>de</strong>stacando-se os pés bailarinos <strong>de</strong> são João Batista. Segundo os guias<br />

turísticos, quando você se movimenta em torno do quadro, os pés o<br />

acompanham variando o ângulo inicial <strong>de</strong> visão.<br />

186


No final do século XIX o templo passou por famigera<strong>dos</strong><br />

trabalhos <strong>de</strong> repintura que muito <strong>de</strong>scaracterizou as ilustrações<br />

primitivas. Houve uma tentativa <strong>de</strong> restauração por volta <strong>de</strong> 1960, sem<br />

contudo ter se conseguido reaver os traços originais, restando pois os<br />

resquícios da tentativa frustrada.<br />

A <strong>de</strong>speito das irmanda<strong>de</strong>s não se enten<strong>de</strong>rem muito bem, ou<br />

talvez por isso mesmo, existem muitos traços comuns entre esta igreja<br />

e a capela do Padre Faria. De resto ela é sem dúvida, uma das mais ricas<br />

<strong>igrejas</strong> <strong>de</strong> irmanda<strong>de</strong> <strong>de</strong> pretos do século XVIII.<br />

Igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Assis – 1766<br />

A igreja da Irmanda<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Ouro Preto é tida<br />

unanimemente, como um <strong>dos</strong> mais belos templos do Brasil, criação<br />

representativa da melhor expressão <strong>dos</strong> gênios <strong>de</strong> Aleijadinho e Ataí<strong>de</strong>.<br />

Junto com a vizinha igreja do Carmo formam o mais extraordinário<br />

acervo religioso setecentista por metro quadrado do país. Ambas<br />

representam o que <strong>de</strong> melhor a última fase do barroco mineiro po<strong>de</strong><br />

proporcionar aos nossos olhos. Tudo nela está repleto <strong>de</strong> <strong>de</strong>talhes<br />

especiais, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o frontispício até a sacristia. A fachada i<strong>de</strong>alizada e<br />

executada pelo Aleijadinho é extremamente original e coroa o ápice do<br />

talento do mestre, num <strong>de</strong>senho que ele já vinha amadurecendo anos<br />

antes, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a igreja <strong>de</strong> São João Batista <strong>de</strong> Barão <strong>de</strong> Cocais, passando<br />

pela Carmo <strong>de</strong> Sabará e que consolidaria na vizinha igreja do Carmo e<br />

repetiria na São Francisco <strong>de</strong> São João <strong>de</strong>l Rei. Há registros <strong>de</strong> que ele<br />

teria trabalhado na fachada durante muitos anos e que a teria<br />

modificado <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> já a ter dado por concluída. O primeiro <strong>de</strong>talhe a<br />

salientar é a posição das torres que não ficam no mesmo alinhamento<br />

do corpo principal da fachada mas sim um pouco recuadas. Essa<br />

solução dá à base das mesmas uma autonomia que é ainda mais<br />

salientada pelas colunas redondas <strong>de</strong> pedra que valorizam o próprio<br />

corpo principal. No centro <strong>de</strong>ssas colunas está a magnífica portada,<br />

la<strong>de</strong>ada por belas ombreiras e encimada por profusa talha em pedra<br />

sabão tendo dois anjos nas laterais e acima o medalhão <strong>de</strong> são<br />

Francisco no Monte Alverne. O frontão como dito, é extremamente<br />

original e, na situação inversa do que ocorre com a base das torres,<br />

quase não se distingue o limite entre ele e o corpo principal do<br />

frontispício a não ser pela cimalha que contorna o medalhão. Ao lado<br />

há dois pesa<strong>dos</strong> adornos <strong>de</strong> pedra <strong>de</strong> inspiração renascentista,<br />

repousando sobre as colunas que ultrapassam a cimalha para lhes dar<br />

187


sustentação. Na parte central do frontão está a base da cruz <strong>de</strong> Lorena<br />

com duas piras <strong>dos</strong> la<strong>dos</strong>. As torres recuadas são cilíndricas e cobertas<br />

por cúpulas no mesmo formato, arrematadas em pináculos singelos.<br />

O interior é uma festa <strong>de</strong> harmonia <strong>de</strong> sóbrios espaços<br />

monocromáticos com as profusas cores <strong>de</strong> Ataí<strong>de</strong> e os entalhes do<br />

Aleijadinho. No teto da nave está a famosa pintura da virgem mulata,<br />

tendo aos pés um rei David tocando humil<strong>de</strong> harpa e <strong>dos</strong> la<strong>dos</strong>, as tais<br />

colunas que cutucam o infinito. Nas cantoneiras do teto da nave, em<br />

planos distintos do painel principal, estão as figuras <strong>dos</strong> quatro<br />

doutores da igreja, tão estima<strong>dos</strong> pelos pintores setecentistas mineiros.<br />

Emoldurando todo o painel estão salientes cornijas com pintura<br />

imitando mármore.<br />

O altar mor do Aleijadinho é relativamente sóbrio, com pouca<br />

talha dourada. Tem um trono em forma piramidada com a imagem <strong>de</strong><br />

N. S. da Conceição tendo são Francisco à frente. Nas laterais há dois<br />

nichos com imagens <strong>de</strong> roca, um tanto ou quanto impie<strong>dos</strong>as. Não há<br />

propriamente um <strong>dos</strong>sel mas sim uma espécie <strong>de</strong> medalhão,<br />

transbordando figuras da Santíssima Trinda<strong>de</strong>. Os altares laterais são<br />

consi<strong>de</strong>ra<strong>dos</strong> inferiores ao conjunto da igreja. São em <strong>dos</strong>sel com<br />

sanefas e foram executa<strong>dos</strong> por Vicente Alves da Costa sobre um risco<br />

original do Aleijadinho. Há quem acredite que eles tenham sido<br />

piora<strong>dos</strong> por modificações feitas já no século XIX. De fato são rústicos<br />

e <strong>de</strong>stoantes. Na parte alta da nave, acima <strong>dos</strong> altares, estão gran<strong>de</strong>s<br />

janelões envidraça<strong>dos</strong>. É interessante observar que as molduras <strong>de</strong>sses<br />

janelões são em formatos varia<strong>dos</strong>.<br />

No teto da nave há também diversos medalhões com esculturas<br />

<strong>de</strong> santos e uma figura <strong>de</strong> anjo no centro. Vários artistas trabalharam<br />

na ornamentação da capela mor. Há registro <strong>de</strong> trabalhos <strong>de</strong><br />

douramento e pinturas <strong>de</strong> João Batista <strong>de</strong> Figueiredo; como dito, tido<br />

por alguns como mestre <strong>de</strong> Ataí<strong>de</strong> ou pelo menos, como um autor cuja<br />

obra o influenciou. Também po<strong>de</strong>m ser vistos painéis imitando azulejo,<br />

pinta<strong>dos</strong> por Ataí<strong>de</strong> nas pare<strong>de</strong>s laterais da capela mor, com as famosas<br />

passagens da vida <strong>de</strong> Abrão. Ele também trabalhou na policromia do<br />

retábulo. No alto das pare<strong>de</strong>s laterais do presbitério po<strong>de</strong>m ser vistos,<br />

entre painéis em forma <strong>de</strong> medalhão, dois gran<strong>de</strong>s óculos <strong>de</strong> perfil<br />

cruciforme. Os púlpitos do Aleijadinho estão apoia<strong>dos</strong> no arco cruzeiro<br />

o que também é uma rarida<strong>de</strong> já que em geral, eles costumam ficar nas<br />

laterais da nave. Dizem que o cônego Luiz Vieira da Silva, nosso douto<br />

inconfi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Mariana e festejado orador foi quem fez o primeiro<br />

188


sermão, inaugurando os famosos púlpitos. O arco da entrada da nave é<br />

valorizado por molduras em cantaria em voltas originais. O coro está<br />

sobre o vestíbulo, avança sobre a nave e ostenta um guarda-corpo leve.<br />

Ao lado há pinturas sobre medalhões semelhantes aos que se<br />

encontram no lado oposto da nave e na capela mor. No teto do<br />

vestíbulo há uma pintura em bom rococó. Não há tribunas 157 e duas<br />

portas laterais dão acesso à sacristia ricamente <strong>de</strong>corada, contendo<br />

inclusive um lavabo especial criado por Aleijadinho e o tradicional arcaz<br />

<strong>de</strong> jacarandá. Há um quadro <strong>de</strong> santo Ivo que, segundo a lenda, é na<br />

verda<strong>de</strong> um retrato <strong>de</strong> Cláudio Manuel da Costa travestido <strong>de</strong> santo. 158<br />

Esta teria sido uma providência urdida pela família para poupar a tela<br />

da <strong>de</strong>struição ou <strong>de</strong> ser incluída no seqüestro <strong>de</strong> bens perpetrado pela<br />

Coroa sobre o que sobrou do saque <strong>às</strong> suas casas, como vimos. De fato,<br />

nosso poeta pertenceu à fina flor da elite <strong>de</strong> Vila Rica o que<br />

obrigatoriamente passava pelo privilégio <strong>de</strong> fazer parte da Irmanda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

São Francisco <strong>de</strong> Assis. 159<br />

Assistimos a uma cerimônia na igreja num sábado à noite,<br />

simpática apesar da música <strong>de</strong>stoar miseravelmente do ambiente o que<br />

157 A nobre e elitista Or<strong>de</strong>m Terceira <strong>de</strong> São Francisco não era uma irmanda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

pessoas diferentes mas sim <strong>de</strong> irmãos iguais, posto que, infinitamente superiores ao<br />

resto da plebe. Daí porque se dispensar as tribunas, tradicionais espaços reserva<strong>dos</strong><br />

aos mais bem favoreci<strong>dos</strong> pela sorte, tão comum, especialmente nas matrizes.<br />

158 Essa história, contada por Augusto <strong>de</strong> Lima Jr., não tem muita credibilida<strong>de</strong> nos<br />

dias <strong>de</strong> hoje.<br />

159 Segundo ainda Augusto <strong>de</strong> Lima Jr., Cláudio Manuel da Costa teve gran<strong>de</strong><br />

influência na construção da igreja mas houve preocupação sistemática <strong>dos</strong> inimigos do<br />

poeta em ocultar esse fato, inclusive com <strong>de</strong>struição <strong>de</strong> documentos. Sabe-se que<br />

nosso infeliz inconfi<strong>de</strong>nte teve muita dificulda<strong>de</strong> em ser admitido na Irmanda<strong>de</strong>, não<br />

só porque era filho <strong>de</strong> um simples comerciante, como também porque vivia<br />

maritalmente com uma negra. Sua admissão só se <strong>de</strong>u <strong>de</strong>vido a ele ser rico e famoso,<br />

inclusive com obras publicadas e admiradas em Portugal. Certamente isso <strong>de</strong>ixou<br />

seqüelas e não fica dúvida que alguns membros mais conservadores e influentes da<br />

irmanda<strong>de</strong> nunca tenham engolido isso, tanto que ao morrer, sob a infame suspeita <strong>de</strong><br />

suicídio, como vimos; teve sua missa fúnebre rezada na matriz pública do Pilar e não<br />

na sua igreja <strong>de</strong> São Francisco. Isso tudo é muito significativo pois sugere que os<br />

inimigos do dr. Cláudio da Irmanda<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Francisco, aceitaram a versão do<br />

suicídio, ao contrário da comunida<strong>de</strong>, como um todo.<br />

189


nos fez lamentar não ter ocorrido naquela noite, o resgate <strong>de</strong> alguma<br />

peça da sabidamente competente música setecentista mineira. Mas não<br />

me incomo<strong>de</strong>i muito, absorto que estava com o teto <strong>de</strong> Ataí<strong>de</strong>.<br />

Na seqüência fizemos um tardio passeio pela cida<strong>de</strong> <strong>de</strong>serta,<br />

escura e em silêncio. Ao passarmos em frente à Casa <strong>dos</strong> Contos<br />

tivemos a clara sensação <strong>de</strong> ouvir os mesmos passos que naquele local,<br />

a duzentos e poucos anos atrás, prece<strong>de</strong>ram o possível irmão Lourenço<br />

do Caraça, <strong>de</strong>vidamente embuçado, em direção à rua Direita, em busca<br />

da casa do dr. Diogo Ribeiro Pereira <strong>de</strong> Vasconcelos, para avisar<br />

comprometedoramente <strong>de</strong> que a inconfidência havia sido <strong>de</strong>latada e a<br />

caça <strong>às</strong> bruxas ia começar.<br />

Na volta do passeio, já tar<strong>de</strong> buscando tropegamente nosso<br />

hotel, passamos novamente em frente à igreja <strong>de</strong> São Francisco e a<br />

contemplamos mais uma vez, agora iluminada apenas pelo luar. Meu<br />

irmão, não existe criação mais genial em toda a histórica arquitetônica<br />

brasileira, seja <strong>de</strong> que século for!<br />

Igreja <strong>de</strong> N. S. do Carmo – 1766<br />

Do lado do Museu da Inconfidência está a outra gran<strong>de</strong> obraprima<br />

da última fase do barroco mineiro, monumento também a<br />

glorificar os gênios <strong>de</strong> Antônio Francisco Lisboa e Manuel da Costa<br />

Ataí<strong>de</strong>. Falo da igreja da outra po<strong>de</strong>rosa irmanda<strong>de</strong> <strong>dos</strong> bem nasci<strong>dos</strong>: a<br />

igreja <strong>de</strong> N. S. do Carmo. Faz parte do seleto grupo das mais belas<br />

<strong>igrejas</strong> do Brasil e é talvez o mais fotografado monumento <strong>de</strong> Ouro<br />

Preto graças ao belo efeito que proporciona, ao flanco do igualmente<br />

belo edifício do museu.<br />

Tive a felicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estar em Ouro Preto num domingo <strong>de</strong><br />

manhã e ouvir o criativo e festeiro toque do sino do majestoso templo,<br />

espetáculo hoje ten<strong>de</strong>ndo à rarida<strong>de</strong>. Está erigida em posição<br />

privilegiada no local da antiga capela <strong>de</strong> Santa Quitéria, <strong>de</strong> frente para o<br />

antigo arraial do Ouro Preto. O risco original é <strong>de</strong> Manuel Francisco<br />

Lisboa que morreu logo após entregá-lo, o que obrigou seu iluminado<br />

filho a processar as alterações pedidas pela irmanda<strong>de</strong>. Aqui o pai do<br />

nosso amado mulato coroou sua carreira, bem aproveitando seu<br />

aprendizado adquirido na matriz <strong>de</strong> Caeté e na igreja <strong>de</strong> Santa Efigênia<br />

do Vira e Saia, da vizinha paróquia do Antônio Dias. A construção do<br />

templo é muito bem documentada e historiada. Seus arquivos nos<br />

fornecem amplo e interessante material <strong>de</strong> como as construções das<br />

<strong>antigas</strong> <strong>igrejas</strong>, especialmente aquelas patrocinadas por irmanda<strong>de</strong>s<br />

190


po<strong>de</strong>rosas, eram melindrosa e minuciosamente acompanhadas através<br />

<strong>de</strong> auditorias técnicas fundamentadas em perícias e contraperícias. A<br />

construção do templo correu praticamente em paralelo ao da vizinha<br />

São Francisco <strong>de</strong> Assis com alguns artistas revezando obras em uma e<br />

outra. Uma rarida<strong>de</strong> a ser registrada é que o risco do altar mor é <strong>de</strong><br />

Ataí<strong>de</strong> que fez também douramento <strong>de</strong> altares e pintou o camarim do<br />

altar da sacristia. Segundo os entendi<strong>dos</strong>, o estilo que nosso pintor<br />

setecentista maior imprimiu no risco do altar mor é <strong>de</strong> um rococó<br />

original, parecido com o do norte <strong>de</strong> Portugal. O retábulo apresenta<br />

colunas retas, apoiadas sobre consolos com estrias mistas, retas em<br />

cima e onduladas na parte inferior. O arco é franjado com um<br />

medalhão e conchea<strong>dos</strong> doura<strong>dos</strong> no contorno. O trono é em forma<br />

<strong>de</strong> pirâmi<strong>de</strong> com <strong>de</strong>graus retos e discretos adornos. O camarim é<br />

amplo, apresenta figuras pintadas e um medalhão gravado no teto. As<br />

tribunas da capela mor são muito especiais, emolduras por imponentes<br />

arcos <strong>de</strong> pedra que também se abrem para a nave. As imagens laterais<br />

do altar mor são <strong>de</strong> roca representando santo Elias e santa Tereza. Há<br />

ainda imagens <strong>de</strong> roca nos nichos <strong>dos</strong> altares laterais.<br />

Existem painéis <strong>de</strong> azulejos nos barra<strong>dos</strong> da capela mor o que é uma<br />

rarida<strong>de</strong> nas <strong>igrejas</strong> mineiras. Eles po<strong>de</strong>m ter servido <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lo para as<br />

competentes imitações que Ataí<strong>de</strong> fez no templo <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong><br />

Assis. Nosso pintor sacro maior influenciou muito no projeto da igreja<br />

do Carmo. Deixou documentos escritos dando dicas para a <strong>de</strong>coração<br />

da igreja, inclusive <strong>de</strong>saconselhando o douramento das cornijas,<br />

justificando que seria gasto muito dinheiro para pouco efeito. A<br />

execução do altar mor ficou a cargo do entalhador Vicente Alves da<br />

Costa, o mesmo <strong>dos</strong> altares laterais da igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Assis,<br />

já mencionado. O Aleijadinho trabalhou nos altares <strong>de</strong> N. S. da Pieda<strong>de</strong><br />

e <strong>de</strong> São João, no arco cruzeiro e segundo alguns autores, fez o risco do<br />

lavabo da sacristia, executado por Francisco <strong>de</strong> Lima Cerqueira outro<br />

competente artífice setecentista. 160 Seu discípulo Justino Ferreira <strong>de</strong><br />

Andra<strong>de</strong> é responsável pela execução <strong>de</strong> alguns <strong>dos</strong> altares laterais e<br />

<strong>dos</strong> magníficos púlpitos apoia<strong>dos</strong> sobre sólidas bases em formato <strong>de</strong><br />

taças. Predomina entre eles a cor branca com frisos doura<strong>dos</strong>, com<br />

160 Sabe-se que ele fez modificações no projeto original do Aleijadinho na fachada da<br />

igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Assis <strong>de</strong> São João <strong>de</strong>l Rei. Não sabemos se fez o mesmo no<br />

projeto <strong>de</strong>sse lavabo. Na verda<strong>de</strong> é provável que o risco <strong>de</strong>sta peça seja mesmo do<br />

próprio Cerqueira, cujo talento não se rivaliza com o <strong>de</strong> Antônio Francisco Lisboa<br />

mas que, provavelmente, também não chegava a atrapalhá-lo.<br />

191


colunas retas contornadas por ramadas douradas na parte externa e<br />

quartelões na parte interna. Na parte superior <strong>dos</strong> retábulos<br />

predominam arcos rendilha<strong>dos</strong> sob sanefas com pingentes. O<br />

Aleijadinho também vez intervenções nos altares <strong>de</strong> Santa Quitéria e<br />

Santa Luzia a pedido da Irmanda<strong>de</strong> que não ficou satisfeita com o risco<br />

original. Não há nichos nos altares da neve, o que é uma rarida<strong>de</strong>.<br />

O arco cruzeiro está estruturado em pedras <strong>de</strong> corte reto e<br />

ostenta um amplo medalhão no alto, obra atribuída também ao<br />

Aleijadinho. A cornija se <strong>de</strong>stoa do resto do conjunto pela sua<br />

singeleza, parecendo que os irmãos exageraram em seguir os conselhos<br />

<strong>de</strong> Ataí<strong>de</strong> <strong>de</strong> que ela não merecia gran<strong>de</strong>s investimentos.<br />

Já encontrei referências equivocadas, <strong>de</strong> que o gran<strong>de</strong> pintor<br />

marianense teria pintado o teto da igreja do Carmo mas a pintura que<br />

hoje lá está, assim como a do teto da capela mor, foram executadas já<br />

no século XX, pelo pintor italiano Ângelo Clerici. Destoam<br />

<strong>de</strong>sagradavelmente do resto do conjunto.<br />

A sacristia localizada atrás da capela mor, além do lavabo do<br />

Aleijadinho e Lima Cerqueira, apresenta o teto adornado com um<br />

conjunto <strong>de</strong> belas pinturas rococó enquadradas em formas artesoadas e<br />

o oratório com pinturas <strong>de</strong> Ataí<strong>de</strong>. Há quem atribua também a ele as<br />

pinturas do teto. A mim, a virgem <strong>de</strong> um <strong>dos</strong> retratos parece <strong>de</strong>scarnada<br />

e excessivamente virginal, mas a qualida<strong>de</strong> das pinceladas é indiscutível.<br />

Contudo as nuvens não têm as características <strong>dos</strong> novelos <strong>de</strong> Ataí<strong>de</strong> e<br />

as cores <strong>de</strong>cididamente, não são valentes e insabidas.<br />

Destaques ainda para as interessantes colunas <strong>de</strong> pedra que<br />

sustentam o coro e as colunas das laterais do tapa vento, ambas <strong>de</strong><br />

nítida inspiração egípcia.<br />

A igreja <strong>de</strong> N. S. do Carmo <strong>de</strong> Ouro Preto, pelas suas<br />

dimensões, soli<strong>de</strong>z e localização é uma das mais imponentes <strong>igrejas</strong><br />

<strong>antigas</strong> mineiras. O projeto modificado pelo Aleijadinho, apresenta<br />

como <strong>de</strong>staques a portada, o frontão e as torres. A parte principal do<br />

frontispício é claramente distinta das bases <strong>de</strong> sustentação das torres<br />

que se encontram um pouco recuadas. Todo o conjunto é <strong>de</strong>limitado<br />

por pilastras, cunhais e um barrado <strong>de</strong> cantaria. A portada monumental<br />

do Aleijadinho é finamente trabalhada em pedra sabão com os<br />

emblemas do Carmo estampa<strong>dos</strong> acima da verga e os portais, em forma<br />

<strong>de</strong> quartelas, com fragmentos <strong>de</strong> arquitrave em cima e abundantes<br />

entalhes representando figuras <strong>de</strong>ssimétricas <strong>de</strong> conchas, volutas e<br />

192


anjos. Mais acima se abre um gran<strong>de</strong> óculo envidraçado <strong>de</strong> formato<br />

original, circundado por uma sólida e artística moldura <strong>de</strong> pedra. Ao<br />

lado estão dois janelões com balaustradas <strong>de</strong> ferro e cimalhinhas<br />

interrompidas. Há duas janelas seteiras nas laterais. A cimalha se curva<br />

para contornar o óculo. O frontão é bastante imponente, tem duas<br />

volutas <strong>de</strong> inspiração renascentista na sua parte <strong>de</strong> baixo, apoiadas<br />

sobra as colunas <strong>de</strong> cantaria que atravessam a cimalha para lhes dar<br />

sustentação. Na parte superior há uma base larga sobre a qual se apoia<br />

uma cruz em discreto resplendor, la<strong>de</strong>ada por duas espécies <strong>de</strong><br />

coruchéus finos, com estrelas. As torres são levemente curvilíneas com<br />

cantos sextava<strong>dos</strong> que se constituem em prolongamentos <strong>dos</strong> cunhais.<br />

Parecem um tanto <strong>de</strong>lgadas para a robustez do conjunto. São cobertas<br />

por cúpulas na forma <strong>de</strong> sinos arrematadas por altos e pesa<strong>dos</strong><br />

pináculos. Em toda a fachada predominam linhas horizontais levemente<br />

abauladas. Apenas as pilastras e cunhais <strong>de</strong> alvenaria são inteiramente<br />

retos.<br />

É a igreja preferida pelos turistas <strong>de</strong> Ouro Preto não só pela<br />

localização como pela vista e, sobretudo, pela sua beleza natural<br />

setecentista. É o templo que ilustra a capa do livro sobre as mais belas<br />

<strong>igrejas</strong> do Brasil, já citado.<br />

Tentei acompanhar minha mulher numa missa no templo <strong>dos</strong><br />

irmãos do Carmo numa manhã ensolarada <strong>de</strong> domingo. Mas na falta <strong>de</strong><br />

um teto <strong>de</strong> Ataí<strong>de</strong> e tendo que me contentar com a ilustração que<br />

Clerici cometeu no forro da igreja e que lembra uma folhinha mariana,<br />

preferi ficar do lado <strong>de</strong> fora reparando nos <strong>de</strong>talhes <strong>de</strong>ssimétricos da<br />

portada do Aleijadinho, enquanto esperava o fim da <strong>de</strong>morada<br />

cerimônia.<br />

Igreja das Mercês e Perdões - 1740<br />

É a famosa “Mercês <strong>de</strong> Baixo”, em contraposição à “Mercês <strong>de</strong><br />

Cima” que está ao lado do antigo palácio <strong>dos</strong> governadores, na entrada<br />

da Praça Tira<strong>de</strong>ntes.<br />

Fica nas proximida<strong>de</strong>s da igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Assis e<br />

po<strong>de</strong> ser alcançada através do adro <strong>de</strong>sta, por um portão lateral que vai<br />

dar na rua das Mercês, on<strong>de</strong> se localiza a igreja que vamos visitar agora.<br />

Está edificada num outeiro muito elevado em relação ao vale do Funil<br />

para o qual seu adro se abre tendo a pedra do Itacolomi ao longe.<br />

Como anunciamos, há uma lenda cercando a origem da construção do<br />

193


templo. Segundo ela, a igreja das Mercês e Perdões teria sido erigida por<br />

uma certa d. Branca, por volta <strong>de</strong> 1740. Com este gesto, buscava ela<br />

consolo para uma tragédia familiar ocorrida vinte anos antes e que<br />

ainda a atormentava. O infortúnio <strong>de</strong>correra do assassinato perpetrado<br />

pelo marido da pobre senhora , contra a própria filha grávida e o genro.<br />

Por conta <strong>de</strong> tão hediondo crime ele acabou sentenciado e executado,<br />

<strong>de</strong>ixando-a solta no mundo. D. Branca então resolveu refugiar seu<br />

<strong>de</strong>sconsolo na empreitada <strong>de</strong> erguer o templo. As personagens parecem<br />

ter efetivamente existido pois há registros da tragédia, inclusive pela<br />

pena do nosso con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Assumar; mas sua vinculação com a<br />

construção do templo parece um pouco exagerada. 161 Nada impe<strong>de</strong><br />

imaginar porém, que a <strong>de</strong>safortunada senhora possa ter participado<br />

ativamente da campanha para angariar fun<strong>dos</strong> para a construção,<br />

a<strong>de</strong>rindo à campanha da Irmanda<strong>de</strong> das Mercês <strong>dos</strong> Crioulos <strong>de</strong><br />

Antônio Dias que ganhou a capela primitiva que ali existia e que<br />

procurou melhorá-la ao longo <strong>dos</strong> anos.<br />

Quando visitamos o templo fomos ciceronia<strong>dos</strong> por um<br />

simpático zelador que parecia ter saído direto do próprio século XVIII<br />

e que nos permitiu percorrer as intimida<strong>de</strong>s da velha igreja, o que<br />

fizemos com curiosida<strong>de</strong> quase infantil, explorando fantásticos e<br />

impenetráveis porões <strong>de</strong> mercês e perdões.<br />

O risco da capela mor <strong>de</strong> 1775, é do nosso Antônio Francisco<br />

Lisboa que supervisionou sua construção além <strong>de</strong> esculpir as imagens<br />

<strong>de</strong> roca <strong>de</strong> são Pedro Nolasco, colocada no altar mor e <strong>de</strong> são<br />

Raimundo Nonato. 162 Há ainda um pequeno e mal conservado crucifixo<br />

atribuído a ele e que se encontra na Sacristia sobre o arcaz.<br />

161 O cônego Raimundo Trinda<strong>de</strong> vincula a iniciativa da construção a um certo padre<br />

José Fernan<strong>de</strong>s Leite cujo túmulo estaria hoje plantado no adro da Igreja. Não<br />

conseguimos, contudo, localizá-lo. Com relação ao caso da d. Branca, a semente da<br />

lenda po<strong>de</strong> ter sido um fato acontecido em 1721. Trata-se <strong>de</strong> Antônio <strong>de</strong> Oliveira<br />

Leitão que, a mando do con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Assumar foi preso e acabou <strong>de</strong>capitado na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Salvador. Sua pena <strong>de</strong>correu <strong>de</strong> vários crimes, entre eles sonegação, insolência e<br />

<strong>de</strong>sobediência ao governador e vários assassinatos, inclusive da filha e do genro.<br />

162 São Raimundo Nonato é o tradicional santo <strong>de</strong> presença obrigatória nos templos<br />

das Mercês já que foi um <strong>dos</strong> fundadores da or<strong>de</strong>m. Seu nome - conforme gostam <strong>de</strong><br />

nos informar os competentes guias <strong>de</strong>ssas <strong>igrejas</strong>, on<strong>de</strong> quer que elas se encontrem -<br />

<strong>de</strong>riva do fato <strong>de</strong>le ter nascido, em parto milagroso, minutos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> sua mãe já ter<br />

morrido. Portanto ele seria um “não nascido” ou “nonato”.<br />

194


O altar mor apresenta quatro colunas retas, apoiadas em<br />

consolos com estriais mistas, retas na parte superior e onduladas na<br />

parte inferior. As colunas internas sustentam fragmentos <strong>de</strong> arquitraves.<br />

O retábulo é em <strong>dos</strong>sel com o medalhão da or<strong>de</strong>m no alto. O trono<br />

apresenta largos <strong>de</strong>graus superpostos, sustentando a imagem da<br />

Senhora das Mercês. Possui quatro altares laterais, sob a invocação <strong>de</strong><br />

N. S. da Saú<strong>de</strong>, santo Antão, são Lourenço e santa Catarina.<br />

Apresentam colunas torsas, mais <strong>de</strong>lgadas na parte interna com arcos<br />

franja<strong>dos</strong>, encima<strong>dos</strong> por sanefas com pingentes. Há um oratório<br />

cavado na pare<strong>de</strong> lateral, próximo ao tapa vento com imagens em<br />

tamanho natural salientando o Cristo crucificado. Os púlpitos são<br />

arredonda<strong>dos</strong> e cobertos por sanefas. O arco cruzeiro é simples,<br />

coroado com o medalhão da irmanda<strong>de</strong> e encimado por uma cornija<br />

mais saliente ali do que no resto da nave. O coro avança sobre as<br />

laterais da nave e está guardado por uma balaustrada simples,<br />

alternando peças <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira e ferro. Há uma pintura no forro da nave<br />

representando N. S. das Mercês. É um tanto grosseira, parecendo coisa<br />

mais recente que <strong>de</strong>scuidou <strong>dos</strong> atributos setecentistas do templo.<br />

A sacristia é alcançada pelo corredor lateral e nela além do<br />

crucifixo, há um lavabo <strong>de</strong> pedra sabão que nosso guia atribui também<br />

ao Aleijadinho, justificando sua <strong>de</strong>ficiência técnicas <strong>de</strong>vido ao avançado<br />

estado da doença do mestre. Não encontramos qualquer outra<br />

referência que confirmasse isto, pelo que, duvidamos da veracida<strong>de</strong> da<br />

afirmação.<br />

O consistório está em cima da sacristia e contem um gran<strong>de</strong><br />

oratório. Há tribunas nas laterais da capela mor com um arco que se<br />

abre também para a nave.<br />

Interessante lembrar que foi da consulta <strong>dos</strong> velhos documentos<br />

<strong>de</strong>sta igreja que se tornou possível saber a época em que a doença do<br />

Aleijadinho se instalou pois foram encontra<strong>dos</strong> recibos data<strong>dos</strong> <strong>de</strong><br />

1777, relativos a <strong>de</strong>spesas da irmanda<strong>de</strong> com escravos contrata<strong>dos</strong> para<br />

carregar o nosso precioso Antônio Francisco Lisboa para trabalhar no<br />

templo pois ele, então, já não conseguiria se locomover sem ajuda.<br />

A construção foi lenta e só no século XIX foram concluídas as<br />

edificações das torres, chegando o templo a manter uma só torre<br />

durante muitos anos. Na verda<strong>de</strong>, a igreja foi sendo muito remendada<br />

ao longo <strong>dos</strong> anos, com avanços e recuos estilísticos e hoje apresenta<br />

um aspecto predominante <strong>de</strong> igreja da primeira meta<strong>de</strong> do século<br />

XVIII, o que não é genuíno.<br />

195


Na fachada se sobressai a robustez das torres cujas bases<br />

comprimem o frontispício. Este é quase todo ocupado pela porta<br />

avantajada com portais <strong>de</strong> pedra e verga empenada e pelo gran<strong>de</strong> óculo<br />

<strong>de</strong> formato irregular com moldura também <strong>de</strong> pedra. Entre eles há um<br />

medalhão entalhado em pedra, on<strong>de</strong> se sobressai uma coroa. Na base<br />

da torre estão duas gran<strong>de</strong>s sacadas, com guarda-corpo <strong>de</strong> ferro e<br />

moldura <strong>de</strong> pedras. As torres são altas, retas com cantos recorta<strong>dos</strong> e<br />

uma cúpula abobadada, arrematada em pontas. O frontão é original, em<br />

formas arredondadas e com uma espécie <strong>de</strong> segundo frontão na parte<br />

posterior. A parte superior é formada por um círculo que sustenta uma<br />

plataforma espaçosa on<strong>de</strong> está a cruz.<br />

O estado atual <strong>de</strong> conservação do templo é lamentável mas seus<br />

zeladores guardam a esperança <strong>de</strong> que, concluída a restauração da<br />

capela <strong>de</strong> N. S. das Dores, a Mercês <strong>de</strong> Baixo receberá os reparos que<br />

merece.<br />

Igreja das Mercês e Misericórdia – 1771<br />

A “Mercês <strong>de</strong> Cima” é a primeira igreja que o viajante que chega<br />

pela principal entrada atual da cida<strong>de</strong>, avista, à direita da boca da praça<br />

Tira<strong>de</strong>ntes. Essa igreja tem semelhanças com a “Mercês <strong>de</strong> Baixo” não<br />

só no nome e na imaginária mas também nas dificulda<strong>de</strong>s da<br />

construção que também gerou muitas adaptações e <strong>de</strong>sfigurações no<br />

projeto original. Ao que parece, ele previa duas torres em lugar da única<br />

hoje existente. Essa <strong>de</strong>scaracterização teria obrigado a ajustes no<br />

frontispício e reduções no espaço interno que <strong>de</strong>sfigurou a harmonia do<br />

coro.<br />

Sua construção foi tão <strong>de</strong>morada que uma parte ruiu e teve que<br />

ser reconstruída, mesmo antes do templo ficar pronto. Não obstante<br />

tudo isso, sua fachada tem aspecto harmonioso. As falsas bases das<br />

torres têm a mesma largura do frontispício que acaba, pelas suas<br />

diminutas dimensões, oferecendo espaço apenas para a porta. A junção<br />

do frontispício com o frontão forma uma espécie <strong>de</strong> seta cuja parte<br />

superior é uma autêntica empena. A cimalha se interrompe para<br />

permitir a livre ligação do frontispício com o frontão. A porta é cercada<br />

por uma portada <strong>de</strong> pedra com um bonito medalhão acima da verga<br />

que chegou a ser atribuído ao Aleijadinho, tal a competência da sua<br />

execução. Mas o autor é Manuel Gonçalves Bragança que executou o<br />

trabalho por volta <strong>de</strong> 1810 quando Antônio Francisco já estava muito<br />

196


<strong>de</strong>bilitado e <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> seus aprendizes par aten<strong>de</strong>r as encomendas<br />

ao seu atelier.<br />

Há dois janelões com sacadas no alto do frontispício,<br />

guarneci<strong>dos</strong> por balaustradas <strong>de</strong> alvenaria. O frontão está la<strong>de</strong>ado por<br />

dois coruchéus e a torre quadrada, brota <strong>de</strong>trás <strong>de</strong>le. A cúpula da torre<br />

singular é baixa, na forma <strong>de</strong> uma pirâmi<strong>de</strong> achatada <strong>de</strong> dois estágios.<br />

Acima está uma minúscula cruz.<br />

Dizem que no altar mor estão imagens <strong>de</strong> N. S. das Mercês e<br />

naturalmente, <strong>dos</strong> fundadores da Or<strong>de</strong>m das Mercês nossos já<br />

conheci<strong>dos</strong> são Pedro Nolasco e são Raimundo Nonato. Soubemos<br />

ainda que os altares laterais são <strong>de</strong>dica<strong>dos</strong> a santa Catarina, santo Antão,<br />

são Lourenço e N. S. da Saú<strong>de</strong>. Portanto, como não po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong><br />

ser, é a mesma imaginária da Irmanda<strong>de</strong> das Mercês <strong>de</strong> Baixo e <strong>de</strong><br />

tantas outras <strong>igrejas</strong> das Mercês, do rio das Mortes até o Tijuco. A<br />

primeira vez que visitamos a Igreja ela vinha <strong>de</strong> uma reconstrução e<br />

ainda estava fechada, apesar da dita restauração já estar concluída há<br />

vários meses. Indagando o porque disso a um passante e ele explicou<br />

que era porque ainda não tinham encontrado ninguém para tomar<br />

conta da igreja. Da segunda vez que tentamos conhecer o templo por<br />

<strong>de</strong>ntro o fato se repetiu ou seja, um ano <strong>de</strong>pois da restauração ele ainda<br />

permanecia fechado. Após a terceira tentativa <strong>de</strong>sistimos.<br />

Capela <strong>de</strong> Bom Jesus das Flores do Taquaral – 1748<br />

Fica no distrito do Taquaral, paróquia <strong>de</strong> Antônio Dias, na saída<br />

<strong>de</strong> Ouro Preto rumo a Mariana. O orago original da capela era N. S. do<br />

Pilar, passando, já no século XIX, para Bom Jesus das Flores.<br />

É semelhante à capela <strong>de</strong> N. S. da Pieda<strong>de</strong> do Morro da<br />

Queimada ou seja, a fachada apresenta praticamente uma única peça,<br />

com dois janelões com guarda-corpo <strong>de</strong> tábuas recortadas e duas<br />

capelinhas sineiras no alinhamento <strong>dos</strong> cunhais. Possui um interessante<br />

óculo em pedra <strong>de</strong> forma conchoi<strong>de</strong>, acima do qual está um nicho<br />

praticamente em ruínas. Os portais também são <strong>de</strong> pedra e emolduram<br />

uma porta almofadada, relativamente majestosa para a simplicida<strong>de</strong> do<br />

templo. A cruz no alto da cumeeira também é <strong>de</strong> pedra. A sacristia fica<br />

num cômodo ao lado e há um velho muro <strong>de</strong> pedras cercando um <strong>dos</strong><br />

la<strong>dos</strong> da construção. Do outro lado faz divisa com a casa da d. Marieta,<br />

uma senhora <strong>de</strong> oitenta e cinco anos que zela pela capela <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que era<br />

moça. Ela nos contou que há cerca <strong>de</strong> cinco anos, houve uma tentativa<br />

197


<strong>de</strong> roubo <strong>de</strong> imagens que ela conseguiu, <strong>de</strong> certa forma, evitar. Os<br />

ladrões nada levaram mas ela está praticamente cega em conseqüência<br />

do covar<strong>de</strong> espancamento <strong>de</strong> que foi vítima. 163<br />

A igreja possui três altares. O da capela mor é <strong>de</strong>dicado ao Bom<br />

Jesus, tem colunas retas sustentando um arco franjado, encimado por<br />

um medalhão da Santíssima Trinda<strong>de</strong>. Os outros dois, <strong>de</strong>dica<strong>dos</strong> a N.<br />

S. das Dores e santo Antônio, ficam encosta<strong>dos</strong> no transepto. Possuem<br />

pequenas pilastras em quartela sustentando um arco coroado por<br />

conchas invertidas. Mantêm, ainda hoje, sua policromia original com<br />

cores fortes lembrando os velhos oratórios. As pinturas <strong>dos</strong> forros<br />

estão bastante <strong>de</strong>scoradas. O da nave, emoldurada por perspectivas<br />

arquitetônicas, apresenta a figura <strong>de</strong> N. S. da Conceição pisando o<br />

Dragão. Esta pintura que foi restaurada em 1979, com remoção <strong>de</strong> uma<br />

repintura mutiladora executada em 1930. No teto da capela mor há uma<br />

pintura do mesmo estilo, representando o antigo orago do templo, N.<br />

S. do Pilar; também revelada pelo mesmo trabalho <strong>de</strong> restauração. Tem<br />

um único púlpito, guarnecido <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira e apoiado sobre uma base <strong>de</strong><br />

pedra. O coro é reto e é acessado por uma escada revestida <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira<br />

e que se apoia na pare<strong>de</strong> da própria nave. O arco cruzeiro é marcado<br />

por uma forte estrutura <strong>de</strong> pedras cortadas retas, sustentando robustos<br />

capitéis. A condição geral do templo é <strong>de</strong> quase abandono. O estado da<br />

re<strong>de</strong> elétrica oferece risco consi<strong>de</strong>rável <strong>de</strong> aci<strong>de</strong>ntes. Isso aliás é uma<br />

constante a ameaçar os nossos velhos e sofri<strong>dos</strong> templos. Alheia a tudo<br />

isso d. Marieta procura mantê-lo limpo, como po<strong>de</strong>, com a ajuda <strong>de</strong><br />

uma faxineira eventual.<br />

Igreja <strong>de</strong> N. S. do Rosário – 1762<br />

A Irmanda<strong>de</strong> do Rosário <strong>dos</strong> Pretos é uma das mais <strong>antigas</strong> <strong>de</strong><br />

Vila Rica, tendo sido fundada no longínquo ano <strong>de</strong> 1717. Sua capela<br />

primitiva se situava no local da atual igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula e<br />

foi <strong>de</strong> lá que saiu a procissão do famoso Triunfo Eucarístico <strong>de</strong> 1733,<br />

tendo a irmanda<strong>de</strong> se obrigado a construir uma estrada, hoje a rua<br />

Getúlio Vargas, abrindo uma passagem para a procissão do translado<br />

do Santíssimo Sacramento <strong>de</strong> sua capela até a igreja do Pilar.<br />

163 As imagens originais <strong>de</strong>sta igreja, representando o Senhor Bom Jesus, Sant’ Ana,<br />

N. S. das Dores e santo Antônio, hoje estão no Museu do Aleijadinho.<br />

198


Seu projeto arquitetônico, atribuído a Antônio Pereira Souza<br />

Calheiros, é um <strong>dos</strong> mais originais que se conhece entre todas as <strong>igrejas</strong><br />

mineiras, representando três círculos que se interligam formando os<br />

limites da nave, da capela mor e da sacristia. Olhando <strong>de</strong> fora, mostra<br />

<strong>de</strong> forma pitoresca o perfil <strong>de</strong> suas linhas curvas, numa solução<br />

realmente incomum. Tem uma posição imponente, plantada no centro<br />

<strong>de</strong> espaçoso terreno com um amplo adro <strong>de</strong> pedras em volta. Apresenta<br />

ainda uma entrada em galilé ou seja, com as portas precedidas por um<br />

alpendre, elemento igualmente raro nas <strong>igrejas</strong> mineiras. O risco da<br />

fachada contou também com a contribuição <strong>de</strong> Manuel Francisco <strong>de</strong><br />

Araújo.<br />

O frontispício é a parte central <strong>de</strong> uma curva que se encontra<br />

com a base das torres, também curvas mas num plano diferenciado. A<br />

porta é acessada através do tal alpendre ou galilé, com três entradas<br />

encimadas por arcos perfeitos e emolduradas em cantaria. Entre elas se<br />

erguem as pilastras, também em cantaria, que sobem até a cimalha <strong>de</strong><br />

mesmo material. Dado o plano inteiramente elíptico da fachada, não<br />

existem propriamente cunhais. Acima <strong>de</strong> cada entrada estão três sacadas<br />

com balaustradas e cimalhinhas em arco abatido. O frontão segue o<br />

plano curvo do frontispício e está emoldurado em cantaria que tem<br />

basicamente, o mesmo traço da cimalha. No topo está uma base<br />

sustentando uma cruz em discreto resplendor, com dois coruchéus <strong>dos</strong><br />

la<strong>dos</strong>. Abaixo se abre um óculo em trevo imperfeito, envidraçado e<br />

emoldurado em cantaria. As torres estão recuadas em função da curva<br />

do seu alinhamento, estando quase ocultas pelo frontão. Estão<br />

encimadas por cones relativamente baixos, arremata<strong>dos</strong> por pináculos<br />

robustos. Suas bases ostentam três pequenos óculos superpostos<br />

simetricamente ao longo da sua vertical. A porta que liga o átrio ao<br />

vestíbulo é imponente, com moldura <strong>de</strong> pedra e um medalhão sobre a<br />

verga.<br />

O interior é bastante simples, contrastando muito com a<br />

majesta<strong>de</strong> e singularida<strong>de</strong> da fachada. Há três altares na nave, dispostos<br />

ao longo da curvatura da pare<strong>de</strong>. São simplifica<strong>dos</strong>, do tipo oratório,<br />

com pouca talha e poucas imagens e com pinturas ingênuas tentando<br />

compensar a falta <strong>de</strong> volumes, porém sem sucesso. Destaque para o<br />

arco cruzeiro, estruturado em cantaria e ostentando belos capitéis. O<br />

teto da capela mor é em forma <strong>de</strong> barrete com um gran<strong>de</strong> adorno<br />

dourado no centro e pinturas suaves, representando ícones católicos<br />

envoltos em nuvens. O altar mor, em essência, é um painel<br />

199


policromado com discretos adornos no arco do retábulo e falsos nichos<br />

simplifica<strong>dos</strong>. O camarim é espaçoso e o trono é alto, estruturado em<br />

<strong>de</strong>graus, sem qualquer adorno e com a N. S. do Rosário entronada. Há<br />

tribunas no alto do presbitério. Destaque para dois anjos tocheiros nas<br />

laterais da plataforma <strong>de</strong> acesso ao altar mor e para a mesa da<br />

comunhão com <strong>de</strong>lica<strong>dos</strong> entalhes doura<strong>dos</strong>.<br />

O teto da nave é plano é tem como único adorno uns certos<br />

volteios rococó, em torno da base <strong>de</strong> sustentação do lustre.<br />

O coro é em perfil <strong>de</strong> besta e se apoia diretamente nas pare<strong>de</strong>s,<br />

sem colunas adicionais <strong>de</strong> sustentação. Os balaústres são simples<br />

tábuas recortadas. O piso da nave mistura ladrilhos com assoalho e sem<br />

dúvida, não é antigo. Os púlpitos se sustentam em bases <strong>de</strong> pedra com<br />

guarda-corpo <strong>de</strong> ferro batido, como os das varandas <strong>dos</strong> antigos<br />

casarões.<br />

A cornija é <strong>de</strong> pedra imponente, com discretas manchas que não<br />

dá pra distinguir se são resquício <strong>de</strong> pintura marmorizada ou fruto <strong>de</strong><br />

infiltrações.<br />

Há uma imagem <strong>de</strong> Santa Helena próxima a um <strong>dos</strong> altares<br />

laterais <strong>de</strong>sta igreja, atribuída ao Aleijadinho. De fato me pareceu levar<br />

jeito <strong>de</strong> obra do mestre.<br />

Durante minha visita caiu uma forte e persistente chuva que<br />

obrigou o zelador a afastar os bancos da nave para preservá-los <strong>dos</strong><br />

pingos <strong>de</strong> uma insistente e talvez centenária goteira, refratária quem<br />

sabe, <strong>às</strong> sucessivas restaurações por que passou esta igreja.<br />

Igreja Bom Jesus <strong>de</strong> Matosinhos/ São Miguel e Almas – 1778<br />

Fica situada no bairro das Cabeças, o mesmo da miserável<br />

hospedaria que abrigou Mawe e Spix e Martius no século XIX e que<br />

era a entrada principal da vila naqueles tempos. Tem algum interesse<br />

por ter podido contar com os toques inspira<strong>dos</strong> do Aleijadinho e<br />

Ataí<strong>de</strong>. Ergue-se ao fundo <strong>de</strong> uma espécie <strong>de</strong> praça, tendo o colégio<br />

Arquidiocesano como vizinho. Sua fachada tem o aspecto <strong>dos</strong> templos<br />

da fase <strong>de</strong> transição da primeira para a segunda meta<strong>de</strong> do século, o que<br />

seria um tanto tardio para a época em que foi erguida. Apresenta seus<br />

elementos básicos em traço bem comportado. O frontispício é quase<br />

quadrado e é separado da base das torres por pilastras retas <strong>de</strong><br />

alvenaria. No centro apresenta uma porta almofadada, emoldurada por<br />

uma rica portada trabalhada em pedra sabão, atribuída ao Aleijadinho e<br />

200


on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>stacam figuras das almas no purgatório. Acima está o nicho<br />

com artísticas molduras e a imagem <strong>de</strong> são Miguel Arcanjo.<br />

Os cunhais são <strong>de</strong> alvenaria, seguindo o traço das pilastras. Há<br />

duas sacadas simétricas com balaustradas, acima da portada. Uma<br />

cimalha, também <strong>de</strong> alvenaria, separa o frontispício do frontão. Este é<br />

baixo e reto, tem um óculo redondo no centro e uma cruz no acrotério.<br />

As torres são retas e pressionam o frontão interrompendo-o.<br />

Apresentam as laterais <strong>de</strong>stacadas, seguindo o alinhamento das pilastras<br />

e <strong>dos</strong> cunhais. As cúpulas são em forma <strong>de</strong> pirâmi<strong>de</strong>s achatadas em dois<br />

estágios e com pontiagu<strong>dos</strong> pináculos.<br />

O altar mor é do tipo oratório simplificado, em base branca e<br />

com uma tarja azul no coroamento. Há arreme<strong>dos</strong> <strong>de</strong> colunas e <strong>de</strong><br />

nichos com baldaquinos em forma <strong>de</strong>sagradável <strong>de</strong> funil. O trono é um<br />

amontoado <strong>de</strong> <strong>de</strong>graus sem adornos. No alto está o Jesus Crucificado à<br />

frente <strong>de</strong> resplendores e há mais um são Miguel Arcanjo em cima do<br />

sacrário. O teto é facetado e exibe um pequeno adorno rococó em seu<br />

centro. A capela mor, singularmente, é mais <strong>de</strong>spojada do que a nave.<br />

Os altares do transepto são também simplifica<strong>dos</strong>, com um arco<br />

frisado coroando o camarim. São brancos com frisos doura<strong>dos</strong> foscos:<br />

mais para suvinil do que para ouro. Apresentam pilastras em quartela na<br />

parte interna e colunas retas sem estrias, apoiadas em consolos, na parte<br />

externa. O trono é baixo, em dois <strong>de</strong>graus. Há fragmentos <strong>de</strong> arquitrave<br />

sobre as colunas externas. No coroamento do retábulo há uma espécie<br />

<strong>de</strong> baldaquino.<br />

O arco cruzeiro não ostenta qualquer adorno. O teto da nave é<br />

abobadado e possui um adorno rococó no centro, semelhante ao da<br />

capela mor.<br />

Os púlpitos não retos, brancos e repousam sobre bases <strong>de</strong><br />

pedra. A cornija é simples e curiosamente não cruza a pare<strong>de</strong> do arco<br />

cruzeiro.<br />

Além da portada com os toques do Aleijadinho, outro <strong>de</strong>talhe<br />

que valoriza esta igreja no geral singela, são as duas pinturas <strong>de</strong> Ataí<strong>de</strong><br />

numa das pare<strong>de</strong>s da nave, enquadradas em molduras empobrecidas.<br />

Uma representa a santa ceia e a outra representa a crucificação.<br />

Parecem, no entanto, obras menores do mestre <strong>de</strong> Mariana.<br />

Capela do Senhor do Bonfim - 1791<br />

Fica localizada na rua Antônio <strong>de</strong> Albuquerque à poucos passos<br />

da igreja do Pilar. Há histórias <strong>de</strong> que era nesta capela que os<br />

201


con<strong>de</strong>na<strong>dos</strong> à morte vinham rezar antes <strong>de</strong> consumada a sentença.<br />

Parece um tanto cruel pois a forca ficava no outeiro próximo à igreja<br />

das Mercês <strong>de</strong> Baixo, perto da ca<strong>de</strong>ia. Ou seja, para fazer sua última<br />

oração os pobres con<strong>de</strong>na<strong>dos</strong> tinham que sair <strong>de</strong> perto do patíbulo e<br />

percorrer uma razoável distância com muito morro e penitência pelo<br />

caminho. Pelas suas diminutas dimensões é <strong>de</strong> se concluir que sua<br />

principal função é mesmo a <strong>de</strong> abrigar grupos <strong>de</strong> orações. De fato,<br />

quando a visitamos tivemos que fazê-lo em contida discrição para não<br />

perturbar um grupo <strong>de</strong> pie<strong>dos</strong>as senhoras nesse mister.<br />

É interessante observar que sua construção se <strong>de</strong>u mais ou<br />

menos ao tempo em que os inconfi<strong>de</strong>ntes ainda estavam presos<br />

aguardando suas sentenças.<br />

A capela foi totalmente remo<strong>de</strong>lada no final do século XIX,<br />

<strong>de</strong>scaracterizando seu traçado primitivo. Uma intervenção recente<br />

buscou restaurar o risco primitivo com base em <strong>de</strong>senhos antigos que<br />

reproduziam a fachada do templo. Supõe-se assim que seu aspecto atual<br />

correspon<strong>de</strong> ao original do século XVIII.<br />

Sua fachada é bastante simples e incomum, não <strong>de</strong>nunciando<br />

ser um templo para os menos atentos. Internamente tem uma série <strong>de</strong><br />

cômo<strong>dos</strong> <strong>de</strong> tamanho aproximadamente igual, cumprindo o espaço <strong>de</strong><br />

nave, capela mor e Capela do Santíssimo. A nave, propriamente, é<br />

bipartida, ocupando dois cômo<strong>dos</strong> contíguos. O piso é lajeado e o forro<br />

é <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira, sendo arqueado no centro e em meia água nas laterais.<br />

Possui um único altar, singelo, com adornos em frisos doura<strong>dos</strong> e uma<br />

imagem do Cristo entronada. Entre a nave e a Capela do Santíssimo há<br />

um oratório vazado, com uma imagem <strong>de</strong> são Francisco. Destaque para<br />

as mesas da comunhão da capela mor e da Capela do Santíssimo,<br />

nitidamente superiores a todo o resto do conjunto.<br />

Igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula – 1804<br />

A igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula, a “Chico <strong>de</strong> Cima”, é a tal<br />

que, posto construída no século XIX resolvemos incluir no nosso<br />

roteiro setecentista. Po<strong>de</strong> ser acessada da rua São José ao final <strong>de</strong> cruel<br />

la<strong>de</strong>ira ou, <strong>de</strong> forma mais civilizada, pelos la<strong>dos</strong> da rodoviária. Na<br />

verda<strong>de</strong> o local, como já dissemos, é o mesmo da primitiva capela da<br />

irmanda<strong>de</strong> do Rosário que, mais tar<strong>de</strong>, construiu sua igreja no atual<br />

largo do Rosário. A irmanda<strong>de</strong> foi constituída em 1780 e se reunia<br />

inicialmente na matriz <strong>de</strong> Antônio Dias. Com seu crescimento, acabou<br />

resolvendo criar o seu próprio templo o que se <strong>de</strong>u em 1804. A<br />

202


construção foi <strong>de</strong>morada, com inúmeras interrupções por falta <strong>de</strong><br />

recursos. Isso reflete a penúria que <strong>de</strong> fato, caracterizou a economia<br />

ouro pretana do século XIX, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> um comércio morno e <strong>dos</strong><br />

or<strong>de</strong>na<strong>dos</strong> <strong>dos</strong> servidores públicos da capital da província.<br />

A construção seguiu o padrão tradicional, ou seja, começou pela<br />

capela sendo a construção da nave iniciada somente em 1857.<br />

No geral tem aspecto das velhas matrizes do início do<br />

setecentos. Está erigida na ponta <strong>de</strong> uma alameda <strong>de</strong> sólido e antigo<br />

calçamento <strong>de</strong> pedra, talvez do tempo do primitivo templo da<br />

Irmanda<strong>de</strong> do Rosário. O adro é alcançado após uma pequena escadaria<br />

em forma <strong>de</strong> leque. Antigamente havia estátuas <strong>dos</strong> quatro evangelistas<br />

adornando as pilastras da escada, hoje sobraram apenas os tocos <strong>dos</strong><br />

pe<strong>de</strong>stais.<br />

O frontispício é quadrado e apresenta uma porta com portais <strong>de</strong><br />

cantaria com verga em arco abatido. Acima está um óculo cruciforme<br />

envidraçado e <strong>dos</strong> la<strong>dos</strong> estão duas sacadas protegidas por balaustradas<br />

<strong>de</strong> ferro e janelas envidraçadas com moldura em pedra e cimalhinhas<br />

curvas. As bases das torres estão guarnecidas <strong>de</strong> pilastras retas <strong>de</strong><br />

alvenaria e cunhais <strong>de</strong> mesmo aspecto com pequenas aberturas<br />

redondas no espaço entre eles. O frontão tem o perfil discretamente<br />

curvado e está emoldurado por uma saliência que faz uma voluta fina e<br />

mal executada, na parte inferior. No centro há dois pilares avança<strong>dos</strong>,<br />

la<strong>de</strong>ando um pequeno óculo cruciforme e adornos em massa <strong>de</strong> reboco,<br />

igualmente mal executa<strong>dos</strong>. Acima há uma cruz, sobre pequeno<br />

pe<strong>de</strong>stal. As torres são altas com cantos recorta<strong>dos</strong>. Suas cúpulas são<br />

redondas e achatadas com dois planos superpostos, arrematadas por<br />

gran<strong>de</strong>s pináculos no topo e nas laterais, ao nível das quinas das torres<br />

e que se apoiam sobre umas cimalhas que avançam num efeito<br />

interessante.<br />

Internamente apresenta altares com talha <strong>de</strong> boa qualida<strong>de</strong><br />

embora em rococó tardio. No altar mor está a imagem do orago do<br />

templo que, pela qualida<strong>de</strong> da sua execução, tem sido atribuída ao<br />

Aleijadinho. A nave <strong>de</strong>tem seis altares laterais <strong>de</strong>dica<strong>dos</strong> a são Francisco<br />

<strong>de</strong> Sales, N. S. da Conceição, são Miguel, santo Antônio, são Geraldo e<br />

N. S. da Consolação.<br />

O retábulo da capela mor não tem <strong>dos</strong>sel mas sim um arco<br />

franjado, valorizado por um rico medalhão no coroamento, envolto por<br />

conchas invertidas. As colunas, sob consolos, são todas retas e com<br />

estrias igualmente retas em cima e espiraladas no terço inferior. Acima<br />

203


<strong>dos</strong> capitéis aparecem fragmentos <strong>de</strong> arquitrave. O trono é uma cascata<br />

rococó com Nossa Senhora no alto e são Francisco <strong>de</strong> Paula num plano<br />

inferior, imitando a humilda<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu colega <strong>de</strong> Assis. Entre as colunas<br />

há gran<strong>de</strong>s nichos com imagens em tamanho próximo ao natural. Todo<br />

o conjunto é cromado em tons <strong>de</strong> azul, com frisos doura<strong>dos</strong>. O teto da<br />

capela é em forma <strong>de</strong> arco perfeito, com pintura <strong>de</strong> duas visões,<br />

separadas por um adorno <strong>de</strong> on<strong>de</strong> pen<strong>de</strong> a base <strong>de</strong> sustentação <strong>de</strong> uma<br />

gran<strong>de</strong> lâmpada do Santíssimo. Há tribunas em arco no alto do<br />

presbitério e que se abrem também para a nave, vazadas no transepto.<br />

São emolduradas em pedra e têm balaustradas <strong>de</strong> ferro.<br />

O arco cruzeiro é <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira pintada em azul e branco e com<br />

um gran<strong>de</strong> medalhão sobre o coroamento.<br />

Os altares da nave são em número <strong>de</strong> seis e começam após o<br />

transepto cujo espaço foi ocupado com aberturas para os corredores<br />

que contornam a capela mor. Os do centro têm o retábulo coroado<br />

com baldaquinos franja<strong>dos</strong> em lugar do <strong>dos</strong>sel. Os <strong>de</strong>mais apresentam<br />

arcos rendilha<strong>dos</strong>, sem adornos especiais no coroamento. To<strong>dos</strong>,<br />

porém, apresentam altos espaldares arremata<strong>dos</strong> em sanefas, no melhor<br />

estilo rococó. As pilastras internas são em quartela e as externas em<br />

colunas retas. Algumas são estriadas e outras são circundadas por<br />

ramagens douradas em espiral. Os tronos são baixos e simplifica<strong>dos</strong>.<br />

São pinta<strong>dos</strong> em azul anil sobre fundo branco e frisos doura<strong>dos</strong> num<br />

agradável e equilibrado efeito visual.<br />

Os púlpitos são <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira, se apoiam sobre bases em forma <strong>de</strong><br />

cálices e apresentam sanefas no alto. Também são <strong>de</strong>cora<strong>dos</strong> em azul,<br />

branco e dourado, harmonizando com os altares e o arco cruzeiro.<br />

O coro é em perfil <strong>de</strong> besta e se apoia sobre arcos<br />

convencionais, sustenta<strong>dos</strong> por colunas retas. A balaustrada é <strong>de</strong> ferro.<br />

No geral esta igreja é interessante e rara. Embora seja do século<br />

XIX, conciliou <strong>de</strong> forma competente uma fachada <strong>de</strong> matriz do<br />

princípio do setecentos com um interior rococó, tardio mas valente.<br />

Igreja <strong>de</strong> São José - 1746<br />

Fica localizada no cruzamento <strong>de</strong> duas vielas, no caminho da<br />

igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula para quem vem da rua São José. A<br />

irmanda<strong>de</strong> é a <strong>de</strong> São José <strong>dos</strong> Bem Casa<strong>dos</strong>, secundada pelos Par<strong>dos</strong><br />

da Paróquia <strong>de</strong> Antônio Dias <strong>de</strong> que o Aleijadinho fazia parte.<br />

Portanto, não sendo bem casado mas sendo pardo, o nosso Antônio<br />

Francisco Lisboa, solteiro e pai, pô<strong>de</strong> freqüentar esta igreja como<br />

204


irmão agregado. 164 O mestre compensou o valor da sua taxa <strong>de</strong><br />

admissão, doando o risco do retábulo da capela mor em 1772. Porém<br />

não foi ele que executou o projeto e é possível que o mesmo tenha<br />

sofrido modificações. O trabalho do executor do projeto do mestre é<br />

consi<strong>de</strong>rado muito sofrível, indigno do gênio que o criou. Ele também<br />

teria sido o autor do risco das torres mas seu projeto não chegou a ser<br />

executado, optando-se por dotar a igreja <strong>de</strong> uma única torre o que<br />

obrigou a ajustes <strong>de</strong> adaptação no projeto, a exemplo do que ocorreu<br />

com a igreja das Mercês e Misericórdia, também <strong>de</strong> torre única.<br />

O aspecto atual da igreja está <strong>de</strong>scaracterizado por uma gran<strong>de</strong><br />

reforma acontecida já no século XIX. O resultado final <strong>de</strong> tudo isso é<br />

uma igreja <strong>de</strong> aspecto exterior absolutamente peculiar. Sua fachada<br />

apresenta nada menos do que quatro peças distintas. A primeira <strong>de</strong>las<br />

está ao nível do chão. Mostra na parte central a abertura da porta e nas<br />

laterais umas formas arredondadas, possíveis resquícios das bases das<br />

torres do projeto original. Acima e atrás <strong>de</strong>ssa primeira peça, estão a<br />

base da torre única efetivamente construída e o corpo da igreja,<br />

propriamente dito. Esta base tem um óculo e um tipo <strong>de</strong> janelão se<br />

abrindo para uma espécie <strong>de</strong> terraço. É menor do que a peça sobre a<br />

qual está assentada e, em conseqüência, sobrou espaço para este<br />

terraço que está contornado por uma balaustrada. A quarta peça é a<br />

torre. Ela é quadrada, com cantos <strong>de</strong> pedra arredonda<strong>dos</strong>, arremata<strong>dos</strong><br />

por coruchéus e tem uma cúpula em forma <strong>de</strong> pirâmi<strong>de</strong> achatada <strong>de</strong><br />

dois estágios com uma <strong>de</strong>lgada cruz no topo. Na frente da igreja há um<br />

adro <strong>de</strong> piso lajeado, protegido por um bucólico bambuzal.<br />

Também não conseguimos vê-la por <strong>de</strong>ntro já que permanece<br />

quase sempre fechada. Sabe-se que o altar mor atribuído ao Aleijadinho,<br />

é simples mas interessante. Através <strong>de</strong> fotos vimos que ele é<br />

estruturado basicamente em colunas que abrem amplo espaço para dois<br />

nichos rasos com consolos e baldaquinos. As colunas do camarim são<br />

em quartelas, acima das quais estão dois gran<strong>de</strong>s anjos. No coroamento<br />

está a Santíssima Trinda<strong>de</strong> com o Espírito Santo em resplendor, sob<br />

um baldaquino alongado que se abre num cortinado lateral, garantindo<br />

o efeito <strong>de</strong> <strong>dos</strong>sel. As colunas externas são retas e redondas com fuste<br />

164 Isso tudo é meio confuso mas, <strong>de</strong> fato, não havia impedimento <strong>de</strong> que resi<strong>de</strong>ntes<br />

na paróquia <strong>de</strong> Antônio Dias pertencessem a Irmanda<strong>de</strong>s do Pilar e vice-versa.<br />

Também, como vimos, as irmanda<strong>de</strong>s se misturavam freqüentemente em profícuas e<br />

duradouras parcerias.<br />

205


misto, parte reto e parte torcido. O trono é alto, em <strong>de</strong>graus<br />

piramida<strong>dos</strong> e sustenta uma diminuta imagem <strong>de</strong> N. S. da Conceição. O<br />

teto da capela é em assoalho branco e em três planos, fechando o arco.<br />

Sob a mesa da comunhão está uma imagem do Senhor Morto em<br />

vitrine.<br />

Essa é a última igreja que visitaremos no perímetro <strong>de</strong> Ouro<br />

Preto. Em seguida, <strong>de</strong>vemos esten<strong>de</strong>r nosso roteiro aos distritos do<br />

gran<strong>de</strong> e glorioso município <strong>de</strong> Ouro Preto, começando pelo distrito<br />

<strong>de</strong> Cachoeira do Campo com sua magnífica matriz.<br />

Matriz <strong>de</strong> N. S. <strong>de</strong> Nazaré <strong>de</strong> Cachoeira do Campo - 1725<br />

A primeira das notáveis <strong>igrejas</strong> localizadas em distritos <strong>de</strong> Ouro<br />

Preto é a famosa matriz <strong>de</strong> Cachoeira do Campo. Neste distrito, como<br />

se recorda, se localizava o antigo quartel <strong>dos</strong> Dragões <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> e o<br />

Palácio <strong>de</strong> Campo <strong>dos</strong> Governadores no século XVIII, construí<strong>dos</strong><br />

pelos governadores d. Antônio <strong>de</strong> Noronha e d. Rodrigo Menezes. No<br />

quartel, que <strong>de</strong>pois foi o Colégio D. Bosco, funciona hoje uma vetusta<br />

pousada, parecida com a do Colégio do Caraça porém muito mais<br />

simplificada. O único vestígio que resta hoje do antigo quartel é a<br />

inscrição em pedra mandada fazer pelo Governador, alusiva à fundação<br />

do quartel. Foi aqui na Cachoeira que Tomás Antônio Gonzaga veio<br />

ter, já preso, numa <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>ira e <strong>de</strong>sesperada tentativa <strong>de</strong> se ver livre por<br />

graça <strong>de</strong> algum milagre do viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Barbacena, já então sem<br />

controle da situação e sem condições <strong>de</strong> garantir quem seria ou não<br />

seria punido. Foi aqui também - consta que no adro da antiga capela<br />

que antece<strong>de</strong>u a matriz - que Felipe <strong>dos</strong> Santos foi preso em 1720 a<br />

mando <strong>de</strong> Assumar. É até possível que algum fragmento da matriz,<br />

como hoje se apresenta, já existisse naquela época, pois em 1724, esta<br />

igreja já ganhava a condição <strong>de</strong> se<strong>de</strong> <strong>de</strong> Vigairaria Colada, o que seria<br />

pouco recomendável para uma simples capela.<br />

O povoamento da Cachoeira começou por volta <strong>de</strong> 1701, ano<br />

em que a fome assolou os mineradores e os empurrou a estas paragens<br />

para plantar as roças que negligenciaram, lhes <strong>de</strong>ixando sem o que<br />

comer. Foi então que surgiram alguns <strong>dos</strong> arraiais da região, como São<br />

Bartolomeu e Acuruí (antiga Rio das Pedras). O local em que se ergue a<br />

Cachoeira do Campo é consi<strong>de</strong>rado estratégico e <strong>de</strong> fato o con<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Assumar, já em 1720 tinha pensado em implantar aqui o Palácio <strong>dos</strong><br />

206


Governadores e a controvertida Casa <strong>de</strong> Fundição. Aliás foi neste sítio<br />

que se travou uma das mais sangrentas batalhas da Guerra <strong>dos</strong><br />

Emboabas, continuação da marcha iniciada em Caeté, <strong>de</strong>pois Sabará e<br />

que na seqüência, ameaçaria Vila Rica e Mariana.<br />

A matriz tem uma distribuição arquitetônica com algumas<br />

soluções incomuns como o acesso ao coro que é feito por uma escada<br />

fora do corpo da igreja. De fato, olhando por fora, a construção parece<br />

um tanto irregular. Existem registros <strong>de</strong> que ela po<strong>de</strong> ter sido<br />

construída antes <strong>de</strong> 1714 quando a região era um lugarejo pertencente<br />

a um tal Manuel <strong>de</strong> Melo.<br />

O frontispício atual foi reconstruído no século XIX e não<br />

preservou as características primitivas, o que <strong>de</strong>turpa a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />

histórica do aspecto externo do templo. As torres estão assentadas<br />

sobre bases que se encostam num largo frontispício. A porta tem<br />

portais simples <strong>de</strong> cantaria com verga em arco apoiada em capitéis.<br />

Ostenta duas pequenas sacadas, colocadas <strong>de</strong> cada lado, num plano<br />

elevado com um óculo em formato cruciforme, entre elas. Não existe<br />

cimalha e o frontão se comunica diretamente com o frontispício,<br />

formando uma única peça. É ligeiramente arredondado na parte<br />

superior e no centro, sustenta a base <strong>de</strong> uma pequena cruz <strong>de</strong> pedra. As<br />

torres são quadradas com cúpulas achatadas, discretamente<br />

arredondadas e com pára-raios na ponta. Uma das aberturas da torre<br />

tem um relógio incrustado, tal qual acontece com a igreja <strong>de</strong> São<br />

Francisco da longínqua Diamantina.<br />

O mais notável do templo no entanto, é o seu interior on<strong>de</strong> se<br />

<strong>de</strong>stacam os retábulos em arquivoltas ricamente entalha<strong>dos</strong>, com<br />

profusão <strong>de</strong> <strong>de</strong>talhes e <strong>de</strong> douramentos.<br />

O arco cruzeiro é inteiramente dourado e adornado com um<br />

medalhão com coroa no alto, harmonizando-se com as talha <strong>dos</strong><br />

retábulos. Há dois altares menores encosta<strong>dos</strong> no transepto e <strong>de</strong>dica<strong>dos</strong><br />

ao Cristo. Um o apresenta crucificado e o outro com o sagrado coração<br />

à mostra. Os altares da nave estão profundamente encrava<strong>dos</strong> nas<br />

pare<strong>de</strong>s <strong>de</strong>vido tanto ao afunilamento das arquivoltas quanto ao fundo<br />

espaço do camarim. As colunas das arquivoltas são torsas com farta<br />

talha fitomorfa. Os tronos são em forma <strong>de</strong> cântaro, <strong>de</strong> concepção<br />

muito antiga. Acima das arquivoltas está um espaldar alto que se<br />

encosta na cornija. Esta é muito simples, em ma<strong>de</strong>ira. Os púlpitos são<br />

207


todo em ma<strong>de</strong>ira, em <strong>de</strong>senho relativamente simples e adorna<strong>dos</strong> com<br />

frisos doura<strong>dos</strong>.<br />

O coro é em forma <strong>de</strong> perfil <strong>de</strong> besta com balaústres finos <strong>de</strong><br />

ma<strong>de</strong>ira escura. Está sustentado sobre colunas <strong>de</strong>lgadas apoiando um<br />

arco no centro e traves retas nas laterais.<br />

O altar mor, também em arquivoltas, tem colunas semelhantes<br />

<strong>às</strong> <strong>dos</strong> altares da nave, porém, naturalmente maiores, sobrando espaço<br />

para pequenos nichos o que não é comum em retábulos em arquivoltas.<br />

Há uma gran<strong>de</strong> tarja no coroamento. O trono é relativamente simples<br />

com a imagem <strong>de</strong> N. S. <strong>de</strong> Nazaré que, segundo consta, tomou o lugar<br />

<strong>de</strong> uma pequena imagem, emprestada pelo próprio Manuel <strong>de</strong> Melo, o<br />

fundador. Entre portas e abaixo <strong>dos</strong> óculos da capela mor estão<br />

colunas torsas, sustentando capitéis livres. O teto da capela mor, em<br />

forma levemente abobadada, ostenta uma pintura retratando o<br />

coroamento <strong>de</strong> Nossa Senhora. A pintura original foi executada pelo<br />

pintor Antônio Rodrigues Belo, mas a que hoje se vê foi mutilada pelas<br />

famigeradas repinturas, tão comuns ao longo <strong>dos</strong> séculos. O forro da<br />

nave é facetado e o da sacristia é plano com molduras em forma<br />

artesoada, enquadrando pinturas.<br />

Dom frei José achou a igreja com o <strong>de</strong>vido esplendor, mas<br />

repreen<strong>de</strong>u o padre por usar pano grosseiro no serviço do altar, em<br />

lugar <strong>de</strong> puro linho.<br />

N. S. das Dores <strong>de</strong> Cachoeira do Campo – 1761<br />

É outro templo do populoso distrito da Cachoeira, este bem<br />

mais simples do que sua suntuosa matriz. Está localizado no final <strong>de</strong><br />

uma rua que também lhe serve <strong>de</strong> adro. Embora seja da segunda<br />

meta<strong>de</strong> do século, externamente tem as características <strong>dos</strong> velhos<br />

templos da primeira fase, pauta<strong>dos</strong> pela austerida<strong>de</strong>. Não obstante esta<br />

singeleza tem uma particularida<strong>de</strong>: a base das torres não chega até o<br />

chão, se confundido com o frontispício no meio do caminho. A porta<br />

está emoldurada por portais <strong>de</strong> pedra e uma verga empenada. Há dois<br />

janelões, com molduras semelhantes <strong>às</strong> da porta. O frontispício está<br />

separado da parte superior da fachada por uma cimalha <strong>de</strong>lgada. As<br />

torres são finas e encimadas por coberturas em forma <strong>de</strong> pirâmi<strong>de</strong>. O<br />

frontão é uma empena apertada entre as torres e com um óculo<br />

irregular <strong>de</strong> pedras, no centro.<br />

208


Seu interior é tão simples quanto o exterior. O altar mor é tipo<br />

um oratório pintado. Há um medalhão com moldura puxada ao rococó,<br />

retratando uma graça <strong>de</strong> ex-voto no teto da capela mor. O arco cruzeiro<br />

é bastante simples e abriga um altar não menos simples. O teto da nave<br />

é facetado, com grosseiras pinturas emolduradas por cenas <strong>dos</strong> passos<br />

da paixão que nosso guia local classificou orgulhosamente como <strong>de</strong><br />

“estilo medieval”. O púlpito é acessado por uma escada escorada na<br />

pare<strong>de</strong> da própria nave. O coro é protegido por uma balaustrada singela<br />

e sobre ele se abre o vão do acesso <strong>às</strong> torres. Dali se tem uma visão<br />

ampla e, segundo nosso guia, os inconfi<strong>de</strong>ntes faziam uso da posição<br />

para vigiar o Palácio do Governador, meia légua adiante. O piso é <strong>de</strong><br />

tijolos, melhoria mo<strong>de</strong>sta sobre a configuração primitiva que<br />

provavelmente era <strong>de</strong> terra batida. A sacristia se abre para a nave e não<br />

para a capela mor como é usual.<br />

Matriz <strong>de</strong> N. S. <strong>dos</strong> Prazeres <strong>de</strong> Lavras Novas - 1762<br />

Lavras novas é um simpático distrito próximo a Ouro Preto<br />

que atrai o turista mais jovem e disposto a conquistar seus atributos<br />

naturais rechea<strong>dos</strong> <strong>de</strong> trilhas e cachoeiras. O acesso é feito, parte em<br />

estrada <strong>de</strong> terra por uma região montanhosa. Antes há um trecho <strong>de</strong><br />

asfalto pela chamada Estrada Real, em região <strong>de</strong> matas primitivas, as<br />

mesmas que cobriam toda a região até o vale do Rio Doce e cujos<br />

resquícios ainda po<strong>de</strong>m ser encontra<strong>dos</strong> aqui e ali.<br />

Segundo consta, o arraial se originou <strong>de</strong> um refúgio <strong>de</strong><br />

escravos e até poucas décadas atrás os brancos não eram bem vin<strong>dos</strong>. 165<br />

Hoje os apelos <strong>de</strong> um crescente turismo encanta os moradores e faz<br />

pipocar pousadas e casas <strong>de</strong> campo. Além <strong>dos</strong> atrativos naturais po<strong>de</strong>se,<br />

enfim, contemplar a matriz do raro orago: Nossa Senhora <strong>dos</strong><br />

Prazeres. Contudo não se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> admirar também a vista ampla<br />

que se <strong>de</strong>scortina à leste <strong>de</strong> Ouro Preto e avança várias <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong><br />

quilômetros em suaves ondulações azuis. O templo se ergue num<br />

alargamento da, digamos, rua principal. O adro é cercado <strong>de</strong> um muro<br />

baixo, à frente do qual está um pequeno cruzeiro <strong>de</strong> pedra, sobre um<br />

pe<strong>de</strong>stal rústico. Um caminho lajeando liga o portão à entrada do<br />

165 Saint-Hilaire conta que o caminho entre Ouro Branco e Vila Rica, que passa ao<br />

largo <strong>de</strong> Lavras Novas, tinha fama <strong>de</strong> ser muito perigoso por conta <strong>dos</strong> riscos <strong>de</strong><br />

assaltos pratica<strong>dos</strong> por negros fugi<strong>dos</strong>.<br />

209


templo, guarnecido <strong>de</strong> uma ampla porta almofadada, com portais <strong>de</strong><br />

pedra. Sobre uma verga curva está um adorno <strong>de</strong> pedras, puxado ao<br />

rococó, com robustos recortes <strong>de</strong> volutas e cavas conchoi<strong>de</strong>s. Este é o<br />

único adorno exterior. A base da fachada é quadrada on<strong>de</strong> o<br />

frontispício ocupa a meta<strong>de</strong> do espaço e as bases das torres, a outra<br />

meta<strong>de</strong>. O conjunto é dividido por pilastras e cunhais retos <strong>de</strong><br />

alvenaria, apoia<strong>dos</strong> em bases alargadas, também <strong>de</strong> pedras. Acima do<br />

adorno da portada estão duas pequenas janelas com molduras em<br />

cantaria. A cimalha é um simples beiral coberto <strong>de</strong> telhas. As torres são<br />

retas e <strong>de</strong>lgadas, com cobertura <strong>de</strong> telhas em quatro águas e com<br />

arremates vira<strong>dos</strong> nos cantos. O frontão é uma empena singela,<br />

apertada entre as torres e com um diminuto óculo complexo no centro,<br />

com moldura <strong>de</strong> pedras. Uma pequena cruz fincada na cumeeira, fecha<br />

o singelo conjunto. A distribuição arquitetônica vista <strong>de</strong> fora é<br />

harmoniosa, com os espaços da sacristia e da capela coloca<strong>dos</strong><br />

simetricamente nos la<strong>dos</strong>, no fundo do edifício.<br />

O altar mor é em <strong>dos</strong>sel, adornado com o medalhão, anjos e colunas<br />

retas. Está pintado com mo<strong>de</strong>rna tinta azul a óleo. O trono é em forma<br />

<strong>de</strong> pirâmi<strong>de</strong> com a N. S. <strong>dos</strong> Prazeres em <strong>de</strong>staque. O arco cruzeiro é<br />

em pedra e os altares do transepto são do tipo oratório, com sanefas<br />

simplificadas e também pinta<strong>dos</strong> em óleo azul. Os púlpitos são retos,<br />

sobre bases <strong>de</strong> pedra. Um é confessadamente <strong>de</strong>corativo e o outro tem<br />

acesso pela parte externa do templo. De um lado do átrio está a pia<br />

batismal <strong>de</strong> pedra e do outro está o pé da escada <strong>de</strong> acesso ao coro. A<br />

cornija é <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira. Destaque para o lavabo <strong>de</strong> pedra na sacristia.<br />

O guardião das chaves é o preto A<strong>de</strong>mir que pô<strong>de</strong> ser<br />

encontrado proseando com os vizinhos bem ao lado do templo. Ele se<br />

prestou prontamente a interromper a prosa e nos mostrar a sua igreja,<br />

simples porém <strong>de</strong>cente. Segundo nos contou, ele toma conta <strong>de</strong> igreja<br />

há <strong>de</strong>z anos e seu pai foi guardião da mesma durante sessenta e cinco<br />

anos. Nos informou também, orgulhosamente, que a igreja foi toda<br />

construída e ornamentada pelos li<strong>de</strong>res da comunida<strong>de</strong> <strong>dos</strong> pretos, por<br />

ele chama<strong>dos</strong> <strong>de</strong> “guarda-mores”.<br />

Igreja <strong>de</strong> São Gonçalo <strong>de</strong> Amarantina - 1726<br />

Amarantina é aquele distrito <strong>de</strong> Ouro Preto on<strong>de</strong> está o Museu<br />

das Reduções. Não ficamos curiosos em conhecê-lo mas tivemos<br />

notícias <strong>de</strong> que é interessante. Na nossa visita nos limitamos a conhecer<br />

a igreja <strong>de</strong> São Gonçalo externamente. O templo parece bastante<br />

210


<strong>de</strong>scaracterizado para sua época. Seguramente foram feitas muitas<br />

modificações e imaginamos, inclusive, que as reformas tardias na matriz<br />

<strong>de</strong> Cachoeira do Campo influenciaram as modificações <strong>de</strong>sta igreja ou<br />

vice-versa. A área <strong>dos</strong> fun<strong>dos</strong> do templo parece ter sofrido uma<br />

intervenção recente que lhe <strong>de</strong>u o aspecto <strong>de</strong> um colégio, com<br />

venezianas <strong>de</strong> basculante e tudo mais. Contudo, seu estado geral <strong>de</strong><br />

conservação é bastante bom, <strong>de</strong> fazer inveja à capelinha das Mercês da<br />

vizinha Itabirito, autêntica mas em agonia terminal.<br />

Está plantada no topo <strong>de</strong> um pequeno outeiro, sendo seu<br />

adro acessado por uma escadaria que nasce na rua <strong>de</strong>fronte. A parte<br />

central do frontispício é quadrada. As bases das torres são <strong>de</strong>limitadas<br />

por pilastras e cunhais <strong>de</strong>corativos que se interrompem antes <strong>de</strong> se<br />

encostarem na cimalha. Esta é discreta, <strong>de</strong> massa <strong>de</strong> alvenaria e<br />

contorna o pequeno óculo cruciforme. O frontão é recortado em<br />

suaves curvas e sustenta uma cruz no acrotério, la<strong>de</strong>ada por dois<br />

coruchéus. As torres são quadradas, altas, em dois estágios, com as<br />

aberturas sineiras no estágio <strong>de</strong> cima e pequenos óculos redon<strong>dos</strong> no<br />

estágio <strong>de</strong> baixo. As cúpulas estão cercadas por baixos parapeitos <strong>de</strong><br />

balaústres e têm o formato <strong>de</strong> pirâmi<strong>de</strong>s complexas, afiladas e com<br />

pináculos pontiagu<strong>dos</strong> sobre uma base obesa. A porta é emoldurada <strong>de</strong><br />

pedra, com um friso saliente contornando a verga. Há ainda duas<br />

pequenas janelas em guilhotina, também em moldura <strong>de</strong> cantaria. À<br />

frente do templo há um cruzeiro <strong>de</strong> pedra.<br />

Tal é externamente o templo do pequeno distrito <strong>de</strong><br />

Amarantina, do gran<strong>de</strong> Município <strong>de</strong> Ouro Preto com suas duas<br />

<strong>de</strong>zenas e meia <strong>de</strong> <strong>igrejas</strong> setecentistas.<br />

ITABIRITO<br />

A cida<strong>de</strong> é opulenta e próspera; conta, além da matriz,<br />

que é um excelente templo, mais quatro <strong>igrejas</strong> que são<br />

a do Rosário <strong>dos</strong> Pretos, a <strong>de</strong> Nossa Senhora da Saú<strong>de</strong>,<br />

a <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Assis e a da Pieda<strong>de</strong>, além da capela das Dores,<br />

padroeira do hospital.O município, além da fertIlida<strong>de</strong> do seu solo,<br />

contém imensa quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ferro, <strong>de</strong>scoberto em 1855 e que é hoje<br />

a indústria mais interessante e lucrativa do lugar; tanto que há mais<br />

<strong>de</strong> seis fábricas.<br />

211


Itabirito é a antiga Itabira do Campo. 166 É aquele lugar no<br />

caminho <strong>de</strong> Ouro Preto, cuja estação rodoviária surge bem no meio da<br />

estrada, <strong>de</strong>snorteando a gente. O nome foi tirado da rocha batizada<br />

pelo nosso conhecido barão <strong>de</strong> Eschwege, ali por volta <strong>de</strong> 1820. É<br />

interessante observar que o barão batizou a pedra se inspirando no<br />

nome do lugar e <strong>de</strong>pois o lugar tomou o nome da pedra: curiosa relação<br />

incestuosa.<br />

Burton passou por aqui em 1867. Observou que a vila era<br />

cortada por um riacho on<strong>de</strong> havia uma ponte <strong>de</strong> pedra <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong><br />

razoável. Notou que as casas eram boas, a <strong>de</strong>speito da <strong>de</strong>solação e<br />

abandono <strong>de</strong>correntes da <strong>de</strong>cadência da Mina da Cata Branca. Andou<br />

fazendo compras numa venda na praça <strong>de</strong> Santa Tereza e antes <strong>de</strong><br />

completar sua rápida estadia teve tempo <strong>de</strong> contar os templos do<br />

povoado: N. S. das Mercês , Bom Jesus <strong>de</strong> Matosinhos, Rosário, Santa<br />

Teresa e a matriz <strong>de</strong> N. S. da Boa Viajem. Comentou que as <strong>igrejas</strong><br />

tinham capacida<strong>de</strong> para alojar toda a população local.<br />

Itabirito preserva pouca coisa da sua antiga condição, restando<br />

alguns casarões em torno das <strong>igrejas</strong> e algumas vielas <strong>de</strong> traçado<br />

primitivo. A parte antiga está do lado oposto da entrada da cida<strong>de</strong>,<br />

exatamente no trecho mais aci<strong>de</strong>ntado do sítio urbano. Existe uma<br />

elevação <strong>de</strong> efeito interessante constituída por uma la<strong>de</strong>ira calçada <strong>de</strong><br />

pedras e com palmeiras que passa pela capela das Mercês e vai dar no<br />

outeiro on<strong>de</strong> está a igreja do Bom Jesus. Ao lado da igreja estão as<br />

ruínas <strong>de</strong> um magnífico casarão setecentista que, ao que tudo indica,<br />

está prestes a ser consumido pelo tempo, consumando sua total ruína.<br />

Contabilizamos seis templos em Itabirito: a matriz <strong>de</strong> N. S. da<br />

Boa <strong>Viagem</strong>, a igreja <strong>de</strong> Bom Jesus <strong>de</strong> Matosinhos, a capela do Rosário,<br />

capela das Mercês, a igreja <strong>de</strong> São Gonçalo no distrito <strong>de</strong> Bação e a<br />

Rosário <strong>dos</strong> Pretos no distrito <strong>de</strong> Acuruí. Todas foram mencionadas<br />

pelo nosso diligente bispo <strong>de</strong> Mariana. Seu relatório soma naqueles<br />

bons tempos <strong>de</strong> exuberantes vocações sacerdotais, nada menos do que<br />

seis padres na freguesia.<br />

A igreja do Rosário foi tombada pelo IPHAN em 1955. As<br />

<strong>de</strong>mais não são tombadas<br />

Matriz <strong>de</strong> N. S. da Boa <strong>Viagem</strong> - 1710<br />

166 A atual Itabira era antigamente a Itabira do Mato Dentro.<br />

212


A matriz <strong>de</strong> Itabirito está localizada exatamente no centro do<br />

trecho <strong>de</strong> traçado urbano primitivo a que talvez se possa chamar <strong>de</strong><br />

centro histórico. Uma das opções <strong>de</strong> acesso é uma viela íngreme <strong>de</strong><br />

calçamento muito antigo que vai dar no lado da igreja. Seu adro é<br />

cercado por um muro gra<strong>de</strong>ado que se abre para uma rua larga <strong>de</strong> suave<br />

<strong>de</strong>clive.<br />

Na primeira viagem que fizemos a Itabirito não conseguimos<br />

conhecer a matriz por <strong>de</strong>ntro. A tentativa começou com uma<br />

peregrinação pelas casas vizinhas quando ficamos sabendo que as<br />

chaves estavam com o pároco. Tivemos a infelicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> surpreendê-lo<br />

em pleno almoço e portanto, aconselha<strong>dos</strong> a aguardar momento mais<br />

apropriado para abordá-lo. Após esperar uns bons minutos, fomos<br />

informa<strong>dos</strong> <strong>de</strong> que, após o almoço, ele iria fazer a sua habitual sesta e<br />

que <strong>de</strong>pois, talvez pu<strong>de</strong>sse nos aten<strong>de</strong>r. Resolvemos <strong>de</strong>sistir, cientes do<br />

quanto é sagrada a alcalose pós-prandial <strong>dos</strong> padres e do quanto eles<br />

costumam ficar mau-humora<strong>dos</strong> quanto não a consumam bem. Assim<br />

nos pusemos a examinar a igreja apenas por fora. Reparamos antes <strong>de</strong><br />

tudo, que ela tem uma torre rara com arremates pareci<strong>dos</strong> aos da matriz<br />

<strong>de</strong> Catas Altas. A parte central da fachada é quase quadrada e abriga<br />

uma gran<strong>de</strong> porta com portais <strong>de</strong> pedra e uma verga também <strong>de</strong> pedra,<br />

um pouco mais saliente. No alto estão duas sacadas com moldura <strong>de</strong><br />

pedra semelhante à do portal e que avança curiosamente sobre uma<br />

discreta cimalha. As bases das torres - bastante largas e enquadradas<br />

pelos cunhais e pilastras retos <strong>de</strong> alvenaria - completam o conjunto.<br />

Elas atravessam a cimalha e apertam o frontão. Este é constituído por<br />

uma empena emoldurada por um friso <strong>de</strong> pedras, com uma leve<br />

curvatura invertida e um óculo irregular <strong>de</strong> moldura, também <strong>de</strong> pedra,<br />

no tímpano. Há uma pequena cruz sobre o acrotério, la<strong>de</strong>ada por dois<br />

pináculos pontu<strong>dos</strong>, <strong>de</strong> forma piramidada. As torres propriamente ditas<br />

estão acima do alinhamento do frontão. Têm cantos arremata<strong>dos</strong> em<br />

pedra, o mesmo acontecendo com as aberturas <strong>dos</strong> sinos. Acima há<br />

uma espécie <strong>de</strong> parapeito com coruchéus nos cantos, cercando os tais<br />

pináculos robustos e curiosos, semelhantes aos da matriz <strong>de</strong> Catas<br />

Altas, como dissemos.<br />

Lamentamos enfim, não ter podido conhecê-la por <strong>de</strong>ntro na<br />

primeira tentativa, imaginando que pela sua antiguida<strong>de</strong>, pu<strong>de</strong>sse conter<br />

preciosos retábulos em arquivoltas. Ficamos sabendo apenas,<br />

consultando o relatório da viagem <strong>de</strong> dom frei José da Santíssima<br />

Trinda<strong>de</strong>, que a igreja tem seis altares “to<strong>dos</strong> com bons ornamentos e<br />

213


alfaias” e que o páraco em 1822, era o irrepreensível e zeloso padre<br />

Francisco Xavier Meireles Souza.<br />

Meses mais tar<strong>de</strong>, num domingo <strong>de</strong> manhã, <strong>de</strong> volta <strong>de</strong> Ouro<br />

Preto, resolvemos tentar, mais uma vez, conhecer o interior da velha<br />

matriz e <strong>de</strong>sta vez tivemos sucesso. Pu<strong>de</strong>mos observar que, no geral,<br />

seu interior <strong>de</strong> fato tinha uma concepção muito antiga. O altar mor é<br />

um tipo <strong>de</strong> oratório, semelhante a alguns mo<strong>de</strong>los que encontra<strong>dos</strong> nas<br />

<strong>igrejas</strong> brasileiras do século XVII, embora muito mais empobrecido.<br />

Não tem <strong>dos</strong>sel nem é propriamente em arquivoltas. As colunas são<br />

retas e em baixo relevo, com abundância <strong>de</strong> entalhes fitomorfos.<br />

O camarim é muito espaçoso e abrigava uma imagem <strong>de</strong> Jesus<br />

com o coração exposto, que provavelmente estava ali provisoriamente<br />

pois era época <strong>de</strong> festejos do Sagrado Coração. A capela mor é pequena<br />

e está ligada a duas amplas capelas laterais, através <strong>de</strong> arcos altos e<br />

largos. O teto é facetado e artesoado, emoldurando pinturas <strong>de</strong> cenas<br />

sacras diversas, parecidas com estampas <strong>de</strong> estilo mais recente. O arco<br />

cruzeiro é em rica talha dourada, semelhante ao retábulo mor, porém<br />

<strong>de</strong>svalorizado por pinturas na pare<strong>de</strong>, ali colocadas em total <strong>de</strong>sarmonia<br />

com o resto do conjunto. Os altares do transepto são pequenos,<br />

ten<strong>de</strong>ndo para arquivoltas, sem nichos porém com um medalhão no<br />

coroamento. Estão encosta<strong>dos</strong> na pare<strong>de</strong> em ângulo reto: lembram os<br />

altares da matriz <strong>de</strong> Raposos, muito antigos. O trono é baixo,<br />

simplificado, lembrando cântaros, o que reforça sua antiguida<strong>de</strong>. As<br />

colunas, torsas e enlaçadas por ramagens, são sustentadas por anjos<br />

agacha<strong>dos</strong> em posição muito incômoda e com suas minúsculas<br />

intimida<strong>de</strong>s à vista.<br />

Na nave estão mais dois altares, <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> muito inferior.<br />

São <strong>de</strong> estilo bem mais recente, com colunas retas muito simples e<br />

pintura forte, em contrastes <strong>de</strong> mau-gosto. O teto tem formato<br />

semelhante ao da capela mor mas não é artesoado. Está contornado por<br />

um parapeito singelo, com os doutores da igreja e alguns evangelistas<br />

nas sacadas, contemplando os fiéis. No centro está uma moldura com a<br />

visão <strong>de</strong> Nossa Senhora que parece <strong>de</strong> confecção posterior, em relação<br />

<strong>às</strong> pinturas do entorno.<br />

Os púlpitos ten<strong>de</strong>m a linhas retas, com relevos e pintura<br />

marmorizada, tendo baldaquinos quadra<strong>dos</strong> com franjas e pingentes, no<br />

alto.<br />

O coro é em perfil <strong>de</strong> besta com balaustrada <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira escura<br />

e colunas <strong>de</strong> mesmo aspecto. Apoia-se nas pare<strong>de</strong>s, sobre raquíticos<br />

214


atlantes mal entalha<strong>dos</strong> em ma<strong>de</strong>ira escura natural, a mesma das colunas<br />

e <strong>dos</strong> balaústres. Ao lado do vestíbulo está o batistério. É o mais<br />

arejado e claro <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> Gerais, graças a um amplo janelão baixo que se<br />

abre para o exterior.<br />

Nas laterais, pegando parte da nave e da capela mor, estão duas<br />

outras capelas. Uma <strong>de</strong>las é a Capela do Santíssimo, uma das mais<br />

imponentes <strong>de</strong> todas as <strong>igrejas</strong> setecentistas mineiras. Está valorizada<br />

por um rico retábulo em talha dourada com colunas retas e torsas,<br />

ten<strong>de</strong>ndo para arquivoltas, porém prejudicadas pela intromissão <strong>de</strong> uma<br />

estranha sanefa sem douramento, à frente do coroamento.<br />

No todo é uma igreja interessante e rara, mas, como dissemos,<br />

nem é tombada.<br />

Igreja do Rosário - 1740<br />

Seguindo a rua do Rosário em frente à matriz, passando por<br />

alguns casarões antigos e subindo uma la<strong>de</strong>ira razoável, chegamos à<br />

colina on<strong>de</strong> está a igreja do Rosário <strong>de</strong> Itabirito. Após escalar uma<br />

escada <strong>de</strong> pedras, a<strong>de</strong>ntramos o adro gramado circundado por um baixo<br />

muro <strong>de</strong> pedras. Atrás do templo, casualmente, encontramos uma<br />

turma baforando coletivamente um apreciado baseado. Não se<br />

acanharam em absoluto, com a nossa inesperada presença <strong>às</strong> <strong>de</strong>z horas<br />

da manhã <strong>de</strong> um dia incomum. Nenhum <strong>de</strong>les tinha a chave da igreja,<br />

nem se interessava por ela senão como refúgio. Mas nos <strong>de</strong>ram uma<br />

informação certeira que nos permitiu encontrar o guardião e visitar o<br />

interior do templo.<br />

A igreja tem o aspecto externo <strong>de</strong> uma típica singela capelinha<br />

setecentista rural mineira. Sua fachada é constituída apenas do<br />

frontispício e <strong>de</strong> uma empena reta, coberta <strong>de</strong> telhas e assentada acima<br />

<strong>de</strong> uma cimalha em beiral <strong>de</strong> alvenaria. No tímpano está um óculo<br />

gran<strong>de</strong> e complexo em meia voluta, com moldura <strong>de</strong> pedra. A cruz está<br />

fincada na cumeeira, sobre um pe<strong>de</strong>stal <strong>de</strong> pedra. O portal é <strong>de</strong> pedra e<br />

tem um robusto e interessante adorno em volutas, também <strong>de</strong> pedra,<br />

valorizando a verga. É o ponto alto da fachada e bate com folga o<br />

portal da matriz da Boa <strong>Viagem</strong>, muito mais singelo. Acima está um<br />

nicho com a imagem da N. S. do Rosário, la<strong>de</strong>ada por duas aberturas<br />

on<strong>de</strong> estão os sinos.<br />

O altar mor é em <strong>dos</strong>sel clássico com os anjos esvoaçantes<br />

abrindo o cortinado, sob a coroa. As colunas são robustas, torsas e com<br />

215


frisos fitomorfos doura<strong>dos</strong>. Destaque para os belos nichos com<br />

baldaquinos. As colunas externas sustentam fragmentos <strong>de</strong> arquitrave.<br />

Os altares do transepto são do tipo oratório, com o arco<br />

rendilhado e um espaldar alto, com medalhão, anjos e a coroa. Possuem<br />

apenas as pilastras externas que são em forma <strong>de</strong> quartela. O camarim e<br />

o trono são pequenos. Um <strong>dos</strong> altares é dourado resplan<strong>de</strong>cente e com<br />

policromia carregada. O outro é fosco, ten<strong>de</strong>ndo a uma policromia<br />

suave, marmorizada. O contraste é interessante. Não há pinturas nem<br />

no teto da nave nem no da capela mor.<br />

Os altares estavam sem imagens. Elas só são colocadas quando<br />

há ofício: precaução da comunida<strong>de</strong> contra os ladrões. No geral, esta<br />

capelinha nos causou grata surpresa.<br />

Capelinha das Mercês<br />

Está no meio do caminho da interessante alameda que adorna a<br />

la<strong>de</strong>ira que leva à igreja <strong>de</strong> Bom Jesus <strong>de</strong> Matosinhos, logo acima. O<br />

estado é <strong>de</strong> penúria e o seu adro está entulhado <strong>de</strong> restos <strong>de</strong> construção.<br />

Parece em profunda agonia, quase fazendo coro com as ruínas do tal<br />

belo casarão setecentista localizado perto do templo <strong>de</strong> Bom Jesus,<br />

seguindo a la<strong>de</strong>ira. A fachada praticamente não tem nenhum adorno a<br />

não ser um arco <strong>de</strong> pedra que repousa sobre falsas pilastras e se verga<br />

um pouco abaixo da empena. No meio há um pequeno óculo. Não há<br />

cimalha nem torres, portanto a fachada é constituída <strong>de</strong> uma peça<br />

única. Não fosse a empena e os óculos redon<strong>dos</strong> nas laterais a capelinha<br />

das Mercês até po<strong>de</strong>ria passar por um casarão abandonado.<br />

Igreja <strong>de</strong> Bom Jesus <strong>de</strong> Matosinhos - 1765<br />

Continuando a la<strong>de</strong>ira da capelinha das Mercês chegamos ao<br />

outeiro on<strong>de</strong> está a igreja em posição <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque. Seu adro se reduz a<br />

uma pequena área lajeada, com uma escada <strong>de</strong> dois <strong>de</strong>graus que se liga<br />

a um largo gramado, cortado por uma trilha <strong>de</strong> pedras. A fachada é uma<br />

peça única, sem cimalha, com uma empena rebaixada e um óculo<br />

cruciforme, abaixo da cumeeira. Os cunhais são <strong>de</strong> cantaria arremata<strong>dos</strong><br />

por coruchéus planta<strong>dos</strong> acima do telhado. O beiral é <strong>de</strong> pedras,<br />

coberto <strong>de</strong> telhas e avança nas laterais <strong>dos</strong> cunhais. A porta tem uma<br />

moldura com verga reforçada e um adorno simplificado e com<br />

inscrições, logo acima. Ao lado estão duas aberturas com moldura <strong>de</strong><br />

pedras abrigando os sinos. Não conseguimos conhecer o interior do<br />

216


templo e fomos embora meio frustra<strong>dos</strong> pois, <strong>dos</strong> quatro templos<br />

setecentistas <strong>de</strong> Itabirito, apenas dois pu<strong>de</strong>mos conhecer por <strong>de</strong>ntro. É<br />

o circulo vicioso da perversida<strong>de</strong> do turismo cultural: Itabirito não vai<br />

atrair pessoas interessadas em conhecer os seus templos porque eles<br />

ficam fecha<strong>dos</strong> e eles ficam fecha<strong>dos</strong> porque não há gente interessada<br />

em conhecê-los.<br />

MARIANA<br />

É uma linda cida<strong>de</strong>, que contém excelentes templos e edifícios,<br />

como são o palácio episcopal e diversas casas particulares,<br />

a Sé, São Francisco e Carmo. Esse município foi muito extenso<br />

e ainda hoje, apesar das <strong>de</strong>smembrações, não é pequeno.<br />

O primitivo povoamento <strong>dos</strong> ban<strong>de</strong>irantes João Lopes <strong>de</strong><br />

Lima e Salvador Fernan<strong>de</strong>s Furtado, outra gloriosa vila das <strong>Minas</strong><br />

Gerais do século XVIII, a nossa Leal Vila <strong>de</strong> N. S. da Conceição do<br />

Carmo, fica a cerca <strong>de</strong> duas léguas <strong>de</strong> Ouro Preto. O ribeirão do Carmo<br />

como se recorda, é aquele formado pela junção do Ouro Preto e do<br />

Funil e que <strong>de</strong>pois vai <strong>de</strong>saguar no rio Doce, caudaloso especialmente<br />

após receber as águas tributárias do rio Piracicaba e correr até a sua foz<br />

no litoral do Espírito Santo. Assim correm as bacias <strong>dos</strong> rios mineiros:<br />

o Doce, o São Francisco, o Paranaíba e o Gran<strong>de</strong>; se juntando,<br />

recebendo e levando água por milhares <strong>de</strong> quilômetros até suas<br />

magníficas e distantes fozes. Hoje o aspecto do ribeirão do Carmo<br />

ainda é <strong>de</strong> muita dignida<strong>de</strong> e apresenta volume <strong>de</strong> água muita maior do<br />

que muitos rios da passado que nos nossos dias acabaram virando<br />

filetes <strong>de</strong> água imunda.<br />

Mariana se rivalizou com Vila Rica ao longo <strong>de</strong> quase toda a<br />

primeira meta<strong>de</strong> do século XVIII. Foi residência <strong>dos</strong> primeiros<br />

governadores e primeira vila instalada na capitania por Antônio <strong>de</strong><br />

Albuquerque em 1711, antes <strong>de</strong> Vila Rica e Sabará. Embora o palácio<br />

<strong>dos</strong> governadores tivesse sido construído em Mariana já por volta <strong>de</strong><br />

1715 , <strong>de</strong> fato, os governantes das <strong>Minas</strong> preferiam permanecer em<br />

Vila Rica, só indo a Mariana em veraneio. Isso perdurou até 1743<br />

quando o governador Gomes Freire <strong>de</strong> Andrada, obteve permissão do<br />

rei para construir o palácio <strong>de</strong> Vila Rica. Com a transferência da<br />

cavalaria para o quartel da Cachoeira do Campo, Mariana per<strong>de</strong>u <strong>de</strong><br />

vez, a condição <strong>de</strong> se<strong>de</strong> do po<strong>de</strong>r temporal, mantendo, contudo, sua<br />

217


condição <strong>de</strong> diocese e centro do po<strong>de</strong>r da Igreja sobre quase toda a<br />

capitania.<br />

Foi aqui que o con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Assumar enfrentou os rebela<strong>dos</strong> da<br />

sedição <strong>de</strong> 1720, conduzi<strong>dos</strong> por Paschoal da Silva Guimarães.<br />

Engambelou-os fingindo aceitar suas reivindicações e <strong>de</strong>pois revidou<br />

solertemente, queimando os domínios do caudilho, pren<strong>de</strong>ndo e o<br />

<strong>de</strong>portando para Portugal, além <strong>de</strong> esquartejar Felipe <strong>dos</strong> Santos.<br />

Terra <strong>de</strong> Ataí<strong>de</strong> e Cláudio Manuel da Costa foi também a<br />

primeira vila elevada à categoria <strong>de</strong> cida<strong>de</strong> nas <strong>Minas</strong> Gerais. Ganhou<br />

essa condição e o nome <strong>de</strong> Mariana em 1745, após receber o privilégio,<br />

concedido pelo papa Benedito XIV através da bula Candor lucis aeterna,<br />

<strong>de</strong> ser elevada a se<strong>de</strong> <strong>de</strong> diocese o que, naqueles tempos, só podia<br />

acontecer em cida<strong>de</strong>s. 167 Ao obter esse privilégio foi contemplada com<br />

uma série <strong>de</strong> melhorias, inclusive com um projeto urbanístico do nosso<br />

conhecido José Fernan<strong>de</strong>s Alpoin que traçou praças e ruas retas e<br />

largas, dignas <strong>de</strong> uma autêntica cida<strong>de</strong>, se<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma diocese e sítio <strong>de</strong><br />

uma catedral. Deteve o título <strong>de</strong> primeira e única cida<strong>de</strong> mineira até<br />

1823. A glória <strong>de</strong> antiga se<strong>de</strong> <strong>de</strong> bispado e <strong>de</strong> centro do po<strong>de</strong>r espiritual<br />

da capitania foi o que realmente manteve Mariana em <strong>de</strong>staque até<br />

quase mea<strong>dos</strong> do século XX. Essa vocação eclesiástica compensou sua<br />

<strong>de</strong>cadência e superação por parte <strong>de</strong> Vila Rica ainda antes do término<br />

da primeira meta<strong>de</strong> do século XVIII. Seu primeiro bispo ganhou o<br />

palácio, já sem governadores, para entronar o po<strong>de</strong>r episcopal em 1748<br />

e to<strong>dos</strong> ficaram felizes, com a oportuna separação do temporal e do<br />

espiritual. No repique, logo <strong>de</strong>pois, a diocese foi novamente<br />

contemplada; <strong>de</strong>sta vez com um belo sítio on<strong>de</strong> o bispo preferiu se<br />

instalar em ambiente mais bucólico, propício <strong>às</strong> contemplações.<br />

Generoso que era passou, por sua vez, seu antigo palácio à Or<strong>de</strong>m<br />

Terceira <strong>de</strong> São Francisco. De fato, o palácio se confun<strong>de</strong> com a igreja<br />

da or<strong>de</strong>m parecendo um edifício único como ainda hoje se po<strong>de</strong><br />

observar.<br />

167 O primeiro bispo <strong>de</strong> Mariana, D. Manuel da Cruz, partindo do Maranhão, gastou<br />

quatorze meses <strong>de</strong> viagem para chegar a sua diocese, só tomando posse sete anos após<br />

a criação da mesma pelo Papa .<br />

218


A exemplo <strong>de</strong> Ouro Preto, Mariana nasceu a partir <strong>dos</strong> núcleos<br />

<strong>de</strong> inúmeras datas e catas <strong>de</strong> ouro e que atualmente formam seus tantos<br />

bairros e distritos. Assim, sua fundação também está associada ao nome<br />

<strong>de</strong> vários pioneiros que no final do século XVII 168 se estabeleceram<br />

próximos uns aos outros firmando os respectivos povoa<strong>dos</strong>, geralmente<br />

i<strong>de</strong>ntifica<strong>dos</strong> pelos nomes <strong>de</strong> seus fundadores: João Lopes <strong>de</strong> Lima,<br />

Salvador Furtado, Miguel Garcia, Antônio Pereira Machado e outros.<br />

Hoje Mariana po<strong>de</strong> ser facilmente alcançada a partir <strong>de</strong> Ouro<br />

Preto, por estrada que corta o Morro da Queimada, <strong>de</strong>sce e encontra o<br />

ribeirão do Carmo no distrito <strong>de</strong> Passagem e segue em linha plana até a<br />

vetusta e histórica cida<strong>de</strong>. Antigamente era alcançada a partir do arraial<br />

do Padre Faria após a penosa escalada da la<strong>de</strong>ira do Vira e Saia,<br />

seguindo o vale do ribeirão. Como se recorda, nos primórdios toda a<br />

região era coberta <strong>de</strong> <strong>de</strong>nsa e exuberante mata e para atravessá-la à<br />

machado, até a vila do Ribeirão do Carmo, gastava-se cerca <strong>de</strong> quatro<br />

dias. Mariana é ainda hoje uma cida<strong>de</strong>zinha paciente que, não obstante<br />

não ter conservado muito do seu sítio histórico, parou no tempo e vive<br />

da glória mais abstrata do que concreta, do passado. A sombra turística<br />

<strong>de</strong> Ouro Preto a obscurece, por conta da preguiça <strong>dos</strong> turistas típicos<br />

que a evitam, apesar do acesso ser extremamente fácil e ambas fazerem<br />

parte do mesmo complexo histórico e cultural, naturalmente<br />

indivisível. Por conta disso, tem uma estrutura turística muito pobre<br />

com poucas opções <strong>de</strong> hospedagem e alimentação. Continua mais ou<br />

menos como no século XVIII, quando muitos <strong>dos</strong> nossos viajantes que<br />

por aqui passaram, repararam sua placi<strong>de</strong>z e reclamaram da penúria das<br />

condições <strong>de</strong> hospedagem.<br />

Além <strong>de</strong> sua tantas notáveis <strong>igrejas</strong> setecentista, possui algumas<br />

atrações interessantes como o Museu Sacro Arquidiocesano que<br />

funciona na Casa Capitular <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1962, construção antiga do conhecido<br />

construtor <strong>de</strong> <strong>igrejas</strong> mestre José Pereira Arouca, iniciada em 1770 e<br />

cuja obra foi tão <strong>de</strong>morada que o empreiteiro teve que enfrentar uma<br />

ação judicial da diocese por quebra <strong>de</strong> contrato. Há também o Museu<br />

da Música que tem em seu arquivo valiosíssimas peças <strong>de</strong> compositores<br />

mineiros do século XVIII, muitas das quais ainda <strong>de</strong>sconhecidas. Aliás,<br />

Mariana sempre teve apreço pela música, <strong>de</strong> que é exemplo o<br />

inventário <strong>dos</strong> bens do mestre Manuel da Costa Ataí<strong>de</strong> que chama<br />

168 Oficialmente a data <strong>de</strong> fundação <strong>de</strong> Mariana é 1696, tendo sido comemorado seu<br />

tricentenário, com todas as honras, em 1996.<br />

219


atenção pelo número <strong>de</strong> instrumentos musicais <strong>de</strong>ixa<strong>dos</strong>. Ainda hoje<br />

tem como imperdível atração, os concertos dominicais <strong>de</strong> Elisa Freixo<br />

no órgão da Catedral da Sé, milagrosamente em ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />

trezentos anos da sua fabricação, na Alemanha. Outro local interessante<br />

e obrigatório <strong>de</strong> visitação é a praça <strong>Minas</strong> Gerais, on<strong>de</strong> estão o<br />

pelourinho e a antiga Casa do Senado da Câmara e Ca<strong>de</strong>ia, obra<br />

também creditada a Arouca. Está erguida no local exato on<strong>de</strong>, sessenta<br />

anos antes do início da construção, já estava o Quartel <strong>dos</strong> Dragões do<br />

con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Assumar. Dali ele partiu para sufocar a rebelião <strong>de</strong> Paschoal<br />

da Silva Guimarães, botar fogo no Morro da Queimada em Vila Rica e<br />

pren<strong>de</strong>r Felipe <strong>dos</strong> Santos no adro da Igreja <strong>de</strong> N. S. da Nazaré na<br />

Cachoeira do Campo. O antigo palácio do con<strong>de</strong> é aquele casarão<br />

colado aos fun<strong>dos</strong> da igreja <strong>de</strong> São Francisco. É amigo, a História aqui<br />

respira por to<strong>dos</strong> os la<strong>dos</strong>.<br />

A construção do edifício da Câmara também foi <strong>de</strong>morada e o<br />

mestre Arouca morreu antes <strong>de</strong> vê-la concluída. Na praça estão ainda as<br />

<strong>igrejas</strong> <strong>de</strong> São Francisco e do Carmo. É a única praça que conheço que<br />

tem importantes <strong>igrejas</strong>, das duas principais irmanda<strong>de</strong>s setecentista,<br />

quase em frente uma da outra. Seu pelourinho ainda guarda um quê <strong>de</strong><br />

autorida<strong>de</strong>, diferentemente <strong>dos</strong> <strong>de</strong> Caeté e São João <strong>de</strong>l Rei, hoje quase<br />

esqueci<strong>dos</strong> em cantos <strong>de</strong> praças.<br />

Em Mariana morava o cônego Luiz Vieira da Silva, um <strong>dos</strong><br />

lí<strong>de</strong>res da Inconfidência Mineira. Ele era dono <strong>de</strong> uma das maiores<br />

bibliotecas do Brasil na sua época, atestado da relevância cultural <strong>de</strong><br />

<strong>Minas</strong> no século XVIII. Depois da sua prisão e con<strong>de</strong>nação ao exílio<br />

em Lisboa, seus livros foram seqüestra<strong>dos</strong> e infelizmente acabaram se<br />

per<strong>de</strong>ndo. Teria sido extraordinário se a biblioteca do Cônego e as <strong>de</strong><br />

vários outros inconfi<strong>de</strong>ntes tivessem sido preservadas e hoje estivessem<br />

à disposição do público em alguns <strong>dos</strong> tantos belos casarões<br />

marianenses setecentistas.<br />

Nossos viajantes do século XIX fizeram mais ou menos como<br />

os turistas atuais, <strong>de</strong>ram muita atenção a Ouro Preto e pouca atenção a<br />

Mariana.<br />

Sait-Hilaire chegou a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> passar duas semanas em<br />

Vila Rica, como vimos. Não fez muitos comentários mas não <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong><br />

criticar os chafarizes. Tentou conhecer os jardins do seminário, que lhe<br />

haviam pintado como <strong>de</strong> certo interesse mas não obteve permissão <strong>dos</strong><br />

padres com quem conversou e que lhe disseram que somente o vigário<br />

220


geral po<strong>de</strong>ria dar tal autorização. Ainda que fanático naturalista, o nosso<br />

meticuloso viajante achou <strong>de</strong>scabido recorrer a tal autorida<strong>de</strong> só para<br />

conhecer um jardim e resolveu <strong>de</strong>sistir da i<strong>de</strong>ia. Não <strong>de</strong>ixou porém <strong>de</strong><br />

dar uma espiada por cima do muro e achar que, afinal, o jardim não era<br />

lá essas coisas. Aproveitou também para registrar a gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>cadência<br />

do seminário que achava que <strong>de</strong>veria ser dinamizado para cumprir o seu<br />

papel <strong>de</strong> mais tradicional educandário <strong>de</strong> <strong>Minas</strong>. Notou o traçado<br />

regular das ruas e <strong>de</strong>screveu a praça da ca<strong>de</strong>ia com suas duas <strong>igrejas</strong>. Na<br />

verda<strong>de</strong>, o sábio francês falou pouco <strong>de</strong> Mariana mas muito sobre a<br />

organização eclesiástica mineira e o seu clero, via <strong>de</strong> regra visto por ele<br />

como pouco virtuoso, fanático por uma boa côngrua e bastante<br />

chegado a uma simonia. Mal sabia ele que no século anterior era muito<br />

pior.<br />

Saint-Hilaire visitou Mariana num <strong>dos</strong> muitos perío<strong>dos</strong> em que<br />

o bispado estava acéfalo à espera da indicação <strong>de</strong> um bispo que se<br />

dispusesse a <strong>de</strong>ixar os ricos bispa<strong>dos</strong> da Bahia, Recife ou Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

para enfrentar as <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>ntes <strong>Minas</strong>. Depois da sua passagem foi que o<br />

nosso companheiro dom frei José da Santíssima Trinda<strong>de</strong>, assumiu a<br />

diocese e inclusive cuidou da reabertura do seminário que o nosso<br />

dileto naturalista lamentou encontrar fechado.<br />

George Gardner anotou apenas que Mariana era uma cida<strong>de</strong><br />

muito quieta com aspecto imponente e que fazia melhor figura do que<br />

Ouro Preto.<br />

Spix e Martius pernoitaram em Mariana à caminho do vale do<br />

Rio Doce, on<strong>de</strong> foram observar índios. Acharam a cida<strong>de</strong> com aspecto<br />

agradável e registraram que a matriz estava ainda por ser concluída.<br />

Conheceram o legista da cida<strong>de</strong>, o dr. Godoy, que <strong>de</strong>clinou para eles as<br />

doenças mais comuns que assolavam Mariana naquela época: erisipela,<br />

hidropisia, febre surda(?), <strong>de</strong>sinteria, ciática nervosa e sífilis. Na saída<br />

reclamaram também da hospedaria em que tiveram que pernoitar, tão<br />

miserável, quanto a tal do Alto das Cabeças em Vila Rica.<br />

Richard Burton foi quem mais <strong>de</strong>tidamente examinou Mariana.<br />

Quando por aqui passou havia três hospedarias. A melhor era o Hotel<br />

Marianense, <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiente qualida<strong>de</strong>, mas cujos preços se rivalizavam<br />

com o Hotel <strong>de</strong>s Ambassa<strong>de</strong>urs <strong>de</strong> São Petersburgo, na gloriosa Rússia<br />

imperial. Reclamou que para três malditas hospedarias, havia nada<br />

menos do que nove <strong>igrejas</strong>. Como Sait-Hilaire, <strong>de</strong>screveu a praça da<br />

ca<strong>de</strong>ia e suas <strong>igrejas</strong>, notando que a igreja <strong>de</strong> São Francisco era a Sé<br />

provisória pois a catedral estava em obras. Citou Gardner e concordou<br />

com ele que a cida<strong>de</strong> parecia quase <strong>de</strong>serta. Visitou o bispo e o<br />

221


seminário e contou cento e oitenta alunos. Registrou que os que<br />

quisessem ser padres teriam que prosseguir estu<strong>dos</strong> no Caraça.<br />

Finalmente visitou o inevitável colégio das irmãs, criticou o nosso<br />

sistema alienante <strong>de</strong> ensino do século XIX e rumou para Ouro Preto<br />

em busca <strong>de</strong> coisa mais animada e interessante.<br />

Mariana e seus distritos oferecem um conjunto extraordinário<br />

<strong>de</strong> <strong>igrejas</strong> setecentista que justificam alguns dias <strong>de</strong> estadia na cida<strong>de</strong>,<br />

necessários para conhecê-las. São elas: Catedral <strong>de</strong> N. S. da Assunção,<br />

Basílica Menor <strong>de</strong> São Pedro <strong>dos</strong> Clérigos, igreja <strong>de</strong> N. S. Rainha <strong>dos</strong><br />

Anjos, igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Assis, igreja <strong>de</strong> N. S. do Carmo, igreja<br />

<strong>de</strong> N. S. do Rosário <strong>dos</strong> Velhos, capela <strong>de</strong> Santana, capela <strong>de</strong> N. S. da<br />

Boa Morte, capela <strong>de</strong> Santo Antônio, igreja <strong>de</strong> N. S. das Mercês, matriz<br />

<strong>de</strong> Bom Jesus do Monte <strong>de</strong> Caetano Furquim, matriz <strong>de</strong> N. S. do<br />

Rosário do Sumidouro, igreja <strong>de</strong> N. S. da Conceição <strong>de</strong> Camargos,<br />

igreja <strong>de</strong> N. S. da Glória <strong>de</strong> Passagem, matriz <strong>de</strong> São Sebastião <strong>de</strong><br />

Ban<strong>de</strong>irantes, N. S. da Conceição da Cachoeira do Brumado, matriz <strong>de</strong><br />

São Caetano <strong>de</strong> Monsenhor Horta, matriz <strong>de</strong> N. S. <strong>de</strong> Nazaré <strong>de</strong> Santa<br />

Rita Durão e Rosário <strong>dos</strong> Pretos <strong>de</strong> Santa Rita Durão.<br />

Assim como aconteceu em Ouro Preto, a maioria <strong>dos</strong> templos<br />

<strong>de</strong> Mariana foram tomba<strong>dos</strong> pelo IPHAN em 1939. Não são tombadas<br />

a Basílica <strong>de</strong> São Pedro, a capela <strong>de</strong> N. S. da Boa Morte, a capela <strong>de</strong><br />

Santo Antônio, a matriz <strong>de</strong> Ban<strong>de</strong>irantes, a matriz da Cachoeira do<br />

Brumado e a Rosário <strong>dos</strong> Pretos <strong>de</strong> Santa Rita Durão.<br />

Catedral <strong>de</strong> N. S. da Assunção – 1713<br />

A Sé <strong>de</strong> Mariana é uma das mais <strong>antigas</strong> e pitorescas <strong>igrejas</strong><br />

mineiras. Mas não é a mais antiga igreja <strong>de</strong> Mariana. Certamente a<br />

prece<strong>de</strong>ram pelo menos a igreja do Rosário e a capela <strong>de</strong> Santo<br />

Antônio. Consta que ela foi construída no local on<strong>de</strong> havia uma capela<br />

<strong>de</strong> Antônio Pereira Machado, na virada do século XVIII. 169 Esta igreja<br />

169 Diz o ouvidor Matoso (1750) que a Sé suce<strong>de</strong>u a antiga Matriz <strong>de</strong> Mariana cujo<br />

orago era N. S. da Conceição e que ela foi construída próximo ao local da igreja velha.<br />

Em sendo assim a igreja antiga teria sido <strong>de</strong>molida e perto teria sido construído o<br />

novo templo para ser a Sé com invocação <strong>de</strong> N. S. da Assunção. Digo <strong>de</strong> Vasconcelos<br />

conta que a igreja foi reconstruída entre 1734 e 1740. Com certeza passou por novos<br />

melhoramentos quando da instalação do bispado. Por tudo isso é justo consi<strong>de</strong>rar que<br />

222


tem algumas características raras como a nave <strong>de</strong> três ambientes, o altar<br />

mor em arquivoltas e com uma pintura entronada e o órgão alemão <strong>de</strong><br />

1710. Em 1745 Mariana tinha virado diocese e dois anos <strong>de</strong>pois d. João<br />

V adquiriu o órgão do fabricante Arp Schnitger com intenção <strong>de</strong> doá-lo<br />

à sé do novo bispado. Mas isso só foi efetivamente feito em 1753<br />

quando o rei já era d. José I. O divino instrumento tem nada menos do<br />

que trinta e cinco metros quadra<strong>dos</strong> <strong>de</strong> área e para sua instalação,<br />

Manuel Francisco Lisboa teve que fazer adaptações na nave. Foi<br />

inteiramente restaurado e voltou a soprar em 1984 quando foi<br />

concluída a primeira etapa <strong>de</strong> um processo minucioso <strong>de</strong> restauração<br />

que só foi inteiramente concluído em 2002. Des<strong>de</strong> então, o visitante,<br />

nas manhãs <strong>de</strong> domingo, <strong>de</strong> costas para a capela mor, po<strong>de</strong> se <strong>de</strong>liciar<br />

com os concertos didáticos <strong>de</strong> Elisa Freixo. O gran<strong>de</strong> instrumento<br />

parece sobrar do próprio céu para o alto da nave on<strong>de</strong> seus tubos<br />

alcançam. Foi preciso recuar o forro e abaixar o piso, ao lado do coro,<br />

para que ele pu<strong>de</strong>sse caber on<strong>de</strong> está.<br />

Junto com a matriz <strong>de</strong> Santo Antônio <strong>de</strong> Tira<strong>de</strong>ntes, a Sé <strong>de</strong><br />

Mariana é consi<strong>de</strong>rada a quarta mais rica igreja do Brasil. Ergue-se na<br />

antiga praça das cavalhadas, hoje muita <strong>de</strong>scaracterizada, com raros<br />

edifícios setecentistas ainda preserva<strong>dos</strong>. Na rua Direita, perto daqui,<br />

morou Alphonsus <strong>de</strong> Guimarães. Sua casa foi transformada em museu<br />

on<strong>de</strong> estão expostos objetos que pertenceram ao trágico poeta. Aqui<br />

morreu e seu túmulo está no cemitério anexo à capela <strong>de</strong> Santana.<br />

A fachada atual da catedral se encontra <strong>de</strong>sfigurada pelas<br />

sucessivas reformas por que passou e, em função disso, se parece um<br />

pouco com as insípidas <strong>igrejas</strong> do século XX. Spix e Martius registraram<br />

que ela estava em reforma quando aqui passaram, assim como Burton,<br />

cerca <strong>de</strong> quarenta anos <strong>de</strong>pois. Seu aspecto exterior só não chega a ser<br />

medíocre porque mantem sua estrutura típica das matrizes da primeira<br />

meta<strong>de</strong> do setecentos ou seja, <strong>de</strong> aparência sóbria e compleição<br />

robusta. Reformas, ajustes e adaptações estão bastante presentes na<br />

história da igreja <strong>de</strong>s<strong>de</strong> seu início.<br />

Em 1716, a Câmara da Vila do Carmo, foi autorizada a cobrar<br />

uma imposto adicional <strong>de</strong> <strong>de</strong>z por cento sobre a produção <strong>de</strong><br />

aguar<strong>de</strong>nte e melado para promover fun<strong>dos</strong> para as obras da antiga<br />

a datação mais correta para a ereção da Sé <strong>de</strong> Mariana, com a conformação geral que<br />

tem hoje, seria 1745.<br />

223


matriz. Graças a isso a construção tomou impulso, logo nos primeiros<br />

anos da instituição do primitivo.<br />

Sua fachada não é o seu ponto alto, guardando coerência com<br />

as tendências da época da sua construção quando o exterior <strong>dos</strong><br />

templos não merecia maiores preocupações.<br />

O frontispício é quadrangular e dividido em três partes por<br />

pilastras retas <strong>de</strong> alvenaria. A porta ocupa toda uma <strong>de</strong>ssas partes, tem<br />

portais simples e folhas <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira no alto, fechando o vão on<strong>de</strong> está<br />

assentada. Dos la<strong>dos</strong>, em plano superior, estão as tradicionais sacadas<br />

<strong>de</strong> balaustradas e entre elas há uma janela <strong>de</strong> mesmo traçado. As bases<br />

das torres são bastante largas e mostra janelas ao nível da porta,<br />

vazando as grossas pare<strong>de</strong>s. São gra<strong>de</strong>adas e por isso têm aspecto <strong>de</strong><br />

janelas <strong>de</strong> presídio. A cimalha é <strong>de</strong> telhas tipo beiral e contorna todo o<br />

edifício. O frontão é reto e bastante singelo, sustentando a sua cruz<br />

igualmente singela. As torres são quadradas, mais <strong>de</strong>lgadas do que suas<br />

bases e apresentam um telhado em quatro águas, achatado e com<br />

pináculos no topo e nas pontas do beiral ,o que lhes dá um ar meio<br />

oriental.<br />

Nomes conheci<strong>dos</strong> estão liga<strong>dos</strong> à construção da igreja: Manuel<br />

Francisco Lisboa, José Pereira Arouca, José Coelho Noronha,<br />

Francisco Vieira Servas e Manuel da Costa Ataí<strong>de</strong>.<br />

O interior da catedral <strong>de</strong> Mariana, merece especial <strong>de</strong>staque. O<br />

retábulo do altar mor é em arquivoltas, profusamente entalhadas com<br />

um medalhão no alto, la<strong>de</strong>ado por anjos. O trono é baixo com imagens<br />

diminutas, sobressaindo no conjunto uma pintura <strong>de</strong> N. S. da Assunção<br />

sobre o camarim. 170 A capela mor tem praticamente dois ambientes que<br />

dão a impressão <strong>de</strong> serem separa<strong>dos</strong> por dois arcos cruzeiros,<br />

sustenta<strong>dos</strong> por capitéis que se apoiam nas pare<strong>de</strong>s brancas das laterais.<br />

Cada um <strong>de</strong>sses ambientes se fecha em uma abóbada on<strong>de</strong> estão<br />

pinturas <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> eclesiásticas. O arco cruzeiro, assim como a<br />

cornija, são sóbrios e a mesa da comunhão está revestida por uma<br />

pintura azul grosseira que <strong>de</strong>stoa inteiramente das <strong>de</strong>mais peças da<br />

capela mor. Nas laterais estão as cátedras do cabido, adornadas por<br />

170 Tem gran<strong>de</strong> semelhança com o altar da Igreja <strong>de</strong> N. S. <strong>dos</strong> Cardais, <strong>de</strong> Lisboa – do<br />

século XVII.<br />

224


<strong>de</strong>senhos <strong>de</strong> inspiração chinesa. A nave é em trifório ou seja, dividida<br />

em três ambientes sob arcos que sustentam as tribunas. Seus altares são<br />

em estilo variado. Existem nada menos do que nove altares na nave. Os<br />

do arco cruzeiro, N. S. da Conceição e são José são atribuí<strong>dos</strong> a José<br />

Coelho Noronha o mestre <strong>de</strong> Caeté. São <strong>de</strong> pequenas dimensões<br />

<strong>de</strong>vido ao espaço roubado pelos corredores do trifório. Não chegam a<br />

ser em <strong>dos</strong>sel. Tem colunas em quartela com espaldar alto fechado em<br />

sanefas e com baldaquino quadrado no coroamento do retábulo. Há<br />

nichos originais na parte externa. Os primeiros altares do trifório ao<br />

contrário, são <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s dimensões. São adorna<strong>dos</strong> por complexas<br />

colunas, torsas na parte externa e em quartelas na parte <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro e que<br />

se fecham num falso <strong>dos</strong>sel. Os <strong>de</strong>mais altares são menores e utilizam<br />

uma varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> soluções híbridas <strong>de</strong> <strong>dos</strong>sel e arquivoltas. Há até<br />

mesmo um altar que nem chega a ter um retábulo com as imagens<br />

expostas pobremente. Esses altares são <strong>de</strong>dica<strong>dos</strong> a são João<br />

Evangelista, são Pedro, são Francisco, Senhor <strong>dos</strong> Passos, santa<br />

Bárbara, santa Luzia e santo Antônio. Já quase não sobrava santo para<br />

tanto altar. O famoso órgão localiza-se ao lado do coro. Os tetos da<br />

capela mor e da nave são abobada<strong>dos</strong> e adorna<strong>dos</strong> com pinturas <strong>de</strong><br />

bispos apoiadas em perspectivas ilusionistas, atribuídas a Manuel<br />

Rabelo <strong>de</strong> Souza. O da nave tem uma moldura rococó coroada com as<br />

armas do império. 171 Os púlpitos são encima<strong>dos</strong> por umas espécies <strong>de</strong><br />

baldaquinos. A peça atribuída a Ataí<strong>de</strong>, por aproximação iconográfica, é<br />

a pintura <strong>de</strong> são João Batista batizando Cristo, existente no fundo do<br />

Batistério.<br />

Destaque ainda para o tapa-vento em colunas originais e<br />

entalhes <strong>de</strong> Cristo on<strong>de</strong> Bazin i<strong>de</strong>ntificou contribuições do Aleijadinho.<br />

Igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Assis - 1763<br />

É outra notável igreja <strong>de</strong> Mariana, à altura das suas irmãs <strong>de</strong><br />

Ouro Preto e São João <strong>de</strong>l Rei. Aqui, mais uma vez, a rica irmanda<strong>de</strong><br />

mostra a sua força. Está erguida na famosa praça do pelourinho ao lado<br />

da igreja do Carmo. Trabalharam aqui os nossos conheci<strong>dos</strong> José<br />

Pereira Arouca, Francisco Vieira Servas e Francisco Xavier Carneiro,<br />

171 O IPHAN, informa que esta pintura é <strong>de</strong> 1760, assim <strong>de</strong>ve ter sofrido algum<br />

acréscimo pois o império, como sabemos, só foi criado quase setenta anos <strong>de</strong>pois.<br />

225


entre muitos outros artistas conheci<strong>dos</strong> e anônimos. O caríssimo<br />

mestre marianense Manuel da Costa Ataí<strong>de</strong>, também contribuiu para o<br />

embelezamento do templo. Dizem que seu corpo jaz sepultado no<br />

sagrado piso <strong>de</strong>sta igreja. Sua alma, seguramente baile no céu, on<strong>de</strong><br />

entrou através do teto da São Francisco <strong>de</strong> Assis <strong>de</strong> Ouro Preto, sua<br />

obra prima e que o cre<strong>de</strong>nciou plenamente para tal. Certamente repousa<br />

no colo exuberante da N. S. Mulata, a sua divina Raimunda.<br />

A fachada da São Francisco <strong>de</strong> Assis <strong>de</strong> Mariana apresenta a<br />

feição tradicional <strong>dos</strong> templos da segunda fase, estruturada em cantaria<br />

com aspecto <strong>de</strong> fortaleza. Seu frontispício é quadrado, com cunhais em<br />

lugar <strong>de</strong> pilastras já que a base das torres está em plano mais recuado. A<br />

portada é artisticamente trabalhada, com um gran<strong>de</strong> medalhão sobre a<br />

verga, emendando com o óculo, acima. Este é em formato original e<br />

empurra a cimalha, obrigando-a a uma leve curva. Ao lado estão duas<br />

sacadas e mais duas <strong>de</strong> mesmo formato e alinhamento se abrem na base<br />

das torres, guarnecidas com as inevitáveis balaustradas. O frontão é<br />

simples, <strong>de</strong> perfil curvo, sustentando a cruz <strong>de</strong> Lorena, típica <strong>dos</strong><br />

templos da or<strong>de</strong>m terceira franciscana. As torres são quadradas, com<br />

cúpulas em forma <strong>de</strong> pirâmi<strong>de</strong> achatada ostentando pináculos na ponta.<br />

O interior também é bastante característico, em rococó<br />

competente e clean com predominância do branco e frisos doura<strong>dos</strong>. A<br />

capela mor fica num plano mais elevado do que o usual. As pare<strong>de</strong>s são<br />

nuas e ostentam dois óculos redon<strong>dos</strong> abaixo do teto. Este é<br />

abobadado, com frisos doura<strong>dos</strong> que correm paralelos e se encontram<br />

no alto, sobressaindo sua bela simplicida<strong>de</strong>. O retábulo do altar mor é<br />

em arco ten<strong>de</strong>ndo para o <strong>dos</strong>sel, sustentado por colunas retas, <strong>de</strong>lgadas<br />

e <strong>de</strong> fuste estriado misto na parte interna e pilastras em quartela na<br />

parte externa. Chama a atenção o seu espaçoso camarim e o trono em<br />

<strong>de</strong>graus retos, sustentando a imagem do Cristo Crucificado com são<br />

Francisco mais abaixo, como é usual. Há também uma imagem <strong>de</strong><br />

Cristo pintada no fundo do camarim. A talha é <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Luiz Pinheiro, tendo Francisco Vieira Servas colaborado na elaboração<br />

do trono e Manuel da Costa Ataí<strong>de</strong>, na execução do douramento.<br />

Entre elas estão imagens franciscanas sobre consolos. Abaixo está a<br />

imagem <strong>de</strong> N. S. da Conceição. Na junção do altar com a pare<strong>de</strong><br />

aparecem colunas funcionais retas que sustentam a arquitrave. Todo o<br />

conjunto do altar mor é em frisos doura<strong>dos</strong> sobre fundo branco,<br />

compondo um conjunto sóbrio e agradável. O arco cruzeiro é simples e<br />

escora dois altares oblíquos relativamente avantaja<strong>dos</strong>. Também<br />

apresentam um camarim espaçoso, com colunas em quartelas<br />

226


sustentando um arco coroado com uma espécie <strong>de</strong> alto dia<strong>de</strong>ma. São<br />

também doura<strong>dos</strong>, com fundo branco e <strong>de</strong>talhes em azul<br />

marmorizado. Os dois altares seguintes estão no meio das pare<strong>de</strong>s da<br />

nave e são do tipo oratório, ou seja, não possuem propriamente<br />

colunas. Ostentam no alto do retábulo, umas espécies <strong>de</strong> baldaquinos<br />

franja<strong>dos</strong>. São <strong>de</strong>dica<strong>dos</strong> a são Roque, são Luiz, santa Izabel e santa<br />

Rosa e ostentam as respectivas imagens <strong>de</strong> roca. 172<br />

Ataí<strong>de</strong> é responsável pelo douramento do Altar <strong>de</strong> Santa Isabel<br />

e Francisco Xavier Carneiro pelos <strong>de</strong> São Roque e São Luiz. A cornija é<br />

bastante saliente e robusta e está pintada na tradicional imitação do<br />

mármore, tão a gosto <strong>dos</strong> nossos artistas setecentistas. Nos cantos do<br />

teto da nave, compondo com a moldura da cornija, há figuras papais.<br />

No centro está a representação do dilúvio <strong>de</strong> Xavier Carneiro,<br />

emoldurada por ricos <strong>de</strong>talhes <strong>de</strong>corativos tipicamente rococós com<br />

formas conchoi<strong>de</strong>s em profusão. Destaque ainda para os belos púlpitos<br />

em pedra sabão com base ricamente entalhada. O coro está estruturado<br />

em pedra sabão. Os arcos superiores, abaixo da cornija, estão pinta<strong>dos</strong><br />

num <strong>de</strong>sagradável tom <strong>de</strong> azul piscina<br />

No forro da sacristia os dois são Francisco sofrem as dores do<br />

mundo nas belas pinturas <strong>de</strong> Ataí<strong>de</strong>. Estão entre suas melhores obras,<br />

on<strong>de</strong> seu talento mais uma vez, não consegue se acomodar aos<br />

achatamentos típicos <strong>dos</strong> exageros <strong>de</strong>corativos da pintura rococó que<br />

marcou a sua época e limitou <strong>de</strong> certa forma, a sua obra. A distribuição<br />

arquitetônica do espaço oferece vários cômo<strong>dos</strong> se comunicando com a<br />

sacristia e a Capela do Santíssimo, inclusive com entrada in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<br />

se comunicando diretamente com a rua lateral ao lado do antigo palácio<br />

<strong>dos</strong> governadores. Este como dito, foi doado à Diocese que, por sua<br />

vez, o doou a irmanda<strong>de</strong> e hoje cumpre relevantes atribuições<br />

mundanas abrigando varia<strong>dos</strong> estabelecimentos comerciais <strong>de</strong> segunda<br />

linha.<br />

Igreja do Carmo - 1784<br />

172 As imagens <strong>de</strong> roca são uma esperteza <strong>dos</strong> escultores sacros que, assim, ficavam<br />

livres <strong>dos</strong> trabalhosos entalhes ou mo<strong>de</strong>lagens das vestimentas <strong>dos</strong> santos,<br />

substituindo-as por roupas <strong>de</strong> pano, cuja confecção era então repassada à<br />

competência <strong>de</strong> pie<strong>dos</strong>as costureiras.<br />

227


Está ao lado da igreja <strong>de</strong> São Francisco, numa harmoniosa<br />

posição em relação a ela, fazendo um conjunto raro, unindo, numa<br />

mesma paisagem, <strong>igrejas</strong> <strong>de</strong> irmanda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> certa forma rivais. É a mais<br />

tardia das mais famosas <strong>igrejas</strong> da irmanda<strong>de</strong> na região, sendo posterior<br />

aos templos <strong>de</strong> Ouro Preto, São João <strong>de</strong>l Rei e Sabará. Foi construída<br />

no local da primitiva capela do Menino-Deus, da qual manteve partes<br />

que foram sendo substituídas gradativamente até o final do primeiro<br />

quarto do século seguinte.<br />

Infelizmente esta igreja teve seu interior <strong>de</strong>struído por um<br />

incêndio em 1998 que consumiu gran<strong>de</strong> parte do seu acervo,<br />

especialmente na nave. Hoje ela se encontra inteiramente reconstruída,<br />

mas guarda as marcas da tragédia, especialmente nos portais da nave e<br />

no arco cruzeiro. Ao reconstruir a igreja o IPHAN adotou o critério<br />

correto <strong>de</strong> manter todas as peças originais salvas do incêndio, no estado<br />

em que encontravam. O que teve que ser reconstruído, foi feito sem<br />

intenção <strong>de</strong> falsear o original. Assim é que os altares do transepto se<br />

apresentam como umas espécies <strong>de</strong> maquetes, apenas a lembrar o<br />

traçado <strong>dos</strong> originais, <strong>de</strong>struí<strong>dos</strong> pelo fogo. Felizmente o retábulo da<br />

capela mor foi menos danificado e pô<strong>de</strong> ser restaurado. A recuperação<br />

se restringiu à pintura <strong>de</strong>rretida pelo calor do fogo, vindo da fornalha<br />

em que se tornou a nave no momento do trágico aci<strong>de</strong>nte. Há registro<br />

<strong>de</strong> pagamentos a Manuel da Costa Ataí<strong>de</strong> por serviços presta<strong>dos</strong> na<br />

fabricação <strong>de</strong>sta igreja, contudo, não foi possível i<strong>de</strong>ntificar quais foram<br />

esse serviços. Até po<strong>de</strong> ter sido o douramento do altar agora<br />

restaurado.<br />

A parte frontal da igreja do Carmo <strong>de</strong> Mariana, ainda que não<br />

chegue a chamar a atenção, é bastante peculiar. Seu frontispício ocupa<br />

toda a fachada ou seja, as torres não têm bases e estão assentadas acima<br />

da cimalha, ao lado do frontão, quase se confundindo com ele. O<br />

frontispício é mais alto do que largo e exce<strong>de</strong> o alinhamento do corpo<br />

da nave, arrematado por sóli<strong>dos</strong> cunhais <strong>de</strong> pedra. Há uma gran<strong>de</strong><br />

portada no centro relativamente original, com ombreiras trabalhadas<br />

em pedra sabão e uma verga caprichada com um rico medalhão no alto,<br />

guardado por belos anjos esvoaçantes. Estes anjos são obra <strong>de</strong><br />

Sebastião Gonçalves Soares, <strong>de</strong> 1795. Ao lado estão duas pequenas<br />

sacadas com balaustradas originais e cimalhinhas criativas. O óculo é<br />

avantajado, envidraçado e contornado pela cimalha, numa curva<br />

exagerada. O frontão é pequeno com perfil arredondado. No cimo há<br />

uma cruz simples, sobre um pe<strong>de</strong>stal encorpado, la<strong>de</strong>ado por adornos<br />

228


em voluta. No centro há um segundo óculo, agora diminuto. As torres<br />

são <strong>de</strong>lgadas e redondas, com um segundo estágio afinado, coberto por<br />

um cone ainda mais afinado, arrematado por pontiagu<strong>dos</strong> e<br />

ameaçadores pináculos.<br />

Sabe-se que os altares originais tinham pouco douramento,<br />

prevalecendo os fun<strong>dos</strong> claros, típicos do período rococó, como hoje se<br />

encontra o retábulo mor, reconstruído. Ele é sóbrio, ao estilo da última<br />

fase, com colunas internas em forma <strong>de</strong> consolos e externas mistas,<br />

parte torsa e parte reta. Há nichos entre as colunas. O retábulo é em<br />

arco interrompido com uma tarja no centro. O risco é atribuído ao<br />

meio-irmão do Aleijadinho o padre Felix Francisco Lisboa que, como<br />

se sabe, também herdou talentos nessas artes.<br />

Havia uma pintura <strong>de</strong> N. S. do Carmo no teto da nave,<br />

adornada <strong>de</strong> nuvens e anjos atribuída a Francisco Xavier Carneiro e<br />

outra semelhante no teto da capela mor. Claro que os tetos hoje<br />

reconstruí<strong>dos</strong> estão pinta<strong>dos</strong> <strong>de</strong> branco. Nesse instante, contemplo uma<br />

foto da pintura da nave e me chama a atenção a beleza <strong>dos</strong> contrastes<br />

escuros que, ao contrário <strong>de</strong> arrefecer, acentuam ainda mais a gloriosa<br />

luminosida<strong>de</strong> da Virgem do Carmo com o filho ao colo, flutuante num<br />

medalhão rococó, cercado <strong>de</strong> espaços vazios, guarneci<strong>dos</strong> <strong>de</strong> belas<br />

molduras arquitetônicas simplificadas.<br />

O antigo esplendor da nossa insubstituível igreja do Carmo <strong>de</strong><br />

Mariana foi recriado como foi possível e honesto, mas o original se<br />

per<strong>de</strong>u naquele incêndio provocado por um aci<strong>de</strong>nte inaceitável. O pior<br />

é que ele po<strong>de</strong> se repetir a qualquer momento, consumindo outras<br />

obras irrecriáveis em Ouro Preto, Sabará, Diamantina ou qualquer<br />

outro sítio. Alguns são patrimônio da humanida<strong>de</strong>, outros nem tanto,<br />

mas to<strong>dos</strong> irmãmente <strong>de</strong>sprotegi<strong>dos</strong>.<br />

Igreja <strong>de</strong> N. S. Rainha <strong>dos</strong> Anjos – 1748<br />

O templo da Arquiconfraria do Cordão <strong>de</strong> São Francisco fica<br />

no meio da la<strong>de</strong>ira da rua Dom Silvério, próximo a praça do<br />

pelourinho. Não tem adro mas está em frente a uma espécie <strong>de</strong> jardim<br />

que se abre como um terreno vago do outro lado da rua. A fachada do<br />

templo é angulada, ao estilo das <strong>igrejas</strong> do Ó <strong>de</strong> Sabará ou São<br />

Francisco <strong>de</strong> Caeté, entre outros. No centro do frontispício está a porta<br />

que é emoldurada por portais <strong>de</strong> pedra sabão, com verga mais saliente e<br />

um medalhão acima, também <strong>de</strong> pedra. Há um óculo arredondado<br />

229


próximo à cimalha. Nas laterais estão dois janelões com guarda-corpo<br />

baixo em ma<strong>de</strong>ira torneada. A torre única está no centro do triângulo e<br />

se apoia diretamente no telhado, achatando o encontro da cumeeira.<br />

Sua cúpula é em quatro águas, afunilada no centro e com pontas nas<br />

bordas, ao estilo chinês. A cimalha é em forma <strong>de</strong> beiral, contornando<br />

todo o templo. Arrematando a fachada estão os cunhais em ma<strong>de</strong>ira<br />

pintada e dois cômo<strong>dos</strong> laterais com telhado em meia água. Sabe-se<br />

que as pare<strong>de</strong>s <strong>de</strong> nave são <strong>de</strong> adobe e as da capela mor são <strong>de</strong> alvenaria<br />

fruto, portanto, <strong>de</strong> uma reconstrução posterior.<br />

O interior do templo é tão singelo quanto sua fachada. O<br />

retábulo da capela mor apresenta pilastras em quartela na parte interior<br />

e colunas retas <strong>de</strong> fuste estriado na parte externa. O arco do altar é<br />

simples e está coroado por um moldura <strong>de</strong> forma côncava. À frente há<br />

um medalhão com os símbolos da confraria. O teto é <strong>de</strong> forma<br />

abobadada e apresenta um relevo rendado no centro. O fundo é branco<br />

com frisos amarela<strong>dos</strong>. O trono é <strong>de</strong> forma piramidada, superpondo<br />

<strong>de</strong>graus retilíneos. Ostenta a imagem <strong>de</strong> N. S. <strong>dos</strong> Anjos, secundada<br />

pelas imagens <strong>de</strong> são Francisco e são Domingos, nos nichos. Há dois<br />

altares encosta<strong>dos</strong> no arco cruzeiro em ma<strong>de</strong>ira natural. Um apresenta o<br />

retábulo fechado por um arco franjado e com espaldar arrematado por<br />

uma sanefa. O outro é mais simples mas com espaldar mais alto.<br />

Ambos apresentam pilastras em quartela.<br />

O arco cruzeiro <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira, é muito simples e o forro da nave<br />

é pintado <strong>de</strong> branco. Os púlpitos são igualmente muito simples, em<br />

ma<strong>de</strong>ira pintada. A cornija da capela mor é <strong>de</strong> pedra e a da nave é <strong>de</strong><br />

ma<strong>de</strong>ira. Também simples é o coro, que tem guarda-corpo em tábuas<br />

recortadas. Há corredores contornando as laterais da nave e se<br />

comunicando com a sacristia no fundo. Um <strong>de</strong>les ostenta pinturas<br />

grosseiras e <strong>de</strong>scoradas na pare<strong>de</strong>. Os <strong>de</strong>graus do presbitério são em<br />

pedra sabão.<br />

Igreja das Mercês<br />

Seguindo ainda a rua Dom Silvério, um pouco acima<br />

encontramos a rua das Mercês e sua respectiva igreja. O templo está em<br />

estado lastimável e por isso está fechado à visitação. Assim só pu<strong>de</strong>mos<br />

examiná-lo por fora. Pelo estado <strong>de</strong> abandono lembra a igreja da Luz <strong>de</strong><br />

Diamantina. Tem um pequeno adro cercado que o separa da rua<br />

íngreme e que po<strong>de</strong> ser alcançado após alguns <strong>de</strong>graus. O frontispício<br />

forma uma peça única, triangulada na parte <strong>de</strong> cima, formando uma<br />

230


espécie <strong>de</strong> frontão abaixo do beiral. A porta é gran<strong>de</strong>, com almofadas<br />

salientes e guarnecida por um portal simplificado. Mostra ainda duas<br />

gran<strong>de</strong>s sacadas com guarda-corpo <strong>de</strong> ferro. Há um pequeno óculo<br />

arredondado no alto bem abaixo do beiral. A torre única se assenta<br />

diretamente no telhado, tem cobertura em quatro águas, afunilada no<br />

centro. Eis a igreja das Mercês <strong>de</strong> Mariana, simples e totalmente<br />

<strong>de</strong>ca<strong>de</strong>nte.<br />

Basílica Menor <strong>de</strong> São Pedro <strong>dos</strong> Clérigos - 1752<br />

Esta singular igreja fica no topo <strong>de</strong> um morro e do seu amplo<br />

adro se po<strong>de</strong> contemplar toda a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Mariana. Anexo ao templo<br />

funcionou o Palácio Episcopal, hoje fechado à espera <strong>de</strong> restauração. A<br />

própria igreja esteve fechada durante alguns anos e em outros teve<br />

<strong>de</strong>svirtuadas suas funções, servindo como teatro. Tem robustas<br />

estruturas <strong>de</strong> pedra. Como o seu reboco não tem pintura, <strong>de</strong> uma certa<br />

distância parece ser construída toda <strong>de</strong> pedra. Consta que a planta é<br />

obra do mesmo arquiteto da igreja do Rosário <strong>de</strong> Ouro Preto, contudo,<br />

ao contrário daquela igreja, apenas a nave é elíptica. Há porém muitos<br />

pontos em comum com o templo da vizinha cida<strong>de</strong>. O telhado também<br />

é estruturado na forma <strong>de</strong> casco <strong>de</strong> tartaruga. Igualmente, apresenta<br />

entrada em galilé, ou seja, há um alpendre em três arcos antecipando a<br />

entrada da nave.<br />

A fachada é dividida em três partes separadas por pilastras e<br />

cunhais <strong>de</strong> pedras <strong>de</strong> cantaria cortadas retas. Representam o frontispício<br />

e a base das torres. Enquanto o frontispício é abaulado, a base das<br />

torres é reta.<br />

O arco central da entrada da galilé é diferente <strong>dos</strong> <strong>de</strong>mais. É<br />

emoldurada por duas pilastras retas <strong>de</strong> capitéis simplifica<strong>dos</strong>, com o<br />

símbolo da autorida<strong>de</strong> episcopal entalhado no centro. As entradas das<br />

laterais apresentam arcos salientes, ao estilo românico. Há um janelão<br />

acima <strong>de</strong> cada arco, com cimalhinhas em pedra. A cornija, robusta e<br />

saliente, também é estruturada em pedra. O frontão é bastante alto. Sua<br />

parte central é la<strong>de</strong>ada por duas pilastras arrematadas em coruchéus e as<br />

laterais se fecham em frenéticas volutas. A parte <strong>de</strong> cima forma um arco<br />

perfeito que sustenta uma pequena cruz <strong>de</strong> pedra. No centro há um<br />

nicho abrigando uma imagem branca da virgem. As torres são retas e<br />

encimadas por cúpulas piramidais abauladas e que se achatam no topo<br />

para abrigar suas cruzes. Os vãos são fecha<strong>dos</strong> por janelas <strong>de</strong> treliças e<br />

os sinos estão guarda<strong>dos</strong> em seu interior.<br />

231


Após a galilé, damos entrada na nave elíptica estruturada em<br />

gran<strong>de</strong>s pilastras <strong>de</strong> pedras e com o vão <strong>dos</strong> altares vazios, <strong>de</strong>nunciando<br />

que a construção está inacabada. É inteiramente <strong>de</strong>spojada exibindo,<br />

contudo, um painel <strong>de</strong> excelente qualida<strong>de</strong> que nosso guia atribuiu a<br />

Ataí<strong>de</strong> o que po<strong>de</strong> ser correto. Contou-nos ele ainda que havia um<br />

segundo painel <strong>de</strong> Ataí<strong>de</strong> mas que foi <strong>de</strong>volvido ao seu lugar <strong>de</strong><br />

origem: a matriz <strong>de</strong> Santo Antônio em Santa Bárbara. 173 O coro é<br />

bastante espaçoso e se abre para a nave através <strong>de</strong> um arco estruturado<br />

em pedra. A cornija é múltipla e contorna um forro reto sem pinturas.<br />

O retábulo da capela mor é em cedro natural escuro. Possui colunas<br />

retas estriadas, fechadas por um falso <strong>dos</strong>sel franjado, com um<br />

medalhão adornado com símbolos papais e anjos. As colunas centrais<br />

sustentam fragmentos <strong>de</strong> arquitrave com anjos assenta<strong>dos</strong> sobre elas.<br />

No trono está a imagem <strong>de</strong> são Pedro com a cruz papal. O barrete é<br />

adornado também com filetes <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira natural que se cruzam no<br />

alto. Ao lado estão imponentes tribunas com balaustradas da mesma<br />

ma<strong>de</strong>ira do altar, avançando sobre a capela em curvas irregulares,<br />

sustentadas sobre uma base <strong>de</strong> pedra sabão, próxima ao arco cruzeiro.<br />

O ambiente formado pelas pedras <strong>de</strong> itacolomito e sabão e a talha <strong>de</strong><br />

ma<strong>de</strong>ira escura natural do retábulo, forma um harmonioso e raro<br />

conjunto.<br />

Igreja do Rosário - 1752<br />

Esta Igreja fica na outra margem do ribeirão do Carmo, do lado<br />

oposto do centro histórico, numa região on<strong>de</strong> as antiguida<strong>de</strong>s<br />

feneceram. Consta que essa igreja foi construída no local da primeira<br />

matriz <strong>de</strong> Mariana que, bem no princípio do século XVIII , já tinha se<br />

mudado para o local on<strong>de</strong> hoje está a Sé <strong>de</strong> Mariana. É um <strong>dos</strong> mais<br />

suntuosos templos do Rosário que encontramos nesta nossa viagem.<br />

Fica situado à frente <strong>de</strong> um amplo largo e tem aspecto sólido e<br />

imponente com sua vistosa cantaria. A primeira coisa que chama a<br />

atenção é sua porta avantajada. Penso que é a maior <strong>de</strong> todas entre as<br />

<strong>igrejas</strong> mineiras. Sua dimensão se avoluma ainda mais em função <strong>dos</strong><br />

portais e sobretudo, em função do adorno da verga que avança acima<br />

173 Essa informação parece carecer <strong>de</strong> fundamento pois não vimos na matriz <strong>de</strong> Santa<br />

Bárbara, nenhum painel <strong>de</strong> Ataí<strong>de</strong> que pu<strong>de</strong>sse ter sido removido e <strong>de</strong>pois recolocado<br />

no lugar.<br />

232


da linha inferior <strong>dos</strong> janelões da fachada. A base das torres é <strong>de</strong>limitada<br />

por pilastras duplas e cunhais <strong>de</strong> cantaria. A cimalha é múltipla e<br />

robusta. Tudo dá ao conjunto um aspecto <strong>de</strong> fortaleza. Todo o<br />

frontispício é bastante alto o que diminui muito a presença das torres<br />

que acabam parecendo muito baixas. Também parecem muito <strong>de</strong>lgadas.<br />

São retas com telhado em quatro águas, afilado e com beirais salientes,<br />

cobertos <strong>de</strong> telhas. A empena está apertada entre as torres e no tímpano<br />

mostra um óculo arredondado e envidraçado. No geral o conjunto da<br />

fachada parece <strong>de</strong>sproporcional. Dizem que um erro no risco <strong>de</strong> José<br />

Pereira <strong>dos</strong> Santos, autor do projeto da fachada, obrigou à adaptações<br />

<strong>de</strong>stinadas a acomodar os espaços. Daí o porque das <strong>de</strong>sproporções.<br />

Por <strong>de</strong>ntro também a igreja é majestosa. A altura do frontispício<br />

agora revela a amplidão vertical da nave. O alto pé direito ajuda a<br />

clarida<strong>de</strong> interna, abrindo espaço para uma farta iluminação natural que<br />

penetra pelos óculos e janelões. Também o coro chama a atenção,<br />

cravado nas grimpas, acima da alta porta <strong>de</strong> entrada do templo. Está<br />

apoiado diretamente nas pare<strong>de</strong>s laterais, ocupa o espaço do vestíbulo e<br />

avança em arco, no centro da nave. O parapeito é guarnecido <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>lga<strong>dos</strong> balaústres <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira escura torneada.<br />

O autor <strong>dos</strong> retábulos é o competente Francisco Vieira Servas e<br />

Ataí<strong>de</strong> contribui com pinturas e douramento aqui e ali. O altar mor é<br />

uma espécie <strong>de</strong> <strong>dos</strong>sel com lambrequins pen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> uma trave em<br />

arbaleta, com um medalhão e anjos no coroamento. As pilastras<br />

internas são em quartelas misuladas e as externas são em colunas retas<br />

sustentando fragmentos <strong>de</strong> arquitraves e anjos. O fundo é branco com<br />

frisos doura<strong>dos</strong>. O trono é em cascatas e está la<strong>de</strong>ado por nichos com<br />

baldaquinos. A capela mor tem tribunas com molduras <strong>de</strong> pedras<br />

adornadas, com sanefas brancas e douradas. No forro está a pintura <strong>de</strong><br />

Ataí<strong>de</strong> com suas soluções típicas, mostrando a Nossa Senhora <strong>de</strong><br />

feições mulatas, enquadrada em volumes arquitetônicos, com adornos<br />

rococó valorizando a santa visão. Segundo consta, o mestre não foi<br />

<strong>de</strong>vidamente remunerado pela irmanda<strong>de</strong> conforme combinado e abriu<br />

uma ação contra ela. Aliás, esse tipo <strong>de</strong> situação era muito comum<br />

naqueles tempos, inclusive com rui<strong>dos</strong>as falências <strong>de</strong> consagra<strong>dos</strong><br />

empreiteiros como Arouca e Lima Cerqueira. Este coitado, morreu<br />

louco <strong>de</strong> tanto ser azucrinado pelos credores.<br />

Os altares do transepto apresentam os altos espaldares com<br />

dia<strong>de</strong>mas, colunas únicas em quartelas sobre consolos e coberturas tipo<br />

baldaquino, com os mesmos lambrequins pen<strong>de</strong>ndo <strong>de</strong> uma tarja em<br />

233


arbaleta, fechando o coroamento, no estilo do altar mor. O trono é em<br />

pirâmi<strong>de</strong> e mostram santa Efigênia e são Benedito, <strong>de</strong>vidamente<br />

enquadra<strong>dos</strong> no esplendor do branco e dourado <strong>dos</strong> retábulos.<br />

O arco cruzeiro é em pedra reta, com anjos colori<strong>dos</strong> e um<br />

medalhão no coroamento.<br />

Os púlpitos têm bases <strong>de</strong> pedra em forma <strong>de</strong> consolo e guardacorpo<br />

adornado com pinturas marchetadas, sobre baixos relevos <strong>de</strong><br />

acantos.<br />

A igreja no geral, causa muito boa impressão. Poucas vezes uma<br />

irmanda<strong>de</strong> <strong>de</strong> pretos foi tão esforçada e tão bem sucedida na<br />

construção do seu templo.<br />

Capela <strong>de</strong> Santo Antônio - 1696<br />

A capela <strong>de</strong> Santo Antônio está localizada num lugar<br />

particularmente pitoresco <strong>de</strong> Mariana. Ergue-se sobre um platô, com o<br />

ribeirão do Carmo correndo abaixo e uma paisagem <strong>de</strong> abruptas<br />

elevações se <strong>de</strong>scortinando ao longe. Alguns acreditam ter sido essa<br />

capela o primeiro templo <strong>de</strong> Mariana e, <strong>de</strong> fato, uma inscrição em seu<br />

interior dá o longínquo ano <strong>de</strong> 1696 como sendo o da sua fundação. É<br />

possível que o povoamento do antigo arraial tenha começado por aqui,<br />

dada sua posição estratégica do ponto <strong>de</strong> vista militar, mas a data parece<br />

excessivamente remota. Segundo Bento Furtado a primeira capela <strong>de</strong><br />

Mariana teria sido erguida por seu pai, o coronel Salvador Furtado, no<br />

Arraial <strong>de</strong> Cima, mais o menos por essa época, mas a capela <strong>dos</strong><br />

Furtado não seria mais do que uma choupana construída para abrigar<br />

um oratório portátil.<br />

A capela <strong>de</strong> Santo Antônio, como se encontra preservada em<br />

nossos dias, é um templo muito mo<strong>de</strong>sto, com uma fachada atemporal,<br />

ou seja do tipo que ainda no século vinte se construía no interior <strong>de</strong><br />

<strong>Minas</strong>. O interior da capela é tão mo<strong>de</strong>sto quando o exterior. Seu único<br />

altar mostra uma estrutura em arquivoltas, ou seja da primeira fase do<br />

barroco mineiro. Não está entalhado se constituindo, assim, muito mais<br />

um esboço do que um verda<strong>de</strong>iro retábulo. Enfim, o primitivismo<br />

<strong>de</strong>ssa capela, erigida num sítio verda<strong>de</strong>iramente antigo, consegue<br />

convencer muitos da sua remota antiguida<strong>de</strong>.<br />

Igreja <strong>de</strong> N. S. da Glória <strong>de</strong> Passagem – 1740<br />

234


Passagem fica a meio caminho entre Mariana e o bairro do<br />

Taquaral <strong>de</strong> Ouro Preto. Bem ao lado da estrada está a igreja <strong>de</strong> N. S.<br />

da Glória. Seu adro é espaçoso, convenientemente cercado <strong>de</strong> muros e<br />

calçado com lajes <strong>de</strong> pedra. A torre do sino não está colocada no alto<br />

do templo mas sim ao nível do chão, à esquerda da entrada do adro.<br />

Isso dá à fachada um aspecto bastante peculiar. Num primeiro exame<br />

parece que o risco original previa duas torres. Sim pois a base <strong>de</strong>las<br />

po<strong>de</strong> ser i<strong>de</strong>ntificada nas laterais do frontispício, estruturada em fortes<br />

colunas e cunhais <strong>de</strong> cantaria sustentando capitéis sob a robusta<br />

cimalha. De repente, porém, esta não se completa e <strong>de</strong>ixa um vão que<br />

emenda a parte central do frontão com o frontispício e que acaba se<br />

alongando nas laterais para ocupar o vão <strong>de</strong>ixado pelas torres,<br />

formando uma empena in<strong>de</strong>cisa. A porta almofadada é emoldurada por<br />

portais <strong>de</strong> pedra com verga empenada e mais saliente. Acima estão duas<br />

pequenas janelas envidraçadas. No centro do frontão está um relógio e<br />

nas laterais, no prolongamento das pilastras, estão dois coruchéus. Uma<br />

pequena cruz <strong>de</strong> pedras se apoia na cumeeira.<br />

A capela mor apresenta uma pintura do Espírito Santo no teto,<br />

emoldurada por balaustradas em perspectiva. O altar é dourado e<br />

apresenta colunas torsas profusamente entalhadas se encontrando sob<br />

um falso <strong>dos</strong>sel franjado e adornado com um medalhão. O camarim é<br />

largo e o trono é baixo com um crucifixo. Entre as colunas há nichos<br />

muito trabalha<strong>dos</strong>.<br />

O arco cruzeiro apoia dois altares. Um ten<strong>de</strong> ao estilo<br />

arquivoltas, porém, no coroamento apresenta um espaldar alto com<br />

sanefas policromadas. O outro ten<strong>de</strong> ao <strong>dos</strong>sel, com colunas torsas e a<br />

parte superior adornada também com espaldar alto e sanefas<br />

policromadas. Os púlpitos, <strong>de</strong> formato abaulado, apresentam adornos<br />

doura<strong>dos</strong> sobre fundo azul com apoio em base <strong>de</strong> pedra. O piso é <strong>de</strong><br />

ladrilho <strong>de</strong> fabricação recente, substituindo um assoalho mais antigo. O<br />

tapa vento é <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira natural. O forro da nave é em abóbada <strong>de</strong><br />

berço e mostra uma pintura inexpressiva <strong>de</strong> Nossa Senhora cercada por<br />

uma moldura imitando balaustradas que avança sobre o teto do coro. O<br />

arco cruzeiro é <strong>de</strong> pedras e mostra uma tarja complexa, representando<br />

Nossa Senhora e anjos. A cornija é saliente e adornada com pinturas<br />

marmorizadas. Ao lado do vestíbulo está o batistério on<strong>de</strong> se encontra<br />

uma pintura, também inexpressiva <strong>de</strong> são João Batista batizando Cristo.<br />

A qualida<strong>de</strong> inferior das pinturas em geral, é salva por uma bela pintura<br />

<strong>de</strong> Nossa Senhora emoldurada em um rico medalhão dourado, postada<br />

235


ao lado <strong>de</strong> um <strong>dos</strong> altares da nave. 174 Ao lado do altar oposto há um<br />

gran<strong>de</strong> crucifixo cercado <strong>de</strong> imagens <strong>de</strong> roca.<br />

A distribuição arquitetônica é convencional, com a sacristia e a<br />

Capela do Santíssimo posicionadas em torno da capela mor.<br />

OURO BRANCO<br />

O acesso a Ouro Branco fica logo após o trevo <strong>de</strong><br />

Congonhas e se chega à cida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>pois das várias entradas da gran<strong>de</strong><br />

usina si<strong>de</strong>rúrgica que, a exemplo <strong>de</strong> várias outras na região, explora as<br />

fabulosas jazidas do metal que os mineiros <strong>de</strong>sprezaram até finais do<br />

século XIX e que hoje é sua principal riqueza.<br />

É também um <strong>dos</strong> mais antigos sítios da mineração do ouro e<br />

ali viviam alguns <strong>dos</strong> mais ricos homens <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> Gerais, na primeira<br />

meta<strong>de</strong> do século XVIII. Recentemente foi completada a ligação<br />

asfáltica entre Ouro Branco e Ouro Preto e assim restabeleceu-se o<br />

traçado fundamental do “caminho novo” e se tornou mais fácil a<br />

ligação da Comarca do Rio das Mortes com a <strong>de</strong> Vila Rica. Essa é a<br />

verda<strong>de</strong>ira rodovia <strong>dos</strong> inconfi<strong>de</strong>ntes por on<strong>de</strong> tantas vezes passaram<br />

Tira<strong>de</strong>ntes, o padre Toledo, Alvarenga Peixoto e a turma da Borda do<br />

Campo.<br />

Ouro Branco não preservou praticamente nada do seu<br />

patrimônio histórico. O que restou está concentrado na praça Santa<br />

Cruz on<strong>de</strong> está a matriz <strong>de</strong> Santo Antônio e dois casarões antigos, um<br />

<strong>dos</strong> quais estruturado em cantaria com a data <strong>de</strong> 1759 estampada sobre<br />

a verga da porta. Na saída para Cons. Lafaiete, <strong>às</strong> margens da dita<br />

estrada real, porém, existe um antigo pouso <strong>de</strong> tropeiros, recentemente<br />

tombado e restaurado pelo estado, que vale a pena visitar. É a se<strong>de</strong> da<br />

Fazenda Carreiras. Trata-se <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> casarão rural setecentista<br />

on<strong>de</strong> os viajantes do caminho novo costumavam pousar. Até mesmo a<br />

cavalariça está preservada, à revelar uma robusta e rústica estrutura <strong>de</strong><br />

pedras on<strong>de</strong> os animais das tropas <strong>de</strong>scansavam <strong>de</strong> suas valentes<br />

andanças através das nossas montanhas e vales. O entorno ecológico<br />

também é interessante, cercado <strong>de</strong> matas. Segundo um <strong>dos</strong> moradores,<br />

antigamente esta mata era muito <strong>de</strong>nsa e cheia <strong>de</strong> onças e só os mais<br />

corajosos se aventuravam por aqui. Os moradores contam também que<br />

174 Esta pintura ficava em frente ao coro mas, após uma tentativa <strong>de</strong> furto, a<br />

comunida<strong>de</strong> resolveu transferi-la para o local atual, julgado mais seguro.<br />

236


nesse casarão aconteceram algumas reuniões <strong>dos</strong> inconfi<strong>de</strong>ntes. Tratase<br />

<strong>de</strong> um pequeno equívoco. É verda<strong>de</strong> que Tira<strong>de</strong>ntes gostava <strong>de</strong> fazer<br />

agitação nas suas andanças freqüentes por estas paragens, porém, as<br />

pregações do alferes aconteceram na hospedagem <strong>de</strong> João da Costa<br />

Rodrigues que ficava aqui perto, no sítio da Varginha do Loureço, cujas<br />

ruínas ainda existem.<br />

O único <strong>dos</strong> nossos viajantes que passou diretamente por Ouro<br />

Branco, então à caminho <strong>de</strong> Vila Rica, foi Saint-Hilaire. Observou,<br />

sucintamente, que o pequeno povoado tinha cerca <strong>de</strong> mil e seiscentos<br />

habitantes. Notou a igreja, <strong>de</strong>screvendo que ela dominava todo o vale e<br />

sua praça tinha um casario <strong>de</strong> bom aspecto <strong>de</strong> um lado e gran<strong>de</strong>s<br />

palmeiras do outro. Estava havendo uma festa, cujo povo reunido<br />

permitiu ao sábio observar que o bócio era um mal generalizado na<br />

região e que o mesmo era atribuído à “frialda<strong>de</strong> das águas”.<br />

Ainda resta uma gran<strong>de</strong> palmeira na praça mas não sabemos se é<br />

uma das que o sábio francês observou a cento e oitenta anos atrás.<br />

Contabilizamos dois templos na região: a famosa matriz <strong>de</strong><br />

Santo Antônio e a igreja do distrito <strong>de</strong> Itatiaia, <strong>de</strong> mesmo orago. A<br />

primeira foi tomada em 1949 e a segunda em 1983, ambas pelo<br />

IPHAN.<br />

Matriz <strong>de</strong> Santo Antônio - 1717<br />

Embora a data <strong>de</strong> referência <strong>de</strong> construção da matriz seja <strong>de</strong><br />

princípio do setecentos o estilo <strong>de</strong> sua fachada é bem mais recente e, <strong>de</strong><br />

fato, parece que ela só foi concluída na segunda meta<strong>de</strong> do século,<br />

conforme atesta a data estampada acima da porta. Seu aspecto externo é<br />

<strong>de</strong> um exemplar tardio da transição das velhas matrizes <strong>de</strong> taipa para as<br />

<strong>igrejas</strong> rococó do Aleijadinho. Assim está mais para a Santa Efigênia <strong>de</strong><br />

Ouro Preto ou São João Batista <strong>de</strong> Barão <strong>de</strong> Cocais. Está construída<br />

num terreno inteiramente plano, com um pequeno adro cercado por<br />

um muro baixo. O frontispício apresenta uma distribuição harmoniosa<br />

da porta, das sacadas e do óculo; preenchendo o espaço <strong>de</strong> forma<br />

equilibrada. A porta apresenta ombreiras e verga <strong>de</strong> cantaria e acima<br />

<strong>de</strong>sta está um ornato complexo e <strong>de</strong>nso em pedra sabão com<br />

fragmentos <strong>de</strong> arquitrave nas laterais e um pe<strong>de</strong>stal acima, sustentando<br />

uma pequena cruz que chega até o óculo. Este é gran<strong>de</strong>, irregular,<br />

envidraçado e tem uma forte moldura <strong>de</strong> cantaria a contorná-lo. As<br />

sacadas são pequenas, também com moldura em cantaria e umas<br />

237


cimalhinhas que lembram o adorno da portada <strong>de</strong> forma simplificada.<br />

Está guarnecida <strong>de</strong> guarda-corpo com balaústres <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira torneada.<br />

O revestimento das pilastras e cunhais é <strong>de</strong> alvenaria. A cimalha é<br />

múltipla, bastante robusta e contorna um óculo com moldura em<br />

formado original, empurrando o frontão. As torres são quadradas,<br />

estreitas, com pilastras <strong>de</strong> cantaria nas quinas e coroadas com<br />

coberturas piramidadas irregulares, com coruchéus nas pontas. O<br />

frontão é simples, <strong>de</strong> traçado curvo com volutas nas laterais e se ergue<br />

no centro para sustentar a cruz sob um acrotério esférico e com<br />

coruchéus boju<strong>dos</strong> nos la<strong>dos</strong>. A cruz é trabalhada, ergue-se ao mesmo<br />

nível da ponta das torres e sustenta um perigoso pára-raios. Toda a<br />

cantaria da fachada está bastante <strong>de</strong>sgastada.<br />

Internamente a matriz parece pequena, contrastando com a<br />

impressão causada quando observamos o edifício do lado <strong>de</strong> fora.<br />

Contudo o interior é <strong>de</strong> rara beleza e riqueza.<br />

O altar mor exibe um retábulo profusamente entalhado, ao<br />

melhor estilo barroco. É tal a exuberância da talha dourada que quase<br />

não <strong>de</strong> distingue propriamente colunas a estruturar o retábulo. Anjos,<br />

volutas e ramagens se entrelaçam copiosamente. Distingue-se apenas<br />

uma <strong>de</strong>lgada coluna reta nas laterais do camarim, com arremates em<br />

volteios e folhas e com fragmentos <strong>de</strong> arquitrave sustentando os anjos<br />

que abrem o cortinado do <strong>dos</strong>sel. Sob ele estão lambrequins e acima<br />

está o medalhão. É um clássico coroamento joanino. Nas laterais estão<br />

imagens encravadas em nichos discretíssimos, parecendo que as<br />

imagens estão entalhadas no próprio retábulo. O trono é complexo e<br />

original e vai afunilando até dar lugar a uma pequenina imagem <strong>de</strong><br />

santo Antônio. Está cromado em <strong>de</strong>licadas filigranas douradas. O<br />

camarim é muito rico e especial, com o teto adornado com pinturas em<br />

molduras artesoadas. O teto da capela mor é abobadado e ostenta uma<br />

pintura baseada em conchas e perspectivas arquitetônicas simplificadas,<br />

enquadrando um ostensório. Predominam tons <strong>de</strong> ver<strong>de</strong> limão e preto<br />

numa combinação inusitada. Há duas pinturas emolduradas nas pare<strong>de</strong>s<br />

da capela mor.<br />

O arco cruzeiro é relativamente simples, com um medalhão e<br />

anjos, sem relevo, no coroamento. Os altares colaterais também<br />

ostentam rica talha dourada. Apresentam colunas <strong>de</strong>lgadas, torsas e<br />

entrelaçadas <strong>de</strong> ramagens na parte interna e em quartelas na parte<br />

externa. Entre elas há pequenos nichos. No coroamento estão<br />

baldaquinos com franjas, encima<strong>dos</strong> por espaldares retangula<strong>dos</strong><br />

repletos <strong>de</strong> anjos. A cromagem é em dourado e tintura em tons pasteis<br />

238


encarna<strong>dos</strong> num efeito bonito e incomum. Após os belos altares do<br />

transepto estão umas espécies <strong>de</strong> vitrines, com imagens <strong>de</strong> santos<br />

cavadas nas pare<strong>de</strong>s da neve que <strong>de</strong>stoam inteiramente <strong>dos</strong> retábulos e<br />

<strong>de</strong>svalorizam inexplicavelmente o conjunto. A nave está dividida em<br />

dois espaços distintos separa<strong>dos</strong> por uma balaustrada <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira escura<br />

torneada à frente do arco cruzeiro.<br />

No teto da nave está a conhecida pintura <strong>de</strong> Ataí<strong>de</strong> com a visão da<br />

virgem amulatada, enquadrada por adornos rococó, as pilastras infinitas<br />

e os parapeitos e sacadas com os doutores da igreja.<br />

Há também uma competente pintura no forro do vestíbulo<br />

representando um papa com trejeitos femininos cercado <strong>de</strong> nuvens<br />

rococó.<br />

O coro é reto, com o parapeito protegido por colunas <strong>de</strong><br />

ma<strong>de</strong>ira preta torneada. Sustenta-se diretamente nas pare<strong>de</strong>s sem<br />

qualquer pilastra sob o vão.<br />

CONGONHAS<br />

Como não po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser a cida<strong>de</strong> <strong>dos</strong> profetas<br />

também surgiu como importante centro <strong>de</strong> mineração, no início do<br />

século XVIII. O nome <strong>de</strong>riva <strong>de</strong> uma planta muito comum na região<br />

<strong>dos</strong> campos mineiros e que no passado, também contribuía para<br />

i<strong>de</strong>ntificar Nova Lima. O santuário on<strong>de</strong> o Aleijadinho, no final da vida,<br />

criou parte da sua extraordinária obra como se recorda, é patrimônio<br />

cultural da humanida<strong>de</strong>, tombado pela Unesco. Com clima propício a<br />

milagres e mediunida<strong>de</strong>s, a vocação <strong>de</strong> santuário <strong>de</strong> Congonhas<br />

começou cedo. Consta que o português Feliciano Men<strong>de</strong>s planejava<br />

voltar à pátria quando foi acometido <strong>de</strong> grave doença. Uma promessa<br />

ao Senhor Bom Jesus o livrou do mal e o levou não só a <strong>de</strong>sistir <strong>de</strong><br />

regressar a Portugal como também a se entusiasmar em iniciar a<br />

construção <strong>de</strong> um santuário, o que fez com <strong>de</strong>nodo, esmolando para<br />

levar a cabo sua i<strong>de</strong>ia, até o fim da vida. Sua obra teve continuida<strong>de</strong> por<br />

outros, igualmente entusiasma<strong>dos</strong> seguidores, do que resultou o notável<br />

conjunto setecentista que hoje nos é dado visitar. Em 1827 o santuário<br />

foi entregue aos Padres Lazaristas que o enriqueceram acrescentando<br />

um seminário. Des<strong>de</strong> 1924 o santuário é administrado, com sucesso,<br />

pelos Padres Re<strong>de</strong>ntoristas.<br />

Sait-Hilaire visitou Congonhas em janeiro <strong>de</strong> 1818 <strong>de</strong> passagem<br />

para São João <strong>de</strong>l Rei. Notou as estátuas do Aleijadinho e comentou<br />

que, sem dúvida, não eram obras primas mas tinham qualquer coisa <strong>de</strong><br />

239


grandioso. Lembrou que elas eram obra <strong>de</strong> um homem que residiu em<br />

Vila Rica e que tinha ficado aleijado por conta da tal bebida que tinha<br />

tomado para dar mais vivacida<strong>de</strong> à sua criativida<strong>de</strong>. Comentou que a<br />

igreja do Bom Jesus <strong>de</strong> Matosinhos tinha quadros feitos em Vila Rica,<br />

on<strong>de</strong> havia pessoas com feliz inclinação para a pintura. 175 Registrou<br />

ainda que três das capelas da paixão já estavam construídas e que<br />

tinham imagens <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira muito mal feitas. Não as atribuiu ao Mestre<br />

Aleijadinho mas pediu tolerância para com tais imperfeições pois elas<br />

tinham sido feitas por um homem da região que nunca viajou.<br />

Richard Burton andou por Congonhas cinqüenta anos <strong>de</strong>pois<br />

<strong>de</strong> Saint-Hilaire e teve basicamente a mesma reação que ele em relação<br />

à obra do Aleijadinho. Às imagens <strong>dos</strong> passos chamou <strong>de</strong> grotescas,<br />

sem valor como obras <strong>de</strong> arte. Comentou que as capelas <strong>dos</strong> passos<br />

eram sete, duas das quais mais <strong>antigas</strong> e três ainda para serem<br />

construídas. Ou seja, nos cinqüenta anos que separaram sua visita da do<br />

sábio francês, apenas um oratório foi acrescido. 176 Consi<strong>de</strong>rou o<br />

conjunto equivalente aos mais pobres santuários existentes na Itália.<br />

Criticou o latim das inscrições suspeitando que uma <strong>de</strong>veria ser em<br />

grego. Visitou o colégio, fundado cerca <strong>de</strong> 1830 e contabilizou sete<br />

professores e cerca <strong>de</strong> setenta alunos. Depois rumou para Ouro Preto,<br />

num roteiro exatamente inverso ao <strong>de</strong> Saint-Hilaire.<br />

Spix e Martius, vin<strong>dos</strong> <strong>de</strong> São João <strong>de</strong>l Rei, passaram à margem<br />

<strong>de</strong> Congonhas preferindo pernoitar numa tal Fazenda da Chapada, a<br />

caminho <strong>de</strong> Vila Rica.<br />

O bispo <strong>de</strong> Mariana esteve em Congonhas na sua jornada <strong>de</strong><br />

1825. Não fez nenhum comentário sobre os profetas ou as imagens <strong>dos</strong><br />

passos e registrou os três templos que ainda hoje estão lá: a matriz <strong>de</strong><br />

N. S. da Conceição, a capela do Bom Jesus <strong>de</strong> Matosinhos e a capela do<br />

Rosário <strong>dos</strong> Pretos.<br />

Congonhas como um todo, preservou pouco <strong>de</strong> sua história,<br />

porém o entorno do adro da Basílica, com as capelas <strong>dos</strong> passos e os<br />

profetas do Aleijadinho, fazem uma honrosa exceção. O conjunto é<br />

175 Aqui, mais uma vez, nosso sábio patina nos seus contraditórios sentimentos sobre<br />

o barroco mineiro. Lembram quando ele taxou nossos pintores, genericamente, como<br />

“miseráveis borradores” ? Curioso lembrar que nessa época, Ataí<strong>de</strong> era vivo e estava<br />

em plena ativida<strong>de</strong> mas, o sábio francês não notou a sua obra.<br />

176 Na verda<strong>de</strong> a sétima capela nunca foi construída e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> Burton foram<br />

construídas apenas mais duas, já no final do século XIX.<br />

240


valorizado por vários casarões muito bem preserva<strong>dos</strong>. Faz inteira<br />

justiça à sua condição <strong>de</strong> Patrimônio Cultural da Humanida<strong>de</strong>.<br />

Cadastramos seis templos em Congonhas: basílica do Bom<br />

Jesus, tomada pelo IPHAN em 1939 e pela UNESCO em 1985, matriz<br />

<strong>de</strong> N. S. da Conceição, tomada pelo IPHAN em 1950, igreja <strong>de</strong> N. S.<br />

do Rosário, <strong>igrejas</strong> <strong>de</strong> N. S. da Soledad no Distrito <strong>de</strong> Lobo Leite e N.<br />

S. da Ajuda e Santa Quitéria no distrito <strong>de</strong> Alto Maranhão, a antiga<br />

al<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Redondo.<br />

Basílica <strong>de</strong> Bom Jesus <strong>de</strong> Matosinhos - 1757<br />

Burton faz uma <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong>talhada da igreja e o que mais o<br />

agradou foram... as portas almofadadas <strong>de</strong> pesada ma<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> lei!<br />

Observou que as pare<strong>de</strong>s internas eram pintadas <strong>de</strong> afrescos<br />

pretensiosos e repletos <strong>de</strong> gravuras sem valor, com imagens,“abaixo da<br />

crítica”. Registrou que os dois querubins laterais eram bem esculpi<strong>dos</strong><br />

mas que o <strong>dos</strong>sel não tinha valor.<br />

A igreja, evi<strong>de</strong>ntemente, está enormemente valorizada pelos<br />

doze profetas do Aleijadinho que se espalham ao longo da escadaria<br />

que leva ao adro. 177 Foram esculpi<strong>dos</strong> entre 1800 e 1805 pelo mestre e<br />

seus discípulos e segundo os críticos, oferecem qualida<strong>de</strong> irregular,<br />

sendo mais ou menos atribuí<strong>dos</strong> a Antônio Francisco Lisboa <strong>de</strong> acordo<br />

com o grau <strong>de</strong>ssa qualida<strong>de</strong>. De qualquer forma constituem um<br />

conjunto monumental, a coroar a gloria do nosso artista maior já no<br />

fim da vida, corroído pela doença e a amargura.<br />

Esta igreja contem muitas inovações que marcaram os<br />

primeiros passos do estilo rococó nas <strong>igrejas</strong> mineiras. Nessa linha, sua<br />

fachada é típica da sua época ou seja, do início da segunda meta<strong>de</strong> do<br />

século XVIII, alinhada <strong>às</strong> matrizes <strong>de</strong> Caeté e Barão <strong>de</strong> Cocais. O<br />

conjunto porém, é muito valorizado pela portada monumental.<br />

Segundo Bazin ela não é obra do Aleijadinho e sim <strong>de</strong> um imitador<br />

menor. Outros dizem não se tratar <strong>de</strong> um artista <strong>de</strong> tal condição mas<br />

sim do competente escultor Jerônimo Felix Teixeira que, ao contrário,<br />

até teria introduzido certos elementos que o mestre <strong>de</strong> Vila Rica teve<br />

gosto em incorporar ao seu vocabulário. De fato ela agrega muito valor<br />

177 Na verda<strong>de</strong> o conjunto <strong>dos</strong> profetas acaba ofuscando o brilho do templo<br />

propriamente dito. O que é uma pena pois ele é digno <strong>de</strong> tanta admiração quanto a<br />

estatuária que o prece<strong>de</strong> pois também contem obras <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> valor.<br />

241


à fachada, embora pareça muito mais robusta e pesada do que as<br />

portadas do Aleijadinho. As ombreias são largas e duplas, com portais<br />

na parte interna e pilastras <strong>de</strong> quartelas com cabeças <strong>de</strong> anjos, na parte<br />

interna. Apresentam os fragmentos <strong>de</strong> arquitrave nas laterais da verga<br />

que se tornariam obrigatórias nas portadas <strong>de</strong>sse período. Acima está<br />

uma coroa flutuante e um gran<strong>de</strong> medalhão embasando uma pequena<br />

cruz resplan<strong>de</strong>cente sobre esfera, tendo os cravos e os estigmas no<br />

centro. Nota-se uma evi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>smedida entre as dimensões da portada<br />

e o espaço disponível, tanto que ela encosta nas sacadas e acaba dando<br />

a elas um aspecto diminuto e <strong>de</strong>sproporcional. As pilastras do<br />

frontispício são retas e <strong>de</strong> cantaria e as bases das torres estão<br />

ligeiramente recuadas e apresentam cunhais iguais <strong>às</strong> pilastras. A<br />

cimalha é reta e simples, cumprindo o seu papel <strong>de</strong> separar o<br />

frontispício do frontão, sem nenhum acréscimo <strong>de</strong>corativo.<br />

As torres são finas e quadradas seguindo, comportadamente, o<br />

alinhamento das pilastras e cunhais. A cúpula é piramidada, <strong>de</strong> perfil<br />

irregular e achatada no alto. Acima estão pináculos com esferas<br />

armilares e cruzes com cata-ventos. O frontão é largo, <strong>de</strong> tendência<br />

horizontal, com perfil em volutas. A cruz está assentada num pe<strong>de</strong>stal<br />

flutuante, equilibrado entre fragmentos <strong>de</strong> arquitrave, tendo duas<br />

espécies <strong>de</strong> coruchéus <strong>dos</strong> la<strong>dos</strong>. Abaixo está um óculo irregular<br />

envidraçado, contornado por um friso e tendo outro minúsculo óculo<br />

redondo mais acima. Francisco <strong>de</strong> Lima Cerqueira, o arquiteto<br />

preferido das irmanda<strong>de</strong>s ricas <strong>de</strong> São João <strong>de</strong>l Rei, andou trabalhando<br />

nesta fachada.<br />

O interior surpreen<strong>de</strong> pelo seu espaço reduzido mas faz jus ao<br />

seu belo aspecto exterior. O altar mor é obra <strong>de</strong> João Antunes <strong>de</strong><br />

Carvalho. É em arbaleta com lambrequins formando um<br />

semibaldaquino e com o medalhão no alto, guarnecido por anjos. Está<br />

cromado com suave pintura marmorizada, enriquecida <strong>de</strong> frisos<br />

doura<strong>dos</strong>. O teto do camarim é em forma <strong>de</strong> barrete pintado <strong>de</strong> azul,<br />

imitando o céu. As pilastras internas são em quartelas, interrompidas<br />

por nichos sobre consolos. As colunas externas são retas, caneladas e se<br />

apoiam sobre robustos consolos. Há outros nichos entre elas. No trono<br />

está o Jesus Crucificado, cercado <strong>de</strong> belos anjos lampadóforos que<br />

<strong>de</strong>vem ser os tais que Burton elogiou e que são atribuí<strong>dos</strong> ao mestre<br />

Francisco Viera Servas. O conjunto do altar está valorizado ainda pelos<br />

relicários do Aleijadinho e Ataí<strong>de</strong>. Formam um <strong>dos</strong> metros quadra<strong>dos</strong><br />

mais preciosos <strong>de</strong> todas as <strong>igrejas</strong> setecentistas mineiras.<br />

242


O trono é simples, ten<strong>de</strong>ndo para o antigo formato <strong>de</strong> cântaro.<br />

No teto da capela mor há uma visão <strong>de</strong> Jesus sendo preparado para o<br />

sepultamento, atribuída a Bernardo Pires da Silva e que teria sido um<br />

<strong>dos</strong> pioneiros no uso das rocalhas que <strong>de</strong> fato, fazem <strong>de</strong>sse teto uma<br />

das mais belas peças rococó do acervo religioso mineiro. Nas laterais há<br />

pinturas com cenas <strong>dos</strong> passos da paixão. As portas que ligam a capela<br />

<strong>às</strong> <strong>de</strong>pendências laterais estão adornadas com belas molduras em pedra<br />

sabão. O arco cruzeiro é do mesmo material, com frisos doura<strong>dos</strong> e um<br />

medalhão no coroamento, sustentado por anjos. Os altares colaterais<br />

ten<strong>de</strong>m a oratórios, porém, com um adorno sobre o coroamento e<br />

baldaquinos alonga<strong>dos</strong> em forma <strong>de</strong> sanefas, mais acima. Há apenas<br />

uma coluna <strong>de</strong> cada lado em forma <strong>de</strong> quartela. Sobre as sanefas<br />

avançam estranhos braços <strong>de</strong> can<strong>de</strong>labro. São negros e parecem<br />

carrancas em forma <strong>de</strong> dragão. A cromagem <strong>dos</strong> altares colaterais é<br />

semelhante a do altar mor ou seja, pintura marmorizada suave<br />

enriquecida por frisos doura<strong>dos</strong>. Há gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pinturas<br />

enquadradas nas pare<strong>de</strong>s da nave e do vestíbulo, <strong>de</strong> vários formatos e<br />

tamanhos. Os púlpitos são muito elabora<strong>dos</strong>, com pintura suave e<br />

frisos doura<strong>dos</strong> cobertos por baldaquinos franja<strong>dos</strong>, sustentando anjos.<br />

O teto da nave apresenta uma bela pintura com a visão <strong>de</strong><br />

Cristo e um papa cerca<strong>dos</strong> por molduras rococó, parapeitos e colunas<br />

em perspectiva, semelhante a da capela mor, porém mais trabalhada.<br />

Seu autor é João Nepomuceno Correia e Castro, autor também <strong>de</strong><br />

alguns painéis laterais, junto com João Carvalhais.O coro é em perfil <strong>de</strong><br />

besta, guarnecido com balaústres <strong>de</strong>lga<strong>dos</strong> <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira preta torneada. A<br />

nave está dividida em dois espaços separa<strong>dos</strong> por uma balaustrada à<br />

frente do arco cruzeiro.<br />

Matriz <strong>de</strong> N. S. da Conceição - 1749<br />

A matriz <strong>de</strong> Congonhas fica nas proximida<strong>de</strong>s do centro da<br />

cida<strong>de</strong>, do lado oposto à colina do Santuário do Bom Jesus. Seu estado<br />

interno atual <strong>de</strong> conservação é precário. O medalhão do coroamento<br />

do arco cruzeiro se <strong>de</strong>spren<strong>de</strong>u e no seu lugar está um vão <strong>de</strong> tábuas<br />

carcomidas. As colunas <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> sustentação do coro também<br />

estão em estado precário, com <strong>de</strong>vastação <strong>de</strong> cupins por to<strong>dos</strong> os la<strong>dos</strong>.<br />

Seu interior é um <strong>dos</strong> mais mal preservadas <strong>de</strong> todas as <strong>igrejas</strong> que<br />

visitamos, mostrando uma situação <strong>de</strong>plorável, ainda mais para uma<br />

matriz <strong>de</strong> uma cida<strong>de</strong> que tem um sítio carimbado com a chancela <strong>de</strong><br />

patrimônio cultural da humanida<strong>de</strong>.<br />

243


Externamente até que está razoavelmente conservada. Tem o<br />

sólido aspecto das boas matrizes do seu tempo. O frontispício é<br />

quadrado, <strong>de</strong>limitado por pilastras retas <strong>de</strong> cantaria. No centro está a<br />

bela portada do Aleijadinho, com uma verga muito trabalhada,<br />

ostentando volutas, acantos e arquitraves, adornando um medalhão sob<br />

uma coroa em volume. Ao lado estão duas sacadas com moldura <strong>de</strong><br />

pedra e guarda-corpo <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira torneada. A base das torres é muita<br />

larga e apresenta duas aberturas seteiras sobrepostas. Está também<br />

emoldurada por pilastras e cunhais retos <strong>de</strong> pedra e se encosta no<br />

frontispício, no mesmo plano. A cimalha é <strong>de</strong> pedra robusta e sustenta<br />

um frontão alto com perfil em curvas, espremido entre as torres. No<br />

centro está o acrotério, entre fragmentos <strong>de</strong> arquitrave e coruchéus<br />

pontu<strong>dos</strong>. As torres são quadradas e largas, com uma pequena abertura<br />

sineira na parte superior. As cúpulas têm forma <strong>de</strong> pirâmi<strong>de</strong>s anguladas<br />

em dois estágios, arrematadas por pináculos.<br />

O altar do combalido interior <strong>de</strong>sta igreja é em <strong>dos</strong>sel<br />

simplificado, com a Santíssima Trinda<strong>de</strong> no coroamento, adornada com<br />

resplendores. As pilastras internas do retábulo são em quartelas e as<br />

colunas externas são retas, riscadas com caneluras e sustentando<br />

fragmentos <strong>de</strong> arquitrave. Entre elas estão os inevitáveis nichos. O<br />

trono é em cascata, com a imagem da N. S. da Conceição no alto. A<br />

talha apresenta frisos doura<strong>dos</strong> sobre fundo claro. O camarim é pintado<br />

em azul celeste e apresenta adornos doura<strong>dos</strong>. O teto é abobadado, em<br />

assoalho caiado <strong>de</strong> branco. Há austeras tribunas abertas nas laterais da<br />

capela mor. Há notícias <strong>de</strong> que o pai do Aleijadinho tenha feito algumas<br />

obras nesta capela, possivelmente algo relacionado com essas tribunas.<br />

O arco cruzeiro é entalhando com frisos dourado, com as tais<br />

tábuas <strong>de</strong>terioradas no coroamento, mostrando a falta <strong>de</strong> um medalhão.<br />

Há dois pequenos altares encosta<strong>dos</strong> no transepto, ten<strong>de</strong>ndo<br />

para uma estrutura <strong>de</strong> oratório com colunas <strong>de</strong>lgadas torsas e ramagens<br />

entrelaçadas. São do tipo <strong>dos</strong> altares em arquivoltas, porém as colunas<br />

não se encontram no coroamento do retábulo, impedidas que foram<br />

por um pequeno baldaquino. Há mais dois altares no recinto da nave.<br />

O do lado do evangelho mostra colunas torsas, baldaquinos e espaldar<br />

adornado com uma coroa. O do lado oposto é mais simplificado, sem<br />

adornos no coroamento mas com colunas duplas. São croma<strong>dos</strong> em<br />

tons pastéis. O teto da nave é facetado, sem adornos. O piso, seguindo<br />

a tendência regional, é <strong>de</strong> ladrilho hidráulico mais recente. O coro é em<br />

perfil <strong>de</strong> besta, com pintura marmorizada simplificada e balaústres finos<br />

<strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira, guarnecendo o parapeito. Está apoiado em pilastras <strong>de</strong><br />

244


ma<strong>de</strong>ira danificadas e em atlantes <strong>de</strong> aspecto pouco atlético, encosta<strong>dos</strong><br />

<strong>às</strong> pare<strong>de</strong>s, o que afasta <strong>dos</strong> menos corajosos como eu, a tentação <strong>de</strong><br />

usá-lo para contemplar a nave <strong>de</strong> uma plano elevado. Ainda mais<br />

estando as colunas visivelmente ruídas por cupins.<br />

Igreja do Rosário - 1748<br />

Fica próxima da matriz, no alto <strong>de</strong> uma pequena rua elevada<br />

cujo final, interrompido por correntes <strong>de</strong> ferro, lhe serve <strong>de</strong> adro. É<br />

extremamente singela, compatível com as posses da irmanda<strong>de</strong> <strong>dos</strong><br />

pretos que heroicamente a ergueu.<br />

Sua fachada é um simples retângulo, <strong>de</strong>limitado por cunhais<br />

pinta<strong>dos</strong> e uma cimalha <strong>de</strong>lgada. Acima está um frontão <strong>de</strong> perfil<br />

curvilíneo, com um minúsculo óculo no tímpano e alguns adornos em<br />

relevo <strong>de</strong> massa e pinta<strong>dos</strong> <strong>de</strong> azul. Os cunhais terminam em coruchéus<br />

simplifica<strong>dos</strong> e há duas sacadas retas com peitoril <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira torneada<br />

no alto <strong>de</strong> porta. Esta é quadrada, com portal comum.<br />

O altar mor é um oratório simplificado com adornos singelos<br />

na borda do camarim. Não há propriamente colunas mas apenas umas<br />

espécies <strong>de</strong> molduras salientes, ao lado <strong>de</strong> nichos também singelos, com<br />

imagens <strong>dos</strong> santos negros: são Bendito e santa Efigênia. A pintura é<br />

clara, à base <strong>de</strong> uma tinta acrílica fosca. Há um medalhão achatado no<br />

coroamento.<br />

O teto da capela mor é levemente facetado, sem adorno. O arco<br />

cruzeiro é <strong>de</strong> massa, com pintura simples e tem um medalhão no alto<br />

segurado por anjos que, embora igualmente muito simples, é o melhor<br />

ornamento da igreja. Há um único altar colateral e é <strong>de</strong> melhor<br />

qualida<strong>de</strong> do que o altar mor. Apresenta <strong>de</strong>lgadas colunas em quartela,<br />

baldaquino e um espaldar retangulado na parte superior. Está pintado<br />

com uma tinta <strong>de</strong>nsa, em tons <strong>de</strong>sagradáveis e <strong>de</strong>sencontra<strong>dos</strong>. O teto<br />

da nave é abobadado, com uma visão <strong>de</strong> Nossa Senhora no centro. O<br />

coro é reto, com balaustrada <strong>de</strong> tábuas recortadas e sua escada <strong>de</strong><br />

acesso começa no vestíbulo. O único púlpito é retilíneo e está flutuando<br />

encostado na pare<strong>de</strong> sem escada <strong>de</strong> acesso, revelando sua verda<strong>de</strong>ira<br />

inutilida<strong>de</strong>. Para coroar tanta simplicida<strong>de</strong> há uma pintura singela no<br />

forro do vestíbulo.<br />

Igreja <strong>de</strong> N. S. da Ajuda do Alto Maranhão<br />

245


Alto Maranhão é o antigo povoado <strong>de</strong> Redondo, hoje distrito<br />

<strong>de</strong> Congonhas. O nome atual <strong>de</strong>riva da sua posição em relação ao rio<br />

Maranhão que <strong>de</strong>sce na direção da cida<strong>de</strong> <strong>dos</strong> profetas e vai encontrar o<br />

glorioso Paraopeba, o histórico rio usado pelos antigos ban<strong>de</strong>irantes<br />

para se aproximar do Sabarabuçu, do Sumidouro e do norte <strong>de</strong> <strong>Minas</strong>.<br />

A igreja está á margem da rodovia que leva a São Brás do<br />

Suaçuí, <strong>de</strong> costas para a estrada, num plano mais elevado em relação à<br />

rua que leva seu nome, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um adro cercado <strong>de</strong> pedras rústicas.<br />

O frontispício é quadrado com falsas pilastras retas nas laterais da<br />

porta. Esta tem uma moldura <strong>de</strong> pedras, com uma verga curvada.<br />

Acima está um adorno em forma <strong>de</strong> medalhão esculpido em massa<br />

pintada e pedra. Ao lado se abrem dois janelões com moldura também<br />

<strong>de</strong> pedra, semelhantes ao portal. O frontão repousa numa cimalha<br />

simplificada e tem perfil em curvas discretas que se fecham no acrotério<br />

on<strong>de</strong> está uma cruz igualmente <strong>de</strong> pedra. Ao lado, arrematando os<br />

cunhais, se erguem dois coruchéus pontu<strong>dos</strong> <strong>de</strong> mesmo material. Há<br />

um pequeno óculo <strong>de</strong> moldura cruciforme na parte inferior do<br />

tímpano logo acima da cimalha. Sobre este está um medalhão<br />

conchoi<strong>de</strong> <strong>de</strong> massa. Do seu interior nada ficamos sabendo.<br />

SÃO BRÁS DO SUAÇUÍ<br />

Igreja <strong>de</strong> São Brás - 1728<br />

São Brás do Suaçuí é uma cida<strong>de</strong>zinha muito pacata que fica no<br />

meio da estrada que liga Congonhas a São João <strong>de</strong>l Rei, sem qualquer<br />

infraestrutura turística. É trilha antiga mas, embora passagem<br />

obrigatória <strong>dos</strong> caminhos velhos; <strong>dos</strong> nossos viajantes do século XIX,<br />

somente Richard Burton fez algumas referências ao povoado. Fala<br />

numa rua com cerca <strong>de</strong> trezentas casas e com um calçamento grosseiro.<br />

Tirando o asfalto da estrada que corta a cida<strong>de</strong> e amansou o piso, o<br />

aspecto <strong>de</strong> hoje ainda é mais ou menos o mesmo. O capitão diplomata<br />

cita a igreja e informa que ela tinha sido recentemente restaurada e que<br />

se apresentava copiosamente caiada. Almoçou no Hotel Nacional do<br />

sr. Antônio José Car<strong>dos</strong>o e seguiu viagem rumo a Congonhas.<br />

Dizem que a fazenda do Paraopeba que pertenceu a Alvarenga<br />

Peixoto ficava por aqui e que o casarão da se<strong>de</strong> da mesma ainda está <strong>de</strong><br />

pé, mas não é acessível a turistas comuns como nós.<br />

Tivemos oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> passar em São Brás do Suaçuí por<br />

volta <strong>de</strong> 1974 e encontrar a igreja em reforma, com seu assoalho<br />

246


evirado e os corpos <strong>dos</strong> antigos irmãos sendo retira<strong>dos</strong>. Na nossa visita<br />

seguinte, programada para colher da<strong>dos</strong> para este relato, infelizmente<br />

encontramos a igreja e a casa paroquial fechadas o que nos impediu <strong>de</strong><br />

obter registros sobre o interior do templo. Mas, conversando com os<br />

moradores, pu<strong>de</strong>mos notar que a comunida<strong>de</strong> valoriza muito o seu<br />

patrimônio setecentista que sequer é tombado.<br />

A igreja está erguida no meio <strong>de</strong> uma praça que é quase que um<br />

alargamento da rodovia que leva ao rio das Mortes. Mas há espaço<br />

bastante para que ela ocupe um amplo adro cercado e forrado <strong>de</strong> lajes<br />

<strong>de</strong> pedra.<br />

O frontispício é quadrado, <strong>de</strong>limitado por pilastras comuns <strong>de</strong><br />

alvenaria. A porta é reta, com moldura simples <strong>de</strong> pedra e verga<br />

reforçada. Acima estão duas janelas <strong>de</strong> guilhotina com moldura<br />

semelhante a da porta. A base das torres é larga e se encosta no<br />

frontispício, no mesmo alinhamento. Há um óculo ovalado em cada<br />

torre, próximo à cimalha. O frontão é singelo, em perfil <strong>de</strong> curvas<br />

suaves com uma cruz <strong>de</strong> pedra no topo e dois finos coruchéus nos<br />

la<strong>dos</strong>. As torres são retas, <strong>de</strong> cantos oitava<strong>dos</strong>. A cúpula é uma pirâmi<strong>de</strong><br />

irregular <strong>de</strong> dois estágios que se aplaina no topo para sustentar dois<br />

finos pináculos. Não está apoiada diretamente na extremida<strong>de</strong> da torre,<br />

restando um vão recuado guarnecido <strong>de</strong> frisos.<br />

CONSELHEIRO LAFAIETE<br />

Esta povoação esteve por muito tempo aniquilada e sem<br />

<strong>de</strong>senvolvimento algum. Hoje, porém, o seu estado, se não<br />

é muito próspero, pelo menos é mais lisonjeiro e muito mais<br />

melhorará logo que ali toque a Estrada <strong>de</strong> Ferro d. Pedro II.<br />

A cida<strong>de</strong> hoje já apresenta mais vida e animação; já se tem<br />

feito mais algumas casas sofríveis, além das que já tinha.<br />

Tem uma boa Casa <strong>de</strong> Câmara e alguns sobra<strong>dos</strong> bem vistosos.<br />

Tem também um excelente pessoal.<br />

É a nossa antiga Queluz, mais antiga ainda Campo Alegre <strong>dos</strong><br />

Carijós, que está erigida na antiga entrada da região das minas do Ouro<br />

Preto, Ribeirão do Carmo e além. Portanto, é um <strong>dos</strong> pontos da<br />

passagem da tal estrada real que, após Conselheiro Lafaiete vai dar em<br />

Ouro Branco. Sua fundação está ligada ao nome do paulista José<br />

Gomes <strong>de</strong> Oliveira e à longínqua data <strong>de</strong> 1691 que é, mais ou menos,<br />

247


quando se originaram as incursões guiadas pelo farol do Itacolomi, no<br />

rumo <strong>de</strong> Itaverava e Guarapiranga. Também estão liga<strong>dos</strong> <strong>às</strong> origens da<br />

ocupação, Bartolomeu Bueno <strong>de</strong> Siqueira e Antônio Rodrigues Arzão<br />

ou seja, à antigos ban<strong>de</strong>irantes paulistas <strong>de</strong>scobridores das minas. A<br />

primeira capela que se tem notícia é a N. S. da Conceição, por volta <strong>de</strong><br />

1709. Foi elevada a categoria <strong>de</strong> vila pelo viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Barbacena em<br />

1790, com o nome <strong>de</strong> Real Vila <strong>de</strong> Queluz. O nome <strong>de</strong>riva do palácio<br />

on<strong>de</strong> d. Maria I assinou o <strong>de</strong>creto <strong>de</strong> criação da vila.<br />

Com exceção <strong>de</strong> Saint-Hilaire, nenhum <strong>dos</strong> nossos viajantes<br />

passou por Queluz. Assim mesmo, ele o fez muito rapidamente à<br />

caminho <strong>de</strong> Vila Rica. Registrou que a pequena vila até seria agradável<br />

se não fosse tão <strong>de</strong>serta. Falou da rua que atravessa a vila, achando-a<br />

larga e bem traçada, embora tomada pelo mato. Tinha casas muito<br />

bonitas mas aparentemente abandonadas, mal conservadas e a ponto <strong>de</strong><br />

ruir. Ou seja, em 1817, no testemunho do famoso viajante francês, a<br />

nossa Queluz estava na maior penúria. Hoje é um centro comercial<br />

dinâmico. Tem um traçado muito irregular que confun<strong>de</strong> o visitante,<br />

mas conta com boa sinalização indicativa <strong>de</strong> acessos a bairros e vias.<br />

Lafaiete preservou muito pouco do seu patrimônio histórico e na<br />

praça on<strong>de</strong> está sua matriz não se vê outras construções setecentistas.<br />

Mas há dois ou três casarões do século XVIII nas proximida<strong>de</strong>s.<br />

Cadastramos dois templos em Conselheiro Lafaiete: a matriz <strong>de</strong><br />

N. S. da Conceição e a igreja <strong>de</strong> Santo Antônio. Nenhum <strong>dos</strong> dois é<br />

tombado.<br />

Matriz <strong>de</strong> N.S da Conceição – 1733<br />

Também tem o aspecto típico das velhas matrizes mineiras da<br />

primeira meta<strong>de</strong> do século XVIII, sólida e imponente. Fica à frente <strong>de</strong><br />

uma praça <strong>de</strong> tráfego pesado a que ela procura resistir heroicamente.<br />

Seu frontispício é <strong>de</strong>limitado por pilastras <strong>de</strong> boa cantaria e está<br />

apertado entre as bases das suas largas torres retas. Os cunhais também<br />

são <strong>de</strong> cantaria reta. A portada é <strong>de</strong> pedra, com portais duplos. Os<br />

externos terminam em adornos flamejantes. A verga também ostenta<br />

adornos, encima<strong>dos</strong> por um medalhão, terminado em coroa. Nos la<strong>dos</strong><br />

estão dois pequenos janelões gra<strong>de</strong>a<strong>dos</strong>, com moldura <strong>de</strong> cantaria,<br />

tendo acima um óculo irregular, também em moldura <strong>de</strong> pedra e que<br />

espeta levemente a cimalha. Esta é múltipla e saliente, porém <strong>de</strong>lgada.<br />

O frontão é simples e faz uma leve curva para sustentar o acrotério<br />

com sua pequena cruz em resplendores. Solidário ao frontispício,<br />

248


também ele está apertado entre as torres. Estas são quadradas e largas,<br />

com cantaria nas quinas e cúpulas <strong>de</strong> pirâmi<strong>de</strong> achatada, terminadas em<br />

pináculos.<br />

O altar mor apresenta um fundo camarim, abrigando um trono<br />

em cascata <strong>de</strong> solução original. O retábulo exibe dois conjuntos <strong>de</strong><br />

colunas torsas e retas. Um está nas bordas do recorte do camarim e<br />

outra mais externamente, la<strong>de</strong>ando nichos com baldaquinos em forma<br />

parecida com cogumelos. Uma curvatura côncava, cromada <strong>de</strong> azul, liga<br />

os dois conjuntos. As colunas são num tom <strong>de</strong> azul marfinizado com<br />

frisos <strong>de</strong> ramagens douradas. Há um gran<strong>de</strong> baldaquino em ângulos<br />

retos, com franjas, no arco do coroamento e uma gran<strong>de</strong> cabeça <strong>de</strong> anjo<br />

mais acima. As pare<strong>de</strong>s da capela mor são adornadas com pinturas<br />

emolduradas. O teto é abobadado, <strong>de</strong> assoalho branco com molduras<br />

discretas em relevo, contornando a base <strong>de</strong> sustentação do can<strong>de</strong>labro.<br />

O arco cruzeiro é simples, <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira, com uma tarja no<br />

coroamento, guardada à distância por dois anjos flutuantes.<br />

Os altares colaterais apresentam complexas colunas torsas,<br />

talhadas com profusas ramagens e um <strong>dos</strong>sel no coroamento, sob um<br />

espaldar retangulado. Tudo cromado em fundo claro com frisos<br />

doura<strong>dos</strong>. O trono é baixo e simplificado ocupando o camarim<br />

adornado com volutas e resplendores. Há mais dois altares na nave,<br />

simplifica<strong>dos</strong>, fazendo mais o efeito <strong>de</strong> molduras monumentais a coroar<br />

duas pinturas do Cristo, atribuídas a um alemão chamado Shumaker. O<br />

teto da nave é facetado e artesoado, com molduras simples e sem<br />

figuras. Os óculos da nave são retangulares, em sentido vertical, muito<br />

fecha<strong>dos</strong> como se fossem frestas à proteger arqueiros das setas do<br />

inimigo. O piso, a exemplo <strong>de</strong> praticamente todas as <strong>igrejas</strong> <strong>de</strong>ssa<br />

região, é em plano único, sem balaustradas laterais e restaurado<br />

mediante a aplicação <strong>de</strong> ladrilho hidráulico mais recente.<br />

Os púlpitos são em ma<strong>de</strong>ira entalhada, <strong>de</strong> tendência retilínea,<br />

com pintura maciça e frisos doura<strong>dos</strong>. A base parece um coruchéu<br />

invertido.<br />

O coro é reto com balaustrada torneada escura, sustentado num<br />

arco singular. O tapa vento atual é um <strong>de</strong>sagradável boxe <strong>de</strong> acrílico<br />

colorido com moldura <strong>de</strong> alumínio.<br />

Igreja <strong>de</strong> Santo Antônio – 1768<br />

Fica no alto <strong>de</strong> uma antiga la<strong>de</strong>ira, hoje interrompida para o<br />

tráfego e adornada por uma mo<strong>de</strong>sta mas útil pracinha. Não<br />

249


conseguimos conhecer seu interior. O aspecto externo é singelo mas<br />

muito bem conservado. Sua fachada é composta <strong>de</strong> uma única peça. A<br />

parte superior termina num beiral em três planos. O do centro é mais<br />

elevado e reto - sustentando a torre - e os laterais caem até os cunhais,<br />

garantindo o escoamento da chuva. No centro da fachada está a porta<br />

<strong>de</strong> entrada com sua folha <strong>de</strong> almofadas simples e portais mo<strong>de</strong>stos.<br />

Acima estão dois janelões em guilhotina e abaixo do beiral, no<br />

alinhamento da torre, se abre um óculo redondo com uma cruz no<br />

centro. No alinhamento <strong>dos</strong> cunhais se equilibram dois pontu<strong>dos</strong><br />

coruchéus. A torre é muito <strong>de</strong>lgada, em total <strong>de</strong>sproporção com o<br />

frontispício que assim, a sustenta sem esforço. Está coberta por uma<br />

cúpula irregular com a cruz no topo.<br />

ITAVERAVA<br />

Itaverava é uma rarida<strong>de</strong>. Está entre as poucas cida<strong>de</strong>s<br />

mineiras que têm o mesmo nome <strong>de</strong>s<strong>de</strong> seu primeiro povoamento. Faz<br />

parte do complexo <strong>dos</strong> vilarejos setecentistas da entrada primitiva das<br />

minas do Casca, do Ouro Preto e do Ribeirão do Carmo, povoadas<br />

pelos ban<strong>de</strong>irantes paulistas no final do século XVII. Sua fundação está<br />

ligada a nomes como Manuel e Sebastião Camargos. Po<strong>de</strong> ser alcançada<br />

a vinte quilômetros <strong>de</strong> Conselheiro Lafaiete, por estrada asfaltada.<br />

Itaverava é on<strong>de</strong> ficava o Fundão das Goiabas, fazenda on<strong>de</strong><br />

moravam os pais <strong>de</strong> Marilia <strong>de</strong> Dirceu. Foi aqui que ela se refugiou<br />

quando Tomás Antônio Gonzaga foi cumprir seu <strong>de</strong>gredo sem volta. A<br />

musa retornou a Vila Rica em 1815, com quarenta anos; <strong>de</strong>vidamente<br />

carimbada para titia, papel que exerceu bravamente, criando dois <strong>de</strong><br />

seus sobrinhos, como vimos.<br />

Foi aqui que os filhos <strong>de</strong> Alvarenga Peixoto estudaram, já<br />

estando o poeta morto e sepultado em Ambaca, localida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Angola<br />

para on<strong>de</strong> fora <strong>de</strong>gredado para sempre. Dizem que quem bancava as<br />

<strong>de</strong>spesas era o contratador João Rodrigues <strong>de</strong> Macedo, benfeitor <strong>de</strong><br />

Bárbara Eliodora, amparando-a na <strong>de</strong>sgraça.<br />

A cida<strong>de</strong>zinha chama a atenção por duas coisas: sua rodoviária<br />

patrioticamente pintada <strong>de</strong> ver<strong>de</strong> e amarelo e seu pequeno conjunto<br />

histórico, representado por um pacato e <strong>de</strong>spojado largo on<strong>de</strong> está a<br />

igreja e alguns casarões. O mais antigo <strong>de</strong>les, comprovadamente<br />

setecentista, passa por um lento processo <strong>de</strong> restauração que começou<br />

recuperando as partes mais ameaçadas e hoje está interrompido à espera<br />

<strong>de</strong> novos e generosos recursos. Trata-se, na verda<strong>de</strong>, do casarão on<strong>de</strong><br />

250


viveu o primeiro vigário <strong>de</strong> Itaverava o padre Manoel Ribeiro Laborda,<br />

tombado pelo IPHAN. Há boatos <strong>de</strong> que Ataí<strong>de</strong> teria executado<br />

pinturas no forro <strong>de</strong>sta casa.<br />

Existe apenas um templo setecentista em Itaverava que é a<br />

matriz <strong>de</strong> Santo Antônio. Foi tombada pelo IPHAN em 1984.<br />

Matriz <strong>de</strong> Santo Antônio - 1726<br />

A fachada da matriz <strong>de</strong> Itaverava está inteiramente<br />

<strong>de</strong>scaracterizada por uma gran<strong>de</strong> reforma havida em 1922. O estilo é<br />

confuso e inclassificável. O bispo <strong>de</strong> Mariana, na sua passagem aqui em<br />

1824, também anotou que a matriz tinha sido reconstruída<br />

recentemente. Portanto, tivemos duas gran<strong>de</strong>s reformas no edifício no<br />

espaço <strong>de</strong> cem anos e, assim, não consigo imaginar quais seriam suas<br />

características genuinamente setecentistas.<br />

O frontispício está dividido em três partes <strong>de</strong>limitadas por<br />

pilastras retas <strong>de</strong> alvenaria. No centro <strong>de</strong> cada uma está uma porta em<br />

arco, encimada por um janelão com falsos parapeitos e janelas em<br />

vidraças <strong>de</strong> duas folhas. Acima está uma empena reta, com um nicho<br />

simplificado, abrigando uma imagem <strong>de</strong> santo Antônio. Dos la<strong>dos</strong> estão<br />

as torres, quadradas com cúpulas em forma <strong>de</strong> pirâmi<strong>de</strong>, interrompidas<br />

nas pontas por pináculos arremata<strong>dos</strong> em esferas. Por pouco a igreja<br />

não é confundida com uma repartição da república velha.<br />

Internamente, porém, a matriz <strong>de</strong> Itaverava preserva seu belo<br />

conjunto tipicamente do século XVIII.<br />

O altar mor mostra um arco simplificado, com bordas<br />

rendilhadas la<strong>de</strong>adas por quatro colunas em quartelas com nichos rasos<br />

e um arco convexo ligando o coroamento das mesmas. O autor do<br />

risco é João Antunes <strong>de</strong> Carvalho, mas ele não pô<strong>de</strong> executá-lo pois a<br />

Coroa Portuguesa, responsável pela <strong>de</strong>spesa, achou exorbitante a<br />

quantia pedida. 178 Também há quem acredite que o autor do risco tenha<br />

sido Francisco Vieira Servas. É cromado em pintura marmorizada<br />

suave, valorizada por frisos doura<strong>dos</strong>. No barrado das pare<strong>de</strong>s da<br />

capela mor estão figuras pintadas, enquadradas por molduras em<br />

178 De fato os quase cinco contos <strong>de</strong> reis pedi<strong>dos</strong>, parecem inteiramente fora <strong>de</strong><br />

propósito. Equivalem ao custo <strong>de</strong> uma boa casa naquela época.<br />

251


volteios rococó. No alto se abrem tribunas com acabamento reto <strong>de</strong><br />

ma<strong>de</strong>ira escura e balaústres tornea<strong>dos</strong> <strong>de</strong> mesmo material. A plataforma<br />

do presbitério é <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira.<br />

O teto é abobadado e exibe a bela pintura <strong>de</strong> Ataí<strong>de</strong>. Aqui a<br />

virgem já não é <strong>de</strong> traços mulatos como as <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Ouro<br />

Preto ou Santo Antônio <strong>de</strong> Ouro Branco. Ao contrário é loura e trás os<br />

cabelos soltos em cuida<strong>dos</strong>o <strong>de</strong>salinho. 179 Os anjos também são<br />

aloura<strong>dos</strong>. Está cercada com parapeitos ilusionistas e sacadas nos<br />

cantos, ocupadas pelos doutores da igreja, ao estilo característico do<br />

mestre <strong>de</strong> Mariana. As pare<strong>de</strong>s da capela mor estão sem as quatro telas<br />

pintadas, que foram retiradas <strong>de</strong>vido ao seu estado <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>nte e que<br />

estão guardadas à espera <strong>de</strong> restauração. Sua retirada revelou a pintura<br />

<strong>de</strong>corativa original da pare<strong>de</strong>, com belos motivos rococó em suaves<br />

tons <strong>de</strong> azul e que foi coberta por uma grosseira repintura.<br />

O arco cruzeiro, em ma<strong>de</strong>ira, apresenta uma solução original. As traves<br />

da base do arco prolongam-se sobre os altares colaterais servindo<br />

também <strong>de</strong> base aos seus espaldares. Neles aparecem medalhões,<br />

encima<strong>dos</strong> por baldaquinos franja<strong>dos</strong>. As colunas são retas, <strong>de</strong> capitel<br />

trabalhado com caneluras. Sustentam-se sobre consolos. A cromagem é<br />

baseada numa pintura marmorizada suave, com frisos doura<strong>dos</strong>.<br />

No recinto da nave há mais dois altares, com espaldares altos<br />

adorna<strong>dos</strong> com medalhões doura<strong>dos</strong>, formando uma moldura <strong>de</strong> fundo<br />

cavado, com duas colunas retas e lisas, encimadas por baldaquinos com<br />

franjas guarnecendo o camarim.<br />

Os púlpitos são relativamente simples, <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira, com uma cobertura<br />

também simples, que não chega a ser um baldaquino. O assoalho foi<br />

substituído por um piso <strong>de</strong> ladrilho, em plano único, sem balaustradas<br />

laterais.<br />

O teto da nave é abobadado com o medalhão rococó <strong>de</strong><br />

Francisco Xavier Carneiro no centro, mostrando uma visão <strong>de</strong> santo<br />

Antônio com a Virgem e o Menino. Está cercado <strong>de</strong> parapeitos e<br />

sacadas on<strong>de</strong>, curiosamente, não se vêem figuras humanas. A cimalha é<br />

marmorizada e nelas se abrem os óculos, numa solução incomum. As<br />

pare<strong>de</strong>s da nave são inteiramente brancas e nelas estão tribunas com<br />

molduras e balaústres simplifica<strong>dos</strong>, como os da capela mor.<br />

179 As virgens <strong>de</strong> Ataí<strong>de</strong> são mais ou menos como as marílias <strong>de</strong> Tomás Antônio<br />

Gonzaga: <strong>às</strong> vezes morenas e <strong>às</strong> vezes louras, mas as morenas prevalecem.<br />

252


O coro é reto, também guarnecido com balaústres <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira<br />

escura torneada.<br />

SÃO JOÃO DEL REI<br />

COMARCA DO RIO DAS MORTES<br />

A cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São João <strong>de</strong>l Rei é, sem questão alguma,<br />

uma das melhores da província. Seus edifícios são <strong>de</strong> boa construção<br />

e bonitas perspectivas e há neles, à par do luxo, gosto apurado.<br />

Tem 24 ruas, todas calçadas e mais <strong>de</strong> 80 sobra<strong>dos</strong>,<br />

10 praças e 3 chafarizes. O seu comércio é ativo e seguro.<br />

São João <strong>de</strong>l Rei é se<strong>de</strong> da antiga Comarca do Rio das<br />

Mortes, palco <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s acontecimentos históricos como a Guerra <strong>dos</strong><br />

Emboabas e a Inconfidência Mineira. Por aqui viveram e enriqueceram<br />

o padre Toledo e Alvarenga Peixoto e também aqui, Bento do Amaral<br />

Coutinho massacrou os paulistas no famoso episódio do Capão da<br />

Traição.<br />

Com localização rodoviária privilegiada, po<strong>de</strong> ser alcançada<br />

facilmente a partir das gran<strong>de</strong>s capitais da região su<strong>de</strong>ste. Em São João<br />

<strong>de</strong>l Rei se encontram alguns <strong>dos</strong> mais conheci<strong>dos</strong> templos setecentistas,<br />

on<strong>de</strong> o Aleijadinho <strong>de</strong>ixou a sua marca genial. É uma das maiores<br />

cida<strong>de</strong>s do nosso roteiro e junto com Tira<strong>de</strong>ntes, oferece uma excelente<br />

infraestrutura turística com opções para to<strong>dos</strong> os gostos, inclusive com<br />

alternativa <strong>de</strong> hospedagem em hotéis fazenda e algumas pousadas<br />

bucólicas.<br />

O povoamento da região data <strong>dos</strong> primeiros anos <strong>dos</strong><br />

setecentos e está ligado ao nome <strong>de</strong> Tomé Portes <strong>de</strong>l Rei que, em 1702,<br />

<strong>de</strong>scobriu ouro na região da atual Tira<strong>de</strong>ntes e lá explorava um serviço<br />

<strong>de</strong> travessia no rio das Mortes. A <strong>de</strong>scoberta, tal qual aconteceu um<br />

pouco mais cedo na região do Ouro Preto e do Carmo, atraiu vários<br />

aventureiros e, a partir daí, foi um rápido povoar da região; <strong>de</strong> tal forma<br />

que em 1713, São João <strong>de</strong>l Rei já era vila com matriz, capelas e tudo<br />

mais. O nome primitivo era Arraial Novo <strong>de</strong> N. S. do Pilar, em<br />

contraposição a Tira<strong>de</strong>ntes que era o Arraial Velho <strong>de</strong> Santo Antônio.<br />

O nome foi dado pelo governador d. Brás Baltasar da Silveira, quando<br />

da criação da vila e o fez em homenagem ao verda<strong>de</strong>iro rei e não a<br />

Tomé Portes, o <strong>de</strong>scobridor do ouro, que também era Rei, mas nem<br />

253


tanto. Um fato curioso que ocorreu quando da fundação, merece ser<br />

contado. O governador achou por bem que a vila fosse criada um<br />

pouco além do local exato em que se encontrava o Arraial Novo,<br />

assentando lá o pelourinho, marco do novo status legal do povoado. O<br />

povo, porém, achou sem sentido ter que se <strong>de</strong>slocar uma meia légua<br />

para habitar o novo local indicado e continuou on<strong>de</strong> já estava. Foi<br />

preciso um <strong>de</strong>creto raivoso obrigando que a mudança ocorresse no<br />

prazo máximo <strong>de</strong> um ano. E assim nasceu São João <strong>de</strong>l Rei. O<br />

pelourinho ainda está lá, mas a cida<strong>de</strong> não cresceu em torno <strong>de</strong>le e sim<br />

ao longo do ribeirão do Lenheiro. Na verda<strong>de</strong>, hoje o largo do<br />

pelourinho é um tanto ou quanto mal situado, com a matriz do Pilar<br />

dando-lhe as costas. É o contrário do largo do Pelourinho <strong>de</strong> Mariana<br />

que abriga gloriosamente as <strong>igrejas</strong> do Carmo e São Francisco e ainda o<br />

edifício da Câmara.<br />

A cida<strong>de</strong> é cortada pelos ribeirões <strong>de</strong> Tijuco e Barreiros que se<br />

unem e continuam como o Lenheiro que segue cortado por pontes <strong>de</strong><br />

pedra até sumir no rio das Mortes, meia légua além e ainda <strong>de</strong>ntro da<br />

cida<strong>de</strong>.<br />

Em outubro <strong>de</strong> 1824 o bispo <strong>de</strong> Mariana, dom frei José da<br />

Santíssima Trinda<strong>de</strong>, visitou seus diocesanos <strong>de</strong> São João <strong>de</strong>l Rei e fez<br />

constar talvez o maior relatório <strong>de</strong> to<strong>dos</strong> que produziu nas suas viagens.<br />

Descreve o bom estado da matriz com restrições apenas à custódia.<br />

Conta que a igreja da Irmanda<strong>de</strong> do Carmo estava com suas torres por<br />

concluir. Fala da capela das Mercês, também ainda por concluir. A<br />

nossa preciosa igreja <strong>de</strong> São Francisco também ainda estava em obras,<br />

sem forro, com pare<strong>de</strong>s por retocar e talha por pintar. Elogia a capela<br />

<strong>de</strong> São Gonçalo Garcia: “acabada, preparada com boas imagens e<br />

ornamentos”.<br />

Dom frei José encerrou sua visita ditando uma curiosa provisão,<br />

proibindo cultos noturnos, porém liberando <strong>de</strong> tal restrição os homens<br />

pretos da Irmanda<strong>de</strong> do Rosário. O bispo evi<strong>de</strong>ntemente não quis<br />

<strong>de</strong>sobrigar os escravos da sua labuta diurna repartindo o ócio com<br />

sabedoria.<br />

Além <strong>de</strong> suas muitas <strong>igrejas</strong>, São João <strong>de</strong>l Rei possui um centro<br />

histórico interessante e um museu mantido pelo próprio IPHAN com<br />

móveis, imagens e documentos, assim como um museu histórico<br />

municipal <strong>de</strong>dicado a Tomé Portes e um museu sacro. O museu do<br />

IPHAN está instalado num casarão que tem aspecto setecentista mas,<br />

254


na verda<strong>de</strong>, é do século XIX e foi construído pelo comendador João<br />

Antônio da Silva Mourão que, com sua família, ocupava os dois<br />

andares <strong>de</strong> cima, enquanto no térreo funcionava sua venda <strong>de</strong> secos e<br />

molha<strong>dos</strong>. Certamente sua loja tinha posição <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque no dinâmico<br />

comércio <strong>de</strong> São João <strong>de</strong>l Rei do século XIX. Esse dinamismo vem<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o século XVIII e consta que João Rodrigues <strong>de</strong> Macedo, o rico<br />

contratador <strong>de</strong> Vila Rica, tinha presença <strong>de</strong>stacada no comércio local e<br />

na sua ligação com o Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />

O centro histórico apresenta uma disposição urbanística<br />

curiosa. Hoje é formado basicamente pela rua Getúlio Vargas, que<br />

começa no largo da igreja do Carmo e termina no largo da Igreja do<br />

Rosário e tem a matriz do Pilar exatamente no meio. Atrás está o largo<br />

da Igreja das Mercês e o pelourinho. Do outro lado do ribeirão há ainda<br />

um pedaço da parte histórica preservada. Ali está a bela praça on<strong>de</strong> se<br />

ergue a igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Assis e ainda se po<strong>de</strong> ver o casarão<br />

<strong>de</strong> Bárbara Eliodora, a infeliz mulher <strong>de</strong> Alvarenga Peixoto que hoje<br />

repousa em São Gonçalo do Sapucaí em local incerto, embora<br />

simbolicamente seu túmulo esteja no Museu da Inconfidência em Ouro<br />

Preto, ao lado do poeta. É a casa on<strong>de</strong> ela nasceu e viveu a juventu<strong>de</strong><br />

mas para on<strong>de</strong> não voltou <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> se unir a Alvarenga Peixoto.<br />

Abriga hoje o museu histórico Tomé Portes <strong>de</strong>l Rei, mantido pela<br />

municipalida<strong>de</strong>. O acervo é pobre mas você po<strong>de</strong> conversar com o<br />

Bosco, seu zelador, especialista nas tradições da semana santa <strong>de</strong> São<br />

João <strong>de</strong>l Rei, que segundo ele só acaba mesmo é em agosto.<br />

O Museu Sacro fica do lado do Solar <strong>dos</strong> Neves. Não<br />

conseguimos visitá-lo. Estava inexplicavelmente fechado muito embora<br />

fosse feriado e o centro histórico <strong>de</strong> São João <strong>de</strong>l Rei estivesse cheio <strong>de</strong><br />

turistas que faziam a alegria <strong>dos</strong> guias das <strong>igrejas</strong> do Pilar e São<br />

Francisco.<br />

Saint-Hilaire nos conta ter visitado São João <strong>de</strong>l Rei três vezes.<br />

Explicou que a vila era centro <strong>de</strong> uma vasta região agrícola e pecuária.<br />

Elogiou o comércio e o dinamismo da economia, diferente do marasmo<br />

e <strong>de</strong>cadência da maioria das localida<strong>de</strong>s que visitou em <strong>Minas</strong>. Notou,<br />

porém, que havia um número elevado <strong>de</strong> mendigos, especialmente<br />

negros velhos alforria<strong>dos</strong>, incapazes para o trabalho. Queixou-se da<br />

pouca educação e grosseria <strong>dos</strong> habitantes, a <strong>de</strong>speito da sua gran<strong>de</strong><br />

maioria ser formada <strong>de</strong> brancos, entre os quais havia muitos europeus.<br />

Também se equivocou com a origem do nome do rio das Mortes<br />

dizendo que ele assim se chamava <strong>de</strong>vido <strong>às</strong> várias batalhas travadas<br />

com os índios da região. Notou as duas pontes <strong>de</strong> pedras em arco sobre<br />

255


o Lenheiro e observou que São João <strong>de</strong>l Rei não tinha chafarizes<br />

públicos. Mais uma vez criticou a hospedaria que chamou <strong>de</strong> suja e<br />

infecta como a maioria das hospedarias <strong>de</strong> <strong>Minas</strong>. Contou <strong>de</strong>z <strong>igrejas</strong>.<br />

Elogiou a matriz do Pilar que o <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong>slumbrado. Observou que a<br />

igreja <strong>de</strong> São Francisco estava com o interior por concluir e que não<br />

tinha nada <strong>de</strong> notável. Não fez menção <strong>às</strong> <strong>de</strong>mais.<br />

Richard Burton fez minucioso registro da sua visita a São João<br />

<strong>de</strong>l Rei. Como era seu hábito registrou o nome do local on<strong>de</strong> se<br />

hospedou: Hotel Almeida, mas não fez maiores comentários sobre a<br />

qualida<strong>de</strong> do serviço. Visitou o externato São João, fundado por um<br />

inglês em 1848. Conta-nos que a igreja <strong>de</strong> São Gonçalo Garcia, que o<br />

bispo <strong>de</strong> Mariana encontrou concluída quarenta e dois anos antes, já<br />

estava quase em ruínas. De fato ela foi praticamente reconstruída alguns<br />

anos mais tar<strong>de</strong>, obra que só ficou pronta no princípio do século XX.<br />

Criticou a arquitetura das <strong>igrejas</strong> mineiras dizendo que elas mostravam<br />

influência jesuítica e eram pesadas e <strong>de</strong>sgraciosas, tendo falhado na sua<br />

tentativa <strong>de</strong> juntar o gótico e o clássico. Acrescentou que elas seguiam o<br />

plano <strong>de</strong> uma meia-cruz, com sacristia ou corredores preenchendo os<br />

espaços reserva<strong>dos</strong> aos braços. Isso, segundo ele, dava ao recinto<br />

interno um aspecto <strong>de</strong> um casarão. Deteve-se em <strong>de</strong>screver a igreja <strong>de</strong><br />

São Francisco. Explicou, ironicamente, que o escultor não usava régua e<br />

sim compasso, daí a carência <strong>de</strong> linhas retas. Fala <strong>dos</strong> laboriosos alto<br />

relevos feitos por “um homem sem mão”, conhecido como o<br />

Aleijadinho. Conta das torres, dizendo que nada as recomenda senão a<br />

excentricida<strong>de</strong> e que o seu <strong>de</strong>feito principal eram as cúpulas “copiadas<br />

<strong>dos</strong> formigueiros <strong>dos</strong> cupins ou do ninho do joão <strong>de</strong> barro”. Falou<br />

ainda da mo<strong>de</strong>sta capela do Senhor Bom Jesus do Bonfim. Procurou o<br />

serviço do correio local e ficou surpreso <strong>de</strong> ali não se saber o que ra<br />

uma entrega postal, exclamando que esse era um fato lamentável numa<br />

cida<strong>de</strong> com doze <strong>igrejas</strong> e um alfaiate especializado apenas em fazer<br />

batinas. Passou pela ponte do Rosário e registrou as ruínas da igreja <strong>de</strong><br />

São Caetano. Na seqüência falou da igreja do Rosário, quase em ruínas<br />

e já sem torre que caiu e não foi reconstruída. Falou ainda da matriz do<br />

Pilar, dando como 1717 a data da sua construção, exceto a fachada que<br />

tinha sido recentemente reconstruída por um Sr. Cândido José da Silva.<br />

Terminou o seu relato das <strong>igrejas</strong> com uma passagem pela igreja do<br />

Carmo. Dá-nos conta <strong>de</strong> que o interior estava sendo restaurado, com<br />

entalhes <strong>de</strong> cedro executa<strong>dos</strong> por um artista autodidata chamado<br />

Joaquim Francisco <strong>de</strong> Assis Pereira. Em seguida visitou as minas<br />

256


inglesas <strong>de</strong> São João <strong>de</strong>l Rei e rumou para Barbacena, passando antes<br />

em São José <strong>de</strong>l Rei.<br />

Quase cinqüenta anos antes, por aqui passaram Spix e Martius.<br />

Julgaram a vila com um aspecto <strong>de</strong> beleza romântica, com seu casario<br />

impecavelmente caiado <strong>de</strong> branco. Falaram <strong>de</strong> belas <strong>igrejas</strong> e <strong>de</strong> lojas<br />

bem fornecidas <strong>de</strong> artigos <strong>de</strong> luxo, corroborando o dinamismo do<br />

comércio local que também impressionou os outros viajantes do século<br />

XIX. Falaram em seis mil habitantes, numa casa <strong>de</strong> fundição, uma<br />

escola <strong>de</strong> latim, um hospital, uma casa <strong>de</strong> correção, diversas capelas,<br />

quatro <strong>igrejas</strong>, entre as quais uma bela matriz. 180 Contaram que a<br />

maioria do ouro processado na casa <strong>de</strong> fundição vinha <strong>de</strong> Campanha ou<br />

da vizinha São José, contradizendo Saint-Hilaire que, mais ou menos na<br />

mesma época, dá a ativida<strong>de</strong> aurífera da região como praticamente<br />

extinta. Também, contrariando o sábio francês, <strong>de</strong>ram ao povo local<br />

um caráter muito hospitaleiro. Foi aqui que a dupla <strong>de</strong> sábios resolveu<br />

fazer uma interessante <strong>de</strong>scrição física do mineiro que, nesse aspecto,<br />

parece ter-lhes causado muito boa impressão: “[...] tem, em geral,<br />

estatura esbelta e magra, peito estreito, pescoço comprido, rosto um<br />

tanto alongado, olhos pretos vivos, cabelo preto na cabeça e no peito;<br />

tem, por natureza, um certo garbo nobre e o seu modo <strong>de</strong> tratar é<br />

muito <strong>de</strong>licado, obsequioso e sensato [...]”.<br />

Saint-Hilaire também já tinha observado o aspecto longilíneo do<br />

mineiro do século XIX, conforme notas da sua segunda viagem a <strong>Minas</strong><br />

quando veio repor alguns espécimes que haviam se perdido <strong>de</strong>pois da<br />

primeira viagem.<br />

Registramos em São João <strong>de</strong>l Rei os seguintes templos: matriz<br />

<strong>de</strong> N. S. do Pilar, igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Assis, igreja <strong>de</strong> N. S. do<br />

Carmo, igreja <strong>de</strong> N. S. do Rosário, igreja <strong>de</strong> São Gonçalo Garcia, igreja<br />

do Bonfim, igreja <strong>de</strong> N. S. das Mercês, capela da Pieda<strong>de</strong> da Santa Casa,<br />

igreja <strong>de</strong> Santo Antônio e a capela <strong>de</strong> São Miguel no Distrito <strong>de</strong> Cajuru.<br />

A matriz foi tombada pelo IPHAN em 1949 e as <strong>igrejas</strong> <strong>de</strong> São<br />

Francisco e Carmo foram tombadas em 1938. As <strong>de</strong>mais não são<br />

tombadas.<br />

180 Spix e Martius pouco falaram das <strong>igrejas</strong>, mas quando o fizerem sempre as<br />

elogiaram. Nessa matéria, não tinham o espírito in<strong>de</strong>ciso <strong>de</strong> Saint-Hilaire nem<br />

<strong>de</strong>strutivo como o <strong>de</strong> Burton.<br />

257


Matriz do Pilar – 1721<br />

Juntamente com a Igreja do Rosário, a Matriz do Pilar é das<br />

mais <strong>antigas</strong> <strong>de</strong> São João <strong>de</strong>l Rei, construída ainda no primeiro quarto<br />

do século XVIII. Foi aqui que, na tar<strong>de</strong> do dia 04 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1822, teve<br />

lugar as solenida<strong>de</strong>s com que as autorida<strong>de</strong>s e o povo da vila receberam<br />

o príncipe regente d. Pedro, então percorrendo a província para sentir o<br />

clima político. Cinco meses <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>cidiria <strong>de</strong>clarar a in<strong>de</strong>pendência,<br />

criando o Império do Brasil.<br />

O templo, como matriz, é obra da Irmanda<strong>de</strong> do Santíssimo,<br />

criada em 1711. Saint-Hilaire como vimos, <strong>de</strong>clarou-se <strong>de</strong>slumbrado<br />

com ela, ao contrário da igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Assis que<br />

consi<strong>de</strong>rou nada apresentar <strong>de</strong> notável. Foi construída no lugar <strong>de</strong> uma<br />

antiga capela incendiada por ocasião da Guerra <strong>dos</strong> Emboabas,<br />

portanto antes da criação da irmanda<strong>de</strong>. Embora sua fachada tenha<br />

sofrido muitas intervenções, que inclusive a guarneceram com pilastras<br />

<strong>de</strong> cantaria, está estampado em suas características gerais, o traço típico<br />

das matrizes da primeira fase. Guarda em relação <strong>às</strong> <strong>igrejas</strong> do Carmo<br />

e São Francisco <strong>de</strong> Assis, as mesmas diferenças existentes entre a matriz<br />

<strong>de</strong> Antônio Dias <strong>de</strong> Ouro Preto e suas respectivas <strong>igrejas</strong> <strong>de</strong> São<br />

Francisco <strong>de</strong> Assis e do Carmo. Ou seja o interior é consi<strong>de</strong>ravelmente<br />

mais rico e interessante do que o exterior. Sua fachada, contudo,<br />

apresenta algo <strong>de</strong> peculiar em relação a outras <strong>antigas</strong> matrizes e se<br />

aproxima muito mais das matrizes <strong>de</strong> Catas Altas ou Barão <strong>de</strong> Cocais<br />

do que da <strong>de</strong> Antônio Dias ou <strong>de</strong> Sabará. Na verda<strong>de</strong>, a fachada atual<br />

foi i<strong>de</strong>alizada por Manuel Victor <strong>de</strong> Jesus no princípio do século XIX,<br />

na esteira do neoclássico. Ergue-se num canto da rua Getúlio Vargas<br />

para qual se abre seu adro, em plano mais elevado e que é alcançado<br />

após uma escadaria <strong>de</strong> média altitu<strong>de</strong>. Um cercado <strong>de</strong> gra<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ferro,<br />

com colunas arrematadas por coruchéus, acentua o toque neoclássico<br />

predominante. A base das torres e o frontispício apresentam um<br />

conjunto simétrico <strong>de</strong> portas e janelas que dá à fachada o aspecto mais<br />

<strong>de</strong> um palacete do que <strong>de</strong> uma igreja. É certo que há pilastras <strong>de</strong><br />

cantaria separando os conjuntos, mas as mesmas portas e sacadas que<br />

estão no frontispício, estão nas bases das torres. Assim temos uma<br />

profusão <strong>de</strong> recortes na fachada para dar espaço aos vaza<strong>dos</strong> <strong>de</strong> nada<br />

menos do que cinco portas e cinco sacadas. Três portas levam ao<br />

interior da nave e outras duas levam à cômo<strong>dos</strong> laterais. A Capela do<br />

Santíssimo, porém, é acessada pela lateral da igreja que tem o aspecto<br />

<strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> casarão, cravado por uma sucessão <strong>de</strong> janelões.<br />

258


O frontão é do tipo empena pura, absolutamente reto, sem<br />

outra função que fechar a parte externa da angulação do telhado. A<br />

cimalha também não tem maior <strong>de</strong>staque mas contribui<br />

significativamente para harmonizar o conjunto e acentuar seu aspecto<br />

<strong>de</strong> soli<strong>de</strong>z. Não há óculo, senão um medalhão em baixo relevo, no<br />

centro do tímpano. A cruz é pequena e se apoia numa singela base. As<br />

torres são quadradas, com cúpulas <strong>de</strong>stoantes, em pirâmi<strong>de</strong> achatada,<br />

com quatro coruchéus nas laterais e pináculos no topo. A fachada atual<br />

é o resultado, até certo ponto inexplicavelmente discreto, do trabalho<br />

<strong>de</strong> Francisco <strong>de</strong> Lima Cerqueira e já no século XIX, como dissemos, <strong>de</strong><br />

Manoel Victor <strong>de</strong> Jesus. Po<strong>de</strong> ser que o que se vê hoje tenha sido uma<br />

tentativa do segundo <strong>de</strong> modificar a intervenção do primeiro,<br />

retornando o templo <strong>às</strong> suas características originais, acrescentando,<br />

porém, algumas pitadas neoclássicas.<br />

O interior como dito, é o ponto alto. A capela mor se <strong>de</strong>staca<br />

pelo teto abobadado com belos baixo relevos <strong>de</strong>corativos formando um<br />

harmonioso conjunto <strong>de</strong> ouro e branco sobre superfícies retas e<br />

rendadas. Os frisos das abobadas se juntam no centro e do seu arremate<br />

pen<strong>de</strong> um belo lustre. 181 No geral, é <strong>de</strong> um tipo mais comum no norte<br />

do Brasil mas mais raro em <strong>Minas</strong> Gerais. Nas pare<strong>de</strong>s do presbitério<br />

há dois gran<strong>de</strong>s óculos acima <strong>de</strong> pinturas ricamente emolduradas,<br />

vindas diretamente <strong>de</strong> Portugal e aqui montadas. O altar mor é em<br />

<strong>dos</strong>sel, encimado pela Santíssima Trinda<strong>de</strong>. O retábulo, bastante largo e<br />

profusamente dourado, tem colunas torsas que terminam externamente<br />

em fragmentos <strong>de</strong> arquitrave sustentando figuras <strong>de</strong> anjos. As colunas<br />

externas também são torsas, com inspiração semelhante <strong>às</strong> das internas.<br />

Entre elas estão nichos originais com baldaquinos quadra<strong>dos</strong>. O trono<br />

é alto, em cascata, mas com entalhes tipicamente barrocos. No alto,<br />

naturalmente está a N. S. do Pilar e embaixo está um minúsculo<br />

crucifixo. No transepto se apoiam dois altares retos <strong>de</strong> espaldar alto. As<br />

colunas são predominantemente torsas e não há propriamente um<br />

<strong>dos</strong>sel mas sim um medalhão. O da esquerda é inteiramente dourado é<br />

o do lado oposto, combina dourado com efeitos <strong>de</strong> pintura<br />

marmorizada, ao fundo. O arco cruzeiro é fartamente entalhado, com<br />

efeitos doura<strong>dos</strong> e ostenta um gran<strong>de</strong> medalhão guarnecido <strong>de</strong> anjos<br />

esvoaçantes. No recinto da nave estão mais quatro altares. Um <strong>de</strong>les<br />

apresenta colunas torsas e nos <strong>de</strong>mais não existem colunas mas sim<br />

181 Dizem que esse lustre é todo <strong>de</strong> prata e que foi doado por Alvarenga Peixoto.<br />

259


uma gama <strong>de</strong> lavores e volteios em baixo relevo. Entre eles se assentam<br />

os púlpitos, ricamente entalha<strong>dos</strong> e guarneci<strong>dos</strong> <strong>de</strong> baldaquinos. O teto<br />

da nave é abobadado e mostra uma gran<strong>de</strong> figura <strong>de</strong> N. S. do Pilar no<br />

centro, enquadrada num medalhão rococó e emoldurada por muretas<br />

em perspectiva arquitetônica, obra <strong>de</strong> Venâncio José do Espírito Santo.<br />

Do centro pen<strong>de</strong> outro belo lustre que parece ser <strong>de</strong> cristal. Entre os<br />

altares laterais e o coro se abrem duas originalíssimas tribunas,<br />

autênticas sacadas domésticas, com balaustradas <strong>de</strong> ferro e ornatos <strong>de</strong><br />

pinhas. Acima estão duas sanefas, arrematando o conjunto. No<br />

vestíbulo há uma placa homenageando Bárbara Eliodora, aqui batizada.<br />

Igreja <strong>de</strong> N. S. do Carmo – 1734<br />

O início da construção da igreja do Carmo <strong>de</strong> São João <strong>de</strong>l Rei é<br />

anterior à <strong>de</strong> Ouro Preto, com quem tem certas semelhanças mas não<br />

chega a rivalizar. A construção passou por várias intervenções ao longo<br />

do tempo e, seguramente, sofreu influências do templo <strong>de</strong> Vila Rica e<br />

do traço do Aleijadinho. Sabe-se que aqui trabalhou o arquiteto<br />

construtor Francisco <strong>de</strong> Lima Cerqueira que também é o responsável<br />

principal pelas obras da São Francisco <strong>de</strong> Assis, on<strong>de</strong> andou fazendo<br />

alterações nos projetos do Aleijadinho. Fato é que as similarida<strong>de</strong>s entre<br />

as <strong>igrejas</strong> das irmanda<strong>de</strong>s do Carmo e <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> São João são<br />

gran<strong>de</strong>s e nelas está sempre visível, a chama criadora do mestre <strong>de</strong> Vila<br />

Rica. Na verda<strong>de</strong> é difícil encontrar uma unida<strong>de</strong> nesta igreja pois sua<br />

construção levou mais <strong>de</strong> cem anos e sofreu várias modificações. Por<br />

exemplo, há registros <strong>de</strong> contratos para pinturas no teto da capela mor,<br />

hoje inexistentes. Seguramente, gran<strong>de</strong> parte das obras que hoje a<br />

adornam foram feitas <strong>de</strong>pois da Igreja da Irmanda<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Francisco e<br />

nela se inspiraram.<br />

Está erguida no largo oposto ao do Rosário, no final da rua<br />

Getúlio Vargas, junto a alguns casarões do centro histórico <strong>de</strong> São João<br />

<strong>de</strong>l Rei, bem preserva<strong>dos</strong>.<br />

O frontispício é quadrado, com pilastras <strong>de</strong> pedra nas laterais. A<br />

cimalha é larga e múltipla e faz uma volta exagerada para envolver um<br />

óculo redondo, envidraçado, um tanto diminuto. A portada sob<br />

influência do Aleijadinho é o ponto alto do conjunto. As ombreiras são<br />

artisticamente trabalhadas em pedra sabão. Ultrapassam a verga e, como<br />

se fossem consolos, sustentam dois anjos, displicentemente senta<strong>dos</strong>,<br />

segurando um ornato. A verga é irregular e tem uma cabeça <strong>de</strong> anjo no<br />

centro. Acima tem um medalhão entalhado da N. S. do Carmo cercada<br />

260


<strong>de</strong> ornatos, sob uma coroa que chega até o óculo. Nas laterais estão<br />

dois janelões, envidraça<strong>dos</strong> com moldura trabalhada e artísticas<br />

cimalhinhas. O frontão é irregular e ce<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rável espaço para a<br />

volta da cimalha sobre o óculo, em vários planos superpostos.<br />

Tentando compensar isto, sua parte central se eleva exageradamente e<br />

se alarga para sustentar uma pequena esfera sobre a qual está a cruz,<br />

quase na mesma altura das torres. Nas laterais estão dois pequenos<br />

coruchéus. O resultado é relativamente feio, muito diferente da solução<br />

encontrada pelo Aleijadinho na igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Ouro Preto,<br />

on<strong>de</strong> o frontão também é achatado mas em perfeita harmonia com as<br />

torres e os fragmentos <strong>de</strong> arquitrave à sua volta. Há vidraças gra<strong>de</strong>adas<br />

no óculo e nos janelões muito pareci<strong>dos</strong> com as da igreja <strong>de</strong> São<br />

Francisco.<br />

Ao lado do frontão há duas espécies <strong>de</strong> coruchéus. As torres<br />

são oitavadas, altas e <strong>de</strong>lgadas, com cúpulas esféricas irregulares e<br />

arremates em esferas armilares com cata-ventos. Mostram quatro<br />

pilastras <strong>de</strong> pedra com coruchéus nas pontas. Como se lembra, pelo<br />

relato do bispo <strong>de</strong> Mariana quando da sua passagem por aqui em 1824,<br />

as torres ainda não tinham sido concluídas.<br />

O interior da igreja é relativamente simples para uma Igreja do<br />

Carmo, predominando o branco, com algum douramento nos dois<br />

primeiros altares laterais. Como registrou Burton, em 1846 o interior da<br />

igreja ainda passava por trabalhos <strong>de</strong> entalhe. A capela mor é<br />

esfuziantemente branca: pare<strong>de</strong>s, teto, altar. Só quebra essa unida<strong>de</strong><br />

algumas pinturas parietais e uns anjos encarna<strong>dos</strong>, no alto das colunas<br />

do retábulo. Este é simples, com apenas uma coluna, fechada em arco<br />

no alto, circundando um trono em cascata, sustentando uma imagem<br />

resplan<strong>de</strong>cente <strong>de</strong> N. S. do Carmo. Em cima há uma representação da<br />

Santíssima Trinda<strong>de</strong>, também em cores. Dos la<strong>dos</strong> há dois nichos, com<br />

imagens <strong>de</strong> santo Elias e santa Tereza. Há quatro portas com sanefas se<br />

comunicando com o presbitério. As pare<strong>de</strong>s laterais da capela mor<br />

apresentam colunas em quartelas, enquadrando os janelões e as pinturas<br />

parietais. De cada lado há duas belas imagens <strong>de</strong> anjos tocheiros em<br />

tamanho natural. O arco cruzeiro é simples e igualmente caiado. O alto<br />

se fecha num medalhão com anjos nas laterais, pinta<strong>dos</strong> com cores<br />

fortes, contrastando com o branco do arco. No centro do teto da nave<br />

está uma figura <strong>de</strong> Nossa Senhora em relevo, sendo reverenciada por<br />

uma figura papal. No transepto, estão dois altares em posição obliqua,<br />

on<strong>de</strong> também predomina o branco mas, agora, aparecendo também<br />

algum dourado. Possuem espaldares altos, com colunas torsas e frisos<br />

261


doura<strong>dos</strong>. Próximas aos altares do transepto estão tribunas fechadas,<br />

semelhantes <strong>às</strong> da matriz do Pilar, porém com sanefas mais discretas e<br />

guarda-corpo <strong>de</strong> balaústres tornea<strong>dos</strong>. Há mais quatro altares no recinto<br />

da nave, inteiramente brancos, também guarneci<strong>dos</strong> <strong>de</strong> sanefas. Apenas<br />

os anjos apoia<strong>dos</strong> nas colunas <strong>dos</strong> altares são em cores. Os retábulos<br />

<strong>de</strong>sses altares apresentam duas colunas <strong>de</strong>lgadas : uma torsa e a outra<br />

em quartelas que se fecham num arco perfeito e sustentam um alto<br />

espaldar, afilado no centro. Entre elas há falsos nichos com<br />

baldaquinos, abrigando imagens sobre consolos. Não apresentam<br />

douramento. Os púlpitos também são brancos, entalha<strong>dos</strong> e cobertos<br />

com baldaquinos, sobre os quais estão figuras <strong>de</strong> anjos coloridas. Tudo<br />

é muito parecido com o <strong>de</strong>senho da igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Assis.<br />

Interessante reparar na fisionomia exageradamente risonha <strong>dos</strong> anjos<br />

pinta<strong>dos</strong> na base <strong>dos</strong> púlpitos.<br />

Uma robusta cornija contorna o recinto da nave. O coro tem o<br />

formato <strong>de</strong> arcos horizontais que avançam sobre a nave e se sustentam<br />

sobre arcos verticais que se apoiam nas pare<strong>de</strong>s laterais. Há ainda<br />

quatro portas em moldura <strong>de</strong> pedra estabelecendo a comunicação da<br />

nave com os cômo<strong>dos</strong> laterais.<br />

Além <strong>de</strong> Francisco <strong>de</strong> Lima Cerqueira, há registros <strong>de</strong> que<br />

Manoel Rodriguez Coelho e Joaquim Francisco <strong>de</strong> Assis Pereira<br />

trabalharam em obras <strong>de</strong> entalhe na igreja. Mais <strong>de</strong> cem anos separam o<br />

trabalho <strong>de</strong> um e outro.<br />

Igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Assis – 1774<br />

A igreja da Irmanda<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> São João <strong>de</strong>l Rei é<br />

um das mais conhecidas e admiradas <strong>de</strong> todo o país. Seu adro se abre<br />

para uma espaçosa praça, cortada por uma fileira <strong>de</strong> palmeiras imperiais<br />

que compõem com o templo um quadro <strong>de</strong> belo efeito. Seu aspecto é<br />

<strong>de</strong>cididamente suntuoso. Junto com a igreja do Carmo <strong>de</strong> Ouro Preto é<br />

um <strong>dos</strong> templos mais fotografa<strong>dos</strong> do Brasil. Também teve uma<br />

construção <strong>de</strong>morada e em 1817 Saint-Hilaire observou que a igreja<br />

estava inconclusa. Sete anos mais tar<strong>de</strong>, dom frei José da Santíssima<br />

Trinda<strong>de</strong>, constatou que a igreja ainda estava em obras, sem forro e<br />

talha por pintar.<br />

O risco original da fachada é do Aleijadinho e é possível<br />

encontrar-se um esboço do primitivo projeto no acervo do Museu da<br />

Inconfidência. Porém, Francisco <strong>de</strong> Lima Cerqueira andou fazendo as<br />

modificações que hoje se vê e que segundo os críticos, piorou o que o<br />

262


mestre pretendia. De fato, o resultado é inferior à fachada <strong>de</strong> São<br />

Francisco <strong>de</strong> Assis <strong>de</strong> Ouro Preto, esta sim, planejada e executada sob<br />

diligência <strong>de</strong> Antônio Francisco Lisboa que inclusive, se autocorrigiu<br />

algumas vezes até se sentir satisfeito com o que fez.<br />

Lima Cerqueira costuma ser lembrado como um mestre-<strong>de</strong>obras<br />

insensível que tinha prazer em adulterar as criações do<br />

Aleijadinho. Mais justo seria admitir que ambos formaram uma boa<br />

parceria. Cerqueira era também um competente arquiteto e muitas<br />

vezes lhe era exigido encontrar soluções concretas para i<strong>de</strong>ais<br />

excessivamente exuberantes <strong>de</strong> prancheta. Quem contempla as<br />

complexas rocalhas i<strong>de</strong>alizadas por Antônio Francisco Lisboa para o<br />

frontão <strong>de</strong>sta igreja que ora visitamos, <strong>de</strong>ve concluir que certamente<br />

Cerqueira foi encarregado pela irmanda<strong>de</strong> para encontrar alternativa<br />

mais econômica... e ele o fez com meritório efeito.<br />

O frontispício é <strong>de</strong>limitado por pilastras <strong>de</strong> cantaria, com<br />

complexas formas <strong>de</strong> conchoi<strong>de</strong>s e acantos na junção com a cimalha.<br />

Esta é múltipla e contorna exageradamente o óculo num perfil, bastante<br />

parecido com o da igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Ouro Preto e que <strong>de</strong>ve ter<br />

influenciado Lima Cerqueira na igreja do Carmo.<br />

O óculo é redondo e envidraçado, sobre meticuloso gra<strong>de</strong>ado. A<br />

base das torres é arredondada e apresenta janelinhas militares em cima e<br />

em baixo. A portada também é muito semelhante a da igreja do Carmo<br />

e, naturalmente, ambas têm a mesma fonte <strong>de</strong> origem que é o<br />

Aleijadinho: aqui como projetista e executor lá mais como inspirador. 182<br />

Há as mesmas ombreiras em forma <strong>de</strong> quartelas, vazando a verga e<br />

sustentando anjos e um medalhão na parte <strong>de</strong> cima, com o entalhe <strong>de</strong><br />

Nossa Senhora e a coroa chegando até o óculo. Mesma semelhança<br />

ocorre com os janelões. É difícil esclarecer as interligações entre as<br />

portadas <strong>de</strong>sta igreja e a da igreja do Carmo. O mais razoável é<br />

acreditar que o Aleijadinho criou e executou parte da obra do templo <strong>de</strong><br />

São Francisco que Lima Cerqueira modificou e levou para o Carmo,<br />

182 Embora os projetos originais do Aleijadinho tenham sido aceitos pela<br />

irmanda<strong>de</strong>, Lima Cerqueira conseguiu autorização para modificar muitos<br />

<strong>de</strong>les, alegando dificulda<strong>de</strong>s na sua execução. Isso inclui possíveis<br />

modificações na montagem da portada executada pelo mestre <strong>de</strong> Vila Rica em<br />

seu atelier.<br />

263


on<strong>de</strong> outros artistas executaram, entre eles o entalhador Manoel<br />

Rodrigues Coelho.<br />

O frontão também é semelhante ao do Carmo e tem o mesmo<br />

achatamento por falta <strong>de</strong> espaço, roubado que foi pela curva exagerada<br />

da cimalha. 183 A diferença mais notória aqui é a cruz que, em lugar da<br />

forma simples da irmanda<strong>de</strong> do Carmo mostra a cruz <strong>de</strong> Lorena da<br />

irmanda<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Francisco. Na mesma linha, as torres são similares,<br />

com a única diferença que a cúpula é mais regular e mostra uma espécie<br />

<strong>de</strong> balaustrada em volta e que teria sido i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Lima Cerqueira.<br />

Enfim, em termos <strong>de</strong> fachada as irmanda<strong>de</strong>s do Carmo e <strong>de</strong> São<br />

Francisco <strong>de</strong> São João <strong>de</strong>l Rei até que se entendiam muito bem, já que<br />

tinham confiança no mesmo mestre arquiteto: Francisco <strong>de</strong> Lima<br />

Cerqueira que por sua vez, sabia muito bem se aproveitar das i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong><br />

Antônio Francisco Lisboa.<br />

Em termos <strong>de</strong> interior, porém, a coisa é muito diferente. Esta<br />

igreja é muito mais rica do que a igreja do Carmo e o risco <strong>dos</strong><br />

retábulos traz estampada a genialida<strong>de</strong> do Aleijadinho, mesmo que o<br />

mestre não pu<strong>de</strong>sse assistir a conclusão do trabalho já que ele morreu<br />

em 1814 e <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong>pois o bispo <strong>de</strong> Mariana dava conta que a talha<br />

ainda não tinha sido pintada. Provavelmente nosso bispo se referia aos<br />

altares laterais. Na verda<strong>de</strong> ela foi pintada e <strong>de</strong>pois voltou ao original<br />

com a ma<strong>de</strong>ira exposta ao natural, como hoje se encontra. Segundo<br />

Bazin, os altares laterais <strong>de</strong>dica<strong>dos</strong> a são Luiz e a são Francisco <strong>de</strong> Assis<br />

foram efetivamente executa<strong>dos</strong> pelo Aleijadinho. A imagem <strong>de</strong> são João<br />

Evangelista, no Altar <strong>de</strong> São Francisco, também é obra do mestre <strong>de</strong><br />

Vila Rica.<br />

A capela mor apresenta alguma proximida<strong>de</strong> maior com a <strong>de</strong><br />

São Francisco <strong>de</strong> Ouro Preto, ambas projetos do Aleijadinho e que aqui<br />

contou com a execução do entalhador Luiz Pinheiro, o mesmo que<br />

executou o retábulo da igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Mariana. O barrete é<br />

semelhante, com elementos <strong>de</strong>corativos avançando sobre ele, a partir da<br />

Santíssima Trinda<strong>de</strong>. O retábulo apresenta duas colunas torsas <strong>de</strong> base<br />

estriada, brancas e douradas, que se fecham num arco perfeito.<br />

Externamente há colunas iguais e entre elas, dois nichos com<br />

baldaquinos, ostentando imagens <strong>de</strong> roca. Internamente, à frente do<br />

camarim, existem duas colunas em quartelas. O trono é alto, em forma<br />

183 A origem <strong>de</strong>ssa i<strong>de</strong>ia do Aleijadinho está no frontão da São Francisco <strong>de</strong><br />

Ouro Preto.<br />

264


<strong>de</strong> cascata e sustenta uma imagem do Cristo crucificado, tendo Nossa<br />

Senhora à frente e resplendores atrás. Nas laterais estão três gran<strong>de</strong>s<br />

óculos, sobre pinturas emolduradas na forma <strong>de</strong> medalhões. O do<br />

centro tem formado cardioi<strong>de</strong> e os <strong>de</strong>mais são em forma <strong>de</strong> janelões.<br />

Há um feio barrado em ver<strong>de</strong> limão na parte baixa das laterais da capela<br />

mor. O arco cruzeiro é simples, com gran<strong>de</strong>s altares oblíquos<br />

encosta<strong>dos</strong> no transepto. To<strong>dos</strong> os altares da nave, num total <strong>de</strong> seis,<br />

têm estilo semelhante, típicos do rococó do Aleijadinho, alternado<br />

colunas torsas ou em quartelas, <strong>de</strong>lgadas e encimadas por arcos<br />

franja<strong>dos</strong> com espaldares altos e adornos em forma <strong>de</strong> sanefas. São<br />

bastante altos, quase encostando na cornija. As pare<strong>de</strong>s da nave são<br />

levemente abauladas e o teto, em forma <strong>de</strong> gamela, é branco, sem<br />

pinturas e com um adorno no centro em filigranas douradas <strong>de</strong> on<strong>de</strong><br />

pen<strong>de</strong> a sustentação do lustre. Há uma cornija rendada, com um<br />

barrado dourado <strong>de</strong> forma original. Os púlpitos são arredonda<strong>dos</strong> e<br />

cobertos com baldaquinos que servem <strong>de</strong> pe<strong>de</strong>stal a duas gran<strong>de</strong>s<br />

imagens. Os mesmos óculos da capela mor estão nas laterais da nave,<br />

la<strong>de</strong>ando os dois altares, sendo que o óculo, em forma <strong>de</strong> trevo, se abre<br />

acima do púlpito. O coro é em forma <strong>de</strong> besta e repousa sobre um arco<br />

<strong>de</strong> pedras apoiado nas pare<strong>de</strong>s da nave. É bem iluminado pelos janelões<br />

e o óculo que se comunicam com o frontispício. Destaque ainda para a<br />

imagem <strong>de</strong> são João Evangelista, colocada na sacristia, atribuída ao<br />

Aleijadinho.<br />

Igreja do Rosário – 1708<br />

Como não po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser, fica localizada no largo do<br />

Rosário, no centro histórico, do lado oposto da igreja do Carmo , ao<br />

lado do Solar <strong>dos</strong> Neves. É consi<strong>de</strong>rada a igreja mais antiga <strong>de</strong> São João<br />

<strong>de</strong>l Rei. O templo atual sofreu uma reforma em 1936 que alterou o<br />

traçado original, por conta <strong>de</strong> uma adaptação feita nas torres. No geral,<br />

seu aspecto hoje tem pouco <strong>de</strong> um templo do primeiro quarto <strong>de</strong><br />

século XVIII. O frontispício é quadrado, com pilastras <strong>de</strong> alvenaria,<br />

assentadas sobre base <strong>de</strong> pedra. No centro há uma portada, emoldurada<br />

<strong>de</strong> pedra, com adornos acima da verga formando um medalhão com<br />

volutas nas laterais. Ao lado há duas sacadas, com molduras e<br />

cimalhinhas mais trabalhadas em adornos <strong>de</strong> massa, um pouco acima. A<br />

base das torres é <strong>de</strong>lgada, com as mesmas pilastras e janelas do<br />

frontispício e que se repetem nos cunhais, porém em formato um<br />

pouco mais <strong>de</strong>lgado. A cimalha é discreta e contorna um minúsculo<br />

265


óculo, <strong>de</strong>sproporcional ao resto do conjunto. O frontão é simples e<br />

discretamente curvo, sustentado a cruz sobre uma base arredondada. As<br />

torres são quadradas e guarnecem pequenos sinos. Sua cúpula é em<br />

forma <strong>de</strong> pirâmi<strong>de</strong> complexa, em dois estágios, arrematadas em<br />

pináculos robustos. Têm um aspecto um tanto ou quanto asiático.<br />

Não conseguimos conhecer o interior da igreja do Rosário.<br />

Quando a visitamos ela estava em obras.<br />

Igreja <strong>de</strong> N. S. das Mercês – 1751<br />

Esta igreja, em 1853 também sofreu uma reforma que<br />

modificou seu traço original. Fica no alto do largo das Mercês e para<br />

alcançá-la é preciso galgar algumas <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> <strong>de</strong>graus. Sua fachada tem<br />

características arquitetônicas incomuns, fruto das tais reformas<br />

perpetradas no século XIX. É composta <strong>de</strong> três peças, praticamente<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes e que formam o frontispício, a torre e um terceiro<br />

cômodo lateral que leva à Capela do Santíssimo, mais ao fundo. Assim,<br />

o frontispício está <strong>de</strong>limitado pelos próprios cunhais e a ele se liga a<br />

capela num plano mais recuado. Do outro lado está a base da torre que<br />

não se encosta ao frontispício, havendo um espaço preenchido por<br />

uma pare<strong>de</strong> <strong>de</strong> alguns centímetros. A porta principal tem uma moldura<br />

<strong>de</strong> pedra e um adorno em massa <strong>de</strong> alvenaria que chega até o óculo.<br />

Este é redondo e envidraçado em malha reticulada, ao estilo das <strong>igrejas</strong><br />

do Carmo e São Francisco. Nas laterais da portada aparecem duas<br />

sacadas, com guarda-corpo <strong>de</strong> ferro e moldura <strong>de</strong> pedra, semelhante à<br />

da porta. A cimalha é saliente e contorna o óculo num círculo aberto e<br />

espaçoso. O frontão é recortado em linhas curvas e se alarga<br />

exageradamente na parte superior para suportar uma diminuta cruz.<br />

Abaixo está uma representação do Espírito Santo e nas laterais estão<br />

dois pequenos coruchéus. A torre, como dissemos, está assentada sobre<br />

uma base in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte. É quadrada e tem uma cúpula em dois estágios<br />

sendo que o <strong>de</strong> cima se afila para terminar num pináculo. No<br />

alinhamento <strong>dos</strong> cunhais da torre aparecem arremates em coruchéus,<br />

um pouco mais complexos do que os do frontão. A peça lateral que<br />

forma o terceiro conjunto tem uma pequena porta acima da qual se<br />

abre uma sacada, diferente das do frontispício, um pouco mais simples.<br />

O altar mor não tem propriamente um retábulo. É mais um<br />

painel em branco e dourado, no qual está recortado o camarim e<br />

crava<strong>dos</strong> dois nichos, com base imitando sanefas e sustentando imagens<br />

<strong>dos</strong> santos da veneração <strong>dos</strong> irmãos das Mercês. Há um medalhão<br />

266


acima do camarim. As pare<strong>de</strong>s da capela mor são vazadas por três<br />

gran<strong>de</strong>s óculos redon<strong>dos</strong>, com molduras brancas e douradas.<br />

Apresentam um bonito efeito, com fundo num azul suave, respingado<br />

<strong>de</strong> dourado em relevo. O teto é abaulado, com um adorno no centro<br />

on<strong>de</strong> nasce o suporte do can<strong>de</strong>labro. No transepto estão dois altares em<br />

fundo branco com filetes doura<strong>dos</strong>, cuja ausência <strong>de</strong> colunas lembram<br />

gran<strong>de</strong>s oratórios. O arco cruzeiro também é branco, com adornos<br />

doura<strong>dos</strong> e coroado por um gran<strong>de</strong> medalhão, harmonizando com o<br />

conjunto. O teto da nave é em formato <strong>de</strong> gamela, com frisos brancos e<br />

doura<strong>dos</strong> e uma pintura no centro, mostrando N. S. das Mercês. O<br />

coro é reto com balaústres <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira escura torneada. Há gran<strong>de</strong>s<br />

pinturas na pare<strong>de</strong> da nave datadas <strong>de</strong> 1919, mostrando cenas do<br />

sagrado cotidiano <strong>de</strong> Nossa Senhora. Num <strong>dos</strong> cômo<strong>dos</strong> laterais está a<br />

sacristia on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>staca um belo lavabo em pedra sabão, com os<br />

tradicionais peixes contorcionistas entrelaça<strong>dos</strong>.<br />

TIRADENTES<br />

Tem 7 ruas e 4 praças, todas calçadas; tem boa Casa <strong>de</strong> Câmara,<br />

ca<strong>de</strong>ia e um excelente chafariz, com uma imagem <strong>de</strong> São José<br />

e um oratório na frente; tem um pequeno mas excelente teatro.<br />

A sua matriz é uma das mais belas, gran<strong>de</strong> e ricas da província”<br />

Tira<strong>de</strong>ntes é hoje um <strong>dos</strong> mais dinâmicos sítios turísticos do<br />

estado, re<strong>de</strong>scoberta que foi pelos paulistas, quase trezentos anos<br />

<strong>de</strong>pois da refrega <strong>dos</strong> emboabas. É uma charmosa cida<strong>de</strong>zinha que<br />

encanta pela preservação <strong>de</strong> seu patrimônio histórico e com vocação<br />

para concorri<strong>dos</strong> eventos gastronômicos e artísticos, contando,<br />

inclusive, com bem aparelhado centro <strong>de</strong> convenções. Seu calçamento,<br />

seguramente setecentista, é absolutamente terrível mas isso não tem a<br />

menor importância pois, mais do que Ouro Preto e Diamantina,<br />

Tira<strong>de</strong>ntes foi feita para ser conhecida à pé, nos <strong>de</strong>talhes. Possui várias<br />

excelentes pousadas e outros tantos restaurantes, compondo um<br />

circuito <strong>de</strong> charme e <strong>de</strong>leite. Percorrida em boa companhia, po<strong>de</strong><br />

proporcionar a qualquer ser humano o que <strong>de</strong> melhor seu equipamento<br />

neurossensorial superior é capaz <strong>de</strong> captar. É verda<strong>de</strong> que a<br />

re<strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> Tira<strong>de</strong>ntes a fez per<strong>de</strong>r seu ar comunitário antigo, on<strong>de</strong><br />

era possível bater papo com figuras interessantes que largaram o mundo<br />

para viver aqui. Mas a nossa peculiar cida<strong>de</strong> continua imperdível.<br />

267


Pessoalmente até não tenho queixa das mudanças pois Tira<strong>de</strong>ntes<br />

per<strong>de</strong>u um pouco, daquele marasmo que tinha fora <strong>dos</strong> fins <strong>de</strong> semana<br />

em que você corria o risco <strong>de</strong> não encontrar nenhum restaurante aberto<br />

e ter que amargar injusta fome. Hoje tem até restaurante <strong>de</strong>mais De<br />

qualquer forma, assustam certos preços pratica<strong>dos</strong> em Tira<strong>de</strong>ntes hoje<br />

em dia, tanto em hotéis quanto em restaurantes. Neste particular,<br />

permitam-me contar-lhes uma pequena historia: certa noite, fomos<br />

surpreendi<strong>dos</strong> por um temporal bem em frente à matriz <strong>de</strong> Santo<br />

Antônio. Buscamos refúgio num restaurante situado na rua do Padre<br />

Toledo. Na afobação da fuga não tivemos tempo <strong>de</strong> consultar os preços<br />

do cardápio e entramos inocentes. Inebria<strong>dos</strong> pelo charme do ambiente<br />

buscamos uma mesa ao lado <strong>de</strong> uma vidraça em que a chuva ribombava<br />

furiosa, sem contudo conseguir ameaçar o nosso enlevo. Pedimos o<br />

cardápio. Não conseguindo explicação para os absur<strong>dos</strong> preços<br />

pratica<strong>dos</strong>, passamos alguns minutos aflitos entre a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> aceitar o<br />

<strong>de</strong>scalabro ou enfrentar o temporal. Acabamos, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> uma rápida e<br />

discreta confabulação, optando por uma sábia terceira via. Levantamos<br />

elegantemente, agra<strong>de</strong>cemos e fomos para o bar on<strong>de</strong> pedimos uma<br />

cerveja para fazer hora até a chuva amainar. Foram minutos<br />

angustiantes para o nosso acanhado jeito mineiro e aguardamos<br />

tortura<strong>dos</strong>, imaginando que to<strong>dos</strong> estavam fazendo comentários<br />

<strong>de</strong>sairosos a nosso respeito. Finalmente a chuva amainou. Pagamos a<br />

cerveja e escapamos, <strong>de</strong>slizando sobre as pedras, molha<strong>dos</strong> mas ilesos.<br />

O perfil <strong>dos</strong> turistas <strong>de</strong> Tira<strong>de</strong>ntes é hoje bastante eclético. Tem<br />

gente que realmente vem curtir o patrimônio histórico e a boa<br />

gastronomia e tem gente que vem trazer os filhos para passear <strong>de</strong><br />

charrete. Nada contra, mas a tropa equina que tem que ser mantida para<br />

proporcionar esse <strong>de</strong>leite, emporcalha bastante a cida<strong>de</strong> e trás <strong>de</strong><br />

contrapeso, enxames <strong>de</strong> mosquitos. A concentração <strong>de</strong>ssa turma é na<br />

praça das Forras on<strong>de</strong> recomendamos não se assentar ao ar livre para<br />

tomar uma cerveja e comer uma linguiça caipira. Isso não combina com<br />

o odor reinante. Mas afinal, Veneza também não cheira mal ? Tudo isso<br />

é amplamente compensado pela simpatia da cida<strong>de</strong> e seu in<strong>de</strong>lével clima<br />

<strong>de</strong> história e arte.<br />

A nossa Tira<strong>de</strong>ntes, antiga São José <strong>de</strong>l Rei, mais antiga ainda<br />

Arraial Velho <strong>de</strong> Santo Antônio, foi elevada a vila pelo con<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Assumar no longínquo 1718. Tal como Caeté, tamanha foi a sua<br />

<strong>de</strong>cadência que em 1848 foi novamente rebaixada a arraial. Mas isso<br />

268


durou pouco e, no ano seguinte, recobrou sua antiga posição, passando<br />

a cida<strong>de</strong> em 1860. Sorte nossa pois foi essa <strong>de</strong>cadência que preservou<br />

Tira<strong>de</strong>ntes praticamente intacta até o glorioso ressurgimento atual.<br />

Além das <strong>igrejas</strong> e do casario, a cida<strong>de</strong> tem pelo menos mais<br />

dois monumentos <strong>de</strong> conhecimento obrigatório. Um é a fabulosa casa<br />

do Padre Toledo, hoje museu; atestado inconteste da imensa fortuna do<br />

padre inconfi<strong>de</strong>nte sobre quem, como se recorda, pesa a suspeita <strong>de</strong> ter<br />

sido obtida a custo <strong>de</strong> muita ativida<strong>de</strong> ilícita como sonegação e<br />

contrabando. A casa é um festival <strong>de</strong> cômo<strong>dos</strong> contíguos, alguns com<br />

interessantes pinturas no teto. O padre certamente, não mantinha ali<br />

uma família típica, mas recebia com freqüência e era um inconteste lí<strong>de</strong>r<br />

regional. Talvez isso reflete as características da disposição interna do<br />

casarão, com muitas salas e poucos quartos. De fato, ele serviu a muitos<br />

propósitos ao longo <strong>dos</strong> séculos: já foi fórum, prefeitura e seminário.<br />

Foi aqui que aconteceu a famosa festa <strong>de</strong> batizado <strong>dos</strong> filhos <strong>de</strong><br />

Alvarenga Peixoto e Bárbara Eliodora em que o pessoal bebeu muito e<br />

falou <strong>de</strong>mais, levantando suspeitas <strong>de</strong> que os mineiros não andavam<br />

muito satisfeitos com Portugal e estavam tramando alguma coisa.<br />

O segundo ponto <strong>de</strong> visitação obrigatória é o chafariz <strong>de</strong> São<br />

José, interessantíssimo bem público, talvez o mais notável chafariz <strong>de</strong><br />

todo o estado <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> Gerais. Interessante observar as pedras<br />

assentadas para obstruir o acesso ao tanque central do chafariz.<br />

Naturalmente tinham a função <strong>de</strong> obstruir a passagem <strong>de</strong> animais que,<br />

provavelmente, só podiam beber água nos tanques laterais, cujo acesso<br />

não tem obstáculos. Além do chafariz não se <strong>de</strong>ve esquecer outras<br />

construções interessantes como o prédio da Prefeitura, a Casa da<br />

Câmara Municipal, o Solar da Ponte. A fundação Rodrigo <strong>de</strong> Melo<br />

Franco mantém três instituições em Tira<strong>de</strong>ntes: uma biblioteca, o<br />

Museu do Padre Toledo e um museu sacro no prédio da antiga ca<strong>de</strong>ia.<br />

O Museu sacro não tem acervo e <strong>de</strong>ve ser rebatizado como apropriado,<br />

no futuro. A biblioteca por sua vez, tem uma mineiriana muito pobre.<br />

Mas o conjunto todo é amplamente positivo e a Fundação Rodrigo <strong>de</strong><br />

Melo Franco, juntamente com o Instituto Ives Alves, formam outro<br />

notável patrimônio <strong>de</strong> Tira<strong>de</strong>ntes, embora a maioria nem note.<br />

Um passeio pela histórica cida<strong>de</strong> começa na praça das Forras ou<br />

seja, das negras alforriadas que para ali iam ven<strong>de</strong>r os seus quitutes, tal<br />

qual faziam as negras do Arraial do Tijuco, na rua da Quitanda. Dali<br />

<strong>de</strong>ve-se subir a suave la<strong>de</strong>ira da rua Direita, reparando nos beirais <strong>de</strong><br />

beira-seveira <strong>dos</strong> casarões. De repente, chegamos no largo do Rosário<br />

269


on<strong>de</strong> está a robusta igreja, estruturada em cantaria. Visitado o templo<br />

<strong>dos</strong> pretos <strong>de</strong> São José <strong>de</strong>l Rei, voltamos à rua Direita e a seguimos até<br />

quase o seu final. Ali encontramos a rua da Câmara e, no final <strong>de</strong>la, a<br />

magnífica igreja <strong>de</strong> Santo Antônio, para on<strong>de</strong> nos dirigimos com prazer.<br />

Antes, porém, passamos em frente à casa do Senado da Câmara on<strong>de</strong>,<br />

ainda hoje, se reúne a edilida<strong>de</strong> local. O alpendre que se encontra à<br />

frente do casarão e que bem impressionou Richard Burton, foi<br />

acrescido no século XIX.<br />

Após algumas horas <strong>de</strong> <strong>de</strong>leite contemplando os <strong>de</strong>talhes da<br />

matriz, <strong>de</strong>scemos as escadarias do adro e, seguindo à direita,<br />

encontramos a casa do Padre Toledo, já <strong>de</strong>scrita e logo em seguida a<br />

igreja <strong>de</strong> São João Evangelista. A igreja se abre para um largo que nos<br />

leva la<strong>de</strong>ira abaixo <strong>de</strong> volta à rua Direita. Seguindo a mesma à esquerda,<br />

voltamos ao trecho anterior, só que, <strong>de</strong>sta vez, passamos a rua da<br />

Câmara e vamos até a rua Jogo <strong>de</strong> Bola, em cuja esquina está o Casarão<br />

Ramalho, tido como o mais antigo <strong>de</strong> Tira<strong>de</strong>ntes. Rua abaixo chegamos<br />

ao largo do Ó, on<strong>de</strong> se po<strong>de</strong> tomar um chá no meio da rua, sem<br />

mosquitos. Após o chá, seguindo em frente, chegamos ao largo do<br />

Chafariz. Daí voltamos ao largo das Forras, seguindo uma ruazinha<br />

<strong>de</strong>scaracterizada, on<strong>de</strong> se concentra o comércio turístico <strong>de</strong> Tira<strong>de</strong>ntes.<br />

Do largo, no sentido oposto ao do início do roteiro, passamos a ponte<br />

<strong>de</strong> pedra e o Solar da Ponte e entramos no largo das Mercês on<strong>de</strong>, ao<br />

fundo, se encontra o templo e o seu cemitério. Daí voltamos na direção<br />

da ponte e, à direita, encontramos a la<strong>de</strong>ira da capela <strong>de</strong> São Vicente <strong>de</strong><br />

Paula que vale a pena subir pois, se não for possível visitar o templo,<br />

que está quase sempre fechado, você po<strong>de</strong> ter uma bela vista da cida<strong>de</strong>.<br />

Este é o roteiro básico <strong>de</strong> Tira<strong>de</strong>ntes, pequeno mas absolutamente<br />

indispensável e que justifica a visita à cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> on<strong>de</strong> quer que você<br />

venha.<br />

Muita gente que vem a Tira<strong>de</strong>ntes gosta <strong>de</strong> dar uma esticada ao<br />

arraial do Bichinho, refúgio <strong>de</strong> artesãos e on<strong>de</strong> se po<strong>de</strong> encontrar boa<br />

comida caseira. Mas os restaurantes são raros. O nome atual está<br />

preservado <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o século XVIII, mas a <strong>de</strong>nominação oficial é<br />

Vitoriano Gonçalves. Este vem a ser o alfaiate, alferes do Regimento<br />

Auxiliar <strong>dos</strong> Par<strong>dos</strong> <strong>de</strong> São João <strong>de</strong>l Rei, julgado e con<strong>de</strong>nado como<br />

inconfi<strong>de</strong>nte e exilado em Moçambique on<strong>de</strong> morreu em 1803. O crime<br />

do bravo alfaiate foi ter levado um bilhete ao tenente-coronel Freire <strong>de</strong><br />

Andrada em Vila Rica, exortando-o a ir para o Serro e iniciar o levante<br />

junto com o padre Rolim. Mas ele nem entregou o bilhete, <strong>de</strong>sistiu<br />

270


quando, no meio do caminho, encontrou uma escolta levando Tomás<br />

Antônio Gonzaga preso para o Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />

Saint-Hilaire passou por Tira<strong>de</strong>ntes a caminho <strong>de</strong> Barbacena.<br />

Registrou apenas que a vila era pequena mas tinha casas muito bonitas e<br />

uma igreja paroquial <strong>de</strong> tamanho admirável.<br />

Burton pernoitou aqui, na hospedaria do Capitão Severino,<br />

cujas camas, segundo ele, não eram nada macias. Achou a cida<strong>de</strong><br />

singular e romântica. Também observou como eu, cento e trinta e três<br />

anos <strong>de</strong>pois, que o calçamento era ruim “pior do que o <strong>de</strong> São João <strong>de</strong>l<br />

Rei”. Comentou que o povo do lugar, quando não estava fazendo<br />

sapatos nem comendo jacuba; estava jogando peteca. 184 Visitou a matriz<br />

<strong>de</strong> Santo Antônio e registrou que ela era tida como a mais bela e<br />

majestosa da província, que tinha sido construída em 1710 por um tal<br />

Marçal Casado Rotier e que a taipa das pare<strong>de</strong>s era recheada <strong>de</strong> terra<br />

aurífera. Comparou-a ao mosteiro <strong>de</strong> São Bento do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

porém “mais primitiva, pretensiosa e grotesca”. Elogiou a Casa da<br />

Câmara, a ponte <strong>de</strong> pedra, o chafariz <strong>de</strong> São José e registrou que aqui<br />

nasceu Basílio da Gama, membro da Arcádia Mineira e, no seu conceito<br />

“maior poeta brasileiro”. 185<br />

Terminada sua visita, Burton partiu rumo a Congonhas <strong>às</strong> 4:30<br />

horas da manhã, com temperatura <strong>de</strong> 2 graus. 186 Antes porém, anotou<br />

os seguintes templos em São José <strong>de</strong>l Rei: São João Evangelista,<br />

184 Curioso saber que o atual jogo favorito <strong>dos</strong> mineiros já era popular em Tira<strong>de</strong>ntes<br />

em 1867.<br />

Jacuba é a famosa farinha com rapadura, <strong>dos</strong> tropeiros, "embondo" que comiam<br />

enquanto esperavam o jantar.<br />

185 José Basílio da Gama nasceu em Tira<strong>de</strong>ntes e morreu em Portugal em 1795. Ao<br />

lado <strong>de</strong> Cláudio Manuel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga, Santa Rita Durão e<br />

Alvarenga Peixoto compõe o grupo <strong>dos</strong> ilustres representantes da Arcádia Mineira.<br />

Ao contrário <strong>de</strong>sses, porém, preferiu trocar voluntariamente <strong>Minas</strong> pela Metrópole.<br />

Gozava da amiza<strong>de</strong> do marques <strong>de</strong> Pombal e não <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> cultivar a ogeriza<br />

pombalina aos jesuítas, em sua obra.<br />

186 Nossos visitantes, via <strong>de</strong> regra não <strong>de</strong>ixavam <strong>de</strong> notar o frio cruel que fazia em<br />

<strong>Minas</strong> naqueles tempos. Nem podiam, suportando, muitas vezes, madrugadas com<br />

temperaturas próximas <strong>de</strong> zero grau.<br />

271


Rosário, Santo Antônio <strong>dos</strong> Pobres (Canjica), São Francisco <strong>de</strong> Paula e<br />

a igreja das Mercês, além da matriz.<br />

Spix e Martius, como Saint-Hilaire, também passaram correndo<br />

por São José <strong>de</strong>l Rei, anotando que, a não ser a igreja, a mais bela da<br />

província, a pequena cida<strong>de</strong> nada mais tinha digno <strong>de</strong> nota. Preferiram<br />

ir para Lagoa Dourada on<strong>de</strong> assistiram a uma animada festa do<br />

padroeiro, tipo festa junina, no mo<strong>de</strong>lo primitivo.<br />

Cadastramos em Tira<strong>de</strong>ntes um total <strong>de</strong> seis templos<br />

setecentistas que são: a matriz <strong>de</strong> Santo Antônio, a igreja <strong>de</strong> São João<br />

Evangelista, capela <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula, igreja das Mercês,<br />

Rosário <strong>dos</strong> Pretos e capela do Bom Jesus da Pobreza. Sua Excelência<br />

Reverendíssima, o bispo <strong>de</strong> Mariana, na sua visita pastoral <strong>de</strong> 1825, tal<br />

qual Burton, quarenta anos <strong>de</strong>pois, não fez nenhuma referência ao<br />

último <strong>de</strong>sses templos: a nossa capelinha do largo das Forras.<br />

A matriz e a igreja do Rosário foram tombadas pelo IPHAN<br />

em 1949 e as <strong>de</strong>mais em 1964.<br />

Matriz <strong>de</strong> Santo Antônio – 1733<br />

Fica numa posição privilegiada, <strong>de</strong>sfrutando <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> adro<br />

com escadaria que <strong>de</strong>sce até a rua da Câmara e proporciona uma vista<br />

<strong>de</strong>scortinada sobre a cida<strong>de</strong>. Ao lado está o famoso relógio <strong>de</strong> sol,<br />

muito útil naqueles tempos em que um quarto <strong>de</strong> hora não fazia a<br />

menor diferença.<br />

Esta igreja tem lugar <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque, não só pela sua riqueza, mas<br />

também pelo fato <strong>de</strong> unificar os melhores recursos predominantes na<br />

primeira e na última fase da arquitetura religiosa setecentista mineira.<br />

Pela riqueza, como se recorda, a matriz <strong>de</strong> Tira<strong>de</strong>ntes se rivaliza com a<br />

Sé <strong>de</strong> Mariana. Quanto ao segundo aspecto, ocorreu que em 1810 a<br />

comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São José <strong>de</strong>l Rei encomendou ao Aleijadinho um<br />

projeto <strong>de</strong> modificação da fachada da sua matriz e foi assim que uma<br />

igreja barroca da primeira fase per<strong>de</strong>u a austerida<strong>de</strong> da sua fachada e<br />

ganhou um aspecto externo com elementos rococó. Manteve-se,<br />

porém, o seu rico interior, com profusa talha barroca policromada.<br />

Assim surgiu uma igreja muito interessante, tanto interna quanto<br />

externamente. Alguns críticos consi<strong>de</strong>ram que o projeto da fachada do<br />

Aleijadinho não introduziu nada <strong>de</strong> original, tendo apenas repetido<br />

i<strong>de</strong>ias suas anteriores. Isso, porém, não reveste o fato <strong>de</strong> menor<br />

interesse, muito antes pelo contrário: este é o ultimo trabalho do mestre<br />

272


Antônio Francisco Lisboa, realizado quando já estava praticamente<br />

cego e apenas dois anos antes <strong>de</strong> entrar na agonia final, consumada dois<br />

anos mais tar<strong>de</strong>, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> repetidas súplicas para que Deus colocasse<br />

sobre ele “os seus divinos pés”.<br />

De fato, a fachada <strong>de</strong>sta igreja, embora tenha, seguramente,<br />

enriquecido muito o seu aspecto original, estaria mais bem colocada no<br />

princípio da carreira do Aleijadinho, antes <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Ouro<br />

Preto e São João <strong>de</strong>l Rei do Carmo <strong>de</strong> Sabará e Ouro Preto.<br />

O frontispício é <strong>de</strong>limitado por duas pilastras <strong>de</strong> alvenaria,<br />

excessivamente largas. Na verda<strong>de</strong> essas pilastras são duplas, juntando o<br />

que seria os cunhais do frontispício e da base das torres. A portada<br />

monumental foi durante muito tempo consi<strong>de</strong>rada parte <strong>dos</strong> acréscimos<br />

que o mestre <strong>de</strong> Vila Rica teria feito na fachada <strong>de</strong>sta igreja, mas hoje se<br />

sabe que o autor do risco foi Salvador <strong>de</strong> Oliveira e que a obra só foi<br />

executada em meado do século XIX. Suas ombreiras são em pilastras<br />

quarteladas, com o medalhão acima da verga repleto <strong>de</strong> pequenos<br />

<strong>de</strong>talhes. Um segundo medalhão, estranho ao conjunto e,<br />

provavelmente, ausente no projeto do Aleijadinho e estampando a<br />

figura do cor<strong>de</strong>iro, liga a portada ao óculo. Este é gran<strong>de</strong>, redondo e<br />

envidraçado e não ultrapassa significantemente a cimalha. Assim, sobra<br />

espaço para um frontão imponente, embora relativamente simples. O<br />

formato é curvo e o perfil é abaulado, muito parecido com o do Carmo<br />

<strong>de</strong> Ouro Preto. Tem dois ornatos em volutas, <strong>dos</strong> la<strong>dos</strong>, com pontas<br />

em forma <strong>de</strong> coruchéus. A cruz é quadrada, robusta e mostra duas<br />

espécies <strong>de</strong> pinhas <strong>de</strong> cada lado. As torres são quadradas, com quinas<br />

oblíquas, cúpulas esféricas alongadas e dois finos pináculos. Suas bases,<br />

ao lado do frontispício, formam a tal pilastra dupla, já mencionada. Há<br />

ainda duas sacadas simples, com cimalhinhas <strong>de</strong> alvenaria, vidraças em<br />

guilhotina e guarda-corpo com balaústres.<br />

Se por um lado, o exterior da matriz <strong>de</strong> Tira<strong>de</strong>ntes não se<br />

<strong>de</strong>staca entre os templos da última fase, seu interior está entre os<br />

melhores da primeira fase.<br />

A capela mor é esfuziante, com profusa talha dourada e<br />

soluções originais. O retábulo é em <strong>dos</strong>sel, com colunas sucessivas. São<br />

<strong>de</strong> talha tão rica e <strong>de</strong>licada que à distância, lembra arquivoltas. O <strong>dos</strong>sel<br />

apresenta os tradicionais anjos abrindo o cortinado, porém, acima está<br />

uma espécie <strong>de</strong> baldaquino franjado. Em lugar das colunas se fecharem<br />

no arco do trono permanecem livres e sustentam fragmentos <strong>de</strong><br />

arquitrave volta<strong>dos</strong> para fora. O camarim do altar é riquíssimo e pelas<br />

suas dimensões, parece mais uma capela. O teto da capela mor é<br />

273


abobadado, com belas pinturas <strong>de</strong>corativas douradas, <strong>de</strong> inspiração<br />

renascentista. O trono é original, lembrando as cascatas rococó que<br />

predominariam um pouco mais tar<strong>de</strong>, porém, profusamente entalhado<br />

com complexas combinações. Entronada está uma pequena imagem <strong>de</strong><br />

santo Antônio, coroado <strong>de</strong> belo resplendor, equilibrando o menino<br />

Jesus com maestria. Abaixo <strong>de</strong>le e um pouco avança<strong>dos</strong> em relação ao<br />

trono, estão dois anjos tocheiros com roupas adornadas <strong>de</strong> belas<br />

filigranas douradas. Nas laterais do presbitério estão pinturas do<br />

cotidiano <strong>de</strong> Jesus e seus Apóstolos, guarnecidas <strong>de</strong> ricas molduras<br />

douradas. O arco cruzeiro é talvez o mais belo <strong>de</strong> todas as <strong>igrejas</strong><br />

mineiras. Apresenta um magnífico adorno no coroamento, lembrando<br />

um monumental <strong>dos</strong>sel dourado. Ao lado estão dois altares coloca<strong>dos</strong><br />

em forma reta e não angulada como é usual, o que faz com que eles se<br />

confundam com o próprio arco cruzeiro, parecendo parte <strong>de</strong>le e não<br />

peças in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes. O retábulo <strong>de</strong>sses altares ten<strong>de</strong> para arquivoltas,<br />

com colunas <strong>de</strong>lgadas superpostas, profusa talha dourada e com<br />

espaldar alto arrematado em sanefas <strong>de</strong> on<strong>de</strong> brotam braços<br />

arremata<strong>dos</strong> em cabeças <strong>de</strong> águias, sustentando can<strong>de</strong>labros. Acima, nas<br />

pare<strong>de</strong>s da nave, se abrem dois óculos com artísticas molduras. O teto<br />

da nave é artesoado, com os caixotões emoldura<strong>dos</strong> apresentando cenas<br />

diversas, repletas <strong>de</strong> elementos <strong>de</strong>corativos e pictóricos. Prevalecem<br />

tons <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira natural com filigranas douradas.<br />

Na nave estão mais quatro altares, cava<strong>dos</strong> nas pare<strong>de</strong>s, com<br />

colunas torsas e a parte externa <strong>dos</strong> retábulos cumprindo a função <strong>de</strong><br />

servir <strong>de</strong> preciosa moldura dourada, com <strong>de</strong>talhes mais complexos no<br />

coroamento, sob sanefas simplificadas. Os púlpitos são relativamente<br />

simples, retilíneos e flutuam no ar sob um uma espécie <strong>de</strong> baldaquino<br />

com pináculo.<br />

Uma atração extra é o órgão, assentado numa espécie <strong>de</strong><br />

prolongamento lateral do coro. É <strong>de</strong> origem alemã como o da Sé <strong>de</strong><br />

Mariana, porém é mais novo do que aquele em cerca <strong>de</strong> noventa anos e<br />

toda a sua bela parte externa <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira <strong>de</strong>corada foi construída junto<br />

com a própria ornamentação da igreja. Não faltaram os anjos com<br />

trombetas.<br />

A cornija é muito especial e tem nítida inspiração neoclássica. O<br />

teto do coro tem adornos <strong>de</strong>lica<strong>dos</strong> em dourado, vermelho e azul,<br />

formando um belíssimo conjunto policrômico. Numa das laterais da<br />

capela mor está a capela <strong>dos</strong> sete passos, repleta <strong>de</strong> pinturas e com teto<br />

artesoado. Ocupa a sacristia e mais um cômodo contíguo. Há um<br />

lavabo <strong>de</strong> pedra com um mascarão e conchas incrustadas. No lado<br />

274


oposto está a Capela do Santíssimo, também ocupando dois cômo<strong>dos</strong>,<br />

com teto finamente <strong>de</strong>corado em pinturas e doura<strong>dos</strong>.<br />

Além <strong>de</strong> Antônio Francisco Lisboa, têm-se notícia <strong>de</strong> que o<br />

pintor Manuel Victor <strong>de</strong> Jesus trabalhou aqui, pintando painéis na<br />

sacristia e elementos <strong>de</strong>corativos no órgão. Pouco se sabe sobre os<br />

outros artistas responsáveis por essa magnífica igreja.<br />

Visitamos o templo <strong>de</strong> Santo Antônio <strong>de</strong> Tira<strong>de</strong>ntes três vezes.<br />

Na primeira vez assistimos a uma missa noturna. Minha mulher gostou<br />

da cerimônia. Eu, embora tivesse aproveitado bem o tempo reparando<br />

na capela mor, gosto mais das missas na São Francisco <strong>de</strong> Assis <strong>de</strong><br />

Ouro Preto, on<strong>de</strong> posso ficar buscando <strong>de</strong>talhes novos no teto <strong>de</strong><br />

Ataí<strong>de</strong>. Num domingo, à tar<strong>de</strong>, voltamos para admirar o templo<br />

novamente. Desta vez anima<strong>dos</strong> também pelo prazer extra <strong>de</strong> assistir a<br />

um concerto no centenário órgão. Mas o organista que <strong>de</strong>veria vir <strong>de</strong><br />

São João <strong>de</strong>l Rei, não apareceu. Talvez até tivesse razão pois <strong>de</strong>ve ter<br />

adivinhado que naquela tar<strong>de</strong> <strong>de</strong> domingo, pouco <strong>de</strong>pois do carnaval,<br />

seu público seria composto <strong>de</strong> duas únicas pessoas.<br />

Numa outra visita, o templo passava por profundo trabalho <strong>de</strong><br />

restauração, com troca do telhado, drenagem e reforço nas estruturas.<br />

O frontispício apresentava uma preocupante rachadura e a muralha que<br />

contem o <strong>de</strong>snível do adro com a rua estava parcialmente <strong>de</strong>smontado<br />

e cercado com canhestras e primitivas estacas. Na capela mor era<br />

possível ouvir o vento levantar a cobertura <strong>de</strong> lona do teto. Tênue<br />

escudo a separar obras primas, preservadas há quase trezentos anos,<br />

das chuvas <strong>de</strong> um perigoso novembro. A situação me pareceu fora <strong>de</strong><br />

controle, mas o zelador me garantiu que tudo estava absolutamente<br />

<strong>de</strong>ntro do previsto, embora discordasse do sistema <strong>de</strong> drenagem, cujo<br />

superdimensionamento, na sua opinião, seria o motivo do atraso da<br />

obra, levando a que a matriz se apresentasse <strong>de</strong>stelhada em pleno final<br />

<strong>de</strong> ano.<br />

Garantiu-me que mea<strong>dos</strong> <strong>de</strong> abril, ela vai estar inteiramente<br />

restaurada e magnífica, como sempre. 187<br />

Igreja do Rosário <strong>dos</strong> Pretos - 1740<br />

187 De fato isso aconteceu e a preciosa matriz <strong>de</strong> Tira<strong>de</strong>ntes ressurgiu gloriosa, mais<br />

uma vez.<br />

275


É uma igreja com fachada original e <strong>de</strong> aspecto robusto <strong>de</strong>vido<br />

<strong>às</strong> largas colunas <strong>de</strong> cantaria quadrada. Ergue-se vizinha à casa do<br />

padre Toledo, à frente <strong>de</strong> um adro espaçoso que a liga com a rua<br />

Direita.<br />

O frontispício é quadrado, com cunhais retos <strong>de</strong> pedra e<br />

pilastras iguais, próximas à porta. Esta é imponente, com umbrais <strong>de</strong><br />

cantaria e uma verga larga, múltipla e com um adorno em volutas,<br />

contornando um medalhão que sobe até um nicho envidraçado, com<br />

molduras <strong>de</strong> pedra. Ao lado estão dois janelões com moldura <strong>de</strong><br />

cantaria reta e sem cimalhinhas. A cimalha é <strong>de</strong> pedra sólida e larga,<br />

contorna o nicho e encosta num óculo cruciforme e envidraçado, no<br />

centro do frontão. Na lateral do frontispício se encosta uma segunda<br />

peça, a título <strong>de</strong> torre sineira, com barrado <strong>de</strong> pedra e meia água com<br />

abertura do sino na parte superior, ao nível das janelas. O Frontão é<br />

alto, recortado em curvas, com moldura <strong>de</strong> pedras e volutas na parte<br />

inferior <strong>de</strong> cada lateral. Está entre dois coruchéus altos, na linha <strong>dos</strong><br />

cunhais. No topo sustenta uma cruz singela <strong>de</strong> pedra.<br />

O retábulo do altar mor é em <strong>dos</strong>sel clássico, com uma coroa à<br />

frente do cortinado e colunas internas estriadas, apoiadas sobre<br />

consolos. As colunas externas são torsas e entre elas há pequenos<br />

nichos. Todo o altar mor é ricamente dourado, com discreta pintura <strong>de</strong><br />

fundo. O trono é alto, <strong>de</strong> formato um tanto original, com a imagem da<br />

Senhora do Rosário entronizada. As pare<strong>de</strong>s da capela mor são<br />

<strong>de</strong>spojadas. O forro é levemente abaulado, com uma bela pintura <strong>de</strong><br />

Nossa Senhora, enquadrada em perspectivas arquitetônicas,<br />

competentemente realizada por Antônio Costa <strong>de</strong> Souza 188 . O arco<br />

cruzeiro é <strong>de</strong> sólida pedra, fiel ao estilo das pilastras e cunhais da<br />

fachada. A cornija é pintada numa solução original <strong>de</strong> imitação <strong>de</strong> pedra<br />

em lugar da imitação <strong>de</strong> mármore, mais comum. Os altares do transepto<br />

são pequenos, sob baldaquinos e parecem mais nichos do que<br />

propriamente altares. São pinta<strong>dos</strong> em dourado e tons pastéis discretos.<br />

Acima <strong>dos</strong> baldaquinos há conchas douradas. O teto da nave é<br />

artesoado, com molduras enquadrando cenas <strong>dos</strong> mistérios do rosário.<br />

São <strong>de</strong> Manuel Vitor <strong>de</strong> Jesus, autor também <strong>de</strong> pinturas na matriz <strong>de</strong><br />

Santo Antônio, como vimos. O púlpito único, em ma<strong>de</strong>ira natural,<br />

tem formato basicamente quadrado. O coro é reto, guarnecido <strong>de</strong><br />

188 Esta informação está fixada na própria igreja. Porém, o IPHAN registra ser a obra<br />

<strong>de</strong> autor <strong>de</strong>sconhecido.<br />

276


parapeito com balaústres tornea<strong>dos</strong>. Há dois pequenos óculos<br />

quadra<strong>dos</strong>, <strong>de</strong> moldura <strong>de</strong> pedra, no alto da nave. É uma das mais<br />

bonitas <strong>igrejas</strong> <strong>de</strong> irmanda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pretos que conheço.<br />

Capela <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula – 1750<br />

Esta pequena capela foi erigida em frente <strong>de</strong> um bucólico<br />

espaço, gramado e plano como um pequeno campo <strong>de</strong> futebol. É o<br />

topo <strong>de</strong> uma colina <strong>de</strong> on<strong>de</strong> se po<strong>de</strong> contemplar boa parte <strong>de</strong><br />

Tira<strong>de</strong>ntes, com <strong>de</strong>staque para a matriz <strong>de</strong> Santo Antônio e uma nesga<br />

da igreja do Rosário. Daqui também se po<strong>de</strong> contemplar a serra <strong>de</strong> São<br />

José e um resto preservado da mata que, no século XVIII, cobria boa<br />

parte <strong>de</strong>ssa região. Apresenta um plano original, com uma fachada em<br />

duas águas que pega o frontispício e as sineiras laterais em mesmo<br />

plano como se fosse uma espécie <strong>de</strong> barracão. O frontispício,<br />

<strong>de</strong>limitado por duas pilastras, é quadrado, ostenta uma gran<strong>de</strong> porta<br />

emoldurada por portais <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira simples com verga baixa. Ao lado<br />

aparecem dois gran<strong>de</strong>s janelões avança<strong>dos</strong>, com guarda-corpo <strong>de</strong><br />

ma<strong>de</strong>ira torneada. Nas laterais, encostadas ao frontispício, estão as duas<br />

sineiras, sendo um <strong>dos</strong> sinos maior do que o outro, assim como as<br />

respectivas aberturas. Não há cimalha, mas apenas um telhado em duas<br />

águas que muda ligeiramente <strong>de</strong> ângulo ao nível das pilantras. A<br />

cumeeira sustenta uma pequena cruz e tem um diminuto óculo redondo<br />

envidraçado abaixo. Não conseguimos conhecer o seu interior.<br />

Segundo nos disseram, permanece quase sempre fechada.<br />

Igreja das Mercês – 1769<br />

O largo das Mercês é um <strong>dos</strong> mais bucólicos espaços<br />

setecentistas que conheço, com seus grama<strong>dos</strong> e sombras, enriquecidas<br />

com as contribuições das árvores do Solar da Ponte que extravasam<br />

seus verdores e odores por sobre o muro. Talvez em matéria <strong>de</strong> pureza<br />

ecológica, só encontre rival nos largos das <strong>igrejas</strong> do Rosário ou <strong>de</strong><br />

Santana do distrito <strong>de</strong> Cocais, na Comarca do Sabará.<br />

O adro é menos romântico do que o largo, pois abriga um<br />

cemitério. Mas <strong>de</strong> todo jeito lá está a igreja, cumprindo o seu papel há<br />

duzentos e trinta anos, entre os vivos e os mortos.<br />

A igreja das Mercês tem uma característica relativamente<br />

incomum: seu sino se contenta em badalar no vão tomado a um <strong>dos</strong><br />

janelões laterais. É claro que existem várias <strong>igrejas</strong> sem torres sineiras<br />

277


mas, em geral, há uma solução alternativa para isso, inclusive com<br />

torres sineiras <strong>de</strong>finitivamente separadas do corpo da igreja.<br />

Normalmente a abertura para o sino não se confun<strong>de</strong> com uma sacada<br />

ou janelão como é o caso <strong>de</strong>ssa igreja. A fachada tem um frontispício<br />

regular e a ele se encostam duas peças laterais simétricas, <strong>de</strong>limitadas<br />

por pilastras e cunhais. Porém, em lugar <strong>de</strong> sustentarem torres, se<br />

interrompem bruscamente, cortadas pelo <strong>de</strong>clive das duas águas do<br />

telhado com beiral em beira-seveira. O frontão escon<strong>de</strong> a junção da<br />

cumeeira, preenchendo o espaço necessário para isso e nada mais.<br />

Assim, resulta ser baixo e singelo, ligeiramente curvo e <strong>de</strong>sguarnecido<br />

nos seus flancos. Seus adornos se resumem em dois coruchéus nas<br />

pontas laterais e outros tantos la<strong>de</strong>ando a pequena cruz que se assenta<br />

no seu topo. Há um pequeno óculo no meio da cimalha e quatro<br />

janelões simétricos um <strong>dos</strong> quais abriga o sino, como dito.<br />

Tem um único altar, na capela mor, e este não tem<br />

propriamente um retábulo mas sim um painel com colunas entalhadas<br />

em baixo relevo, com capitel e estrias douradas, enquadrando o trono.<br />

Há registros <strong>de</strong> pagamentos <strong>de</strong> trabalhas <strong>de</strong> entalhes feitos por José<br />

Morais Pereira em 1808. O trono é discreto e ostenta a imagem <strong>de</strong> N. S.<br />

das Mercês coberta por um rústico baldaquino quadrado. Há um<br />

medalhão coroando o alto do camarim mas esse <strong>de</strong>talhe, naturalmente,<br />

não é suficiente para caracterizar um <strong>dos</strong>sel. Dois nichos com<br />

baldaquino, guarnecem as laterais. Frisos e lavores doura<strong>dos</strong> adornam o<br />

conjunto, se harmonizando, com cores marmorizadas <strong>de</strong> vermelho, azul<br />

e bege. O teto da capela mor, em forma triangulada, é artesoado,<br />

enquadrando cenas <strong>de</strong> N. S. das Mercês, num estilo singelo. Dois<br />

óculos arredonda<strong>dos</strong> iluminam o interior. O arco cruzeiro é em ma<strong>de</strong>ira<br />

entalhada pintada no mesmo estilo do altar mor. No coroamento está o<br />

medalhão da or<strong>de</strong>m, dourado e encimado por uma sanefa que suaviza a<br />

curva do arco. No forro da nave se vê outra pintura <strong>de</strong> N. S. das<br />

Mercês, cercada <strong>de</strong> nuvens e anjos. Nas laterais há parapeitos pinta<strong>dos</strong><br />

em perspectiva arquitetônica, figuras humanas e adornos rococós. É um<br />

pouco mais competente do que a da capela mor mas ainda bastante<br />

singela. O risco do altar mor, sua pintura e a <strong>dos</strong> forros e arco cruzeiro<br />

são atribuí<strong>dos</strong> a Manuel Vitor <strong>de</strong> Jesus mas parecem bem inferiores<br />

aquelas também atribuídas a ele, existentes na igreja do Rosário e na<br />

matriz <strong>de</strong> Santo Antônio. Nas laterais da nave se assentam dois<br />

púlpitos <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira com pinturas quase inteiramente <strong>de</strong>scoradas. O<br />

coro é reto e não há tapa vento. A cornija é saliente e ostenta traços <strong>de</strong><br />

pintura marmorizada.<br />

278


Segundo o zelador da igreja, ela nunca foi restaurada, o que<br />

garantiria sua autenticida<strong>de</strong>. O IPHAN, contudo, informa ter feito pelo<br />

menos dois trabalhos <strong>de</strong> restauração na Mercês <strong>de</strong> Tira<strong>de</strong>ntes nos<br />

últimos cinquenta anos. Provavelmente, não existe nenhuma igreja<br />

setecentista em <strong>Minas</strong> que não tenha passado por inúmeras reformas,<br />

sejam mutiladoras, sejam restauradoras; especialmente nas fachadas e<br />

estruturas. São inúmeros os registros <strong>de</strong> torres em ruína, feitos no<br />

século XIX.<br />

Igreja <strong>de</strong> São João Evangelista.<br />

Esta igreja fica nos fun<strong>dos</strong> do casarão do Padre Toledo, ao lado<br />

<strong>de</strong> um <strong>de</strong>scampado on<strong>de</strong>, apesar da proximida<strong>de</strong> do centro, a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Tira<strong>de</strong>ntes, simplesmente acaba. Serviu <strong>de</strong> capela a um seminário que<br />

funcionou uns tempos na casa do padre inconfi<strong>de</strong>nte. É uma igreja <strong>de</strong><br />

boas dimensões e sólido aspecto que, infelizmente, não conseguimos<br />

conhecer por <strong>de</strong>ntro, pois tem permanecido quase sempre fechada. O<br />

plano da sua fachada é parecido com o da igreja das Mercês, ou seja,<br />

não tem torre. Assim, apesar da existência <strong>de</strong> pilastras <strong>de</strong>limitando o<br />

frontispício, sua fachada parece uma peça única. Porém, a empena é<br />

bem caracterizada e está num plano diferente do telhado das laterais,<br />

que usualmente seriam as bases das torres. Tudo indica que o projeto<br />

original previa as duas torres que, no entanto, não foram<br />

confeccionadas, provavelmente por falta <strong>de</strong> recursos. Reforça essa i<strong>de</strong>ia<br />

o fato do corpo da igreja ser totalmente in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>ssa supostas<br />

bases <strong>de</strong> torres, o que não acontece com a igreja das Mercês on<strong>de</strong>, ao<br />

que parece, nunca se pensou em torres; pois há um telhado em duas<br />

águas, perfeitamente alinhado. Há um pequeno óculo ovalado no que<br />

seria o tímpano, mas não chega a sê-lo já que não há cimalha separando<br />

o frontispício da empena. O beiral é em beira-seveira, muito comum<br />

em Tira<strong>de</strong>ntes e que também po<strong>de</strong> ser visto em várias casas da rua<br />

Direita. Há quatro sacadas simétricas, com cimalhinhas <strong>de</strong> alvenaria e<br />

janelões em guilhotina com guarda-corpo <strong>de</strong> meios balaústres. A porta<br />

é simples, com verga na mesma forma das cimalhinhas. Toda a fachada<br />

<strong>de</strong>scansa sobre um barrado <strong>de</strong> sólidas pedras. Uma pequena cruz<br />

repousa na cumeeira. Aparentemente esta igreja não tem sino mesmo,<br />

não parecendo que ele está atrás <strong>de</strong> um daqueles janelões fecha<strong>dos</strong>. O<br />

IPHAN informa, contudo, que ele está à esquerda. Aqui, o papel<br />

secundário do campanário, que havíamos notado na igreja das Mercês,<br />

chega ao seu extremo. Na verda<strong>de</strong>, os sinos têm perdido sua função <strong>de</strong><br />

279


chamar os fiéis e as cornetas <strong>de</strong> altos falantes, que hoje se vê enfeando<br />

a cruz da cumeeira <strong>de</strong>sta igreja, po<strong>de</strong> estar cumprindo eventualmente,<br />

este papel. Até quem sabe, agitando a vizinhança com um rock<br />

evangélico.<br />

Capela do Bom Jesus da Pobreza – 1771<br />

Esta pequena capela fica bem no largo das Forras ou seja, bem<br />

no meio do agito. Das três vezes que estive em Tira<strong>de</strong>ntes, apenas na<br />

primeira consegui vê-la por <strong>de</strong>ntro. Embora os guias turísticos sempre<br />

anunciem que ela abre toda tar<strong>de</strong>, parece que isso não é assim, tão<br />

regular. Na verda<strong>de</strong>, ela é hoje mais um espaço cultural. Que eu me<br />

lembre seu interior é quase um salão, um tanto <strong>de</strong>spojado. Dizem que<br />

ela possui uma competente imagem do Bom Jesus, mas ela não estava<br />

exposta quando conheci o seu interior. Segundo registro do IPHAN, a<br />

capelinha possui também imagens <strong>de</strong> N. S. da Conceição, N. S. do<br />

Patrocínio e <strong>de</strong> santa Rita. Foi erigida pelo capitão Gonçalo Joaquim <strong>de</strong><br />

Barros, em pagamento a uma promessa. Suspeito que essa capelinha<br />

funcionava mais como uma espécie <strong>de</strong> oratório <strong>de</strong> súplicas. De fato<br />

havia nela alguns registros <strong>de</strong> ex-votos que reforçam essa i<strong>de</strong>ia. Como<br />

se recorda, quando dom frei José visitou Tira<strong>de</strong>ntes fiscalizando suas<br />

<strong>igrejas</strong>, sequer a mencionou. Sua fachada é constituída apenas do<br />

frontispício, sem torres ou qualquer a<strong>de</strong>ndo lateral. A porta parece<br />

gran<strong>de</strong> para o tamanho do conjunto. Acima estão duas sacadas com<br />

guarda-corpo <strong>de</strong> balaústres <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira pintada. Há ainda na fachada,<br />

entre as sacadas, um pequeno círculo com representação <strong>dos</strong> cravos <strong>de</strong><br />

Cristo. O frontão ten<strong>de</strong> <strong>às</strong> linhas curvas e tem um pequeno óculo<br />

redondo um pouco acima da cimalha. Esta é <strong>de</strong> alvenaria e tem uma<br />

cobertura <strong>de</strong> telhas. Há umas espécies <strong>de</strong> volutas nos la<strong>dos</strong> do frontão e<br />

coruchéus arrematando os cunhais. Há uma abertura lateral, ostentando<br />

um sino.<br />

PRADOS<br />

Pra<strong>dos</strong> é outro antigo centro <strong>de</strong> mineração do rio das Mortes.<br />

Seu nome <strong>de</strong>riva da família <strong>dos</strong> primitivos paulistas, seus fundadores.<br />

Há registros <strong>de</strong> que em 1716, a primitiva capela do arraial já estava<br />

erguida. Aqui foi instalada a Companhia <strong>de</strong> Or<strong>de</strong>nanças do Rio das<br />

Mortes, em 1738. Ao contrário porém, <strong>de</strong> suas vizinhas, São João e São<br />

José só passaria a vila no século XIX, precisamente em 1890, quando as<br />

280


outras até já eram cida<strong>de</strong>s. Foi aqui que o inconfi<strong>de</strong>nte Francisco<br />

Antônio <strong>de</strong> Oliveira Lopes se casou com uma rica fazen<strong>de</strong>ira e viveu<br />

até ser preso e <strong>de</strong>gredado na África, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> nunca mais voltou.<br />

Consta que em 1785, numa escavação <strong>de</strong> uma lavra <strong>de</strong> ouro, foi<br />

encontrado um colossal esqueleto <strong>de</strong> provável dinossauro, que o<br />

governador Cunha Menezes, nosso conhecido Fanfarrão Minésio das<br />

Cartas Chilenas <strong>de</strong> Gonzaga, tratou <strong>de</strong> confiscar para presentear Sua<br />

Majesta<strong>de</strong>. 189 Esses fósseis foram encontra<strong>dos</strong> nas terras do padre José<br />

Lopes <strong>de</strong> Oliveira, futuro inconfi<strong>de</strong>nte que acabaria con<strong>de</strong>nado ao<br />

exílio em Lisboa, on<strong>de</strong> morreu. Foram estuda<strong>dos</strong> por Simão Pires<br />

Sardinha, que resultava ser filho da Chica da Silva com seu primeiro<br />

marido. Sardinha era um brilhante cientista formado na Europa, para<br />

on<strong>de</strong> voltou se ocupando do magistério em algumas das melhores<br />

universida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> lá. Por ter ajudando o alferes Tira<strong>de</strong>ntes ele quase<br />

acabou preso, mas se livrou por ser amigo do vice-rei Luiz <strong>de</strong><br />

Vasconcelos que permitiu que ele escapasse para Portugal on<strong>de</strong> acabou<br />

não sendo muito incomodado.<br />

Pra<strong>dos</strong> também fica nas proximida<strong>de</strong>s da serra <strong>de</strong> São José, do<br />

lado oposto <strong>de</strong> Tira<strong>de</strong>ntes. Conserva um centro histórico com alguns<br />

casarões bem preserva<strong>dos</strong> e é patente o esforço da comunida<strong>de</strong> para<br />

recuperar outros tantos, visivelmente ameaça<strong>dos</strong>. É famosa pela sua<br />

vocação musical e preza muito suas bandas <strong>de</strong> música, cuja sobrevida<br />

centenária também agrega os esforços do povo local.<br />

Aqui perto ficava a Fazenda da Ponta do Morro, pertencente ao<br />

inconfi<strong>de</strong>nte Francisco Antônio <strong>de</strong> Oliveira Lopes. Julgado e<br />

con<strong>de</strong>nado pelo crime lesa majesta<strong>de</strong>, ele acabou exilado em Angola,<br />

on<strong>de</strong> morreu em 1800.<br />

Também ficava por aqui a fazenda do padre Toledo. Dizem que<br />

ele chegou a ter, na dita fazenda, um batalhão <strong>de</strong> cem cavaleiros<br />

prontos para <strong>de</strong>scer sobre Vila Rica e dar início ao levante <strong>dos</strong><br />

inconfi<strong>de</strong>ntes. Mas foi preso antes que tivesse a chance. Ficou<br />

encerrado uns dias na ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> São João <strong>de</strong>l Rei e <strong>de</strong>pois seguiu preso<br />

para o Rio <strong>de</strong> Janeiro em companhia <strong>de</strong> Alvarenga Peixoto.<br />

189 Cunha Menezes escreveu minuciosa carta ao ministro Martinho <strong>de</strong> Melo e Castro,<br />

narrando o fato e atestando que o esqueleto já era o terceiro encontrado. Ou seja, ali<br />

bem po<strong>de</strong> ter sido um antigo Parque <strong>dos</strong> Dinossauros.<br />

281


É fácil acessar Pra<strong>dos</strong> e para fazê-lo basta você percorrer <strong>de</strong>z<br />

quilômetros <strong>de</strong> estrada pavimentada, à partir da rodovia que liga<br />

Congonhas a São João <strong>de</strong>l Rei. Foi o que fizemos mas, da primeira vez,<br />

encontramos a matriz <strong>de</strong> N. S. da Conceição fechada, embora<br />

estivéssemos <strong>de</strong>ntro do horário <strong>de</strong> visitação. Na verda<strong>de</strong>, como já dito,<br />

esse risco é constante e Pra<strong>dos</strong> não é propriamente uma cida<strong>de</strong> que<br />

atrai levas <strong>de</strong> turista. Assim, poucas pessoas visitam suas <strong>igrejas</strong>.<br />

A igreja do Rosário <strong>dos</strong> Pretos, ao contrário, foi possível visitar<br />

da primeira vez mas apelando para os vizinhos que, como igualmente<br />

dito, normalmente guardam as velhas chaves das velhas <strong>igrejas</strong> e não se<br />

incomodam em mostrá-las a você. Da segunda vez, também, quase não<br />

conseguimos encontrar a matriz aberta, mas fomos salvos por um<br />

batizado coletivo que retardou o fechamento do templo, após a missa<br />

matinal do domingo. Enquanto eu fazia anotações, minha mulher ficou<br />

prestando atenção na pregação do padre que, no geral, intentava<br />

remeter as mulheres <strong>de</strong> Pra<strong>dos</strong> à uma condição submissa e inferior,<br />

característica do papel que a Igreja Católica as atribuía no próprio<br />

século XVIII. Achou-o tão anacrônico que preferiu visitar as<br />

intimida<strong>de</strong>s da igreja, enquanto me esperava. Depois, acabamos<br />

procurando enten<strong>de</strong>r melhor o significado do conteúdo da mensagem<br />

do padre: quem sabe era quilo mesmo que os fiéis tinham que ouvir<br />

naquele instante. Afinal, o pastor <strong>de</strong>via conhecer seu rebanho melhor<br />

do que nós. No mais é bom que as <strong>igrejas</strong> continuem cumprido seus<br />

ritos pois, quando isso não mais acontecer, seguramente a <strong>de</strong>cadência<br />

<strong>dos</strong> nosso velhos templos vai se acentuar rapidamente.<br />

Contabilizamos quatro templos em Pra<strong>dos</strong>: matriz <strong>de</strong> N. S. da<br />

Conceição, a igreja do Rosário, a N. S. da Penha do distrito <strong>de</strong><br />

Bichinho e a igreja do distrito <strong>de</strong> Livramento. Somente a igreja do<br />

Bichinho é tombada.<br />

Matriz <strong>de</strong> N. S. da Conceição<br />

A matriz <strong>de</strong> Pra<strong>dos</strong> é imponente, embora sua frente vá dar<br />

numa viela mo<strong>de</strong>sta e íngreme em que só é possível transitar à pé. Na<br />

verda<strong>de</strong>, os urbanistas do século XVIII não estavam mesmo<br />

preocupa<strong>dos</strong> com isso e o que vale é a autenticida<strong>de</strong> do conjunto<br />

urbanístico, arquitetônico e histórico. Aliás até rezo para que ninguém<br />

pense em mudar essa situação para estimular o turismo, abrindo espaço<br />

para que os enormes ônibus mo<strong>de</strong>rnos possam se aproximar mais em<br />

282


nome da comodida<strong>de</strong> <strong>dos</strong> turistas. Seu adro porém é espaçoso e abriga<br />

um casarão, também imponente. A fachada é estruturada em cantaria<br />

com pilastras e cunhais <strong>de</strong>marcando a base das torres. O espaço do<br />

frontispício equivale, aproximadamente, ao dobro do espaço da base<br />

das duas torres, o que cria a impressão <strong>de</strong> serem elas excessivamente<br />

<strong>de</strong>lgadas. A porta está guarnecida por largos portais <strong>de</strong> pedra<br />

trabalhada. A verga é complexa, alta e recortada em motivos<br />

conchoi<strong>de</strong>s. Acima <strong>de</strong>la está cavado um nicho também com moldura<br />

larga e que encosta na cimalha. O conjunto forma uma portada<br />

monumental, extremamente robusta, oposta <strong>às</strong> <strong>de</strong>licadas portadas <strong>de</strong><br />

pedra sabão mas igualmente interessante. No alinhamento da verga<br />

estão quatro sacadas, com molduras <strong>de</strong> pedra e guarda-corpo <strong>de</strong> ferro.<br />

O frontão é baixo e excessivamente diminuto para o conjunto. Tem o<br />

topo arredondado on<strong>de</strong> está apoiada uma pequena cruz, sob um<br />

pe<strong>de</strong>stal simplificado. No tímpano aparece um relógio marcando<br />

surpreen<strong>de</strong>ntemente, uma hora aceitavelmente certa. As torres são<br />

quadradas e seus cantos são o exato prolongamento das pilastras e<br />

cunhais <strong>de</strong> pedra que brotam da sua base e morrem em pequenos<br />

coruchéus. A cúpula é em forma <strong>de</strong> pirâmi<strong>de</strong>, arrematada em finos<br />

pináculos.<br />

O retábulo do altar mor é composto <strong>de</strong> pilastras em quartela e<br />

no coroamento não há propriamente <strong>dos</strong>sel e sim um medalhão puxado<br />

para as laterais, lembrando, levemente, o efeito do cortinado do <strong>dos</strong>sel.<br />

No trono está o Cristo crucificado com N. S. da Conceição lhe fazendo<br />

companhia, num plano inferior. Envolvendo o arco do trono há formas<br />

conchoi<strong>de</strong>s douradas e nos la<strong>dos</strong> há nichos com baldaquinos, abrigando<br />

imagens <strong>de</strong> roca. O forro da nave é facetado, em forma <strong>de</strong> barrete e se<br />

fecha no centro sobre um arremate dourado <strong>de</strong> on<strong>de</strong> pen<strong>de</strong> a<br />

sustentação <strong>de</strong> um can<strong>de</strong>labro. Há adornos rococós mais carrega<strong>dos</strong>,<br />

nas laterais. Nas pare<strong>de</strong>s da capela mor também po<strong>de</strong>m ser vistas<br />

pilastras em quartela, semelhantes <strong>às</strong> do retábulo. Dois óculos perfuram<br />

as pare<strong>de</strong>s da capela mor, convivendo com pinturas.<br />

O arco cruzeiro é simples, adornado com frisos doura<strong>dos</strong> e<br />

ostentando um complexo medalhão no coroamento. Os altares do<br />

transepto apresentam pilastras em quartela e espaldar alto. Sobre o<br />

conjunto aparecem sanefas que aproveitam o triângulo do encontro do<br />

transepto com as pare<strong>de</strong>s da capela mor, formando umas espécies <strong>de</strong><br />

baldaquinos originais. Deles avançam dois braços com cabeças <strong>de</strong> águia<br />

para sustentação <strong>de</strong> can<strong>de</strong>labros. Sua policromia é incomum,<br />

contrastando frisos doura<strong>dos</strong> com um suave fundo limão. Há mais<br />

283


quatro altares nas laterais da nave. Os dois mais próximos ao transepto<br />

são <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s proporções e ten<strong>de</strong>m ao <strong>dos</strong>sel, apelando ainda para<br />

duas pilastras em quartela e sanefas. Os outros dois não têm <strong>dos</strong>sel e<br />

sim um medalhão selando o coroamento do retábulo. To<strong>dos</strong> mantêm,<br />

basicamente, a mesma policromia, alternando frisos doura<strong>dos</strong> com um<br />

fundo suave em limão ou azul. Não há nichos nos altares laterais, o que<br />

é uma rarida<strong>de</strong>.<br />

O bispo <strong>de</strong> Mariana, no relatório <strong>de</strong> sua visita em 1824,<br />

registrou que os retábulos eram novos e, <strong>de</strong> fato, eles <strong>de</strong>vem ter sido<br />

concluí<strong>dos</strong> já no princípio <strong>de</strong> século XIX.<br />

Os púlpitos são simples, <strong>de</strong> formato quadrado com cobertura<br />

<strong>de</strong> baldaquinos. O teto da nave é levemente abaulado, com profusão <strong>de</strong><br />

pinturas <strong>de</strong> cenas representando o Cristo e santos e com a N. S. da<br />

Conceição no centro, sobre um fundo azul anil, excessivamente<br />

celestial. Adornos rococó emolduram a profusão <strong>de</strong> cenas. É uma<br />

pintura <strong>de</strong> 1912 ao estilo das ilustrações das folhinhas marianas, como<br />

vemos no teto da nave do Carmo <strong>de</strong> Outro Preto.<br />

O coro é em perfil <strong>de</strong> besta ou seja, arredondado no centro e<br />

nas laterais e se apoia em frágeis pilastras <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira natural. Há<br />

pinturas no forro do vestíbulo e o batistério apresenta uma robusta pia<br />

<strong>de</strong> pedra e uma imagem <strong>de</strong> são João Batista. A Capela do Santíssimo e a<br />

sacristia, obe<strong>de</strong>cendo à repartição tradicional, guarnecem as laterais da<br />

capela mor.<br />

Não tenho referências cronológicas do templo mas penso po<strong>de</strong>r<br />

situá-lo com certa segurança, no terceiro quarto do século XVIII.<br />

Igreja do Rosário – 1770<br />

Fica no lado oposto do vale on<strong>de</strong> está assentado o pequeno<br />

centro histórico <strong>de</strong> Pra<strong>dos</strong>, no final <strong>de</strong> uma la<strong>de</strong>ira on<strong>de</strong> casarões<br />

antigos se escoram mutuamente, como em Ouro Preto.<br />

Um adro cercado <strong>de</strong> balaústres convencionais <strong>de</strong> alvenaria, guarnece<br />

sua entrada. A fachada é composta do frontispício mais a base <strong>de</strong> uma<br />

torre única. Os cunhais são largos e o conjunto da torre se situa num<br />

plano mais recuado. A porta é emoldurada por um portal <strong>de</strong> pedra, com<br />

uma verga suave encimada por um adorno <strong>de</strong> alvenaria, seguindo o seu<br />

contorno. Há duas sacadas com guarda-corpo <strong>de</strong> ferro e mais uma<br />

terceira no corpo da torre, no mesmo alinhamento das <strong>de</strong>mais. Entre as<br />

sacadas do frontispício há um nicho <strong>de</strong> alvenaria com a imagem da<br />

Nossa Senhora. O frontão é estreito e praticamente reto, está protegido<br />

284


por um beiral <strong>de</strong> telhas, tem dois arremates <strong>de</strong> coruchéus nas laterais e<br />

uma base alargada na cumeeira, sustentando pequena cruz. A torre<br />

única é quadrada e sua cúpula é uma pirâmi<strong>de</strong> <strong>de</strong> quatro estágios, sendo<br />

o último uma espécie <strong>de</strong> pináculo obeso. Há notícias <strong>de</strong> que ela não faz<br />

parte da construção original, tendo sido acrescida em 1950.<br />

O interior da igreja do Rosário <strong>de</strong> Pra<strong>dos</strong> é simples mas<br />

<strong>de</strong>cente, como diria o bom bispo dom frei José, que por aqui também<br />

passou em sua peregrinação pastoral. O altar mor é a parte mais singela<br />

do conjunto interno. É pintado e não há propriamente um retábulo. Há<br />

uma pintura <strong>de</strong> N. S. do Rosário e o Cristo, no teto, emoldurada por<br />

um parapeito, em perspectiva arquitetônica. Nas pare<strong>de</strong>s estão dois<br />

óculos redon<strong>dos</strong> com molduras em conchas. O arco cruzeiro é <strong>de</strong><br />

ma<strong>de</strong>ira pintada. Na nave há apenas um altar que está encostado no<br />

transepto, do lado do púlpito do evangelho. Tem espaldar alto, coroado<br />

por sanefas com pingentes e quatro colunas em quartelão. É o <strong>de</strong> N. S.<br />

das Mercês, mencionado pelo bispo <strong>de</strong> Mariana no seu registro <strong>de</strong><br />

1824. O trono é simples e a imagem é <strong>de</strong> pequenas dimensões. No<br />

centro do forro da nave aparece uma pequena visão <strong>de</strong> Nossa Senhora,<br />

enquadrada numa moldura retangular e sendo reverenciada por dois<br />

santos religiosos, vesti<strong>dos</strong> com seus hábitos escuros. Nas laterais do<br />

forro há pinturas <strong>de</strong> parapeitos em perspectiva arquitetônica. O coro é<br />

reto e o quarda-corpo é <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira recortada, sem maior capricho.<br />

Fecha o conjunto da nave um singelo púlpito <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira pintada.<br />

BARBACENA<br />

A cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Barbacena é chamada com justa razão <strong>de</strong> Princesa<br />

<strong>dos</strong> Campos; seus ares são mais do que excelentes, respira-se<br />

ali uma atmosfera puríssima e inteiramente livra <strong>de</strong> miasmas.<br />

Todo o pessoal da cida<strong>de</strong> e município é ótimo e assaz hospitaleiro,<br />

caprichosos e obsequiador; e ali se encontram importantes<br />

capitalistas e homens <strong>de</strong> letras.<br />

Localizada próximo a Tira<strong>de</strong>ntes, Barbacena é a cida<strong>de</strong> do<br />

viscon<strong>de</strong> que <strong>de</strong>vassou o dito alferes e seus companheiros <strong>de</strong><br />

infortúnio. É a antiga Igreja Nova que Tomás Antônio Gonzaga usou<br />

como referência para ensinar o caminho da casa <strong>de</strong> Marília <strong>de</strong> Dirceu a<br />

um canoro passarinho, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o Rio <strong>de</strong> Janeiro. Gonzaga teve o cuidado<br />

<strong>de</strong> explicar ao seu mensageiro que pegasse a estrada da direita que ainda<br />

hoje está nessa mesma posição ligando o Rio a Ouro Preto. Seu zelo se<br />

285


explica: se o passarinho se distraísse e pegasse a estrada à esquerda da<br />

Igreja Nova iria acabar dando em São João <strong>de</strong>l Rei e passando o recado<br />

a Bárbara Eliodora, musa <strong>de</strong> seu colega Alvarenga Peixoto, que po<strong>de</strong>ria<br />

não gostar.<br />

A origem da cida<strong>de</strong> foi, <strong>de</strong> fato, uma capela surgida perto da<br />

Borda do Campo, no meio do nada mas que gerou um povoado graças,<br />

também, à posição estratégica do lugar: no caminho novo construído<br />

pelo filho <strong>de</strong> Fernão Dias para facilitar a ligação das minas com o Rio<br />

<strong>de</strong> Janeiro. Logo ganhou a condição <strong>de</strong> freguesia com a primitiva capela<br />

<strong>de</strong> N. S. da Pieda<strong>de</strong> sendo promovida a matriz. A “Igreja Nova” é<br />

exatamente aquela que foi erigida a partir <strong>de</strong> 1726 para substituir a<br />

humil<strong>de</strong> e inusitada capela-matriz. O Projeto do templo foi do nosso<br />

conhecido José Fernan<strong>de</strong>s Pinto Alpoin, autor <strong>de</strong> várias obras no Rio<br />

<strong>de</strong> Janeiro e em Vila Rica e que traçou o projeto também do arraial, tal<br />

qual fizera com Mariana mais ou menos na mesma época. 190 O<br />

pelourinho ou seja, o marco da elevação do arraial à condição <strong>de</strong> vila,<br />

foi construído pelo viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Barbacena em 1791, com os<br />

inconfi<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong>vidamente encarcera<strong>dos</strong> já à espera da sentença <strong>de</strong> d.<br />

Maria I, meses antes <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>clarada inquestionavelmente pirada. Ele<br />

não resistiu a emprestar seu nome à vila, se auto-homenageando,<br />

mesmo porque já tinha resistindo a tal tentação no ano anterior, quando<br />

criou a Real Vila <strong>de</strong> Queluz, nossa atual Conselheiro Lafaiete, aqui<br />

perto. Com medo <strong>de</strong> que a rainha <strong>de</strong>saprovasse a auto-homenagem, o<br />

viscon<strong>de</strong> governador teve o cuidado <strong>de</strong> fazer constar no auto <strong>de</strong> criação<br />

da vila que o nome tinha sido proposto pela própria população que<br />

achava que o nome original – Igreja Nova do Campoli<strong>de</strong> – era muito<br />

comprido. 191<br />

190 Portanto Mariana e Barbacena, prece<strong>de</strong>ram Belo Horizonte, como núcleos<br />

urbanos planeja<strong>dos</strong>, em uma centena e meia <strong>de</strong> anos.<br />

191 Não <strong>de</strong> <strong>de</strong>ve confundir a Borda do Campoli<strong>de</strong> com a Fazenda da Borda do<br />

Campo. Esta vinha a ser uma fazenda on<strong>de</strong> se estabeleceu o cel. Domingos Rodrigues<br />

da Fonseca Leme, um <strong>dos</strong> construtores do caminho novo. Quando terminou a<br />

empreitada viveu uns tempos por ali, <strong>de</strong>pois ven<strong>de</strong>u a fazenda e voltou para São<br />

Paulo. Sabemos que por volta <strong>de</strong> 1788 a fazenda pertencia ao inconfi<strong>de</strong>nte José Aires<br />

Gomes.<br />

286


Nas cercanias <strong>de</strong> Barbacena ficava uma das fazendas do<br />

conhecido vilão Joaquim Silvério <strong>dos</strong> Reis. O <strong>de</strong>letério <strong>de</strong>lator <strong>dos</strong><br />

inconfi<strong>de</strong>ntes a comprou do seu colega Francisco Antônio <strong>de</strong> Oliveira<br />

Lopes e não pagou. O mais interessante <strong>de</strong>ssa história é que, com a<br />

elevação da Igreja Nova a vila <strong>de</strong> Barbacena, o lugar começou a crescer<br />

e o povo foi invadindo as supostas terras <strong>de</strong> Silvério <strong>dos</strong> Reis. Ele não<br />

vacilou em pedir in<strong>de</strong>nização ao viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Barbacena pelas mesmas<br />

terras que tinha comprado e não tinha pago. Ora, se ele não tinha pago<br />

elas continuavam a pertencer ao antigo dono e portanto po<strong>de</strong>riam ser<br />

seqüestradas, exatamente como foi feito com os outros bens do pobre<br />

inconfi<strong>de</strong>nte. Ao requerer in<strong>de</strong>nização Joaquim Silvério <strong>dos</strong> Reis estava<br />

pedindo à Coroa que pagasse pelo que já era <strong>de</strong>la. Assim era ele, tinha<br />

os requisitos básicos <strong>de</strong> um bom <strong>de</strong>lator: oportunista e mau-caráter.<br />

Não conheço o final da história, mas é provável que a in<strong>de</strong>nização<br />

tenha sido paga pois Sua Majesta<strong>de</strong> tinha ficado muito encantada com<br />

os serviços que o fiel vassalo lhe tinha prestado, <strong>de</strong>nunciando a<br />

inconfidência.<br />

Barbacena tem a ver com a Borda do Campoli<strong>de</strong> que resulta ser<br />

o famoso lugar do final do Caminho Novo on<strong>de</strong> o pessoal costumava<br />

pernoitar nas viagens entre Vila Rica e São João <strong>de</strong>l Rei ou o Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro. Há controvérsias sobre o local exato on<strong>de</strong> ficava a passagem da<br />

Borda do Campoli<strong>de</strong>. Há quem diga que é o atual distrito <strong>de</strong> Correia <strong>de</strong><br />

Almeida no município <strong>de</strong> Barbacena e há quem jure que o tal lugar fica<br />

no município atual <strong>de</strong> Antônio Carlos. Era ali que terminava a mata<br />

serrada e começavam os campos que caracterizavam a região e iam até a<br />

serra do Caraça on<strong>de</strong> então os campos davam lugar ao “Mato Dentro”<br />

que, por sua vez, ia até as proximida<strong>de</strong>s do Serro. Claro que essa<br />

cobertura vegetal não era uniforme e havia muito mata entremeada nos<br />

campos, formando os capões, as capoeiras e até algumas florestas.<br />

Tanto que, na virada do século XVII, a jornada do vale do Ouro Preto<br />

até o vale do Ribeirão do Carmo levava cerca <strong>de</strong> três dias, tal a<br />

quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mata que tinha que ser <strong>de</strong>itada à facão para passagem <strong>dos</strong><br />

viajantes.<br />

Foi em Barbacena que teve início a frustrada Revolução Liberal<br />

<strong>de</strong> 1842, quando os irmãos Otoni e o barão <strong>de</strong> Cocais se rebelaram<br />

contra o gabinete conservador <strong>de</strong> d. Pedro II e tocaram fogo na<br />

província <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> Gerais. A coisa esquentou mas acabou <strong>de</strong>belada<br />

poucos meses <strong>de</strong>pois na famosa Batalha <strong>de</strong> Santa Luzia. O objetivo <strong>de</strong><br />

287


tanta rebelião era relativamente singelo: queriam apenas livrar o<br />

imperador da má influência <strong>dos</strong> conservadores. A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> república<br />

então já estava fria e só iria se reaquecer mais <strong>de</strong> quarenta anos <strong>de</strong>pois.<br />

Richard Burton visitou Barbacena em 1867 e contou que a<br />

cida<strong>de</strong> tinha três mil e seiscentos habitantes, acentuando que a<br />

população estava estável há mais <strong>de</strong> cinqüenta anos . Notou que não<br />

havia calçamento nas ruas mas apenas passeios no centro da cida<strong>de</strong>.<br />

Esteve na rua do Rosário, a principal da cida<strong>de</strong> e explicou que seu<br />

nome se <strong>de</strong>via à capela nela situada. A capela ainda está lá mas a rua não<br />

é mais propriamente a principal, apesar <strong>de</strong> nela se situar um <strong>dos</strong><br />

Shoping Centers <strong>de</strong> Barbacena. Contou que quase todas as casas<br />

estavam para alugar. Visitou a matriz <strong>de</strong> N. S. da Pieda<strong>de</strong> e fez<br />

minuciosa <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong>la. Esteve também na igreja <strong>de</strong> N. S. da Boa<br />

<strong>Viagem</strong>. No cemitério, presenciou um funeral <strong>de</strong> um pobre escravo em<br />

que os coveiros, enquanto sepultavam o morto, conversavam na maior<br />

<strong>de</strong>scontração. Comentou que o campo <strong>dos</strong> mortos estava crescendo<br />

rapidamente, por conta das mortes freqüentes provocadas pela<br />

pneumonia e o catarro. Visitou também o Hospital da Misericórdia<br />

on<strong>de</strong>, como era seu hábito, não pô<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> criticar uma inscrição<br />

latina, achando-a um tanto esquisita. Observou curiosamente que a taxa<br />

<strong>de</strong> assistência hospitalar cobrada aos escravos era a meta<strong>de</strong> da taxa<br />

normal.<br />

Saint-Hilaire teve que atravessar, durante <strong>de</strong>z dias, uma<br />

interminável floresta para chegar a Barbacena e ficou bem<br />

impressionado com o que viu pois atrás daquela enorme mata só<br />

esperava encontrar um amontoado <strong>de</strong> choupanas. Contrariando a<br />

observação <strong>de</strong>mográfica <strong>de</strong> Burton, <strong>de</strong>u à vila uma população <strong>de</strong> dois<br />

mil habitantes o que, comparado aos três mil e seiscentos que o capitão<br />

inglês encontrou na sua passagem, cinqüenta anos <strong>de</strong>pois, daria ao<br />

núcleo um notável crescimento no período. Porém, convém não<br />

confiar muito nos da<strong>dos</strong> <strong>de</strong>mográficos <strong>dos</strong> nossos simpáticos viajantes<br />

do século XIX. Assim como Burton, notou que a vila tinha a forma <strong>de</strong><br />

um T mas, ainda contrariando o cônsul inglês, informou que uma das<br />

288


uas era calçada. 192 Contou quatro <strong>igrejas</strong>, uma das quais inacabada e<br />

não viu nelas nada <strong>de</strong> notável. Descreveu a posição da matriz <strong>de</strong> N. S.<br />

da Pieda<strong>de</strong> no meio da praça da confluência das duas ruas principais,<br />

tendo o pelourinho em frente. Depois <strong>de</strong> fazer uma <strong>de</strong>talhada <strong>de</strong>scrição<br />

do plano arquitetônico das <strong>igrejas</strong> mineiras e compará-las com as<br />

francesas, o sábio contou das lojas sortidas e das boas hospedarias da<br />

vila e arrematou que ela era célebre entre os tropeiros pela qualida<strong>de</strong><br />

das prostitutas mulatas que eram oferecidas livremente nos albergues.<br />

Criticou, com veemência, como faria várias vezes, a tal dança do<br />

batuque. Por fim, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> alguns dias em Barbacena, Saint-Hilaire<br />

recebeu um convite para assistir a um espetáculo teatral, representado<br />

por uma trupe mambembe. Quando percebeu que teria que fazer uma<br />

doação aos atores; sovina como era, <strong>de</strong>sconversou e escapou em<br />

direção a Queluz.<br />

Em mea<strong>dos</strong> do século XX Barbacena era i<strong>de</strong>ntificada como<br />

cida<strong>de</strong> <strong>dos</strong> loucos, <strong>de</strong>vido aos seus manicômios. Atualmente, a<br />

agradável cida<strong>de</strong> preserva a memória daqueles tempos, mantendo um<br />

Museu da Loucura mas, mais do que isso, hoje é a simpática cida<strong>de</strong> das<br />

rosas e <strong>dos</strong> ca<strong>de</strong>tes da aeronáutica.<br />

Cadastramos três <strong>igrejas</strong> em Barbacena: a matriz <strong>de</strong> N. S. da<br />

Pieda<strong>de</strong>, as <strong>igrejas</strong> do Rosário e N. S. da Boa Morte/Assunção. A igreja<br />

da Boa Morte e a matriz foram tombadas pelo IPHAN em 1988.<br />

Matriz <strong>de</strong> N. S. da Pieda<strong>de</strong> – 1743<br />

A matriz <strong>de</strong> Barbacena, a Igreja Nova, está <strong>de</strong>fronte a praça <strong>dos</strong><br />

Andradas, bem no centro da cida<strong>de</strong>. O interior da matriz é<br />

relativamente pobre, com altares <strong>de</strong> talha simplificada, provavelmente<br />

do final do século XVIII, do tempo em que o viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Barbacena<br />

elevou o antigo arraial à condição <strong>de</strong> vila, fincando o pelourinho<br />

exatamente na frente da matriz.<br />

O altar mor é um tipo <strong>de</strong> oratório, sem adornos no coroamento<br />

do arco do camarim. Chama a atenção pelas suas gran<strong>de</strong>s dimensões,<br />

192 Não está afastada a hipótese <strong>de</strong> que o calçamento tivesse se <strong>de</strong>teriorado no meio<br />

século que separou as passagens <strong>dos</strong> dois viajantes. Enfim, gran<strong>de</strong> foi a <strong>de</strong>cadência ao<br />

longo daquele século.<br />

289


obrigado que foi, a cobrir uma enorme pare<strong>de</strong>, conseqüência do<br />

tamanho da capela mor e seu alto pé direito. Penso que essa capela é a<br />

maior <strong>de</strong> todas as <strong>igrejas</strong> setecentistas mineiras. 193 Tanto que, na<br />

plataforma do presbitério, há espaço suficiente para a colocação <strong>de</strong> filas<br />

<strong>de</strong> ca<strong>de</strong>iras dispostas perpendicularmente ao altar. As bordas do arco<br />

do camarim exibem discretos rendilha<strong>dos</strong>. Não há propriamente<br />

colunas mas apenas umas discretas quartelas, esculpidas em baixo<br />

relevo, la<strong>de</strong>ando nichos em forma <strong>de</strong> cápsulas. O fundo é branco com<br />

frisos em tintura dourada. Não conseguimos vislumbrar o trono pois<br />

era época da quaresma e os camarins estavam cobertos. Esta prática<br />

está meio fora <strong>de</strong> moda, mas observamos que muitas das nossas <strong>igrejas</strong><br />

<strong>antigas</strong> ainda a conservam o que é bom para manter o espírito <strong>de</strong><br />

valorização da tradição, fator saudável para preservação do nosso<br />

patrimônio histórico.<br />

Os altares colaterais apresentam colunas em quartela com um<br />

espaldar alto, arrematado por uma concha simplificada. Há mais dois<br />

altares nas laterais da nave, em mesmo estilo <strong>dos</strong> do transepto, porém<br />

com as colunas externas retas <strong>de</strong> fuste estriado. To<strong>dos</strong> os altares são em<br />

fundo branco com tintura dourada.<br />

No alto da nave se abrem óculos retangulares, com moldura <strong>de</strong><br />

pedra e as extremida<strong>de</strong>s superiores e inferiores em forma arredondada.<br />

Os óculos da nave são em formato cruciforme. Os tetos são em<br />

assoalho facetado, pintado <strong>de</strong> branco. Há quadros espalha<strong>dos</strong> pela<br />

nave, provavelmente <strong>dos</strong> séculos XIX ou XX. O arco cruzeiro é muito<br />

singelo, <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira e apresenta uma ilustração recente com figuras <strong>de</strong><br />

anjos, acima do coroamento. Segundo Burton, quando da sua visita em<br />

1867, havia um can<strong>de</strong>labro <strong>de</strong> prata maciça pen<strong>de</strong>ndo no arco cruzeiro.<br />

A cornija é toda branca, muito discreta.<br />

Os púlpitos são relativamente originais, inteiramente retos,<br />

inclusive a base, em formato <strong>de</strong> cálice.<br />

O coro também é reto, sustentado em três arcos apoia<strong>dos</strong> em<br />

pilastras <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira <strong>de</strong>lgadas e retilíneas e está guarnecido por uma<br />

balaustrada <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira torneada escura.<br />

Notamos também aqui e nas <strong>de</strong>mais <strong>igrejas</strong> <strong>de</strong> Barbacena a falta<br />

<strong>de</strong> balaustradas compartimentando a nave, característica que<br />

193<br />

Sem consi<strong>de</strong>rar a capela da igreja <strong>de</strong> São João Batista <strong>de</strong> Barão <strong>de</strong> Cocais que<br />

também é muito gran<strong>de</strong>, porém, pelas suas características <strong>de</strong> absi<strong>de</strong>, não é comprimida<br />

pelo transepto.<br />

290


observamos em algumas <strong>igrejas</strong> da região vizinha, como já mencionado.<br />

O atual piso é <strong>de</strong> azulejo hidráulico e substituiu o antigo assoalho<br />

recortado <strong>de</strong> túmulos que quando da visita <strong>de</strong> Burton, ainda estava<br />

preservado, conforme registrou o cônsul inglês em seu livro. Saint-<br />

Hilaire, quando <strong>de</strong>screve as características básicas das <strong>igrejas</strong> mineiras a<br />

partir do que notou nas <strong>igrejas</strong> <strong>de</strong> Barbacena, cita as balaustradas e o<br />

piso <strong>de</strong> assoalho como típicas do mo<strong>de</strong>lo. Foi nessa operação <strong>de</strong> troca<br />

do piso que se per<strong>de</strong>ram os restos mortais do último <strong>dos</strong> inconfi<strong>de</strong>ntes,<br />

o padre Manoel Rodrigues da Costa. Depois <strong>de</strong> cumprir pena em<br />

Portugal ele voltou ao Brasil e por aqui morreu aos noventa anos <strong>de</strong><br />

ida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> brilhante carreira política no império. Foi sepultado na<br />

Capela do Santíssimo <strong>de</strong>sta igreja e aqui permaneceu em paz até a<br />

<strong>de</strong>sastrada remoção do assoalho que resultou no extravio <strong>de</strong> seus restos<br />

mortais.<br />

O templo é todo espaçoso, inclusive suas <strong>de</strong>pendências laterais<br />

on<strong>de</strong> há uma sucessão <strong>de</strong> cômo<strong>dos</strong> contínuos com a sacristia e várias<br />

capelas interligadas.<br />

A fachada é típica das matrizes da mesma época, sólida e<br />

imponente. O frontispício é quadrado e emoldurado por pilastras retas<br />

<strong>de</strong> cantaria. No centro está uma portada também <strong>de</strong> pedra, com portais<br />

múltiplos e uma verga reta que serve <strong>de</strong> base para um adorno<br />

complexo, com um pequeno nicho no centro e uma cruz mais acima.<br />

Ao lado estão duas sacadas, com molduras trabalhadas e vidraças em<br />

guilhotina. Mais duas sacadas idênticas se abrem no meio da base das<br />

torres, no mesmo alinhamento. A cimalha é discreta e apenas cumpre<br />

sua função básica <strong>de</strong> dividir a fachada no plano horizontal, em duas<br />

peças. O frontão é recortado em curvas, com molduras <strong>de</strong> pedra e<br />

volutas mais entusiasmadas na parte inferior das laterais. No tímpano<br />

está um óculo cruciforme, envidraçado e também emoldurado. O<br />

acrotério sustenta pequena cruz. As torres são quadradas e largas e suas<br />

bases são <strong>de</strong>limitadas por pilastras e cunhais retos <strong>de</strong> cantaria. Têm a<br />

exata largura da meta<strong>de</strong> da largura do frontispício. Estão <strong>de</strong>limitadas<br />

por colunas <strong>de</strong> pedra que representam a continuação das pilastras e<br />

cunhais e que se fecham em coruchéus. As cúpulas são facetadas, em<br />

forma <strong>de</strong> barrete e estão arrematas em pináculos.<br />

As aberturas sineiras também são emolduradas em cantaria. Os<br />

sinos ali pen<strong>de</strong>ntes não são apenas enfeites e pu<strong>de</strong>mos ouvir varia<strong>dos</strong> e<br />

criativos repica<strong>dos</strong>, convidando os fiéis para a missa do sábado à tar<strong>de</strong>.<br />

Rivaliza sem esforço com os belos repiques das igreja <strong>de</strong> Ouro Preto,<br />

nas manhãs <strong>de</strong> domingo. Infelizmente essa prática milenar está em<br />

291


extinção em nossas <strong>igrejas</strong> <strong>antigas</strong>. Visitei quase cem <strong>igrejas</strong> nessa minha<br />

viagem, a maioria em horário <strong>de</strong> missa. Não me lembro <strong>de</strong> ter ouvido o<br />

chamamento <strong>dos</strong> sinos em mais do que meia dúzia <strong>de</strong> templos, quase<br />

to<strong>dos</strong> em Ouro Preto.<br />

Igreja da Boa Morte/ N. S. da Assunção – 1790<br />

O nome oficial é igreja <strong>de</strong> N. S. na Assunção, mas o povo<br />

prefere continuar a chamá-la pelo antigo nome <strong>de</strong> igreja da Boa Morte.<br />

É um templo imponente que fica no alto <strong>de</strong> um outeiro,<br />

guarnecendo a entrada <strong>de</strong> um cemitério.<br />

O adro é amplo e protegido por um gra<strong>de</strong>ado <strong>de</strong> ferro. Sua<br />

autenticida<strong>de</strong> setecentista tem sido posta à prova. Certamente começou<br />

a ser construída no final do século XVIII. É fato que acima da porta <strong>de</strong><br />

entrada está a data <strong>de</strong> 1815, mas provavelmente indica a data <strong>de</strong><br />

conclusão <strong>de</strong> alguma obra externa. O IPHAN informa que a construção<br />

atual nada tem a ver com o século XVIII, mas eu não sou tão radical<br />

pois certas características <strong>de</strong> obras mais <strong>antigas</strong> estão claramente<br />

estampadas no templo como hoje o vemos.<br />

Sua fachada é interessante e, no geral, faz boa figura pois está<br />

plantada no topo <strong>de</strong> uma pequena colina que é toda ocupada pela igreja<br />

e seu adro, formando um quadro chamativo. Há, contudo, imperfeições<br />

arquitetônicas no frontispício. Reparando, com alguma acuida<strong>de</strong>,<br />

percebe-se que as duas peças divididas pela cimalha são<br />

<strong>de</strong>sproporcionais e relativamente <strong>de</strong>sarmônicas. O conjunto formado<br />

pelo frontispício e a base das torres é muito maior do que o conjunto<br />

formado pela parte superior da torres e o frontão. Além disso, a base<br />

que sustenta as torres é quadrada enquanto elas são inteiramente<br />

redondas. Isso não é propriamente uma rarida<strong>de</strong> mas aqui parece ter<br />

ocorrido um certo improviso.<br />

O frontão é quadrado e está <strong>de</strong>limitado por pilastras retas <strong>de</strong><br />

cantaria que se apoiam em bases mais alargadas. No centro está uma<br />

portada <strong>de</strong> pedra trabalhada, com portais múltiplos encima<strong>dos</strong> por uma<br />

verga em arco abatido. No prolongamento <strong>dos</strong> portais estão salientes<br />

fragmentos <strong>de</strong> arquitrave e, entre eles, está um adorno <strong>de</strong> mesmo estilo.<br />

Nas laterais se abrem janelões, num total <strong>de</strong> quatro, ocupando o<br />

frontispício e a base das torres, num mesmo alinhamento. São<br />

pareci<strong>dos</strong> com os da matriz <strong>de</strong> N. S. da Pieda<strong>de</strong>. São envidraça<strong>dos</strong>, com<br />

janelas em guilhotina e molduras <strong>de</strong> pedra. A base das torres, como<br />

dito, é quadrada e <strong>de</strong>limitada por cunhais retos <strong>de</strong> pedra e pelas pilastras<br />

292


que conformam o frontispício e que têm o mesmo formato. Abaixo <strong>dos</strong><br />

janelões das bases das torres se abrem óculos envidraça<strong>dos</strong> <strong>de</strong> formato<br />

irregular.<br />

A parte superior das torres, como já mencionamos também, é<br />

inteiramente redonda e muito <strong>de</strong>lgada para o conjunto. Suas cúpulas<br />

são afiladas e irregulares e terminam em pontu<strong>dos</strong> pináculos. Estão<br />

guarnecidas <strong>de</strong> pilastras arredondadas, arrematadas em minúsculos<br />

coruchéus. O frontão é robusto, recortado em curvas protegidas, com<br />

moldura <strong>de</strong> pedras e adornado com quatro coruchéus <strong>de</strong>lga<strong>dos</strong>. Uma<br />

cruz singela repousa na parte mais alta e um pequeno óculo redondo<br />

atravessa o tímpano.<br />

Seu interior lembra um pouco o da matriz, com talha<br />

simplificada <strong>de</strong> fundo branco, adornado com frisos <strong>de</strong> tintura dourada.<br />

Também, a exemplo da matriz, tem o pé direito muito alto, a capela<br />

mor muito espaçosa e o retábulo mor <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s dimensões. Este<br />

também não tem <strong>dos</strong>sel, nem baldaquino mas sim um espaldar que vai<br />

até o teto, adornado com um resplendor cheio <strong>de</strong> cabeças <strong>de</strong> anjos no<br />

centro. Está guarnecido <strong>de</strong> colunas clássicas <strong>de</strong> fuste reto estriado,<br />

coladas nas laterais do camarim e mais uma encostada à pare<strong>de</strong>. A<br />

capela mor é valorizada por imponentes tribunas com molduras <strong>de</strong><br />

pedra sabão e umas espécies <strong>de</strong> cimalhinhas no alto. O teto da capela<br />

mor e da nave são abobada<strong>dos</strong>, em assoalho branco e adorna<strong>dos</strong> com<br />

ilustrações <strong>de</strong> N.,S. da Assunção naquele estilo meio “folhinha<br />

Mariana”, muito apreciado no primeiro quarto do século XX.<br />

O arco cruzeiro é em pedra sabão, com filetes também em<br />

pedra, cruzando o arco, serpenteando sobre a pare<strong>de</strong> branca. Há dois<br />

pequenos altares encosta<strong>dos</strong> no transepto, guarneci<strong>dos</strong> <strong>de</strong> colunas<br />

clássicas e com uma espécie <strong>de</strong> marquise, cruzando o coroamento do<br />

camarim. São em branco e dourado como o altar mor. O IPHAN<br />

i<strong>de</strong>ntifica o estilo <strong>dos</strong> retábulos como neo-clássico e chama atenção<br />

para sua rarida<strong>de</strong>. Seguramente foram muito influencia<strong>dos</strong> pelos<br />

retábulos da matriz e da igreja do Rosário. Mo<strong>de</strong>stamente, prefiro vêlos<br />

como um rococó <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>nte, genuinamente barbacenense.<br />

A nave está ligada aos corredores por portas acima das quais se<br />

abrem tribunas. O conjunto é adornado por imponentes molduras e<br />

estruturas <strong>de</strong> pedra sabão. O coro é reto, apoiado em arcos sustenta<strong>dos</strong><br />

por colunas retas <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira.<br />

Também não pu<strong>de</strong>mos observar as imagens e os tronos pois<br />

estavam cobertos <strong>de</strong> panos como os altares da matriz, respeitando as<br />

boas <strong>antigas</strong> tradições da quaresma.<br />

293


Igreja do Rosário - 1774<br />

A igreja <strong>dos</strong> pretos <strong>de</strong> Barbacena está situada numa pequena<br />

praça que, na verda<strong>de</strong>, é um alargamento da antiga rua do Rosário que<br />

vai dar na praça da matriz. Sua fachada está muito <strong>de</strong>scaracterizada pela<br />

adição <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>sagradável torre mo<strong>de</strong>rna, cuja base forma uma<br />

espécie <strong>de</strong> alpendre a guarnecer a entrada do templo, com total<br />

improprieda<strong>de</strong> setecentista. Infelizmente não me foi possível fazer<br />

anotações sobre o interior da igreja pois tivemos a surpresa <strong>de</strong><br />

encontrá-la aberta no meio <strong>de</strong> um passeio noturno mas, para o qual<br />

saímos inadvertidamente, sem levar os apetrechos básicos para registros<br />

e anotações. Depois não conseguimos encontrar mais o templo aberto.<br />

Lembro-me, contudo, que seu interior era <strong>de</strong>spojado, com retábulos<br />

simplifica<strong>dos</strong> <strong>de</strong> talha branca e dourada, semelhantes aos das <strong>de</strong>mais<br />

<strong>igrejas</strong> daqui. O altar mor porém, apresentava uma espécie <strong>de</strong><br />

baldaquino reto a proteger o arco do camarim, lembrando um toldo.<br />

Havia ainda dois altares colaterais e o teto da capela mor e da nave se<br />

me lembro bem, era em assoalho facetado sem adornos.<br />

A fachada como dissemos, está muito <strong>de</strong>scaracterizada,<br />

salientando-se a torre à frente do frontispício, ocupando um espaço<br />

imerecido. Ela é quadrada, com cúpula <strong>de</strong> alvenaria em forma <strong>de</strong><br />

pirâmi<strong>de</strong> e um lamentável nicho abrigando Nossa Senhora que, coitada,<br />

não tem nada com isso e ocupa humil<strong>de</strong>mente o lugar que lhe foi<br />

reservado, com a melhor das intenções.<br />

Uma pare<strong>de</strong> em <strong>de</strong>graus preenche os espaço entre a torre e o<br />

alinhamento <strong>dos</strong> cunhais. Há ainda duas sacadas com balaustrada <strong>de</strong><br />

ferro <strong>de</strong> cada lado da torre, disputando espaço com a intrusa. Estes,<br />

mais os coruchéus na extremida<strong>de</strong> <strong>dos</strong> cunhais são os únicos traços<br />

externos remanescentes a honrar sua antiguida<strong>de</strong>, assim mesmo, cheios<br />

<strong>de</strong> toques mo<strong>de</strong>rnizantes.<br />

Não me conformo em adotar a igreja como ela hoje se<br />

apresenta e assim, espero que os irmãos do Rosário tomem a iniciativa<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>rrubar a tal torre. Nem estariam sujeitos aos conflitos que<br />

caracterizam as iniciativas <strong>dos</strong> seus semelhantes do Rosário <strong>de</strong> Cocais,<br />

dispostos a reformar sua igreja à revelia do IPHAN. A igreja <strong>de</strong><br />

Barbacena sequer é tombada.<br />

294


OLIVEIRA<br />

A cida<strong>de</strong> está edificada sobre o tabuleiro <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> campina, o que<br />

faz com que se aviste à distancia <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> uma légua; é um lugar lindo<br />

e aprazível por sua natureza.Tem uma boa matriz, a qual é <strong>de</strong> excelente<br />

construção e ali se vêem alguns trabalhos em belíssimo mármore extraído<br />

<strong>de</strong> uma pedreira perto do Ribeirão <strong>dos</strong> Fradique.Tem muitas casas que são<br />

verda<strong>de</strong>iros palacetes, on<strong>de</strong> se encontram moveis e adornos <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> e<br />

apurado luxo e bom gosto; tem mais <strong>de</strong> vinte gran<strong>de</strong>s sobra<strong>dos</strong> <strong>de</strong> bela<br />

perspectiva, tudo <strong>de</strong> cantaria.<br />

Oliveira está edificada próximo ao leito da rodovia Fernão<br />

Dias, ou seja, po<strong>de</strong> ser acessada através <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna estrada<br />

interestadual, com todas as comodida<strong>de</strong>s.<br />

Praticamente a única herança do século XVIII preservada é a sua<br />

matriz. Em torno <strong>de</strong>la existem alguns casarões da passagem do século<br />

XIX para o século XX que ainda conseguem dar ao conjunto da praça<br />

da matriz um aspecto mais vetusto, posto que um tanto distante da<br />

nobre origem setecentista da igreja.<br />

A cida<strong>de</strong> não tem um apelo turístico <strong>de</strong>finido e por isso dispõe<br />

<strong>de</strong> poucas opções <strong>de</strong> hospedagem. Mas vale a pena conhecê-la pois a<br />

matriz é muito interessante. Talvez possamos consi<strong>de</strong>rá-la a última<br />

igreja setecentista mineira. Isso porque, embora tendo sua construção<br />

iniciada por volta <strong>de</strong> 1780, só <strong>de</strong>ve ter sido concluída em mea<strong>dos</strong> do<br />

século seguinte. Mas foi construída com capricho e, assim, incorporou<br />

elementos tipicamente barrocos e elementos neoclássicos, com<br />

predominância <strong>de</strong> uma e outra escola, respectivamente em sua fachada<br />

e na sua <strong>de</strong>coração interna. Mas nada particularmente <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>nte ou<br />

prematuro. Ao contrário, recorrendo a corretos elementos <strong>de</strong> ambas.<br />

Mas há uma esforçada ligação com a raiz rococó que a gente <strong>de</strong> Oliveira<br />

não quis renunciar embora, por volta da secunda meta<strong>de</strong> <strong>de</strong> século<br />

XIX, <strong>de</strong>vesse estar sendo fortemente bombar<strong>de</strong>ada pelos mo<strong>de</strong>rnismos<br />

da turma da escola <strong>de</strong> belas artes do imperador. Por isso, a igreja tem<br />

também algum interesse didático.<br />

No século XVIII a região on<strong>de</strong> Oliveira está erigida era<br />

conhecida como Campo Gran<strong>de</strong>, vale dizer a beirada da gran<strong>de</strong> região<br />

que ia até Paracatu, no meio da qual se estendia a picada <strong>de</strong> Goiás. Era<br />

a passagem natural <strong>de</strong> quem <strong>de</strong>mandava a capitania vizinha, partindo <strong>de</strong><br />

Vila Rica ou São João <strong>de</strong>l Rei em direitura a Tamanduá (Itapecerica),<br />

295


Pitangui e Paracatu. E foi por causa da sua estratégica localização que o<br />

arraial nasceu, pois ouro mesmo não havia.<br />

Por volta <strong>de</strong> 1745 aqui era sesmaria <strong>de</strong> um cidadão <strong>de</strong><br />

sobrenome Oliveira mas isso é mera coincidência e muito<br />

provavelmente, o nome do arraial foi tomado do orago da primitiva<br />

capela erguida em <strong>de</strong>voção a N. S. da Oliveira, em torno do ano <strong>de</strong><br />

1748.<br />

Em 1780, vamos encontrar duas conhecidas figuras da<br />

Inconfidência Mineira marcando registro na história <strong>de</strong> Oliveira: o<br />

padre Toledo e o mestre <strong>de</strong> campo Inácio Correia Pamplona. O padre<br />

era o famoso vigário <strong>de</strong> São José <strong>de</strong>l Rei, animado agitador que cooptou<br />

muito fazen<strong>de</strong>iro da região para o levante, inclusive o próprio<br />

Pamplona. Este era um rico fazen<strong>de</strong>iro da Mendanha (atual Lagoa<br />

Dourada), aguerrido pacificador <strong>dos</strong> quilombos e gentios bravos do<br />

Campo Gran<strong>de</strong>.<br />

Ambos tinham gran<strong>de</strong> influência na região e naquele ano<br />

travaram uma disputa em torno da nomeação do capelão <strong>de</strong> Oliveira.<br />

Pamplona queria trocar o capelão e impor um padre mau-caráter. O<br />

povo reagiu ao infame intento e acabou apelando para o padre Toledo,<br />

vigário a quem a capela <strong>de</strong> Oliveira estava subordinada. Ele <strong>de</strong>cidiu a<br />

favor do preito popular, mantendo o padre querido. Mas <strong>de</strong>ve ter<br />

havido um acordo pois o vigário <strong>de</strong> São José e o mestre <strong>de</strong> campo eram<br />

duas raposas velhas e gran<strong>de</strong>s amigos; pelo menos até Pamplona<br />

preferir mudar <strong>de</strong> lado e <strong>de</strong>nunciar a Inconfidência Mineira. Toledo<br />

acabou morrendo exilado em Lisboa e Pamplona ainda continuou<br />

influindo nos <strong>de</strong>stinos da gente <strong>de</strong> Oliveira por muitos anos mais. Mas<br />

a <strong>de</strong>cisão do vigário <strong>de</strong> são José frutificou e foi o padre que o pessoal<br />

do arraial <strong>de</strong> Oliveira queria para seu capelão que iniciou a construção<br />

da capela que virou a atual matriz. Ela é o único templo setecentista da<br />

mo<strong>de</strong>rna Oliveira. A igreja não é tombada pelo IPHAN mas o IEPHA<br />

conseguiu remediar isso, incluindo-á em seu Livro <strong>de</strong> Tombo em 2002.<br />

Havia uma outra igreja setecentista: a N. S. do Rosário, mas ela foi<br />

<strong>de</strong>molida na primeira meta<strong>de</strong> do século XIX.<br />

Recentemente a matriz <strong>de</strong> Oliveira passou por uma ampla<br />

reforma que durou <strong>de</strong>z anos e contou com a abnegada participação <strong>de</strong><br />

cidadãos e empresas engajadas na preservação do nosso patrimônio<br />

histórico, que também as há, raras mas atuantes. Muito teve que ser<br />

inteiramente reconstruído, inclusive os altares do transepto, <strong>de</strong>struí<strong>dos</strong><br />

há algumas décadas.<br />

296


Matriz <strong>de</strong> Nossa Senhora da Oliveira – 1780<br />

Quem iniciou a construção da matriz - o tal capelão cuja<br />

permanência à testa <strong>dos</strong> negócios sagra<strong>dos</strong> o povo <strong>de</strong> Oliveira apelou<br />

ao padre Toledo - foi o padre Miguel Ribeiro da Silva. Mas a<br />

construção, como já mencionamos, foi muita <strong>de</strong>morada e em 1825<br />

dispunha apenas do essencial para realizar as cerimônias com os fieis<br />

<strong>de</strong>vidamente protegi<strong>dos</strong> das intempéries. Nesse ano d. frei José da<br />

Santíssima Trinda<strong>de</strong> visitou a vila, achou a igreja ainda inacabada e <strong>de</strong>u<br />

um esculacho geral: “não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> estranhar gravemente a<br />

frouxidão e falta <strong>de</strong> continuação (da construção)”. Deixou instruções<br />

gerais para a continuação da obra, inclusive em relação ao cemitério que<br />

ele não tolerava que não fosse cercado. Também fez comentários<br />

<strong>de</strong>sairosos pela sujeira geral e pela falta <strong>de</strong> livros <strong>de</strong> registros <strong>dos</strong><br />

nascimentos e casamentos. Mas notou a estrutura da obra,<br />

reconhecendo o potencial da sua majesta<strong>de</strong>, tal qual vemos hoje.<br />

Depois da ralhação do bispo a população fez o que pô<strong>de</strong>, mas é<br />

provável que a igreja só tenha adquirido o perfil atual, cerca <strong>de</strong> cem<br />

anos após o início da sua construção. A gran<strong>de</strong> mistura <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los e<br />

referências me faz pensar assim. Mas o templo foi construído com<br />

<strong>de</strong>nodo e carinho ao longo <strong>dos</strong> anos, a <strong>de</strong>speito das limitações que no<br />

século XIX bateram <strong>Minas</strong> <strong>de</strong> penúria.<br />

Dizem que o arquiteto foi o mesmo da igreja da Boa Morte <strong>de</strong><br />

Barbacena. De fato, o frontão e as torres têm coisas em comum, mas a<br />

matriz <strong>de</strong> Oliveira é muito mais harmoniosa e aqui o arquiteto resolveu<br />

beber um pouco mais da fonte pura do Aleijadinho, a mesma que<br />

produziu obras primas como o Carmo <strong>de</strong> Sabará, a São Francisco <strong>de</strong><br />

Ouro Preto ou mesmo a São João Batista <strong>de</strong> Barão <strong>de</strong> Cocais. Vai daí<br />

que a fachada da matriz <strong>de</strong> N. S. da Oliveira lembra os belos templos<br />

rococó do terceiro quarto do setecentos. Ali estão combina<strong>dos</strong> <strong>de</strong><br />

forma harmoniosa e criativa os melhores elementos, cria<strong>dos</strong> pelo<br />

Aleijadinho no circuito do ouro.<br />

As bases das torres tem perfil arredondado e estão<br />

posicionadas ligeiramente atrás do alinhamento <strong>dos</strong> cunhais ao estilo da<br />

São Francisco <strong>de</strong> Ouro Preto. Estes são <strong>de</strong> boa cantaria e avançam<br />

adiante emoldurando fortemente as laterais do frontispício. No alto<br />

servem <strong>de</strong> pe<strong>de</strong>stal para fragmentos <strong>de</strong> arquitrave salientes que se<br />

elevam e volteiam a parte superior do frontão, rumando para o<br />

acrotério. Mas há uma interrupção em sua trajetória e a pequena cruz<br />

no alto está repousando num outro volteio, agora convexo; com<br />

297


mesmo perfil das arquitraves laterais. Dois finos coruchéus la<strong>de</strong>iam a<br />

cruz. Não há propriamente cimalha mas mais um friso <strong>de</strong>lgado <strong>de</strong> pedra<br />

que marca a fronteira entre o frontão e o frontispício e contorna um<br />

óculo arredondado <strong>de</strong> vidraça reticulada. As torres são arredondadas e,<br />

empurradas por sua base recuada, estão atrás do frontão. São altas e<br />

estão arrematadas por uma cúpula achatada e afilada que se fecha em<br />

finos pináculos <strong>de</strong> pedra que cutucam o céu. A porta está emoldurada<br />

por portais <strong>de</strong> pedra em forma <strong>de</strong> pilastras em quartelas, arrematadas<br />

por fragmentos <strong>de</strong> arquitrave no alto. Acima da verga há um pequeno<br />

nicho <strong>de</strong> pedra, dando tímida guarita a uma imagem da Senhora da<br />

Oliveira. Ao lado estão duas sacadas com cimalhinhas e molduras <strong>de</strong><br />

pedra. É uma bela fachada.<br />

Internamente a igreja guarda pouca sintonia com o estilo<br />

marcante e bem <strong>de</strong>finido da fachada, buscando caminhos mais híbri<strong>dos</strong>.<br />

O altar mor está fortemente contaminado por neoclassicismos,<br />

principalmente nas colunas do retábulo: são retas, com caneluras rasas<br />

douradas e terminam em capitéis simplifica<strong>dos</strong>, eretos mas livres <strong>de</strong><br />

qualquer esforço. Entre elas há nichos guarneci<strong>dos</strong> <strong>de</strong> baldaquinos em<br />

forma <strong>de</strong> barrete com lambrequins pen<strong>de</strong>ntes. Na sequência das<br />

colunas, mas sem contar com o apoio <strong>de</strong>las, flutuam as bases <strong>de</strong> um<br />

arco ininterrupto <strong>de</strong> formato côncavo que se fecha num medalhão<br />

muito pouco caprichado. O camarim é espaçoso, abriga um trono alto<br />

em <strong>de</strong>graus retos. Está contornado por uma tímida moldura rendilhada.<br />

Há pouca talha muita pintura marmorizada e alguns adornos rococó,<br />

com medalhões e entrelaces azuis e vermelhos. Mas, no conjunto, não<br />

há como arrefecer o fascínio <strong>de</strong> seus construtores pelo neoclássico,<br />

embora a base <strong>de</strong> pedra negra do presbitério resgate a antiga origem<br />

setecentista também da capela mor.<br />

O teto da capela é facetado e ostenta uma pintura <strong>de</strong> boa<br />

concepção, porém executada sem muito talento. Mostra parapeitos em<br />

perspectivas, abrigando os evangelistas e os doutores da igreja, la<strong>de</strong>ando<br />

uma visão <strong>de</strong> Nossa Senhora, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um medalhão rococó.<br />

O arco cruzeiro é imponente, estruturado em pedra e guarda<br />

boa sintonia com o estilo rococó da fachada.<br />

Os altares do transepto ten<strong>de</strong>m ao estilo <strong>dos</strong> oratórios, porém<br />

mais trabalha<strong>dos</strong> com mais entalhes e volteios. Não chegam a repudiar<br />

uma certa matriz barroca retardatária, mas também não abriram mão<br />

das colunatas neoclássicas, apelando a elas para abrigar nichos e la<strong>de</strong>ar<br />

o camarim. Mas há bons resquícios <strong>dos</strong> belos espaldares rococó e um<br />

medalhão mais caprichado, com frisos doura<strong>dos</strong>, a valorizar o<br />

298


coroamento do camarim. Um <strong>dos</strong> altares ostenta ares mais vetustos e<br />

em lugar das colunatas retas sem estrias, apresenta colunas em quartela,<br />

<strong>de</strong> concepção mais condizentes com a raiz barroca da igreja. Os<br />

baldaquinos alonga<strong>dos</strong> com lambrequins pen<strong>de</strong>ntes, acima <strong>dos</strong> altares,<br />

também acentuam esta raiz.<br />

Mas esses altares foram inteiramente reconstruí<strong>dos</strong><br />

recentemente e não conseguem escon<strong>de</strong>r essa condição, especialmente<br />

na pintura.<br />

No recinto da nave, a partir <strong>dos</strong> altares, exuberam os<br />

neoclassicismos. Há pilastras retas, com falsos capitéis, encostadas nas<br />

pare<strong>de</strong>s laterais, subdividindo a nave. Nelas repousam falsas traves que<br />

cruzam o forro <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira. No centro <strong>de</strong>ste há medalhões em relevo,<br />

ro<strong>de</strong>ando um entalhe folhado <strong>de</strong> on<strong>de</strong> pen<strong>de</strong> um imponente<br />

can<strong>de</strong>labro. O coro é em forma <strong>de</strong> U , contorna o vestíbulo e avança<br />

sobre as pare<strong>de</strong>s laterais. O assoalho foi inteiramente refeito e não<br />

ostenta resquícios <strong>de</strong> campas, mas também passou longe <strong>dos</strong> horríveis<br />

ladrilhos hidráulicos tão usa<strong>dos</strong> para restaurar os pisos das nossa <strong>igrejas</strong><br />

<strong>antigas</strong>, no século passado, especialmente na região <strong>de</strong> Barbacena. Na<br />

verda<strong>de</strong> nunca <strong>de</strong>ve ter havido campas por aqui, pois o início da<br />

construção <strong>de</strong> hoje é do tempo em que não mais se podia enterrar os<br />

mortos no porão das <strong>igrejas</strong>.<br />

Arrematando o conjunto da nave há dois púlpitos <strong>de</strong> pedra<br />

inacaba<strong>dos</strong> cujas características também contribuem para garantir a boa<br />

origem setecentista da matriz <strong>de</strong> Oliveira.<br />

COMARCA DO SERRO FRIO/DISTRITO DOS DIAMANTES<br />

SERRO<br />

A população da cida<strong>de</strong> orça por sete mil almas. Seu comércio é<br />

ativo e forte, tem muitos capitalistas e homens abasta<strong>dos</strong>.<br />

Há ali muitas oficinas <strong>de</strong> to<strong>dos</strong> os ofícios. O clima do município<br />

do Serro é sadio e temperado. O seu terreno dá algum ouro<br />

e poucos diamantes.<br />

O Serro, se<strong>de</strong> da antiga Comarca do Serro Frio, conseguiu<br />

preservar boa parte do seu passado glorioso on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>staca um<br />

especial acervo <strong>de</strong> <strong>igrejas</strong> setecentistas. Aqui é a terra <strong>de</strong> muita gente<br />

ilustre como Teófilo Otoni e João Pinheiro e também do notável<br />

299


compositor barroco mineiro do século XVIII: José Joaquim Emérico<br />

Lobo <strong>de</strong> Mesquita, que ganhou a vida e angariou fama no Tijuco, Vila<br />

Rica e até no Rio <strong>de</strong> Janeiro, on<strong>de</strong> morreu. Também aqui nasceu outro<br />

gran<strong>de</strong> artista setecentista, Valentim da Fonseca e Silva – o famoso<br />

Mestre Valentim. Infelizmente daqui saiu com apenas três anos <strong>de</strong><br />

ida<strong>de</strong> para nunca mais voltar. E também reservou sua arte para o Rio<br />

<strong>de</strong> Janeiro on<strong>de</strong>, sob a proteção do vice-rei Luiz <strong>de</strong> Vasconcelos, criou<br />

e embelezou <strong>igrejas</strong>, chafarizes e jardins, valorizando os próprios<br />

caprichos que Deus <strong>de</strong>spejou sobre a maravilhosa cida<strong>de</strong>.<br />

Mas aqui também era terra <strong>de</strong> gente má como Brito Malheiro, o<br />

mau-caráter que foi um <strong>dos</strong> <strong>de</strong>nunciantes da Inconfidência Mineira e<br />

que, não obstante ter nascido em Portugal, por aqui viveu uns tempos<br />

espalhando suas malda<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>dicado a contrabando e homicídios.<br />

O povoamento iniciou-se bem no princípio do século XVIII e<br />

está associado ao nome <strong>de</strong> Antônio Soares Ferreira, guarda-mor da<br />

região então rota do comércio do Sabarabuçu com a Bahia e que<br />

<strong>de</strong>scobriu ouro na serra <strong>dos</strong> ventos frios, o Ivituruí, em 1702. Consta<br />

que o <strong>de</strong>scobridor se <strong>de</strong>senten<strong>de</strong>u com o con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Assumar anos mais<br />

tar<strong>de</strong>, por causa <strong>de</strong> distribuição <strong>de</strong> datas e acabou morto numa briga<br />

com a guarnição do governador. Se assim não foi está, mais uma vez, o<br />

nosso mau-falado con<strong>de</strong> levando os créditos <strong>de</strong> todas as malda<strong>de</strong>s<br />

daqueles tempos, perpetradas contra os truculentos caudilhos e outros<br />

nem tanto, mas muito sonhadores ou atrevi<strong>dos</strong>.<br />

Os antigos camaristas não perdiam tempo votando leis para<br />

atribuir nomes a ruas, praças e lugares, como tanto gostam <strong>de</strong> fazer os<br />

nossos vereadores <strong>de</strong> hoje. Isso era feito pelo rei ou pelo povo. O<br />

primeiro através <strong>de</strong> cartas régias e o segundo através do po<strong>de</strong>r da<br />

tradição oral. Eis outra pitoresca característica das cida<strong>de</strong>s <strong>antigas</strong>: os<br />

nomes das ruas e lugares normalmente eram tira<strong>dos</strong> <strong>de</strong> um fato<br />

histórico ou <strong>de</strong> um marco geográfico ou arquitetônico. Assim é<br />

naturalmente com o Serro. A maioria das ruas já mudou <strong>de</strong> nome mas<br />

as placas ainda indicam o nome antigo, preservando a tradição. A vila<br />

era do Príncipe mas o córrego era do Lucas: mestre <strong>de</strong> campo Lucas <strong>de</strong><br />

Freitas Azevedo, um <strong>dos</strong> primeiros habitantes e que achou ouro no dito<br />

cujo Córrego do Lucas do Arraial <strong>de</strong> Baixo. O Córrego <strong>dos</strong> Quatro<br />

Vinténs corta heroicamente a parte baixa da cida<strong>de</strong>. Leva este nome<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> princípio do século XVIII quando a negra Jacinta <strong>de</strong> Siqueira,<br />

atirada e empreen<strong>de</strong>dora, bateou o fundo e, na primeira investida,<br />

encontrou quatro vinténs <strong>de</strong> bom e reluzente ouro. Infelizmente, hoje<br />

os históricos córregos são esgotos a céu aberto, tal qual o Lenheiro em<br />

300


São João <strong>de</strong>l Rei ou o Ouro Preto na nossa antiga capital, entre tantos<br />

outros.<br />

O nome primitivo era Lavras Velhas do Serro, passando a Vila<br />

do Príncipe quando da elevação a vila em 1714, por d. Brás Baltasar da<br />

Silveira, logo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> São João <strong>de</strong>l Rei. Ganhou a condição <strong>de</strong> cida<strong>de</strong><br />

em 1838 com o nome <strong>de</strong> Serro, das origens.<br />

O bispo <strong>de</strong> Mariana visitou o Serro em 1821 e não gostou do que<br />

viu. Observou que a igreja <strong>de</strong> N. S. da Conceição estava <strong>de</strong>sprovida <strong>de</strong><br />

tudo, salvando-se apenas a imagem do orago, postada no trono.<br />

Registrou que o retábulo do altar mor não tinha pintura e os <strong>de</strong>mais<br />

estavam ainda por serem feitos. Queixou-se do adro da igreja e das<br />

condições <strong>de</strong> sepultamento <strong>dos</strong> fiéis. Repreen<strong>de</strong>u o padre por fazer os<br />

registros paroquiais em ca<strong>de</strong>rnos e não nos competentes livros. Fez<br />

uma severíssima admoestação a todo o clero pelo seu <strong>de</strong>sleixo pastoral.<br />

Saint-Hilaire chegou à Vila do Príncipe <strong>de</strong> liteira, 194 em março<br />

<strong>de</strong> 1817. Foi recepcionado pelo páraco e por um enxame <strong>de</strong> carrapatos.<br />

Hospedou-se na casa do padre, homem <strong>de</strong> Deus que tinha como<br />

principal diversão caçar vea<strong>dos</strong> e que não era o mesmo que foi<br />

repreendido pelo bispo, quatro anos <strong>de</strong>pois. O sábio francês gostou<br />

muito da vila e comentou que ela era a mais importante da província,<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> Vila Rica. Achou as mulheres amáveis mas feias. Como <strong>de</strong><br />

hábito, criticou a falta <strong>de</strong> “distrações honestas” como: socieda<strong>de</strong>s<br />

literárias, cafés, bibliotecas e passeios públicos, que eram enfim, as<br />

gran<strong>de</strong>s opções <strong>de</strong> lazer europeias do século XIX. Mas notou que as<br />

ruas eram calçadas e que o aspecto da vila era agradável, embora não<br />

houvesse nenhum chafariz, o que obrigava o povo a sacrifícios para<br />

obter água. Fez alguns comentários sobre a situação da mineração do<br />

ouro na região que ainda resistia. Inclusive teve a rara oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

contemplar uma pepita <strong>de</strong> ouro <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> 340 gramas, recentemente<br />

<strong>de</strong>scoberta. Como era semana santa e tempo <strong>de</strong> festejar a realeza <strong>de</strong> d.<br />

João VI, assistiu a várias solenida<strong>de</strong>s e comemorações alusivas, sempre<br />

posicionado em local <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque como só po<strong>de</strong>ria ser o local<br />

<strong>de</strong>stinado à figura rara <strong>de</strong> um jovem sábio da distante França. Gostou<br />

muito das representações musicais religiosas, achando-as até mesmo<br />

194 Ele tinha estado doente e por isso conseguiu uma liteira emprestada para fazer a<br />

viagem mais confortavelmente.<br />

301


melhores do que muito que havia na França. Provavelmente entre os<br />

músicos, havia antigos bons alunos do mestre Lobo <strong>de</strong> Mesquita. Falou<br />

em cinco <strong>igrejas</strong> e reparou na inexistência <strong>de</strong> uma única casa <strong>de</strong><br />

carida<strong>de</strong>. Rotulou <strong>de</strong> belas a matriz e as <strong>igrejas</strong> <strong>de</strong> São Francisco e do<br />

Carmo. Achou que os ornamentos da matriz “não eram <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidido<br />

mau gosto”, mas criticou os anjos tocheiros <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira “vesti<strong>dos</strong> como<br />

solda<strong>dos</strong>”.<br />

Depois o ilustre Cavaleiro da Legião <strong>de</strong> Honra, Membro da<br />

Aca<strong>de</strong>mia Real <strong>de</strong> Ciências do Instituto da França, da Socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

História Natural <strong>de</strong> Paris, da Aca<strong>de</strong>mia Ciências <strong>de</strong> Lisboa, da<br />

Socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ciências Físicas <strong>de</strong> Genebra, da Socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ciências<br />

Físicas <strong>de</strong> Orleans entre outros; 195 fez uma minuciosa observação sobre<br />

a fundição <strong>de</strong> ouro na Casa <strong>de</strong> Fundição do Serro e seguiu viagem.<br />

Spix e Martius passaram pela Vila do príncipe muito<br />

rapidamente, à caminho do Tijuco que ansiavam por conhecer. Fizeram<br />

um registro muito sucinto da visita. Não gostaram muito do que viram<br />

registrando, apenas, que a vila era tortuosa e mal calçada, com casas<br />

pequenas e pobres. Visitaram a Casa <strong>de</strong> Fundição e notaram que ela era<br />

insignificante comparada com a <strong>de</strong> Vila Rica. Comentaram, porém, que<br />

o ouro da região era <strong>de</strong> alto quilate.<br />

Gardner passou no Serro <strong>de</strong> volta <strong>de</strong> Diamantina, aqui<br />

permanecendo somente meio dia, tempo para alugar uma tropa <strong>de</strong><br />

burros e seguir viagem rumo ao sul. Observou apenas que a vila tinha,<br />

praticamente, uma única rua, com outras pequenas ruas transversais,<br />

mas todas muito bem calçadas e ostentando casas caiadas e com belos<br />

quintais. Achou o aspecto geral da cida<strong>de</strong> muito triste e observou<br />

gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> da capim gordura nas encostas <strong>dos</strong> montes<br />

próximos. 196<br />

195 Evi<strong>de</strong>ntemente Saint-Hilaire só adquiriu to<strong>dos</strong> esses títulos mais tar<strong>de</strong>, para o que<br />

muito contribuiu sua viagem ao Brasil.<br />

196 Saint-Hilaire observou que o capim gordura era uma verda<strong>de</strong>ira praga que cobria<br />

quase to<strong>dos</strong> os campos da capitania, em áreas antes cobertas <strong>de</strong> matos. Ele, ao<br />

contrário <strong>de</strong> Spix e Martius, sustentava, com razão, que esta planta não era nativa do<br />

Brasil mas tinha sido trazida da África.<br />

302


Richard Burton não esteve aqui. Como se recorda ele saiu <strong>de</strong><br />

Sabará, <strong>de</strong>sceu o rio das Velhas e saiu no rio São Francisco. Foi daí que<br />

alcançou Diamantina, mas não se interessou em conhecer o Serro.<br />

A Serro <strong>de</strong> hoje, infelizmente dispõe <strong>de</strong> uma infraestrutura<br />

turística ainda incipiente, tanto em termos <strong>de</strong> hospedagem como <strong>de</strong><br />

alimentação. As condições <strong>de</strong> acesso certamente contribuem para isso.<br />

Embora situada no traçado da dita estrada real, alcançar a cida<strong>de</strong> por<br />

esse trajeto mais racional <strong>de</strong>manda enfrentar um longo trecho sem<br />

asfaltamento, o que obriga o turista que vem do sul, a uma volta <strong>de</strong><br />

mais <strong>de</strong> cem quilômetros, via Corinto.<br />

Mas vale a pena. Há um belo sítio com as <strong>igrejas</strong> setecentistas e<br />

casarões <strong>dos</strong> séculos XVIII e XIX bem preserva<strong>dos</strong>. A praça João<br />

Pinheiro se rivaliza com a praça Tira<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> Ouro Preto, guardadas as<br />

<strong>de</strong>vidas proporções. 197 E o Serro e toda a região têm uma gloriosa<br />

tradição musical. Quando da nossa visita estava ocorrendo um encontro<br />

<strong>de</strong> bandas , evento que contou com a presença <strong>de</strong> nada menos <strong>de</strong><br />

quinze corporações musicais das cercanias. Tocando simultaneamente,<br />

os músicos formavam uma magnífica banda com cerca <strong>de</strong> trezentos<br />

componentes. Eventos <strong>de</strong>ssa natureza são freqüentes e firma uma<br />

característica cultural para a região, rara e preciosa.<br />

Cadastramos as seguintes <strong>igrejas</strong> no Serro: igreja <strong>de</strong> Santa Rita,<br />

matriz <strong>de</strong> N. S. da Conceição, igreja <strong>de</strong> N. S. do Carmo, igreja <strong>de</strong> N. S.<br />

do Rosário, igreja <strong>de</strong> Bom Jesus <strong>de</strong> Matosinhos, matriz <strong>de</strong> São Gonçalo<br />

do distrito <strong>de</strong> Rio das Pedras e igreja <strong>de</strong> N. S. <strong>dos</strong> Prazeres do distrito<br />

<strong>de</strong> Milho Ver<strong>de</strong>. A matriz foi tombada pelo IPHAN em 1941, a igreja<br />

<strong>de</strong> Bom Jesus em 1944 e a igreja do Carmo em 1949. O IEPHA<br />

tombou as <strong>igrejas</strong> <strong>de</strong> Milho Ver<strong>de</strong> e a matriz <strong>de</strong> São Gonçalo, ambas<br />

em 1980.<br />

Matriz <strong>de</strong> N. S. da Conceição – 1724<br />

Normalmente as vilas do século XVIII se <strong>de</strong>senvolviam em<br />

torno das matrizes e do pelourinho. Não parece ter sido assim no Serro<br />

pois sua matriz, apesar <strong>de</strong> ficar no largo do Pelourinho, está um pouco<br />

197 Com uma vantagem: não há guias turísticos querendo mostrar as <strong>igrejas</strong> nem guias<br />

gastronômicos indicando a melhor comida mineira do lugar.<br />

303


afastada em relação, por exemplo, à prefeitura cujo imponente casarão<br />

já era o Senado da Câmara no início do setecentos. É a tal igreja que<br />

aborreceu o bispo <strong>de</strong> Mariana quando da sua visita, principalmente pelo<br />

fato <strong>de</strong> não ter propriamente um cemitério e os fieis jazerem sepulta<strong>dos</strong><br />

praticamente na rua. Na verda<strong>de</strong>, ainda hoje ela não tem adro pois sua<br />

pequena escadaria se comunica diretamente com a rua, havendo apenas<br />

um pequeno espaço no lado oposto e que se abre diretamente para o<br />

vale do córrego <strong>dos</strong> Quatro Vinténs. De fato, o sítio escolhido para<br />

construção da igreja, no meio <strong>de</strong> uma la<strong>de</strong>ira, é um tanto complicado e<br />

obrigou que se fizesse um corte no morro para criar espaço plano<br />

suficiente à ereção do templo. A igreja que hoje vemos já é a terceira<br />

matriz do Serro. As outras, edificadas no mesmo local, pela fragilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> suas construções, tiveram vida efêmera. Mesmo esta passou por<br />

várias reformas que foram <strong>de</strong>scaracterizando seu traço primitivo ao<br />

longo do tempo. Na verda<strong>de</strong>, as <strong>igrejas</strong> daqui, embora tenham algumas<br />

características comuns, não as herdaram exatamente no século XVIII.<br />

As torres <strong>de</strong>lgadas e altas da maioria das <strong>igrejas</strong> do Serro, por exemplo,<br />

se <strong>de</strong>vem a intervenções restauradoras mais recentes.<br />

A construção atual teve seu início em 1776 e tomou lugar da<br />

primitiva igreja que, em 1724, foi provida <strong>de</strong> vigário colado, por força<br />

da já citada carta régia que, naquele ano, atribuiu esta condição <strong>às</strong><br />

principais <strong>igrejas</strong> da capitania das <strong>Minas</strong>. Seu primeiro vigário foi o<br />

padre Simão Pacheco que esteve à testa da primitiva matriz por mais <strong>de</strong><br />

cinquenta anos e que veio a falecer exatamente no ano <strong>de</strong> início da<br />

construção do templo atual.<br />

Sua fachada tem um traço predominantemente vertical. O<br />

frontispício é alto e se emenda livremente a uma empena reta sem ser<br />

atrapalhado pela presença <strong>de</strong> uma cimalha. Acima está um beiral <strong>de</strong><br />

telhas e não há cruz na cumeeira. No centro do tímpano se abre um<br />

óculo complexo em forma <strong>de</strong> pêra. A porta é simples, com portais <strong>de</strong><br />

ma<strong>de</strong>ira e uma verga levemente arqueada. Acima estão três sacadas<br />

retangulares, enfileiradas simetricamente. As torres são muito <strong>de</strong>lgadas e<br />

sua base se encosta ao frontispício, ocupando pouco espaço no<br />

conjunto da fachada. São muito mais altas do que a empena, o que não<br />

é comum. Tal é a sua altura que sobra espaço para duas sacadas/janelas<br />

sobrepostas, acentuando a verticalida<strong>de</strong> do conjunto. A cobertura é um<br />

telhado reduzido, em quatro águas, com beiral saliente e pináculos no<br />

topo, um <strong>dos</strong> quais está faltando.<br />

Logo à entrada, após o tapa vento, estão os dois anjos tocheiros<br />

que Saint-Hilaire achou esquisitos em suas armaduras militares. Eles<br />

304


parecem mesmo <strong>de</strong>sproporcionais e certamente <strong>de</strong>viam causar<br />

estranheza a um europeu do século XIX. Mas hoje são duas belas peças<br />

setecentistas preservadas a valorizar a matriz do Serro.<br />

A capela mor chama a atenção pelo fato <strong>de</strong> se comunicar com<br />

as <strong>de</strong>pendências laterais através <strong>de</strong> arcos, lembrando trifórios. Essa é<br />

uma característica <strong>de</strong> todas as <strong>igrejas</strong> que visitamos no Serro e que não<br />

encontramos em nenhum outro lugar. Esses espaços são ocupa<strong>dos</strong> por<br />

bancos para que certos fiéis possam assistir aos ofícios <strong>de</strong> um lugar<br />

mais privilegiado. Representam, aparentemente, uma solução alternativa<br />

para as tribunas, inexistentes nas <strong>igrejas</strong> daqui. Uma outra característica<br />

das <strong>igrejas</strong> do Serro é a inexistência do <strong>dos</strong>sel, sendo os retábulos um<br />

tanto simplifica<strong>dos</strong>, com as colunas laterais encimadas por arcos<br />

côncavos, quase sem adornos. Certamente, a maioria <strong>de</strong>les é do século<br />

XIX.<br />

O altar mor <strong>de</strong>sta igreja consegue superar um pouco este<br />

padrão pois está valorizado por uma Santíssima Trinda<strong>de</strong> policromada<br />

no coroamento, sob um baldaquino alongado e com anjos nas laterais.<br />

As pilastras internas são em quartela. As externas são colunatas <strong>de</strong> fuste<br />

estriado, reto na parte superior e torso no terço inferior, apoiadas sobre<br />

cabeças <strong>de</strong> anjos policromadas. Estão posicionadas em planos<br />

diferentes das colunas internas, o que dá ao retábulo uma formatura<br />

arqueada.<br />

Entre as colunas há nichos com baldaquinos <strong>de</strong> traço original,<br />

lembrando dobras <strong>de</strong> tecido. Predomina em toda a talha uma tintura <strong>de</strong><br />

fundo branco com <strong>de</strong>lga<strong>dos</strong> frisos doura<strong>dos</strong>. O trono é largo, pintado<br />

em tons <strong>de</strong> ver<strong>de</strong> escuro, também com frisos doura<strong>dos</strong>. Entronada está<br />

uma imagem <strong>de</strong> N. S. da Conceição <strong>de</strong> boa qualida<strong>de</strong> e que <strong>de</strong>ve ser a<br />

mesma consi<strong>de</strong>rada <strong>de</strong>cente pelo pie<strong>dos</strong>o bispo dom frei José da<br />

Santíssima Trinda<strong>de</strong>, já que as <strong>de</strong>mais eram meras pinturas sobre<br />

tábuas.<br />

O sacrário está adornado com uma pintura original em cinza<br />

escuro, imitando pedra sabão. 198 O presbitério avança até próximo ao<br />

arco cruzeiro o que também é uma característica das <strong>igrejas</strong> do Serro. O<br />

198 Algumas fontes do IPHAN que consultei insistem em ver gran<strong>de</strong> influência do<br />

retábulo do altar mor que o Aleijadinho executou na igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Assis<br />

<strong>de</strong> Ouro Preto, sobre o retábulo da matriz do Serro. Não consigo vislumbrar esta<br />

influência, senão <strong>de</strong> forma muito tênue.<br />

305


teto da capela mor é abobadado e ostenta uma pintura singela da última<br />

ceia.<br />

O arco cruzeiro é <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira com pintura marmorizada,<br />

adornado com entalhes doura<strong>dos</strong>. No coroamento há um medalhão<br />

com uma singela representação do rosto <strong>de</strong> Jesus.<br />

Não existem altares colaterais, sendo o transepto vazado por<br />

portas que se comunicam com os cômo<strong>dos</strong> laterais da capela mor.<br />

Uma balaustrada diminuta separa a capela mor da nave, on<strong>de</strong> há<br />

quatro altares laterais <strong>de</strong> espaldar alto, adorna<strong>dos</strong> com sanefas<br />

simplificadas, ostentando pingentes e um medalhão. As pilastras<br />

internas são em quartela e as externas compreen<strong>de</strong>m colunatas <strong>de</strong> fuste<br />

estriado. São coroadas por arcos preenchi<strong>dos</strong> por conchas invertidas.<br />

Os tronos são singelos e há pequenos nichos com baldaquinos nas<br />

laterais <strong>dos</strong> camarins. A talha, como a do altar mor, está coberta por<br />

pintura <strong>de</strong> fundo branco com frisos doura<strong>dos</strong>.<br />

A cornija da nave está pintada com um marmorizado carregado<br />

<strong>de</strong> efeito um tanto exagerado. O forro é facetado e tem no centro uma<br />

visão ingênua <strong>de</strong> Nossa Senhora com uma moldura com adornos<br />

puxa<strong>dos</strong> a um rococó singelo. Segundo consta, foi executado por<br />

Manuel Antônio da Fonseca em 1888. Portanto, nem Saint-Hilaire nem<br />

dom frei José da Santíssima Trinda<strong>de</strong> o conheceram. Aliás, boa parte da<br />

ornamentação <strong>de</strong>sta igreja foi acrescida após a passagem <strong>dos</strong> nossos<br />

notáveis viajantes.<br />

Consoante o alto pé direito, o coro está posicionado muito<br />

próximo ao céu. É reto é se sustenta em <strong>de</strong>lgadas colunas simplificadas.<br />

São guarneci<strong>dos</strong> <strong>de</strong> balaústres simplifica<strong>dos</strong> que, mais do que <strong>de</strong>corar,<br />

têm mesmo é função <strong>de</strong> evitar quedas que, naquela altura, certamente<br />

ten<strong>de</strong>rão à trágicas consequências.<br />

Igreja do Carmo – 1781<br />

Ao contrário da matriz, a igreja do Carmo tem posição<br />

privilegiada, erguida num plano mais elevado e próxima à nobre praça<br />

João Pinheiro, on<strong>de</strong> também estão a prefeitura e outros belos casarões<br />

antigos.<br />

Suas características básicas seguem o padrão da matriz, com alto<br />

pé direito e capela mor se comunicando com os cômo<strong>dos</strong> laterais<br />

através <strong>de</strong> arcos. Segundo a zeladora da igreja, esta interligação foi feita<br />

mais recentemente. Chegou-se a esta conclusão pelo fato <strong>de</strong> que,<br />

306


aparentemente, a integrida<strong>de</strong> das cenas das pinturas que adornam as<br />

laterais da capela mor está prejudicada pelas aberturas <strong>dos</strong> arcos que<br />

parecem ter mutilado uma parte da cena. Esta mesma explicação nos<br />

foi dada na igreja do Bom Jesus do Matosinhos, on<strong>de</strong> também parece<br />

ter havido a mesma mutilação.<br />

A fachada, no geral segue o traço da matriz <strong>de</strong> N. S. da<br />

Conceição. As torres são altas e <strong>de</strong>lgadas, com telhado reduzido em<br />

quatro-águas e beirais salientes. Assim como a matriz, ostentam duas<br />

janelas sobrepostas, procurando preencher o excesso <strong>de</strong> espaço da sua<br />

exagerada verticalida<strong>de</strong>. Muitas das características externas <strong>de</strong>sta igreja<br />

foram feitas por conta <strong>de</strong> reformas, ocorridas <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> 1920 e que<br />

simplificaram o aspecto anterior, enquadrando-o no estilo da matriz <strong>de</strong><br />

N. S. da Conceição.<br />

A empena é reta e abatida e se emenda com o frontispício sem<br />

a presença <strong>de</strong> uma cimalha. Na cumeeira há uma pequena cruz e abaixo<br />

um óculo triangulado. Faz melhor figura do que a matriz graças ao<br />

imponente medalhão em baixo relevo, que adorna o alto do<br />

frontispício. O original em ma<strong>de</strong>ira, está do lado <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro da igreja. O<br />

que se vê na fachada é uma réplica em material sintético. Contaram-nos<br />

que ele é facilmente inflamável e que há severas recomendações do<br />

IPHAN para que o mesmo não seja atingido por rojões. Em isso sendo<br />

verda<strong>de</strong>, estamos diante <strong>de</strong> uma situação <strong>de</strong> risco muito preocupante. 199<br />

Ao lado do medalhão se abrem duas sacadas e abaixo está a porta<br />

relativamente pequena e com portais simples <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira.<br />

O altar mor não chega a ter um <strong>dos</strong>sel, se contentando em<br />

ostentar um medalhão dourado no coroamento do retábulo, encima<strong>dos</strong><br />

por adornos alonga<strong>dos</strong> que se dobram e caem em direção <strong>às</strong> colunas<br />

externas. Internamente aparecem pilastras em quartela, inteiramente<br />

douradas. Externamente, aparecem colunatas lisas com capitéis<br />

doura<strong>dos</strong> e cores em tons carrega<strong>dos</strong>. Entre elas se posicionam nichos<br />

altos com baldaquinos, abrigando imagens diminutas. Ao lado <strong>de</strong>las,<br />

abaixo das pilastras em quartela, há consolos sustentando pequenas<br />

imagens <strong>de</strong> roca. As cornijas avançam sobre as pilastras do altar mor até<br />

o arco do camarim, numa solução incomum. No trono está uma<br />

imagem <strong>de</strong> N. S. do Carmo.<br />

199 Ao término da apresentação do encontro <strong>de</strong> bandas <strong>de</strong> que falei à pouco, houve<br />

um show pirotécnico, com uma chuva <strong>de</strong> fogos à poucos metros do medalhão. Isso<br />

me <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> cabelos em pé.<br />

307


O teto é abobadado e adornado com uma pintura ingênua, com<br />

singelas pilastras em perspectiva ilusionista e adornos rococós<br />

emoldurando uma visão <strong>de</strong> Nossa Senhora. Com certeza, os autores da<br />

visão e da moldura não são os mesmos pois há uma nítida diferença <strong>de</strong><br />

qualida<strong>de</strong> entre elas, especialmente quanto ao material usado. O<br />

IPHAN e Del Negro vêem uma influência <strong>de</strong> Ataí<strong>de</strong> nessa pintura o<br />

que não po<strong>de</strong> ser negado, a <strong>de</strong>speito da sofrível qualida<strong>de</strong> da sua<br />

execução.<br />

O presbitério, respeitando uma característica do Serro avança<br />

até próximo ao arco cruzeiro. Nas laterais da capela mor estão as tais<br />

pinturas prejudicadas pelas aberturas <strong>dos</strong> arcos <strong>de</strong> comunicação com os<br />

cômo<strong>dos</strong> laterais. São <strong>de</strong> traço ingênuo, com pinceladas rasas e em tons<br />

um tanto <strong>de</strong>scora<strong>dos</strong>.<br />

O arco cruzeiro é simples, <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira, com uma tarja coroada<br />

no alto.<br />

No transepto estão dois altares com espaldares altos<br />

arremata<strong>dos</strong> em sanefas, com pingentes e um medalhão no<br />

coroamento. As colunas do retábulo repetem o padrão usual,<br />

misturando quartelas e colunatas <strong>de</strong> fuste estriado, predominando<br />

fundo branco com frisos doura<strong>dos</strong> e a presença <strong>de</strong> pequenos nichos<br />

com baldaquinos.<br />

No centro da nave estão dois púlpitos simples em rosa e<br />

branco, com relevos doura<strong>dos</strong>.<br />

O assoalho preserva as aberturas das campas on<strong>de</strong>, inclusive, se<br />

encontram referências a membros da ilustre família <strong>dos</strong> Otoni ali, um<br />

dia sepulta<strong>dos</strong>.<br />

A cornija <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira é saliente, em planos múltiplos. Gran<strong>de</strong>s<br />

janelões retangulares com cimalhinhas trabalhadas garantem o<br />

iluminamento natural da nave.<br />

O coro é reto, com balaustrada simples e se sustenta em<br />

pilastras igualmente retas. No centro do mesmo está o medalhão<br />

original <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira que adornava a fachada e que foi substituído pela<br />

réplica que hoje lá está.<br />

O tapa vento apresenta uma curiosida<strong>de</strong>: é guarnecido <strong>de</strong><br />

rodinhas que permitiam seu <strong>de</strong>slocamento para posição mais apropriada<br />

para impedir que traiçoeiros ventos laterais pu<strong>de</strong>ssem apagar as velas.<br />

Hoje não tem utilida<strong>de</strong> alguma, não só porque não há mais velas como<br />

também porque está reduzido a uma simples moldura sem qualquer<br />

anteparo.<br />

308


Igreja <strong>de</strong> Bom Jesus <strong>de</strong> Matosinhos – 1785<br />

Esta igreja fica situada do outro lado do córrego <strong>dos</strong> Quatro<br />

Vinténs, nas vizinhanças <strong>de</strong> duas outras atrações históricas do Serro: a<br />

Chácara do Barão e a Casa <strong>dos</strong> Otoni. Sem contar a própria matriz que<br />

fica em frente, do lado oposto, após o vale do famoso córrego. A ela se<br />

chega trilhando um antigo calçamento que vai dar no seu adro cercado<br />

<strong>de</strong> pedras cobertas <strong>de</strong> heras. Da sua ereção participaram as irmanda<strong>de</strong>s<br />

das Mercês e <strong>de</strong> São Benedito, provavelmente dissi<strong>de</strong>nte da Irmanda<strong>de</strong><br />

do Rosário que construiu sua igreja alguns anos antes, do outro lado da<br />

vila.<br />

Sua fachada segue o mesmo padrão da matriz e da igreja <strong>dos</strong><br />

irmãos do Carmo, porém, as torres são menos altas e menos <strong>de</strong>lgadas, o<br />

que dá ao conjunto um aspecto mais harmonioso. Também não há<br />

cimalha e a fachada é constituída da peça única representada pelo<br />

frontispício emendado à empena, mais as bases das torres, coladas nas<br />

laterais. No centro está uma porta avantajada, com portais e verga retas<br />

<strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira. Acima estão duas sacadas com um óculo redondo entre<br />

elas. Na coluna das torres se abrem mais duas sacadas, no mesmo<br />

alinhamento e mais duas janelas próximas ao seu beiral. Um telhado<br />

reduzido em quatro águas e com um fino pináculo, cobre o topo das<br />

mesmas.<br />

Internamente esta igrejinha guarda a mais preciosa peça <strong>de</strong> todo<br />

o acervo setecentista do Serro: a pintura <strong>de</strong> Sivestre <strong>de</strong> Almeida Lopes<br />

que se encontra no forro da capela mor. Este pintor, como já<br />

mencionamos, <strong>de</strong>ixou uma obra marcante, ainda que reduzida a<br />

pouquíssimos exemplares. Sua pintura nesta igreja, concluída<br />

provavelmente em 1797, mostra uma bela moldura em adornos rococós<br />

competentemente executa<strong>dos</strong>. Na visão está uma cena sacra<br />

“mundanizada”, bem a seu estilo. Mostra um Cristo <strong>de</strong>sfalecido,<br />

envolto em lençóis, sustentado por três cidadãos comuns, cerca<strong>dos</strong> por<br />

um entorno bucólico on<strong>de</strong> predominam águas e plantas. Tirando a<br />

figura <strong>de</strong> Cristo e as fisionomias contritas, o conjunto ficaria bem<br />

adornando uma alcova palaciana na França do Rei Sol.<br />

A capela mor apresenta a interligação com os cômo<strong>dos</strong> laterais<br />

través <strong>de</strong> arcos rasga<strong>dos</strong> que avançam sobre as pinturas, como ocorre<br />

309


na matriz e na igreja do Carmo. Estas também são ingênuas, em<br />

pinceladas e cores displicentes. 200<br />

O altar mor tem seu coroamento adornado por um simples<br />

medalhão. As colunas internas representam robustas quartelas<br />

sustentando volteios que se fecham no medalhão. As colunas externas<br />

são colunatas retas e lisas, apoiadas sobre consolos. Entre elas aparecem<br />

os tradicionais nichos com baldaquinos. O retábulo é cromado, em<br />

fundo branco adornado com frisos doura<strong>dos</strong> No trono está o Senhor<br />

Jesus crucificado à frente <strong>de</strong> um baixo relevo <strong>de</strong> Deus Pai policromado,<br />

envolto em resplendores. A contemplar o Cristo está uma Nossa<br />

Senhora com feições <strong>de</strong> boneca. À frente se encontra um gran<strong>de</strong><br />

Espírito Santo em resplendores, ocultando quase todo o trono. Trata-se<br />

<strong>de</strong> uma réplica mal executada da peça original que se per<strong>de</strong>u, corroída<br />

por cupins <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> quase vinte anos jogada em um porão, segundo<br />

nos contou a zeladora da igreja. A réplica foi colocada ali recentemente.<br />

Já vi fotos <strong>de</strong>sse altar sem a dita peça e sinceramente, acho que ela po<strong>de</strong><br />

voltar para o porão.<br />

O arco cruzeiro é muito simples, feito <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira. Os altares do<br />

transepto apenas tocam nas laterais do arco cruzeiro, ocupando mais<br />

espaço do lado das pare<strong>de</strong>s da nave. Ten<strong>de</strong>m ao tipo oratório com<br />

espaldar e um medalhão dourado no alto do arco do camarim. As<br />

colunas são em quartelas <strong>de</strong>lgadas, esculpidas em baixo relevo.<br />

Apresentam cores variadas, contrastando com frisos doura<strong>dos</strong>. Nos<br />

tronos estão N. S. das Mercês e são Benedito, as divinda<strong>de</strong>s maiores das<br />

respectivas irmanda<strong>de</strong>s, responsáveis principais pela construção <strong>de</strong>ste<br />

templo.<br />

A nave também se comunica com os cômo<strong>dos</strong> laterais, porém<br />

não existem arcos na parte superior das aberturas <strong>de</strong> comunicação. O<br />

teto da nave é um assoalho branco em forma facetada. O piso é em<br />

tábuas com aberturas <strong>de</strong> campas.<br />

O coro tem perfil reto, com balaustrada escura e está apoiado<br />

diretamente nas pare<strong>de</strong>s, sem pilastras <strong>de</strong> sustentação no vão.<br />

Igreja do Rosário – 1752<br />

200 Já consultei fontes que sugerem que estas pinturas também pu<strong>de</strong>ssem ser do<br />

Mestre Silvestre o que me parece muito pouco provável, pela sua qualida<strong>de</strong> inferior.<br />

310


Fica num bairro mais afastado, numa colina <strong>de</strong> on<strong>de</strong> se po<strong>de</strong><br />

contemplar o bucólico entorno do lado leste do Serro. Esta igreja tem<br />

uma característica muito peculiar para essa região que é a falta <strong>de</strong> torres.<br />

Em compensação, no seu adro há o cruzeiro mais completo que já<br />

vimos, com to<strong>dos</strong> os ícones que costumam adornar os cruzeiros e até<br />

alguns mais. Também tem uma peculiarida<strong>de</strong> que é o cemitério que<br />

cerca suas laterais e que parece estar sendo habitualmente usado.<br />

Sua fachada é extremamente simples, formada por uma peça<br />

única. Não há torres nem cimalha. Assim resta apenas uma gran<strong>de</strong><br />

porta com portais simples e verga reta, dois janelões <strong>de</strong> formato<br />

semelhante à porta e a empena reta, encimada por um beiral<br />

arrematando um telhado baixo, em duas águas. Abaixo da cumeeira está<br />

um raro anteparo <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira e acima repousa uma cruz em<br />

resplendores.<br />

A capela mor também apresenta comunicação com os cômo<strong>dos</strong><br />

laterais na forma <strong>de</strong> trifório, consagrando estão <strong>de</strong>finitivamente, essa<br />

particularida<strong>de</strong> como característica das <strong>igrejas</strong> daqui. O altar mor é<br />

bastante simples e também segue a tendência dominante no Serro com<br />

um medalhão no coroamento sobre um arco côncavo. As pilastras<br />

internas são em quartela e as externas são em forma <strong>de</strong> colunatas retas<br />

<strong>de</strong> fuste estriado. A principal diferença é que em lugar da cromagem em<br />

fundo branco, predomina um tom <strong>de</strong> ver<strong>de</strong>. Os frisos doura<strong>dos</strong>,<br />

porém, não faltaram. O trono é piramidado e sustenta a imagem da N.<br />

S. do Rosário e um Cristo Crucificado à frente do sacrário.<br />

O teto é abobadado e ostenta uma pintura ingênua do<br />

ostensório, cercado <strong>de</strong> anjos.<br />

Também, seguindo a tendência predominante por aqui, a<br />

plataforma do presbitério avança até o arco cruzeiro.<br />

Os altares do transepto também são muito singelos, com<br />

relevos simplifica<strong>dos</strong>, croma<strong>dos</strong> em tons fortes. No coroamento do<br />

camarim aparecem baldaquinos em forma <strong>de</strong> toldo com pingentes. O<br />

trono é muito simples, em dois <strong>de</strong>graus e ostenta santos <strong>de</strong> confecção<br />

recente.<br />

O teto da nave é facetado, sem pinturas. Há umas traves<br />

inusitadas reforçando as escoras do forro. A cornija, assim como o arco<br />

cruzeiro, é simples <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira pintada.<br />

O coro é reto, com balaustrada <strong>de</strong> tábuas recortadas e se apoia<br />

em altas colunas <strong>de</strong> toras <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira ao natural quer dizer, sem<br />

qualquer acabamento. O forro do vestíbulo é uma esteira rústica. Uma<br />

das laterais é atravessada pela escada que leva ao coro.<br />

311


Igreja <strong>de</strong> Santa Rita – 1745<br />

Esta igreja é um <strong>dos</strong> cartões postais do Serro, graças a sua<br />

posição privilegiada, no alto da escadaria que <strong>de</strong>sce até a praça João<br />

Pinheiro.<br />

Infelizmente não conseguimos conhecê-la internamente pois<br />

estava em reforma e, portanto, em situação proibitiva para visitas.<br />

Externamente ela representa uma exceção em relação à<br />

tendência predominante na se<strong>de</strong> do Serro, ou seja, fachadas com<br />

frontispício vertical, sem cimalha e com <strong>de</strong>lgadas e altas torres laterais.<br />

Aqui temos uma igreja <strong>de</strong> frente chanfrada, <strong>de</strong> torre única que, na<br />

verda<strong>de</strong>, é mesmo uma rarida<strong>de</strong>, com poucos exemplares em todo o<br />

estado. Esta ainda tem algumas características peculiares. Em geral as<br />

faces que compõem a fachada <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> solução arquitetônica são<br />

isométricas. Nesse caso, a face central é bem maior <strong>dos</strong> que as outras,<br />

ocupando o espaço usual <strong>de</strong> um frontispício <strong>de</strong> igreja <strong>de</strong> duas torres.<br />

Assim, sua porta, ainda que avantajada, não ocupa toda a face central<br />

como é comum. Isso só ocorre nas faces esguelhadas on<strong>de</strong> o espaço<br />

mais reduzido é, praticamente, todo ocupado pelas portas. Esta maior<br />

amplitu<strong>de</strong> da fachada frontal permitiu a colocação <strong>de</strong> nada menos do<br />

que três sacadas e que são completadas por mais duas nas faces laterais,<br />

seguindo o mesmo alinhamento. Uma outra particularida<strong>de</strong> em se<br />

tratando do Serro, é a presença <strong>de</strong> uma cimalha em beiral, separando o<br />

frontispício da empena. Esta é reta, tem o seu próprio beiral e ostenta<br />

um óculo ovalado no tímpano. A torre única está um pouco recuada,<br />

tem uma cúpula em forma <strong>de</strong> pirâmi<strong>de</strong> irregular e com um complexo<br />

beiral <strong>de</strong> telhas a circundá-la. Em geral as coberturas das torres <strong>de</strong><br />

<strong>igrejas</strong> que recorrem a este tipo arquitetônico é um telhado em quatro<br />

águas; esta é maciça e está cromada num efeito discretamente reluzente.<br />

No topo está um pináculo que também serve <strong>de</strong> acrotério para uma<br />

cruz em resplendores sobre uma esfera armilar. A coroar o conjunto da<br />

torre, a presença <strong>de</strong> um relógio incrustado na abertura on<strong>de</strong><br />

normalmente se esperaria encontrar um sino.<br />

Não obstante não termos conseguido conhecer essa igreja<br />

internamente, tive acesso a uma foto do seu interior e me chamou<br />

atenção o fato da sua nave ostentar um trifório autêntico, com arcos se<br />

abrindo para a nave e sustentando suntuosas tribunas. Tudo adornado<br />

com pintura marmorizada, se harmonizando com o arco cruzeiro,<br />

la<strong>de</strong>ado por sóbrias colunas retas. Pareceu interessante.<br />

312


DIAMANTINA<br />

A História<br />

A sua maior indústria consiste em tirar diamantes; contudo<br />

exporta muitos produtos da sua lavoura e uma porção <strong>de</strong> obras<br />

<strong>de</strong> ouro e joias <strong>de</strong>licadas como as que nos vêm do estrangeiro.<br />

O seu comércio é ativíssimo e o seu povo muito hospitaleiro<br />

e franco, vive alegre e folgazão.<br />

Da cabeça do Serro Frio, os pioneiros paulistas, baianos e<br />

portugueses continuaram a buscar sítios <strong>de</strong> ouro na virada do século,<br />

por toda aquela nova e promissora região. Consta que o baiano<br />

Jerônimo Correia foi quem <strong>de</strong>u origem ao povoado primitivo, a partir<br />

<strong>de</strong> uma capelinha que ele erigiu em 1713 na encosta da serra da Lapa,<br />

on<strong>de</strong> tinha uma lavra <strong>de</strong> ouro. Um ano <strong>de</strong>pois, faiscando em busca <strong>de</strong><br />

ouro, Francisco Machado da Silva encontrou as tais pedrinhas que<br />

passando <strong>de</strong> mão em mão e <strong>de</strong> bolso em bolso se <strong>de</strong>scobriu serem<br />

diamantes. 201 A <strong>de</strong>scoberta, porém, só se tornou oficial alguns anos<br />

<strong>de</strong>pois, quando muita pedra já tinha aportado livremente na Europa, via<br />

Bahia. O próprio ouvidor, dr. Antônio Rodrigues Banha, diante das<br />

insistências da Coroa em querer saber que história era aquela das tais<br />

pedras que podiam ser preciosas, tentou escamotear e enviou cristais<br />

em lugar das ditas cujas, para exame <strong>dos</strong> reais mineralogistas <strong>de</strong> Lisboa.<br />

Paralelamente o próprio governador d. Lourenço <strong>de</strong> Almeida, tendo<br />

i<strong>de</strong>ntificado os diamantes buscou retardar o anúncio à Coroa, tempo<br />

que gastou amealhando alguns exemplares para si próprio. 202 Mas a<br />

coisa vazou <strong>de</strong> tal maneira que levas <strong>de</strong> aventureiros chegarem <strong>de</strong> to<strong>dos</strong><br />

os lugares à cata das pedras. Por fim, Sua Majesta<strong>de</strong>, posto que com<br />

201 Segundo Xavier da Veiga, com base em suas incansáveis pesquisas <strong>de</strong>bruçado<br />

sobre o acervo do futuro Arquivo Público Mineiro, quem i<strong>de</strong>ntificou as pedras foi<br />

Silvestre Garcia do Amaral e que, por conta disso, reivindicou ser conhecido como o<br />

<strong>de</strong>scobridor das cobiçadas pedras.<br />

202 O governador recebeu uma carta do rei admoestando-o severamente por tanta<br />

incompetência em não perceber e o avisar da importância da <strong>de</strong>scoberta: “vos<br />

estranho muito a in<strong>de</strong>sculpável omissão”, ralhou Sua Majesta<strong>de</strong>.<br />

313


cerca <strong>de</strong> seis anos <strong>de</strong> atraso e ainda que por último, acabou sabendo.<br />

Por conta disso tudo lavrou-se uma rigorosa carta régia que por volta<br />

<strong>de</strong> 1730, fechou a região durante mais <strong>de</strong> um século, ali só se po<strong>de</strong>ndo<br />

entrar com autorização especial. Mas quando a notícia da <strong>de</strong>scoberta<br />

chegou à corte <strong>de</strong> d. João V, por volta <strong>de</strong> 1728; o júbilo do monarca<br />

extravasou as fronteiras do reino, invadiu a Europa e inspirou Sua<br />

Santida<strong>de</strong> a parabenizar o rei <strong>de</strong> Portugal pela felicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ter recebido<br />

<strong>de</strong> Deus uma terra tão rica, calçada <strong>de</strong> ouro e diamantes. Em troca<br />

recebeu umas nesgas <strong>dos</strong> mesmos para dotar Roma <strong>de</strong> mais alguns<br />

soberbos monumentos.<br />

O regime <strong>de</strong> controle imposto pela Coroa <strong>às</strong> ativida<strong>de</strong>s<br />

diamantíferas é tão tumultuado e confuso quanto o do ouro, mesmo<br />

porque, o rei já estava traumatizado com a enganação que jogaram<br />

sobre ele, o que exacerbou ainda mais o espírito da administração<br />

mercantilista da Fazenda Real que era sempre aquela do comerciante<br />

que, mesmo sendo her<strong>de</strong>iro natural das riquezas que Deus botou sob o<br />

seu reino, bem podia estar sendo enganado.<br />

Inicialmente vigorou o regime <strong>de</strong> captação pelo qual era cobrada<br />

uma taxa fixa sobre escravo empregado na lavra. Logo em seguida veio<br />

o regime do arrendamento pelo qual d. João V confiava, que to<strong>dos</strong><br />

pagassem absurdas quantias fixas à Coroa, arrendando suas próprias<br />

lavras sem saber o que elas ainda podiam produzir. Como isso não<br />

surtiu efeito, el rei tentou, simplesmente, <strong>de</strong>sapropriar as lavras<br />

expulsando <strong>de</strong>las os mineradores muitos <strong>dos</strong> quais lá estavam há mais<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos. 203 Teve que negociar, concordando em manter a captação,<br />

mas com uma substancial majoração no valor. Só em 1740 é que foi<br />

possível estabelecer o regime <strong>de</strong> contratos. É aí que surge o contratador<br />

João Fernan<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Oliveira que trocou os confortos <strong>de</strong> Vila Rica pelos<br />

do arraial do Tijuco. Passou o contrato ao filho, <strong>de</strong> mesmo nome, o<br />

feliz <strong>de</strong>tentor do colo <strong>de</strong> Chica da Silva, por uns bons tempos. 204<br />

203 Na verda<strong>de</strong> o <strong>de</strong>creto real <strong>de</strong>terminava a expulsão <strong>dos</strong> escravos e mulatos, o que<br />

resultaria na inviabilizarão da ativida<strong>de</strong> já que os senhores não eram da<strong>dos</strong> <strong>às</strong> pesadas<br />

ativida<strong>de</strong>s das minas pois, afinal ninguém é <strong>de</strong> ferro, especialmente entre ouro e<br />

diamante.<br />

204 Spix e Martius anotaram que, embora os contratadores (que contratavam o direito<br />

<strong>de</strong> exploração a preço fixo) pu<strong>de</strong>ssem colocar no máximo seiscentos escravos na sua<br />

lavra, eles colocavam acima <strong>de</strong> mil. Isso era notório e vários outros viajantes ouviram<br />

e registraram a mesma coisa.<br />

314


O regime <strong>dos</strong> contratos duraria até 1771 e, salvo o curto<br />

período <strong>de</strong> arrendamento do infeliz Felisberto Cal<strong>de</strong>ira Brant, foi quase<br />

que exclusivamente tocado por João Fernan<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Oliveira & Filho. A<br />

mudança foi urdida pelo marques <strong>de</strong> Pombal que, como não confiava<br />

em ninguém, também acabou não confiando mais nos contratadores e<br />

assumiu pessoalmente o controle, submetendo a extração <strong>dos</strong><br />

diamantes à responsabilida<strong>de</strong> direta da Coroa, sob a gerência do famoso<br />

Inten<strong>de</strong>nte do Distrito <strong>dos</strong> Diamantes.<br />

Como não po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser, existem muitas lendas<br />

envolvendo os primórdios do ciclo <strong>dos</strong> diamantes, mas é certo que<br />

houve muita vilania e o palco das <strong>de</strong>scobertas está repleto <strong>de</strong> bobos e<br />

seus respectivos espertos. Aquela história <strong>de</strong> que as pedras eram usadas<br />

como tentos é muito provável só que esse uso tinha um motivo<br />

espertíssimo. Quem as usavam com tal fim eram exatamente aqueles<br />

que sabiam o seu valor e assim agiam para disfarçar a sua real valia e<br />

po<strong>de</strong>rem adquiri-las a preço <strong>de</strong> tento. Mas essa história não durou<br />

mesmo mais do que alguns meses.<br />

Os diamantes eram encontra<strong>dos</strong> aos quilos, nas lavras <strong>de</strong> ouro<br />

do português Bernardo da Fonseca Lobo. Este, porém, mesmo <strong>de</strong>pois<br />

<strong>de</strong> saber que aquelas pedras eram diamantes, não se interessou por elas<br />

pois não conseguia enten<strong>de</strong>r como aquelas pedras banais - e<br />

abundantes como pedras - pu<strong>de</strong>ssem valer mais do que ouro. Vai daí,<br />

português tenaz como era, abandonou sua própria rica lavra<br />

diamantífera quando ela dava sinais <strong>de</strong> se tornar uma pobre lavra<br />

aurífera. Esse <strong>de</strong>sinteresse resultou que suas terras fossem vendidas a<br />

preço <strong>de</strong> banana - por seu preposto - a comerciantes baianos, entre os<br />

quais, como não po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser, estava outro esperto ouvidor que<br />

já <strong>de</strong>vidamente mancomunado, também contribuía para ocultar a<br />

notícia ao rei. Eis pois que nunca a Europa recebeu tantos diamantes<br />

orientais, na verda<strong>de</strong> “ma<strong>de</strong> in Santo Antônio do Tijuco”, mais<br />

precisamente nas lavras <strong>de</strong> Bernardo Lobo que, por esse tempo, já<br />

estava nas <strong>Minas</strong> Novas atrás <strong>de</strong> ouro que era <strong>de</strong> que realmente<br />

gostava. 205 De toda forma, ele foi tido oficialmente como o <strong>de</strong>scobridor<br />

205 É fato que foi ele o portador das amostras <strong>de</strong> pedras levadas ao governador e<br />

<strong>de</strong>pois ao rei. Esse <strong>de</strong>sprendimento em relação a sua própria fortuna só po<strong>de</strong> ser<br />

explicado mesmo pelo seu <strong>de</strong>sinteresse crônico pelas ditas pedras.<br />

315


<strong>dos</strong> diamantes, pelo que ganhou o posto <strong>de</strong> capitão-mor da Via do<br />

Príncipe e o cobiçado Hábito <strong>de</strong> Cristo.<br />

Augusto <strong>de</strong> Lima Jr. chama a atenção para o fato <strong>de</strong> que o arraial<br />

do Tijuco era o lugar <strong>de</strong> maior concentração <strong>de</strong> novos cristãos do<br />

Brasil, que para ai acorreram logo nas primeiras notícias <strong>dos</strong> diamantes.<br />

Isso teria criado uma ponte entre <strong>Minas</strong> e os centros lapidadores <strong>dos</strong><br />

Paises Baixos da mesma forma com que o acordo <strong>de</strong> Methuen criou<br />

uma ponte para o ouro <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> até os centros financeiros <strong>de</strong> Londres.<br />

Mas quando os novos cristãos, daqui e do reino, passavam da conta;<br />

abria-se um Auto <strong>de</strong> Fé e eles eram queima<strong>dos</strong> nas fogueiras da<br />

retardatária Inquisição Portuguesa, acusa<strong>dos</strong> do hediondo crime <strong>de</strong><br />

judaísmo.<br />

A <strong>de</strong>speito da sua importância, o povoado permaneceu arraial<br />

do Tijuco até o século XIX, passando a vila <strong>de</strong> Diamantina somente em<br />

1831. 206 Mas, apenas sete anos <strong>de</strong>pois, já passava a cida<strong>de</strong>, juntamente<br />

com o Serro. Em 1853, por Bula do Papa Pio IX, era criado o rico<br />

Bispado <strong>de</strong> Diamantina, per<strong>de</strong>ndo Mariana a condição <strong>de</strong> única diocese<br />

da província, privilégio que já durava mais <strong>de</strong> cem anos, a meta<strong>de</strong> <strong>dos</strong><br />

quais em acentuada <strong>de</strong>cadência.<br />

Roteiro <strong>de</strong> Visitação<br />

Patrimônio Cultural da Humanida<strong>de</strong>, Diamantina preserva um<br />

centro histórico interessante com <strong>igrejas</strong> e casarões muito bem<br />

preserva<strong>dos</strong> marca<strong>dos</strong> por <strong>de</strong>talhes que tipificam as construções locais:<br />

as numerosas e coloridas pinhas, as sacadas <strong>de</strong> treliças e muxarabiês<br />

árabes e as gárgulas em forma <strong>de</strong> corneta. Entre as construções civis<br />

<strong>antigas</strong> se <strong>de</strong>stacam: o Palácio Episcopal, a casa da Chica da Silva, a<br />

Casa do Padre Rolim, o Fórum, o Mercado, a Casa do Inten<strong>de</strong>nte<br />

Câmara e o famoso Passadiço da Glória. Esta passarela é uma obra <strong>de</strong><br />

206 A Coroa portuguesa <strong>de</strong>ve ter mantido o Tijuco como arraial, apesar <strong>de</strong> seus seis mil<br />

habitantes, para não chamar a atenção e também centralizar mais a administração. El<br />

rei realmente tinha estratégias curiosas, como aquela <strong>de</strong> manter os caminhos das<br />

minas nas piores condições possíveis para dificultar o contrabando. Na verda<strong>de</strong>, essa<br />

situação, tinha a ver também com a intenção <strong>de</strong> manter os padres o mais longe<br />

possível: como a vizinha Vila do Príncipe era vila então era lá a se<strong>de</strong> da paróquia, o<br />

que simplificava a presença eclesiástica no Tijuco.<br />

316


engenharia absolutamente pitoresca e entre as obras civis, está para<br />

Diamantina assim como a Casa <strong>dos</strong> Contos está para Ouro Preto. Foi<br />

construída a mando do bispo d. João Antônio <strong>dos</strong> Santos para permitir<br />

que as alunas do colégio que ali funcionou, pu<strong>de</strong>ssem passar <strong>de</strong> um<br />

prédio ao outro preservando o seu recato. É obra <strong>de</strong> carpintaria do<br />

arquiteto inglês John Rose, da segunda meta<strong>de</strong> do século XIX. Hoje<br />

cumpre a nobre função <strong>de</strong> ser o símbolo postal da cida<strong>de</strong><br />

Infelizmente Diamantina ainda não tem uma infraestrutura<br />

turística propriamente digna da sua condição <strong>de</strong> patrimônio mundial.<br />

Embora em crescimento, a re<strong>de</strong> hoteleira ainda é precária e os<br />

restaurantes são em pequeno número e via <strong>de</strong> regra, fecham cedo. Mas<br />

em matéria <strong>de</strong> bares não faz feio a Ouro Preto. Tem o imperdível Bar<br />

do Nonô que funciona no porão da casa <strong>de</strong> J.K. e apresenta umas<br />

serestas honestíssimas; feitas para amigos, mesmo sendo você apenas<br />

um turista. Tem o Beco do Mota que é a coisa mais aconchegante do<br />

mundo, tanto que não tem calçada e basta uma mesa no meio da rua<br />

para obstruir totalmente a passagem. Toda a rua da Quitanda é um<br />

gran<strong>de</strong> salão <strong>de</strong> festa, um tanto excessivamente animado para as<br />

vetustas construções que lá se erguem. Mas enfim, vários são os cantos<br />

com opções <strong>de</strong> bebidas, tira-gostos, modinhas e bate-papos, alguns <strong>dos</strong><br />

quais atravessam a madrugada. Mas é bom precaver-se e jantar antes<br />

pois como, eu disse, os restaurantes fecham cedo e nada faz mais falta<br />

do que um lombo com tropeiro num teimoso fim <strong>de</strong> noite. Longe vai o<br />

tempo (1755) em que um <strong>de</strong>creto do inten<strong>de</strong>nte proibia o povo <strong>de</strong> sair<br />

<strong>às</strong> ruas <strong>de</strong>pois da Ave Maria e hoje os fantasmas <strong>dos</strong> Cal<strong>de</strong>ira Brant,<br />

<strong>dos</strong> Rolim, <strong>dos</strong> Felício <strong>dos</strong> Santos e <strong>dos</strong> Mata Machado andam soltos, à<br />

vonta<strong>de</strong> pelo becos. Mas <strong>de</strong> toda forma, convém não exagerar, acordar<br />

cedo e trotar a região pois Diamantina alia a cultura à interessante<br />

riqueza ecológica da região com suas serras <strong>de</strong> pedra, suas flores, seus<br />

matos enfeza<strong>dos</strong> e seus cristalinos regatos.<br />

Como passear por Diamantina? Exatamente como se passeia<br />

por Ouro Preto, ou seja, à pé, reparando nos <strong>de</strong>talhes. Com uma<br />

vantagem: Diamantina é menor e mais plana, assim, sempre sobra<br />

tempo para <strong>de</strong>dicar uma manhã <strong>de</strong> sábado à pitoresca e animada praça<br />

do mercado, on<strong>de</strong> você vai encontrar <strong>de</strong> tudo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> pinga falsificada,<br />

mel <strong>de</strong> boa qualida<strong>de</strong>, doces esforça<strong>dos</strong> até autógrafos da Helena<br />

Jobim.<br />

Existem vários roteiros <strong>de</strong> visitação e é claro que eu também fiz<br />

o meu. Vamos a ele. O ponto <strong>de</strong> referência <strong>de</strong> Diamantina é a praça da<br />

317


matriz. Infelizmente a matriz atual não é a antiga matriz <strong>de</strong> Santo<br />

Antônio do século XVIII, mas sim uma construção incompreensível,<br />

bem tipo fim-<strong>de</strong>-feira. Os altares laterais, contudo, são os originais da<br />

primitiva igreja e por eles o templo merece ser visitado, ainda que eu<br />

continue pensando que estariam melhores num museu, ao lado <strong>dos</strong><br />

retábulos da Jaguara que hoje estão na matriz <strong>de</strong> Nova Lima. Mas eles<br />

têm um valor didático muito interessante pois um é em arquivolta e o<br />

outro é em <strong>dos</strong>sel. Comparando os dois é possível caracterizar, com<br />

clareza, as principais fases <strong>dos</strong> retábulos setecentistas mineiros.<br />

Saindo da matriz, passamos pelo casarão da prefeitura,<br />

<strong>de</strong>scemos a rua Direita e contemplamos o chafariz que Richard Burton,<br />

com evi<strong>de</strong>nte exagero, achou grotesco. 207 Depois do chafariz está o<br />

interessante casarão do Fórum em cujo porão, evi<strong>de</strong>ntemente,<br />

funcionou a ca<strong>de</strong>ia em outros tempos. Na seqüência, chega-se à praça J.<br />

K. on<strong>de</strong> o nosso in<strong>de</strong>lével presi<strong>de</strong>nte está ereto em sua estátua <strong>de</strong><br />

bronze, pronto para subir a la<strong>de</strong>ira e voltar pra casa. À frente se abre a<br />

rua São Francisco que começa na igreja e on<strong>de</strong> ,justamente, está a Casa<br />

<strong>de</strong> Juscelino, hoje Museu, no meio da subida. Há a la<strong>de</strong>ira e é preciso<br />

galgá-la bravamente em busca da parte alta da cida<strong>de</strong>. Sejamos otimistas<br />

e vamos consi<strong>de</strong>rar a subida razoavelmente suave se comparada a<br />

subida da la<strong>de</strong>ira do Vira e Saia lá no Padre Faria <strong>de</strong> Ouro Preto. Ao<br />

final, entramos à direita em <strong>de</strong>manda a rua da Carida<strong>de</strong>. Seguimos à<br />

esquerda até encontrar a rua da Luz com sua respectiva igreja, aberta<br />

sobre a praça. Provavelmente a igreja estará fechada. Assim voltamos,<br />

entramos no beco das Craveiras à esquerda e encontramos a rua Prof.<br />

Mandacaru cuja continuação, morro abaixo, é a rua da Glória. Seguindo<br />

encontramos o famoso passadiço <strong>de</strong> John Rose que liga os dois<br />

casarões, hoje pertencentes à UFMG que ali guarda pedras do barão <strong>de</strong><br />

Eschwege e on<strong>de</strong> morou o inten<strong>de</strong>nte Câmara, no princípio do século<br />

XIX e a d. Josefa Maria da Gloria que emprestou seu nome à casa e daí<br />

à rua. Na seqüência da <strong>de</strong>scida passamos por interessantes casarões nas<br />

ruas Macau: a <strong>de</strong> Cima, a do Meio e a <strong>de</strong> Baixo. Pegamos a do Meio e<br />

seguindo voltamos à praça J.K. e à praça da Matriz, um pouco acima.<br />

Subindo a rua Direita no sentido inverso do roteiro inicial, encontramos<br />

207 De fato, as carrancas são muito mal talhadas, mas também não chega a tanto.<br />

318


o Museu do Diamante que era a antiga casa do padre Rolim. 208 O<br />

museu é meio <strong>de</strong>sorganizado, as placas informativas são incompletas e<br />

confusas. Tem muito pouca coisa sobre diamantes e, andando pela casa,<br />

acabamos convenci<strong>dos</strong> que, provavelmente, o padre Rolim não era,<br />

assim, tão rico. Um pouco mais acima encontramos a Casa do<br />

Inten<strong>de</strong>nte Câmara, muito mais suntuosa do que a do indigitado padre,<br />

on<strong>de</strong> não vamos po<strong>de</strong>r entrar por ser uma residência particular mas, da<br />

rua mesmo, vamos po<strong>de</strong>r contemplar as pinturas no forro. Saindo da<br />

rua Direita, <strong>de</strong>rivando à esquerda, subimos em direção a rua das Mercês<br />

on<strong>de</strong> está a respectiva igreja. Conhecida a igreja <strong>dos</strong> crioulos dissi<strong>de</strong>ntes<br />

do Rosário, voltamos pelo mesmo caminho, <strong>de</strong>scemos à direita e<br />

alcançamos a igreja do Carmo. Antes <strong>de</strong> visitá-la entramos à direita da<br />

rua do Contrato e seguimos em direção à praça Lobo <strong>de</strong> Mesquita. Aí<br />

está a casa da Chica da Silva. E aqui vamos fazer uma pausa para falar<br />

um pouco, <strong>de</strong>sta personagem in<strong>de</strong>fectível e sedutora. Segundo Joaquim<br />

Felício <strong>dos</strong> Santos, testemunha ocular <strong>de</strong> boa parte da história do<br />

Tijuco, Chica não se <strong>de</strong>stacava nem física nem espiritualmente. 209 Além<br />

disso, digo eu, passou boa parte <strong>dos</strong> seus anos <strong>de</strong> viço, absolutamente<br />

prenhe. Só com o contratador teve treze filhos e quando os dois se<br />

juntaram ela já tinha que puxar pelo menos um filho em cada mão.<br />

Como foi possível ela cativar <strong>de</strong> tal maneira o rico João Fernan<strong>de</strong>s a<br />

ponto <strong>de</strong> levá-lo <strong>às</strong> mais inimagináveis extravagâncias para agradá-la ? A<br />

resposta, na verda<strong>de</strong> não interessa muito: só os seduzi<strong>dos</strong> sabem o que<br />

faz seus sedutores assim serem e isso é entre eles. Mas Chica da Silva<br />

não <strong>de</strong>via ser assim, tão insignificante pois, mesmo <strong>de</strong>pois que o<br />

contratador foi para Portugal assumir os bens do pai e se acertar com a<br />

Coroa, <strong>de</strong>ixando-a para sempre; ela continuou se <strong>de</strong>stacando no arraial.<br />

Mandou as filhas estudarem no convento <strong>de</strong> Macaúbas e os filhos para<br />

208 José da Silva <strong>de</strong> Oliveira Rolim (o padre e não o pai) foi o mais famoso<br />

inconfi<strong>de</strong>nte da comarca do Serro. Colega do padre Toledo da vila <strong>de</strong> São José<br />

gozava, como ele, da fama <strong>de</strong> ser mulherengo e <strong>de</strong>sonesto nos negócios. Foi o último<br />

<strong>dos</strong> inconfi<strong>de</strong>ntes presos e o único que realmente ofereceu alguma resistência à<br />

prisão. Antes já tinha sido expulso do Tijuco pelo governador Cunha Menezes por<br />

suspeita <strong>de</strong> contrabando. Ficou preso alguns anos em Portugal e <strong>de</strong>pois voltou ao<br />

Brasil, falecendo no Tijuco em 1835 <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter sido in<strong>de</strong>nizado pelo seqüestro <strong>de</strong><br />

seus bens, por or<strong>de</strong>m do regente do novo Império do Brasil.<br />

209 Hoje se sabe que Felício <strong>dos</strong> Santos andou implicando muito com a Chica e<br />

falsificando a sua imagem. Falaremos mais disso no terceiro livro da trilogia.<br />

319


a Europa. Fez-se admitir nas duas irmanda<strong>de</strong>s da elite local: a do Carmo<br />

e a <strong>de</strong> São Francisco. Morreu em paz e hoje está sepultada no cemitério<br />

da igreja <strong>de</strong> São Francisco ou no convento <strong>de</strong> Macaúbas, não se sabe ao<br />

certo. Há uma dúvida se Chica da Silva realmente freqüentou as <strong>igrejas</strong><br />

das elites brancas ou se ela apenas contribuía para as irmanda<strong>de</strong>s sem<br />

usufruir maiores vantagens. Parece que as irmanda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Pretos e<br />

Crioulos <strong>de</strong> Diamantina não discriminavam muito os brancos mas<br />

mesmo aqui, é difícil imaginar um negro ou mulato assistindo missa<br />

numa igreja do Carmo ou <strong>de</strong> São Francisco, no século XVIII. Ao<br />

contrário da crença popular, Chica da Silva não era propriamente negra.<br />

Pessoalmente acho que Chica da Silva <strong>de</strong>via ter uma estampa<br />

interessante e provavelmente tinha a pele mais para morena do que para<br />

mulata. Tanto que seu filho Simão Pires Sardinha, circulava pelos mais<br />

finos salões da Europa e inclusive, era cavaleiro da elitista Or<strong>de</strong>m <strong>de</strong><br />

Cristo o que não seria possível se ele exibisse o mais discreto indício <strong>de</strong><br />

não pertencer a raça branca. Assim, acho que o ilustre senador Joaquim<br />

Felício <strong>dos</strong> Santos <strong>de</strong>negriu literalmente a imagem da Chica mais do<br />

que seria correto. Isso acabou distorcendo a imagem histórica <strong>de</strong>ssa<br />

notável mulher mineira do século XVIII, pois o livro do nosso senador<br />

sempre foi tido como obra inconteste sobre as coisas e vultos do<br />

Tijuco. E hoje temos que aturar musiquinhas imbecis chamando a<br />

Chica <strong>de</strong> “crioula” o que não é <strong>de</strong>preciativo mas também não é<br />

correto. 210<br />

Deixando a Casa da Chica da Silva voltamos à rua do Contrato<br />

e, agora sim, po<strong>de</strong>mos visitar a mais notável igreja <strong>de</strong> Diamantina: a<br />

igreja do Carmo, ao lado da qual aproveitamos para observar o Palácio<br />

Episcopal, antiga Casa do Contrato <strong>de</strong> João Fernan<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Oliveira.<br />

Como se recorda, o Bispado <strong>de</strong> Diamantina é o segundo mais antigo <strong>de</strong><br />

<strong>Minas</strong>. Após o palácio, <strong>de</strong>scendo a rua, po<strong>de</strong>mos alcançar a praça do<br />

Rosário on<strong>de</strong> está a mais antiga igreja <strong>de</strong> Diamantina. Daí subimos o<br />

beco que está bem em frente ao adro e saímos na rua do Bonfim on<strong>de</strong><br />

po<strong>de</strong>mos visitar a igreja <strong>dos</strong> Militares. Em seguida, <strong>de</strong>scemos e<br />

seguimos até a rua do Amparo on<strong>de</strong> está a igreja sustentando sua<br />

gran<strong>de</strong> torre. Passando no beco ao lado do templo, ainda anima<strong>dos</strong><br />

210 Até Cecília Meireles embarcou nessa no Romanceiro da Inconfidência, retratando<br />

a Chica um tanto preconceituosamente, meio como que uma “negra mandona”.<br />

320


chegamos à praça do Mercado e daí até a rua Burgalhau que é a mais<br />

antiga <strong>de</strong> Diamantina, on<strong>de</strong> o arraial do Tijuco nasceu. Continuando,<br />

voltamos à praça do Mercado. Em sendo um sábado ela estará muita<br />

animada, mas provavelmente não teremos on<strong>de</strong> nos assentar. Assim, é<br />

melhor subir o beco que leva à rua da Quitanda e encerrar o roteiro,<br />

tomando alguma coisa, sentado à mesa bem no meio da rua,<br />

planejando quando iremos retornar à simpática Diamantina. Mas antes<br />

nos espera um passeio ao interessante entorno ecológico e histórico e<br />

uma imperdível vesperata, neste mesmo local.<br />

Os Viajantes<br />

Claro que nossos viajantes da caravana do século XVIII não se<br />

furtaram em passar pelo Tijuco. Antes pelo contrário, tinham enorme<br />

curiosida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conhecer isto aqui. Lembram-se <strong>de</strong> John Mawe, o<br />

comerciante inglês que encontramos casualmente em Vila Rica tempos<br />

atrás? Pois ele também andou pelo Tijuco e fez observações<br />

interessantes sobre o distrito. Depois <strong>de</strong> passar pela guarda fronteiriça<br />

do Milho Ver<strong>de</strong>, chegou ao arraial no dia 17 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1809,<br />

exatamente um mês após o início da sua jornada à <strong>Minas</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o Rio<br />

<strong>de</strong> Janeiro. Foi recebido pelo inten<strong>de</strong>nte Câmara, o todo po<strong>de</strong>roso<br />

governador do Distrito <strong>dos</strong> Diamantes, homem culto que tinha<br />

estudado mineralogia na Inglaterra e vivido anos na Europa. 211 Mawe<br />

encantou-se com a hospitalida<strong>de</strong> local, tendo sido alojado<br />

confortavelmente na biblioteca do inten<strong>de</strong>nte em meio a várias obras <strong>de</strong><br />

autores ingleses. Pô<strong>de</strong> gozar da intimida<strong>de</strong> da família, participando das<br />

rotinas domésticas. Consi<strong>de</strong>rou a socieda<strong>de</strong> do Tijuco muito culta e<br />

agradável. Na verda<strong>de</strong> sentiu-se em casa pois, como não <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong><br />

211 Manuel Ferreira da Câmara Bithencourt Aguiar e Sá, mineiro do Serro, estudou e<br />

viveu na Europa muitos anos, sendo o primeiro brasileiro a assumir a Intendência do<br />

Distrito <strong>dos</strong> Diamantes, cargo que exerceu <strong>de</strong> 1807 a 1823. Foi membro <strong>de</strong> várias<br />

aca<strong>de</strong>mias <strong>de</strong> ciências da Europa inclusive da Aca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> Lisboa, honra que o<br />

próprio Saint-Hilaire também gozou, assim como alguns inconfi<strong>de</strong>ntes. Foi <strong>de</strong>putado<br />

à Assembleia Constituinte <strong>de</strong> 1823 e criador das forjas <strong>de</strong> Gaspar Soares, ou seja, foi<br />

um <strong>dos</strong> pioneiros na exploração do minério <strong>de</strong> ferro <strong>de</strong> <strong>Minas</strong>, a gran<strong>de</strong> riqueza do<br />

estado nos séculos seguintes. Morreu na Bahia em 1835, senador do império. Era<br />

irmão <strong>de</strong> José <strong>de</strong> Sá Bithencourt, aquele que escapou por pouco <strong>de</strong> ser con<strong>de</strong>nado<br />

como inconfi<strong>de</strong>nte, tendo sido salvo pela tia, que pagou uma boa propina para vê-lo<br />

inocentado.<br />

321


observar, usavam trajes ingleses e tinham o hábito <strong>de</strong> promover<br />

reuniões à tar<strong>de</strong> quando as mulheres tomavam chá e os homens<br />

jogavam jogos ingleses <strong>de</strong> cartas. Não <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> registrar, porém, o<br />

gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> mendigos existentes no arraial, principalmente<br />

mulheres.<br />

Mawe visitou as minas <strong>de</strong> Mendanha e do Rio Pardo e observou<br />

que elas pertenciam ao governo mas eram tocadas por escravos<br />

aluga<strong>dos</strong>. Aliás, gran<strong>de</strong> parte <strong>dos</strong> cidadãos da antiga Tijuco viviam <strong>de</strong>sse<br />

primitivo sistema <strong>de</strong> terceirização, lastreado em profícua parceria entre<br />

governo e iniciativa privada. Havia também uma política <strong>de</strong> bônus<br />

interessante: todas as vezes que um escravo achava um diamante <strong>de</strong><br />

mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>zesseis quilates e meio, ele ganhava a liberda<strong>de</strong> mais algumas<br />

utilida<strong>de</strong>s extras, entre as quais uma muda <strong>de</strong> roupa nova. O visitante<br />

inglês presenciou o achado <strong>de</strong> um diamante que se supôs aten<strong>de</strong>r a esta<br />

condição, o que resultaria no merecimento do prêmio pelo sortudo<br />

escravo que o encontrou. Procedido o peso verificou-se porém, que o<br />

dito não pesava o preço da liberda<strong>de</strong> pelo que, o pobre não teve direito<br />

sequer a umas férias. 212<br />

Mawe visitou também a casa do tesouro on<strong>de</strong> pô<strong>de</strong> observar<br />

uma partilha <strong>de</strong> diamantes <strong>dos</strong> mais varia<strong>dos</strong> formatos, tamanhos e<br />

cores. Registrou que a produção anual girava em torno <strong>de</strong> vinte e cinco<br />

mil quilates, o que se não nos falham as referências, <strong>de</strong>ve dar algo em<br />

torno <strong>de</strong> cinqüenta quilos.<br />

Mawe confessou que o inten<strong>de</strong>nte Câmara adorava cerveja e<br />

tentou fabricar alguma para <strong>de</strong>leite <strong>de</strong> seu anfitrião, fornecendo ainda,<br />

como era do seu feitio, a receita do processo. Evi<strong>de</strong>ntemente não se<br />

conteve da tentação <strong>de</strong> também ensinar à mulher do inten<strong>de</strong>nte, o<br />

processo <strong>de</strong> fabricar manteiga e queijo. (A <strong>de</strong>speito do fato do leite na<br />

região ser muito mais raro do que diamante e quase do mesmo preço).<br />

Encantou-se com a aplicação da senhora Câmara em apren<strong>de</strong>r o<br />

processo. De tal forma que encerrou o relato da sua visita com esta<br />

preciosa observação : “Fiquei firmemente convencido que, se as<br />

brasileiras recebessem educação melhor, sobretudo no que se refere à<br />

economia doméstica, e estivessem habituadas a ver tudo quanto diz<br />

212 Saint-Hilaire anotou que em 1816, três escravos conseguiram obter o cobiçado<br />

prêmio.<br />

322


espeito ao lar administrado com or<strong>de</strong>m e regularida<strong>de</strong>, se tornariam<br />

úteis à socieda<strong>de</strong>”. 213<br />

Mawe voltou à Inglaterra em 1811 e abriu uma loja <strong>de</strong> comércio<br />

<strong>de</strong> pedras preciosas <strong>às</strong> margens do Tamisa, especialmente gemas<br />

brasileiras. Publicou seu livro sobre a viagem ao Brasil no ano seguinte<br />

e viveu até 1829.<br />

August <strong>de</strong> Saint-Hilaire foi o segundo <strong>dos</strong> nossos viajantes a<br />

visitar o arraial do Tijuco. Ele não anotava datas com muita freqüência<br />

mas, nesse caso, foi preciso em registrar que aqui chegou no dia 29 <strong>de</strong><br />

setembro <strong>de</strong> 1817 e partiu no dia 30 <strong>de</strong> outubro. Assim como Mawe,<br />

teve o privilégio <strong>de</strong> se hospedar com o gentil, magnânimo, culto e capaz<br />

inten<strong>de</strong>nte Câmara e igualmente gozar da convivência com sua família.<br />

Teve o cuidado <strong>de</strong> anotar o nome da mulher do inten<strong>de</strong>nte que Mawe<br />

omitiu: d. Matil<strong>de</strong> da Câmara. Não teve oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> constatar,<br />

porém, se ele tinha efetivamente aprendido a fazer cerveja e se ela tinha<br />

se tornado mais útil à socieda<strong>de</strong>, fazendo queijo e manteiga. Gostou da<br />

cida<strong>de</strong> cujas ruas julgou largas e limpas, posto que muito mal<br />

calçadas. 214 Corroborando Mawe, elogiou a cultura e fineza da elite<br />

local, composta também <strong>de</strong> <strong>de</strong>dica<strong>dos</strong> jovens que tinham aprendido a<br />

se comunicar em francês, recorrendo apenas a uma tosca gramática.<br />

Não concordou, porém, com o comerciante inglês quanto a existência<br />

<strong>de</strong> muitos mendigos no Tijuco, contestando-o explicitamente. 215<br />

Foi aqui que o nosso insuperável sábio, sofreu um grave<br />

aci<strong>de</strong>nte e se fez merecedor das maiores atenções, provando<br />

in<strong>de</strong>levelmente a solidarieda<strong>de</strong> e hospitalida<strong>de</strong> mineiras. Ia ele absorto<br />

em suas plantas e animais quando sofreu uma violenta queda do cavalo,<br />

batendo a cabeça e <strong>de</strong>smaiando. Mas foi socorrido por escravos e<br />

213 Os viajantes estrangeiros não conseguiam enten<strong>de</strong>r muito bem que, na socieda<strong>de</strong><br />

brasileira do século XIX , as mulheres abastadas não eram dadas a serviços<br />

domésticos, coisa <strong>de</strong>legada <strong>às</strong> negras escravas. Volta e meia davam um vexame<br />

elogiando a qualida<strong>de</strong> da comida, querendo agradar a dona da casa que, constrangida,<br />

também não conseguia enten<strong>de</strong>r como podia ser confundida com aqueles que tinham<br />

tão <strong>de</strong>gradantes atribuições.<br />

214 Como o caro leitor vai notar, nossos viajantes divergiam muito sobre ruas e<br />

calçamentos. Mais adiante outros vão ter opiniões diversas.<br />

215 Saint-Hilaire fez questão <strong>de</strong> contestar textualmente várias <strong>dos</strong> registros <strong>de</strong> Mawe.<br />

323


prontamente atendido. Nada que os cuida<strong>dos</strong> <strong>de</strong> quatro médicos mais a<br />

atenção da família Câmara não resolvesse em poucos dias.<br />

Saint-Hilaire anotou sete <strong>igrejas</strong> e duas capelas no Tijuco e as<br />

consi<strong>de</strong>rou ornamentadas com gosto. Achou muito bonitas a matriz <strong>de</strong><br />

Santo Antônio, a igreja <strong>de</strong> São Francisco e a do Carmo. Depois,<br />

cumprindo o roteiro indispensável <strong>dos</strong> visitantes estrangeiros, percorreu<br />

os serviços das minas e discorreu longamente sobre elas.<br />

Finalmente juntou o seu volumoso herbário e tomou o caminho<br />

<strong>de</strong> volta, seguindo mais ou menos, o roteiro da vinda, até o Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro e daí percorrendo longamente o Império do Brasil até 1822<br />

quando então voltou à França. Escreveu numerosos livros sobre o<br />

nosso país e no dia 30 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1853 <strong>de</strong>ixou este mundo, cheio<br />

<strong>de</strong> títulos e glórias como um <strong>dos</strong> gran<strong>de</strong>s sábios do século XIX.<br />

Seus livros <strong>de</strong> relatos das viagens a <strong>Minas</strong> foram publica<strong>dos</strong><br />

somente em 1830 e 1833, pois a jornada o <strong>de</strong>sgastou <strong>de</strong> tal maneira que<br />

ele levou alguns anos para se recuperar.<br />

Spix e Martius estiveram no Arraial do Tijuco em mea<strong>dos</strong> <strong>de</strong><br />

maio <strong>de</strong> 1818. Ficaram no arraial do Milho Ver<strong>de</strong>, aguardando o<br />

reconhecimento da autorização para cruzar a fronteira o que não<br />

<strong>de</strong>morou. Elogiaram muito a natureza da região pela quantida<strong>de</strong> e<br />

beleza das flores do campo que compararam a um jardim. Elogiaram<br />

igualmente a cida<strong>de</strong>, com bom calçamento, casas <strong>de</strong> dois pavimentos e<br />

lojas bem abastecidas. Também foram muito bem recebi<strong>dos</strong> pelo<br />

inten<strong>de</strong>nte Câmara que lhes ce<strong>de</strong>u uma moradia e alimentação à mesa<br />

da família. Tiveram acesso a uma partilha <strong>de</strong> diamantes que estava para<br />

ser enviada a Vila Rica e daí a Portugal, com perto <strong>de</strong> vinte quilos. Era a<br />

produção <strong>de</strong> aproximadamente quatro meses o que mostra que mesmo<br />

cem anos <strong>de</strong>pois da <strong>de</strong>scoberta <strong>dos</strong> diamantes, a produção ainda era<br />

significativa e não tinha diminuído em relação ao tempo <strong>de</strong> viagem <strong>de</strong><br />

Mawe, nove anos antes. Tal qual Saint-Hilaire fizera no Serro,<br />

antecipando a real aclamação em quase um ano, assistiram as<br />

festivida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> coroação <strong>de</strong> d. João VI, na mesma base <strong>dos</strong> <strong>de</strong>sfiles,<br />

representações, <strong>de</strong>clamações e atos religiosos.<br />

Enfim permaneceram no Tijuco cerca <strong>de</strong> um mês e fizeram<br />

muitas observações mas, como era seu hábito, enfocando mais as<br />

plantas e as pedras e menos os homens e seus costumes. Não <strong>de</strong>ixaram,<br />

porém, <strong>de</strong> emitir um comentário que hoje nos <strong>de</strong>ixa pasmos e revela<br />

324


como era primitivo o conhecimento médico no início do século XIX. 216<br />

Pois nossos caros cientistas, tendo encontrado numa fazenda perto do<br />

Itambé uma família com dois filhos que apresentavam distúrbios<br />

mentais, não hesitaram em atribuir o fato a provável conseqüência <strong>de</strong><br />

perversão sexual. Para se redimirem, porém, <strong>de</strong> tal insensatez, foram<br />

escalar o pico do Itambé tal qual Saint-Hilaire fizera no Caraça, <strong>de</strong>pois<br />

<strong>de</strong> atribuir a <strong>de</strong>cadência da província à Inconfidência Mineira. Em<br />

seguida voltaram ao Tijuco, juntaram seu valioso acervo da flora<br />

mineiriana e se foram para a Bahia, <strong>de</strong>ixando para sempre as nossas<br />

<strong>Minas</strong> Gerais. Permaneceram porém, percorrendo nosso país durante<br />

muitos meses mais . Voltando à Europa, iniciaram a elaboração do seu<br />

trabalho enciclopédico sobre a fauna e flora brasileiras. Spix morreria<br />

ainda jovem, em 1826 com quarenta e cinco anos. Martius viveu até<br />

1868, morrendo com setenta e quatro anos. Os livros sobre a viagem ao<br />

Brasil foram publica<strong>dos</strong> em 1823 e 1831. Portanto, embora tenham<br />

estado no Brasil cerca <strong>de</strong> um ano <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> Saint-Hilaire, iniciaram a<br />

publicação <strong>de</strong> sua obra sete anos antes do sábio francês.<br />

George Gardner esteve em Diamantina em mea<strong>dos</strong> <strong>de</strong> julho <strong>de</strong><br />

1840, ou seja, cerca <strong>de</strong> um ano antes da extinção da Real Extração e das<br />

fronteiras fechadas do distrito <strong>dos</strong> Diamantes. Achou as ruas estreitas,<br />

irregulares e mal calçadas mas com boas casas <strong>de</strong> dois e três andares,<br />

semelhantes <strong>às</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro. Contou três ou quatro <strong>igrejas</strong> e ficou<br />

hospedado perto da do Rosário, numa casa alugada ao estalaja<strong>de</strong>iro.<br />

Acompanhou solenida<strong>de</strong>s religiosas nessa igreja e na das Mercês on<strong>de</strong><br />

confessa ter assistido a um excelente sermão. 217 Comentou que as<br />

mulheres eram as mais belas do Brasil mas que iam à igreja mal<br />

arrumadas e usavam chapéus <strong>de</strong> homem na rua. Discorreu sobre a<br />

organização econômica em torno da exploração do diamante àquela<br />

216 Saint-Hilaire, após a tal queda do cavalo nas cercanias do Tijuco, vacilou em se<br />

submeter à sangria recomendada pelo médico que o aten<strong>de</strong>u, muito mais por não<br />

confiar no profissional brasileiro do que por não acreditar no método. Acabou<br />

concordando e não <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> atribuir à intervenção o motivo da sua melhora.<br />

217 É interessante observar que ele freqüentou as <strong>igrejas</strong> <strong>dos</strong> negros e crioulos e não <strong>às</strong><br />

das elites brancas <strong>de</strong> Diamantina. Lembrando que ele, embora branco e inglês, não foi<br />

hóspe<strong>de</strong> <strong>de</strong> nenhuma autorida<strong>de</strong> local, isso po<strong>de</strong> significar que, ainda no século XIX,<br />

as irmanda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pobres continuavam tolerantes e as <strong>de</strong> branco continuavam muito<br />

intolerantes.<br />

325


época, contando que a ativida<strong>de</strong> já não era muito lucrativa. Registrou<br />

que os mineradores eram explora<strong>dos</strong> pelos comerciantes e que, além<br />

disso, ainda ficavam sujeitos aos roubos <strong>dos</strong> negros que chamou <strong>de</strong><br />

“ladrões refina<strong>dos</strong>”. Quando Gardner estava em Diamantina foi<br />

anunciado que d. Pedro II iria assumir o governo, terminando assim o<br />

período da regência. Conta que a notícia provocou gran<strong>de</strong> júbilo e<br />

muitas comemorações. Estas consistiam, basicamente, num cortejo que<br />

parava nas casas das pessoas ilustres da cida<strong>de</strong> quando eram<br />

<strong>de</strong>clama<strong>dos</strong> poemas, aos quais as mulheres retribuíam atirando flores<br />

sobre os oradores.<br />

Encerrada sua visita a Diamantina, Gardner <strong>de</strong>sceu, pelo Serro<br />

rumo a Ouro Preto e o Rio <strong>de</strong> Janeiro, voltando <strong>de</strong>pois à Europa on<strong>de</strong><br />

continuou suas ativida<strong>de</strong>s como naturalista, inclusive publicando uma<br />

série <strong>de</strong> artigos sobre o Brasil no London Journal of Botany. O livro<br />

sobre a viagem foi publicado em 1846.<br />

Quando Richard Burton visitou Diamantina, em 1867, o<br />

famigerado Código da Extração Real que fechava e controlava a região<br />

à mão <strong>de</strong> ferro, já tinha sido extinto. Assim ele não falou muito sobre a<br />

organização política e econômica da cida<strong>de</strong>. Ao contrario, ficou à<br />

vonta<strong>de</strong> para fazer as irônicas e bem humoradas observações que<br />

gostava <strong>de</strong> fazer sobre as pessoas e costumes que encontrava em suas<br />

viagens. Nessa linha, observou que a intendência então tinha virado<br />

uma casa <strong>de</strong> comércio, convenientemente suprida. Concordando com<br />

Mawe, sessenta anos <strong>de</strong>pois, consi<strong>de</strong>rou Diamantina a cida<strong>de</strong><br />

socialmente mais agradável do Brasil e diz, concordando com Gardner,<br />

ter encontrado aqui as mulheres mais bonitas do país. 218 De fato, nosso<br />

simpático cônsul inglês andou circulando e cercado <strong>de</strong> obséquios da<br />

mais nobre socieda<strong>de</strong> diamantinense, opulenta e culta ainda em mea<strong>dos</strong><br />

218 Além do testemunho <strong>dos</strong> nossos dois viajantes, ainda há um fato que confirma a<br />

fama <strong>de</strong> beleza das <strong>antigas</strong> mulheres <strong>de</strong> Diamantina. Consta que em 1752 o ouvidor<br />

do Serro não resistiu a beleza <strong>de</strong> uma jovem dama do Tijuco e em plena igreja, on<strong>de</strong><br />

assistia a uma solenida<strong>de</strong>, atirou-lhe acintosamente uma flor ao colo. O gesto<br />

provocou a indignação <strong>dos</strong> familiares da moça que, tendo a frente o contratador<br />

Cal<strong>de</strong>ira Brant, foi tirar satisfações ao sedutor <strong>de</strong>scontrolado, quase o atingindo com o<br />

golpe <strong>de</strong> punhal. O caso <strong>de</strong>u tamanha confusão que se atribui a ele a ruína do<br />

contratador que por motivos não <strong>de</strong>vidamente esclareci<strong>dos</strong>, acabou preso e enviado a<br />

Portugal on<strong>de</strong> veio a morrer <strong>às</strong> vésperas do perdão.<br />

326


do século XIX. No seu tempo como dissemos, já não mais existiam<br />

inten<strong>de</strong>ntes do diamante mas ele teve o privilégio <strong>de</strong> se hospedar na<br />

casa <strong>de</strong> um <strong>dos</strong> mais ricos comerciantes da cida<strong>de</strong>: o sr. João Ribeiro <strong>de</strong><br />

Carvalho Amarante, mas não pô<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> anotar a existência do<br />

Hotel do Cula (o Sr. Herculano) que servia o almoço <strong>às</strong> 9:30 e o jantar<br />

<strong>às</strong> 16:00 horas. Esteve na in<strong>de</strong>fectível rua Direita que observou ser<br />

torta, íngreme e mal calçada e começar num chafariz que como<br />

dissemos, achou grotesco. Des<strong>de</strong>nhou as <strong>igrejas</strong> e visitou o Palácio<br />

Episcopal e o Seminário. Visitou lavras <strong>de</strong> diamantes nas cercanias e<br />

terminou sua estadia participando <strong>de</strong> uma lauta recepção na casa da rica<br />

viúva d. Maria <strong>de</strong> Nazaré Netto Leme on<strong>de</strong> recusou dançar a quadrilha,<br />

confessando que a última vez que tinha dançado tinha sido com o rei<br />

do Daomé, bons anos antes. Mas ceou e permaneceu na festa até as<br />

duas da manhã, se retirando quando ela ainda estava muito animada.<br />

Esteve com seu compatriota o, já citado, John Rose, inglês da região<br />

mineira da Cordoalha, pedreiro, carpinteiro e arquiteto, ex-empregado<br />

da Mina <strong>de</strong> Morro Velho e, como vimos, construtor do <strong>de</strong>corativo<br />

passadiço da rua da Glória e que, segundo Burton, vivia<br />

confortavelmente em Diamantina, por conta das cinco mil libras que<br />

tinha conseguido juntar no Brasil 219 .<br />

Depois <strong>de</strong> três dias, nosso bravo capitão voltou ao rio São<br />

Francisco, pegou a sua tosca canoa e, como Spix e Martius fizeram<br />

meio século antes, rumou para a Bahia; <strong>de</strong>ixando para sempre o país<br />

das minas e <strong>dos</strong> diamantes. Retornou a Santos on<strong>de</strong> reassumiu seu<br />

cargo <strong>de</strong> cônsul e concluiu o relato <strong>de</strong> sua viagem. O livro foi<br />

publicado em 1869, sob supervisão <strong>de</strong> Isabel Burton, enquanto o<br />

marido permanecia no Brasil. De Santos Burton foi transferido a<br />

Damasco e a Trieste on<strong>de</strong> morreu entediado em 1890, com sessenta e<br />

nove anos remoendo sauda<strong>de</strong>s das suas tantas aventuras pelo mundo.<br />

As Igrejas<br />

Cadastramos em Diamantina um total <strong>de</strong> oito templos: igreja<br />

<strong>de</strong> N. S. do Rosário <strong>dos</strong> Pretos, igreja <strong>de</strong> N. S. do Carmo, capela do<br />

Bonfim <strong>dos</strong> Militares, igreja <strong>de</strong> N. S. das Mercês, igreja <strong>de</strong> N. S. da Luz,<br />

219 Rose trabalhou para o bispo, d. João Antônio <strong>dos</strong> Santos, além do Passadiço da<br />

Glória construiu também a fábrica <strong>de</strong> teci<strong>dos</strong> <strong>de</strong> Biribiri.<br />

327


Capela Imperial do Amparo, igreja <strong>de</strong> S. Francisco <strong>de</strong> Assis, capela <strong>de</strong><br />

Santana do distrito <strong>de</strong> Inhaí. A igreja do Carmo foi tombada pelo<br />

IPHAN em 1940, as <strong>de</strong>mais foram tomadas em 1949. A igreja <strong>de</strong> Inhaí<br />

e a igreja <strong>de</strong> N. S. da Luz não são tombadas.<br />

Igreja <strong>de</strong> N. S. do Carmo – 1765<br />

Como se recorda, nos comentários feitos no princípio <strong>de</strong>ste<br />

livro dissemos que as <strong>igrejas</strong> da região <strong>de</strong> Diamantina seguem mo<strong>de</strong>los<br />

distintos <strong>dos</strong> adota<strong>dos</strong> na região do Ouro Preto, do Sabarabuçu e do<br />

Rio das Mortes e até mesmo da vizinha Serro. Aqui as <strong>igrejas</strong> são<br />

predominantemente barrocas, com poucos adornos tipicamente<br />

rococós, sem estruturas ou talhas em pedra, com fachadas simples e<br />

assimétricas, <strong>de</strong> torres únicas com telhado em quatro águas afila<strong>dos</strong> no<br />

centro e com as bases avançando sobre os beirais. Não há retábulos em<br />

arquivoltas mas sim predominantemente em <strong>dos</strong>sel. Os altares do<br />

transepto são muito simples, a nave é iluminada por quatro janelões e a<br />

capela mor por quatro aberturas retangulares. São comuns torres e<br />

frontões <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira. Em geral não são construídas em praças e sim em<br />

cantos <strong>de</strong> ruas do que lhes resulta, quase sempre, falta <strong>de</strong> espaço para<br />

um verda<strong>de</strong>iro adro. Comparando-as com as da região do ouro,<br />

po<strong>de</strong>riam ser tidas como um tanto retardatárias, não tendo chegado a<br />

alcançar, particularmente nas fachadas, a fase rococó que, aliás já estava<br />

madura quando a maioria das <strong>igrejas</strong> daqui começou a ser construída.<br />

Isso, em gran<strong>de</strong> parte, foi fruto do forte isolamento a que o distrito <strong>dos</strong><br />

diamantes foi submetido, até mea<strong>dos</strong> do século XIX, o que não livrou<br />

o rei do contrabando mas prejudicou o intercâmbio cultural com o<br />

restante da capitania. Assim, em certa medida, os artistas sacros<br />

setecentistas diamantinenses acabaram fecha<strong>dos</strong> num circulo, com os<br />

menos copiando os mais talentosos. 220 Não aportou na região, por<br />

exemplo, um Francisco Xavier <strong>de</strong> Brito, trazendo i<strong>de</strong>ias novas que,<br />

inclusive, pu<strong>de</strong>ssem ser enriquecidas e superadas por influentes geniais<br />

como Antônio Francisco Lisboa. Alias, o ponto mais setentrional que o<br />

Aleijadinho pisou foi a Jaguara, rio das Velhas abaixo. Assim, as torres<br />

220 Há um documento <strong>de</strong> contratação da reforma da igreja do Rosário <strong>de</strong> 1772<br />

impondo ao contratado a obrigação <strong>de</strong> copiar <strong>de</strong>talhes das <strong>igrejas</strong> do Carmo e <strong>de</strong> São<br />

Francisco.<br />

328


harmoniosas e portadas monumentais, em pedra sabão e cantaria<br />

passaram longe, mesmo porque esses materiais não eram tão comuns<br />

ou conheci<strong>dos</strong> na região. Até mesmo uma boa ma<strong>de</strong>ira não era tão<br />

abundante assim. E eis pois que também a falta <strong>de</strong> materiais aparece<br />

como certo empecilho ao <strong>de</strong>senvolvimento da arquitetura religiosa no<br />

distrito <strong>dos</strong> diamantes.<br />

Tudo isso não significa que as <strong>igrejas</strong> setecentista <strong>de</strong> Diamantina<br />

ou do Serro sejam <strong>de</strong>stituídas <strong>de</strong> valor ou mesmo inferiores àquelas<br />

erigidas mais ao sul. Ao contrário, a <strong>de</strong>speito do isolamento e talvez até<br />

por conta <strong>de</strong>le mesmo, aqui se <strong>de</strong>senvolveu um original estilo pictórico<br />

<strong>de</strong> boa qualida<strong>de</strong>, muito peculiar e até superior a muito do que se<br />

praticou, na mesma época, na região do ouro.<br />

No geral este é o quadro <strong>de</strong> referência da igreja do Carmo. Fica<br />

numa esquina da rua do Contrato, próximo ao Palácio Episcopal e,<br />

naturalmente, próximo da casa <strong>de</strong> Chica da Silva. Trata-se do famoso<br />

templo construído pelo contratador João Fernan<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Oliveira e que,<br />

para não incomodar sua mulata geniosa, mandou colocar a torre nos<br />

fun<strong>dos</strong>. Há uma segunda versão que acredita que o motivo era criar um<br />

subterfúgio para que ela pu<strong>de</strong>sse freqüentar a igreja já que segundo o<br />

costume, os negros jamais podiam passar além da torre <strong>dos</strong> templos.<br />

Com ela no fundo a Chica po<strong>de</strong>ria entrar até a capela mor já que, todo<br />

o corpo principal do templo fica antes da torre. É provável que o<br />

motivo seja outro pois sabe-se que houve briga entre os membros da<br />

Irmanda<strong>de</strong> do Carmo <strong>de</strong>vido ao local on<strong>de</strong> o templo <strong>de</strong>veria ser<br />

construído. É provável que a posição da torre seja conseqüência <strong>de</strong><br />

algum tipo <strong>de</strong> negociação por conta <strong>de</strong>ssa divergência. Depois <strong>de</strong><br />

pronto, o contratador doou o templo à Irmanda<strong>de</strong> <strong>de</strong> que ele fazia<br />

parte e que era também aqui tão elitista quanto em Vila Rica, Sabará,<br />

Mariana e São João <strong>de</strong>l Rei e que só admitia os gran<strong>de</strong>s nomes do lugar.<br />

Trabalhou neste templo outro notável pintor mineiro do século<br />

XVIII. O já citado guarda-mor José Soares <strong>de</strong> Araújo, tido por alguns<br />

como da mesma estatura <strong>de</strong> um Ataí<strong>de</strong>. 221 Trata-se sem dúvida do<br />

maior artista setecentista sacro do distrito, responsável por obras<br />

interessantes que muito valorizam as <strong>igrejas</strong> on<strong>de</strong> trabalhou. São suas as<br />

221 Na verda<strong>de</strong> ele nasceu em Portugal e sofreu influência <strong>de</strong> pintores que trabalharam<br />

em <strong>igrejas</strong> baianas.<br />

329


pinturas no teto da capela mor e da nave e douramentos nos altares<br />

laterais. Essas notáveis pinturas são em perspectiva ilusionista<br />

formando estruturas arquitetônicas que emolduram variadas cenas<br />

repletas <strong>de</strong> minuciosos <strong>de</strong>talhes. Destaque, pois, para as representações<br />

das imagens <strong>de</strong> veneração <strong>dos</strong> Terceiros do Monte do Carmo: na capela<br />

mor a Virgem entregando os escapulários a são Simão Stock e na nave<br />

o profeta Elias no carro <strong>de</strong> fogo arremetendo para o Céu.<br />

A fachada da igreja é absolutamente assimétrica. Externamente<br />

parece mais um casarão do que uma igreja. O adro é apenas um<br />

espaço lateral cercado <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira e a frente do templo está<br />

praticamente na beira da rua. Existem dois frontispícios. O primeiro é<br />

dividido em três partes <strong>de</strong>limitadas por pilastras <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira pintada. No<br />

centro está a porta principal, com portais simples em ma<strong>de</strong>ira e uma<br />

verga reforçada, encimada por um medalhão singelo que chega até um<br />

óculo irregular envidraçado. Nas partes laterais estão duas sacadas com<br />

cimalhinhas básicas e guarda-corpo <strong>de</strong> ferro. O segundo frontispício<br />

tem uma porta semelhante à primeira, porém menor e sem nenhum<br />

adorno sobre a verga. Funcionalmente é apenas um vestíbulo que dá<br />

acesso a nave por uma porta lateral. Acima está uma sacada idêntica <strong>às</strong><br />

outras duas. A cimalha, em forma <strong>de</strong> beiral coberto <strong>de</strong> telhas, corta os<br />

dois frontispícios, fazendo uma curva no primeiro para contornar o<br />

óculo. Existem também dois frontões: o primeiro é alto, forma um<br />

paredão <strong>de</strong> tábuas sobre o qual está uma minúscula empena com<br />

cobertura <strong>de</strong> telhas e sustentando uma cruz. Dos la<strong>dos</strong> <strong>de</strong>sse paredão<br />

há recortes <strong>de</strong> volutas e coruchéus nas pontas. Abaixo há um pequeno<br />

óculo envidraçado <strong>de</strong> forma ovalada. O segundo frontão é semelhante<br />

ao que se encontra acima do paredão, porém maior e se apoia<br />

diretamente na cimalha. No século XIX foi construída uma torre atrás<br />

<strong>de</strong>sse frontão em substituição a que havia <strong>de</strong>pois da capela mor e que<br />

estava em ruínas. Mais recentemente essa torre foi <strong>de</strong>molida, voltando a<br />

ser reerguida a original, no fundo do templo on<strong>de</strong> hoje se encontra, à<br />

distância do sono justo <strong>de</strong> Chica da Silva. É <strong>de</strong>lgada, com um telhado<br />

afilado em quatro águas avançando sobre o beiral e uma esfera armilar<br />

com pára-raios na grimpa. A distribuição arquitetônica interna é<br />

convencional, com sacristia e consistório nas laterais, por on<strong>de</strong> é<br />

possível se acessar um salão sobre o qual está erguida a torre.<br />

330


Quem examina a fachada <strong>de</strong>sta igreja e a acha um tanto<br />

<strong>de</strong>sengonçada, 222 se surpreen<strong>de</strong> com a harmonia e o equilíbrio do<br />

interior. É um barroco leve, com oportunas combinações <strong>de</strong> dourado<br />

com fundo <strong>de</strong> um cinza suave no melhor da terceira fase, já com a<br />

predominância do rococó. Os altares da nave encostam-se sobre o<br />

transepto do arco cruzeiro, quebrando o seu ângulo. O retábulo da<br />

capela mor é formado <strong>de</strong> quatro pilastras clássicas, retas, lisas e<br />

marmorizadas, com robustos capitéis. As internas sustentam um arco<br />

sóbrio e as externas sustentam um amplo <strong>dos</strong>sel. No alto do retábulo,<br />

entre o arco e o <strong>dos</strong>sel, há um medalhão concheado. O trono é sóbrio e<br />

alto. O camarim é espaçoso e está adornado com pintura figurativa no<br />

teto. Os altares da nave têm quase a mesma dimensão do da capela<br />

mor. São um pouco mais sóbrios. O retábulo tem duas colunas retas,<br />

semelhantes <strong>às</strong> do altar mor. Não há propriamente um <strong>dos</strong>sel mas sim<br />

um baldaquino franjado e acima <strong>de</strong>le está um alto espaldar reto que vai<br />

até a cornija. O arco cruzeiro apresenta fortes capitéis que sustentam a<br />

curva da cornija sobre a qual está uma tarja dourada bastante<br />

trabalhada, obra do entalhador Manuel Pinto. Há um único púlpito<br />

adornado <strong>de</strong> <strong>de</strong>licadas filigranas douradas. Pela riqueza e <strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za <strong>dos</strong><br />

<strong>de</strong>talhes merece ser trabalho <strong>de</strong> José Soares <strong>de</strong> Araújo. As pare<strong>de</strong>s da<br />

nave são imaculadas e coroam o aspecto suave <strong>de</strong> todo o interior do<br />

templo. A iluminação interna da nave é garantida pelos óculos e por<br />

janelões nas laterais. Nas pare<strong>de</strong>s da capela mor há aberturas<br />

irregulares <strong>de</strong> tendência retangular. Na frente do coro está um órgão,<br />

ali colocado em 1782 e que teve como organista contratado o genial<br />

compositor barroco mineiro Lobo <strong>de</strong> Mesquita, aqui homenageado<br />

com o nome da praça on<strong>de</strong> está a casa da Chica da Silva. O instrumento<br />

fecha quase que inteiramente o coro o que permitia ao gran<strong>de</strong> músico<br />

encantar os ouvi<strong>dos</strong>, sem ferir com sua mulatice as sensíveis retinas<br />

<strong>dos</strong> brancos do Carmo.<br />

Há que registrar, ainda, uma pintura no forro do consistório<br />

com um medalhão no centro e <strong>de</strong>talhes em volta e um oratório no<br />

fundo da sacristia que pega todo o espaço da pare<strong>de</strong> e mostra um Cristo<br />

crucificado. Há também pinturas figurativas no vestíbulo, sob o<br />

assoalho do coro.<br />

222 Desculpe-me o caro leitor politicamente correto em termos estéticos, mas eu<br />

continuo muito <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da harmonia das linhas simétricas ou, pelo menos,<br />

<strong>de</strong>ssimétricas.<br />

331


Estariam enterra<strong>dos</strong> aqui o padre Rolim e o próprio José Soares<br />

<strong>de</strong> Araújo, mas ninguém sabe exatamente aon<strong>de</strong>.<br />

Capela <strong>de</strong> N. S. do Amparo - 1773<br />

É uma igreja muito peculiar, mesmo se comparada com outros<br />

templos da região. No século XIX recebeu o título <strong>de</strong> imperial o que<br />

explica o brasão em sua fachada. Ergue-se na confluência da rua do<br />

Amparo com outra que, à partir daí, vira um beco, como tantos que há<br />

em Diamantina. Não tem propriamente um adro e se abre quase<br />

diretamente sobre a rua. Sua fachada é constituída basicamente <strong>de</strong> duas<br />

peças: o frontispício e a torre, cada um querendo aparecer mais do que<br />

o outro. No centro do frontispício há uma porta simples, almofadada,<br />

com portais <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira e uma verga arqueada e com as armas imperiais<br />

acima, pintada sobre um painel encostando num pequeno óculo<br />

cruciforme. Ao lado estão duas sacadas com balaustradas <strong>de</strong> ferro<br />

batido, bem próximas aos cunhais. A cimalha é em forma <strong>de</strong> beiral,<br />

com base saliente e com cobertura <strong>de</strong> telhas. Há ainda um frontão com<br />

frisos em volutas que, na verda<strong>de</strong>, é uma espécie <strong>de</strong> painel <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira<br />

pintado. Atrás está uma torre <strong>de</strong>spropositadamente larga e alta, com<br />

telhado em quatro águas e perfil irregular um tanto achinesado e um<br />

pequeno óculo na parte <strong>de</strong> baixo. Sabe-se que ela foi construída <strong>de</strong>pois,<br />

em substituição à original que teria ruído. No centro está a abertura do<br />

sino, meio perdido na robustez do conjunto.<br />

Há registros <strong>de</strong> contratos <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> pinturas neste templo,<br />

celebra<strong>dos</strong> com o competente pintor do Serro, Silvestre <strong>de</strong> Almeida<br />

Lopes; ao longo <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> quinze anos, bem como contratos diversos<br />

<strong>de</strong> obras até mea<strong>dos</strong> do século XIX. Não conseguimos conhecer o<br />

interior do templo que estava fechado para reforma quando o<br />

visitamos.<br />

Igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Assis - 1768<br />

É outra igreja com fachada <strong>de</strong>sarmoniosa. Apresenta traços, em<br />

alguma medida pareci<strong>dos</strong> com os do templo <strong>dos</strong> Irmãos do Carmo, já<br />

<strong>de</strong>scrito.<br />

Fica no princípio da la<strong>de</strong>ira da Casa <strong>de</strong> J.K./ Bar do Nonô, para<br />

on<strong>de</strong> se abre a escadaria <strong>de</strong> acesso ao seu pequeno adro que é mesmo<br />

um passeio mais largo com uma cerca <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira. Há, porém, um<br />

espaço lateral para on<strong>de</strong> se abre uma segunda porta <strong>de</strong> acesso à nave e<br />

332


uma outra <strong>de</strong> acesso ao consistório. Também tem uma fachada<br />

assimétrica, conseqüência da torre única postada na lateral. O<br />

frontispício é quadrado, com pilastras <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira pintada, enquadrando<br />

a porta almofadada. Esta tem uma ombreira um pouco mais<br />

trabalhada, com uma verga mais saliente. Acima há um ornato <strong>de</strong>lgado<br />

em volutas, com o brasão da or<strong>de</strong>m no meio e que se alonga e sustenta<br />

um ornato volteado que se encosta num óculo irregular envidraçado.<br />

Ao lado há duas sacadas com guarda-corpo <strong>de</strong> ferro e cimalhinhas<br />

semelhantes à verga. Ao lado do frontispício está a base da torre única e<br />

entre elas um espaço esteticamente inútil, to<strong>dos</strong> enquadra<strong>dos</strong> por<br />

pilastras <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira pintada. Há também nesta base uma terceira sacada<br />

igual <strong>às</strong> outras do frontispício. A cimalha é do tipo beiral, <strong>de</strong> perfil<br />

saliente com cobertura <strong>de</strong> telhas. Circunda todo o telhado. Sobre o<br />

frontispício está um frontão singelo, quase reto mas com pequenas<br />

volutas nas bordas. Há um outro óculo envidraçado no tímpano e uma<br />

cruz no topo que, ao contrário da tradicional Cruz <strong>de</strong> Lorena preferida<br />

pelos Irmãos da Or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> São Francisco mineiras, é em resplendor. A<br />

torre única é reta, com pilastras na lateral e um relógio curiosamente<br />

encaixado na parte superior do vão do sino. É em quatro águas, afilada<br />

no centro e coberta <strong>de</strong> telhas. No topo há um pináculo sustentando um<br />

pára-raios.<br />

A distribuição do espaço interno é básica, com o consistório e a<br />

sacristia posiciona<strong>dos</strong> nas laterais da capela mor.<br />

O retábulo do altar mor é em <strong>dos</strong>sel com um medalhão no alto<br />

e um arco franjado na parte inferior. As colunas, em número <strong>de</strong> dois,<br />

são iguais, retas e <strong>de</strong> fuste estriado e nascem sobre medalhões<br />

doura<strong>dos</strong>. Entre elas estão nichos com baldaquinos. O trono é em<br />

<strong>de</strong>graus arredonda<strong>dos</strong> com o Crucificado no alto e são Francisco mais<br />

abaixo. Há uma pintura no camarim, representando nuvens e conchas.<br />

O douramento é <strong>de</strong>licado e apresenta arremates que buscam dar a<br />

ilusão <strong>de</strong> relevo. A mesa da comunhão integra o conjunto<br />

harmonicamente.<br />

No alto do arco cruzeiro há uma tarja dourada com<br />

simbolismos franciscanos.<br />

Os altares do transepto são simples e <strong>de</strong> pouca profundida<strong>de</strong>,<br />

com uma confusa e <strong>de</strong>sagradável mistura <strong>de</strong> estilos. Há um único<br />

púlpito, com base alargada e cujo acesso é obtido através <strong>de</strong> uma<br />

entrada lateral, guarnecida <strong>de</strong> uma porta bastante avantajada para sua<br />

singela função.<br />

333


No teto da capela mor há uma pintura <strong>de</strong> José Soares <strong>de</strong><br />

Araújo, um tanto mais simplificada do que as das <strong>igrejas</strong> do Carmo e do<br />

Rosário: não há as complexas perspectivas arquitetônica ilusionistas<br />

daquelas, mas apenas algumas pilastras enquadrando a Senhora da<br />

Conceição. Ainda mais simplificadas são as pinturas das laterais,<br />

imitando balaustradas com vasos <strong>de</strong> flores no centro. Segundo a lenda,<br />

Zé Soares teria pintado figuras caricatas <strong>dos</strong> membros da irmanda<strong>de</strong> no<br />

teto da nave, em reação ao <strong>de</strong>scumprimento do contrato assinado com<br />

ele. Essas figuras, representando-os com caras <strong>de</strong> ratos, foram<br />

evi<strong>de</strong>ntemente apagadas e hoje o forro se apresenta absolutamente<br />

branco.<br />

No forro do consistório está a interessante pintura atribuída a<br />

Silvestre Almeida Lopes, representando são Francisco <strong>de</strong>scendo o<br />

Crucificado, emoldurado por farta <strong>de</strong>coração. É uma pintura<br />

tipicamente rococó <strong>de</strong> excelente qualida<strong>de</strong> que, junto ao trabalho por<br />

ele feito na capela mor da igreja do Bom Jesus <strong>de</strong> Matosinhos do Serro,<br />

garante a fama <strong>de</strong> mestre Silvestre.<br />

Igreja do Bonfim <strong>dos</strong> Militares - 1771<br />

A igreja está construída em uma pequena plataforma <strong>de</strong><br />

calçamento irregular <strong>de</strong> lajes que lhe serve <strong>de</strong> adro e liga o seu acesso à<br />

rua do Bonfim, através <strong>de</strong> uma escadaria <strong>de</strong> pedras. O estilo da sua<br />

fachada é típico: assimétrico, com torre única e uma peça <strong>de</strong> ligação<br />

entre o frontispício e a base da torre, à semelhança da igreja <strong>de</strong> São<br />

Francisco. O frontispício, somado à tal peça <strong>de</strong> ligação, tem a forma<br />

quadrada, porém o frontão cobre apenas a sua parte principal. A porta<br />

também segue o padrão ou seja, é almofadada, tem um portal simples,<br />

com uma verga fiel ao estilo <strong>dos</strong> portais e um adorno singelo, com um<br />

medalhão <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira em cima. Há duas sacadas <strong>de</strong> cada lado da parte<br />

superior da porta, com cimalhinhas copiadas da verga e guarda-corpo<br />

<strong>de</strong> ferro. Uma segunda porta lateral permite o acesso à nave. O frontão<br />

é uma empena reta, com um óculo envidraçado em forma <strong>de</strong> janelinha,<br />

no centro do tímpano. A cimalha é múltipla, em forma <strong>de</strong> beiral, com<br />

cobertura <strong>de</strong> telhas que contorna toda a fachada e se vira nas pontas ao<br />

estilo chinês. O frontão também apresenta uma moldura <strong>de</strong> telhas tipo<br />

beiral. A torre única é simples, quadrada e tem uma cobertura <strong>de</strong> telha<br />

<strong>de</strong> quatro águas, afilada no centro e com pontas lembrando também<br />

telha<strong>dos</strong> chineses. Seu exterior é guarnecido <strong>de</strong> tábuas dispostas na<br />

vertical.<br />

334


A igreja <strong>dos</strong> militares tem dimensões internas bastante<br />

diminutas. Apesar disso tem o seu vestíbulo e o competente quebra<br />

vento.<br />

O altar mor mostra um arco franjado com um medalhão no<br />

centro. Não tem propriamente colunas mas sim uns consolos<br />

incompletos, entre os quais estão nichos encima<strong>dos</strong> por baldaquinos.<br />

Mostra uma agradável, incomum e harmoniosa pintura, combinando<br />

dourado com prateado. No teto da capela mor há uma pintura do<br />

Cristo <strong>de</strong>scendo da cruz, emoldurado por perspectivas arquitetônica<br />

ilusionista feita por um discípulo <strong>de</strong> José Soares <strong>de</strong> Araújo que buscou<br />

seguir fielmente o estilo do mestre.<br />

A nave é totalmente <strong>de</strong>spojada, salientando apenas uma figura<br />

<strong>de</strong> resplendor no alto do arco cruzeiro e um púlpito. Do lado da nave<br />

está a sacristia também bastante <strong>de</strong>spojada. Externamente há um pátio<br />

para on<strong>de</strong> se abre diretamente a porta <strong>de</strong> acesso ao púlpito.<br />

Naturalmente, no passado havia uma escada <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira para alcançá-lo.<br />

Hoje virou uma janela. Também para esse pátio se abre a porta <strong>de</strong><br />

acesso ao coro e ao topo da torre que é inteiramente <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira. De lá<br />

se po<strong>de</strong> avistar a praça do Rosário com seu respectivo templo e as<br />

serras, em planos e tons diversos <strong>de</strong> azul, no fundo. As nuvens baixas<br />

vistas em gran<strong>de</strong> extensão, acusam a elevada altitu<strong>de</strong> do platô on<strong>de</strong><br />

Diamantina está construída.<br />

Igreja <strong>de</strong> N. S. das Mercês – 1779<br />

Ao contrário das <strong>igrejas</strong> até agora <strong>de</strong>scritas, a igreja das Mercês<br />

possui uma fachada harmoniosa com sua única torre assentada no<br />

centro da fachada. Foi erigida pela Irmanda<strong>de</strong> <strong>dos</strong> Pretos Crioulos,<br />

dissi<strong>de</strong>ntes <strong>dos</strong> seus irmãos pretos africanos do Rosário.<br />

A origem <strong>de</strong>sta igreja tem uma história interessante. Consta que<br />

o irmão dr. Luiz José <strong>de</strong> Figueiredo se dispôs a fazer substanciosa<br />

doação para ereção e manutenção do templo em troca do privilégio <strong>de</strong><br />

ter uma tribuna cativa para assistir aos ofícios junto com a família.<br />

Porém, parece que o benemérito tentou enrolar a irmanda<strong>de</strong>, ce<strong>de</strong>ndo<br />

um terreno não tão nobre quanto o inicialmente prometido. Disto<br />

resultou um <strong>de</strong>sentendimento que acabou com sua saída da associação<br />

que assim, teve que se virar como pô<strong>de</strong> para erguer e manter o templo.<br />

A igreja se ergue na rua das Mercês, numa esquina que lhe<br />

permite ter praticamente duas portas nobres <strong>de</strong> entrada, sendo uma na<br />

lateral com uma escada que a liga ao nível da rua. Como acontece com a<br />

335


maioria das <strong>igrejas</strong> daqui, não tem adro. Dispõe somente <strong>de</strong> um<br />

pequeno espaço lateral e assim a porta principal está na rua. A fachada<br />

é constituída <strong>de</strong> três peças, sendo as laterais em plano um pouco mais<br />

baixo. Como o templo tem uma única torre central, o frontispício é na<br />

verda<strong>de</strong> a base <strong>de</strong>ssa torre. Assim ele sua largura é suficiente apenas<br />

para <strong>de</strong>limitar as linhas laterais da torre e abrigar a porta. Esta é simples,<br />

com portal e verga <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira. As pilastras e cunhais apresentam uma<br />

particularida<strong>de</strong> rara: têm a base em pedra <strong>de</strong> ardósia. Com certeza foi<br />

uma modificação executada recentemente. Acima da porta se abre um<br />

óculo cruciforme envidraçado. As peças maiores da fachada estão nas<br />

laterais do estreito frontispício e têm, cada uma, uma sacada no centro,<br />

com guarda-corpo <strong>de</strong> ferro e molduras semelhantes <strong>às</strong> da porta. A torre<br />

única é quadrada, com telhado em quatro águas afilado no centro. A<br />

cimalha é do tipo beiral com cobertura <strong>de</strong> telhas. Há um leve <strong>de</strong>clive<br />

do telhado entre o alinhamento das torres e o <strong>dos</strong> cunhais.<br />

A distribuição do espaço interno é muito peculiar. A nave é<br />

guarnecida <strong>de</strong> trifórios sobre os quais estão as tribunas. Toda a parte<br />

superior se comunica, ou seja as tribunas se comunicam com o coro e<br />

até com os púlpitos e é tudo estruturado em ma<strong>de</strong>ira. Há ainda uma<br />

série <strong>de</strong> cômo<strong>dos</strong> nas laterais e atrás da capela mor que fazem com que<br />

a construção tenha uma distribuição arquitetônica mais <strong>de</strong> um casarão<br />

do que <strong>de</strong> uma igreja.<br />

Manuel Pinto Bessa e o conhecidíssimo José da Silva<br />

trabalharam no retábulo e no arco cruzeiro. Há uma pintura, um tanto<br />

rococó, <strong>de</strong> Manuel Alves Passos, no forro da capela mor. Aires da Mata<br />

Machado Filho nos conta que Experidião Roiz da Cunha foi<br />

contratado, já no século XIX, para pintar o forro da nave, mas hoje ele<br />

se apresenta inteiramente branco.<br />

O retábulo do altar mor apresenta um arco com um medalhão<br />

na parte <strong>de</strong> cima, adornado por formas conchoi<strong>de</strong>s . É la<strong>de</strong>ado por<br />

pilastras retas e lisas, em pintura marmorizada. O trono é em <strong>de</strong>graus e<br />

sustenta imagens <strong>de</strong> roca, ina<strong>de</strong>quadamente vestidas.<br />

Os altares do transepto são simples, ao estilo <strong>dos</strong> das <strong>igrejas</strong> do<br />

Rosário e <strong>de</strong> São Francisco mas, ainda mais empobreci<strong>dos</strong>.<br />

Existe um guarda-corpo separando a nave da capela mor,<br />

inteiramente original, em ma<strong>de</strong>ira, imitando velhas gra<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ferro<br />

medievais.<br />

336


Quando visitamos a igreja fomos recebi<strong>dos</strong> pelo Paulo<br />

Francisco, um esperto guia <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> doze anos muito bem<br />

informado e perspicaz que, entusiasmando pelo nosso interesse, nos<br />

levou nos mais recônditos lugares, inclusive no camarim do altar mor<br />

que pu<strong>de</strong>mos visitar e ver as imagens cara-a-cara. Ele nos contou que<br />

quando os pretos com mais <strong>de</strong> sessenta anos foram alforria<strong>dos</strong>, eles não<br />

tinham para on<strong>de</strong> ir. Como foram repudia<strong>dos</strong> por seus irmãos do<br />

Rosário, vieram morar na igreja <strong>dos</strong> rivais mulatos. 223 Isso é<br />

inteiramente verossímil já que ela dispõe <strong>de</strong> vários cômo<strong>dos</strong><br />

distribuí<strong>dos</strong> no espaço em torno da capela mor. Ele nos contou ainda<br />

que Lobo <strong>de</strong> Mesquita tocou nessa igreja assim como na do Carmo<br />

on<strong>de</strong> tinha que chegar mais cedo e sair mais tar<strong>de</strong>, porque era mulato e<br />

não podia freqüentar o templo. 224 Arrematou sua explanação sobre a<br />

igreja informando que uma mulata da irmanda<strong>de</strong> foi morta e feita em<br />

picadinhos <strong>de</strong>vido ter arranjado um caso amoroso com um <strong>dos</strong> tais<br />

negros sexagenários aqui exila<strong>dos</strong>. Não <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> acentuar o horror do<br />

acontecimento salientando, porém, mais a ferrenha rivalida<strong>de</strong> entre<br />

negros e mulatos do que a ignomínia da tentação da tal mulata.<br />

Igreja <strong>de</strong> N. S. da Luz – 1793<br />

Esta igreja foi mandada construir pela madre Tereza <strong>de</strong> Jesus,<br />

filha <strong>de</strong> abastada família portuguesa e que acreditava ter sido salva do<br />

famoso terremoto que arrasou Lisboa em 1755, por graça <strong>de</strong> N. S. da<br />

Luz. Ergue-se naturalmente na rua da Luz mas está no canto <strong>de</strong> um<br />

alargamento da rua, coisa rara por aqui. No século XIX ela foi doada à<br />

irmanda<strong>de</strong> da Arquiconfraria do Cordão <strong>de</strong> São Francisco.<br />

223 Originalmente as irmanda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pretos africanos se distinguiam das <strong>dos</strong> crioulos<br />

brasileiros. Com a redução do tráfego negreiro essa coisa se misturou um pouco e no<br />

século XIX a distinção maior já era entre negros e mulatos.<br />

224 A gran<strong>de</strong> maioria <strong>dos</strong> músicos mineiros do século XVIII era formada <strong>de</strong> mulatos.<br />

Escreveu José João Teixeira Coelho em 1780 (Instrução para o Governo da Capitania<br />

<strong>de</strong> <strong>Minas</strong> Geras): “ Aqueles mulatos que não se fazem absolutamente ociosos se<br />

empregam no exercício <strong>de</strong> músicos, os quais são tantos na Capitania <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> que,<br />

certamente, exce<strong>de</strong>m o número <strong>dos</strong> que há em todo o Reino. (E arremata) Em que<br />

interessa ao Estado esta aluvião <strong>de</strong> músicos? “<br />

337


Assim como a igreja das Mercês, apresenta uma fachada<br />

simétrica, sem apêndices <strong>de</strong>sarmônicos. Tem um pequeno adro<br />

antigamente cercado mas hoje sem nenhuma proteção.<br />

Sua fachada é formada, basicamente, pela torre e pelo<br />

frontispício. Este é quadrado, tem uma porta no centro com portais<br />

retos e três sacadas com balaustradas <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira e com moldura<br />

semelhante ás da porta, porém com verga arqueada. O frontão, <strong>de</strong><br />

ma<strong>de</strong>ira, é apenas uma empena reta com cobertura tipo beiral com<br />

telhas e um óculo oitavado e envidraçado no tímpano. A cimalha, um<br />

pouco mais saliente, sustenta uma espécie <strong>de</strong> beiral que contorna todo o<br />

templo, sendo mais avançado nas partes laterais. A torre tem o sino em<br />

uma <strong>de</strong> suas aberturas e as <strong>de</strong>mais são fechadas por janelas com<br />

tabuinhas em veneziana. A cúpula hoje é uma pirâmi<strong>de</strong> coberta por<br />

folhas <strong>de</strong> flandres e com um friso rendado <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira contornando a<br />

saliência da junção com a torre.<br />

É um templo bastante <strong>de</strong>sprezado pelo circuito turístico<br />

convencional, seja pela sua localização, seja por não apresentar gran<strong>de</strong><br />

atrativo artístico, seja por não ser consi<strong>de</strong>rado por muitos como<br />

autenticamente setecentista. Permanece sistematicamente fechado e<br />

assim não pu<strong>de</strong>mos conhecê-lo internamente.<br />

Igreja do Rosário – 1728<br />

Esta igreja passou por reformas significativas por volta <strong>de</strong> 1772<br />

, sendo preservada, porém, a capela mor primitiva e o corpo principal<br />

da nave. Assim, a intervenção não chegou a <strong>de</strong>scaracterizar a condição<br />

da igreja do Rosário ser o templo mais antigo <strong>de</strong> Diamantina. É a igreja<br />

da famosa gameleira que cresceu a partir da base do cruzeiro que há em<br />

frente, abraçando-o <strong>de</strong> forma um tanto mística. É uma das poucas<br />

<strong>igrejas</strong> do Tijuco que dispõem <strong>de</strong> um espaço externo a que se possa<br />

chamar, confortavelmente, <strong>de</strong> adro. Nele está inclusive, um chafariz <strong>de</strong><br />

pedra sabão, mandado construir por Luiz da Cunha Menezes, o odiado<br />

governador <strong>dos</strong> inconfi<strong>de</strong>ntes que neste tempo andava perseguindo o<br />

padre Rolim, suspeitando-o <strong>de</strong> gostar <strong>de</strong> viajar com diamantes sob a<br />

batina.<br />

Aberta para a praça do Rosário, sua fachada mantem a<br />

característica <strong>de</strong>sarmoniosa típica do tempo e do lugar. Assim, ao<br />

quadrado do frontispício se agregam duas laterais inteiramente<br />

<strong>de</strong>siguais. A impressão que se tem é que essas laterais foram acrescidas<br />

338


<strong>de</strong>pois, sem prévia consulta aos responsáveis pelo projeto original. De<br />

fato, documentos da contratação da reforma <strong>de</strong> 1772 falam em<br />

acréscimos na fachada e isso po<strong>de</strong> ser facilmente percebido.<br />

O frontispício propriamente dito é correto, seguindo um<br />

quadrado perfeito entre pilastras e cunhais. No centro está uma porta<br />

singela ou seja, com portais simples <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira e uma verga arqueada e<br />

com uma gran<strong>de</strong> porta almofadada. Ao lado estão duas pequenas<br />

sacadas, com moldura como as da porta e guarda-corpo <strong>de</strong> ferro,<br />

melindrosamente rendado. O frontão <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira é imponente com um<br />

óculo envidraçado tocando a cimalha. Reproduções mais <strong>antigas</strong><br />

mostram um medalhão sobre o óculo que hoje não mais se vê, retirado<br />

que foi por alguma restauração mais recente. Nas laterais aparecem<br />

volutas e coruchéus e o topo apresenta uma cobertura em telhas, com<br />

uma cruz <strong>de</strong> singelos resplendores no centro e coruchéus menores nos<br />

la<strong>dos</strong>. A base da torre única apresenta uma sacada semelhante <strong>às</strong> duas<br />

sacadas centrais e se liga ao frontispício por um espaço, no centro do<br />

qual está uma porta menor com portais básicos. A torre é quadrada e<br />

coberta por um telhado em quatro águas, afilado no centro, com a base<br />

avançando sobre os beirais e com um imponente cata-vento sobre uma<br />

esfera armilar, no topo. Do lado oposto há uma segunda peça,<br />

seguramente acrescida <strong>de</strong>pois, com uma porta e uma janela retangular e<br />

com um telhado em meia água. A cimalha é do tipo beiral sobre uma<br />

base mais saliente em alvenaria. Há alguns anos havia um muro<br />

obstruindo a via pública que hoje está liberada à passagem <strong>de</strong> veículos e<br />

pe<strong>de</strong>stres, na lateral da igreja do lado da torre.<br />

O nosso caro José Soares <strong>de</strong> Araújo era tesoureiro da<br />

Irmanda<strong>de</strong> do Rosário e assim não <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> contribuir<br />

magnificamente para o embelezamento <strong>de</strong>ssa igreja com a gran<strong>de</strong>za da<br />

sua arte. São <strong>de</strong>le as pinturas e douramentos do arco cruzeiro e forro da<br />

capela mor, com especial <strong>de</strong>staque para a figuração da N. S. do Rosário<br />

cercada <strong>de</strong> anjinhos, emoldurada pelas melindrosas perspectivas<br />

arquitetônicas ilusionistas, ao seu inconfundível estilo.<br />

O altar mor é em <strong>dos</strong>sel, com uma espécie <strong>de</strong> baldaquino<br />

franjado e com um medalhão no alto. O trono apresenta dois <strong>de</strong>graus,<br />

acima <strong>dos</strong> quais há uma continuação <strong>de</strong> forma mais arredondada,<br />

sustentado a imagem da N. S. do Rosário. As colunas são mistas, retas<br />

na parte <strong>de</strong> cima e torsas na parte inferior e com nichos com<br />

baldaquinos entre elas. A pintura apresenta frisos doura<strong>dos</strong> sobre fundo<br />

marmorizado. Os altares do transepto são simples, ao estilo <strong>dos</strong> da<br />

igreja <strong>de</strong> São Francisco e das Mercês, ou pouco mais ricos.<br />

339


Não há pintura no teto da nave. Esta não tem maiores atrativos,<br />

com um coro simples e dois púlpitos <strong>de</strong> base alargada, parecido com os<br />

das <strong>de</strong>mais <strong>igrejas</strong> daqui. Os janelões <strong>de</strong> um <strong>dos</strong> la<strong>dos</strong> estão obstruí<strong>dos</strong><br />

pela obra <strong>de</strong> acréscimo da lateral que matou sua função e aleijou a<br />

harmonia do conjunto. Assim como acontece na igreja do Bonfim <strong>dos</strong><br />

Militares, o acesso a um <strong>dos</strong> púlpitos é feito por uma porta que se abre<br />

diretamente para o exterior. Hoje esse acesso é impossível pela falta da<br />

escada, o que também não faz diferença pois sermão em púlpito é coisa<br />

que não se vê já há muitos anos. Na sacristia há uma pintura <strong>de</strong> 1801,<br />

sobre a qual foi dado um caiamento asséptico que neste instante, esta<br />

sendo cuida<strong>dos</strong>amente retirado, para restauração das figuras originais.<br />

Fim da Nossa <strong>Viagem</strong><br />

Aqui, na comarca do Serro Frio, em Diamantina, na igreja do<br />

Rosário; encerramos nossa viagem que começou na comarca do rio das<br />

Velhas, em Sabará, na matriz <strong>de</strong> N. S. da Conceição. Embora essas<br />

<strong>igrejas</strong> sejam substancialmente diferentes, o início das suas construção<br />

difere em poucos anos. No geral, a história da ereção <strong>dos</strong> nossos<br />

templos setecentistas; <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as primeiras pare<strong>de</strong>s até os últimos<br />

adornos, cobre um período <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> cento e cinqüenta anos.<br />

Existem muitas diferenças entre eles e a cronologia não é base <strong>de</strong>cisiva<br />

<strong>de</strong>ssas diferenças. Mas as <strong>igrejas</strong> mineiras do século XVIII, têm uma<br />

profunda i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e ela é a razão da nossa história. E essa história<br />

<strong>de</strong>sprezou o tempo como as próprias <strong>igrejas</strong> têm feito. Em assim<br />

sendo, pu<strong>de</strong>mos nos fazer acompanhar <strong>de</strong> preciosos viajantes, que já<br />

morreram há mais <strong>de</strong> um século, mas que tiveram a feliz preocupação<br />

<strong>de</strong> registrar em livros as intimida<strong>de</strong>s do que viram e pensaram e por<br />

isso, como as <strong>igrejas</strong>, também ainda teimam em estar presentes. E aqui<br />

o tempo é vencido novamente.<br />

Ao todo, nossa jornada virtual terá durado então, perto <strong>de</strong><br />

duzentos anos. No real rodamos mais <strong>de</strong> três mil quilômetros, gastamos<br />

cerca <strong>de</strong> dois anos para percorrer to<strong>dos</strong> os trajetos e visitamos cerca <strong>de</strong><br />

cem <strong>igrejas</strong>. Não conseguimos visitar to<strong>dos</strong> os templos que gostaríamos<br />

<strong>de</strong> ter visitado. Muito menos conseguimos reparar na riqueza <strong>de</strong> to<strong>dos</strong><br />

os <strong>de</strong>talhes daqueles que visitamos. Assim, não estou, nem <strong>de</strong> longe,<br />

realizado. Continuo achando que cada igreja setecentista é em si um<br />

museu e mesmo a mais simples, é um presente para os olhos. A viagem<br />

<strong>às</strong> <strong>antigas</strong> <strong>igrejas</strong> mineiras é inesgotável e pretendo fazê-la outras vezes,<br />

340


quem sabe po<strong>de</strong>ndo enriquecer e corrigir falhas e imprecisões que<br />

certamente existem: enfim melhorar este trabalho em edições futuras.<br />

Mas o tempo é implacável e vencê-lo é um monumental <strong>de</strong>safio.<br />

Se o caro leitor se recorda, centenas <strong>de</strong> <strong>igrejas</strong> setecentistas ruíram ao<br />

longo <strong>dos</strong> anos e quem tiver oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ler o relatório <strong>de</strong> d. Frei<br />

José da Santíssima Trinda<strong>de</strong>, o zeloso bispo <strong>de</strong> Mariana, citado em<br />

muitas passagens <strong>de</strong>ste livro; po<strong>de</strong>rá comprovar como isso foi terrível e<br />

arrasador no século XIX. É triste admitir que, a <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> ter<br />

melhorando muito a conscientização da importância da preservação do<br />

nosso patrimônio histórico, outros templos correm sérios riscos <strong>de</strong> se<br />

per<strong>de</strong>rem em pleno século XXI. É preocupante o estado atual <strong>de</strong><br />

muitos <strong>de</strong>les. Creio que o que se faz hoje é muito pouco. Os templos<br />

não po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r só <strong>de</strong> verbas públicas para serem conserva<strong>dos</strong>.<br />

Essas são escassas e tortuosas. Muito menos po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r da<br />

arrecadação <strong>de</strong> contribuição <strong>de</strong> poucos visitantes ou da aflição <strong>de</strong><br />

alguns prefeitos <strong>de</strong>sviando verbas escassas para salvar uma pare<strong>de</strong> ou<br />

um telhado; ou mesmo da comunida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>safiando os órgãos públicos e<br />

restaurando os templos a seu modo. Também não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r<br />

do zelo e do amor da d. Nilda com sua capelinha <strong>de</strong> Pompéu ou da d.<br />

Marieta que quase per<strong>de</strong>u a vista <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo a sua igrejinha do<br />

Taquaral. Há muito espaço sobrando para a atuação da socieda<strong>de</strong><br />

organizada que certamente, tem estado muito ausente. É monumental o<br />

<strong>de</strong>scaso do cidadão comum, medianamente culto e viajado, para com<br />

nosso patrimônio histórico em geral. Não sei exatamente o que <strong>de</strong>ve ser<br />

feito mas o que quer que seja, terá que começar urgentemente.<br />

Vencer o tempo não é uma ilusão e é sempre possível adiar o<br />

seu triunfo, até porque, esta é a luta que lutamos todo dia e é ela que dá<br />

sentido ao futuro.<br />

341


ANEXO<br />

CADASTRO DAS IGREJAS SETECENTISTAS DE MINAS<br />

Comarca do Rio das Velhas<br />

Município <strong>de</strong> Santa Bárbara<br />

Matriz <strong>de</strong> Santo Antônio – 1724 (*) (**)<br />

Mercês<br />

Rosário<br />

Cordão <strong>de</strong> São Francisco<br />

Bonfim/Senhor <strong>de</strong> Matosinhos<br />

Santo Amaro <strong>de</strong> Brumal (distrito)<br />

Município <strong>de</strong> São Gonçalo do Rio Abaixo<br />

São Gonçalo – 1733<br />

Município <strong>de</strong> São Domingos do Prata<br />

São Domingos – 1766<br />

Município <strong>de</strong> Nova Era<br />

São José da Lagoa<br />

Município <strong>de</strong> Barão <strong>de</strong> Cocais<br />

Matriz <strong>de</strong> São João Batista – 1763 (**)<br />

N. S. do Rosário <strong>de</strong> Cocais (distrito) – 1769<br />

Santana <strong>de</strong> Cocais (distrito) – 1752<br />

São Gonçalo <strong>de</strong> São Gonçalo (localida<strong>de</strong>) - 1744<br />

Município <strong>de</strong> Catas Altas<br />

Matriz <strong>de</strong> N. S. da Conceição – 1738 (*) (**)<br />

Santa Quitéria- 1728<br />

Rosário<br />

Município <strong>de</strong> Caeté<br />

Matriz <strong>de</strong> N. S. do Bom Sucesso – 1752 (*) (**)<br />

N. S. do Rosário<br />

N. S. da Pieda<strong>de</strong> da Serra da Pieda<strong>de</strong> – 1767<br />

Madre <strong>de</strong> Deus <strong>de</strong> Roças Novas (distrito)<br />

Cordão <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Assis – 1808<br />

Matriz <strong>de</strong> N. S. <strong>de</strong> Nazaré <strong>de</strong> Morro Vermelho (distrito) – 1772<br />

Município <strong>de</strong> Nova Lima<br />

Rosário <strong>dos</strong> Pretos – 1789<br />

Bom Jesus do Bonfim – 1720<br />

São Sebastião <strong>de</strong> Águas Claras (localida<strong>de</strong>)<br />

Município <strong>de</strong> Santa Luzia<br />

342


Matriz Santuário <strong>de</strong> Santa Luzia – 1744<br />

Senhor do Bonfim<br />

Município <strong>de</strong> Itabira<br />

N. S. do Rosário <strong>dos</strong> Pretos<br />

Município <strong>de</strong> Sabará<br />

Matriz <strong>de</strong> N. S. da Conceição – 1714 (*)<br />

N. S. do Rosário <strong>dos</strong> Pretos – 1768<br />

N. S. das Mercês – 1781<br />

N. S. do Carmo – 1763<br />

N. S. do Ó – 1717<br />

São Francisco <strong>de</strong> Assis (N. S. <strong>dos</strong> Anjos) – 1761<br />

N. S. do Pilar – 1759<br />

Santana do Arraial Velho (localida<strong>de</strong>) – 1749<br />

Santa Cruz do Arraial Velho (localida<strong>de</strong>)<br />

Santo Antônio <strong>de</strong> Pompéu (localida<strong>de</strong>) – 1730<br />

N. S. do Rosário <strong>de</strong> Mestre Caetano (distrito)<br />

Santa Efigênia <strong>de</strong> Mestre Caetano (distrito)<br />

N.S da Lapa/Assunção <strong>de</strong> Ravena (distrito)<br />

Município <strong>de</strong> Raposos<br />

Matriz <strong>de</strong> N. S. da Conceição - !704 (*) (**)<br />

Município <strong>de</strong> Matosinhos<br />

São José<br />

Município <strong>de</strong> Mateus Leme<br />

Matriz <strong>de</strong> Santo Antônio – 1790<br />

Município <strong>de</strong> Pedro Leopoldo<br />

N. S. do Rosário <strong>de</strong> Fidalgo (localida<strong>de</strong>) – 1745<br />

Município <strong>de</strong> Taguaraçu<br />

Santíssimo – 1798<br />

Município <strong>de</strong> Brumadinho<br />

N. S. da Pieda<strong>de</strong> do Paraopeba (distrito)<br />

N. S. <strong>dos</strong> Prazeres <strong>de</strong> Conceição do Itaguá (distrito)<br />

Município <strong>de</strong> Belo Vale<br />

Santana do Paraopeba (distrito)<br />

São Gonçalo da Ponte do Paraopeba (localida<strong>de</strong>)<br />

Município <strong>de</strong> Itatiaiuçu<br />

São Sebastião – 1748<br />

Município <strong>de</strong> São Gonçalo do Pará<br />

São Gonçalo – 1754<br />

Município <strong>de</strong> Pará <strong>de</strong> <strong>Minas</strong><br />

N. S. da Pieda<strong>de</strong> do Patufo (localida<strong>de</strong>) - 1772<br />

343


Município <strong>de</strong> Itaúna<br />

Rosário<br />

Município <strong>de</strong> Paracatu<br />

Matriz <strong>de</strong> Santo Antônio – 1730<br />

Pilar – 1744<br />

Comarca <strong>de</strong> Vila Rica<br />

Município <strong>de</strong> Ouro Preto<br />

Matriz <strong>de</strong> N. S. da Conceição <strong>de</strong> Antônio Dias – 1727 (*) (**)<br />

Matriz <strong>de</strong> N. S. do Pilar – 1731 (*) (**)<br />

N. S. <strong>dos</strong> Par<strong>dos</strong> do Padre Faria – 1740<br />

São João Batista do Ouro Podre – 1743<br />

Santa Efigênia (N. S. <strong>dos</strong> Pretos do Alto Da Cruz) – 1733<br />

Bom Jesus das Flores do Taquaral – 1748<br />

São Miguel e Almas/Bom Jesus do Matosinhos – 1778<br />

N. S. do Carmo – 1766<br />

N. S. do Rosário <strong>dos</strong> Pretos – 1762<br />

N. S. das Mercês e Misericórdia – 1771<br />

N. S. das Mercês e Perdões – 1740<br />

São José – 1746<br />

Bonfim do Alto das Cabeças – 1791<br />

Santana – 1720<br />

São Francisco <strong>de</strong> Paula – 1808<br />

N. S. da Pieda<strong>de</strong> do Ouro Podre – 1720<br />

Matriz <strong>de</strong> N. S. <strong>de</strong> Nazaré da Cachoeira do Campo (distrito) 1725 (*)<br />

(**)<br />

N. S. das Dores <strong>de</strong> Cachoeira do Campo (distrito) – 1761<br />

Matriz <strong>de</strong> São Bartolomeu (distrito) – 1716 (*) (**)<br />

Matriz <strong>de</strong> Santo Antônio <strong>de</strong> Glaura (distrito) – 1757<br />

Matriz <strong>de</strong> N. S. <strong>dos</strong> Prazeres <strong>de</strong> Lavra Novas (distrito) – 1762<br />

São Gonçalo <strong>de</strong> Amarantina (localida<strong>de</strong>) – 1726<br />

Município <strong>de</strong> Itabirito<br />

Matriz <strong>de</strong> N. S. da Boa <strong>Viagem</strong> – 1710<br />

Bom Jesus <strong>de</strong> Matosinhos – 1765<br />

N. S. do Rosário – 1740<br />

Mercês<br />

São Gonçalo do Bação (distrito) – 1748<br />

N. S. do Rosário <strong>dos</strong> Pretos <strong>de</strong> Acuruí (distrito) – 1751<br />

Município <strong>de</strong> Mariana<br />

344


Matriz <strong>de</strong> N. S. Assunção (Basílica da Sé) – 1713 (*)<br />

Basílica Menor <strong>de</strong> São Pedro <strong>dos</strong> Clérigos – 1752<br />

N. S. Rainha <strong>dos</strong> Anjos – 1748<br />

São Francisco <strong>de</strong> Assis – 1763<br />

N. S. do Carmo – 1784<br />

N. S. do Rosário – 1752<br />

Santana – 1720<br />

N. S. da Boa Morte – 1750<br />

N. S. das Mercês<br />

Santo Antônio – 1696<br />

Matriz <strong>de</strong> N. S. do Rosário do Sumidouro (localida<strong>de</strong>) – 1740 (*) (**)<br />

Matriz <strong>de</strong> Bom Jesus do Monte <strong>de</strong> Furquim (distrito) 1746 (*) (**)<br />

N. S. da Conceição <strong>de</strong> Camargos (distrito) – 1738 (*)<br />

N. S. da Glória <strong>de</strong> Passagem (distrito) – 1740<br />

Matriz <strong>de</strong> São Sebastião <strong>de</strong> Ban<strong>de</strong>irantes (distrito) – 1748 (*) (**)<br />

N. S. da Conceição <strong>de</strong> Cachoeira do Brumado (distrito) – 1726<br />

Matriz <strong>de</strong> São Caetano <strong>de</strong> Monsenhor Horta (distrito) – 1730 (*) (**)<br />

Matriz <strong>de</strong> N. S. <strong>de</strong> Nazaré <strong>de</strong> Santa Rita Durão (distrito) – 1770<br />

Município <strong>de</strong> Barra Longa<br />

Matriz <strong>de</strong> São José – 1729<br />

Município <strong>de</strong> Catas Altas da Noruega<br />

Matriz <strong>de</strong> São Gonçalo – 1744<br />

N. S. da Conceição – 1726<br />

Município <strong>de</strong> Ouro Branco<br />

Matriz <strong>de</strong> Santo Antônio – 1717 (*)<br />

Santo Antônio <strong>de</strong> Itatiaia (localida<strong>de</strong>)<br />

Município <strong>de</strong> Congonhas<br />

Matriz <strong>de</strong> N. S. da Conceição – 1749 (**)<br />

Basílica do Senhor Bom Jesus <strong>de</strong> Matosinhos – 1757<br />

N. S. do Rosário – 1748<br />

N. S. da Soledad <strong>de</strong> Lobo Leite (distrito)<br />

N. S. da Ajuda <strong>de</strong> Alto Maranhão (distrito)<br />

Município <strong>de</strong> São Brás do Suaçui<br />

São Brás – 1728<br />

Município <strong>de</strong> Itaverava<br />

Santo Antônio – 1726 (**)<br />

Município <strong>de</strong> Conselheiro Lafaiete<br />

Matriz <strong>de</strong> N. S. da Conceição – 1733 (**)<br />

Santo Antônio – 1768<br />

Município <strong>de</strong> Santana <strong>dos</strong> Montes<br />

345


Santana do Morro do Chapéu (localida<strong>de</strong>) – 1749<br />

Município <strong>de</strong> Piranga<br />

Matriz <strong>de</strong> N. S. da Boa Morte – 1728 (*)<br />

Rosário <strong>dos</strong> Pretos – 1755<br />

N. S. da Conceição do Manja Légua (localida<strong>de</strong>) – 1729 (**)<br />

Santo Antônio <strong>de</strong> Santo Antônio do Pirapetinga (distrito) – 1725<br />

Comarca do Rio das Mortes<br />

Município <strong>de</strong> São João <strong>de</strong>l Rei<br />

Matriz <strong>de</strong> N. S. do Pilar – 1721 (*) (**)<br />

N. S. do Carmo – 1734<br />

São Francisco <strong>de</strong> Assis – 1774<br />

N. S. do Rosário – 1708<br />

São Gonçalo Garcia – 1759<br />

Bonfim – 1769<br />

N. S. das Mercês – 1751<br />

N. S. da Pieda<strong>de</strong> da Santa Casa – 1763<br />

Santo Antônio – 1765<br />

São Miguel do Cajuru (localida<strong>de</strong>)<br />

Município <strong>de</strong> Tira<strong>de</strong>ntes<br />

Matriz <strong>de</strong> Santo Antônio – 1733 (*) (**)<br />

São João Evangelista<br />

São Francisco <strong>de</strong> Paula – 1750<br />

N. S. das Mercês <strong>dos</strong> Pretos Crioulos – 1769<br />

Bom Jesus da Pobreza – 1771<br />

N. S. do Rosário <strong>dos</strong> Pretos – 1740<br />

Município <strong>de</strong> Pra<strong>dos</strong><br />

Matriz <strong>de</strong> N. S. da Conceição (**)<br />

Rosário – 1770<br />

N. S. da Penha do Bichinho (distrito) – 1771<br />

N. S. do Livramento (localida<strong>de</strong>) – 1754<br />

Município <strong>de</strong> Cel. Xavier Chaves<br />

Rosário – 1717<br />

Município <strong>de</strong> Resen<strong>de</strong> Costa<br />

N. S. da Penha <strong>de</strong> França 1749<br />

Município <strong>de</strong> São Tomé das Letras<br />

Matriz <strong>de</strong> São Tomé das Letras – 1785<br />

N. S. do Rosário – 1770<br />

Município <strong>de</strong> Carrancas<br />

346


Matriz <strong>de</strong> N. S. da Conceição – 1736 (**)<br />

N. S. da Conceição <strong>de</strong> Saco (localida<strong>de</strong>) – 1755<br />

Município <strong>de</strong> Campanha<br />

Matriz <strong>de</strong> Santo Antônio – 1787 (**)<br />

N. S. das Dores – 1799<br />

Município <strong>de</strong> Lavras<br />

N. S. do Rosário<br />

Município <strong>de</strong> Baependi<br />

Matriz <strong>de</strong> Santa Maria – 1770<br />

N. S. <strong>de</strong> Monte Serrat – 1754 (*)<br />

Município <strong>de</strong> Barbacena<br />

Matriz <strong>de</strong> N. S. da Pieda<strong>de</strong> – 1743 (**)<br />

N. S. da Boa Morte/Assunção – 1790<br />

N. S. do Rosário – 1774<br />

Município <strong>de</strong> Antônio Carlos<br />

N. S. da Pieda<strong>de</strong> da Borda do Campo (distrito)<br />

Município <strong>de</strong> Senhora <strong>dos</strong> Remédios<br />

N. S. <strong>dos</strong> Remédios - 1763<br />

Município <strong>de</strong> Juiz <strong>de</strong> Fora<br />

Matriz <strong>de</strong> N. S. da Assunção <strong>de</strong> Paula Lima (distrito)<br />

São Francisco <strong>de</strong> Paula <strong>de</strong> Torrões (localida<strong>de</strong>) – 1773<br />

Município <strong>de</strong> Formiga<br />

São Vicente – 1780<br />

Município <strong>de</strong> Matias Barbosa<br />

N. S. da Conceição <strong>de</strong> Registro Novo (localida<strong>de</strong>)<br />

Município <strong>de</strong> Bom Sucesso<br />

N. S. do Bom Sucesso – 1754<br />

Município <strong>de</strong> Ibertioga<br />

Santo Antônio – 1787<br />

Município <strong>de</strong> Andrelândia<br />

N. S. do Porto da Salvação do Turvo (localida<strong>de</strong>) 1755<br />

Município <strong>de</strong> Nazareno<br />

N. S. <strong>de</strong> Nazareno – 1734<br />

Município <strong>de</strong> Aiuruoca<br />

Santana <strong>de</strong> Guapiara (localida<strong>de</strong>) – 1749<br />

Município <strong>de</strong> Luminárias<br />

N. S. do Carmo – 1798<br />

Município <strong>de</strong> Cassiterita<br />

N. S. da Conceição da Barra – 1765<br />

Município <strong>de</strong> Pitangui<br />

347


N. S. da Pieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Pitangui<br />

Município <strong>de</strong> Itapecerica<br />

Matriz <strong>de</strong> São Bento – 1748<br />

N. S. do Desterro (localida<strong>de</strong>) – 1754<br />

Município <strong>de</strong> Pium-í<br />

Matriz <strong>de</strong> N. S. do Livramento – 1731<br />

Município <strong>de</strong> Oliveira<br />

N. S. da Oliveira – 1780<br />

Município <strong>de</strong> Santana do Jacaré<br />

Santana – 1770<br />

Município <strong>de</strong> Santana <strong>dos</strong> Montes<br />

Santana – 1749<br />

Município <strong>de</strong> Cristais<br />

N. S. da Ajuda<br />

Município <strong>de</strong> Coqueiral<br />

Espírito Santo – 1792<br />

Município <strong>de</strong> Ibitipoca<br />

N. S. da Conceição<br />

Município <strong>de</strong> Sacramento<br />

Matriz <strong>de</strong> N. S. do Desterro <strong>de</strong> Desemboque (distrito)<br />

N. S. do Rosário <strong>de</strong> Desemboque (distrito)<br />

Comarca do Serro do Frio/Distrito <strong>dos</strong> Diamantes<br />

Município <strong>de</strong> Diamantina<br />

N. S. das Mercês – 1779<br />

N. S. do Rosário <strong>dos</strong> Pretos – 1728<br />

N. S. do Carmo – 1765<br />

Bonfim <strong>dos</strong> Militares – 1771<br />

N. S. da Luz – 1793<br />

Imperial do Amparo – 1773<br />

São Francisco <strong>de</strong> Assis – 1768<br />

Santana do Inhaí (distrito)<br />

Município do Serro<br />

Matriz <strong>de</strong> N. S. da Conceição – 1724 (**)<br />

Santa Rita – 1745<br />

N. S. do Carmo – 1781<br />

N. S. do Rosário – 1752<br />

Senhor Bom Jesus <strong>de</strong> Matosinhos – 1785<br />

Matriz <strong>de</strong> São Gonçalo do Rio das Pedras (distrito) – 1783<br />

348


Matriz <strong>de</strong> N. S. <strong>dos</strong> Prazeres <strong>de</strong> Milho Ver<strong>de</strong> (distrito) – 1781<br />

Município <strong>de</strong> Conceição do Mato Dentro<br />

Matriz <strong>de</strong> N. S. da Conceição – 1721<br />

Bom Jesus <strong>de</strong> Matosinhos – 1745<br />

Santana – 1744<br />

São Francisco <strong>de</strong> Assis <strong>de</strong> Costa Sena (distrito)<br />

São Francisco da Paraúna <strong>de</strong> Costa Sena (distrito)<br />

Santo Antônio <strong>de</strong> Santo Antônio do Norte (distrito)<br />

Matriz <strong>de</strong> N. S. Aparecida <strong>de</strong> Córregos (distrito)<br />

Senhor <strong>dos</strong> Passos <strong>de</strong> Córregos (distrito)<br />

Santo Antônio da Tapera (localida<strong>de</strong>)<br />

Município <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> Novas<br />

São José<br />

São Francisco <strong>de</strong> Assis<br />

São Gonçalo<br />

Município <strong>de</strong> Berilo<br />

N. S. da Conceição<br />

N. S. do Rosário<br />

Município <strong>de</strong> Grão Mogol<br />

Santo Antônio<br />

Município <strong>de</strong> Januária<br />

Rosário <strong>de</strong> Brejo do Amparo (distrito)<br />

Município <strong>de</strong> Manga<br />

Matriz <strong>de</strong> N. S. da Conceição - 1760 (**)<br />

Município <strong>de</strong> Matias Car<strong>dos</strong>o<br />

São João Batista do Morro da Queimada – 1699<br />

Município <strong>de</strong> Itacambira<br />

Matriz <strong>de</strong> Santo Antônio (**)<br />

Município <strong>de</strong> Chapada do Norte<br />

N. S. da Saú<strong>de</strong><br />

Santa Cruz<br />

N. S. do Rosário<br />

Município <strong>de</strong> Alvorada <strong>de</strong> <strong>Minas</strong><br />

São José <strong>de</strong> Itapanhocanga (distrito) 1785<br />

Município <strong>de</strong> Couto <strong>de</strong> Magalhães<br />

Senhor <strong>de</strong> Matosinhos<br />

N. S. da Conceição – 1779<br />

Município <strong>de</strong> Congonhas do Norte<br />

Matriz <strong>de</strong> Santana – 1748<br />

349


(*) Primeiras freguesias colativas – 1725<br />

(**) Matrizes <strong>de</strong> paróquias dotadas <strong>de</strong> vigários cola<strong>dos</strong>, conforme<br />

registro <strong>de</strong> 1778<br />

350


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