Viagem às antigas igrejas de Minas - Quintal dos Poetas
Viagem às antigas igrejas de Minas - Quintal dos Poetas
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<strong>Viagem</strong> <strong>às</strong><br />
<strong>antigas</strong> <strong>igrejas</strong><br />
<strong>de</strong> <strong>Minas</strong><br />
José Roberto <strong>de</strong> Amorim<br />
<strong>Quintal</strong> <strong>dos</strong> <strong>Poetas</strong><br />
2011
José Roberto <strong>de</strong> Amorim<br />
<strong>Viagem</strong> <strong>às</strong> <strong>antigas</strong> <strong>igrejas</strong> <strong>de</strong> <strong>Minas</strong><br />
Segunda edição<br />
Trilogia<br />
“Fábula <strong>de</strong> Ribeirão do Carmo”<br />
Parte I<br />
a<br />
<strong>Quintal</strong> <strong>dos</strong> <strong>Poetas</strong><br />
Oficina Literária<br />
2
Copyright 2011 by José Roberto <strong>de</strong> Amorim<br />
Da<strong>dos</strong> <strong>de</strong> Catalogação na Publicação (CIP)<br />
A524v Amorim, José Roberto <strong>de</strong><br />
VIAGEM ÀS ANTIGAS IGREJAS DE MINAS / José Roberto <strong>de</strong> Amorim –<br />
2ª edição. Lagoa Santa: <strong>Quintal</strong> <strong>dos</strong> <strong>Poetas</strong> Oficina Literária, 2011.<br />
ISBN 978-85-911866-6-2<br />
1. Edifícios históricos. 2. <strong>Minas</strong> Gerais. 3. Igrejas. 4. Viagens. 5.<br />
Patrimônio histórico. I. Título.<br />
Esta edição foi produzida sob responsabilida<strong>de</strong> editorial do autor<br />
<strong>Quintal</strong> <strong>dos</strong> <strong>Poetas</strong><br />
Oficina Literária<br />
Lagoa Santa – 2011<br />
www.quintal<strong>dos</strong>poetas.com<br />
quintal<strong>dos</strong>poetas@quintal<strong>dos</strong>poetas.com<br />
CDD:726. 5098151.<br />
3
José Roberto <strong>de</strong> Amorim<br />
<strong>Viagem</strong> <strong>às</strong> <strong>antigas</strong> <strong>igrejas</strong> <strong>de</strong><br />
<strong>Minas</strong><br />
4
FÁBULA DE RIBEIRÃO DO CARMO<br />
O Ribeirão do Carmo é aquele ribeirão com jeito <strong>de</strong> rio<br />
que cerca a episcopal cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Mariana.<br />
Cláudio Manuel da Costa achava que ele era encardido<br />
e tinha perdido o seu faustíssimo ouro<br />
por vingança <strong>de</strong> Apolo, ciumento porque o pobre ribeirão,<br />
com uma certa concupiscência,<br />
tinha bolinado a ninfa Eulina que se banhava inocente em<br />
suas águas.<br />
Ali nasceu Cláudio e <strong>Minas</strong> Gerais.<br />
Eulina não é mais ninfa<br />
mas Cláudio a mantém viva.<br />
O ouro não acabou<br />
a liberda<strong>de</strong> tarda ainda,<br />
<strong>Minas</strong> segue perseguindo a sua glória<br />
e a fábula continua.<br />
5
Toma <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> a estrada<br />
Na Igreja Nova, a que fica<br />
Ao direito lado, e segue<br />
Sempre firme à Vila Rica<br />
Tomás Antônio Gonzaga – 1792<br />
Minha igrejinha do Outeiro<br />
que Rodrigo zela tanto,<br />
e entre cujos azulejos<br />
esvoaça o Espírito Santo<br />
Carlos Drummond <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> – 1960<br />
6
Homenagem a Rodrigo Mello Franco <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>,<br />
um homem que venceu o tempo<br />
Terno agra<strong>de</strong>cimento a Maria Inez,<br />
companheira <strong>de</strong> <strong>antigas</strong> viagens<br />
7
Sumário<br />
A título <strong>de</strong> introdução ............................................................ 9<br />
Os viajantes do século <strong>de</strong>zenove ......................................... 13<br />
Os fundamentos ................................................................... 18<br />
A Igreja Mineira do século XVIII ........................................... 33<br />
Os construtores <strong>de</strong> templos ................................................. 38<br />
Os mo<strong>de</strong>los e referências das <strong>igrejas</strong> setecentistas<br />
mineiras ............................................................................... 44<br />
Cronologia <strong>dos</strong> templos, uma dificulda<strong>de</strong>............................. 65<br />
Cadastro das <strong>igrejas</strong>, outra dificulda<strong>de</strong>................................. 71<br />
Caminhos antigos .................................................................73<br />
Finalmente a viagem............................................................. 75<br />
Cadastro das <strong>igrejas</strong> setecentistas <strong>de</strong> <strong>Minas</strong>......................342<br />
Bibliografia............................................................................351<br />
8
A título <strong>de</strong> introdução<br />
Alguém já disse que prefácio é aquilo que o autor escreve por<br />
último, coloca no princípio do livro e que o leitor ignora, começando<br />
a leitura pelo capítulo I. Para fugir a tão terrível con<strong>de</strong>nação, resolvi<br />
usar o subterfúgio <strong>de</strong> incluir essa introdução que, sinceramente, é<br />
mesmo uma espécie <strong>de</strong> prefácio.<br />
Este livro – primeiro da trilogia mineiriana Fábula <strong>de</strong> Ribeirão do<br />
Carmo - é fruto <strong>de</strong> duas paixões persistentes e mal resolvidas. Des<strong>de</strong><br />
cedo experimentei sentimentos <strong>de</strong> admiração diante das nossas velhas<br />
<strong>igrejas</strong>. Minha mãe se casou numa igreja antiga e lá estava eu <strong>de</strong> paletó,<br />
gravata e calça curta, admirando a antiguida<strong>de</strong> do templo enquanto a<br />
cerimônia corria sem me <strong>de</strong>spertar o mais leve interesse. 1 Para ser<br />
honesto, aquela não era uma igreja verda<strong>de</strong>iramente antiga, mas se<br />
parecia com os templos setecentistas mineiros da <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>ira fase e isso,<br />
na época, me bastava inteiramente. Lamentei mesmo quando o dito<br />
templo foi arrasado para dar lugar a uma praça que hoje é um árido<br />
espaço ladrilhado, nem é mesmo praça e que, em não o sendo, também<br />
não é histórico, cívico, botânico, útil ou arquitetônico. Ou seja, um<br />
lugar sem gosto, sem cheiro e <strong>de</strong> precário ver<strong>de</strong>, que não <strong>de</strong>sperta<br />
nenhum particular prazer.<br />
A segunda paixão se reacen<strong>de</strong>u recentemente, um pouco por<br />
acaso. Morei alhures por onze anos e no tempo em que alhures estive<br />
amarguei um certo remorso por ter passado os melhores anos da<br />
juventu<strong>de</strong> em <strong>Minas</strong> e não ter usado o exce<strong>de</strong>nte da minha energia <strong>de</strong><br />
então para conhecer verda<strong>de</strong>iramente o estado. Ao voltar, para me<br />
redimir, embora a energia já não fosse mais a mesma, resolvi me <strong>de</strong>dicar<br />
a conhecer melhor as raízes da formação cultural das <strong>Minas</strong> Gerais até<br />
mea<strong>dos</strong> do século XIX. Foi aí, buscando referências bibliográficas, que<br />
me <strong>de</strong>parei novamente com a outra paixão, igualmente remota, mas um<br />
tanto mais adormecida: os relatos <strong>de</strong> <strong>antigas</strong> e aventureiras viagens. Na<br />
adolescência gostava <strong>de</strong> vasculhar nossa biblioteca, lendo velhas<br />
brochuras <strong>dos</strong> institutos históricos e geográficos e aquelas belas<br />
coleções <strong>de</strong> narrativas <strong>de</strong> viagens, ilustradas e enriquecidas por<br />
1 Não estranhe meu caro leitor, é que minha mãe enviuvou muito jovem e estou me<br />
referindo ao segundo casamento.<br />
9
artísticos trabalhos <strong>de</strong> enca<strong>de</strong>rnação, com borda<strong>dos</strong> doura<strong>dos</strong> e toda a<br />
exuberância que os bons livros merecem. Na verda<strong>de</strong>, muito antes já<br />
tinha <strong>de</strong>spertado minha veia <strong>de</strong> andarilho do tempo, mergulhando nas<br />
páginas fantásticas do Tesouros da Juventu<strong>de</strong>. Modorrentas e sau<strong>dos</strong>as<br />
tar<strong>de</strong>s <strong>de</strong> leituras do tempo das ilusões, que a mágica <strong>dos</strong> livros faz<br />
voltar.<br />
A província <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> foi trilhada por vários viajantes<br />
estrangeiros no século XIX que nos <strong>de</strong>ixaram interessantíssimas<br />
observações sobre os aspectos geográficos e culturais da região,<br />
principalmente das zonas do ouro e <strong>dos</strong> diamantes. Esse material é <strong>de</strong><br />
inestimável valor para quem quer conhecer melhor as origens da<br />
formação cultural e até as transformações ecológicas por que a região<br />
passou nos últimos séculos. Assim, embora o foco da nossa visitação<br />
nessa viagem seja os muitos templos antigos ainda existentes, não<br />
hesitei em convidar alguns <strong>de</strong>sses narradores a fazerem parte da<br />
mesma. A partir daí me pus à vonta<strong>de</strong> para tomar-lhes emprestado<br />
comentários que fizeram sobre paisagens, costumes, cida<strong>de</strong>s, pessoas e<br />
até sobre as próprias <strong>igrejas</strong> que, até o século XIX, ainda marcavam<br />
muito nossa paisagem urbana, chamando-lhes a atenção.<br />
Devo confessar que a minha i<strong>de</strong>ia original era restringir esta<br />
jornada rigorosamente <strong>às</strong> <strong>igrejas</strong> setecentistas, visto que meu interesse<br />
neste instante, está essencialmente focado no século XVIII. São,<br />
portanto, <strong>às</strong> <strong>igrejas</strong> <strong>de</strong>ssa centúria gloriosa que chamei, respeitosamente,<br />
<strong>de</strong> “<strong>antigas</strong> <strong>igrejas</strong>”. Contudo, pela gran<strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> lidar com<br />
datas, já que a documentação disponível a respeito <strong>dos</strong> velhos templos é<br />
muito precária, não está afastada a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> algumas das <strong>igrejas</strong>,<br />
relacionadas no meu inventário, terem sido erigidas efetivamente no<br />
século XIX. Afiançamos, porém, tratar-se <strong>de</strong> exceções. Em alguns<br />
casos isso até foi <strong>de</strong>liberadamente admitido. De qualquer forma, muitos<br />
são os templos <strong>de</strong> construção excepcionalmente <strong>de</strong>morada que vararam<br />
mais do que um século e agregaram várias tendências em sua<br />
conformação, confundindo estilos e subvertendo referências. Outros<br />
foram inteiramente reconstruí<strong>dos</strong> já no século XIX e até no século XX.<br />
Por tudo isso, a classificação <strong>de</strong> um templo como “setecentista”, em<br />
alguns casos tem uma conotação muito mais cultural do que<br />
cronológica. Para se classificar um templo antigo, sempre exposto aos<br />
caprichos <strong>dos</strong> membros que se suce<strong>de</strong>ram nas mesas diretivas das<br />
irmanda<strong>de</strong>s, é necessário se fazer um corte no tempo e congelar o<br />
10
esultado. Por isso, não raro, a vinculação <strong>de</strong> uma igreja ao setecentos<br />
chega a ser feita por meio <strong>de</strong> pura opção pessoal. Mas, no geral, a<br />
<strong>de</strong>speito das incertezas, penso que uma certa i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> pô<strong>de</strong> ser<br />
preservada e o título <strong>de</strong>sta obra po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado inteiramente<br />
apropriado.<br />
Gostaria <strong>de</strong> acrescentar a este mal dissimulado prefácio, que<br />
meu trabalho, como não po<strong>de</strong>ria mesmo <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser, não se baseia<br />
apenas em pesquisas bibliográficas. Percorri efetivamente os roteiros,<br />
visitei os templos aqui <strong>de</strong>staca<strong>dos</strong> e, inúmeras vezes, assisti <strong>às</strong><br />
cerimônias neles oficiadas. Uma jornada nada comparável <strong>às</strong> viagens<br />
que Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> empreen<strong>de</strong>u em 1919 e 1924, fascinado pela<br />
força da cultura colonial mineira. 2 Mas tentei re<strong>de</strong>scobrir, a meu modo,<br />
os caminhos da <strong>Minas</strong> Setecentista e, como o Gran<strong>de</strong> Mário, também<br />
muito preocupado com o <strong>de</strong>scaso que o levou a escrever sobre nosso<br />
patrimônio ameaçado, essas palavras amargas: “[...] dorme sono <strong>de</strong> cobra,<br />
enorme, tombada aos pedaços, apodrecida pelas goteiras, na Trinda<strong>de</strong>, no<br />
Rosário, na Casa <strong>de</strong> Tira<strong>de</strong>ntes”.<br />
Amparado na reação que tais advertências provocaram em<br />
Rodrigo <strong>de</strong> Mello Franco <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, pu<strong>de</strong> fazer minha viagem,<br />
oitenta anos <strong>de</strong>pois. E fui: segui os velhos caminhos, conversei com<br />
pessoas e procurei conhecer um pouco melhor os lugares em que os<br />
templos estão erigi<strong>dos</strong> e a comunida<strong>de</strong> que vive em torno <strong>de</strong>les e que<br />
ainda os freqüenta com visível orgulho. Foi uma viagem <strong>de</strong> in<strong>de</strong>scritível<br />
prazer que também me permitiu conviver com a incrível vitalida<strong>de</strong> da<br />
cultura mineira do século XVIII, ainda tão presente no dia-a-dia do<br />
nosso povo. Mas também me condoí <strong>de</strong> constatar que muito do nosso<br />
patrimônio histórico e cultural ainda dorme sono <strong>de</strong> cobra, aos<br />
pedaços, apodrecido pelas goteiras ...<br />
Na verda<strong>de</strong>, em muitos aspectos, esse trabalho não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser<br />
um típico diário <strong>de</strong> um viajante que passou pelas vicissitu<strong>de</strong>s próprias<br />
<strong>de</strong> um turista, inclusive encontrando vários templos sistematicamente<br />
fecha<strong>dos</strong>, só po<strong>de</strong>ndo conhecê-los externamente. Isso sem mencionar<br />
2 Alphonsus <strong>de</strong> Guimaraens registrou, em carta <strong>de</strong> 16 julho <strong>de</strong> 1919, que Mário<br />
passou em Mariana apenas para conhecê-lo mas que quando se encontraram ele já<br />
tinha visitado to<strong>dos</strong> os velhos templos da cida<strong>de</strong>.<br />
11
estradas precárias, indicações erradas e a gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiência <strong>de</strong><br />
sinalização que ainda assola nossos sítios turísticos, apesar da gran<strong>de</strong><br />
maioria <strong>dos</strong> respectivos prefeitos gostar <strong>de</strong> <strong>de</strong>clarar que o turismo é<br />
uma das priorida<strong>de</strong>s da sua administração. Mas, em nenhum momento,<br />
pu<strong>de</strong> me queixar da simpatia do povo <strong>de</strong>ssas localida<strong>de</strong>s, especialmente<br />
das cida<strong>de</strong>s menores e pouco procuradas.<br />
Mas, enfim, é sob a condição corajosa <strong>de</strong> turista brasileiro que é<br />
dado à maioria <strong>dos</strong> mortais a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trilhar caminhos em<br />
busca <strong>de</strong> <strong>igrejas</strong> <strong>antigas</strong>. E é aí que a <strong>de</strong>sinformação po<strong>de</strong> tornar os<br />
caminhos muito mais tortuosos.<br />
Foi tentando minimizar as agruras <strong>de</strong>ssa condição que escrevi<br />
este livro. Seu objetivo confesso é servir <strong>de</strong> uma espécie <strong>de</strong> roteiro <strong>de</strong><br />
visitação para pessoas interessadas em conhecer, com um pouco mais<br />
<strong>de</strong> profundida<strong>de</strong>, as <strong>igrejas</strong> barrocas mineiras e o ambiente que as<br />
gerou. Tenho a esperança que ele sirva não apenas para saciar<br />
curiosida<strong>de</strong>s efêmeras, mas também consiga sensibilizar aqueles que<br />
tiverem a curiosida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o ler, da necessida<strong>de</strong>, mais presente do que<br />
nunca, <strong>de</strong> conservar esse fantástico patrimônio e guardá-lo para o<br />
futuro. Hoje temos uma quantida<strong>de</strong> significativa <strong>de</strong> indivíduos e<br />
organizações mobiliza<strong>dos</strong> para preservar o meio ambiente e<br />
pouquíssimos <strong>de</strong>dica<strong>dos</strong> a preservar o patrimônio histórico, o que é<br />
compreensível mas injusto. Mesmo porque, a natureza, ainda que<br />
profundamente judiada como tem acontecido, é forte e se recupera. Um<br />
monumento histórico que se per<strong>de</strong>, porém, é para sempre. Mas<br />
compete a nós, ingênuos apaixona<strong>dos</strong>, tornar esta luta mais interessante<br />
e cativar outros a<strong>de</strong>ptos para ela.<br />
Devo advertir, enfaticamente, que esse não é o trabalho <strong>de</strong> um<br />
historiador, arquiteto ou perito em arte ou imaginária. Portanto, não é<br />
obra <strong>de</strong> um especialista em <strong>igrejas</strong> <strong>antigas</strong>. É apenas fruto <strong>de</strong> uma<br />
quase obsessão e da doce obrigação que me impus <strong>de</strong> compartilhá-la<br />
com outros. Confessando isso não me <strong>de</strong>i ao trabalho <strong>de</strong> disfarçar<br />
minha ignorância em relação a alguns <strong>de</strong>talhes técnicos que,<br />
verda<strong>de</strong>iramente, não escapariam a um especialista. Mesmo parte da<br />
terminologia que usei para <strong>de</strong>screver coisas, não foi buscada nos<br />
compêndios <strong>de</strong> arte e arquitetura e sim construí<strong>dos</strong> sob a mais pura<br />
liberda<strong>de</strong> poética. Rogo a tolerância do leitor quanto a essas visíveis<br />
<strong>de</strong>ficiências. Porém, acredito po<strong>de</strong>r compensá-lo <strong>de</strong> alguma outra<br />
forma. Caso contrário não teria me dado à empreitada <strong>de</strong> produzir<br />
esse roteiro. Mas, essencialmente, este é um diário <strong>de</strong> viagem<br />
12
construído para servir <strong>de</strong> simples guia <strong>de</strong> visitação para quem, como<br />
eu, se interessa por <strong>igrejas</strong> <strong>antigas</strong> pelo simples e irrenunciável prazer<br />
que sua contemplação proporciona.<br />
Não posso <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> registrar uma inquietação que tive em<br />
relação à forma <strong>de</strong> <strong>de</strong>scrição <strong>dos</strong> templos visita<strong>dos</strong>. Durante algum<br />
tempo vacilei entre as opções <strong>de</strong> <strong>de</strong>screvê-los <strong>de</strong> forma mais genérica<br />
ou mais <strong>de</strong>talhada. Acabei ten<strong>de</strong>ndo para a segunda alternativa, mesmo<br />
ciente <strong>de</strong> que muitos possam achar enfadonha a leitura <strong>de</strong> <strong>de</strong>scrições <strong>de</strong><br />
altares, fachadas, imagens e pinturas, com um certo grau <strong>de</strong> minúcia.<br />
Não po<strong>de</strong>ria ser outra a opção, inclusive para ser coerente com um <strong>dos</strong><br />
objetivos <strong>de</strong>ste trabalho que tem mesmo a pretensão <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r servir <strong>de</strong><br />
referência para a contemplação <strong>de</strong> templos setecentistas que mostram,<br />
exatamente no <strong>de</strong>talhe, a essência mesma do barroco que, <strong>de</strong> forma tão<br />
enfática, os caracteriza. Mas tentei me manter distante <strong>dos</strong> exageros. 3<br />
Muitos dirão que é inútil e sem sentido se dar a esse trabalho<br />
<strong>de</strong>scritivo, confrontando os tantos recursos <strong>de</strong> registros visuais<br />
atualmente disponíveis. Desculpem, mas com a mágica com que as<br />
técnicas computadorizadas hoje manipulam imagens, passei a acreditar<br />
ainda mais na longevida<strong>de</strong> <strong>dos</strong> livros. Além do mais, só mesmo velhas<br />
construções literárias ainda são capazes <strong>de</strong> transmitir sentimentos diante<br />
do inanimado.<br />
Enfim, espero po<strong>de</strong>r propiciar aos que se <strong>de</strong>rem à paciente<br />
tarefa <strong>de</strong> percorrer este meu trabalho, uma pitada <strong>de</strong> tempero sobre<br />
duas coisas que, posto serem um enorme prazer por si só, ainda se<br />
combinam muitíssimo bem: ler e viajar.<br />
Os viajantes do século <strong>de</strong>zenove<br />
A necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ampliação <strong>dos</strong> horizontes do conhecimento,<br />
contida na própria dinâmica <strong>de</strong> evolução da era mo<strong>de</strong>rna, se tornou<br />
crítica no século XIX. Essa criticida<strong>de</strong>, por um lado, foi atiçada pelas<br />
raízes do pensamento <strong>de</strong> base racional que então começava a se<br />
interessar mais pela natureza e pela cultura como parte integrante do<br />
3 A maioria das obras, hoje disponíveis sobre as <strong>igrejas</strong> <strong>antigas</strong> mineiras, ou são<br />
excessivamente <strong>de</strong>talhadas ou excessivamente sintéticas.<br />
13
acervo da ciência, abrindo novas e fascinantes janelas para o mundo.<br />
Por outro lado, a globalização imposta pela revolução industrial e pelo<br />
amadurecimento do capitalismo, pedia a integração <strong>de</strong> novos merca<strong>dos</strong>.<br />
Ou seja, numa relação promíscua <strong>de</strong> causas e consequências, o homem<br />
aperfeiçoava seus meios <strong>de</strong> produção e conseguia produzir mais, mais<br />
rápido e melhor e, consequentemente, tinha que ven<strong>de</strong>r mais, mais<br />
rápido e por preço mais compensador.<br />
É certo que o aperfeiçoamento mais acelerado <strong>dos</strong> meios <strong>de</strong><br />
transporte e comunicação só veio a ocorrer, <strong>de</strong> fato, no século seguinte.<br />
Isso, no entanto, não foi empecilho para que longas e penosas viagens<br />
exploratórias, <strong>de</strong> interesse comercial ou científico, viessem a acontecer<br />
naquele século, mais do que em qualquer outro. Vai daí que homens<br />
mais letra<strong>dos</strong> com espírito aventureiro, mais aventureiros com espírito<br />
letrado ou simples comerciantes atira<strong>dos</strong>, começaram a se interessar<br />
vivamente por terras e povos distantes. Foram atraí<strong>dos</strong>,<br />
particularmente, pelos horizontes do Novo Mundo e da Velha África,<br />
on<strong>de</strong> havia tanta coisa ainda a ser examinada. Para os sábios, o interesse<br />
por terras distantes extrapolava o campo da zoobotânica e atingia o<br />
berço da indagação antropológica que, então, começava a tomar o lugar<br />
das inquietações puramente filosóficas a respeito <strong>dos</strong> homens e suas<br />
instituições. Eis, pois, que muitos sábios abandonaram seus gabinetes e<br />
começaram a viajar mundo afora. Finalmente, a invasão pacífica<br />
motivada pela ânsia do conhecimento, substituía a invasão predatória da<br />
exploração puramente econômica, tão típica do século anterior e que<br />
tanto dilapidou a natureza e humilhou culturas, algumas milenares e até<br />
superiores à cultura europeia em muitos aspectos. Fato é que, ao lado<br />
<strong>dos</strong> aventureiros ingleses, hábeis em juntar capitais especulativos para<br />
explorar minas no Brasil, cá vierem dar renoma<strong>dos</strong> sábios e políticos.<br />
As interpretações que esses viajantes <strong>de</strong>ram ao que viram são<br />
bastante variadas e muitos não <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> fazer reiteradas observações<br />
preconceituosas, <strong>às</strong> vezes arrogantes e totalmente <strong>de</strong>stituídas <strong>de</strong> sentido<br />
à luz do atual estágio das ciências sociais. Foram incapazes, por<br />
exemplo, <strong>de</strong> reconhecer a genialida<strong>de</strong> <strong>dos</strong> nossos artistas barrocos e não<br />
faltaram citações históricas vigorosamente equivocadas. As<br />
comparações etnocentristas com a cultura europeia foram inevitáveis e<br />
o incompreensível nunca <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser visto como exótico. Mas to<strong>dos</strong><br />
eles, penso que com autêntica sincerida<strong>de</strong>, não <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> prever um<br />
futuro brilhante para o Brasil e, sobretudo, algumas minuciosas<br />
observações que fizeram sobre nossa cultura e natureza nos chegaram<br />
como um inestimável acervo <strong>de</strong> informações, muitas das quais,<br />
14
inquestionavelmente úteis para enten<strong>de</strong>r o grau <strong>de</strong> criticida<strong>de</strong> histórica<br />
<strong>de</strong> muitos <strong>dos</strong> nossos problemas atuais. 4<br />
O mais profícuo e arguto <strong>dos</strong> viajantes estrangeiros que<br />
passaram pelo Brasil no século XIX foi, sem dúvida, o naturalista<br />
francês August <strong>de</strong> Saint-Hilaire. 5 Aqui esteve <strong>de</strong> 1816 a 1822, coletando<br />
material que alimentou assunto para mais <strong>de</strong> 10 livros, publica<strong>dos</strong> na<br />
França alguns anos após o seu retorno. Percorreu cerca <strong>de</strong> 15.000 km<br />
pelo território brasileiro, a maioria sobre o lombo <strong>de</strong> um animal.Visitou<br />
quase to<strong>dos</strong> os principais arraiais e vilas <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> do século XIX, na<br />
região do ouro, do diamante, por sobre montes, planaltos, florestas e<br />
cerra<strong>dos</strong>. Conheceu várias localida<strong>de</strong>s que também fazem parte <strong>de</strong>sse<br />
nosso roteiro <strong>de</strong> visita <strong>às</strong> <strong>igrejas</strong> setecentistas mineiras: Barbacena,<br />
Queluz (Cons. Lafaiete), Vila Rica (Ouro Preto), Mariana, Catas Altas,<br />
Vila do Príncipe (Serro), Tijuco (Diamantina), Sabará, Caeté, Vila do<br />
Paracatu e tantos outros lugares. Tomamos várias <strong>de</strong> suas observações<br />
sobre essas vilas e povoa<strong>dos</strong>, enriquecendo sobremaneira nosso<br />
trabalho.<br />
O inglês sir Richard Francis Burton foi outro ilustre visitante<br />
que registrou em livro suas viagens a <strong>Minas</strong>. Diplomata, escritor,<br />
aventureiro, geólogo, militar e antropólogo, era cônsul em Santos, no<br />
litoral paulista, em 1867, quando, acompanhado <strong>de</strong> sua mulher Isabel,<br />
resolveu conhecer as ativida<strong>de</strong>s mineradoras, especialmente em Morro<br />
Velho, Cuiabá e Congo Soco e o rio São Francisco. Partindo do Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro passou por Barbacena, São João <strong>de</strong>l Rei, São José <strong>de</strong>l Rei<br />
(Tira<strong>de</strong>ntes), Congonhas, N. S. do Pilar <strong>de</strong> Congonhas do Sabará (Nova<br />
Lima), Raposos, São João do Morro Gran<strong>de</strong> (Barão <strong>de</strong> Cocais), Catas<br />
Altas, Mariana, Ouro Preto, Caeté e Sabará on<strong>de</strong> largou a mulher, 6<br />
pegou uma tosca canoa e <strong>de</strong>sceu o rio das Velhas até o rio São<br />
Francisco e daí até a sua foz no oceano Atlântico, visitando na travessia<br />
4 Escuso-me <strong>de</strong> ocultar <strong>dos</strong> meus leitores que muitas das citações tomadas das<br />
observações <strong>dos</strong> nossos viajantes foram feitas <strong>de</strong> forma bastante livre,<br />
próxima ao irresponsável.<br />
5 Vi<strong>de</strong> as referências bibliográficas das diversas obras consultadas, no final do livro.<br />
6 No bom sentido já que, o que ele queria mesmo, era poupá-la <strong>dos</strong> riscos da viagem<br />
pelo rio São Francisco.<br />
15
Santa Luzia, Jaguara (Matosinhos) e Diamantina, além <strong>de</strong> várias<br />
povoações na Bahia. Burton já havia servido na Índia, tinha explorado<br />
as cabeceiras do rio Nilo, tinha feito uma peregrinação à Meca<br />
disfarçado <strong>de</strong> muçulmano e no Brasil levava vida mais quieta fazendo<br />
parte do corpo diplomático do, então, ainda flamejante império<br />
britânico.<br />
Spix e Martius, a conhecida dupla <strong>de</strong> naturalistas alemães, forma<br />
a terceira ala do nosso grupo <strong>de</strong> insignes naturalistas viajantes.<br />
Estiveram no Brasil por influência da arquiduquesa da Áustria - a nossa<br />
princesa Leopoldina - <strong>de</strong> 1817 a 1820, integrando uma comitiva <strong>de</strong><br />
sábios europeus em visita ao nosso país quando do casamento da<br />
princesa austríaca com o príncipe Pedro <strong>de</strong> Alcântara, o futuro<br />
imperador d. Pedro I. Por pouco não encontraram Saint-Hilaire em<br />
alguma hospedaria do interior <strong>de</strong> <strong>Minas</strong>, já que aqui passaram pouco<br />
tempo <strong>de</strong>pois. Eram então dois jovens naturalistas: Spix com trinta e<br />
seis anos e Martius com apenas vinte e três. Incansáveis tanto quanto<br />
Saint-Hilaire, também fizeram registros científicos, históricos e culturais<br />
muito relevantes. Penetraram na capitania <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> vin<strong>dos</strong> <strong>de</strong> São<br />
Paulo, estiveram na região <strong>de</strong> Vila Rica, Sabará, Tijuco, até o vale do<br />
Jequitinhonha, visitando várias fazendas, vilas e povoa<strong>dos</strong>. Martius,<br />
após a viagem e a prematura morte <strong>de</strong> Spix, prestou um inestimável<br />
serviço ao Brasil dirigindo, durante muitos anos, a elaboração <strong>de</strong> uma<br />
monumental obra <strong>de</strong> catalogação da flora brasileira, a maior e mais<br />
completa obra botânica da humanida<strong>de</strong> <strong>de</strong> to<strong>dos</strong> os tempos. Muitos<br />
anos <strong>de</strong>pois da viagem, Martius ainda continuou muito ligado ao nosso<br />
país tendo, inclusive, vencido um concurso para produzir um ensaio<br />
sobre a cultura indígena brasileira, sob patrocínio do imperador d.<br />
Pedro II.<br />
O quinto viajante em cuja narrativa fomos buscar referências,<br />
foi o botânico escocês George Gardner que fez uma longa viagem ao<br />
interior do Brasil entre 1836 e 1841, portanto posterior a Saint-Hilaire e<br />
Spix e Martius mas anterior a Richard Burton. Ao contrário <strong>dos</strong> <strong>de</strong>mais,<br />
que penetraram em <strong>Minas</strong> pelo sul vin<strong>dos</strong> <strong>de</strong> São Paulo ou do Rio,<br />
Gardner penetrou pelo norte, percorrendo o vale do Jequitinhonha,<br />
Diamantina, Serro, a região <strong>de</strong> Cocais, Morro Velho, Ouro Preto e daí<br />
rumo ao Rio <strong>de</strong> Janeiro. Sua narrativa é curta e mais preocupada com<br />
botânica e geologia, mas igualmente digna <strong>de</strong> ser citada em muitas <strong>de</strong><br />
suas passagens.<br />
16
De to<strong>dos</strong> eles, como dissemos, o mais <strong>de</strong>talhista e metódico foi<br />
Saint-Hilaire e, <strong>de</strong> fato, é quem mais contribuição <strong>de</strong>u a essa nossa<br />
viagem, como se verá.<br />
No geral, <strong>de</strong> todas as narrativas <strong>de</strong>sses viajantes, é possível tirar um<br />
retrato bastante nítido do que seria <strong>Minas</strong> Gerais no século XIX:<br />
uma região enorme e variada, com vilas em gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>cadência, com<br />
casas pobres e pouco mobiliadas, <strong>de</strong>stituída <strong>de</strong> hospedarias <strong>de</strong>centes,<br />
com estradas estreitas e mal cuidadas, com um povo indolente e<br />
beberrão, com técnicas agrícolas primitivas; mas ao mesmo tempo,<br />
com uma natureza exuberante e fantásticos cursos d'água, com a<br />
agricultura e o comércio em expansão, com uma promissora<br />
indústria nascente ligada ao ferro, com um povo extremamente<br />
hospitaleiro e orgulhoso da sua terra, com mulheres belas e muito<br />
recatadas e... com inúmeras <strong>igrejas</strong>, muitas inacabadas ou em ruínas,<br />
tantas estranhas, muitas grotescas, mas, algumas particularmente<br />
belas.<br />
Mas permita-me, meu caro leitor, criar um espaço especial para<br />
introduzir um outro viajante, um tanto singular em comparação com o<br />
grupo que acabo <strong>de</strong> caracterizar. Trata-se <strong>de</strong> um visitador eclesiástico<br />
cujo relatório <strong>de</strong> viagem é particularmente útil aos propósitos <strong>de</strong>ste<br />
trabalho. Percorreu a província <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> no primeiro quarto do século<br />
XIX, <strong>de</strong>ntro da rotina imposta pelo senso <strong>de</strong> zelo indispensável à<br />
correta condução do seu pie<strong>dos</strong>o trabalho pastoral. Falo <strong>de</strong> dom frei<br />
José da Santíssima Trinda<strong>de</strong>, um bom português, nascido no Porto em<br />
1762 e que cedo veio para o Brasil seguir carreira eclesiástica. Dom frei<br />
José foi o sexto bispo <strong>de</strong> Mariana, estando à frente da Diocese <strong>de</strong> 1820<br />
a 1835. Ele empreen<strong>de</strong>u uma série <strong>de</strong> viagens pelas freguesias sob sua<br />
orientação pastoral, entre 1821 e 1825 e fez registrar comentários e<br />
provisões <strong>de</strong>ssas visitações. Entre eles se incluem interessantes<br />
referências sobre as matrizes, capelas e ermidas da sua jurisdição e<br />
sobre os respectivos padres. Isso nos permite, especialmente, saber da<br />
condição em que se encontravam alguns <strong>de</strong> nossos conheci<strong>dos</strong> velhos<br />
templos no princípio do século XIX. Pelo seu registro, ficamos sabendo<br />
da quantida<strong>de</strong> enorme <strong>de</strong> templos inacaba<strong>dos</strong> ou em ruínas, existentes<br />
naquela época. A maioria <strong>de</strong>les realmente se per<strong>de</strong>u e outros,<br />
milagrosamente escaparam, ressurgiram e hoje se encontram à<br />
disposição para nossa visitação. Nada mais justificável, pois, do que nos<br />
17
valermos também das anotações do nosso pie<strong>dos</strong>o bispo para<br />
enriquecer os atrativos da nossa viagem. 7<br />
Os fundamentos 8<br />
Já nos primeiros capítulos do estudo da nossa economia,<br />
apren<strong>de</strong>mos que a formação econômica do nosso país se <strong>de</strong>u em ciclos,<br />
caracteriza<strong>dos</strong> conforme a ativida<strong>de</strong> predominante <strong>de</strong> sustentação do<br />
processo <strong>de</strong> geração da riqueza num dado período. Um <strong>dos</strong> exemplos<br />
mais extraordinários <strong>de</strong>sse processo, mesmo numa perspectiva mundial,<br />
sem dúvida foi o do ciclo do ouro ocorrido no século XVIII e apoiado<br />
nas riquezas naturais da capitania <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> Gerais, quando teve curso<br />
uma produção extraordinária <strong>de</strong> gemas e metais preciosos. O fascínio<br />
que esse período exerce vem não só do peso econômico que ele<br />
representou, mas também do vigor político e cultural que <strong>de</strong>monstrou<br />
possuir. Em <strong>Minas</strong> foi competente para fermentar uma cultura, talvez<br />
hoje a única no país capaz <strong>de</strong> mostrar, com clareza, o rastro da sua<br />
ligação com o passado. A cultura mineira do ciclo do ouro,<br />
indubitavelmente foi a mãe sanguínea do que se costuma chamar hoje,<br />
talvez até com um certo exagero típico do orgulho embutido no antigo<br />
senso <strong>de</strong> cidadania <strong>de</strong>ssa mesma cultura, <strong>de</strong> “mineirida<strong>de</strong>”.<br />
O volume <strong>de</strong> riqueza gerado nesse período nunca foi muito<br />
bem contabilizado mas para alguns historiadores mais entusiasma<strong>dos</strong><br />
ele teria chegado a tal ponto que acabou sendo o esteio da geração <strong>dos</strong><br />
capitais indispensáveis a viabilização da revolução industrial, ocorrida<br />
na Inglaterra no século seguinte 9 . De fato, parte significativa do ouro<br />
7 Outro viajante que nos propiciou impressões interessantes consignadas nesse livro,<br />
foi José Joaquim da Silva. Trata-se <strong>de</strong> um mineiro <strong>de</strong> Juiz <strong>de</strong> Fora que, em 1879,<br />
publicou um tratado geográfico sobre a província <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> Gerais. Dele tomamos<br />
trechos <strong>de</strong> <strong>de</strong>scrições marcantes, geralmente simpáticas, sobre as principais cida<strong>de</strong>s<br />
mineiras da segunda meta<strong>de</strong> do século XIX. Trechos <strong>de</strong>ssas <strong>de</strong>scrições prece<strong>de</strong>m<br />
nossa entrada na maioria das cida<strong>de</strong>s que visitamos.<br />
8 Há muitas controvérsias e <strong>de</strong>sencontros sobre os fatos da História mineira <strong>dos</strong><br />
primeiros tempos. Em algumas passagens optamos por não tomar partido. Por isso os<br />
relatos inseri<strong>dos</strong> nessa seção po<strong>de</strong>m diferir <strong>dos</strong> fatos menciona<strong>dos</strong> no último livro da<br />
nossa trilogia on<strong>de</strong> voltaremos a tratar <strong>de</strong>sses mesmos assuntos.<br />
9 No último livro da trilogia levanto questionamentos sobre possíveis exageros na<br />
contabilização do montante <strong>de</strong> ouro que fluiu das minas brasileiras no século XVIII.<br />
18
mineiro aportou nos cofres <strong>dos</strong> empreen<strong>de</strong>dores britânicos,<br />
principalmente via o Acordo <strong>de</strong> Methuen, mediante o qual a Inglaterra<br />
garantia privilégios na colocação <strong>de</strong> seus produtos no reino e nas<br />
colônias portuguesas. Gran<strong>de</strong> parte <strong>dos</strong> produtos coloca<strong>dos</strong> pelos<br />
ingleses no Brasil, especialmente teci<strong>dos</strong> e utensílios, foi direcionada ao<br />
mercado das minas. Na direção contrária, fluiu bom e sonante ouro,<br />
transferido em dinâmicas transações à indústria têxtil inglesa, base da<br />
revolução industrial. Estima-se que logo nos primeiros anos da<br />
exploração aurífera, esta ativida<strong>de</strong> já empregava cerca <strong>de</strong> duzentas mil<br />
pessoas. Consi<strong>de</strong>rando que a renda <strong>de</strong>sse contingente estava entre as<br />
maiores do mundo, 10 seguramente, esse era um <strong>dos</strong> melhores merca<strong>dos</strong><br />
do planeta. Levando-se em conta ainda que a produção em série<br />
introduzida pela ativida<strong>de</strong> industrial <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da <strong>de</strong>sconcentração da<br />
renda e da <strong>de</strong>mocratização do consumo, há <strong>de</strong> se valorizar o papel do<br />
mercado mineiro na história da economia mundial, na primeira meta<strong>de</strong><br />
do século XVIII. On<strong>de</strong> mais, escravos e joãos-ninguém aventureiros<br />
podiam representar abasta<strong>dos</strong> consumidores, tanto <strong>de</strong> artigos <strong>de</strong> luxo<br />
(franceses) como <strong>de</strong> manufaturas <strong>de</strong> utilida<strong>de</strong>s básicas do dia-a-dia<br />
(ingleses). 11<br />
O Acordo <strong>de</strong> Methuen é consi<strong>de</strong>rado a mais extraordinária peça<br />
comercial gerada pela i<strong>de</strong>ologia mercantilista inglesa. Sem dúvida,<br />
garantia à Inglaterra, em suas transações comerciais <strong>de</strong>siguais com<br />
Portugal, um troco pesado e sonante, consubstanciado no mais<br />
10 É certo que gran<strong>de</strong> parte <strong>de</strong>sse contingente era constituída <strong>de</strong> escravos, mas nunca<br />
antes, nem talvez <strong>de</strong>pois, esses <strong>de</strong>safortuna<strong>dos</strong> tiveram acesso tão facilitado a meios<br />
<strong>de</strong> troca, através <strong>de</strong> incentivos ou da retenção, consentida ou não, <strong>de</strong> parte do<br />
resultado do seu trabalho. Fato é que muitos <strong>de</strong>les enriqueceram, se alforriaram ou<br />
construíram <strong>igrejas</strong>. É certo, também, que a <strong>de</strong>cadência foi rápida e na segunda<br />
meta<strong>de</strong> do século XVIII já se tinha esvaído o antigo esplendor.<br />
11 Antonil, um jesuíta italiano que viveu no Brasil <strong>de</strong> 1681 a 1716, escreveu a respeito<br />
do potencial consumista <strong>de</strong>ssa turma: (***) logo, começaram os mercadores a mandar <strong>às</strong><br />
minas, o melhor que chega nos navios do Reino e <strong>de</strong> outras partes, assim <strong>de</strong> mantimentos, como <strong>de</strong><br />
regalo e <strong>de</strong> pomposo para se vestirem, além <strong>de</strong> mil bugiarias <strong>de</strong> França que lá também foram dar.<br />
Também registra ele, em várias passagens do seu livro, a gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> negros<br />
enriqueci<strong>dos</strong> que encontrou, seja catando ouro, seja no meretrício.<br />
19
po<strong>de</strong>roso <strong>dos</strong> instrumentos <strong>de</strong> troca mercantil: o ouro; o do Brasil, vale<br />
dizer, principalmente das <strong>Minas</strong> Gerais. É interessante observar que o<br />
acordo sobreviveu, basicamente, enquanto perdurou o ciclo do ouro<br />
brasileiro e há quem diga que ele foi criado astutamente pelo<br />
embaixador inglês em Lisboa, John Methuen, sabedor da <strong>de</strong>scoberta do<br />
ouro já em 1698, exatamente para carrear esse ouro para seu país.<br />
Enfim, o ouro brasileiro teria contribuído, direta e indiretamente, para<br />
garantir o fortalecimento da indústria britânica e isso sem agravar a<br />
inflação que, no início do processo, po<strong>de</strong>ria ser uma séria ameaça ao<br />
seu sucesso. Assim, durante o século XVIII, os industriais ingleses se<br />
capitalizaram o bastante para tomar fôlego e começar a fermentar a<br />
revolução industrial, amadurecida no século seguinte. Por outro lado,<br />
vale lembrar ainda que, mesmo <strong>de</strong>pois que a ativida<strong>de</strong> aurífera começou<br />
a <strong>de</strong>clinar, uma incipiente indústria têxtil e <strong>de</strong> fundição que nascia na<br />
capitania <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> foi sufocada pela Coroa Portuguesa através da<br />
proibição da implantação <strong>de</strong> equipamentos industriais. Essa política<br />
férrea exacerbada pela metrópole, visava não só proteger as<br />
manufaturas do reino e abrir mercado aos produtos ingleses, como<br />
também impedir que outras ativida<strong>de</strong>s viessem a prejudicar a <strong>de</strong>dicação<br />
da população à produção <strong>de</strong> ouro e diamante. Já em 1717 o con<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Assumar proibia as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> engenhos em <strong>Minas</strong>. Em 1775 foi<br />
proibida a fabricação <strong>de</strong> chapéus e teci<strong>dos</strong>. Em 1785 foram proibidas as<br />
manufaturas em geral em todo o país. 12 Essa proibição foi revogada<br />
por d. João VI em 1808, mas somente no segundo reinado é que o<br />
processo <strong>de</strong> industrialização começou a se mover com menos vagar,<br />
principalmente através <strong>de</strong> fundições e teares, mas aí, infelizmente, em<br />
bases políticas e econômicas bastante fragilizadas, incapazes <strong>de</strong> criar<br />
lastro para que o barão <strong>de</strong> Mauá pu<strong>de</strong>sse encarar os fazen<strong>de</strong>iros e<br />
principalmente os capitalistas e industriais ingleses da época.<br />
A ativida<strong>de</strong> aurífera do século XIX já foi a das minas profundas<br />
cuja exploração <strong>de</strong>mandou gran<strong>de</strong>s capitais e tecnologia mais avançada.<br />
Mais uma vez os ingleses estavam presentes na linha <strong>de</strong> frente (Morro<br />
Velho, Cuiabá, Congo Soco, etc). Tudo isso acabou atirando<br />
<strong>de</strong>finitivamente a província nos braços da opção agropecuária,<br />
<strong>de</strong>sviando o eixo da economia mineira das áreas urbanas, gran<strong>de</strong>mente<br />
dinamizadas pela ativida<strong>de</strong> aurífera, para as áreas rurais distantes e mal<br />
12 Era permitido fabricar apenas teci<strong>dos</strong> rústicos para uso <strong>dos</strong> escravos.<br />
20
servidas. A conseqüência final foi a notável <strong>de</strong>cadência das <strong>antigas</strong> vilas<br />
e cida<strong>de</strong>s, a estagnação econômica e sobretudo, o retardamento do<br />
processo <strong>de</strong> industrialização do futuro estado <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> Gerais. Assim, a<br />
capitania essencialmente urbana do século XVIII, se tornou o estado<br />
essencialmente rural do século XIX e primeira meta<strong>de</strong> do século XX. 13<br />
Essa inversão contribuiu certamente para o vertiginoso crescimento do<br />
analfabetismo que, nas <strong>Minas</strong> do século XVIII e primeira meta<strong>de</strong> do<br />
século XIX, era proporcionalmente menor do que hoje. Richard Burton<br />
comentou que, surpreen<strong>de</strong>ntemente, o nível <strong>de</strong> analfabetismo na<br />
província entre os cidadãos livres era menor do que na França e<br />
Inglaterra. Esse contingente, inclusive, abrigava uma “classe média<br />
colonial” formada por artesãos que vieram <strong>de</strong> outros centros mais<br />
adianta<strong>dos</strong> atraí<strong>dos</strong> pela <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> maior sofisticação,<br />
característicos das concentrações urbanas <strong>de</strong> maior porte.<br />
Efetivamente, o processo <strong>de</strong> urbanização do estado <strong>de</strong> <strong>Minas</strong><br />
Gerais teve origem nos sítios <strong>de</strong> exploração do ouro. Os mais<br />
dinâmicos foram crescendo como círculos concêntricos, formando<br />
conglomera<strong>dos</strong> maiores ao longo <strong>dos</strong> anos. Esse tipo <strong>de</strong> evolução po<strong>de</strong><br />
ser facilmente observado em Sabará, Ouro Preto e Mariana que hoje<br />
são formadas por uma serie <strong>de</strong> bairros e distritos próximos,<br />
emblematicamente i<strong>de</strong>ntificado por uma toponímia muito antiga. No<br />
século XVIII eles eram arraiais in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, cada um tendo à frente<br />
seu respectivo potentado, dono da lavra e não raramente <strong>de</strong> alguma<br />
fazenda nas proximida<strong>de</strong>s. Arraial Velho, Roças Gran<strong>de</strong>s, Santana em<br />
torno <strong>de</strong> Sabará ou Antônio Dias, Morro da Queimada, Padre Faria em<br />
torno <strong>de</strong> Ouro Preto, são exemplos <strong>de</strong>sse processo.<br />
Na ponta mais recente da formação urbana do estado estão as<br />
roças, pousos e vendas que cresceram e que hoje formam algumas das<br />
maiores cida<strong>de</strong>s do interior mineiro. Finalmente, <strong>de</strong>pois da amarga<br />
penúria que o esgotamento mineral do ouro e do diamante provocou da<br />
segunda meta<strong>de</strong> do século XVIII à segunda meta<strong>de</strong> do século XX<br />
surgem os centros urbanos tipicamente industriais, próximos <strong>às</strong> novas<br />
jazidas <strong>de</strong> ferro e, geralmente, não muito distantes <strong>de</strong> <strong>antigas</strong> minas <strong>de</strong><br />
ouro.<br />
13 Evi<strong>de</strong>ntemente, a população mineira do século XVIII não se restringia aos<br />
habitantes das “vilas do ouro” e suas cercanias. O que estamos querendo acentuar é<br />
que a ativida<strong>de</strong> econômica estava substancialmente concentrada em torno <strong>de</strong> núcleos<br />
urbanos, alguns então até maiores do que muitas se<strong>de</strong>s municipais atuais.<br />
21
Tudo começou já no século XVI. Em 1573, aten<strong>de</strong>ndo a<br />
<strong>de</strong>terminações <strong>de</strong> interesse da Coroa, Sebastião Fernan<strong>de</strong>s Tourinho,<br />
partindo do Espírito Santo, a<strong>de</strong>ntrou o território mineiro. Não foi o<br />
primeiro mas foi um <strong>dos</strong> mais promissor e, graças à sua expedição, a<br />
região passou a <strong>de</strong>spertar gran<strong>de</strong> interesse <strong>dos</strong> governadores e <strong>dos</strong><br />
aventureiros <strong>de</strong> então, pelas suas auspiciosas promessas minerais.<br />
Tourinho percorreu a bacia do rio Doce e chegou até o pico do Itambé,<br />
retornando ao litoral e ao ponto <strong>de</strong> partida, através do rio<br />
Jequitinhonha. 14 Na sua jornada teria se <strong>de</strong>parado com vários <strong>de</strong>pósitos<br />
<strong>de</strong> pedras preciosas <strong>de</strong> todas as cores e qualida<strong>de</strong>s. Mas não conseguiu<br />
mostrar exemplares que provassem o potencial mineral das histórias<br />
que contou. Isso só veio a ocorrer em 1611 quando Marcos <strong>de</strong> Azevedo<br />
percorreu roteiro semelhante e voltou com uns belos exemplares <strong>de</strong><br />
gemas que, envia<strong>dos</strong> à metrópole, fizeram brilhar verda<strong>de</strong>iramente os<br />
olhos do rei, pois eram esmeraldas autênticas. Porém Azevedo não quis<br />
mostrar o mapa da mina, foi preso e morreu com o segredo. 15 Mas<br />
persistiu o fascínio por aqueles fantásticos relatos. E daí nasceu a Lenda<br />
da Lagoa do Vupabuçu em cujas margens Azevedo teria encontrado as<br />
cobiçadas pedras ver<strong>de</strong>s. 16<br />
Muitos outros aventureiros, com apoio moral e apelos piegas da<br />
realeza, andaram penetrando esporadicamente na região. Mas só por<br />
volta <strong>de</strong> 1664, ou seja, quase cem anos <strong>de</strong>pois da expedição <strong>de</strong><br />
Tourinho, é que a Coroa <strong>de</strong>cidiu vasculhar verda<strong>de</strong>iramente o território<br />
e explorar <strong>de</strong> forma mais consistente as riquezas minerais anunciadas<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o século anterior. Assim é que d. Afonso VI mandou carta a<br />
Agostinho Barbalho pedindo providências, mas ainda prometendo<br />
14 O roteiro seguido por Tourinho não é muito claro pois parece que ele fez duas<br />
incursões ao território mineiro e os historiadores confun<strong>de</strong>m esses roteiros. Em linhas<br />
gerais, ele entrou pelo rio Doce e retornou pelo rio Jequitinhonha, encerrando a<br />
aventura em Porto Seguro.<br />
15 Há outras versões para essa história e <strong>de</strong>las tratamos com mais <strong>de</strong>talhe no último<br />
livro da nossa trilogia.<br />
16 Segundo Lúcio José <strong>dos</strong> Santos, em 1926 o bispo <strong>de</strong> Diamantina d. João<br />
Pimenta, teria apresentado provas convincentes <strong>de</strong> que a lagoa do Vupabuçu<br />
se encontra no distrito da Vargem Gran<strong>de</strong>, à cinco quilômetros da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Itacambira.<br />
22
muito mais apoio moral do que físico. Era preciso encontrar as minas<br />
mas sem onerar muito a Real Fazenda. Vai daí que apenas em 1672 é<br />
que o projeto prosperaria, já sendo rei d. Pedro II e governador d.<br />
Afonso Furtado <strong>de</strong> Mendonça. Este mandou cartas aos intimoratos<br />
potenta<strong>dos</strong> da vila <strong>de</strong> São Paulo do Piratininga, pedindo apoio. No<br />
princípio ninguém quis encarar aquela barra o que obrigou o<br />
governador a reforçar o apelo uma vez mais. Foi então que Fernão Dias<br />
Paes, fiel e <strong>de</strong>dicado vassalo, se impôs a missão. Ele, embora já contasse<br />
com sessenta anos, ida<strong>de</strong> muito avançada para os padrões da época,<br />
mergulhou <strong>de</strong> corpo e alma no cometimento. Levou dois anos se<br />
preparando e em julho <strong>de</strong> 1674, partiu em direção à Mantiqueira ao<br />
norte do planalto <strong>de</strong> Piratininga. Entre muitos, contava em sua comitiva<br />
gran<strong>de</strong>s povoadores da futura capitania <strong>de</strong> <strong>Minas</strong>: seu filho Garcia<br />
Rodrigues Paes e o genro Manuel <strong>de</strong> Borba Gato. Um ano antes,<br />
Fernão Dias já tinha <strong>de</strong>spachado seu sobrinho, o valoroso capitão<br />
Matias Car<strong>dos</strong>o <strong>de</strong> Almeida que entrou na frente, plantando as roças<br />
que iriam abastecer a comitiva no caminho. Em seguida entrou<br />
Bartolomeu Gago e foi proce<strong>de</strong>ndo à colheita e armazenamento <strong>dos</strong><br />
víveres. Só <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> tudo isso é que partiu o miolo da expedição. Ou<br />
seja, o pessoal era aventureiro mas não era <strong>de</strong>sprevenido e tinha que<br />
seguir uma certa logística, cuida<strong>dos</strong>amente traçada para viabilizar o<br />
empreendimento. 17<br />
Partindo da vila <strong>de</strong> São Paulo, a tropa passou por Taubaté e<br />
alcançou Pindamonhangaba e Guaratinguetá sem maiores dificulda<strong>de</strong>s.<br />
Daí cortou a serra da Mantiqueira pela Garganta do Embaú, atravessou<br />
o rio Passa-quatro e veio dar na região do rio Capivari, já no atual<br />
estado <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> Gerais. Seguindo sempre em direção ao norte Fernão<br />
Dias e seus comanda<strong>dos</strong> encontraram uma região propicia a uma pausa<br />
para <strong>de</strong>scanso, a que os índios chamavam <strong>de</strong> Maependi. Passaram o<br />
rio Ver<strong>de</strong> e nas proximida<strong>de</strong>s do rio Gran<strong>de</strong> fundaram um arraial,<br />
chamado <strong>de</strong> Ibituruna e que vem a ser, portanto, a primeira povoação<br />
<strong>de</strong> <strong>Minas</strong>. 18 Aí estancaram por uns tempos, a plantar as suas roças e<br />
17 Essa é a gran<strong>de</strong> diferença entre o estilo <strong>de</strong> penetração <strong>dos</strong> ban<strong>de</strong>irantes e as<br />
incursões <strong>dos</strong> tempos <strong>de</strong> Fernan<strong>de</strong>s Tourinho. Enquanto as primeiras tinham alguma<br />
orientação colonizadora, as primitivas entradas tinham sentido puramente<br />
exploratório. Mas ambas tinham algo em comum: eram essencialmente aventureiras.<br />
18 Este é o roteiro traçado pelo historiador Diogo <strong>de</strong> Vasconcelos no seu clássico<br />
História Antiga das <strong>Minas</strong> Gerais e que foi copiado por muitos historiadores<br />
23
esperar passar a estação das chuvas, tempo <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> estorvo para as<br />
jornadas, quando os rios enchiam e se mostravam intransponíveis. De<br />
sorte que, em março, pu<strong>de</strong>ram seguir: atingiram uma região <strong>de</strong> campos<br />
cortada pela serra da Borda e pelo rio Paraopeba, mais a noroeste. Nas<br />
proximida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sse rio fundaram o segundo arraial a que chamaram <strong>de</strong><br />
São Pedro, que mais tar<strong>de</strong> veio a se chamar Santana do Paraopeba e<br />
<strong>de</strong>pois sumir do mapa. 19 Mas não pararam e rumando sempre com o<br />
nascente à direita, foram dar numa lagoa on<strong>de</strong> os índios achavam que a<br />
água sumia e assim a chamavam <strong>de</strong> Anhonhecanhuva (Sumidouro). Aí<br />
fundaram o arraial <strong>de</strong> São João. Então a tropa do velho ban<strong>de</strong>irante já<br />
estava na maior penúria e ele arranchou sem condições <strong>de</strong> avançar nem<br />
mais um passo e sem ter tido a fortuna <strong>de</strong> encontrar qualquer coisa <strong>de</strong><br />
valor. Matias Car<strong>dos</strong>o, resolveu voltar a São Paulo mas Borba Gato e<br />
Garcia Rodrigues <strong>de</strong>cidiram ficar e explorar um pouco as cercanias do<br />
sumidouro, vale dizer a região do Sabarabuçu que era tudo que suas<br />
precárias condições então permitiam.<br />
Fernão Dias tinha escrito ao governador pedindo socorros mas<br />
eles já estavam <strong>de</strong>morando muito. Assim, logo que conseguiu juntar<br />
um suprimento conveniente <strong>de</strong> sementes e peixe salgado, o tenaz<br />
ban<strong>de</strong>irante resolveu dar seqüência à penetração rumo ao norte em<br />
busca <strong>de</strong> uma lagoa cujas margens, contavam os índios, eram forradas<br />
<strong>de</strong> pedras ver<strong>de</strong>s. Com certeza <strong>de</strong>via ser a Vupabuçu, perdida com seus<br />
tesouros <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o começo do século. Subiu a serra do Cipó, passou pela<br />
região do Serro, Itamarandiba e além. Próximo à região da Itacambira,<br />
encontrou a sonhada lagoa e em conseqüência as tais pedras ver<strong>de</strong>s.<br />
Tinha certeza <strong>de</strong> que tinha encontrado o caminho das minas, cujo<br />
segredo Marcos <strong>de</strong> Azevedo tinha selado e levado para o além. Assim,<br />
encheu o embornal com amostras das ditas e retornou pelo mesmo<br />
caminho, cantarolante e feliz. Mas no trajeto <strong>de</strong>scobriu-se atacado das<br />
temíveis febres palustres. Por conta disso chegou no rio Guaicuí já<br />
subseqüentes. Mas há quem acredite que Fernão Dais subiu a Mantiqueira <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />
passar pela região <strong>de</strong> Atibaia, ou seja, pelo mesmo caminho da rodovia que hoje leva o<br />
seu nome.<br />
19 De acordo com Wal<strong>de</strong>mar <strong>de</strong> Almeida Barbosa (Dicionário Histórico-Geográfico <strong>de</strong><br />
<strong>Minas</strong> Gerais), o atual povoado <strong>de</strong> Santana do Paraopeba, distrito do município <strong>de</strong><br />
Belo Vale, nada tem a ver com a roça criada por Fernão Dias.<br />
24
praticamente terminal e aí não durou mais do que alguns dias. 20 Seu<br />
filho Garcia Rodrigues Paes, embalsamou o corpo do velho pai, meteuo<br />
numa re<strong>de</strong>, pegou o alforje com as pedras ver<strong>de</strong>s e planejou voltar<br />
para São Paulo, seguindo a trilha que sua penetração tinha aberto e que<br />
então passava a ser a ligação do centro da nova terra com a vila <strong>de</strong> São<br />
Paulo. Parou no Sumidouro para <strong>de</strong>scansar alguns dias e já estava <strong>de</strong><br />
partida quando recebeu recado <strong>de</strong> Matias Car<strong>dos</strong>o dando conta que ele<br />
se encontrava ali em São Pedro do Paraopeba acompanhando d.<br />
Rodrigo Castel Branco, enviado do rei para inspecionar o trabalho <strong>de</strong><br />
Fernão Dias e assumir a superintendência das minas passando a<br />
gerenciar o esforço minerador. Garcia Paes se dispor a receber d.<br />
Rodrigo com toda e fidalguia e assim fez. Mandou uma comitiva seguir<br />
com o corpo do pai para São Paulo e retardou sua partida por alguns<br />
meses, só chegando na vila paterna em <strong>de</strong>zembro quando o corpo <strong>de</strong><br />
Fernão Dias já tinha sido finalmente sepultado. 21 Ao partir <strong>de</strong>ixou<br />
Borba Gato no comando e aí o clima <strong>de</strong> parceria foi mudando. É que<br />
este, enquanto seu sogro andava pelas bandas do Itambé, andou<br />
pesquisando as margens do rio das Velhas e encontrou algumas<br />
promissoras pepitas <strong>de</strong> ouro. Agora temia que o enviado do rei pu<strong>de</strong>sse<br />
se apossar do seu <strong>de</strong>scoberto, assim sem mais-nem-menos. De sorte<br />
que o Borba teimava em não colaborar com o real enviado e essa<br />
antipatia foi engrossando até que um dia chegaram <strong>às</strong> vias <strong>de</strong> fato. D.<br />
Rodrigo ameaçou o <strong>de</strong>sconfiado ban<strong>de</strong>irante com um bofete, mas esse<br />
foi mais rápido e radical e varou o dito fidalgo com um golpe fatal. 22<br />
20 Segundo cálculos do historiador Tarquínio Barbosa <strong>de</strong> Oliveira, a morte teria se<br />
dado em junho <strong>de</strong> 1681. Diogo <strong>de</strong> Vasconcelos antecipa o trágico <strong>de</strong>sfecho em um<br />
mês, ou seja, maio.<br />
21 Existe uma versão <strong>de</strong> que o corpo <strong>de</strong> Fernão Dias não voltou para São Paulo, tendo<br />
se perdido numa travessia <strong>de</strong>sastrosa do rio das Velhas, na chegada ao Sumidouro.<br />
Em sendo assim, to<strong>dos</strong> os registros do seu sepultamento no mosteiro <strong>de</strong> São Bento<br />
seriam falsos, o que me parece muito fantasioso. Pedro Taques fala que Garcia<br />
Rodrigues chegou a São Paulo com os ossos do pai, que foram sepulta<strong>dos</strong> na capela<br />
mor do mosteiro. Dá assim a enten<strong>de</strong>r que o velho ban<strong>de</strong>irante foi enterrado no<br />
Sumidouro mesmo e que <strong>de</strong>pois seu corpo foi exumado e os ossos traslada<strong>dos</strong> pelo<br />
filho para São Paulo.<br />
22 A versão mais comum é que Borba Gato não matou o fidalgo pessoalmente, sendo<br />
o crime <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> uma precipitação da sua guarda pessoal que reagiu <strong>de</strong> modo<br />
<strong>de</strong>sastrado à ameaça do tal tabefe na cara do chefe, varando o promitente agressor<br />
25
Em consequência do crime o Gato teve que se embrenhar no<br />
mato e ali permanecer quase vinte anos, até que o governador,<br />
interessado no boato <strong>de</strong> que ele tinha <strong>de</strong>scoberto ouro, revolveu<br />
perdoá-lo para que ele pu<strong>de</strong>sse levantar o tal metal e repartir a parte <strong>de</strong><br />
Sua Majesta<strong>de</strong>, do que resultou ele voltar e re<strong>de</strong>scobrir o <strong>de</strong>scoberto. 23<br />
Ficou rico, voltou à sua pátria vez ou outra mas faleceu no Sabarabuçu<br />
em avançadíssima ida<strong>de</strong> e teria sido enterrado na mo<strong>de</strong>sta capela <strong>de</strong><br />
Santana, a poucos metros da margem do rio das Velhas.<br />
Fernão Dias foi o pioneiro e motor da ocupação do solo<br />
mineiro, mas não foi do planalto <strong>de</strong> Piratininga e sim <strong>de</strong> Taubaté que<br />
partiram os maiores fluxos <strong>de</strong> mineradores e as principais ban<strong>de</strong>iras<br />
conquistadoras. 24 Parece que a turma <strong>de</strong> Taubaté, transpunha a serra<br />
mais a leste da Garganta do Embaú, buscando uma linha reta em<br />
direção a São João <strong>de</strong>l Rei e o rio das Mortes e, na sequência,<br />
assentando sua base na região <strong>de</strong> Itaverava e daí alcançando os leitos<br />
auríferos <strong>dos</strong> rios Gualacho e Casca, os ribeirões do Tripuí e do<br />
Carmo. As regiões <strong>dos</strong> rios das Velhas e São Francisco tinham sido<br />
ocupadas, respectivamente, por Borba Gato e Matias Car<strong>dos</strong>o. 25<br />
com uma lança. Outra versão diz que houve luta corporal e que d. Rodrigo escorregou<br />
e caiu num socavão.<br />
23 Teria sido ele, portanto, quem primeiro encontrou ouro em <strong>Minas</strong> Gerais e não a<br />
turma que ocupou a região do Ouro Preto, mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong>pois. Eventualmente a<br />
<strong>de</strong>scoberta ocorreu em parceria com seu cunhado que chegou a espalhar que tinha<br />
achado ouro no Sabarabuçu já em 1679. Não é impossível que isso tivesse mesmo<br />
acontecido pois Fernão Dias estava alucinado com a busca das esmeralda e po<strong>de</strong>ria ter<br />
dito aos seus capitães que não o aborrecessem com frustrantes notícias <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobertas<br />
<strong>de</strong> ouro.<br />
24 No último livro da trilogia tentarei refinar um pouco mais a tipologia <strong>dos</strong> pioneiros<br />
da ocupação do solo mineiro distinguindo os ban<strong>de</strong>irantes, os mineradores e os<br />
sesmeiros.<br />
25 Parece que havia um certo acordo <strong>dos</strong> ban<strong>de</strong>irantes <strong>de</strong> São Paulo e <strong>de</strong> Taubaté<br />
quanto a critérios <strong>de</strong> ocupação. Assim é que, como Borba Gato já tinha ocupado a<br />
região do rio das Velhas e Matias Car<strong>dos</strong>o a região do São Francisco, os taubateanos<br />
miraram as bacias do rio das Mortes e do rio Doce.<br />
26
Por volta <strong>de</strong> 1689, uma gente valente <strong>de</strong> Taubaté andava pelo<br />
vale do Tripuí caçando índios. Eis que uma tar<strong>de</strong> resolveram acampar à<br />
margem do ribeirão e um mulato <strong>de</strong>sceu até o mesmo para apanhar um<br />
pouco <strong>de</strong> água. Meteu a gamela no fundo, tocou com a ponta no leito<br />
<strong>de</strong> areia e ao levantar o vasilhame colheu não só a água mas também<br />
umas pedrinhas <strong>de</strong> metal escuro. Essas foram dar em Taubaté e – para<br />
encurtar a história – alguém acabou encontrando por trás naquela<br />
camada escura superficial, ouro do mais puro quilate. Interroga<strong>dos</strong><br />
sobre o sítio on<strong>de</strong> aquelas preciosida<strong>de</strong>s tinham sido encontradas, os<br />
<strong>de</strong>scobridores informaram que era num fundo vale, guardando por um<br />
pico com duas pedras parecendo o pai e seu filhote. Vai daí, os<br />
aventureiros <strong>de</strong> Taubaté se entusiasmaram e em março <strong>de</strong> 1691,<br />
<strong>de</strong>spacharam José Gomes <strong>de</strong> Oliveira e Vicente Lopes para fixar um<br />
caminho <strong>de</strong> acesso à região promissora. As referências eram o pico do<br />
Itaverava e o tal pico da pedra com filhote – o Itacolomi. Gomes<br />
chegou na Itaverava sem maior dificulda<strong>de</strong>. Mas a partir daí começava<br />
uma série <strong>de</strong> serras e vales, abruptos e perigosos e a penetração era um<br />
<strong>de</strong>safio maior. Resultado: o <strong>de</strong>sbravador achou melhor pedir socorro e<br />
se dar por satisfeito com a <strong>de</strong>scoberta do Itaverava, 26 fixando ali a<br />
cabeça <strong>de</strong> ponte para a conquista das minas <strong>dos</strong> Goitacás.<br />
Os bravos <strong>de</strong> Taubaté certamente não se contentaram com<br />
aquela pífia conquista e logo <strong>de</strong>ram seqüência ao ambicioso projeto. 27<br />
Por volta <strong>de</strong> 1694 várias ban<strong>de</strong>iras subiram em direção à região aurífera<br />
<strong>dos</strong> Goitacás e é impossível se saber quem <strong>de</strong>scobriu o primeiro ouro<br />
ali. Mas entre esses é sempre muito bem lembrado o nome do<br />
taubateano Antônio Rodrigues Arzão. 28 Ele rompeu o ponto do<br />
Itaverava, mas passou ao sul do Itacolomi sem avistá-lo. Seguiu em<br />
26 Que aliás já era conhecido <strong>dos</strong> caçadores <strong>de</strong> índios.<br />
27 A bem da verda<strong>de</strong> aqueles empreendimentos tinham duplo propósito ou seja, não<br />
só buscar ouro mas também apreen<strong>de</strong>r índios. Ouro era uma coisa incerta e assim,<br />
trazer alguns selvagens que pu<strong>de</strong>ssem ser vendi<strong>dos</strong> no dinâmico mercado <strong>de</strong> São<br />
Paulo, po<strong>de</strong>ria reduzir os riscos <strong>de</strong> um fracasso financeiro. Há medida que a ativida<strong>de</strong><br />
mineradora ia se tornando mais compensadora a perigosa ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> caça aos índios<br />
ia sendo abandonada. Foi aí que a era <strong>dos</strong> ban<strong>de</strong>irantes <strong>de</strong>u lugar ao clico <strong>dos</strong><br />
mineradores.<br />
28 Para alguns autores Arzão era do Embu e não <strong>de</strong> Taubaté.<br />
27
frente e, orientando por índios, penetrou o sertão do Cuité 29 subiu a<br />
serra <strong>dos</strong> Arrepia<strong>dos</strong> e foi dar no rio Casca on<strong>de</strong> finalmente encontrou<br />
algumas faíscas <strong>de</strong> ouro. Tinha errado o roteiro do Tripuí, mas acabou<br />
atingindo seu objetivo maior que era encontrar o metal. A quantida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> ouro colhido, contudo, foi muito pequena. Nem índios ele pô<strong>de</strong><br />
capturar pois os selvagens dali eram muito bravos e puseram a<br />
ban<strong>de</strong>ira pra correr. Mas Arzão não <strong>de</strong>sanimou, embarcou no rio Doce<br />
e saiu na capitania do Espírito Santo em busca <strong>de</strong> apoio para<br />
aprofundar seu <strong>de</strong>scoberto. Não conseguindo voltou a Taubaté por<br />
mar, via Rio <strong>de</strong> Janeiro e Santos. Em casa também não conseguiu novo<br />
apoio pois não tinha muito que mostrar: nem ouro, nem uns tantos<br />
selvagens que pu<strong>de</strong>ssem ir a mercado. Mas a cobiça aumentou ainda<br />
mais: já eram dois os pontos <strong>de</strong> que se dava notícia <strong>de</strong> ocorrência <strong>de</strong><br />
ouro. De sorte que o povo <strong>de</strong> Taubaté se convenceu <strong>de</strong> que aquelas<br />
minas eram gerais e redobraram o esforço. Mas Arzão foi afastado da<br />
empreitada 30 e substituído por seu cunhado Bartolomeu Bueno <strong>de</strong><br />
Siqueira. 31 Este tinha perdido todo o seu cabedal no baralho e estava<br />
precisando muito <strong>de</strong> uma reabilitação. Assim, se dispôs a partir logo,<br />
tentando refazer a trilha do cunhado. Mas como estava quebrado teve<br />
que reunir os parentes e vizinhos e pedir uma ajuda. Acabou que<br />
formaram um consórcio, tendo como primeiro cotista Carlos Pedroso<br />
da Silveira que investiu na ban<strong>de</strong>ira e veio a ser talvez o primeiro<br />
empresário do ramo na história do Brasil o que lhe valeu uma boa<br />
carreira política. Outro sócio <strong>de</strong> peso foi o capitão Miguel <strong>de</strong> Almeida<br />
Cunha que se pôs à frente <strong>de</strong> uma tropa, suprida à sua custa. Assim, se<br />
<strong>de</strong>ram por prontos e em abril <strong>de</strong> 1694 tomaram o rumo do Itaverava.<br />
29 Não confundir a região do Cuité (região das cabaças) com a região do Caeté (região<br />
do mato fechado). A primeira ficava na bacia do Rio Doce, Comarca <strong>de</strong> Vila Rica e a<br />
segunda na bacia do Rio das Velhas, Comarca <strong>de</strong> Sabará.<br />
30 Há uma versão <strong>de</strong> que Arzão tenha morrido logo que voltou a Taubaté e por isso é<br />
que não teria voltado ao seu <strong>de</strong>scoberto. Tarquínio Barbosa <strong>de</strong> Oliveira, no entanto,<br />
diz ter encontrado documentos assina<strong>dos</strong> posteriormente por Arzão e um registro <strong>de</strong><br />
que em 1720 um escravo <strong>de</strong>le foi a leilão para pagar suas dívidas <strong>de</strong> jogo. No último<br />
livro da trilogia tratamos da polêmica com mais <strong>de</strong>talhes.<br />
31 Naquele tempo nas pequenas vilas, quase todo mundo era parente. Não fora assim,<br />
ten<strong>de</strong>ríamos a consi<strong>de</strong>rar que entre os ban<strong>de</strong>irantes imperava um nepotismo<br />
exacerbado.<br />
28
No princípio fizeram algumas incursões estéreis nos arredores, até que<br />
se aproximou a época das chuvas e acharam melhor interromper o<br />
mister capital e cuidar das roças para repor os suprimentos e redobrar a<br />
procura no ano seguinte. Resolveram repartir os campos <strong>de</strong> cultivo <strong>de</strong><br />
sorte que Almeida ficou em Itaverava e Siqueira subiu um pouco mais,<br />
margeando o rio Paraopeba até os primitivos campos <strong>de</strong> Fernão Dias<br />
no arraial que ele fundara. Mas não se pensou em ouro naquele breve<br />
intervalo. No Itaverava, ao contrário, o pessoal não esquecia o metal.<br />
Assim é que sempre que iam capturar algum peixe, ciscavam o fundo<br />
do leito, examinando a areia. Eis senão que um belo dia, Miguel <strong>de</strong><br />
Almeida Cunha cavou o fundo <strong>de</strong> um rio e lá estava um cascalho<br />
reluzente, pouco mas promissor.<br />
Acontece que nessa ocasião o capitão Salvador Fernan<strong>de</strong>s<br />
Furtado <strong>de</strong> Mendonça, tendo como sócio Manuel Garcia Velho, vinha<br />
voltando do sertão do Cuité on<strong>de</strong> tinham ido caçar índios. Passaram em<br />
Itaverava, fizeram umas barganhas com Almeida e o ouro acabou <strong>de</strong><br />
posse <strong>de</strong> Garcia Velho que o levou a Taubaté, passou a Carlos Pedroso<br />
que por sua vez o levou ao governador. E a febre foi crescendo e os<br />
empreendimentos mineradores foram aumentando. 32<br />
Contaminado por essa agitação o capitão Furtado voltou para<br />
Taubaté mas não <strong>de</strong>scansou e acabou seguindo para a região do Carmo.<br />
Foi no finalzinho do século, mais ou menos na mesma época em que<br />
João Lopes <strong>de</strong> Lima e Miguel Garcia estavam achando o metal em<br />
abundância e muitos já estavam cavando numa certa <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m. O<br />
bravo Bartolomeu Bueno <strong>de</strong> Siqueira, tinha ido pro lado errado e não<br />
teve muita sorte tendo que se contentar com a insigne honra do esforço<br />
heroico e a morte gloriosa em 1696 num campo <strong>de</strong> batalha contra<br />
ferozes selvagens. Mas o intimorato ban<strong>de</strong>irante não morreu sem o<br />
32 Esta história é controvertida. Para Tarquínio Barbosa <strong>de</strong> Oliveira quem era sócio<br />
<strong>de</strong> Furtado e levou as pepitas para Taubaté foi Miguel Garcia e não Manuel Garcia<br />
Velho. Há também quem diga que Miguel Garcia era o próprio sócio <strong>de</strong> Bartolomeu<br />
Bueno e que e a tal barganha gerou uma <strong>de</strong>savença entre Bueno e Garcia que levou a<br />
uma ruptura da socieda<strong>de</strong> e aí Furtado e Garcia teriam se tornado sócios e rumado<br />
para a região do ribeirão do Carmo on<strong>de</strong> <strong>de</strong>scobriram ouro pra valer. Essa confusão<br />
<strong>de</strong>riva do fato <strong>de</strong> que o nome completo <strong>de</strong> Miguel <strong>de</strong> Almeida Cunha seria Miguel<br />
Garcia <strong>de</strong> Almeida Cunha. Realmente é um belo <strong>de</strong> um emaranhado <strong>de</strong> nomes.<br />
Aliás, isso é próprio das histórias <strong>de</strong> ban<strong>de</strong>irantes. É porque, além <strong>dos</strong> extensos laços<br />
<strong>de</strong> parentesco entre eles, também não havia um padrão no uso <strong>dos</strong> sobrenomes,<br />
havendo a omissão <strong>de</strong> um ou outro <strong>de</strong>les em documentos diversos.<br />
29
gosto <strong>de</strong> também achar umas faíscas o que aconteceu nas margens do<br />
Pitangui e do rio <strong>de</strong> Pedras. Pouco antes da morte <strong>de</strong> Siqueira, seu sócio<br />
Miguel <strong>de</strong> Almeida Cunha <strong>de</strong>ixou a Itaverava a sua procura e, sabedor<br />
da sua morte, preferiu voltar a Taubaté, findando assim a frustrada<br />
empreitada <strong>de</strong> Bartolomeu Bueno <strong>de</strong> Siqueira. 33<br />
Quando o capitão Furtado chegou ao ribeirão do Carmo, botou<br />
seus filhos para batear os leitos daquelas agitadas e frias águas e foi<br />
assim que um dia <strong>de</strong>scobriu um rico manancial aurífero, próximo <strong>de</strong><br />
on<strong>de</strong> cresceria um arraial, cinquenta anos mais tar<strong>de</strong> chamado <strong>de</strong> cida<strong>de</strong><br />
episcopal <strong>de</strong> Mariana. Miguel Garcia, também já tinha encontrado<br />
fartura <strong>de</strong> metal no riacho que tomaria seu nome. Assim estavam<br />
praticamente assentadas as mais ricas minas auríferas da florente<br />
colônia <strong>de</strong> Portugal, finalzinho do século XVII. 34 Mas o vizinho veio<br />
aurífero do Tripuí, on<strong>de</strong> tinham sido <strong>de</strong>scobertas aquelas pepitas<br />
escuras que incendiaram a vila <strong>de</strong> Taubaté, oito anos antes, continuava<br />
perdido. O farol do Itacolomi continuava difícil <strong>de</strong> ser avistado e a<br />
turma continuava andando em volta sem chegar no ponto<br />
originalmente buscado. 35<br />
Essa gloria estaria reservada, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o princípio <strong>dos</strong> tempos, a<br />
Antônio Dias <strong>de</strong> Oliveira e ao padre João <strong>de</strong> Faria Fialho. 36 Acontece<br />
33 Essa, evi<strong>de</strong>ntemente seria a versão <strong>de</strong> quem não acredita que Miguel <strong>de</strong> Almeida<br />
Cunha e Miguel Garcia fossem a mesma pessoa. É o meu caso. O mais provável é que<br />
Miguel Garcia tenha pisado na região das minas pela primeira vez por volta <strong>de</strong> 1698.<br />
34 O cônego Raimundo Trinda<strong>de</strong>, baseado em Diogo <strong>de</strong> Vasconcelos, aponta Salvador<br />
Fernan<strong>de</strong>s Furtado <strong>de</strong> Mendonça como o próprio fundador <strong>de</strong> Mariana, o que teria<br />
acontecido no dia 16 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1696, data oficial <strong>de</strong> fundação da cida<strong>de</strong> adotada pelo<br />
governo mineiro. Essa possibilida<strong>de</strong> estaria fundamentada na crença <strong>de</strong> que ele, em<br />
lugar <strong>de</strong> voltar para Taubaté em 1694, partiu direto para a região do ribeirão do<br />
Carmo. Outros acreditam que em 1696 Furtado estava em Taubaté. O que to<strong>dos</strong><br />
concordam é que no princípio do século XVIII o coronel Salvador Fernan<strong>de</strong>s Furtado<br />
<strong>de</strong> Mendonça já estava instalado em <strong>de</strong>finitivo no arraial <strong>de</strong> São Caetano, próximo ao<br />
arraial do Carmo, on<strong>de</strong> criaria sua numerosa família e viria a falecer em 1725.<br />
35 Visto <strong>de</strong> Mariana o pico não mostra o perfil da “pedra com filhote”, portanto<br />
ninguém sabia ser aquele, o ponto <strong>de</strong> referência para o veio do Tripuí.<br />
36 Essa é a versão romântica <strong>de</strong> Diogo <strong>de</strong> Vasconcelos, mas quando Antônio Dias e o<br />
padre Faria ali chegaram e fundaram seus respectivos arraiais já encontraram um<br />
monte <strong>de</strong> gente faiscando, como veremos a seguir.<br />
30
que ainda assistiam em Taubaté alguns remanescentes daquela<br />
expedição <strong>de</strong> caça <strong>de</strong> índios que resultara na <strong>de</strong>scoberta do ouro do<br />
Tripuí. De sorte que alguns resolveram fazer um acordo com Dias e<br />
guiá-lo direto ao ponto. Partiram em abril <strong>de</strong> 1698. Chegaram no<br />
Itaverava sem maiores transtornos como era comum e aí é que estava o<br />
segredo do caminho. Os primitivos <strong>de</strong>scobridores entraram no vale do<br />
Tripuí pelo lado noroeste e, seguindo o leito do riacho, vislumbraram o<br />
pico do Itacolomi do lado em que ele mostra a sua característica<br />
marcante que são as duas pedras parecendo o pai e seu filhote. E foi<br />
essa característica que levaram para Taubaté como referência. Os<br />
caminhos conheci<strong>dos</strong>, basicamente o roteiro <strong>de</strong> Arzão, passavam pelo<br />
Itacolomi pelo lado oposto, ou seja, do lado em que o pico tem outras<br />
características, sem nada <strong>de</strong> notável. Daí porque a elevação mostrar-se<br />
invisível, embora estivesse ali o tempo todo, bem perto das trilhas.<br />
O pessoal <strong>de</strong> Antônio Dias, naturalmente refez o caminho <strong>de</strong><br />
volta e não o caminho <strong>de</strong> ida que dava uma volta pelo lado <strong>de</strong> Mariana.<br />
Ou seja, <strong>de</strong> Itaverava seguiram em direção ao noroeste e se<br />
aproximaram do vale pelo lado do morro <strong>de</strong> São Sebastião, lado oposto<br />
do Itacolomi. Não <strong>de</strong>u outra: lá estava o vale e o pico a guarnecê-lo,<br />
com a pedra e seu filhote e o Tripuí correndo em baixo, manso e cheio<br />
das pepitas <strong>de</strong> fino ouro cobertas com uma camada escura: o ouro<br />
preto. Era 24 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1698, as <strong>Minas</strong> <strong>de</strong> Taubaté finalmente<br />
estavam estabelecidas. 37<br />
37 Mas, como dito, parece que quando Antônio Dias e o padre Faria lá chegaram já<br />
encontraram José <strong>de</strong> Camargos Pimentel e seu irmão minerando no morro <strong>de</strong> São<br />
Sebastião, on<strong>de</strong> estariam <strong>de</strong>s<strong>de</strong> final <strong>de</strong> 1695. Antes, os irmão Camargo, associa<strong>dos</strong> a<br />
Francisco Bueno da Silva, já tinham encontrado faisqueiras <strong>de</strong> ouro na região do rio<br />
<strong>de</strong> Pedras, atual Acuruí, município <strong>de</strong> Itabirito, cabeceira do rio das Velhas. Mas Dias<br />
e o padre é que ocuparam primeiro as datas do fundo do vale e do morro <strong>de</strong> São João<br />
on<strong>de</strong> o ouro preto foi <strong>de</strong>scoberto e em torno do qual cresceu Vila Rica. Daí porque o<br />
nome <strong>dos</strong> dois estar tão ligado à história <strong>de</strong> Ouro Preto. Os partidários do<br />
pioneirismo <strong>de</strong> Antônio Dias acreditam que os irmãos Camargos faziam parte da<br />
própria ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Dias e, portanto, não o teriam precedido. Esse argumento, porém,<br />
não é suficiente para confirmar a primazia já que, mesmo fazendo parte da mesma<br />
ban<strong>de</strong>ira, os Camargos po<strong>de</strong>riam ter chegado antes pois, como já mencionamos, não<br />
era incomum um flanco <strong>de</strong> uma ban<strong>de</strong>ira se <strong>de</strong>slocar antes <strong>de</strong> outro, preparando o<br />
caminho para o grosso da tropa.<br />
Também tem quem afirma que o padre Faria não fazia parte da ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong><br />
Dias e chegou <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>le. Enfim, a comprovação <strong>de</strong> quem chegou primeiro em cada<br />
mina é mesmo muito difícil mas isso é irrelevante. O que po<strong>de</strong>mos admitir é que a<br />
31
A notícia se espalhou rapidamente e a gente <strong>de</strong> Taubaté,<br />
Guaratinguetá e do Piratininga subiu em peso para as minas. Muita<br />
gente veio até <strong>de</strong> Portugal. De sorte que, em pouco tempo, os morros e<br />
vales do ouro preto foram rasga<strong>dos</strong> e peneira<strong>dos</strong> e era ouro <strong>de</strong> todo<br />
lado e <strong>de</strong> todo jeito, em pepitas, lascas e em pó, preto e amarelo.<br />
Foi aí que os mineradores, alucina<strong>dos</strong> com a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
metal, teriam se esquecido <strong>de</strong> cuidar da sua própria sobrevivência e<br />
<strong>de</strong>ixado <strong>de</strong> plantar as suas roças, do que resultou um surto <strong>de</strong> fome por<br />
volta <strong>de</strong> 1700 que obrigou a paralisação das ativida<strong>de</strong>s das catas.<br />
Muitos teriam abandonado a região e voltado para Taubaté.<br />
Essa história não parece muito bem contada. Mesmo porque,<br />
para sair das minas e chegar a Taubaté seriam necessários dois meses,<br />
tempo em que muitas roças podiam ser plantadas e colhidas.<br />
Desabastecimento realmente houve e os preços dispararam, mas o mais<br />
provável é que a interrupção temporária da mineração tenha sido<br />
provocada pela impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> acesso ao metal com as técnicas<br />
primitivas que até então vinham sendo usadas, o que gerou a crença <strong>de</strong><br />
que as minas estavam esgotadas. Ou por outra, a carestia <strong>dos</strong> gêneros,<br />
aliada <strong>às</strong> dificulda<strong>de</strong>s crescentes <strong>de</strong> recolher o ouro <strong>de</strong>ve ter tornado<br />
aquela aventura <strong>de</strong>sinteressante. E foi aí que os pioneiros Antônio Dias,<br />
padre Faria e os irmãos Camargos <strong>de</strong>ixaram a região. Mas logo vieram<br />
outros, principalmente portugueses com nova tecnologia, e acharam<br />
mais ouro ainda. Foi o caso <strong>de</strong> Paschoal da Silva Guimarães um <strong>dos</strong><br />
homens que mais achou ouro à vista do pico do Itacolomi, o farol do<br />
Tripuí que foi o marco <strong>de</strong> referência que tanto esquentou as cabeças<br />
<strong>dos</strong> taubateanos valentes do século XVII.<br />
Aqui cabe uma observação relevante a respeito da índole <strong>dos</strong><br />
ban<strong>de</strong>irantes paulistas. Parece que eles eram essencialmente inquietos<br />
aventureiros, tangi<strong>dos</strong> muito mais pelo espírito do <strong>de</strong>safio e da glória do<br />
que do enriquecimento fácil e rápido. É claro que tinham espírito<br />
região pululava <strong>de</strong> aventureiros por volta do final do século XVII, cada um ocupando<br />
um terreno aurífero relativamente pequeno, cercado <strong>de</strong> vizinhos que chegaram um<br />
pouco antes ou um pouco <strong>de</strong>pois. Juntos cavavam a terra <strong>de</strong> forma um tanto<br />
primitiva mas, no conjunto, conseguiam uma boa produção. Tanto que em 1698 o<br />
Governador Artur <strong>de</strong> Sá já pensava em mandar abrir o caminho novo para facilitar o<br />
escoamento da produção até o Rio <strong>de</strong> Janeiro, sem os perigos da travessia por mar<br />
entre Parati e Guaratiba, trecho infestado <strong>de</strong> piratas.<br />
32
prático e esperavam retorno pelo seu esforço. Mas lhes parecia muito<br />
mais interessante laçar índios do que cavar a terra. Enquanto o ouro<br />
estava solto no fundo <strong>dos</strong> córregos se interessaram por ele. Mas quanto<br />
a cavar a terra e <strong>de</strong>sviar o leito <strong>dos</strong> rios, aí já era outra história. Mesmo<br />
porque, não conheciam técnicas mais apuradas <strong>de</strong> mineração e a mão<br />
<strong>de</strong> obra disponível para o trabalho pesado era <strong>dos</strong> nativos brasileiros,<br />
tão aventureiros e avessos à monotonia do trabalho mecânico quanto<br />
os próprios aventureiros paulistas. E foi aí que apareceu o pessoal do<br />
norte <strong>de</strong> Portugal com alguma experiência <strong>de</strong> mineração na região do<br />
Douro e trazendo uma gran<strong>de</strong> novida<strong>de</strong> para a região e o mister: negros<br />
africanos, dóceis e extremamente competentes para a execução <strong>de</strong><br />
trabalhos pesa<strong>dos</strong> como exigia a mineração da época e que, cientes da<br />
realida<strong>de</strong> miserável da sua condição, trataram <strong>de</strong> sobreviver. A<br />
acrescentar ainda a presença <strong>dos</strong> baianos que até po<strong>de</strong>m ter penetrado<br />
na região mesmo antes <strong>dos</strong> paulistas, criando gado no São Francisco.<br />
Eles acabaram concentrando seus cabedais na exploração das minas.<br />
Associa<strong>dos</strong> aos portugueses formaram o conjunto “Os emboabas”,<br />
com seu repertório <strong>de</strong>stinado a azucrinar os ouvi<strong>dos</strong> <strong>dos</strong> paulistas.<br />
Houve conflito mas foi aí que a coisa <strong>de</strong>colou.<br />
É meu amigo, a dinâmica da economia mineira na primeira<br />
meta<strong>de</strong> do século XVIII foi <strong>de</strong>vida, basicamente, à esperteza <strong>dos</strong><br />
portugueses, a laboriosida<strong>de</strong> <strong>dos</strong> baianos e ao realismo <strong>dos</strong> negros. Ou<br />
seja, exatamente o contrário da imagem preconceituosa que hoje<br />
fazemos <strong>de</strong>sses bravos irmãos. Mas, convenhamos, quem teve coragem<br />
<strong>de</strong> arrostar os perigos <strong>de</strong>ssa terra e abrir seus horizontes foram mesmo<br />
os paulistas do planalto do Piratininga e do vale do Paraíba.<br />
A Igreja Mineira do século XVIII<br />
Não há como falar <strong>dos</strong> templos sem falar da Igreja, ou seja, da<br />
instituição que lhes <strong>de</strong>u berço e formato. A religião católica, como não<br />
po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser, foi o traço dominante do direcionamento da<br />
ocupação cultural <strong>de</strong> Portugal sobre suas colônias. Fazia parte do<br />
projeto colonizador luso, a catequização do gentio no melhor<br />
compromisso possível com as revelações tri<strong>de</strong>ntinas e a missão<br />
inaciana. Não havia incursão aos ermos do mundo sem um capelão<br />
jesuíta. Porém, em <strong>Minas</strong> a coisa correu <strong>de</strong> forma um pouco diferente já<br />
que aqueles campos dilata<strong>dos</strong> e aquelas <strong>de</strong>nsas florestas nunca<br />
chegaram a seduzir os padres da Cia. <strong>de</strong> Jesus e permaneceram como<br />
33
<strong>de</strong>sertos inciviliza<strong>dos</strong> até o final do século XVII. Eis pois que o gentio<br />
mineiro nunca foi catequizado nem teve a proteção e o zelo <strong>dos</strong> bons<br />
costumes <strong>dos</strong> her<strong>de</strong>iros <strong>de</strong> Nóbrega e Anchieta. Aqui não houve<br />
piratiningas, nem colégios, nem mosteiros, nem pie<strong>dos</strong>as fazendas.<br />
Resultou então que apenas uns poucos Carijós e Botocu<strong>dos</strong> pu<strong>de</strong>ram<br />
salvar as suas almas na primeira meta<strong>de</strong> do século XVIII. Ficaram<br />
praticamente fora da miscigenação do negro e do europeu que no auge<br />
do barroco <strong>de</strong>u numa igreja quase natural, fruto muito mais da própria<br />
dinâmica da formação das culturas novas do que <strong>de</strong> um projeto<br />
missionário como aconteceu nas áreas <strong>de</strong> colonização quientista das<br />
vastas terras <strong>de</strong> Santa Cruz, vizinhas ao litoral. Somente na virada <strong>dos</strong><br />
mea<strong>dos</strong> do setecentos é que teve início um trabalho catequético nos<br />
sertões das <strong>Minas</strong> Gerais. Foi quando o seminário <strong>de</strong> Mariana começou<br />
a <strong>de</strong>spejar seus padres no mercado e alguns <strong>de</strong>les partiram para salvar a<br />
gente bravia do vale do Rio Doce. 38 Exatamente aquele bando <strong>de</strong><br />
pagãos que, inconformado com aquelas tardias intromissões, vivia<br />
flechando os invasores.<br />
Quem trouxe a fé católica a essas plagas foram os próprios<br />
ban<strong>de</strong>irantes, aliás gente um tanto aversa à missão <strong>dos</strong> padres inacianos,<br />
especialmente em relação ao seu lado mais pragmático que os levava a<br />
ver os bugres não só como criaturas <strong>de</strong> Deus mas também como os<br />
amaldiçoa<strong>dos</strong> <strong>de</strong> Adão que bem podiam suar o rosto para ganhar a<br />
vida, como ralhou o Senhor na expulsão do paraíso. De preferência,<br />
claro, no cabo da enxada numa plantação jesuíta. Assim, a religião<br />
católica chegou <strong>às</strong> minas do ouro sem o fervor missionário do resgate<br />
das almas. De certa forma, nas minas da virada do século XVII, Deus<br />
não estava presente em to<strong>dos</strong> os lugares, embora sempre ocupasse<br />
muitos espaços. Com certeza se fazia mais presente entre a sala e o<br />
alpendre. Naqueles tempos o ato religioso supremo consistia num rito<br />
público singelo praticado em torno <strong>de</strong> uma pequena imagem do santo<br />
da <strong>de</strong>voção que seguia a ban<strong>de</strong>ira abrigado num oratório <strong>de</strong> campanha.<br />
Quando muito, um padre capelão rezava uma missa nos intervalos da<br />
sua faina <strong>de</strong> batear o fundo <strong>dos</strong> riachos em busca do ouro. Afinal, era<br />
essa a real razão da sua vinda e o pastoreio das almas ficava em segundo<br />
lugar. Esses rituais buscavam muito mais animar o cometimento do que<br />
38 Justo lembrar que embora os padres jesuítas tivessem tido pouca presença na<br />
missão catequética sobre os selvagens das plagas mineiras, eles tiveram passagem<br />
marcante como mestres do seminário <strong>de</strong> Mariana.<br />
34
prover benefícios em reinos futuros. A moda era a reza coletiva em<br />
bom e troante som. De sorte que a fé católica chegou tangida pelo seu<br />
lado mais exterior, ou seja, aquele do ritual <strong>de</strong> agregação comunitária,<br />
agrupando forças para um objetivo terreno impregnado <strong>de</strong> peca<strong>dos</strong>.<br />
Deus <strong>de</strong>via ser, acima <strong>de</strong> tudo, o patrono das aventuras <strong>de</strong> sucesso mais<br />
do que o pai capaz <strong>de</strong> assegurar a salvação eterna das boas almas. Havia<br />
também o lado da or<strong>de</strong>m social que a religião garantia, on<strong>de</strong> a<br />
observância <strong>de</strong> mandamentos como “não roubar” e “não matar”<br />
prevalecia sobre outros teologicamente mais nobres. Esse pragmatismo<br />
permeou a igreja mineira ao longo <strong>de</strong> todo o século colonial. Em <strong>Minas</strong><br />
a procissão sempre foi mais importante do que a contrição. Não havia<br />
melhor hora e lugar para o <strong>de</strong>sfile <strong>de</strong> prestígio e po<strong>de</strong>r <strong>dos</strong> grupos<br />
sociais setecentistas. Tanto que as mais ferrenhas brigas judiciais eram<br />
aquelas entre irmanda<strong>de</strong>s se enfrentando pelo privilégio <strong>de</strong> precedência<br />
na or<strong>de</strong>m <strong>dos</strong> cortejos. Especialmente entre os abasta<strong>dos</strong> irmãos do<br />
Carmo e os não menos abasta<strong>dos</strong> <strong>de</strong> São Francisco, sempre em peleja<br />
para cercar o pálio que ia na parte mais vistosa das procissões. Também<br />
havia rumorosos casos entre esses e seus congêneres do Cordão <strong>de</strong> São<br />
Francisco, se batendo pela exclusivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uso <strong>dos</strong> ícones seráficos<br />
nos <strong>de</strong>sfiles.<br />
Por tudo isso é que a maior manifestação da opulência mineira<br />
do século XVIII foi exatamente a Procissão do Triunfo Eucarístico em<br />
1733, ou seja, realizada nos tempos do auge da riqueza. Essa celebração<br />
<strong>de</strong> exuberância exterior da religião católica portuguesa, foi consi<strong>de</strong>rada<br />
a mais espetacular celebração colonial das Américas no século XVIII,<br />
pelo seu luxo e riqueza. A <strong>de</strong>scrição minuciosa <strong>de</strong>ste acontecimento<br />
feito por um cronista da época, nos admira pela sua exuberância,<br />
essencialmente mundana.<br />
É certo que a exteriorida<strong>de</strong> e o ritualismo pomposo são<br />
características marcantes da religião católica em Portugal e este traço foi<br />
levado na sua bagagem <strong>de</strong> potencia colonizadora para os quatros cantos<br />
do mundo. Mas, na capitania <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> Gerais, essa tendência ritualista e<br />
esse fascínio interativo atingiram o seu ponto culminante. Foi on<strong>de</strong> o<br />
consistório se impôs ao claustro. O fato <strong>de</strong> em <strong>Minas</strong> não ter havido<br />
conventos veio potenciar ainda mais essa tendência.<br />
Mas também havia um certo lado mórbido na exteriorida<strong>de</strong> da<br />
religiosida<strong>de</strong> mineira do século XVIII e que tem uma faceta<br />
predominante terrena. É a representação do sofrimento. Nossa Senhora<br />
das Dores, da Pieda<strong>de</strong>, os estigmas, o Bom Jesus, São Francisco<br />
sofredor nas telas <strong>de</strong> Ataí<strong>de</strong> da sacristia da sua igreja <strong>de</strong> Mariana. Para o<br />
35
mineiro do tempo, encarar essas coisas tinha muito mais o propósito do<br />
consolo do que o da re<strong>de</strong>nção. Via o sofrimento como uma condição<br />
natural que afeta os santos e os homens em to<strong>dos</strong> os planos e épocas. É<br />
preciso nos resignarmos a ele e até quem sabe, transformá-lo em<br />
penitência e esperar um retorno pro futuro. E eis que o pie<strong>dos</strong>o das<br />
gerais se atira sem reservas ao culto <strong>dos</strong> símbolos sagra<strong>dos</strong> do<br />
sofrimento, acreditando talvez que, quanto mais ele venerasse esses<br />
símbolos, mais distante conseguiria ficar do sofrimento real do dia a dia,<br />
no duro ganha-pão daqueles tempos.<br />
Como instituição a igreja mineira começou com a criação do<br />
bispado <strong>de</strong> Mariana em 1745 sendo seu primeiro bispo d. frei Manuel<br />
da Cruz. Então o bispo do Rio <strong>de</strong> Janeiro <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser o pastor <strong>dos</strong><br />
mineiros e os seus visitadores respiraram alivia<strong>dos</strong> com a<br />
<strong>de</strong>sincumbência <strong>de</strong> ter que ir a terras tão distantes e ru<strong>de</strong>s para <strong>de</strong>vassar<br />
os maus costumes, in<strong>de</strong>vassáveis pela sua abundância.<br />
Ao longo <strong>de</strong> todo o século o bispado marcou sua condição <strong>de</strong><br />
se<strong>de</strong> vacante, regida por vigários gerais sem a a<strong>de</strong>quada autorida<strong>de</strong> para<br />
impor aquela extenuante tarefa <strong>de</strong> conter as más condutas <strong>de</strong> leigos e<br />
padres, agiotas e concubinas. Assim, ao longo do setecentos ocuparam<br />
a testa do bispado <strong>de</strong> Mariana, além do primeiro, apenas mais um bispo:<br />
d. frei Domingos da Encarnação Pontével.<br />
Por qualquer lado que se olha, nenhum <strong>de</strong>sses bispos teve<br />
atuação muita <strong>de</strong>stacada, mesmo porque não tinham muito espaço para<br />
isso. 39 Nem o seminário instituído em 1751 por d. Manuel produziu<br />
religiosos <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque para aquilo em que foram forma<strong>dos</strong>, a não ser<br />
gatos pinga<strong>dos</strong> vocaciona<strong>dos</strong> no berço. Não que <strong>de</strong> lá não tivessem<br />
saído gran<strong>de</strong>s figuras bem formadas. Ao contrário, farto e ilustre é o<br />
elenco <strong>dos</strong> egressos do seminário <strong>de</strong> Mariana que brilharam aqui e além<br />
mar. Isso reforça a crença <strong>de</strong> que o lado leigo do seminário <strong>de</strong>via ser o<br />
mais interessante e está aí a semente da formação <strong>de</strong> tantos mineiros <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>staque do século XVIII e XIX especialmente nas artes, na política e<br />
até nas ciências. Certamente era uma gran<strong>de</strong> escola preparatória para<br />
Coimbra.<br />
39 D. Manuel, por exemplo, tinha fama <strong>de</strong> preguiçoso e nepotista e teria sido advertido<br />
por permitir que uns padres seus sobrinhos tocassem o bispado.<br />
36
Deve ser lembrando ainda entre os ingredientes <strong>de</strong> formação da<br />
igreja mineira do século XVIII – especialmente no seu último quarto -<br />
a forte influência do iluminismo, aquele turbilhão <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias que tanto<br />
impregnou os doutores <strong>de</strong> Coimbra leigos ou religiosos, <strong>de</strong>pois da<br />
reforma pombalina. Eram frequentes os achaques que bispos e cônegos<br />
tinha que engolir da parte <strong>de</strong> ouvidores e generais racionalistas, um<br />
tanto incomoda<strong>dos</strong> com a razão da autorida<strong>de</strong> <strong>dos</strong> bispos em geral. 40 O<br />
mais famoso <strong>de</strong>sses achaques está documentado nas Cartas Chilenas <strong>de</strong><br />
Tomás Antônio Gonzaga. Foi quando o governador Cunha Menezes,<br />
ao sair <strong>de</strong> uma cerimônia acompanhado do bispo Pontével, impediu<br />
que o prelado ocupasse o interior da sua carruagem, indicando-lhe a<br />
boleia. E o pobre bispo teve que <strong>de</strong>sfilar por Vila Rica sentado ao lado<br />
do cocheiro, para sua suprema humilhação. Nem pô<strong>de</strong> se queixar ao<br />
bispo que, nesse caso, era ele mesmo e a única coisa que podia fazer era<br />
chorar baixinho.<br />
De certa forma a religião pertencia muito mais ao povo do que à<br />
igreja. Eis porque as capelas se rivalizavam com as matrizes e facilmente<br />
as superavam.<br />
Enfim, tudo isso também explica a exuberância do barroco<br />
mineiro. Foi nesse tempo que os homens se reuniram para falar com<br />
Deus prescindindo da orientação <strong>dos</strong> padres e da benção <strong>dos</strong> bispos.<br />
Uni<strong>dos</strong> se sentiram cre<strong>de</strong>ncia<strong>dos</strong> para isso e criaram templos suntuosos,<br />
claros e abertos, on<strong>de</strong> pu<strong>de</strong>ssem fazê-lo <strong>de</strong> acordo com o espírito<br />
religioso dominante, mais extrovertido e alegórico. Vinha a ser um<br />
diálogo coloquial, ainda que grupal, apaixonado e muito solene. Não<br />
podia ser diferente, dado aquele caráter exterior da sua <strong>de</strong>voção. Claro<br />
que não foi esse espírito que fermentou o nascimento do barroco<br />
religioso, 41 mas ninguém po<strong>de</strong>ria tê-lo adotado com maior entusiasmo<br />
e competência do que o povo mineiro do século XVIII e o<br />
pragmatismo interativo da sua Igreja, cujas celebrações eram o ponto<br />
40 Mas <strong>de</strong>vemos fazer justiça ao fato <strong>de</strong> que certos ramos da igreja portuguesa foram<br />
verda<strong>de</strong>iros antros <strong>de</strong> iluministas, mas muitos <strong>de</strong> seus colegas leigos tiveram<br />
dificulda<strong>de</strong> para perceber isso.<br />
41 Com certeza, a agonia do embate entre a fé e a razão que tanto fermentou o<br />
nascimento do barroco na Europa, jamais atormentou o mineiro do século XVIII.<br />
37
mais marcante e agregador da vida comunitária. Uma igreja mais das<br />
formas do que <strong>dos</strong> conteú<strong>dos</strong>. Uma igreja mais da terra do que do céu.<br />
Os construtores <strong>de</strong> templos<br />
As <strong>igrejas</strong> barrocas mineiras teriam existido sem o Ciclo do<br />
Ouro? Essa é uma pergunta singela mas necessária para fazer notar<br />
que, geograficamente, elas estão significativamente associadas ao lugar<br />
das lavras e minas. Ou seja, on<strong>de</strong> havia ouro em certa medida, surgiam<br />
templos notáveis. Evi<strong>de</strong>ntemente a ativida<strong>de</strong> aurífera fomentou a<br />
formação <strong>de</strong> núcleos urbanos e eles por sua vez, fomentaram a<br />
construção <strong>de</strong> templos, requisito sociocultural indispensável ainda hoje.<br />
Numa colocação bastante simplista: comunida<strong>de</strong>s geram templos, mas<br />
só comunida<strong>de</strong>s ricas geram templos ricos. 42 Templos surgiriam <strong>de</strong><br />
qualquer forma mas certamente a opulência do barroco mineiro é<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte direta do Ciclo do Ouro. Enfim, a construção <strong>de</strong> obras<br />
públicas dispendiosas como é o caso da maioria das <strong>igrejas</strong> barrocas,<br />
requer a disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um exce<strong>de</strong>nte econômico <strong>de</strong> certa monta<br />
que po<strong>de</strong> ser abstraído do ciclo produtivo a curto ou médio prazo. Esse<br />
exce<strong>de</strong>nte po<strong>de</strong>, evi<strong>de</strong>ntemente, ser gerado por diversos tipos <strong>de</strong><br />
ativida<strong>de</strong>s econômicas. Em <strong>Minas</strong> pô<strong>de</strong> ser gerado da rica ativida<strong>de</strong> da<br />
mineração, assim como na Bahia e no nor<strong>de</strong>ste, pô<strong>de</strong> ser gerado pelos<br />
gran<strong>de</strong>s engenhos que sustentaram indiretamente as or<strong>de</strong>ns primeira,<br />
gran<strong>de</strong>s construtores <strong>de</strong> templos naquelas paragens. 43<br />
Uma característica que <strong>de</strong> fato contribuiu para a proliferação e<br />
suntuosida<strong>de</strong> das <strong>igrejas</strong> setecentistas mineiras é que a ativida<strong>de</strong><br />
42 Aqui, quando falamos em “comunida<strong>de</strong>” falamos do seu aspecto mais concreto, ou<br />
seja, um núcleo urbano qualquer e um entorno econômico que lhe dá sustentação e<br />
que concentra nele as ativida<strong>de</strong>s sociais essenciais naquele tempo, vale dizer: o culto<br />
religioso, o mercado <strong>de</strong> trocas, a assembleia política. A rigor, até recentemente,<br />
bastava a concentração <strong>de</strong> uma meia dúzia <strong>de</strong> famílias para justificar o surgimento <strong>de</strong><br />
uma capela. E elas surgiram aos montes nos arraiais, grotões e encruzilhadas:<br />
mo<strong>de</strong>stíssimas assembleias comunitárias nas quais Deus era presença obrigatória.<br />
43 Os Jesuítas, por exemplo, não <strong>de</strong>pendiam muito da ajuda <strong>de</strong> terceiros pois eram<br />
gran<strong>de</strong>s produtores e exportadores <strong>de</strong> produtos tropicais, especialmente no século<br />
XVII.<br />
38
mineradora então praticada, via <strong>de</strong> regra, não chegava propriamente a<br />
exigir gran<strong>de</strong>s investimentos. Sobretudo não exigia a retenção<br />
sistemática <strong>de</strong> parcela <strong>dos</strong> rendimentos para capitalização do<br />
empreendimento. 44 Assim, muitas vezes, um aventureiro bem sucedido<br />
acabava dispondo <strong>de</strong> bom dinheiro sem ter muitas alternativas <strong>de</strong> como<br />
gastá-lo. De certa forma, a mineração <strong>de</strong> ouro <strong>de</strong> aluvião que muitas<br />
vezes po<strong>de</strong> ser exercida com uma bateia e um par <strong>de</strong> escravos, abriu<br />
oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ascensão social a ampla faixa da população colonial. 45<br />
Unida em irmanda<strong>de</strong>s essa parcela da plebe multiplicou<br />
significativamente seu po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> erigir obras. E foi assim que as<br />
irmanda<strong>de</strong>s religiosas mineiras do século XVIII se tornaram gran<strong>de</strong>s<br />
construtoras <strong>de</strong> <strong>igrejas</strong>. É claro que o ritmo das construções barrocas<br />
acompanhou nitidamente o vigor da economia mas, com maior ou<br />
menor dinamismo, templos foram ergui<strong>dos</strong> ao longo <strong>de</strong> todo o século.<br />
Consi<strong>de</strong>rando os propósitos <strong>de</strong>ste livro, via <strong>de</strong> regra trataremos<br />
genericamente como “irmanda<strong>de</strong>s” todas as associações setecentistas<br />
formais que tinham em ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> motivação religiosa o elo da união<br />
entre seus membros. Assim, vamos abranger, numa mesma categoria, as<br />
or<strong>de</strong>ns terceira, as irmanda<strong>de</strong>s propriamente ditas e as confrarias;<br />
embora sua natureza jurídica e seu grau <strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência institucional em<br />
relação à igreja católica pu<strong>de</strong>sse variar. 46<br />
É interessante observar que essas irmanda<strong>de</strong>s se constituíam em<br />
grupos segrega<strong>dos</strong>, socialmente muito bem <strong>de</strong>fini<strong>dos</strong> e que exerciam<br />
44 Somente no século seguinte, quando o ouro <strong>de</strong> aluvião ou <strong>de</strong> barranco, <strong>de</strong><br />
exploração mais simples, havia se esgotado totalmente é que a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mineração,<br />
propriamente dita, tomou pulso. Foi ai que surgiram companhias mineradoras inglesas<br />
no Brasil, <strong>de</strong>tentoras <strong>de</strong> tecnologia mais sofisticada e capitais mais abundantes.<br />
45 Nos primórdios, os recursos básicos da ativida<strong>de</strong> da mineração eram o negro e o<br />
ferro. Nenhum <strong>dos</strong> dois era barato mas <strong>de</strong> qualquer forma, a ativida<strong>de</strong> exigia<br />
consi<strong>de</strong>ravelmente menos capital e trabalho do que uma fazenda paulista, um engenho<br />
no litoral ou o manejo do gado ao longo do São Francisco.<br />
46 Grosso modo, as irmanda<strong>de</strong>s propriamente ditas, eram socieda<strong>de</strong>s mais abertas e<br />
distantes <strong>de</strong> qualquer controle eclesiástico. As or<strong>de</strong>ns terceiras, ainda que<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes eram prolongamentos leigos das suas respectivas or<strong>de</strong>ns primeiras e as<br />
confrarias ficavam em posição intermediária mantendo, porém, certo relacionamento<br />
com sua respectiva or<strong>de</strong>m terceira.<br />
39
expressiva influência política na comunida<strong>de</strong>. De certa forma, quanto<br />
mais suntuoso fosse o templo erigido por uma irmanda<strong>de</strong>, maior a<br />
expressão do seu po<strong>de</strong>r e maior o prestígio social <strong>dos</strong> seus membros e<br />
vice versa.<br />
Convém observar, também, que a construção <strong>de</strong> algumas das<br />
mais suntuosas capelas das irmanda<strong>de</strong>s do Carmo e São Francisco, não<br />
coinci<strong>de</strong> exatamente com o auge do Ciclo do Ouro. Essa aparente<br />
contradição se explica pelo fato <strong>de</strong> que essas irmanda<strong>de</strong>s se<br />
capitalizaram ao longo <strong>de</strong> muitos anos <strong>de</strong> vacas gordas e magras. Além<br />
disso, era comum elas atuarem como casas <strong>de</strong> empréstimos bancários,<br />
ativida<strong>de</strong> que apesar do risco, muitas vezes é mais rentável exatamente<br />
nos tempos <strong>dos</strong> capitais escassos. Assim, o ambiente socioeconômico<br />
da época da construção das matrizes públicas e das capelas das<br />
irmanda<strong>de</strong>s privadas é diferente mas, <strong>de</strong> uma forma ou <strong>de</strong> outra,<br />
recursos não faltaram para erigir belos templos, característicos <strong>de</strong> uma e<br />
outra época. Na primeira fase prevaleceram as doações da Coroa ou<br />
extraídas <strong>dos</strong> cabedais <strong>de</strong> ricos potenta<strong>dos</strong>. Na segunda predominou a<br />
paciente poupança <strong>de</strong> uma típica classe média mais abastada e que<br />
inclusive costumava ter competentes artesãos entre seus membros. É<br />
por isso que as <strong>igrejas</strong> da primeira fase eram construídas em poucos<br />
anos enquanto os templos da segunda fase avançaram suas construções<br />
sobre boa parte do século seguinte. De qualquer forma, por trás da<br />
construção <strong>de</strong> quase todas as nossas <strong>igrejas</strong> setecentistas, estava o ouro<br />
ou o diamante, mais abundante ou mais escasso, mas sempre presente<br />
no século XVIII a girar a roda <strong>dos</strong> negócios divinos e terrenos.<br />
Alguns autores gostam <strong>de</strong> usar a dinâmica da atuação das<br />
diferentes irmanda<strong>de</strong>s para i<strong>de</strong>ntificar as fases da história da construção<br />
das nossas <strong>igrejas</strong> setecentistas. Para eles, nos primórdios, vale dizer, no<br />
primeiro quarto do século XVIII, predominou a atuação das<br />
irmanda<strong>de</strong>s do Santíssimo Sacramento, responsáveis pela construção <strong>de</strong><br />
matrizes. No período seguinte predominou a atuação das or<strong>de</strong>ns<br />
terceiras e confrarias, empenhadas na ereção <strong>de</strong> suas respectivas<br />
capelas. Essa divisão, porém, força uma redução um tanto imperfeita<br />
pois as irmanda<strong>de</strong>s, indistintamente, sempre foram atuantes ao longo <strong>de</strong><br />
todo o setecentos e estavam fortemente presentes na ereção tanto das<br />
matrizes quanto das capelas. A diferença é que no princípio do século<br />
XVIII, as comunida<strong>de</strong>s ainda estavam consolidando suas instituições<br />
básicas e predominava o interesse público, agregado nas irmanda<strong>de</strong>s do<br />
Santíssimo e suas tantas coadjutoras. Na fase subsequente o interesse<br />
40
maior era abrir espaço para influir nessas instituições e é aí que as<br />
or<strong>de</strong>ns terceiras, em especial , começaram a competir entre si, sendo a<br />
suntuosida<strong>de</strong> do seu templo um emblema estratégico. 47 De fato, as<br />
irmanda<strong>de</strong>s, or<strong>de</strong>ns terceiras e confrarias eram, genericamente,<br />
grupamentos com interesses diversos do céu e da terra, entre os quais<br />
não faltavam os tais componentes <strong>de</strong> prestígio e po<strong>de</strong>r. Em muitos<br />
aspectos elas exerciam o mesmo papel que hoje exercem nossos clubes,<br />
fraternida<strong>de</strong>s e associações <strong>de</strong> classe, plenas <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s sociais,<br />
assistenciais e políticas. A igreja era o centro da comunhão física e<br />
espiritual. Nos consistórios se tramava e nas capelas e naves<br />
transcorriam as gran<strong>de</strong>s celebrações públicas quando as pessoas<br />
queriam ver e serem vistas, mostrando não só a fé e a contrição mas<br />
também o séqüito e as vestimentas, entre outros sinais externos da sua<br />
condição social. Depois <strong>de</strong> mortos tinham também assegurado o direito<br />
<strong>de</strong> serem enterra<strong>dos</strong> na área do templo: na parte interna ou externa,<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo <strong>de</strong> condições estabelecidas formalmente nos estatutos da<br />
irmanda<strong>de</strong>, nos termos <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são e na legislação vigente que no início<br />
do século XIX chegou a proibir o sepultamento no porão <strong>dos</strong> templos<br />
por questões <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m sanitária. 48 É claro que os irmãos, ainda que<br />
assemelha<strong>dos</strong> por algum requisito comum exigível como condição<br />
básica para pertencer à sua comunida<strong>de</strong> religiosa, não eram<br />
propriamente iguais nem contribuíam igualmente para os fun<strong>dos</strong> das<br />
suas organizações. A própria disposição das pessoas no recinto do<br />
templo obe<strong>de</strong>cia a uma or<strong>de</strong>m <strong>de</strong>finida que revelava com clareza essas<br />
diferenças. Durante as cerimônias, conforme o arranjo do espaço do<br />
templo permitisse, os notáveis com suas famílias postavam-se nas<br />
tribunas elevadas. Os mais <strong>de</strong>staca<strong>dos</strong> <strong>de</strong>ntre eles ocupavam as tribunas<br />
localizadas nas laterais do presbitério. Os outros ocupavam as <strong>de</strong>mais<br />
tribunas da capela mor ou da nave. Era comum se fazerem doações à<br />
irmanda<strong>de</strong> por conta do privilégio perpétuo <strong>de</strong> fazer uso das tribunas,<br />
verda<strong>de</strong>iros camarotes à expor luxo e prestígio. Os menos notáveis<br />
ocupavam o recinto da nave: as mulheres, crianças e homens comuns<br />
no centro, ao nível do piso e os homens medianamente notáveis nas<br />
47 Essa competição, evi<strong>de</strong>ntemente, tinha suas respectivas limitações. Uma irmanda<strong>de</strong><br />
do Rosário em geral, não podia competir com uma or<strong>de</strong>m terceira franciscana, mas<br />
bem podia encarar uma confraria do cordão <strong>de</strong> São Francisco.<br />
48 A proibição ocorreu por influência do médico mineiro Vicente Coelho <strong>de</strong> Seabra<br />
Silva Teles que publicou um livro em 1800, con<strong>de</strong>nando a prática.<br />
41
laterais, em plano mais alto, atrás <strong>de</strong> balaustradas. Os negros e<br />
<strong>de</strong>serda<strong>dos</strong> também podiam assistir a certas celebrações nos templos<br />
<strong>dos</strong> brancos, mas tinham que se colocar nas entradas, vislumbrando o<br />
interior como fosse possível. Especialmente na fase da construção das<br />
matrizes, os membros mais abasta<strong>dos</strong> da comunida<strong>de</strong> costumavam<br />
marcar a força do seu po<strong>de</strong>r, riqueza e prestígio doando um altar, uma<br />
talha dourada, uma portada ou uma pintura. Enfim, quanto mais rica<br />
fosse a irmanda<strong>de</strong> e seus membros mais suntuoso podia e tinha que ser<br />
o seu templo. De fato era assim. Parece que a aplicação <strong>de</strong> recursos em<br />
edificações <strong>de</strong> fundo caritativo foi pouco expressiva na época. Tudo era<br />
canalizado para a majesta<strong>de</strong> <strong>dos</strong> templos. Como vimos, a própria Coroa<br />
colaborava investindo conforme seu interesse político sobre as<br />
respectivas irmanda<strong>de</strong>s e paróquias.<br />
A suntuosida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um templo era a expressão clara do tamanho<br />
da contribuição <strong>dos</strong> irmãos para a Glória <strong>de</strong> Deus, o que também era<br />
forte fator <strong>de</strong> prestígio. Afinal, foi esse espírito <strong>de</strong> elevação típico da<br />
contrarreforma que, a partir da valorização iconográfica preconizada<br />
pelo Concílio <strong>de</strong> Trento, acolheu o barroco e fez <strong>de</strong>le a linguagem<br />
eloqüente da arquitetura e da arte religiosa <strong>dos</strong> séculos XVII e XVIII.<br />
Não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> <strong>de</strong>stacar aqui as irmanda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pretos<br />
que também construíram inúmeros templos. São as várias <strong>igrejas</strong><br />
<strong>de</strong>dicadas a N. S. do Rosário 49 e Mercês espalhadas pelas várias partes<br />
do estado. Ainda que não possam competir em riqueza com as <strong>igrejas</strong><br />
das or<strong>de</strong>ns terceiras são a expressão mais pura do quanto os homens<br />
daquela época estavam dispostos a empreen<strong>de</strong>r a construção <strong>de</strong> <strong>igrejas</strong>,<br />
concentrando recursos nos limites <strong>de</strong> suas posses para louvar e<br />
glorificar, da melhor maneira possível, o seu <strong>de</strong>us. 50 Um <strong>de</strong>us suntuoso,<br />
cunhado à imagem <strong>dos</strong> tantos papas monárquicos que não<br />
49 O cadastro que fizemos das <strong>igrejas</strong> setecentistas mineiras mostra uma<br />
predominância <strong>de</strong> templos <strong>de</strong>dica<strong>dos</strong> a N. S. do Rosário sobre todas as <strong>de</strong>mais,<br />
inclusive N. S. da Conceição. Ninguém foi mais construtor <strong>de</strong> <strong>igrejas</strong> do que os<br />
negros. Isso <strong>de</strong>monstra a relevância do papel que exerceram durante o ciclo do ouro,<br />
não só como mão-<strong>de</strong>-obra mas também como investidores e consumidores.<br />
50 Ainda que evi<strong>de</strong>ntemente, as irmanda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pretos tivessem espaço limitado para<br />
atuação política, este propósito não era <strong>de</strong> todo inexistente. Especialmente as<br />
irmanda<strong>de</strong>s das Mercês se <strong>de</strong>dicavam intensamente à causa <strong>dos</strong> negros alforria<strong>dos</strong>.<br />
42
dispensavam as magníficas obras <strong>de</strong> Michelangelo e Bernini como<br />
ponto <strong>de</strong> apoio para consolidação <strong>de</strong> seu po<strong>de</strong>r e majesta<strong>de</strong> nesse<br />
mundo.<br />
A atuação das irmanda<strong>de</strong>s como construtoras <strong>de</strong> <strong>igrejas</strong>, contém<br />
algumas nuances interessantes. Na verda<strong>de</strong>, nem todas elas construíam<br />
<strong>igrejas</strong> e realmente muitas só conseguiam chegar a tanto <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> anos<br />
<strong>de</strong> paciente trabalho <strong>de</strong> acumulação <strong>de</strong> doações diversas. Também era<br />
comum várias irmanda<strong>de</strong>s se unirem para construir um templo. Muitas<br />
são as notícias <strong>de</strong> irmanda<strong>de</strong>s que durante anos praticavam seus cultos<br />
em templos cedi<strong>dos</strong> até que tivessem condição <strong>de</strong> erigir os seus<br />
próprios, o que até podia não chegar a acontecer. 51 Também não eram<br />
raros os casos <strong>de</strong> brigas e dissidências com irmanda<strong>de</strong>s surgindo a partir<br />
<strong>de</strong> outras.<br />
Tal como nossos clubes atuais elas proliferavam nos mais<br />
diversos pontos, em locais próximos uns <strong>dos</strong> outros e com nomes<br />
muito pareci<strong>dos</strong>, o que hoje contribui para confundir os próprios<br />
nomes das <strong>igrejas</strong>. Assim é que em Ouro Preto, por exemplo, temos<br />
uma profusão <strong>de</strong> templos “do Rosário”. Tem a Rosário <strong>dos</strong> Pretos, tem<br />
a Rosário do Padre Faria e tem a Santa Efigênia do Rosário <strong>dos</strong> Pretos<br />
que também é do Padre Faria. A confusão é aparente pois tudo é muito<br />
bem <strong>de</strong>finido. É que, antigamente, a nossa Ouro Preto era um conjunto<br />
<strong>de</strong> arraiais contíguos, com irmanda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> mesmo nome. Assim, tinha os<br />
pretos do Padre Faria cuja igreja era a Santa Efigênia. A irmanda<strong>de</strong> da<br />
capela do próprio Padre Faria era a do Rosário <strong>dos</strong> Brancos Pobres e<br />
<strong>dos</strong> Par<strong>dos</strong>. A Irmanda<strong>de</strong> do Rosário <strong>dos</strong> Pretos <strong>de</strong> Ouro Preto - cuja<br />
capela primitiva ficava on<strong>de</strong> hoje é a igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula -<br />
é a da igreja do Rosário <strong>dos</strong> Pretos propriamente dita: aquela <strong>de</strong> formas<br />
arredondadas que fica no atual largo do Rosário. Enten<strong>de</strong>ram?<br />
Cabe reforçar que na capitania <strong>de</strong> <strong>Minas</strong>, embora ocorressem<br />
práticas caritativas no seio das irmanda<strong>de</strong>s, praticamente to<strong>dos</strong> os<br />
investimentos em construções <strong>de</strong> fundo religioso eram canaliza<strong>dos</strong><br />
51 Na verda<strong>de</strong>, um mesmo templo podia abrigar, sem nenhum transtorno, até sete<br />
irmanda<strong>de</strong>s. É que, naquele tempo havia missa to<strong>dos</strong> os dias e em cada dia, a<br />
cerimônia ficava por conta <strong>de</strong> uma irmanda<strong>de</strong>.<br />
43
para a ereção <strong>de</strong> <strong>igrejas</strong>. 52 Isso porque, com a proibição durante gran<strong>de</strong><br />
parte do século XVIII <strong>de</strong> que as or<strong>de</strong>ns primeira e segunda atuassem<br />
na capitania, praticamente não foram construí<strong>dos</strong> conventos, colégios,<br />
asilos ou hospitais religiosos. Assim, tem-se notícia <strong>de</strong> raras construções<br />
<strong>de</strong> motivação religiosa que não foram <strong>igrejas</strong> levantadas naquele<br />
século. 53 Entre elas po<strong>de</strong>mos citar a ermida <strong>de</strong> N. S. Mãe <strong>dos</strong> Homens<br />
no Caraça (transformada no colégio do Caraça no século seguinte),<br />
<strong>de</strong>dicada à contemplação e construída com doações amealhadas pelo<br />
irmão Lourenço na região, o seminário <strong>de</strong> Mariana e o convento <strong>de</strong><br />
Macaúbas <strong>de</strong> Santa Luzia construí<strong>dos</strong> por famílias abastadas mineiras<br />
para servir <strong>de</strong> local <strong>de</strong> recolhimento ou <strong>de</strong> educandário e a ermida e<br />
asilo <strong>de</strong> N. S. da Pieda<strong>de</strong>, construí<strong>dos</strong> por Bracarena <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter se<br />
tornado um discípulo do irmão Lourenço. Assim, a generosida<strong>de</strong> <strong>dos</strong><br />
fieis pô<strong>de</strong> ser canalizada para a construção e embelezamento <strong>de</strong> <strong>igrejas</strong>.<br />
Os mo<strong>de</strong>los e referências das <strong>igrejas</strong> setecentistas<br />
mineiras<br />
Não é razão dominante <strong>de</strong>ste trabalho fazer uma abordagem<br />
estritamente técnica das minúcias arquitetônicas e ornamentais das<br />
<strong>igrejas</strong> setecentistas mineiras, mesmo porque, como dissemos na nossa<br />
introdução, essa não é a nossa seara. Todavia, não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong><br />
fazer consi<strong>de</strong>rações a propósito das referências normalmente adotadas<br />
na tipificação <strong>dos</strong> templos e seus principais adornos. Isso é necessário<br />
para que possamos dar uma certa or<strong>de</strong>m e estrutura <strong>às</strong> visitações <strong>de</strong>ssa<br />
nossa viagem e nos tornarmos aptos a enten<strong>de</strong>r o respectivo significado<br />
e valor <strong>de</strong> cada templo no contexto em que foi erigido. Enfim, ainda<br />
que esse não seja o livro <strong>de</strong> um esperto, a caracterização da tipologia<br />
das <strong>igrejas</strong> é importante para os nossos propósitos. Contudo, penso que<br />
o mais importante critério para avaliação <strong>de</strong> uma igreja é mesmo o<br />
52 Existiam <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> irmanda<strong>de</strong>s na Vila Rica do século XVIII, porém somente<br />
uma, a <strong>de</strong> Santana, cuidava apenas <strong>de</strong> obras assistenciais, no caso a Santa Casa <strong>de</strong><br />
Misericórdia.<br />
53 É claro que as irmanda<strong>de</strong>s se <strong>de</strong>dicavam a obras pie<strong>dos</strong>as e sociais, mas elas, em<br />
gran<strong>de</strong> medida, ocorriam aproveitando as <strong>de</strong>pendências das próprias <strong>igrejas</strong>. Ainda<br />
hoje é muito comum encontramos ativida<strong>de</strong>s comunitárias tendo lugar nos amplos e<br />
numerosos salões das sacristias e consistórios <strong>dos</strong> nossos templos setecentistas.<br />
44
sentimento que ela <strong>de</strong>sperta, não importando muito qual é a base <strong>de</strong>sse<br />
sentimento. Po<strong>de</strong>mos valorizar as <strong>igrejas</strong> pela sua riqueza, antiguida<strong>de</strong>,<br />
pelo traço arquitetônico, pela forma ou pela qualida<strong>de</strong> da execução <strong>de</strong><br />
altares ou pinturas que contêm, ou ainda pelo <strong>de</strong>safio que elas<br />
representaram para a comunida<strong>de</strong> que as ergueu. Embora cada templo<br />
seja único e sua unicida<strong>de</strong> possa gerar sentimentos <strong>de</strong> menor ou maior<br />
intensida<strong>de</strong> em diferentes pessoas, sempre ten<strong>de</strong>mos a avaliar os<br />
diversos templos mediante comparações. Isso po<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve ser feito <strong>de</strong><br />
forma mais metódica, através do uso <strong>de</strong> alguns parâmetros. Por outro<br />
lado, cada igreja setecentista é um universo repleto <strong>dos</strong> mais <strong>de</strong>lica<strong>dos</strong><br />
<strong>de</strong>talhes. Assim, sem referências nossos olhos ten<strong>de</strong>m a passear <strong>de</strong><br />
forma <strong>de</strong>sorganizada entre esses <strong>de</strong>talhes, sem conseguir distinguir o<br />
que realmente viram.<br />
Embora existam inúmeros recursos básicos e dominantes é<br />
difícil encontrar propriamente uma padronização nas <strong>igrejas</strong> mineiras. É<br />
claro que elas têm uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e esta resulta do entrelaçamento <strong>dos</strong><br />
fatores que atuam na formação da cultura <strong>de</strong> qualquer povo,<br />
especialmente em perío<strong>dos</strong> muito dinâmicos e criativos como foi o caso<br />
do século XVIII em <strong>Minas</strong>. Mas <strong>de</strong>vido à infinita possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
combinação <strong>de</strong> elementos – típicas da linguagem barroca e rococó - as<br />
referências se multiplicam como peças <strong>de</strong> um calei<strong>dos</strong>cópio. Assim,<br />
nossas <strong>igrejas</strong> não costumam se enquadrar <strong>de</strong> forma comportada em<br />
mo<strong>de</strong>los estáticos. Contudo os mo<strong>de</strong>los existem e acabam cumprindo<br />
<strong>de</strong> alguma forma seu papel <strong>de</strong> disciplinar o exame das convergências e<br />
divergências <strong>dos</strong> diversos templos entre si e cutucar a emoção com a<br />
vara da razão. Um <strong>dos</strong> principais motivos pelos quais as <strong>igrejas</strong> mineiras<br />
não seguem mo<strong>de</strong>los muito bem <strong>de</strong>fini<strong>dos</strong> é que elas, como <strong>de</strong> resto a<br />
maioria <strong>dos</strong> templos e monumentos do nosso passado, <strong>de</strong>moravam<br />
<strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> anos para serem construídas. Por outro lado, obe<strong>de</strong>ciam a<br />
planos diversos <strong>de</strong> construção e adorno, cria<strong>dos</strong> e executa<strong>dos</strong> por<br />
diferentes pessoas ao longo <strong>dos</strong> anos. Muitas sofreram obras sucessivas<br />
<strong>de</strong> reforma e restauração que <strong>de</strong>sfiguraram inteiramente seus traços<br />
primitivos. Era comum uma inovação introduzida por um artista num<br />
<strong>de</strong>terminado templo, <strong>de</strong>spertar inveja nos membros <strong>de</strong> outras<br />
irmanda<strong>de</strong>s que logo contratavam alguém para copiá-la. Portanto, eram<br />
freqüentes as obras <strong>de</strong> “mo<strong>de</strong>rnização”. Foi assim que a influência do<br />
Aleijadinho se multiplicou enormemente gerando confusões <strong>de</strong> autoria.<br />
45
Praticamente todas as <strong>igrejas</strong> setecentistas mineiras são obras <strong>de</strong><br />
criação coletiva. 54 Não era raro as <strong>igrejas</strong> serem construídas em módulos<br />
que começavam por incorporar uma pequena capela primitiva que<br />
virava capela mor anexada a uma nave maior construída <strong>de</strong>pois e que ia<br />
crescendo até se fechar na fachada, anos mais tar<strong>de</strong>. Usualmente a parte<br />
interna também era construída aos poucos, altar por altar. Também não<br />
era raro que as torres fossem acrescidas ou até subtraídas mais tar<strong>de</strong>.<br />
Tudo era construído e modificado sucessivas vezes. Assim, nenhuma<br />
das nossas <strong>igrejas</strong> setecentistas é conseqüência da execução <strong>de</strong> um<br />
projeto arquitetônico global, <strong>de</strong>finido, realizado e preservado.<br />
Portanto, <strong>de</strong> certa forma, para acertar a autenticida<strong>de</strong> <strong>dos</strong> nossos<br />
templos do século XVIII temos que fazer um corte no tempo e adotar<br />
a imagem assim obtida.<br />
Por conta <strong>de</strong> toda essa enorme variabilida<strong>de</strong>, ao tipificar as<br />
<strong>igrejas</strong> do século XVIII, muitas vezes é muito mais apropriado falar em<br />
referências do que em mo<strong>de</strong>los. E aqui me permito formular alguns<br />
conceitos. Um mo<strong>de</strong>lo é um conjunto <strong>de</strong> variáveis, or<strong>de</strong>nadas e<br />
<strong>de</strong>limitadas <strong>de</strong> uma forma previamente <strong>de</strong>finida. Referências são partes<br />
<strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo, abstraídas e <strong>de</strong>limitadas <strong>de</strong> forma arbitrária. Não se<br />
po<strong>de</strong> secionar um mo<strong>de</strong>lo, sob pena <strong>de</strong> <strong>de</strong>scaracterizá-lo como tal. Uma<br />
referência, ao contrário, po<strong>de</strong> ser secionada à vonta<strong>de</strong> e cada uma<br />
<strong>de</strong>ssas seções acaba sendo também uma referência. Não é possível, ou<br />
melhor, não tem sentido prático montar mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong>stina<strong>dos</strong> a<br />
enquadrar tipos <strong>de</strong> interiores das nossas <strong>igrejas</strong> do setecentos. Seria<br />
necessário juntar uma quantida<strong>de</strong> extraordinária <strong>de</strong> variáveis e costurálas<br />
num trabalho <strong>de</strong> gineceu. Depois, simplesmente não teríamos o que<br />
fazer com o resultado. Ele seria aplicável a um ou dois casos. 55 Muito<br />
54 Uma notável exceção seria a igreja da Jaguara na região rural <strong>de</strong> Matosinhos,<br />
criação do Aleijadinho. A igreja está em ruínas, fruto <strong>de</strong> <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> anos <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>sinteresse <strong>dos</strong> antigos ingleses administradores da Mina <strong>de</strong> Morro Velho que ali<br />
mantinham uma proprieda<strong>de</strong> rural. O altar, contudo, foi preservado e doado por eles<br />
e hoje adorna a matriz <strong>de</strong> Nova Lima em total <strong>de</strong>sarmonia com o conjunto da igreja, a<br />
<strong>de</strong>speito da maravilhosa obra que é. Junto com os antigos altares hoje preserva<strong>dos</strong> na<br />
matriz <strong>de</strong> Diamantina, ficaria melhor em um museu. Ouvi notícias <strong>de</strong> que a igreja da<br />
Jaguara vai ser reconstruída e o retábulo voltará a seu antigo lugar. Torço por isso.<br />
55 É certo, como dissemos, que existem elementos na <strong>de</strong>coração interna das <strong>igrejas</strong><br />
setecentistas muito característicos e quase sempre presentes. Por exemplo: nichos com<br />
baldaquinos, retábulos la<strong>de</strong>a<strong>dos</strong> por colunas torsas e/ou em quartelas, púlpitos em<br />
46
trabalho por pouco. Por outro lado, os elementos externos <strong>de</strong> um<br />
templo setecentista são relativamente limita<strong>dos</strong>. É possível juntá-los,<br />
<strong>de</strong>limitá-los, perceber a niti<strong>de</strong>z das suas particularida<strong>de</strong>s e até configurálos<br />
como mo<strong>de</strong>los. Depois <strong>de</strong>sses mo<strong>de</strong>los prontos, vamos constatar<br />
que eles são aplicáveis a gran<strong>de</strong> maioria <strong>dos</strong> casos. Enfim, penso que<br />
po<strong>de</strong>mos recorrer a mo<strong>de</strong>los quando tratamos do geral e a referências<br />
quando falamos do particular. Não há nada mais particular do que o<br />
interior <strong>de</strong> uma igreja barroca.<br />
Há <strong>de</strong> se consi<strong>de</strong>rar, também, que as convergências e<br />
divergências da tipologia das <strong>igrejas</strong> mineiras têm a mesma natureza do<br />
conflito natural que existe entre o espaço e o tempo. Quando falamos<br />
<strong>de</strong> espaço a tipologia é bem comportada, plenamente a<strong>de</strong>quada,<br />
aca<strong>de</strong>micamente perfeita. Porém, quando introduzimos o fator tempo,<br />
a coisa se expan<strong>de</strong> profundamente e o resultado final é a diversida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>ntro da unida<strong>de</strong>, sendo esse um traço dominante, tão característico da<br />
arquitetura religiosa setecentista mineira. Essa distinção é que nos<br />
permite enten<strong>de</strong>r porque encontramos num mesmo altar ou fachada,<br />
estilos que <strong>de</strong>veriam guardar distancia entre si do ponto <strong>de</strong> vista<br />
cronológico. De fato, o espaço é o mesmo mas o tempo é muito<br />
diferente. Daí resulta a verda<strong>de</strong>ira mágica que são certos resulta<strong>dos</strong> que<br />
po<strong>de</strong>mos contemplar em muitas das nossas <strong>igrejas</strong>. Atuando ainda a<br />
favor <strong>de</strong> toda essa diversida<strong>de</strong> há <strong>de</strong> se lembrar <strong>dos</strong> estilos individuais<br />
<strong>dos</strong> nossos inúmeros artistas setecentista que, longe das matrizes<br />
europeias, sem prima-donas e libera<strong>dos</strong> <strong>de</strong> controles acadêmicos,<br />
restavam livres para criar.<br />
Mas, apesar <strong>de</strong> todas as diversida<strong>de</strong>s, procedido o corte<br />
temporal <strong>de</strong> que falamos à pouco, po<strong>de</strong>mos perceber que nossas <strong>igrejas</strong><br />
realmente têm i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e há um forte amálgama cultural unindo-as.<br />
Em gran<strong>de</strong>s linhas, as <strong>igrejas</strong> <strong>antigas</strong> brasileiras tiveram como<br />
origem comum o chamado estilo jesuítico que <strong>de</strong> resto abraçou o uso<br />
do barroco como um <strong>dos</strong> marcos da briga da contrarreforma. Os<br />
seguidores <strong>de</strong> santo Inácio <strong>de</strong> Loiola encontraram na nova estética <strong>dos</strong><br />
séculos XVII/XVIII uma eloqüente forma para expressar<br />
forma <strong>de</strong> cálice, etc. Porém, mesmo assim, sempre estão presentes <strong>de</strong>talhes que os<br />
individualizam.<br />
47
artisticamente sua reação aguerrida contra a expansão do<br />
protestantismo. Para alguns autores, o que a igreja católica visou<br />
adotando o barroco, foi seduzir os espíritos usando como base estética<br />
a retratação do sentimento expresso no enlevo e no êxtase, do qual, a<br />
Santa Teresa <strong>de</strong> Bernini é a síntese perfeita. Para outros o foco foi a<br />
restauração da credibilida<strong>de</strong> nas crenças da igreja - ameaçadas pelos<br />
seguidores <strong>de</strong> Lutero - por meio do reconhecimento da sua autorida<strong>de</strong><br />
inconteste para preservar a divinda<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssas crenças. A partir <strong>de</strong>ssa<br />
intenção - que seduziu também os reis - o barroco teria se tornado a<br />
linguagem do exibicionismo do po<strong>de</strong>r absoluto. Sua obsessão pela<br />
sensação do movimento e principalmente seu empenho na violação do<br />
natural, serviram como expressão do ilimitado, do incontido, do<br />
infinito, enfim: <strong>de</strong> tudo po<strong>de</strong>r sobre o céu e sobre a terra. Pois que o<br />
po<strong>de</strong>r <strong>dos</strong> soberanos <strong>de</strong>rivava da sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se interpor entre<br />
Deus e a natureza e estaria contido na autorida<strong>de</strong> por ele <strong>de</strong>legada para<br />
recriá-la. Foi isso que permitiu a Luiz XIV tomar o lugar do sol da<br />
França. Então o barroco veio entronizar o po<strong>de</strong>r inconteste <strong>de</strong> reis e<br />
papas para aniquilar as ameaças sobre as coisas terrenas e divinas,<br />
principalmente quando provenientes das assembleias <strong>dos</strong> duques ou do<br />
colégio <strong>dos</strong> car<strong>de</strong>ais. E assim se espalhou rapidamente por templos,<br />
praças e palácios do velho mundo e <strong>de</strong> suas colônias.<br />
Sem dúvida, muito mais do que estandarte do zelo místico <strong>dos</strong><br />
jesuítas, o barroco foi mesmo a estética do absolutismo. Mesmo<br />
porque, umas boas décadas separam o fim do Concílio <strong>de</strong> Trento, da<br />
febre criadora <strong>de</strong> Bernini, Borromini e Cortona. Na verda<strong>de</strong>, o<br />
protestantismo grassou rapidamente, não <strong>de</strong>vido a algum arrefecimento<br />
do fervor religioso católico, mas sim porque muitos príncipes estavam<br />
loucos para se verem livres das ingerências terrenas do Papa. Para evitar<br />
isso a nova estética foi, sem embargo, uma reação tardia que acabou<br />
dando no que <strong>de</strong>u. Assim, <strong>de</strong> certa forma o que os inacianos<br />
conseguiram patrocinando entusiasticamente as volutas do Barroco -<br />
além <strong>de</strong> acalmar fra<strong>de</strong>s recalcitrantes - foi mesmo reconfortar<br />
invetera<strong>dos</strong> carolas. 56 Indubitavelmente ele é em gran<strong>de</strong> medida a<br />
expressão da arrogância e prepotência da autorida<strong>de</strong>, esta coisa rica,<br />
56 Quando o Barroco estava no auge, basicamente quem tinha que virar protestante já<br />
tinha virado e quem tinha <strong>de</strong> continuar católico já tinha continuado e isso persistiu<br />
nos séculos seguintes.<br />
48
santa e gloriosa capaz <strong>de</strong> construir coisas além do natural. Mas há um<br />
complicador: como explicar que uma i<strong>de</strong>ologia absolutista tenha gerado<br />
uma arte tão livre, tão emocionante e tão esteticamente antidogmática?<br />
Eis o paradoxo do barroco: Deus é divino e os soberanos são sua<br />
autorida<strong>de</strong> sobre a terra, mas o que transforma a natureza é a força da<br />
razão <strong>de</strong> que todo homem é dotado, para o bem e para o mal. Essa é,<br />
enfim, a i<strong>de</strong>ia essencial que completou a ruptura com o passado<br />
medieval, arejando o pensamento e alargando os horizontes <strong>dos</strong><br />
artistas. Nesse ponto o renascimento e o barroco se tocam fortemente,<br />
ainda que o artista renascentista tenha almejado a perfeição em<br />
reproduzir <strong>de</strong> forma estática uma natureza perfeita, recém libertada, e o<br />
artista barroco tenha almejado retratar uma natureza dinâmica e<br />
transformável em novas formas e movimentos. 57 Fato é que a razão e a<br />
admiração pelas capacida<strong>de</strong>s humanas, re<strong>de</strong>scobertas no renascimento,<br />
estavam <strong>de</strong>finitivamente instaladas e daí para a frente a fé teria que<br />
conviver com isso. Por esse lado, o barroco também po<strong>de</strong> ser visto<br />
como a expressão <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> conflito espiritual que não<br />
conseguindo resolver seus paradoxos se contorcia furiosamente. Na<br />
verda<strong>de</strong> esta é a minha interpretação favorita. O barroco é claramente<br />
uma linguagem <strong>de</strong> fortes emoções e não há emoção mais forte do que a<br />
agonia do conflito entre a fé e a razão. Hoje isso está inteiramente fora<br />
<strong>de</strong> moda, mas na passagem do século XVII para o século XVIII era<br />
uma questão crucial, a inquietar palácios e mosteiros. Enfim, a minha<br />
teoria sobre o surgimento do barroco é simples. Baseia-se no<br />
entendimento <strong>de</strong> que a agonia advinda do terrível embate entre fé e<br />
razão exacerbou a paixão e esta explodiu da única forma que podia:<br />
gerando uma linguagem estética exageradamente emocional. Assim,<br />
pela sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> provocar forte impacto, o barroco acabou sendo<br />
mesmo um instrumento muito útil para reis, papas e jesuítas tentarem<br />
sensibilizar o mundo para a legitimida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suas respectivas convicções.<br />
Reis e papas tentando causar admiração diante <strong>de</strong> seu po<strong>de</strong>r e os<br />
jesuítas tentando provocar êxtase diante da divinda<strong>de</strong> da Santa Madre<br />
Igreja. A partir daí gran<strong>de</strong>s artistas pu<strong>de</strong>ram, enfim, atenuar o terrível<br />
57 Se você quiser enten<strong>de</strong>r melhor as diferenças, sugiro comparar o David <strong>de</strong><br />
Michelangelo com o <strong>de</strong> Bernini. Enquanto o primeiro está estático, posando<br />
majestoso seus músculos <strong>de</strong>scansa<strong>dos</strong> para a posterida<strong>de</strong>; o segundo gesticula e se<br />
contorce, usando sua força para buscar garantir um lugar num futuro incerto. No<br />
David <strong>de</strong> Bernini, Golias certamente está presente embora não possa ser visto.<br />
49
sofrimento proveniente <strong>de</strong> suas indagações filosóficas insolúveis, sob<br />
os luxuosos tetos <strong>de</strong> seus mecenas.<br />
Por conta da contradição impregnada em suas bases, o barroco<br />
já nasceu prevendo o seu cansaço. O divino se humanizou rapidamente<br />
e então o glorioso simplificou-se e se tornou <strong>de</strong>corativo. Foi assim que<br />
ele ganhou uma sobrevida e atravessou com certa vitalida<strong>de</strong> todo o<br />
século XVIII nas nossas bandas, produzindo suas mais belas <strong>igrejas</strong><br />
exatamente quando o Ciclo do Ouro já estava <strong>de</strong>clinante.<br />
Os mo<strong>de</strong>los primitivos <strong>dos</strong> templos barrocos jesuíticos foram<br />
<strong>igrejas</strong> essencialmente renascentistas, construídas pelos padres <strong>de</strong> Jesus<br />
ainda no século XVI em Roma e mais tar<strong>de</strong> em Lisboa. Contudo, os<br />
cânones estabeleci<strong>dos</strong> pelos jesuítas tiveram menor influencia na<br />
arquitetura religiosa barroca mineira pois, como se recorda, as or<strong>de</strong>ns<br />
primeiras foram proibidas <strong>de</strong> se estabelecer na capitania <strong>de</strong> <strong>Minas</strong>. De<br />
fato, no auge do Ciclo do Ouro, o po<strong>de</strong>r <strong>dos</strong> jesuítas no Brasil já estava<br />
inteiramente minado pela ojeriza pombalina, o que culminou com sua<br />
expulsão do país em 1759. Em conseqüência, os artistas mineiros<br />
tiveram mais liberda<strong>de</strong> para exercer sua criativida<strong>de</strong> o que <strong>de</strong> fato<br />
fizeram, especialmente na última fase. 58<br />
Relevante é lembrar que, especialmente o barroco brasileiro,<br />
não foi um instrumento <strong>de</strong> persuasão i<strong>de</strong>ológica. Isso porque, por um<br />
lado - salvo os perigos das invasões holan<strong>de</strong>sas - os protestantes nunca<br />
foram <strong>de</strong> fato, uma ameaça por aqui naqueles tempos. 59 Por outro lado,<br />
d. João V nunca teve mesmo que justificar sua real vonta<strong>de</strong> aos seus<br />
súditos d’aquém ou d’além mar. Daí que nosso barroco,<br />
58 Há registros <strong>de</strong> artistas que trabalharam em <strong>igrejas</strong> no litoral e que <strong>de</strong>pois vieram<br />
para <strong>Minas</strong> e, sem dúvida, acrescentaram muita coisa na formação do estilo barroco<br />
mineiro. Estou me referindo especialmente a Francisco Xavier <strong>de</strong> Brito que trabalhou<br />
na magnífica igreja do mosteiro <strong>de</strong> São Francisco do Rio <strong>de</strong> Janeiro antes <strong>de</strong> vir para<br />
<strong>Minas</strong> e <strong>de</strong>ixar marcas <strong>de</strong> suas obra em várias <strong>de</strong> nossas <strong>igrejas</strong>. Ele é autor da genial<br />
estátua do Cristo Alado que se encontra no templo franciscano do Rio e que se<br />
rivaliza com as melhores obras do Mestre Aleijadinho. É tido também como o<br />
introdutor das pilastras em quartela, tão usadas nos altares <strong>de</strong> nossas <strong>igrejas</strong><br />
setecentistas.<br />
59 Está certo que os holan<strong>de</strong>ses tinham mania <strong>de</strong> <strong>de</strong>struir os templos católicos das<br />
regiões dominadas o que fizeram com prazer, pelo nor<strong>de</strong>ste à fora. Mas isso não<br />
ren<strong>de</strong>ria nenhum divi<strong>de</strong>ndo a Lutero.<br />
50
particularmente o mineiro, figurou como algo culturalmente mais<br />
autêntico e livre que brotou da terra para o céu ao contrário do que<br />
aconteceu na Europa. Eis o moto da sua evolução a que muitos autores<br />
chamam ina<strong>de</strong>quadamente <strong>de</strong> retardatária. Mesmo que seja, se tornou<br />
original e foi assim que o rococó entre nós, ainda que assentado numa<br />
economia <strong>de</strong>clinante, teve forças para avançar e explodir <strong>de</strong><br />
criativida<strong>de</strong>.<br />
Muitos historiadores da nossa arte, impregna<strong>dos</strong> daquela<br />
pegajosa mentalida<strong>de</strong> neocolonialista que tanto os caracteriza, gostam<br />
<strong>de</strong> menosprezar o <strong>de</strong>scompasso cronológico existente entre as matrizes<br />
europeias da nossa cultura setecentista e a produção cultural realizada<br />
aqui naquele tempo. Assim é com a nossa música, pintura e arquitetura.<br />
Convém não esquecer, contudo, que no princípio do século XVIII<br />
uma ramificação tardia do barroco italiano ainda produzia belas obras<br />
pela Europa a fora e que o rococó só nasceu por volta <strong>de</strong> 1730. Não<br />
mais do que um quarto <strong>de</strong> século <strong>de</strong>pois, essas manifestação já<br />
inspiravam nossos talentosos artistas setecentistas e essa inspiração<br />
<strong>de</strong>ixou marcas gloriosas.<br />
Indispensável reparar que a primeira fase do barroco brasileiro<br />
marca a atuação <strong>de</strong> estrangeiros – fra<strong>de</strong>s italianos e artesãos portugueses<br />
– enquanto a segunda fase <strong>de</strong>ve sua força à notável atuação <strong>de</strong> artistas<br />
brasileiros, geralmente bastar<strong>dos</strong>, mulatos e autoditadas. Pensando<br />
nisso seria justo admitir que as coisas até que andaram muito <strong>de</strong>pressa<br />
por aqui. Principalmente se lembrarmos que esses criadores talentosos<br />
estavam concentra<strong>dos</strong> em umas longínquas montanhas do longínquo<br />
vice-reino do Brasil, acessível somente após uma viagem <strong>de</strong> penosos<br />
dois meses <strong>de</strong> duração, se muito vento e pouca chuva ajudassem.<br />
Não falta quem menospreze nossa arte colonial em geral. Aliás,<br />
a arte barroca como um todo, sempre foi muito controvertida. Ainda<br />
hoje, <strong>de</strong> forma mais ou menos velada, pesa a convicção <strong>de</strong> que ela é<br />
essencialmente uma filha imperfeita do Renascimento. Fruto que<br />
brotou para acomodar artistas menores que não conseguiram sustentar<br />
a trajetória iniciada pelos mestres geniais do século XVI que, por conta<br />
<strong>de</strong> magníficos, ilumina<strong>dos</strong> e serenos soberanos, embriagavam o povo<br />
<strong>de</strong> arte nas praças <strong>de</strong> Florença, Roma e Veneza. Esse tipo <strong>de</strong><br />
interpretação é conseqüência <strong>de</strong> uma mania infeliz. Penso que a<br />
comparação valorativa <strong>de</strong> movimentos artísticos não tem muito<br />
51
sentido. Eles são expressão da cultura e do momento histórico em que<br />
estão inseri<strong>dos</strong>. Como tal, não são bons nem ruins, melhores ou piores.<br />
Po<strong>de</strong>mos gostar mais ou gostar menos <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> obras<br />
característico <strong>de</strong> uma ou outra escola, país ou tempo. É uma questão<br />
pessoal e como tal, da mesma forma, não admite muita discussão. Não<br />
obstante, volta e meia nos <strong>de</strong>paramos com comentários eruditos<br />
<strong>de</strong>stina<strong>dos</strong> a convencer que a arte renascentista é maior do que a arte<br />
barroca e que o barroco italiano é melhor do que o português ou o<br />
espanhol e que estes são melhores do que o das suas colônias<br />
americanas. Tudo isso parece óbvio e ninguém precisa nos convencer<br />
da magnificência da cultura europeia <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que Roma é Roma.<br />
Também, em matéria <strong>de</strong> formação cultural, um par <strong>de</strong> milênios faz<br />
enorme diferença. Convém não esquecer, contudo, que muito <strong>de</strong>ssa<br />
magnificência resultou <strong>de</strong> espólios <strong>de</strong> países subjuga<strong>dos</strong>, perpetra<strong>dos</strong> ao<br />
longo <strong>dos</strong> séculos. Por exemplo, na própria Europa: o bronze do<br />
Panteon <strong>de</strong> Atenas que Bernini dilapidou para lapidar as colunas torsas<br />
<strong>de</strong> seu incomparável baldaquino na Capela Sistina. Sem <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong><br />
mencionar, também, a esplendorosa pare<strong>de</strong> <strong>de</strong> nichos da Catedral <strong>de</strong><br />
Sevilha, feita com ouro tomado <strong>dos</strong> nativos do México e do Peru. De<br />
resto, por aqui aproveitamos muito bem o que sobrou, algum tempo<br />
<strong>de</strong>pois.<br />
Está certo que o barroco envelheceu o renascimento, jogando<br />
sobre ele sombras e rugas e o rococó, a seu modo infantil, <strong>de</strong>volveu a<br />
luz e aplainou as rugas. Também se po<strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r que o barroco é<br />
fruto do vazio que Miguelangelo <strong>de</strong>ixou e Bernini não conseguiu <strong>de</strong><br />
todo preencher. Mas, na sequência, também Bernini <strong>de</strong>ixou um vazio e<br />
foi esse o barroco que chegou até nós. São tênues <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong>s que<br />
saco<strong>de</strong>m uma dada trajetória como a própria dinâmica da História faz.<br />
Tais <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong>s não necessariamente diminuem a fase que não<br />
manteve a glória do período que a antece<strong>de</strong>u pois esta, certamente,<br />
buscou e encontrou a sua própria. E a arte barroca aqui e acolá, fez o<br />
que a arte sempre faz: transformou e foi transformada pela sua época.<br />
Peneirando tudo isso, acho que po<strong>de</strong>mos nos sentir<br />
<strong>de</strong>scontraí<strong>dos</strong> com o que sobrou e aptos para examinar alguns <strong>dos</strong><br />
mo<strong>de</strong>los e referências característicos das <strong>igrejas</strong> setecentistas mineiras.<br />
Numa abordagem bastante genérica po<strong>de</strong>mos agrupar nossas<br />
<strong>igrejas</strong> em duas fases, correspon<strong>de</strong>ntes grosseiramente à primeira e<br />
segunda meta<strong>de</strong>s do século XVIII. Basicamente, i<strong>de</strong>ntificamos tais<br />
52
fases exatamente como fase barroca e fase rococó. Para nós leigos, essa<br />
distinção é um tanto difícil, mas ao mesmo tempo quase <strong>de</strong>snecessária.<br />
No geral, o que importa mesmo é saber que as <strong>igrejas</strong> mineiras do<br />
setecentos são essencialmente barrocas e que isso significa a união da<br />
arquitetura, da escultura e da pintura, numa interligação harmônica em<br />
busca da emoção contida no compromisso místico e prazer estético<br />
advin<strong>dos</strong> da sensação <strong>de</strong> movimento provocado pela contemplação <strong>de</strong><br />
formas recortadas em linhas curvas profusamente entrelaçadas. Tudo<br />
isso temperado com cores fortes, especialmente o dourado, o azul e o<br />
vermelho e com posturas dinâmicas <strong>de</strong> figuras humanas. Num segundo<br />
momento isso tudo se simplifica e há mais luz e alegria. Mas a evolução<br />
foi natural e não precisou <strong>de</strong> <strong>de</strong>bates teológicos para justificar a<br />
diferença: ficou nas competentes mãos <strong>de</strong> artistas, muitos <strong>dos</strong> quais<br />
mulatos, pobres e bastar<strong>dos</strong>. Portanto meu caro leitor, não se aflija<br />
tanto com aquelas obscuras teorias sobre o barroco e suas<br />
contradições. Não importa muito quem é mais glorioso: Deus, o papa<br />
ou o rei. Consi<strong>de</strong>re apenas que o artista barroco, especialmente o<br />
pintor, abomina a i<strong>de</strong>ia do estático e tenta imprimir na figura retratada,<br />
a sensação dinâmica <strong>de</strong> que o gesto reproduzido é apenas um momento<br />
que capta um movimento que foi precedido por um outro gesto e que<br />
será seguido por um terceiro. A figura contemplativa barroca não está<br />
inerte nem passiva. Ao contrário, gesticula <strong>de</strong> alguma forma tentando se<br />
comunicar dramaticamente com a divinda<strong>de</strong>, objeto da contemplação.<br />
Na segunda fase da trajetória do barroco em <strong>Minas</strong>, como<br />
mencionamos, há uma nítida simplificação com predominância da<br />
intenção <strong>de</strong> agradar mais pelo <strong>de</strong>corativo do que extasiar pelo místico.<br />
Eis enfim o rococó assumindo o lugar que já lhe estava reservado. Deus<br />
se aloja, mais uma vez no meio <strong>dos</strong> seus fiéis e brinca com eles <strong>de</strong><br />
forma mais singela e <strong>de</strong>scontraída. 60<br />
60 Po<strong>de</strong>m parecer não muito claras as ligações instrumentais do barroco com a contrareforma<br />
ou com o absolutismo. O rococó porém, sem dúvida tem muito a ver com a<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tornar mais tolerável a vivência em espaços menores, tornando-os<br />
mais agradáveis através <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>coração mais leve e repousante. Tal era a realida<strong>de</strong><br />
da França <strong>de</strong> Luiz XV, mais pobre do que a <strong>de</strong> Luiz XIV e com a nobreza tendo que<br />
se arrumar nos menores espaços <strong>de</strong> Paris <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r as mordomias <strong>de</strong> Versailles<br />
e sem ânimo <strong>de</strong> retornar à ru<strong>de</strong>za das suas habitações campestres.<br />
53
Para a maioria <strong>de</strong> nós simples viajantes, talvez a principal<br />
distinção necessária à comparação e i<strong>de</strong>ntificação das nossas <strong>igrejas</strong><br />
setecentistas seja aquela que estabelece que os templos da primeira<br />
meta<strong>de</strong> do século são <strong>de</strong> interior mais rico e trabalhado e <strong>de</strong> exterior<br />
mais simples e os da segunda meta<strong>de</strong> têm seu exterior bastante<br />
trabalhado e seu interior mais simplificado, sóbrio e leve do que os da<br />
primeira meta<strong>de</strong>. Os exemplos clássicos que po<strong>de</strong>mos citar são a matriz<br />
<strong>de</strong> N. S. da Conceição <strong>de</strong> Antônio Dias (1727) e a igreja <strong>de</strong> São<br />
Francisco <strong>de</strong> Assis em Ouro Preto (1766), ou ainda a N. S. da<br />
Conceição (1714) e a igreja do Carmo em Sabará (1763). Basta, penso<br />
eu, comparar o interior e exterior <strong>de</strong> cada uma <strong>de</strong>las entre si e reparar<br />
a natureza das diferenças. Eis a essência <strong>dos</strong> tipos <strong>de</strong> cada fase a nos<br />
tornar capazes <strong>de</strong> distinguir, admirar e gozar as diferenças entre o<br />
barroco e o rococó. 61<br />
Um outro parâmetro importante <strong>de</strong> caracterização <strong>dos</strong> nossos<br />
templos setecentistas é o plano <strong>de</strong> distribuição <strong>dos</strong> seus espaços<br />
internos. Ele, com maior ou menor grau <strong>de</strong> variação, obe<strong>de</strong>ce a uma<br />
planta distribuída conforme o mo<strong>de</strong>lo que se segue, baseado na<br />
chamada cruz latina. O corpo maior é constituído pela nave a que se<br />
acessa diretamente por uma gran<strong>de</strong> porta frontal e portas laterais<br />
menores. É on<strong>de</strong> a maioria <strong>dos</strong> fieis se posta para acompanhar os<br />
ofícios. O piso da nave é assoalhado, mais alto nas laterais e na frente e<br />
guarnecido por balaustradas. Nesse plano mais elevado estão os altares<br />
laterais. À frente da nave há uma abertura encimada por um arco (arco<br />
cruzeiro) que a liga a um recinto menor, num plano mais elevado e mais<br />
estreito que é a capela mor, no fundo da qual se ergue o altar mor on<strong>de</strong><br />
está a imagem do padroeiro ou orago do templo. O altar está numa<br />
espécie <strong>de</strong> plataforma que se alcança após alguns <strong>de</strong>graus geralmente <strong>de</strong><br />
pedras chamado presbitério. Nas laterais do arco cruzeiro há um espaço<br />
que seria os braços da cruz latina ou o transepto. 62 O pé direito da nave<br />
61 Logo adiante trataremos da distinção <strong>de</strong> fases com base nas características <strong>dos</strong><br />
retábulos <strong>dos</strong> altares.<br />
62 Alguns autores preferem consi<strong>de</strong>rar que a cruz latina e conseqüentemente o<br />
transepto, só existem quando há corredores laterais se abrindo para a nave e<br />
ampliando seu espaço. Não compartilho <strong>de</strong>ssa opinião e tomo a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r<br />
que sempre que a capela mor é mais estreita do que a nave, que é o que acontece com<br />
praticamente todas as nossa <strong>igrejas</strong>, está caracterizada a cruz latina.<br />
54
é mais alto do que o da capela mor. Nas laterais há corredores<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes que contornam a nave e/ou a capela mor e vão até o<br />
fundo da igreja on<strong>de</strong> está a sacristia, em geral equipada com um<br />
pequeno altar, uma espécie <strong>de</strong> chafariz ou lavabo e um gran<strong>de</strong> móvel <strong>de</strong><br />
gavetões chamado arcaz. Esses corredores são atravessa<strong>dos</strong> por portas<br />
que ligam as laterais da nave com o exterior da igreja. Existem ainda<br />
dois cômo<strong>dos</strong> que em geral se posicionam nas laterais da capela mor: o<br />
consistório, on<strong>de</strong> a irmanda<strong>de</strong> fazia suas reuniões ordinárias e a Capela<br />
do Santíssimo.<br />
Outros corredores laterais, no alinhamento do transepto, <strong>às</strong><br />
vezes se abrem para o interior da nave comunicando-se com este<br />
através <strong>de</strong> largos arcos e formando quase que naves adicionais. A<br />
comunicação entre esses ambientes normalmente é feita através <strong>de</strong> três<br />
arcos e esses cômo<strong>dos</strong> contíguos se chamam trifórios. Em cima <strong>dos</strong><br />
corredores estão as tribunas abertas para a capela mor e/ou para a nave.<br />
Elas são acessadas por escadarias que começam nos corredores laterais<br />
antes da entrada da sacristia. Na parte oposta da capela mor está o coro,<br />
suspenso logo após a porta <strong>de</strong> entrada, aberto para a nave. Olhado <strong>de</strong><br />
baixo as vezes são retos e as vezes têm um formato em curvas,<br />
semelhante <strong>às</strong> bestas (aquelas geringonças <strong>antigas</strong> usadas para atirar<br />
flechas) também chamado <strong>de</strong> “arbaleta”. É muito comum o coro se<br />
posicionar como uma peça in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da nave formando o segundo<br />
andar <strong>de</strong> uma espécie <strong>de</strong> vestíbulo que prece<strong>de</strong> a nave (átrio). Suspenso<br />
<strong>de</strong> cada lado da nave estão os púlpitos. O do lado direito é o da epístola<br />
e o do lado esquerdo é o do evangelho. Casualmente um ou outro altar<br />
da nave é substituído por uma pequena capela recuada, não raro<br />
guarnecida por uma balaustrada ou porta <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira torneada.<br />
O risco da fachada do templo setecentista também segue um<br />
mo<strong>de</strong>lo mais ou menos padronizado. A igreja está erigida num plano<br />
mais elevado a que se chega galgando alguns <strong>de</strong>graus. Está à frente <strong>de</strong><br />
uma área livre (adro) completada por uma praça ou largo. O corpo<br />
principal da fachada é reto e quase quadrado (frontispício). As quinas<br />
das laterais (cunhais) são guarnecidas por pilastras expostas <strong>de</strong> pedra<br />
ou ma<strong>de</strong>ira em ângulo reto ou arredondado conforme a forma das<br />
torres. Há molduras guarnecendo a porta (ombreiras) bem como<br />
pilastras eqüidistantes entre as ombreiras e os cunhais e no mesmo<br />
alinhamento da parte interna das torres, fazendo parecer que elas são<br />
peças in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes do corpo principal da fachada. Há uma gran<strong>de</strong><br />
porta <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira no centro da fachada, emoldurada por arranjos<br />
dispostos nas ombreiras e mais carrega<strong>dos</strong> na parte superior (verga)<br />
55
formando um conjunto chamado portada. Acima da portada há uma<br />
abertura arredondada para entrada <strong>de</strong> luz (óculo). Em plano mais<br />
elevado, <strong>de</strong> cada lado da porta, há janelões ou sacadas guarnecidas <strong>de</strong><br />
balaustradas. A luz natural que ilumina o interior da nave é garantida<br />
por janelões ou óculos nas laterais do templo, dispostos na parte<br />
superior entre os altares laterais. Na capela mor a iluminação natural é<br />
garantida por óculos menores <strong>de</strong> formato irregular.<br />
A parte quadrada, em cujo centro está a porta <strong>de</strong> entrada, é<br />
separada da parte superior por uma trave exposta reta ou curva <strong>de</strong><br />
ma<strong>de</strong>ira ou pedra (cimalha) que corta a frente <strong>de</strong> fora a fora, pegando<br />
inclusive as colunas das torres e contornando o óculo. Às vezes é<br />
apenas uma espécie <strong>de</strong> beiral coberto <strong>de</strong> telhas. Em cima e no centro<br />
<strong>de</strong>ssa trave, à frente do telhado da nave, está uma pare<strong>de</strong> (empena) <strong>de</strong><br />
forma triangular <strong>de</strong> corte reto ou em curvas trabalhadas (frontão) com<br />
gran<strong>de</strong>s pinhas nas laterais (coruchéus). A parte <strong>de</strong> cima se alarga<br />
formando um pe<strong>de</strong>stal (acrotério) em cima do qual está uma cruz. Na<br />
parte central do frontão (tímpano) po<strong>de</strong> estar um óculo redondo ou<br />
irregular. Nas laterais está a parte <strong>de</strong> cima <strong>de</strong> duas torres quadradas ou<br />
redondas um pouco mais altas do que o frontão. Têm coberturas<br />
afuniladas, altas ou achatadas, redondas ou piramidadas, encimadas,<br />
cada uma, por uma cruz ou ponta (pináculo). Essa cobertura <strong>às</strong> vezes é<br />
revestida <strong>de</strong> telhas formando um telhado em quatro águas.<br />
Como exercício didático para ilustrar o quanto nossas <strong>igrejas</strong><br />
são variadas e refratárias à uma padronização, vamos examinar alguns<br />
casos em que elas não se enquadram nos mo<strong>de</strong>los acima.<br />
Igreja <strong>de</strong> N. S. do Ó <strong>de</strong> Sabará (1717) – A fachada é chanfrada e<br />
não reta. Há uma única torre e não há empena. A torre repousa sobre o<br />
próprio corpo principal da fachada. Esse mesmo traço po<strong>de</strong> ser<br />
observado em pelo menos mais quatro outras <strong>igrejas</strong> da região: a N. S.<br />
do Rosário <strong>de</strong> Santa Bárbara , a São Francisco <strong>de</strong> Caeté, a N. S. Rainha<br />
<strong>dos</strong> Anjos <strong>de</strong> Mariana e a Santa Quitéria <strong>de</strong> Catas Altas.<br />
Igreja <strong>de</strong> N. S. do Carmo <strong>de</strong> Mariana (1784) – As torres estão<br />
atrás do frontão e repousam sobre o corpo principal da fachada<br />
<strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> ser peças in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes coladas <strong>às</strong> laterais.<br />
Igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Assis <strong>de</strong> Ouro Preto (1766) – As<br />
torres estão posicionadas em plano diferente e atrás do corpo principal<br />
56
da fachada e seu respectivo frontão cujas extremida<strong>de</strong>s diferenciadas<br />
repousam diretamente nas colunas do corpo principal da fachada. Não<br />
há óculo. O <strong>de</strong>snível do plano das torres com o frontispício ocorre<br />
também na igreja <strong>de</strong> N. S. do Carmo, vizinha (também <strong>de</strong> 1766), porém<br />
nesta as laterais e bases <strong>de</strong> sustentação das torres são mais retilíneas.<br />
Ambos os riscos são do mestre Antônio Francisco Lisboa. Essa mesma<br />
disposição das torres po<strong>de</strong> ser encontrada em outra igreja <strong>de</strong> São<br />
Francisco <strong>de</strong> Assis, on<strong>de</strong> o Aleijadinho também trabalhou, a <strong>de</strong> São<br />
João <strong>de</strong>l Rei (1772).<br />
Outra particularida<strong>de</strong> interessante do plano arquitetônico da<br />
igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Assis <strong>de</strong> Ouro Preto são as sacadas laterais<br />
num plano elevado, se abrindo para o exterior.<br />
Igreja <strong>de</strong> N. S. do Rosário <strong>de</strong> Ouro Preto (1762) – A fachada é<br />
inteiramente arredondada e a curva do frontispício e a da base das<br />
torres formam um arco único. A porta não está postada no corpo da<br />
fachada mas sim no fundo <strong>de</strong> uma espécie <strong>de</strong> alpendre (galilé) que<br />
antece<strong>de</strong> a entrada da nave e que se liga ao exterior através <strong>de</strong> três<br />
aberturas encimadas por arcos perfeitos. Essa solução também existe na<br />
igreja <strong>de</strong> São Pedro <strong>dos</strong> Clérigos <strong>de</strong> Mariana, porém a forma elíptica<br />
pega apenas a nave, sendo a fachada inteiramente reta.<br />
Igreja <strong>de</strong> N. S. da Glória em Passagem (Mariana) – A torre fica<br />
ao nível do chão, do lado do portão <strong>de</strong> entrada no adro da igreja.<br />
Também po<strong>de</strong>mos observar essa disposição na capelinha do Padre<br />
Faria em Ouro Preto e na igreja da Confraria do Cordão <strong>de</strong> São<br />
Francisco em Santa Bárbara.<br />
Igreja <strong>de</strong> São João Batista <strong>de</strong> Barão <strong>de</strong> Cocais (1763) – Não há<br />
propriamente a cruz latina. A capela mor é da mesma largura da nave e<br />
tem forma arredondada, semelhante a uma absi<strong>de</strong>.<br />
Há inúmeras outras exceções, especialmente quando vamos nos<br />
afastando do perímetro Sabará/Ouro Preto/Mariana.<br />
Como salientamos antes, quando falamos das particularida<strong>de</strong>s<br />
do interior das <strong>igrejas</strong> setecentistas as diversida<strong>de</strong>s são<br />
significativamente maiores do que aquelas verificadas no plano exterior<br />
que, <strong>de</strong> resto, oferece mesmo muito menos espaço para exercício da<br />
57
criativida<strong>de</strong>. É então que preferimos falar <strong>de</strong> referências do que falar <strong>de</strong><br />
mo<strong>de</strong>los.<br />
Existe uma tipologia <strong>de</strong> altares e adornos que po<strong>de</strong> ser uma<br />
referência comparativa útil. 63 Os especialistas costumam i<strong>de</strong>ntificar três<br />
fases na trajetória barroca <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> altares e adornos internos<br />
das <strong>igrejas</strong> do século XVIII, em <strong>Minas</strong>. A primeira <strong>de</strong>las vai até 1740 e<br />
se caracteriza pelo uso <strong>de</strong> arcos concêntricos profusamente talha<strong>dos</strong><br />
(arquivoltas), emoldurando o frontal <strong>dos</strong> altares (retábulos). Estes se<br />
apresentam fundamente encrava<strong>dos</strong> nas grossas pare<strong>de</strong>s das naves<br />
formando verda<strong>de</strong>iras grutas. A composição da talha, via <strong>de</strong> regra,<br />
representa pequenas e abundantes figuras da fauna (zoomorfas) e da<br />
flora (fitomorfas) talhadas <strong>de</strong> forma mais superficial e <strong>de</strong>lgada. A<br />
imagem se apoia num trono mais baixo em formato <strong>de</strong> cântaro. Esses<br />
tipos são classifica<strong>dos</strong> genericamente como do estilo “nacional<br />
português”. Os exemplos mais característicos seriam os altares das<br />
<strong>igrejas</strong> <strong>de</strong> N. Senhora do Ó <strong>de</strong> Sabará (1717) e <strong>de</strong> N. S. <strong>de</strong> Nazaré <strong>de</strong><br />
Cachoeira do Campo (1725).<br />
A segunda fase vai até 1760 e se caracteriza pelo aparecimento<br />
do cortinado (<strong>dos</strong>sel) aberto no alto do retábulo, interrompendo ou<br />
encimando a volta do arco. Há normalmente duas colunas: uma interna<br />
que contorna o trono e uma externa que arremata o conjunto. Entre<br />
uma e outra coluna há dois nichos com imagens secundárias. A imagem<br />
principal passa a se apoiar num trono alto cujo comprimento se eleva<br />
<strong>de</strong> tal forma que resta pouco espaço entre ela e o arco. Os altares<br />
laterais ainda parecem encrava<strong>dos</strong> nas pare<strong>de</strong>s das naves, porém <strong>de</strong><br />
forma menos profunda do que na fase anterior. Boa parte do seu perfil<br />
avança para fora <strong>de</strong> forma mais generosa. A talha é mais profunda e<br />
rotunda enchendo os espaços com abundância e obesida<strong>de</strong>. Gor<strong>dos</strong><br />
anjinhos <strong>de</strong> corpo inteiro são exageradamente usa<strong>dos</strong>. As colunas são<br />
em geral torsas e robustas, enlaçadas <strong>de</strong> ramagens carregadas. Começam<br />
a surgir colunas retas, esculpidas em médio relevo como se fossem<br />
compri<strong>dos</strong> pe<strong>de</strong>stais (quartelas). Esses tipos <strong>de</strong> retábulo são<br />
i<strong>de</strong>ntifica<strong>dos</strong> como do estilo “d. João V”.<br />
63 A maioria <strong>dos</strong> registros sobre nossas <strong>igrejas</strong> barrocas, não diferenciam “altares” <strong>de</strong><br />
“retábulos”. Pessoalmente prefiro consi<strong>de</strong>rar que “altar” se refere ao conjunto<br />
ornamental como um todo e “retábulo” à parte da moldura externa que é exatamente<br />
a mais <strong>de</strong>corativa e trabalhada do conjunto. Portanto, o altar seria o conjunto formado<br />
basicamente pelo camarim, o trono e o retábulo.<br />
58
Na terceira fase, a partir <strong>de</strong> 1760, surge o rococó. O <strong>dos</strong>sel<br />
<strong>de</strong>saparece e o arco do retábulo passa a ser incompleto, interrompido<br />
por franjas (lambrequins), medalhões ou cobertos por semibaldaquinos<br />
ou falsos <strong>dos</strong>séis contorna<strong>dos</strong> por uma trave em arbaleta com<br />
lambrequins pingentes. Há dois tipos <strong>de</strong> colunas usadas<br />
simultaneamente: as torsas e <strong>de</strong>lgadas e as em forma <strong>de</strong> quartelas em<br />
médio relevo. Também estão enlaçadas por ramagens, porém elas são<br />
afiladas, simples filetes doura<strong>dos</strong>. Há sanefas acima do retábulo bem<br />
como altos dia<strong>de</strong>mas ou espaldares, especialmente nos altares laterais.<br />
Entre o plano externo e interno do retábulo aparece muitas vezes a<br />
superfície em forma <strong>de</strong> conchas invertidas. Nessa fase os altares laterais<br />
se apresentam encosta<strong>dos</strong> nas pare<strong>de</strong>s das naves como se fossem<br />
verda<strong>de</strong>iros moveis in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes. O talhe se torna menos profundo.<br />
Desaparecem as frutas e pássaros e em seu lugar surgem cabeças <strong>de</strong><br />
anjinhos compondo buquês, laços e flores. Os robustos anjinhos em<br />
corpo inteiro dão lugar a anjos longilíneos <strong>de</strong> conformação adulta. As<br />
figuras da Santíssima Trinda<strong>de</strong> aparecem com muita freqüência no alto<br />
do retábulo. Quase não há mais talha policromada mas sim frisos<br />
doura<strong>dos</strong> sobre fundo branco. A imagem continua a se apoiar numa<br />
alta coluna em forma <strong>de</strong> cascata com plataformas superpostas.<br />
Evi<strong>de</strong>ntemente não há unanimida<strong>de</strong> na aceitação <strong>de</strong>ssa<br />
tipologia. Alguns autores consi<strong>de</strong>ram que certos elementos da terceira<br />
fase são na verda<strong>de</strong> bastante primitivos, até mesmo anteriores à<br />
primeira fase, posto que muito comuns nas <strong>igrejas</strong> <strong>dos</strong> séculos XVI e<br />
XVII: as sanefas, baldaquinos e arcos frisa<strong>dos</strong>, por exemplo. Por outro<br />
lado, a cronologia das fases mencionadas é aplicável mais à região do<br />
triângulo entre Sabará, Vila Rica e São João <strong>de</strong>l Rei, pois, como se verá<br />
adiante, em Diamantina as <strong>igrejas</strong>, embora tenham sido construídas<br />
mais tar<strong>de</strong>, obe<strong>de</strong>cem predominantemente ao estilo da segunda fase.<br />
Especialmente no antigo arraial do Tijuco as fachadas <strong>dos</strong> templos são<br />
muito peculiares, fugindo bastante do mo<strong>de</strong>lo traçado há pouco. Lá<br />
encontramos invariavelmente, <strong>igrejas</strong> com torre única colocada à<br />
direita, à esquerda e até atrás <strong>dos</strong> templos. Predominam as fachadas <strong>de</strong><br />
sentido longitudinal, representado pela linha que vai da ponta da torre<br />
lateral até o pé do frontispício no lado oposto. Essa parece ser uma<br />
influência advinda principalmente das <strong>igrejas</strong> jesuíticas do nor<strong>de</strong>ste,<br />
on<strong>de</strong> é comum se ver <strong>igrejas</strong> com uma única torre lateral. É claro que<br />
na região sul do estado, existem numerosas <strong>igrejas</strong> <strong>de</strong> torre única mas<br />
essas muitas vezes resultaram <strong>de</strong> adaptações por falta <strong>de</strong> recursos,<br />
sobre projetos originais <strong>de</strong> torres duplas. É o caso das <strong>igrejas</strong> <strong>de</strong> São<br />
59
José e Mercês e Misericórdia <strong>de</strong> Ouro Preto. Também estão postadas<br />
normalmente no centro do frontispício, repudiando o sentido<br />
longitudinal comum nas <strong>igrejas</strong> da região <strong>de</strong> Diamantina. Mas,<br />
evi<strong>de</strong>ntemente, nem todas as <strong>igrejas</strong> <strong>de</strong> torre única da região mais<br />
central do Estado, usaram essa solução por falta <strong>de</strong> recursos. Fazem<br />
notável exceção à essa condição fortuita, capelinhas <strong>de</strong> frente chanfrada<br />
como a já citada capelinha do Ó <strong>de</strong> Sabará cuja torre única é parte<br />
harmônica do projeto global original do corpo da capela, servindo o<br />
triângulo exatamente <strong>de</strong> base para a torre única.<br />
Até a região <strong>de</strong> São João <strong>de</strong>l Rei, tão próxima a Ouro Preto e<br />
com artistas comuns, tem algumas características típicas marcantes tais<br />
como: óculos redon<strong>dos</strong> exageradamente reticula<strong>dos</strong> (Carmo e São<br />
Francisco <strong>de</strong> São João <strong>de</strong>l Rei e Santo Antônio <strong>de</strong> Tira<strong>de</strong>ntes), braços<br />
<strong>de</strong> cabeça <strong>de</strong> águia sustentando can<strong>de</strong>labros à frente <strong>dos</strong> altares laterais<br />
(Carmo e São Francisco <strong>de</strong> S. João <strong>de</strong>l Rei, Santo Antônio <strong>de</strong><br />
Tira<strong>de</strong>ntes e a matriz <strong>de</strong> Pra<strong>dos</strong>), ausência <strong>de</strong> torres (Mercês, São João<br />
Evangelistas e São Francisco <strong>de</strong> Paula <strong>de</strong> Tira<strong>de</strong>ntes).<br />
Essas características regionais po<strong>de</strong>m ser notadas até mesmo na<br />
região <strong>de</strong> Congonhas/Lafaiete/Barbacena, ainda mais próxima da<br />
região <strong>de</strong> Ouro Preto/Mariana, on<strong>de</strong> se po<strong>de</strong> observar traços comuns<br />
como as naves sem balaustradas laterais separando os altares do recinto<br />
central 64 e o piso num plano único pegando toda a nave e a capela<br />
mor, bem como a ausência <strong>de</strong> assoalhos. 65<br />
Mesmo entre Diamantina e Serro há particularida<strong>de</strong>s subregionais.<br />
Por exemplo: enquanto as <strong>igrejas</strong> <strong>de</strong> Diamantina ten<strong>de</strong>m ao<br />
traçado longitudinal, as do Serro são predominantemente verticais, com<br />
suas altas e <strong>de</strong>lgadas torres. 66<br />
64 Em alguns casos, como na igreja <strong>de</strong> Bom Jesus <strong>de</strong> Matosinhos <strong>de</strong> Congonhas e<br />
matriz <strong>de</strong> Santo Antônio <strong>de</strong> Ouro Branco, há balaustrada apenas em frente à capela<br />
mor, separando os altares colaterais do resto da nave.<br />
65 Praticamente todas as <strong>igrejas</strong> <strong>de</strong>sta região apresentam hoje pisos em ladrilho<br />
hidráulico que substituíram antigos assoalhos e suas balaustradas que foram retira<strong>dos</strong><br />
quando da exumação <strong>de</strong> corpos sepulta<strong>dos</strong> segundo o costume antigo. Ou seja, a<br />
turma daqui foi mais radical retirando <strong>de</strong> uma só vez, os corpos e o assoalho.<br />
66 As fachadas das <strong>igrejas</strong> do Serro seguem um padrão mais variado do que o <strong>de</strong><br />
Diamantina.<br />
60
Cada uma das três fases típicas durou poucas décadas, assim<br />
não houve tempo <strong>de</strong> se produzir tipos puros característicos <strong>de</strong> uma ou<br />
outra igreja. Mesmo porque, como dissemos, a maioria <strong>dos</strong> nossos<br />
templos setecentistas levou <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> anos para ficar pronta. Assim, o<br />
que se vê com mais freqüência são <strong>igrejas</strong> com altares das mais diversas<br />
fases e até mesmo uma mesma peça incorporando, quase sempre <strong>de</strong><br />
forma harmoniosa, elementos característicos <strong>de</strong> cada uma das fases<br />
<strong>de</strong>scritas. Enfim, os artistas construtores e embelezadores <strong>de</strong> <strong>igrejas</strong><br />
mineiros foram mesmo notáveis por sua criativida<strong>de</strong> e capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
misturar estilos e referências, produzindo adaptações competentes. É<br />
isso que faz nosso barroco tão rico e transforma cada igreja num museu<br />
à parte e que vale a pena visitar por mais <strong>de</strong> uma vez.<br />
Concretamente, especialmente em relação aos retábulos, é difícil<br />
encontramos tipos puros <strong>de</strong> <strong>dos</strong>sel ou arquivoltas. Assim, na maioria<br />
das vezes os cortina<strong>dos</strong> <strong>dos</strong> <strong>dos</strong>séis acabam virando semibaldaquinos<br />
alonga<strong>dos</strong>, as arquivoltas acabam interrompidas por tarjas ou<br />
medalhões e estes, por sua vez, acabam estica<strong>dos</strong> para os la<strong>dos</strong>, virando<br />
folhas <strong>de</strong> cortina<strong>dos</strong>. Por isso é que muitas vezes preferimos i<strong>de</strong>ntificar<br />
certos tipos como “falso” <strong>dos</strong>sel ou “falsa” arquivolta ou “tipo<br />
oratório”. Em alguns casos optamos por não usar o adjetivo que,<br />
certamente não é pejorativo, preferindo dizer “ten<strong>de</strong>ndo para”.<br />
Na verda<strong>de</strong>, acho apropriado reconhecer a existência <strong>de</strong> uma<br />
quarta categoria <strong>de</strong> retábulos que não tem absolutamente nenhuma<br />
característica das principais referências listadas acima. São altares que<br />
apresentam um arco completo, ininterrupto, sem nenhum adorno<br />
especial no coroamento do arco e que estão emoldura<strong>dos</strong> geralmente<br />
por discretas colunas em quartela esculpida em baixo relevo.<br />
Normalmente é dado especial <strong>de</strong>staque aos recortes da janela do<br />
camarim, com o uso <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s lavores doura<strong>dos</strong> tentando salvar a<br />
penúria do conjunto. Não há sanefas e o conjunto avança compacto até<br />
o teto. Há uma versão mais sofisticada <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> altar na capelinha<br />
da Serra da Pieda<strong>de</strong>.<br />
Cronologicamente este tipo se situa no último quarto <strong>de</strong> século<br />
XVIII, quando o estilo <strong>dos</strong> altares setecentista mineiros caminhava para<br />
uma gran<strong>de</strong> simplificação e a talha se tornava obra mais <strong>de</strong> carpinteiro<br />
do que <strong>de</strong> toreuta. Em alguns templos essa simplificação <strong>de</strong>u lugar a um<br />
maior uso <strong>de</strong> tintas fortes sobre fun<strong>dos</strong> em tons pastéis. Em muitos<br />
casos nem sequer há entalhes, sendo as colunas, consolos e arquitraves,<br />
simplesmente pintadas com técnicas ingênuas que sequer conseguem<br />
61
criar ilusão <strong>de</strong> volumes. Esse tipo talvez nem seja mesmo um retábulo e<br />
sim um altar apainelado. É típico das <strong>igrejas</strong> mais pobres do final do<br />
século que, afinal, também empobrecia. É a esses tipos que chamo <strong>de</strong><br />
“tipo oratório” pois o retábulo é como se fosse a frente <strong>de</strong> uma simples<br />
caixa <strong>de</strong>corada, emoldurando o camarim e guardando o recinto do<br />
trono, exatamente como acontece com os oratórios. A rigor, este tipo é<br />
antiguíssimo, <strong>de</strong> origem medieval e que po<strong>de</strong> ser encontrado em <strong>igrejas</strong><br />
brasileira <strong>dos</strong> séculos XVI e XVII. Porém, esses remotos exemplares<br />
são muito ricos, com talha caprichada e muito uso <strong>de</strong> dourado e<br />
policromia variada 67 .<br />
Enfim, reforçando o que já foi dito, os vários tipos <strong>de</strong> soluções<br />
e adornos disponíveis foram usa<strong>dos</strong> <strong>de</strong> forma indistinta ao longo <strong>de</strong><br />
todo o setecentos. Assim, não existem tipos puros e <strong>de</strong>sta forma<br />
consolos, pilastras retas misuladas (quartelas), colunas salomônicas<br />
(torsas) com superfície entre a base e o capitel (fuste) lisa ou estriada,<br />
anjos, atlantes, lavores, conchas, baldaquinos, sanefas, espaldares,<br />
dia<strong>de</strong>mas, medalhões, tarjas, frisos, lambrequins; etc, etc, etc; foram<br />
combina<strong>dos</strong> e recombina<strong>dos</strong> das mais diversas maneiras, ao sabor do<br />
gosto irrequieto das mesas das irmanda<strong>de</strong>s barrocas na sua ânsia <strong>de</strong><br />
excitar os espíritos, girar a natureza e superar as irmanda<strong>de</strong>s<br />
concorrentes.<br />
Também em relação à pintura usada na <strong>de</strong>coração das <strong>antigas</strong><br />
<strong>igrejas</strong> mineiras é possível <strong>de</strong>linear-se pelo menos dois tipos<br />
característicos. Na primeira fase, que vai aproximadamente até 1750,<br />
não existem ainda as gran<strong>de</strong>s cenas pintadas no forro da capela mor ou<br />
da nave. Predominam pinturas <strong>de</strong> menores dimensões enquadradas nas<br />
molduras <strong>dos</strong> tetos artesoa<strong>dos</strong> ou em molduras nas pare<strong>de</strong>s da capela<br />
mor. Os elementos puramente <strong>de</strong>corativos disputam espaço com<br />
elementos cênicos que muitas vezes nem têm motivos religiosos. O<br />
recurso <strong>de</strong>corativo <strong>de</strong> gosto oriental é muito usado. A fase seguinte é<br />
marcada pela influência <strong>dos</strong> tetos ilusionistas do italiano Andrea Pozzo.<br />
É então que surgem as majestosas pinturas <strong>de</strong> tetos <strong>de</strong> Manuel da Costa<br />
Ataí<strong>de</strong> e José Soares <strong>de</strong> Araújo e a bela pintura <strong>de</strong>corativa<br />
67 O retábulo mor da matriz <strong>de</strong> Itabirito aproxima-se um pouco <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> oratório<br />
mais antigo com sua talha dourada mais trabalhada.<br />
62
genuinamente rococó <strong>de</strong> Sivestre <strong>de</strong> Almeida Lopes. Cada um <strong>de</strong>sses<br />
autores tipifica um estilo marcante que influencia seguidores menores.<br />
A pintura <strong>de</strong> Ataí<strong>de</strong> é luminosa, gloriosa, <strong>de</strong> genial criativida<strong>de</strong><br />
pictórica que usa elementos arquitetônicos <strong>de</strong> forma secundária. José<br />
Soares <strong>de</strong> Araújo, inspirado na pintura das <strong>igrejas</strong> da Bahia, faz o<br />
contrário. As caprichosas e <strong>de</strong>nsas pilastras e parapeitos em tons<br />
sombrios são o traço dominante em sua composição. A cena é que é<br />
secundária. O pintor mulato Silvestre <strong>de</strong> Almeida Lopes abre uma<br />
terceira via. Sua pintura é mundana, <strong>de</strong>corativa. Seu retrato está <strong>de</strong>ntro<br />
<strong>de</strong> um medalhão, cheio <strong>de</strong> resplan<strong>de</strong>centes elementos rococós a alegrar<br />
os tetos das sacristias e capelas. O uso <strong>de</strong> peças arquitetônicas é<br />
simplificado e elas tomam a forma <strong>de</strong> pequenos parapeitos<br />
contornando a cena central, nas cercanias da cimalha. O pintor<br />
sabarense Joaquim Gonçalves da Rocha, autor do forro da nave do<br />
Carmo, em sua terra natal, se aproxima <strong>de</strong>ste mesmo estilo <strong>de</strong><br />
composição. Convém não esquecer Francisco Xavier Carneiro,<br />
Bernardo Pires da Silva e João Nepomuceno Correia e Castro,<br />
<strong>de</strong>staca<strong>dos</strong> mestres da pintura rococó mineira com seus corretos<br />
parapeitos e cercaduras em rocalhas, contemporâneos ou precursores<br />
<strong>de</strong> Ataí<strong>de</strong>.<br />
Enfim, existem pinturas competentes a adornar várias das<br />
nossas <strong>igrejas</strong> e muitas vezes elas são o elemento mais valioso mas,<br />
infelizmente, a gran<strong>de</strong> maioria <strong>de</strong>las permanece obra <strong>de</strong> autor<br />
<strong>de</strong>sconhecido. Também encontramos uma infinida<strong>de</strong> <strong>de</strong> obras<br />
pictóricas ingênuas e <strong>de</strong> técnica pouco apurada em muitas <strong>dos</strong> nossos<br />
templos antigos. Verda<strong>de</strong>iramente, é nas pinturas das <strong>igrejas</strong> on<strong>de</strong> mais<br />
se acentua o diferencial <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> do trabalho <strong>dos</strong> nossos artistas<br />
setecentistas. Para completar, foi nas pinturas on<strong>de</strong> mais ocorreram<br />
mutilações mo<strong>de</strong>rnizantes cometidas nos séculos XIX e XX. E hoje<br />
temos que conviver com as armas do império no teto da nave da Sé <strong>de</strong><br />
Mariana, pintado originalmente em 1750.<br />
Em vista <strong>de</strong>ssa gran<strong>de</strong> diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> referências que<br />
<strong>de</strong>screvemos, envolvendo retábulos, fachadas e pinturas é que sou<br />
levado a afirmar que nossas <strong>igrejas</strong> carregam distinções <strong>de</strong> natureza<br />
regional. Mas, sem dúvida, o barroco mineiro forma um conjunto com<br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e características gerais nitidamente <strong>de</strong>finidas e os mo<strong>de</strong>los e<br />
referências que traçamos tangenciam o perfil <strong>de</strong>ssa realida<strong>de</strong>. O ponto<br />
crucial que fermentou tal i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, a nosso ver, é o relativo<br />
63
distanciamento que os templos da região das minas guardaram do<br />
mo<strong>de</strong>lo jesuítico e do estilo típico <strong>dos</strong> templos <strong>dos</strong> conventos das<br />
or<strong>de</strong>ns primeira. Estes - pela origem e formação <strong>de</strong> seus criadores,<br />
normalmente religiosos intimamente liga<strong>dos</strong> a uma robusta e persistente<br />
formação erudita europeia - a partir <strong>dos</strong> mo<strong>de</strong>los <strong>dos</strong> templos <strong>dos</strong><br />
séculos XVI e XVII, projetaram uma trajetória retrógrada nos templos<br />
<strong>dos</strong> séculos XVIII nas regiões litorâneas <strong>de</strong> colonização mais antiga,<br />
especialmente na Bahia e nor<strong>de</strong>ste.<br />
Um exame a alguns <strong>dos</strong> mais belos templos brasileiros <strong>de</strong> século<br />
XVIII e anteriores <strong>de</strong> outros esta<strong>dos</strong> brasileiros, reforça essa assertiva.<br />
Pela localização próxima aos portos, os construtores <strong>de</strong> igreja daquelas<br />
regiões, ao contrário <strong>dos</strong> mineiros, tinham facilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> importar<br />
materiais e adornos <strong>de</strong> seus reinos. 68 Assim, as <strong>igrejas</strong> <strong>antigas</strong> localizadas<br />
próximas ao litoral recorreram abundantemente <strong>às</strong> peças <strong>de</strong> azulejaria<br />
vindas da Itália e <strong>de</strong> Portugal, coisa muito rara em <strong>Minas</strong>. Nas<br />
montanhas, longe da costa e com caminhos precários, tiveram que ser<br />
criadas soluções com materiais e técnicas auxiliares <strong>de</strong> concepção local.<br />
Por exemplo, varieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pedras rústicas que se apren<strong>de</strong>u a cortar<br />
com maestria e originalida<strong>de</strong>. 69<br />
Nos templos do litoral em geral, principalmente os que tiveram<br />
suas construções iniciadas nos séculos anteriores ao setecentos,<br />
observamos fortes resquícios renascentistas e do rico barroco italiano,<br />
com uso abundante do mármore, pilastras retas imponentes, profusão<br />
<strong>de</strong> naves, pisos resplan<strong>de</strong>centes e galilés; coisas igualmente raras ou<br />
mesmo inexistentes nas <strong>igrejas</strong> mineiras. Naqueles templos predomina<br />
um barroco muito mais ligado à forte influência <strong>de</strong> Bernini e Borromini<br />
do que ao barroco mais simplificado da Península Ibérica que foi o que<br />
alimentou mais diretamente a arte religiosa mineira do século XVIII.<br />
Individualmente, com algumas exceções, os templos do ouro <strong>de</strong><br />
<strong>Minas</strong> Gerais não são particularmente <strong>de</strong>slumbrantes. Não há nada que<br />
se compare ao Convento <strong>de</strong> São Francisco e à Basílica <strong>de</strong> Salvador na<br />
68 Diz-se que a igreja da Conceição da Praia da Bahia foi construída na Europa e<br />
literalmente <strong>de</strong>smontada e remontada no Brasil, peça por peça.<br />
69 Na falta <strong>de</strong> azulejos, Ataí<strong>de</strong> teve que criar pinturas imitando-os, como vemos na<br />
igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Assis Ouro Preto. Outro artista fez o mesmo no Carmo <strong>de</strong><br />
Sabará.<br />
64
Bahia com seus magníficos traços do barroco italiano ainda<br />
impregnado <strong>de</strong> heranças renascentistas ou com as <strong>igrejas</strong> <strong>dos</strong> mosteiros<br />
<strong>de</strong> São Bento e a <strong>de</strong> São Francisco da Penitência no Rio <strong>de</strong> Janeiro. Mas<br />
tudo isso é cultura europeia colonialista aproveitando as riquezas do<br />
além-mar para glorificar o po<strong>de</strong>r das or<strong>de</strong>ns primeiras. Naquelas plagas<br />
há um forte cordão umbilical ligando suas <strong>igrejas</strong> à estética mística da<br />
igreja <strong>de</strong> Gesú, o esplendoroso quartel general <strong>dos</strong> Jesuítas em Roma. 70<br />
As <strong>igrejas</strong> mineiras do século XVIII são sobretudo expressivas e<br />
mais, formam um conjunto que projeta com niti<strong>de</strong>z a época e o lugar<br />
que lhes <strong>de</strong>u berço. O que as faz grandiosas é sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> cultural e<br />
sua inserção harmoniosa em uma época gloriosa, a qual ilustram com<br />
absoluta proprieda<strong>de</strong> e da qual são o marco fisicamente robustecido a<br />
enfrentar, através <strong>dos</strong> séculos, a ignorância e o <strong>de</strong>scaso. O acervo<br />
mineiro tem forte sustentação histórica e isso é peculiar. Como<br />
conjunto é insuperável e representa o mais expressivo movimento<br />
brasileiro <strong>de</strong> arte <strong>de</strong> to<strong>dos</strong> os tempos, gran<strong>de</strong>mente admirado pelos<br />
próprios mo<strong>de</strong>rnistas <strong>de</strong> vinte e dois, principais responsáveis pelo<br />
resgate da cultura mineira do século XVIII.<br />
Tudo isso parece ainda mais espetacular se lembramos que as<br />
<strong>igrejas</strong> mineiras foram construídas pelas irmanda<strong>de</strong>s que tinham atrás<br />
<strong>de</strong> si - ainda que <strong>de</strong> forma rigidamente estratificada - o povo:<br />
mineradores, comerciantes, artesãos e até escravos.<br />
Notem que as <strong>igrejas</strong> do litoral su<strong>de</strong>ste e do nor<strong>de</strong>ste são<br />
essencialmente partes <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s complexos conventuais on<strong>de</strong> a capela,<br />
ainda que muitas vezes majestosa, era apenas uma <strong>de</strong>pendência <strong>de</strong>stes<br />
palácios monásticos. As <strong>igrejas</strong> mineiras são edifícios singulares,<br />
majestosos em si mesmos, geralmente localiza<strong>dos</strong> em praças, nos<br />
centros das povoações, permanentemente abertos para o povo.<br />
Cronologia <strong>dos</strong> templos, uma dificulda<strong>de</strong>.<br />
É usual aos pesquisadores das <strong>igrejas</strong> <strong>antigas</strong>, o lamento pela<br />
escassez <strong>de</strong> documentos que comprovem as autorias e as datas em que<br />
70 Embora como se sabe, as or<strong>de</strong>ns primeiras fossem proibidas <strong>de</strong> se instalar em<br />
<strong>Minas</strong>, elas não eram impedidas <strong>de</strong> garimpar esmolas nas vilas do ouro, inclusive<br />
mantendo estabelecimentos exclusivamente volta<strong>dos</strong> para isso. Vai daí que o ouro <strong>de</strong><br />
<strong>Minas</strong> muito contribuiu para embelezar também templos franciscanos, beneditinos e<br />
jesuítas no litoral.<br />
65
elas foram erguidas ou sofreram algum tipo <strong>de</strong> intervenção mais<br />
radical. Os documentos sempre foram minuciosamente gera<strong>dos</strong> sob a<br />
forma <strong>de</strong> atas, recibos, estatutos; já que as <strong>igrejas</strong> eram, em sua maioria,<br />
erigidas e mantidas por socieda<strong>de</strong>s civis como era o caso das<br />
irmanda<strong>de</strong>s. Mas eles foram se per<strong>de</strong>ndo ao longo do tempo por<br />
<strong>de</strong>scuido ou ignorância <strong>de</strong> quem <strong>de</strong>veria zelar por eles. Na verda<strong>de</strong>, a<br />
maioria das datas hoje utilizadas não são seguras para atestar o grau <strong>de</strong><br />
antiguida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma igreja ou em que ponto do século XVIII ela po<strong>de</strong><br />
ser catalogada. Muitas vezes uma data aceita como sendo a da<br />
construção <strong>de</strong> uma igreja, marca apenas o ano em que a irmanda<strong>de</strong> que<br />
a construiu se reuniu e fez constar em ata sua intenção <strong>de</strong> fazê-lo,<br />
po<strong>de</strong>ndo a construção só ter sido efetivamente iniciada alguns anos<br />
<strong>de</strong>pois. Também uma data po<strong>de</strong> se referir a uma construção anterior<br />
há muito <strong>de</strong>molida e não a que acabou por chegar até os nossos dias.<br />
Com vimos, a maioria das <strong>igrejas</strong> setecentista foram erigidas em<br />
substituição a capelinhas mais <strong>antigas</strong> a que suce<strong>de</strong>ram no mesmo lugar<br />
e em nome do mesmo orago. Assim, <strong>de</strong>vemos ter uma certa cautela em<br />
lidar com datas como referência à história das <strong>igrejas</strong>, mesmo em<br />
relação àquelas mais conhecidas e aceitas.<br />
Em geral, as datas aqui registradas são aquelas que me<br />
pareceram mais verossímeis, lastreadas em documentos,<br />
acontecimentos históricos notórios, características dominantes ou<br />
mesmo na tradição e que não se referem, necessariamente, ao início da<br />
construção <strong>de</strong> cada igreja. Também vale lembrar, mais uma vez, que as<br />
construções podiam levar várias décadas até serem concluídas. Isso faz<br />
com que os documentos disponíveis revelem as mais diversas datas <strong>de</strong><br />
início ou conclusão <strong>de</strong> construções e reformas das várias peças que<br />
compõem uma igreja barroca, o que contribui para gerar mais confusão<br />
sobre a cronologia das <strong>igrejas</strong>. Enfim, seria uma ingenuida<strong>de</strong> pensarmos<br />
que as <strong>igrejas</strong> <strong>antigas</strong> que chegaram aos nossos dias foram erigidas em<br />
poucos anos e se preservaram até hoje, tal qual foram criadas. Todas<br />
elas passaram por inúmeras reformas, algumas preservando o estado<br />
anterior e outras modificando-o com critérios mo<strong>de</strong>rnizadores.<br />
Dificulda<strong>de</strong>s existem, mas vamos tentar estabelecer alguns<br />
marcos. Comecemos lembrando que em 1724 uma carta régia elevou<br />
várias <strong>igrejas</strong> mineiras à condição <strong>de</strong> matrizes, habilitadas a disporem <strong>de</strong><br />
vigários cola<strong>dos</strong>. Os atuais registros cronológicos <strong>de</strong> muitas <strong>de</strong>ssas<br />
<strong>igrejas</strong>, no entanto, situam sua fundação em data anterior àquela. Faz<br />
66
sentido já que muitas construções atuais foram precedi<strong>dos</strong> por outras,<br />
mais singelas, erguidas pelos primitivos moradores e que começavam<br />
geralmente como simples abrigos das imagens <strong>dos</strong> santos que<br />
trouxeram consigo como se fossem pessoas da família. Não obstante, já<br />
estavam aptas a serem matrizes nas rústicas plagas mineiras do primeiro<br />
quarto do século XVIII. 71 Na verda<strong>de</strong>, o foco da carta régia que criou as<br />
primeiras matrizes mineiras em 1724, não era propriamente as <strong>igrejas</strong> e<br />
sim os locais on<strong>de</strong> <strong>de</strong>veriam ser implantadas as se<strong>de</strong>s das paróquias.<br />
Assim, o dito documento real i<strong>de</strong>ntifica poucos templos on<strong>de</strong> <strong>de</strong>veriam<br />
ser instaladas as se<strong>de</strong>s das vigararias. São eles a igreja <strong>de</strong> Santo Antônio<br />
da Vila <strong>de</strong> São José <strong>de</strong>l Rei, a igreja <strong>de</strong> N. S. <strong>de</strong> Nazaré da Cachoeira do<br />
Campo e a igreja <strong>de</strong> N. S. da Conceição <strong>de</strong> Antônio Dias. A todas essas<br />
se po<strong>de</strong>, portanto, atribuir a data <strong>de</strong> fundação como anterior a 1724.<br />
Partindo do princípio <strong>de</strong> que as <strong>de</strong>mais <strong>igrejas</strong> pertencentes <strong>às</strong><br />
paróquias citadas na dita carta régia sejam as matrizes que chegaram até<br />
os nosso dias, po<strong>de</strong>mos incluir ainda nesse grupo primitivo as seguintes<br />
<strong>igrejas</strong>: igreja <strong>de</strong> N. S. da Conceição da Vila do Ribeirão do Carmo que<br />
<strong>de</strong>pois virou a Sé <strong>de</strong> N. S. da Assunção, igreja do Pilar da Vila <strong>de</strong> São<br />
João <strong>de</strong>l Rei, igreja <strong>de</strong> N. S. do Bom Sucesso da Vila Nova da Rainha<br />
do Caeté, igreja <strong>de</strong> N. S. da Conceição <strong>de</strong> Catas Altas, igreja <strong>de</strong> N. S. da<br />
Conceição da Vila do Príncipe do Serro Frio, igreja <strong>de</strong> Santo Antônio<br />
do Ouro Branco, igreja <strong>de</strong> N. S. da Conceição da Vila do Sabará, igreja<br />
do Pilar <strong>de</strong> Vila Rica do Ouro Preto, igreja <strong>de</strong> Santo Antônio <strong>de</strong> Santa<br />
Bárbara, igreja <strong>de</strong> N. S. da Conceição <strong>dos</strong> Raposos. Todas essas, com<br />
certeza, tiveram sua fundação no primeiro quarto do século XVIII e<br />
muito provavelmente nasceram com um telhado <strong>de</strong> palha sustentado<br />
por estacas, meias pare<strong>de</strong>s <strong>de</strong> barro guarnecendo as laterais e um<br />
tabuleiro <strong>de</strong> paus servindo <strong>de</strong> trono para um altar portátil.<br />
Mas todas as imprecisões relacionadas <strong>às</strong> datas <strong>de</strong> fundações das<br />
<strong>igrejas</strong> <strong>de</strong>vem ser aplainadas <strong>de</strong> alguma forma e <strong>de</strong>ve ser estabelecido<br />
algum ponto no tempo, pois uma referência cronológica é indispensável<br />
ao trato sistemático do nosso assunto e ao norteamento <strong>dos</strong> rumos da<br />
nossa viagem.<br />
Seguramente o leitor, ao consultar fontes distintas <strong>de</strong> maior ou<br />
menor erudição, vai encontrar datas diversas das que aqui utilizamos.<br />
71 É provável que até 1710 todas as <strong>igrejas</strong> mineiras fossem ru<strong>de</strong>s choupanas <strong>de</strong> pau-apique<br />
e cobertas <strong>de</strong> folhas <strong>de</strong> palmito barreadas.<br />
67
É relevante registrar ainda, que alguns historiadores, basea<strong>dos</strong><br />
nas <strong>de</strong>scrições das construções do início do século XVIII e nos<br />
registros das profissões da época, duvidam que qualquer das <strong>igrejas</strong><br />
setecentistas atualmente preservadas, tenham tido sua construção<br />
efetivamente iniciada antes <strong>de</strong> 1725. A explicação é que somente no<br />
segundo quarto do setecentos é que começaram a aparecer construtores<br />
e artesãos com competência e conhecimento para erguer e ornamentar<br />
templos com as características que vemos hoje. Mas, para eles, isso não<br />
quer dizer que qualquer data anterior a 1725, atribuída a qualquer das<br />
nossas <strong>igrejas</strong> setecentistas, seja falsa. Quer dizer, exatamente, que tais<br />
datas adotaram como referência algum fragmento primitivo que<br />
antece<strong>de</strong>u à conformação das características atualmente dominantes<br />
num templo. Diriam respeito a coisas como uma pare<strong>de</strong>, uma laje ou<br />
um lavabo, cujos resquícios eventualmente ainda pu<strong>de</strong>ram ser<br />
i<strong>de</strong>ntifica<strong>dos</strong> quando do cadastramento cronológico.<br />
De qualquer forma, não tenho dúvidas que <strong>igrejas</strong> como a Sé <strong>de</strong><br />
Mariana, a igrejinha do Ó e a matriz <strong>de</strong> N. S. da Conceição <strong>de</strong> Sabará<br />
ou a Matriz <strong>de</strong> Raposos, tenham muitas <strong>de</strong> suas características atuais<br />
oriundas <strong>de</strong> obras do primeiro quinto do setecentos e ainda<br />
autenticamente preservadas. Suas grossas pare<strong>de</strong>s <strong>de</strong> taipa <strong>de</strong> sebe ou<br />
<strong>de</strong> pilão, suas naves com trifório ou seus retábulos em arquivoltas são<br />
<strong>de</strong> certo muito primitivos. Não po<strong>de</strong>mos comparar a arquitetura<br />
religiosa com a arquitetura das habitações comuns que, àquela altura do<br />
século XVIII, eram <strong>de</strong>stinadas a abrigar ru<strong>de</strong>s aventureiros ainda no<br />
principio das suas aventuras. 72 Na verda<strong>de</strong>, foram as próprias <strong>igrejas</strong><br />
que serviram <strong>de</strong> lastro para o surgimento <strong>de</strong> povoa<strong>dos</strong> mais perenes<br />
com habitações mais sólidas e caprichadas. Ou seja, as <strong>igrejas</strong><br />
prece<strong>de</strong>ram em muitos anos a arquitetura civil em qualida<strong>de</strong> e soli<strong>de</strong>z.<br />
Por outro lado, é leviano dizer que não havia artesãos competentes no<br />
início da povoação das <strong>Minas</strong> Gerais com base apenas em registros<br />
precários e incompletos contendo cadastros <strong>de</strong> membros das<br />
corporações <strong>de</strong> ofício existentes naquela época. Além do que, a<br />
profissão não i<strong>de</strong>ntifica a competência do profissional nem o alcance<br />
do escopo da sua capacida<strong>de</strong>. Não esquecendo também que, naquela<br />
época, eram poucas as profissões regulamentadas e sob a <strong>de</strong>nominação<br />
72 Um registro do Códice Matoso conta que, quando Antônio <strong>de</strong> Albuquerque<br />
instalou a Câmara <strong>de</strong> Vila Rica, em 1710, havia uma única casa <strong>de</strong> telhas em toda a<br />
vila e foi nela que teve lugar a instalação da câmara.<br />
68
<strong>de</strong> “artes mecânicas” se abrigavam as mais variadas categorias<br />
profissionais.<br />
Mas <strong>de</strong> qualquer forma, é muito provável que antes <strong>de</strong> 1710<br />
nossas <strong>igrejas</strong> não passassem <strong>de</strong> choupanas que, ao longo do século,<br />
foram sofrendo melhorias contínuas, muitas das quais alcançaram<br />
nossos dias. Corroborando essa i<strong>de</strong>ia permitam-me transcrever<br />
<strong>de</strong>poimentos esparsos <strong>de</strong> antigos conquistadores das <strong>Minas</strong>,<br />
cataloga<strong>dos</strong> no Códice Matoso e que dá a imagem <strong>dos</strong> nossos templos<br />
no princípio do século XVIII:<br />
“[...] A igreja eram quatro forquilhas, forrada <strong>de</strong> esteira <strong>de</strong> taquara e coberta <strong>de</strong><br />
palha [...]. Mariana tinha outra capela <strong>de</strong> mesmo feitio”.<br />
“Morava em São Caetano um coronel que a sua capela era coberta <strong>de</strong> pau <strong>de</strong><br />
palmito em lugar <strong>de</strong> telhas”.<br />
Uma dificulda<strong>de</strong> adicional <strong>de</strong> catalogação <strong>dos</strong> nossos templos é<br />
a i<strong>de</strong>ntificação <strong>dos</strong> seus construtores e artistas embelezadores e suas<br />
obras. Assim, uma mesma igreja apresenta vários arrematantes,<br />
entalhadores ou pintores. Até aí tudo bem, pois como dissemos, as<br />
<strong>igrejas</strong> possuem inúmeras peças e foram construídas aos pedaços, em<br />
tempos distintos e <strong>de</strong>mora<strong>dos</strong>. O problema começa quando tentamos<br />
saber quem fez exatamente o que. Aí aparecem frequentemente duas<br />
pessoas como autores da mesma peça. Contribui também para<br />
confundir as autorias o fato <strong>de</strong> ser muito comum um artista projetar<br />
uma peça e outro executar acrescentando modificações no risco<br />
original. Também era muito comum uma obra ser executada por um e<br />
“melhorada” em seguida, por outro. Isso sem falar ainda nas<br />
<strong>de</strong>sastrosas restaurações perpetradas ao longo <strong>dos</strong> anos. Infelizmente os<br />
artistas sacros setecentistas não tinham muita consciência da sua<br />
individualida<strong>de</strong> autoral e não assinavam suas obras, restando<br />
gratifica<strong>dos</strong> <strong>de</strong> fazerem parte da coletivida<strong>de</strong> que transformou um<br />
templo em realida<strong>de</strong> da qual participavam em pé <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> artesãos,<br />
empreiteiros, arquitetos e pedreiros.<br />
Há <strong>de</strong> se lembrar ainda, que muitas obras eram executadas em<br />
estúdios on<strong>de</strong> certamente muito do trabalho era feito por aprendizes<br />
<strong>de</strong> maior ou menor talento. Disso resulta ser comum encontrarmos<br />
peças atribuídas a um autor e que não são exatamente dignas da sua real<br />
capacida<strong>de</strong>. É o caso especial do Aleijadinho que sempre recorreu a<br />
69
auxiliares, especialmente a partir <strong>de</strong> certo estágio do avanço <strong>de</strong> sua<br />
doença. A acrescentar o fato <strong>de</strong> que era comum uma peça talhada no<br />
atelier <strong>de</strong> um artista encontrar dificulda<strong>de</strong>s para ser montada no lugar a<br />
ela <strong>de</strong>stinado, o que podia exigir ajustes <strong>de</strong> mestres-<strong>de</strong>-obra mutilando a<br />
arte original <strong>de</strong> um criador maior. É claro que todas as variações tinham<br />
que ser aprovadas pelas mesas das irmanda<strong>de</strong>s que eram muito<br />
rigorosas no diligenciamento das obras. Mas modificações eram<br />
frequentemente <strong>de</strong>batidas e autorizadas. Aliás, ao contrario <strong>de</strong><br />
preservar, muitas vezes os conselhos das irmanda<strong>de</strong>s atuavam no<br />
sentido <strong>de</strong> <strong>de</strong>svirtuar a integrida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma criação artística por motivos<br />
econômicos. É o caso, novamente, do Aleijadinho que parece não ter<br />
podido concluir sua obra no Carmo <strong>de</strong> Sabará pelo fato da irmanda<strong>de</strong><br />
ter achado muito caro o valor que ele pediu para realizar <strong>de</strong>terminado<br />
serviço. Pobre do nosso artista, morreu só, dilacerado e miserável e<br />
ainda teve essa <strong>de</strong>sfeita <strong>de</strong> ter sido consi<strong>de</strong>rado “careiro”.<br />
O caráter coletivo predominante no trabalho <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> uma<br />
igreja barroca mineira também contribuía para dificultar a i<strong>de</strong>ntificação<br />
das autorias. Esse caráter se acentuava principalmente na elaboração <strong>de</strong><br />
retábulos e portadas monumentais. Também nesses casos era comum<br />
que um artista riscasse o projeto, outro executasse, um terceiro<br />
montasse e um quarto modificasse. Essas peças, criadas assim em<br />
conjunto, acabam hoje sendo atribuídas somente ao mais distinto <strong>dos</strong><br />
membros do grupo. Assim é que várias portadas atribuídas a Antônio<br />
Francisco Lisboa, até como forma <strong>de</strong> aumentar os atributos <strong>de</strong> uma<br />
igreja, na verda<strong>de</strong> tiveram a contribuição do mestre somente no<br />
<strong>de</strong>senho, ou na execução ou na modificação <strong>de</strong> peça já existente.<br />
Além <strong>de</strong> tudo isso, a questão da autoria era tão <strong>de</strong>sinteressada<br />
que muitas vezes um gran<strong>de</strong> artista como Ataí<strong>de</strong> era solicitado, sem<br />
nenhum constrangimento para as partes, a fazer trabalhos menores<br />
como carnação <strong>de</strong> imagens ou douramento <strong>de</strong> talhas. Complica ainda<br />
mais o quadro <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> autores, a similarida<strong>de</strong> nas<br />
combinações <strong>de</strong> nomes. Antônio, Francisco, Silva, Xavier, Brito se<br />
combinam nas mais variadas e profusas formas o que faz com que<br />
historiadores e críticos, copiando-se distraidamente uns aos outros,<br />
acabem criando mestres que nunca existiram ou façam alguém trabalhar<br />
em um templo anos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> haver morrido ou antes <strong>de</strong> haver<br />
nascido.<br />
Também, muitas obras têm sido atribuídas a alguns autores sem<br />
base documental, sendo cada vez mais aceitas atribuições apoiadas em<br />
70
simples similitu<strong>de</strong>s iconográficas, muitas das quais feitas por autores<br />
sem a <strong>de</strong>vida autorida<strong>de</strong>. É por tudo isso que eu disse que o mero<br />
<strong>de</strong>slumbramento po<strong>de</strong> ser o melhor critério para se julgar uma peça<br />
sacra setecentista. Assim meu amigo, se você achar que <strong>de</strong>scobriu um<br />
Aleijadinho inédito no nicho do altar da capela <strong>de</strong> uma fazenda antiga,<br />
vale a emoção.<br />
Cadastro das <strong>igrejas</strong>, outra dificulda<strong>de</strong><br />
Necessito fazer alguns comentários também sobre o<br />
cadastramento <strong>dos</strong> templos que se encontra em anexo. Quando alguém<br />
busca listar as <strong>igrejas</strong> setecentista mineiras, várias são as fontes que<br />
po<strong>de</strong>m ser consultadas. Des<strong>de</strong> organismos <strong>de</strong> preservação do<br />
patrimônio histórico, passando por obras literárias especializadas,<br />
referências em jornais, revistas, documentários audiovisuais até folhetos<br />
turísticos edita<strong>dos</strong> por prefeituras municipais. O cruzamento <strong>dos</strong> da<strong>dos</strong><br />
<strong>de</strong>ssas diversas fontes revela uma gran<strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong> em disciplinar as<br />
informações. Há templos com <strong>de</strong>nominações diversas, datas<br />
terrivelmente <strong>de</strong>sencontradas, fotos <strong>de</strong> um templo indicado como<br />
sendo um outro e até lugares inexistentes. Isso faz com que, mesmo<br />
consagra<strong>dos</strong> autores contemporâneos, citem como ainda existentes,<br />
templos que já foram <strong>de</strong>moli<strong>dos</strong> há <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> anos. Existem até <strong>igrejas</strong><br />
tombadas que hoje estão na mais completa ruína mas que continuam na<br />
relação <strong>de</strong> bens <strong>dos</strong> órgãos tombadores, atestando o próprio fracasso<br />
do tombamento. O resultado <strong>de</strong> tudo isso é que não conseguimos<br />
verificar se alguns templos, menciona<strong>dos</strong> em fontes diversas,<br />
efetivamente existem. Por outro lado, também tivemos a felicida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
encontrar templos cuja existência <strong>de</strong>sconhecíamos, por falta <strong>de</strong><br />
referência nas fontes consultadas, via <strong>de</strong> regra muito escassas. Enfim,<br />
consoante os propósitos <strong>de</strong>ste trabalho, <strong>de</strong>screvemos ao longo do texto<br />
básico apenas os templos que efetivamente visitamos. Vários <strong>de</strong>les,<br />
infelizmente só pu<strong>de</strong>mos conhecer externamente. 73 Outros, embora<br />
73 Como vários templos permanecem fecha<strong>dos</strong> a maior parte do tempo só pu<strong>de</strong>mos<br />
conhecê-los externamente, mesmo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> várias tentativas <strong>de</strong> encontrá-los abertos.<br />
Em casos em que isso aconteceu tivemos que nos contentar com uma pequena<br />
anotação sobre sua fachada e excepcionalmente, alguma <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> seus altares e<br />
pinturas feita a partir <strong>de</strong> consultas a fontes bibliográficas ou a traiçoeiros registros<br />
fotográficos.<br />
71
comprovadamente existentes, por motivos diversos não tivemos<br />
condições <strong>de</strong> visitar. De qualquer modo, elaboramos um cadastro geral<br />
<strong>de</strong> templos que se encontra no anexo. Parte <strong>de</strong>ste cadastro contém<br />
informações baseadas em consultas a fontes secundárias e que, por<br />
isso mesmo, <strong>de</strong>vem ser tomadas com reservas. Também tive<br />
dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> compor este cadastro, assaltado que fui inúmeras vezes,<br />
por dúvidas se um templo era autenticamente do século XVIII ou não.<br />
Muitos templos apresentam características nitidamente setecentista mas<br />
faltam registros váli<strong>dos</strong> que corroborem esta condição. A recíproca<br />
também é verda<strong>de</strong>ira, ou seja, existe o registro mas foram tantas as<br />
mutilações que um templo sofreu ao longo do tempo que fica a duvida<br />
se é legitima ou justa a atribuição <strong>de</strong> nobre antiguida<strong>de</strong> a ele. É aí que<br />
muitas vezes tem que prevalecer uma pura opção pessoal.<br />
Não posso <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> mencionar também a gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
informações incorretas encontradas em diversos autores ou instituições<br />
que se propõem a <strong>de</strong>screver e fornecer <strong>de</strong>talhes sobre as profusas e<br />
abundantes peças que formam nossas <strong>igrejas</strong> setecentistas. Isso até é<br />
compreensível pois a riqueza <strong>de</strong> <strong>de</strong>talhes muitas vezes nos confun<strong>de</strong>.<br />
Creio que eu mesmo não estou livre <strong>de</strong> ter sido enganado pelos<br />
senti<strong>dos</strong> em alguns casos. Mas sei que meu caro leitor vai reconhecer o<br />
meu esforço.<br />
Necessito ainda fazer alguns comentários a respeito da<br />
qualificação <strong>dos</strong> templos. Matrizes, capelas, e ermidas têm significado<br />
diferente, conforme o status <strong>de</strong> um templo, segundo critérios formais<br />
regula<strong>dos</strong> por estatutos eclesiásticos <strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência e jurisdição e que<br />
distinguem privilégios e funções. Confesso que nesse trabalho<br />
consi<strong>de</strong>rei relevante distinguir apenas as matrizes pois elas têm certos<br />
traços relativamente característicos, principalmente do ponto <strong>de</strong> vista<br />
histórico. Assim, to<strong>dos</strong> os <strong>de</strong>mais templos são trata<strong>dos</strong> indistintamente<br />
como “<strong>igrejas</strong>”. O termo “capela” também foi usado mas muito no seu<br />
sentido popular que em geral, associa o termo aos templos mais<br />
singelos e <strong>de</strong> menor dimensão.<br />
72
Caminhos antigos<br />
Devemos reconhecer que uma das formas mais eficazes <strong>de</strong> se<br />
valorizar o patrimônio cultural é a través <strong>dos</strong> roteiros turísticos. De<br />
certa forma essa crença contribui para que esse livro viesse à luz. É<br />
certo que a vertente cultural do turismo não conta com um público<br />
muito extenso. Mas, qualquer que seja ele, essa clientela <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>mandar<br />
mais do que simples viagens <strong>de</strong> fim <strong>de</strong> semana <strong>de</strong>stinadas à visitação<br />
superficial à <strong>igrejas</strong>, museus e casarões <strong>de</strong> Ouro Preto, Tira<strong>de</strong>ntes ou<br />
Diamantina. É preciso querer enxergar o lado vivo da História e<br />
mergulhar nele. Mas isso não basta, o turista <strong>de</strong> hoje é muito exigente e<br />
se entedia com facilida<strong>de</strong>. Assim, além <strong>de</strong> atrações culturais, jamais abre<br />
mão <strong>de</strong> bons hotéis, bons restaurantes e noites animadas. Poucas<br />
cida<strong>de</strong>s mineiras têm condições <strong>de</strong> oferecer isso. Mas, <strong>de</strong> toda forma,<br />
com maior ou menor entusiasmo, nosso patrimônio histórico é uma<br />
atração e sua valorização <strong>de</strong>ve começar pela valorização da própria<br />
História e é aí que procuro fazer a minha parte. O caminho que me foi<br />
reservado é o <strong>de</strong> tentar fazer o passado mais presente. Penso que<br />
mesmo as cida<strong>de</strong>s mais jovens <strong>de</strong>veriam se preocupar com isso pois a<br />
História começa todo dia e não vai acabar enquanto a Raça Humana<br />
estiver fazendo as suas peripécias sobre o singular planeta terra.<br />
A<strong>de</strong>mais, como os ban<strong>de</strong>irantes vararam nossa terra em todas as<br />
longitu<strong>de</strong>s e latitu<strong>de</strong>s, com toda a certeza, alguém andou passando<br />
perto <strong>de</strong> nossa porta na virada do século XVII para o XVIII. Vale a<br />
pena tentar <strong>de</strong>scobrir quem e trazê-lo ao presente.<br />
A criação <strong>de</strong> um roteiro turístico a que se chamou “Estrada<br />
Real” é uma iniciativa meritória para dinamização do turismo em <strong>Minas</strong>.<br />
Mas essa iniciativa é muito específica e quem não se preocupou em<br />
preservar seu patrimônio histórico ao longo do tempo, está con<strong>de</strong>nado<br />
a ficar mais distante <strong>de</strong>la, até com certa justiça. Mas existem muitos<br />
outros caminhos que, embora não tenham a mesma riqueza em termos<br />
<strong>de</strong> patrimônio histórico preservado, precisam ser valoriza<strong>dos</strong>. Mesmo<br />
porque, ficar querendo atrair turistas com atrativos naturais e artesanato<br />
não esta dando mais muito resultando já que todo mundo tem a sua<br />
cachoeira e a sua pinga <strong>de</strong> quintal, pois esse país é muito rico e criativo.<br />
Portanto vamos nos unir no esforço <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrir a nossa história e<br />
torná-la interessante nos dias atuais.<br />
73
O turismo cultural passa pela recriação <strong>dos</strong> caminhos antigos e<br />
pela i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> cida<strong>de</strong>s que merecem <strong>de</strong>staque, especialmente pelo<br />
que teriam representado na epopeia da penetração e ocupação do solo<br />
mineiro e na formação da nossa cultura, lentamente fermentada ao logo<br />
<strong>dos</strong> séculos XVIII e XIX. É certo que a maioria das nossas cida<strong>de</strong>s<br />
<strong>antigas</strong> já não são <strong>antigas</strong>, ou seja, já não apresentam mais nenhum<br />
resquício <strong>de</strong> seu glorioso passado. Muitas se encontram na mais<br />
completa <strong>de</strong>cadência, mas mesmo assim, não conseguem ficar livres <strong>de</strong><br />
um curioso das coisas <strong>de</strong> <strong>Minas</strong>, como eu, que abre mão do espetacular<br />
pelo simples prazer <strong>de</strong> imaginar que há trezentos anos atrás tinha gente<br />
aqui e acolá tentando levar da, melhor maneira, a sua efêmera e dura<br />
existência e que por conta disso ganhou um anônimo lugar na História.<br />
Certamente existem outros curiosos como eu.<br />
Devo salientar que é muito difícil recriar os caminhos antigos,<br />
não só por falta <strong>de</strong> registros como também porque os nomes <strong>dos</strong><br />
lugares e <strong>dos</strong> aci<strong>de</strong>ntes geográficos mudaram muito ao longo <strong>dos</strong> anos.<br />
Certos núcleos urbanos antigos simplesmente <strong>de</strong>sapareceram e é muito<br />
comum que um arraial crescesse e engolisse uma povoação maior,<br />
inclusive tomando-lhe o nome.<br />
Assim a recriação <strong>dos</strong> velhos caminhos <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> <strong>de</strong>manda uma<br />
boa <strong>dos</strong>e <strong>de</strong> amor e romantismo e essa – insisto – também é uma forma<br />
válida <strong>de</strong> se reviver a História e eu a tenho preferido pois não consigo<br />
<strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> sentir emoção diante do antigo, qualquer que seja o estado em<br />
que ele hoje se encontra. Mas, a rigor, quem quiser recriar os caminhos<br />
antigos vai conseguir apenas ligar os pontos mais relevantes ao longo<br />
<strong>de</strong>les, sem pisar necessariamente na trilha usada por nossos<br />
antepassa<strong>dos</strong> para fazer o mesmo trajeto, exceto em um ou outro<br />
trecho. Muitas trilhas foram <strong>de</strong>voradas pela natureza e hoje as estradas<br />
que dispomos para ligar dois sítios urbanos antigos foram criadas<br />
obe<strong>de</strong>cendo a critérios mo<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> engenharia e segurança, interesses<br />
econômicos ou <strong>às</strong> vezes até interesses puramente eleitoreiros. As<br />
picadas <strong>de</strong> antigamente eram abertas da forma mais direta possível, só<br />
admitindo <strong>de</strong>svios para contornar algum aci<strong>de</strong>nte geográfico<br />
especialmente difícil para a travessia a pé ou no lombo <strong>de</strong> animais.<br />
Muitas vezes, ao contrário, voltas eram dadas exatamente para se<br />
aproveitar aci<strong>de</strong>ntes geográficos favoráveis. Não obstante a força <strong>dos</strong><br />
aci<strong>de</strong>ntes geográficos no traçado <strong>dos</strong> caminhos antigos, muitos <strong>dos</strong><br />
caminhos novos aproveitaram trajetos estabeleci<strong>dos</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o tempo <strong>dos</strong><br />
primeiros ban<strong>de</strong>irantes que, pela habilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> orientação geográfica<br />
74
aprendida com os índios, eram mesmo notáveis navegadores <strong>de</strong> rios,<br />
matas e montanhas e sempre acabavam chegando on<strong>de</strong> queriam. Hoje<br />
temos que nos preocupar apenas com banais placas indicativas fincadas<br />
ao longo das estradas e assim passamos <strong>de</strong>satentos pelos mesmos perfis<br />
das serras e picos que os caminhantes antigos avistavam com a maior<br />
alegria pois era assim que sabiam estar no rumo certo.<br />
Finalmente a viagem<br />
O propósito <strong>de</strong>sse trabalho, como anunciado na introdução, é<br />
servir <strong>de</strong> roteiro àqueles que se disponham a conhecer as <strong>igrejas</strong><br />
setecentistas <strong>de</strong> <strong>Minas</strong>. Vale dizer, seguir as trilhas que tivemos o prazer<br />
<strong>de</strong> seguir mais <strong>de</strong> uma vez, procurando variar os ângulos e buscando<br />
<strong>de</strong>scobrir novas luzes, cores, volumes e reflexos <strong>de</strong> que são sempre<br />
plenos nossos templos barrocos, construí<strong>dos</strong> que foram pacientemente<br />
entrelaçando profusamente as mais diversas referências. Assim, tornase<br />
indispensável <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já, a adoção <strong>de</strong> um critério que facilite e organize<br />
a vida <strong>de</strong> quem se interesse em correr algumas centenas <strong>de</strong> quilômetros<br />
em busca <strong>de</strong> um passado glorioso. Algumas linhas atrás pon<strong>de</strong>rei que é<br />
muito difícil recriar os caminhos antigos <strong>de</strong> <strong>Minas</strong>. Eles são muitos e<br />
varia<strong>dos</strong> mas têm um veio em comum expresso na própria sucessão <strong>de</strong><br />
<strong>igrejas</strong> <strong>antigas</strong> ao longo <strong>de</strong>sses caminhos e que representam marcos<br />
seguros a serem segui<strong>dos</strong> e admira<strong>dos</strong>.<br />
Nosso roteiro começa por dividir o estado em regiões à luz da<br />
divisão administrativa adotada no século XVIII para a capitania <strong>de</strong><br />
<strong>Minas</strong> Gerais. Ao longo <strong>de</strong> todo aquele século a capitania era dividida<br />
em quatro comarcas: Rio das Velhas (com se<strong>de</strong> em Sabará), Rio das<br />
Mortes (com se<strong>de</strong> em São João <strong>de</strong>l Rei), Vila Rica e Serro do Frio (com<br />
se<strong>de</strong> em Vila do Príncipe, atual Serro). Um pouco mais tar<strong>de</strong>, já no<br />
século XIX, a gran<strong>de</strong> comarca <strong>de</strong> Sabará foi subdividida e surgiu a<br />
Comarca <strong>de</strong> Paracatu. O Distrito <strong>dos</strong> Diamantes era uma região<br />
separada do restante da capitania, gozando <strong>de</strong> uma condição<br />
administrativa especial <strong>de</strong>stinada a manter a produção <strong>de</strong> diamantes<br />
controlado <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um anel <strong>de</strong> ferro. Aproveitando, <strong>de</strong> alguma forma<br />
essa configuração, levando em conta também os meios <strong>de</strong> locomoção,<br />
as interligações e vias <strong>de</strong> acesso hoje disponíveis, vamos dividir nosso<br />
roteiro da seguinte forma:<br />
75
Sabará - abrangendo também Raposos, Santa Luzia, Caeté (Vila<br />
Nova da Rainha), Barão <strong>de</strong> Cocais (São João do Morro Gran<strong>de</strong>), Santa<br />
Bárbara, Catas Altas e Paracatu;<br />
Ouro Preto - abrangendo também Itabirito (Itabira do Campo),<br />
Mariana, Ouro Branco, Congonhas, São Brás do Suaçuí, Conselheiro<br />
Lafaiete (Queluz) e Itaverava;<br />
São João <strong>de</strong>l Rei - abrangendo também Tira<strong>de</strong>ntes (São José <strong>de</strong>l<br />
Rei), Pra<strong>dos</strong>, Barbacena e Oliveira;<br />
Serro - abrangendo também Diamantina (Tijuco). 74<br />
É um roteiro arbitrário e pessoal que extrapola o leito básico da<br />
fictícia Estrada Real e não <strong>de</strong>spreza regiões <strong>antigas</strong> e ricas em<br />
patrimônio cultural, hoje relegadas a segundo plano por não disporem<br />
<strong>de</strong> certas comodida<strong>de</strong>s turísticas. Da forma em que está alinhado não é<br />
o melhor trajeto do ponto <strong>de</strong> vista da malha rodoviária disponível. Hoje<br />
é possível partir <strong>de</strong> Paracatu e, em alguns dias, conhecer to<strong>dos</strong> os sítios<br />
que <strong>de</strong>screvemos, finalizando o percurso na região <strong>de</strong> São João <strong>de</strong>l Rei.<br />
Eis uma sugestão alternativa, mais cômoda: Paracatu, Diamantina,<br />
Serro, Santa Luzia, Raposos, Sabará, Caeté, Barão <strong>de</strong> Cocais, Santa<br />
Bárbara, Catas Altas, Mariana, Ouro Preto, Ouro Branco, Congonhas,<br />
São Brás do Suaçuí, Conselheiro Lafaiete, Itaverava, Barbacena,<br />
Tira<strong>de</strong>ntes, São João <strong>de</strong>l Rei, Pra<strong>dos</strong> e Oliveira. É um in<strong>de</strong>scritível<br />
roteiro <strong>de</strong> charme, beleza, história e natureza pelas <strong>Minas</strong> Gerais <strong>dos</strong><br />
séculos XVIII, XIX e XXI.<br />
Existem várias <strong>igrejas</strong> <strong>antigas</strong> espalhadas pelo estado, em se<strong>de</strong>s<br />
ou distritos que ficam fora <strong>de</strong>sse nosso roteiro básico. Isso não que<br />
dizer que elas não mereçam ser conhecidas, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo da<br />
conveniência <strong>de</strong> cada um. De qualquer forma, elas são mencionadas no<br />
cadastro e penso que as oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> se conhecer qualquer igreja<br />
setecentista, por mais distante e isolada que se encontre e por mais<br />
singela que seja, nunca <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>sprezada. Mantenho a convicção <strong>de</strong><br />
74 Entre parênteses estão os nomes ainda encontra<strong>dos</strong> nas obras <strong>dos</strong> nossos visitantes<br />
do século XIX.<br />
76
que cada igreja remanescente do setecentos é em si um cofre <strong>de</strong><br />
riquezas que vale a pena ser conhecido nas minúcias. Mesmo porque,<br />
quando pouco, representam o zelo e o amor <strong>de</strong> alguns abnega<strong>dos</strong><br />
lutando para conservá-las<br />
Nosso guia <strong>de</strong> visitação tem propósitos práticos. Assim, ele<br />
contém basicamente algumas indicações sobre os acessos <strong>às</strong> cida<strong>de</strong>s e<br />
aos templos, pequenas dicas turísticas e uma <strong>de</strong>scrição <strong>dos</strong> aspectos<br />
internos e externos <strong>de</strong> cada templo, tomando por base os mo<strong>de</strong>los e<br />
referências que <strong>de</strong>lineamos. Principalmente em relação aos aspectos<br />
internos das <strong>igrejas</strong>, nossa <strong>de</strong>scrição ten<strong>de</strong>rá a parecer um fiapo em<br />
relação <strong>às</strong> riquezas que po<strong>de</strong>m ser observadas por cada viajante. De<br />
fato, nosso esforço <strong>de</strong>scritivo, embora muitas vezes minucioso, não<br />
chega a ser extensivo e se presta sobretudo a disciplinar um pouco mais<br />
a contemplação do visitante. Nada na verda<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ou <strong>de</strong>ve substituir a<br />
festa que uma igreja barroca é para os olhos e cada visitante po<strong>de</strong><br />
enxergar as coisas que eu <strong>de</strong>screvi, <strong>de</strong> forma diversa e até enxergar o<br />
que eu não enxerguei.<br />
Sempre que possível, também trouxe informações <strong>dos</strong> viajantes<br />
do século XIX, sobre os lugares, as <strong>igrejas</strong> ou até a natureza, como<br />
pertinente.<br />
Também tomei outras liberda<strong>de</strong>s. Uma <strong>de</strong>las foi inserir<br />
referências sobre fatos e personagens da Inconfidência Mineira nos<br />
locais em que eles ocorreram. Não pu<strong>de</strong> resistir a fazer essa fascinante<br />
ligação entre tempo e espaço em se tratando do mais singular<br />
acontecimento da história mineira. 75<br />
Outra liberda<strong>de</strong> que tomei foi revelar e comentar certos fatos e<br />
intimida<strong>de</strong>s que aconteceram nas minhas viagens. Aqui <strong>de</strong>i uma <strong>de</strong><br />
cronista, imitando prazerosamente os nossos viajantes do século XIX.<br />
Enfim, enquanto relato <strong>de</strong> viagens efetivamente realizadas, este<br />
livro carrega uma carga intimista, mesmo porque não há nada mais<br />
intimista do que gostar <strong>de</strong> minudências <strong>de</strong> <strong>igrejas</strong> <strong>antigas</strong> e sair à caça<br />
<strong>de</strong>las trilhando caminhos antigos.<br />
75 Esse apaixonante assunto ocupa todo o segundo livro da trilogia da Fábula <strong>de</strong><br />
Ribeirão do Carmo.<br />
77
Antes <strong>de</strong> começarmos efetivamente nossa viagem, convém<br />
reforçar mais uma vez que é sempre bom nos precavermos em obter<br />
informações sobre os horários em que as <strong>igrejas</strong> estão abertas à<br />
visitação. Relembro que muitas <strong>de</strong>las permanecem fechadas a maior<br />
parte do tempo e realmente é <strong>de</strong>sagradável programar uma visita a um<br />
<strong>de</strong>terminado templo e só ter a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conhecê-lo<br />
externamente. Não há informações seguras a esse respeito mas as<br />
melhores fontes são os centros <strong>de</strong> turismo das prefeituras e<br />
especialmente as administrações das paróquias. Contudo, qualquer<br />
viajante que queira conhecer templos <strong>de</strong> menor prestígio,<br />
inevitavelmente <strong>de</strong>ve estar preparado para conhecer apenas o seu<br />
exterior, mesmo porque, com a atual carência <strong>de</strong> sacerdotes muitos<br />
<strong>de</strong>les permanecem efetivamente inativos. De qualquer forma, vale a<br />
pena perguntar aos vizinhos. É comum um <strong>de</strong>les guardar a chave do<br />
templo e não hesitar em emprestá-la. Foi assim que conhecemos o<br />
interior <strong>de</strong> várias igrejinhas interessantes.<br />
SABARÁ<br />
COMARCA DO RIO DAS VELHAS<br />
Tem quatro fontes que abastecem a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ótima água.<br />
O seu comércio é ativo e forte, e o seu crédito é muito<br />
bem firmado. Tem um bom e bem construído teatro, feito<br />
<strong>às</strong> expensas <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> particular.<br />
Os edifícios são <strong>de</strong> bela arquitetura e forte construção;<br />
entre eles há um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> sobra<strong>dos</strong>.<br />
O povo da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Sabará é tão civilizado e amante<br />
da instrução que custa encontrar-se um sabarense<br />
que não saiba ler, escrever; contar; música e ofício.<br />
José Joaquim da Silva – 1879 76<br />
Vamos começar nossa viagem pela cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Sabará, antiga Vila<br />
Real <strong>de</strong> N. S. da Conceição do Sabará, a terceira povoação <strong>de</strong> <strong>Minas</strong><br />
76 Todas as pequenas citações que abrem as referências sobre as cida<strong>de</strong>s visitantes são<br />
<strong>de</strong>ste autor. Vi<strong>de</strong> bibliografia.<br />
78
elevada à vila por Antônio <strong>de</strong> Albuquerque em 1711. Esta simpática<br />
cida<strong>de</strong> dista apenas vinte quilômetros do nosso ponto <strong>de</strong> partida que é<br />
Belo Horizonte. Po<strong>de</strong> ser facilmente alcançada por rodovia estadual<br />
asfaltada que, em uma parte do trajeto, margeia o rio das Velhas e na<br />
sequência, nos leva a Caeté, passando ao largo da serra da Pieda<strong>de</strong>. É<br />
uma estrada pitoresca que, após Sabará, serpenteia por uma serra<br />
interessante, no alto da qual está a antiga Mina <strong>de</strong> Ouro <strong>de</strong> Cuiabá. O<br />
trecho é muito bem preservado e vale a pena conhecê-lo, também pelos<br />
seus atributos ecológicos.<br />
Nossos viajantes do século XIX visitaram Sabará entre 1817 e<br />
1867, anotando interessantes observações sobre a vila e, mais tar<strong>de</strong>,<br />
cida<strong>de</strong>.<br />
O botânico escocês George Gardner esteve em Sabará em<br />
agosto <strong>de</strong> 1840 tendo alcançado a cida<strong>de</strong> vindo <strong>de</strong> N. S. do Pilar <strong>de</strong><br />
Congonhas do Sabará, a nossa Nova Lima <strong>de</strong> hoje. O mesmo roteiro<br />
foi trilhado por Burton vinte e sete anos mais tar<strong>de</strong>. Esse trajeto ainda<br />
po<strong>de</strong> ser feito nos dias atuais, através <strong>de</strong> uma terrível mas pitoresca<br />
estrada <strong>de</strong> terra <strong>de</strong> doze quilômetros que, seguindo o traçado da serra<br />
do Curral do lado oposto <strong>de</strong> Belo Horizonte, liga as duas cida<strong>de</strong>s,<br />
passando por uma região surpreen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong>sabitada, não obstante<br />
sua proximida<strong>de</strong> da capital e <strong>dos</strong> seus tentáculos <strong>de</strong> especulação<br />
imobiliária. Foi mais ou menos ao longo <strong>de</strong>ste trecho que Manuel<br />
Nunes Viana, o chefe <strong>dos</strong> emboabas, partindo <strong>de</strong> Caeté venceu as<br />
primeiras escaramuças <strong>dos</strong> paulistas em 1709. Algum sangue <strong>de</strong>ve ter<br />
então corrido para o leito do rio das Velhas, conspurcando suas<br />
gloriosas águas com os <strong>de</strong>stroços <strong>de</strong> uma guerra civil absurda mas<br />
historicamente explicável (Guerra <strong>dos</strong> Emboabas). Não sabemos o<br />
número <strong>de</strong> vítimas <strong>de</strong>sses <strong>de</strong>sentendimentos, mas as perdas materiais<br />
foram gran<strong>de</strong>s pois a turma <strong>de</strong> Viana conseguiu botar fogo no arraial,<br />
assustando os paulistas e fazendo-os correr para a região <strong>de</strong> Pitangui. 77<br />
Spix e Martius rumaram para Sabará a partir <strong>de</strong> Vila Rica,<br />
passando por Santo Antônio <strong>de</strong> Casa Gran<strong>de</strong> (hoje Glaura, distrito <strong>de</strong><br />
Ouro Preto) e Rio das Pedras (Acuruí, distrito <strong>de</strong> Itabirito), seguindo<br />
77 Pessoalmente acho que a Guerra <strong>dos</strong> Emboabas não foi tão sanguinária quanto<br />
dizem e trato disso no terceiro livro da trilogia.<br />
79
aproximadamente o traçado do histórico rio, antigamente chamado <strong>de</strong><br />
Guaicuí.<br />
Saint-Hilaire ganhou Sabará pelo lado oposto. Estava voltando<br />
do Distrito <strong>dos</strong> Diamantes e antes havia passado na serra da Pieda<strong>de</strong><br />
on<strong>de</strong> ficou algum tempo observando os transes apoplécticos da irmã<br />
Germana que tinham mania <strong>de</strong> ficar horas imóvel, com o corpo<br />
enrijecido. É mais ou menos por isso que a serra ganhou a aura mística<br />
que conserva até hoje<br />
O princípio da história <strong>de</strong> Sabará está ligado à <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong><br />
ouro na região, então conhecida como Sabarabuçu, em finais do<br />
século XVII e a presença <strong>de</strong> Borba Gato que ali permaneceu após a<br />
morte <strong>de</strong> Fernão Dias e que, como vimos, veio a ser o seu primeiro<br />
guarda-mor. Na verda<strong>de</strong> ele só se estabeleceu ali cerca <strong>de</strong> doze anos<br />
<strong>de</strong>pois, após a fuga a que foi obrigado por conta da sua participação na<br />
morte <strong>de</strong> d. Rodrigo. Predomina hoje a versão <strong>de</strong> que quando o<br />
ban<strong>de</strong>irante paulista aqui chegou, por volta <strong>de</strong> 1701, já encontrou uma<br />
povoação e que o núcleo urbano por ele criado foi, na verda<strong>de</strong>, Santo<br />
Antônio do Bom Retiro da Roça Gran<strong>de</strong> que está um pouco antes da<br />
entrada <strong>de</strong> Sabará, do outro lado do rio das Velhas. A origem do nome<br />
é bastante controvertida. Burton ouviu em 1867 que ele teria sido<br />
tomado <strong>de</strong> um velho pagé que ali viveu em tempos remotos. Saint-<br />
Hilaire também dá uma versão pouco consistente misturando<br />
corruptelas <strong>de</strong> termos indígenas numa bela confusão. Segundo nosso<br />
caro historiador Diogo <strong>de</strong> Vasconcelos, o nome tem a ver com as<br />
particularida<strong>de</strong>s geográficas da junção <strong>de</strong> um rio menor com um rio<br />
maior, como ocorre no sítio em que a cida<strong>de</strong> foi criada, on<strong>de</strong> o rio<br />
Sabará <strong>de</strong>ságua no rio das Velhas. Isso faz algum sentido, sabedores que<br />
somos <strong>de</strong> que nossos índios, das mais diversas nações, sempre<br />
i<strong>de</strong>ntificavam os aci<strong>de</strong>ntes geográficos compondo nomes, conforme a<br />
figuração ou i<strong>de</strong>ia concreta ou abstrata que tais aci<strong>de</strong>ntes sugeriam.<br />
Mas, na verda<strong>de</strong>, o nome Sabará é simples corruptela do nome<br />
Sabarabuçu, cuja origem tratamos no último livro da nossa trilogia.<br />
Sabará foi elevada a categoria <strong>de</strong> vila por Antônio <strong>de</strong><br />
Albuquerque, logo após o fim da Guerra <strong>dos</strong> Emboabas, juntamente<br />
com o Ribeirão do Carmo e Vila Rica. Como se<strong>de</strong> <strong>de</strong> comarca <strong>de</strong> uma<br />
importante região aurífera, possuía a sua odiada casa <strong>de</strong> fundição para<br />
on<strong>de</strong> <strong>de</strong>veria ser levado todo o ouro extraído na região para ser fundido<br />
80
em barras e <strong>de</strong>vidamente taxado. A antiga Comarca <strong>de</strong> Sabará era a<br />
maior <strong>de</strong> <strong>Minas</strong>, atingindo até a região <strong>de</strong> Paracatu na borda <strong>dos</strong> limites<br />
com a capitania <strong>de</strong> Goiás.<br />
No princípio do século XIX Sabará era dividida em cida<strong>de</strong> velha<br />
e cida<strong>de</strong> nova. A cida<strong>de</strong> velha era a região on<strong>de</strong> hoje ficam as <strong>igrejas</strong> <strong>de</strong><br />
N. S. do Ó e N. S. da Conceição e a cida<strong>de</strong> nova era a região que<br />
abrange o centro histórico e a parte baixa, em direção ao rio.<br />
Devido a proximida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Belo Horizonte, Sabará possui poucas<br />
opções <strong>de</strong> hospedagem. Há uma pousada instalada num interessante<br />
casarão antigo, próximo à igreja das Mercês. Há alguns restaurantes<br />
típicos <strong>de</strong> cida<strong>de</strong>zinhas do interior, com cardápio farto e muita comida<br />
a quilo.<br />
Possui alguns trechos históricos preserva<strong>dos</strong>, especialmente no<br />
centro da cida<strong>de</strong>, na rua Pedro II, antiga rua Direita, on<strong>de</strong> ainda<br />
encontramos alguns casarões especialmente do século XIX. 78 Destaque<br />
para o Solar do Padre Correia ou <strong>de</strong> Jacinto Dias construído em 1773<br />
on<strong>de</strong> funciona hoje a Prefeitura Municipal. Ali já se hospedaram figuras<br />
ilustres como d. Pedro I e d. Pedro II. Visitem a capela e admirem seus<br />
adornos rococó. Seu antigo proprietário, o padre José Correia da Silva<br />
era suspeito <strong>de</strong> ser inconfi<strong>de</strong>nte e assim, provavelmente, os ouvi<strong>dos</strong> <strong>de</strong><br />
algumas das pare<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ssa casa <strong>de</strong>vem ter escutado muito xingação<br />
contra a Coroa e o governador Cunha Menezes, o Fanfarrão Minésio<br />
ridicularizado nas Cartas Chilenas <strong>de</strong> Tomas Antônio Gonzaga.<br />
Foi em Sabará que morreu um <strong>dos</strong> <strong>de</strong>latores da Inconfidência<br />
Mineira, o coronel do regimento <strong>de</strong> auxiliares <strong>de</strong> Paracatu Basílio do<br />
Brito Malheiro. Morreu amaldiçoando o Brasil e os brasileiros e<br />
temendo ser emboscado em algum beco escuro, punido pelo povo <strong>de</strong><br />
Sabará pela sua vil <strong>de</strong>lação. Daqui também saiu um <strong>dos</strong> mais<br />
implacáveis <strong>de</strong>vassantes da Inconfidência, o <strong>de</strong>sembargador César<br />
Manitti, ouvidor da Comarca e escrivão do inquérito que acabou na<br />
con<strong>de</strong>nação <strong>dos</strong> inconfi<strong>de</strong>ntes.<br />
78 Burton cita alguns casarões imponentes que observou em Sabará: o do barão <strong>de</strong><br />
Sabará na praça do Rosário, a do <strong>de</strong>sembargador José Lopes da Silva Viana e a<br />
in<strong>de</strong>fectível casa do barão <strong>de</strong> Catas Altas (João Batista Ferreira <strong>de</strong> Souza Coutinho)<br />
na rua Direita.<br />
81
Outra construção do século XVIII é a chamada Casa Azul on<strong>de</strong><br />
nos dias <strong>de</strong> hoje funciona uma repartição pública fe<strong>de</strong>ral. Tem ainda<br />
uma atração que é a chamada Casa Borba Gato. O nome é um chamariz<br />
turístico pois o famoso <strong>de</strong>sbravador do Sabarabuçu nunca morou ali e<br />
ele foi tomado da rua on<strong>de</strong> está situada. Trata-se da antiga Rua da<br />
Ca<strong>de</strong>ia que foi rebatizada com o nome do ban<strong>de</strong>irante em 1911. A casa,<br />
construída pela família Guimarães em 1814 já foi hotel, escola, casa <strong>de</strong><br />
padre e hoje é uma instituição do IPHAN voltada para a preservação<br />
do patrimônio histórico da cida<strong>de</strong>.<br />
Sabará possui ainda vários antigos chafarizes, sendo mais<br />
conheci<strong>dos</strong> o do Katen<strong>de</strong>, na rua São Pedro, 79 o do Rosário instalado<br />
ao lado da igreja <strong>de</strong> mesmo nome na praça Melo Viana e o da Corte<br />
Real.<br />
Indo a Sabará em busca <strong>de</strong> suas <strong>igrejas</strong> setecentistas o visitante<br />
tem ainda a feliz possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> visitar duas outras atrações<br />
imperdíveis: o Museu do Ouro e o Teatro Elisabetano. O museu está<br />
instalado num casarão construído em 1730 (rua da Intendência) on<strong>de</strong><br />
funcionaram a Casa <strong>de</strong> Fundição e a Intendência. Tendo como tema<br />
principal a extração e fundição do ouro, o museu possui peças diversas<br />
representativas da história mineira do setecentos, incluindo móveis,<br />
pinturas, utensílios domésticos, além <strong>de</strong> instrumentos e ilustrações <strong>de</strong><br />
técnicas utiliza<strong>dos</strong> na extração e fundição do ouro. O casarão é uma<br />
atração em si. Burton conta que quando passou pela cida<strong>de</strong> (em 1867)<br />
ele tinha sido comprado pelo professor <strong>de</strong> latim sr. Francisco <strong>de</strong> Paula<br />
Rocha e transformado numa escola. Mais tar<strong>de</strong> a casa foi comprada <strong>de</strong><br />
seus her<strong>de</strong>iros pela Cia. Belgo Mineira e transformada em patrimônio<br />
cultural aberto ao público.<br />
O teatro elisabetano se encontra no alto da rua Pedro II,<br />
próximo à praça da igreja do Rosário, estando regularmente aberto à<br />
visitação pública. O atual foi construindo no século XIX e suce<strong>de</strong>u a<br />
antiga Casa da Ópera construída em 1770. Depois <strong>de</strong> ter sido o Cine<br />
Teatro Borba Gato e entrado em total ruína, a casa foi recuperada e<br />
79 Há uma piada popular na cida<strong>de</strong> alertando que há bicas certas para uso <strong>de</strong> homens<br />
e mulheres e que beber água na bica errada po<strong>de</strong> ser perigoso. A lenda antiga que<br />
floreia os predica<strong>dos</strong> do chafariz, porém, é menos cruel e apenas con<strong>de</strong>na quem bebe<br />
a água da antiga fonte à doce pena <strong>de</strong> nunca mais esquecer Sabará.<br />
82
hoje tenta cumprir sua heroica vocação original, prestando-se<br />
<strong>de</strong>mocraticamente à realização <strong>de</strong> espetáculos diversos on<strong>de</strong> não faltam<br />
representações <strong>de</strong> peças teatrais ou musicais, amadoras mas esforçadas.<br />
Com alguma sorte é possível assistir a um concerto mais competente no<br />
agradável ambiente. De toda forma me fica a convicção <strong>de</strong> que o<br />
teatrinho é muito mal aproveitado e <strong>de</strong>veria merecer mais atenção das<br />
nossas autorida<strong>de</strong>s culturais. Foi totalmente restaurado em 1970 e, em<br />
1995, sofreu uma outra reforma. Uma fachada mo<strong>de</strong>sta e discreta oculta<br />
um interior bastante interessante. O recinto <strong>de</strong> espetáculos tem a forma<br />
ligeiramente ovalada, num traçado dito “italiano” e, além do piso<br />
abaixo do nível do palco, possui três andares <strong>de</strong> galerias. De qualquer<br />
<strong>dos</strong> pontos tem-se uma ótima visão do palco e se goza <strong>dos</strong> benefícios<br />
<strong>de</strong> uma excelente acústica o que <strong>de</strong>monstra como, na falta <strong>de</strong> recursos<br />
tecnológicos, as técnicas arquitetônicas utilizadas naquela época<br />
supriam com proprieda<strong>de</strong>, as necessida<strong>de</strong>s funcionais. Richard Burton,<br />
consi<strong>de</strong>rou o teatro “tolerável” o que até po<strong>de</strong> ser traduzido como um<br />
elogio.<br />
Sabará possui um <strong>dos</strong> mais notáveis acervos <strong>de</strong> <strong>igrejas</strong><br />
setecentistas <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> entre as quais, consoante a cronologia <strong>de</strong><br />
ocupação da região, estão algumas das mais <strong>antigas</strong>. Burton anotou os<br />
seguintes templos quando da sua visita: igreja do Carmo, matriz <strong>de</strong> N.<br />
S. da Conceição, igreja das Mercês, igreja <strong>de</strong> São Francisco, igreja <strong>de</strong><br />
Santa Rita, igreja <strong>de</strong> N. S. do Ó e uma capela no alto do Cruzeiro. Fez<br />
comentários apenas em relação à <strong>de</strong> São Francisco que notou estar<br />
inacabada e das Mercês que observou ser pequena e <strong>de</strong>spretensiosa.<br />
Dessas, apenas a <strong>de</strong> Santa Rita não existe mais, miseravelmente<br />
<strong>de</strong>molida em 1937. 80<br />
Saint-Hilaire aponta cinco templos principais mais uma série <strong>de</strong><br />
capelas. Contudo nomeia apenas as <strong>de</strong> N. S. da Conceição e a do<br />
Carmo.<br />
Spix e Martius e Gardner fizeram poucos comentários sobre<br />
Sabará. Os naturalistas alemães registram ter participado <strong>de</strong> um almoço<br />
a convite do juiz <strong>de</strong> fora que muito os agradou. O botânico escocês,<br />
80 Augusto <strong>de</strong> Lima Jr. conta que a Igreja era construída <strong>de</strong> antiga e boa taipa <strong>de</strong> sebe<br />
com armações <strong>de</strong> aroeira e que na sua <strong>de</strong>molição foi usado dinamite, com sucesso<br />
relativo, tendo sido necessário completar a <strong>de</strong>molição das pare<strong>de</strong>s mediante o paciente<br />
e <strong>de</strong>morado corte das ma<strong>de</strong>iras da estrutura da taipa.<br />
83
por outro lado, passou pela vila praticamente incógnito. Não <strong>de</strong>ixaram,<br />
contudo, <strong>de</strong> tecer elogios à beleza da natureza circundante e ao aspecto<br />
urbanístico agradável da vila <strong>de</strong> Sabará. Gardner fala ainda <strong>de</strong> inúmeras<br />
fontes públicas e das várias belas <strong>igrejas</strong>.<br />
Dom frei José, o bispo <strong>de</strong> Mariana incluído singularmente no<br />
nosso grupo <strong>de</strong> viajantes, esteve em Sabará em 1822 pouco antes da<br />
proclamação da in<strong>de</strong>pendência. 81 Mandou fazer registros sobre o estado<br />
da matriz <strong>de</strong> N. S. da Conceição, N. S. do Carmo, capela <strong>de</strong> Santa Rita,<br />
capela <strong>de</strong> N. S. do Pilar, igreja das Mercês, Santo Antônio <strong>de</strong> Pompéu e<br />
a N. S. do Rosário, naquele tempo, claro, já <strong>de</strong>vidamente inacabada.<br />
Além da <strong>de</strong>molida capela <strong>de</strong> Santa Rita, menciona ainda a igreja N. S.<br />
<strong>dos</strong> Anjos que é a mesma São Francisco <strong>de</strong> Assis. Fala do bom estado<br />
da matriz <strong>de</strong> N. S. da Conceição e da igreja do Carmo e nos informa<br />
que na capela <strong>de</strong> Santa Rita estava exposto o Santíssimo Sacramento<br />
para conforto <strong>dos</strong> enfermos mas que o templo tinha um só altar e era<br />
muito pobre.<br />
Parece que hoje a cida<strong>de</strong> carece <strong>de</strong> padres. Notamos nas<br />
eventuais cerimônias que assistimos aqui, que o padre é sempre o<br />
mesmo. De fato, as missas são em horário sucessivo e já o vimos sair <strong>de</strong><br />
uma igreja e correr para outra. Melhor do que Diamantina on<strong>de</strong>,<br />
embora se<strong>de</strong> <strong>de</strong> diocese, algumas <strong>igrejas</strong> não têm mais a lâmpada do<br />
Santíssimo e, portanto, não estão mais consagradas para missas.<br />
Cadastramos, somando a se<strong>de</strong> e distritos um total <strong>de</strong> treze<br />
templos em Sabará. São eles:<br />
matriz <strong>de</strong> N. S. da Conceição, igreja <strong>de</strong> N. S. do Ó, igreja <strong>de</strong> São<br />
Francisco, igreja do Rosário, igreja do Carmo, igreja das Mercês, capela<br />
do Pilar, capela <strong>de</strong> Santa Cruz, capela <strong>de</strong> Santana no Arraial Velho,<br />
capela <strong>de</strong> Santo Antônio do Pompéu, igreja <strong>de</strong> Santa Efigênia, igreja <strong>de</strong><br />
N. S. do Rosário no distrito <strong>de</strong> Mestre Caetano e igreja <strong>de</strong> N. S. da<br />
Lapa/Assunção no distrito <strong>de</strong> Ravena<br />
Matriz <strong>de</strong> Nossa Senhora da Conceição – 1714<br />
81 Aliás, ele foi um <strong>dos</strong> prela<strong>dos</strong> que participou da solenida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sagração <strong>de</strong> d. Pedro<br />
I como imperador do Brasil.<br />
84
Esta notável igreja é uma das mais <strong>antigas</strong> <strong>de</strong> <strong>Minas</strong>, rivalizando<br />
em antiguida<strong>de</strong> com a matriz <strong>de</strong> Raposos e a Sé <strong>de</strong> Mariana. 82 Está<br />
entre as primeiras <strong>igrejas</strong> <strong>de</strong> vigararias coladas da capitania, 83 o que<br />
ocorreu por força da citada carta régia <strong>de</strong> 1724, sendo governador d.<br />
Lourenço <strong>de</strong> Almeida.<br />
Sua construção está ligada ao esforço do padre José <strong>de</strong> Queiroz<br />
Coimbra que foi seu vigário por mais <strong>de</strong> meio século.<br />
Está situada na parte baixa da cida<strong>de</strong>, próxima à igreja <strong>de</strong> N. S.<br />
do Ó, ou seja, na autêntica parte velha que hoje, na realida<strong>de</strong>, tem<br />
aspecto mais novo do que a região central <strong>de</strong> Sabará.<br />
É popularmente chamada <strong>de</strong> igreja nova ou gran<strong>de</strong>, tradição que<br />
vem <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a época da sua construção em substituição à capela primitiva<br />
existente no mesmo local.<br />
Seguindo o mo<strong>de</strong>lo característico da primeira meta<strong>de</strong> do século,<br />
tem uma fachada simples e um interior bastante suntuoso. A fachada<br />
segue, <strong>de</strong> forma comportada, o mo<strong>de</strong>lo clássico da primeira fase. O<br />
frontispício está organizado a partir do quadrado tradicional, tendo uma<br />
porta elementar no centro e cunhais <strong>de</strong> tábuas pintadas emoldurando a<br />
base das torres. Dois janelões retangulares se abrem nas laterais um<br />
pouco acima da parte superior do portal. O frontão é bastante singelo<br />
com perfil em curvas discretas, guarnecido por um beiral <strong>de</strong> telhas e<br />
encimado por uma cruz resplan<strong>de</strong>cente. O telhado das torres é em<br />
forma <strong>de</strong> duas águas e elas têm no alto duas cruzes apoiadas em esferas<br />
armilares. A cimalha é coberta também por um telhado em forma <strong>de</strong><br />
beiral que segue o seu traçado.<br />
O interior é, como dissemos, o ponto alto do conjunto. Aqui,<br />
contrariando a austerida<strong>de</strong> do mo<strong>de</strong>lo da fachada, há bastante<br />
diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> referências como convém a uma velha matriz do<br />
setecentos. Começa pela planta <strong>de</strong> distribuição do espaço interno. A<br />
capela mor, confrontando o mo<strong>de</strong>lo tradicional, é da mesma largura da<br />
82 Saint-Hilaire, citando Pizzarro, dá a data <strong>de</strong> início da construção do templo em<br />
1701. Isso não é <strong>de</strong> todo impossível pois esse é o ano da instalação da paróquia e não<br />
é improvável que já nesse ano começasse a ser construída a nova igreja, contudo,<br />
<strong>de</strong>via ser uma mera choupana <strong>de</strong> pau-a-pique, consoante o padrão paupérrimo<br />
daqueles primitivos tempos .<br />
83 Cobiçada condição que abria oportunida<strong>de</strong> para a provisão <strong>de</strong> vigários com direito a<br />
remuneração do estado, bom emprego naqueles tempos.<br />
85
nave. Porém é um ambiente inteiramente distinto <strong>de</strong>sta, separada pelo<br />
arco cruzeiro. A nave é acrescida <strong>de</strong> corredores laterais em trifórios,<br />
ou seja, liga<strong>dos</strong> a ela por aberturas sob arcos sustenta<strong>dos</strong> por pilastras e<br />
on<strong>de</strong> estão os altares laterais que, assim, não ficam no mesmo recinto<br />
da nave como tradicionalmente acontece. Essa particularida<strong>de</strong> obrigou<br />
a colocação <strong>dos</strong> púlpitos apoia<strong>dos</strong> nas pilastras laterais o que lhes<br />
confere bastante rarida<strong>de</strong> e um inusitado aspecto <strong>de</strong> fragilida<strong>de</strong>,<br />
incomum em qualquer peça das <strong>igrejas</strong> <strong>de</strong>ssa época. Essa divisão da<br />
nave em três ambientes é semelhante ao que ocorre em outras matrizes<br />
do princípio do século XVIII em Mariana e Raposos. Alguns autores<br />
concebem o espaço interno do templo como constituído <strong>de</strong> três naves<br />
o que não nos parece correto pois a nave propriamente é claramente<br />
<strong>de</strong>finida e preserva sua função primordial.<br />
O recinto interno é bastante iluminado pela luz natural já que<br />
existem vários janelões eleva<strong>dos</strong> se abrindo para a nave e a capela mor.<br />
Os corredores <strong>dos</strong> la<strong>dos</strong> da nave, como dito, se comunicam com o<br />
corpo principal da mesma através <strong>de</strong> largos arcos enfileira<strong>dos</strong>. Saint-<br />
Hilaire observa não ter visto tal particularida<strong>de</strong> em nenhuma outra<br />
igreja. Elogia especialmente os quadros ao lado do coro rotulando-os os<br />
melhores da província.<br />
O altar mor tem características predominantes da primeira fase<br />
ten<strong>de</strong>ndo para arquivoltas, porém interrompidas por uma tarja no<br />
coroamento. A talha é rotunda e profusa, com dois nichos laterais, um<br />
pouco acima <strong>de</strong> duas misteriosas portas e la<strong>de</strong>a<strong>dos</strong> por colunas torsas,<br />
encimadas por uma espécie <strong>de</strong> baldaquino. Entronada se encontra uma<br />
gran<strong>de</strong> imagem da padroeira do templo, composta pela virgem e anjos<br />
aos borbotões. É uma Nossa Senhora jovial com feições que satisfazem<br />
plenamente os mo<strong>de</strong>rnos padrões <strong>de</strong> beleza. O trono é baixo, quase<br />
inexistente, distante da exuberância <strong>dos</strong> tronos rococós, verda<strong>de</strong>iras<br />
fontes <strong>de</strong> cascatas. O teto da capela é artesoado, em molduras<br />
retangulares, com pinturas. As pare<strong>de</strong>s laterais são <strong>de</strong>coradas por<br />
pinturas ricamente emolduradas. Há três janelões guarneci<strong>dos</strong> <strong>de</strong><br />
balaustradas e coruchéus <strong>de</strong> cada lado da capela mor.<br />
O arco cruzeiro é encimado por um medalhão caprichoso e é<br />
todo entalhado no mesmo estilo das galerias laterais. No recinto <strong>de</strong>ssas<br />
galerias estão os altares secundários, num total <strong>de</strong> seis, com retábulos<br />
em arquivoltas mas com colunas torsas mais robustas, acentuando a<br />
mistura <strong>de</strong> referências existentes no templo. Os tronos <strong>dos</strong> dois<br />
primeiros altares têm um formato semelhante ao cálice <strong>de</strong> uma fonte<br />
ou a um cântaro. Há fartura <strong>de</strong> entalhes por todo o templo,<br />
86
combinando folhas, frutas, atlantes, cariáti<strong>de</strong>s e anjos. Há também<br />
gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pinturas com cenas variadas <strong>de</strong> inspiração<br />
religiosa. O teto da nave também é artesoado e mostra uma pintura<br />
<strong>de</strong>corativa suave e bastante discreta. O coro é simples e um pouco<br />
afastado, distinguido-se do recinto da nave. O dourado da talha está<br />
bastante <strong>de</strong>scorado o que é atribuído por alguns autores à gran<strong>de</strong><br />
incidência <strong>de</strong> luminosida<strong>de</strong> no interior do templo. Além do recinto da<br />
nave e da capela mor, há ainda como cômo<strong>dos</strong> principais, a Capela do<br />
Santíssimo, a sacristia e o consistório. Belas portas guarnecem a entrada<br />
<strong>de</strong>sses cômo<strong>dos</strong>. A capela lateral se abre para o trifório. Seu altar<br />
apresenta um retábulo básico com colunas em quartela sustentando<br />
uma espécie <strong>de</strong> baldaquino e guarnecendo o Cristo Crucificado. O teto<br />
é artesoado em gamela e a porta <strong>de</strong> acesso é almofadada e com<br />
entalhes policroma<strong>dos</strong>. A sacristia apresenta um gran<strong>de</strong> e belo arcaz<br />
com entalhes <strong>de</strong> prata, sobre o qual está um altar tipo oratório, la<strong>de</strong>ado<br />
por quadros. O forro é em planos faceta<strong>dos</strong> e há um lavabo <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira<br />
encostado numa das pare<strong>de</strong>s. Destaque ainda para as portas que ligam<br />
a sacristia e o consistório ao recinto da capela mor: são em <strong>de</strong>licadas<br />
pinturas em dourado e vermelho <strong>de</strong> inspiração chinesa.<br />
Visitamos a igreja três vezes, na virada do milênio, <strong>às</strong> vésperas<br />
<strong>de</strong> completar trezentos anos. O estado geral <strong>de</strong> conservação da<br />
magnífica matriz <strong>de</strong> N. S. da Conceição <strong>de</strong> Sabará, então inspirava<br />
cuida<strong>dos</strong>.<br />
Igreja do Rosário – 1768<br />
A igreja do Rosário nunca foi concluída e é, como há quase<br />
duzentos e cinquenta anos atrás, uma capelinha cercada por altas<br />
muralhas <strong>de</strong> pedra, parecendo mais um forte do que uma igreja. Erguese<br />
na parte alta da praça Melo Viana, no centro histórico <strong>de</strong> Sabará.É<br />
imponente apesar <strong>de</strong> inconclusa. Merece ser visitada pois revela como<br />
eram construídas as igreja setecentistas. Ou seja, primeiro havia uma<br />
capelinha à frente da qual se construía a nave, sendo a antiga capela<br />
transformada em capela mor e seu altar transformado no altar mor da<br />
futura igreja. Na verda<strong>de</strong>, a abortada construção que atualmente se vê,<br />
parece abraçar a primitiva capela e provavelmente o que resta <strong>de</strong>la é o<br />
pequeno recinto que hoje serve <strong>de</strong> nave do híbrido templo. Caso a<br />
construção tivesse seguimento, este recinto seria <strong>de</strong>molido e a<br />
majestosa nave se fecharia no arco cruzeiro atual, já pronto para<br />
viabilizar esta intenção. Mas os valentes irmãos do Rosário <strong>de</strong> Sabará,<br />
87
na impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> concluírem sua igreja, improvisaram um altar <strong>de</strong><br />
tábuas pintadas, emendaram a capela mor com a construção antiga,<br />
fecharam o vão do <strong>de</strong>snível do pé direito do arco cruzeiro e foram<br />
realizando suas pie<strong>dos</strong>as cerimônias, ao longo <strong>dos</strong> séculos.<br />
Outra particularida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa igreja é ser toda estruturada em<br />
pedra, quando as <strong>igrejas</strong> da época eram construídas em taipa ou adobe.<br />
Atenção para os púlpitos esculpi<strong>dos</strong> em rocha e chumba<strong>dos</strong><br />
solidamente nas pare<strong>de</strong>s laterais formando quase que uma única peça.<br />
O acesso é livre e assim é possível subir até eles e fazer alguma<br />
molecagem.<br />
O piso também é todo <strong>de</strong> pedra, antecipando a época em que<br />
não seria mais permitido enterrar os mortos das irmanda<strong>de</strong>s nos porões<br />
das <strong>igrejas</strong>. 84<br />
Ao lado da igreja está o belo e imponente chafariz do Rosário.<br />
À frente está a simpática pracinha <strong>de</strong> Sabará com seus artesãos e<br />
ambulantes em geral.<br />
Igreja do Carmo - 1763<br />
A rua do Carmo separa a igreja do seu cemitério. É por ela que<br />
se alcança a matriz <strong>de</strong> N. S. da Conceição, partindo do centro histórico.<br />
A igreja começou a ser erigida em 1763 pela Irmanda<strong>de</strong> do Carmo que<br />
ainda hoje é atuante, zela pelos documentos antigos da igreja e a<br />
mantém permanentemente aberta à visitação. É valorizada por uma<br />
série <strong>de</strong> obras do Aleijadinho nos púlpitos, no coro, no frontão, na<br />
portada, nos balaústres <strong>dos</strong> altares da nave e em algumas imagens. O<br />
projeto básico e a administração da empreitada são <strong>de</strong> Tiago Moreira.<br />
Trabalharam ainda na obra o conhecido e competente entalhador<br />
português Francisco Viera Servas (Altar <strong>de</strong> Santo Elias e altar mor) e<br />
José Fernan<strong>de</strong>s Lobo com entalhes na capela mor. Possui uma bela<br />
fachada com to<strong>dos</strong> os imponentes ingredientes típicos da fase rococó.<br />
A portada é valorizada pelos <strong>de</strong>talhes cria<strong>dos</strong> e executa<strong>dos</strong> pelo<br />
Aleijadinho <strong>de</strong>stacando-se dois anjos, volutas e uma coroa no centro.<br />
Ela é consi<strong>de</strong>rada uma das primeiras portadas genuinamente rococó do<br />
84 Isso ocorreria em 1801 quando o príncipe d. João baixou carta régia nesse sentido.<br />
Sua <strong>de</strong>cisão,como dito, foi conseqüência <strong>de</strong> um estudo do cientista mineiro Vicente<br />
Coelho <strong>de</strong> Seabra Silva Teles intitulado Memória sobre os prejuízos causa<strong>dos</strong> pela sepultura<br />
<strong>dos</strong> cadáveres nos templos e método <strong>de</strong> os prevenir, publicado em Lisboa no ano anterior.<br />
88
patrimônio sacro setecentista mineiro. Acima, <strong>de</strong> cada lado da porta, há<br />
sacadas com cimalhinhas finamente trabalhadas. As torres são marcadas<br />
por cunhais e pilastras em pedra com base aumentada. Há duas<br />
aberturas tipo seteiras, vazadas por uma gra<strong>de</strong>, <strong>de</strong> cada lado, no<br />
alinhamento das torres. O extraordinário frontão é talvez o mais belo<br />
<strong>de</strong> todas as <strong>igrejas</strong> <strong>antigas</strong> mineiras. É curvo e estreito e oferece um<br />
espaço, entre ele e as torres, on<strong>de</strong> repousam duas imponentes peças<br />
altas <strong>de</strong> pedra trabalhadas em complexas volutas. Há um óculo<br />
ovalado, com molduras em pedra e com <strong>de</strong>talhes conchoi<strong>de</strong>s. Acima<br />
do frontão está uma cruz em resplendor la<strong>de</strong>ada dor duas estrelas sobre<br />
colunas redondas e <strong>de</strong>lgadas. Este frontão po<strong>de</strong> ser incluído entre as<br />
obras-primas do Aleijadinho e vale compará-lo com o da igreja <strong>de</strong> São<br />
Francisco <strong>de</strong> Assis <strong>de</strong> Ouro Preto para se ter uma dimensão da<br />
criativida<strong>de</strong> do mestre que usou, em cada uma, solução absolutamente<br />
oposta: nesta predominantemente vertical e naquela<br />
predominantemente horizontal. As cúpulas das torres são em forma <strong>de</strong><br />
pirâmi<strong>de</strong> achatada com pináculos <strong>de</strong> pedra. Enfim é uma fachada<br />
notável bastante característica do estilo do período, dominado pelo<br />
Aleijadinho.<br />
O interior, ainda <strong>de</strong> acordo com a tendência da última meta<strong>de</strong><br />
do século XVIII, é um tanto mais singelo que o exterior predominando<br />
pare<strong>de</strong>s brancas nas laterais da nave e apenas dois altares oblíquos no<br />
transepto do arco cruzeiro.<br />
A capela mor possui gran<strong>de</strong>s janelões que garantem a<br />
iluminação diurna do interior. O retábulo é em <strong>dos</strong>sel simplificado.<br />
Parece mais um baldaquino que se alonga para as laterais on<strong>de</strong> encontra<br />
a parte superior <strong>de</strong> duas colunas retas <strong>de</strong> fuste estriado, reto na parte <strong>de</strong><br />
cima e torso no terço inferior. O trono é alto, em planos superpostos<br />
em forma <strong>de</strong> cascata. Os retábulos <strong>dos</strong> altares laterais são em arco<br />
interrompido por franjas com sanefas no alto. As colunas são retas <strong>de</strong><br />
fuste estriado na parte externa e em quartelas na parte interna. Não se<br />
observa praticamente nenhuma <strong>de</strong>coração nas laterais da capela mor,<br />
salientando-se as próprias pare<strong>de</strong>s caiadas.<br />
Em todo o conjunto da igreja há pouca talha dourada,<br />
predominando o branco mesmo nos altares. Há pinturas no teto da<br />
capela mor, bem como, imitações <strong>de</strong> azulejos na parte inferior das<br />
pare<strong>de</strong>s laterais que alguns suspeitam terem sido executas por Ataí<strong>de</strong><br />
que é, comprovadamente, autor <strong>de</strong> obra semelhante na capela mor da<br />
igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Assis <strong>de</strong> Ouro Preto e na matriz <strong>de</strong> Santa<br />
Bárbara. Também muito competente é a retratação da Virgem <strong>de</strong>ntro<br />
89
<strong>de</strong> um medalhão rococó cercado <strong>de</strong> barra<strong>dos</strong> em perspectiva<br />
arquitetônica ilusionista, existente no teto da capela mor. Mas a<br />
participação do mestre pintor <strong>de</strong> Mariana no embelezamento <strong>de</strong>sta<br />
igreja é altamente especulativa.<br />
O arco cruzeiro é sóbrio, com colunas sustentando capitéis<br />
salientes e sendo sustentadas, por sua vez, por bases aumentadas. É<br />
estruturado em pedra, coberta por uma pintura imitando mármore,<br />
puxada para um azul escuro relativamente incomum. Há uma cornija<br />
simples que circunda todo o teto abobadado da nave. Há seis gran<strong>de</strong>s<br />
janelões no alto, garantindo boa iluminação. No teto se <strong>de</strong>scortina a<br />
cena <strong>de</strong> Santo Elias subindo aos céus conduzido por um par <strong>de</strong><br />
robustos e bem dispostos cavalos ala<strong>dos</strong>, arremetendo num ângulo<br />
impossível. Esta pintura, assim como as existentes na capela mor, é<br />
atribuída ao pintor sabarense Joaquim Gonçalves da Rocha e muito<br />
citada como ilustrativa do estilo rococó pela pouca <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus<br />
planos e profusão <strong>de</strong> nuvens achatadas que mais parecem conchas ou<br />
pétalas do que novelos. 85 Destaque para as imagens: são Simão Stock e<br />
são João da Cruz entrona<strong>dos</strong> nos altares laterais. Essas imagens estão<br />
entre os melhores trabalhos do Aleijadinho. A balaustrada que separa os<br />
altares do corpo principal da nave apresenta belas peças <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira<br />
torneada que também são atribuídas ao Mestre <strong>de</strong> Vila Rica.<br />
Vale a pena comparar também os púlpitos do Aleijadinho <strong>de</strong>sta<br />
igreja com os da igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Ouro Preto. Estes são<br />
muito mais sóbrios e <strong>de</strong> inclinação um tanto renascentista. No geral,<br />
são absolutamente diferentes, o que serve para ilustrar, mais uma vez, a<br />
criativida<strong>de</strong> do gênio em sua melhor fase. É interessante observar que<br />
eles parecem entalha<strong>dos</strong> em pedra mas apenas a base é <strong>de</strong>sse material, o<br />
restante é <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira. O do lado da epístola mostra Jesus com a<br />
Samaritana e o do lado do evangelho mostra Jesus com seus discípulos.<br />
Alguns atribuem ao Aleijadinho apenas a escultura das figuras em baixo<br />
relevo do guarda-corpo <strong>dos</strong> púlpitos, porém é pouco provável que ele<br />
não tenha influído na concepção do conjunto como um todo. No<br />
Museu Regional <strong>de</strong> São João <strong>de</strong>l Rei existem reproduções <strong>de</strong>sses<br />
púlpitos em gesso. Segundo a informação do IPHAN, estampada em<br />
etiquetas grosseiramente coladas <strong>às</strong> peças, a reprodução em gesso<br />
85 Alguns autores atribuem a ele apenas a pintura da nave, duvidando <strong>de</strong> sua autoria<br />
no trabalho do forro da capela mor.<br />
90
precedia e auxiliava o entalhe posterior da peça em ma<strong>de</strong>ira. Parece um<br />
tanto estranho que essa técnica invertida pu<strong>de</strong>sse ter alguma utilida<strong>de</strong>.<br />
O coro, em perfil <strong>de</strong> besta, está sobre uma plataforma em base<br />
arredondada, cercada por balaustradas, sustentada por pilastras <strong>de</strong>lgadas<br />
e arcos irregulares e apoiada nas pare<strong>de</strong>s da nave sobre os vigorosos<br />
atlantes do Aleijadinho.<br />
A Capela do Santíssimo, ao lado da capela mor, apresenta um<br />
altar tipo oratório <strong>de</strong> colunas retas sustentando uma arquitrave irregular<br />
com uma tarja no centro. O teto é facetado e ostenta uma pintura do<br />
Espírito Santo <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um medalhão. Do lado oposto está a sacristia<br />
on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>stacam o oratório sobre um comprido arcaz e um gran<strong>de</strong><br />
lavabo em pedra com peixes contorcionistas amorosamente<br />
entrelaça<strong>dos</strong>.<br />
Saint-Hilaire, cujo gosto pelo barroco mineiro era instável e até<br />
contraditório, mostrou especial admiração pela igreja do Carmo e<br />
Burton não <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> lembrar que o Aleijadinho, cuja obra já tinha<br />
conhecido em São João <strong>de</strong>l Rei, Congonhas e Vila Rica, havia<br />
participado da criação do templo.<br />
Igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Assis - 1761<br />
A igreja da Arquiconfraria do Cordão <strong>de</strong> São Francisco, tal qual<br />
a <strong>dos</strong> seus confra<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Mariana foi erguida sob a invocação <strong>de</strong> N. S.<br />
<strong>dos</strong> Anjos. Está situada na parte alta da praça <strong>de</strong> mesmo nome, próxima<br />
ao centro histórico <strong>de</strong> Sabará. Para criar espaço para sua construção foi<br />
necessário fazer um corte no morro que <strong>de</strong>sce em direção à praça<br />
frontal. Isso não é comum pois a maioria das <strong>igrejas</strong> setecentistas está<br />
construída na parte mais alta <strong>dos</strong> terrenos sobre áreas planas ou<br />
plataformas aterradas.<br />
A fachada é do tipo retangular com duas torres <strong>de</strong> cúpulas<br />
irregulares. Seu traço geral é <strong>de</strong> um estilo que, na época, já estava<br />
começando a sair <strong>de</strong> moda.<br />
Os cunhais e pilastras são em alvenaria e repousam sobre bases<br />
mais largas. Um bonito nicho acima da porta abriga a imagem <strong>de</strong> são<br />
Francisco. Os portais são simples, <strong>de</strong> pedra e com uma verga em curva<br />
abatida. Nas laterais há duas sacadas com cimalhinhas também em<br />
curva e que se comunicam com o coro, após atravessar grossas pare<strong>de</strong>s.<br />
As torres são piramidadas, irregulares, afiladas e encimadas por pontas<br />
arredondadas. O frontão é estreito, alto e singelo e sustenta uma<br />
91
pequena cruz acima do acrotério. Vê-se um diminuto óculo circular na<br />
parte <strong>de</strong> baixo, logo acima da cimalha.<br />
Embora a fachada da igreja seja elementar, a construção é<br />
imponente e assim, o seu interior <strong>de</strong>cepciona sobremaneira o visitante.<br />
A impressão que se tem, reforçando o comentário <strong>de</strong> Richard Burton<br />
<strong>de</strong> 1867, é que a igreja não foi mesmo concluída e o que se vê hoje<br />
não condiz com a intenção <strong>dos</strong> antigos irmãos. De fato, a igreja não<br />
tem altares na nave, nem mesmo no transepto. Apenas existem duas<br />
cavida<strong>de</strong>s nas pare<strong>de</strong>s laterais e que talvez <strong>de</strong>vessem dar lugar a dois<br />
altares verda<strong>de</strong>iros mais tar<strong>de</strong>. Isso porém não aconteceu e o que se<br />
po<strong>de</strong> contemplar hoje são imagens inexpressivas, humil<strong>de</strong> e<br />
zelosamente colocadas na cavida<strong>de</strong> nua.<br />
O altar da capela mor é pintado, imitando entalhes e colunas.<br />
Assim, não há propriamente um retábulo. O trono é em forma <strong>de</strong><br />
pirâmi<strong>de</strong> com plataformas superpostas. Abaixo da mesa da comunhão<br />
há uma vitrine com o Senhor Morto. Há uma pintura <strong>de</strong> N. S. Rainha<br />
<strong>dos</strong> Anjos e <strong>de</strong> Santos Evangelistas no teto da capela mor. Talvez o<br />
único <strong>de</strong>talhe digno <strong>de</strong> nota <strong>de</strong>sta capela sejam as tribunas laterais que<br />
apresentam uma balaustrada mais trabalhada. São alcançadas da forma<br />
tradicional, ou seja, através <strong>de</strong> uma escada existente entre o altar e a<br />
sacristia. Há registro <strong>de</strong> que o entalhador sabarense, Domingos Pinto<br />
Coelho, teria trabalhado na igreja, realizando entalhes em pedra. Deve<br />
ter sido no nicho do frontispício pois praticamente não há nenhum<br />
outro trabalho <strong>de</strong> entalhe no templo, nem em pedra nem em ma<strong>de</strong>ira.<br />
A imagem <strong>de</strong> são Francisco existente no nicho é inequivocamente<br />
atribuída a ele.<br />
Existem, contudo, dois <strong>de</strong>talhes arquitetônicos singulares na<br />
igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Sabará. O primeiro diz respeito ao fato do<br />
arco cruzeiro ser mais alto do que a capela mor, chegando quase ao<br />
topo da nave. Isso provocou a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se fazer uma espécie <strong>de</strong><br />
arremate <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira cobrindo o <strong>de</strong>snível. O resultado é relativamente<br />
<strong>de</strong>sagradável. Talvez até se preten<strong>de</strong>sse alguma coisa interessante que,<br />
no entanto, não pô<strong>de</strong> ser executada como previsto. O segundo <strong>de</strong>talhe<br />
interessante é que os púlpitos ficam apoia<strong>dos</strong> no arco cruzeiro e não na<br />
nave. Essa é uma solução incomum, adotada pelo Aleijadinho na igreja<br />
<strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Assis <strong>de</strong> Ouro Preto.<br />
Não está, evi<strong>de</strong>ntemente, à altura <strong>de</strong> outros notáveis templos <strong>de</strong><br />
Sabará.<br />
92
A igreja não está regularmente disponível para visitação mas seu<br />
zelador mora perto e gosta <strong>de</strong> mostrá-la aos visitantes. Numa das<br />
nossas visitas ele estava muito indignado pois entre a igreja e o costão<br />
do morro há um espaço que o pessoal vem usando para encontros<br />
amorosos, cujos resquícios emporcalham o adro do vetusto templo.<br />
Igreja <strong>de</strong> N. S. do Ó - 1717<br />
A igrejinha <strong>de</strong> N. S. do Ó <strong>de</strong> Sabará é uma das mais notáveis<br />
<strong>igrejas</strong> do Brasil pela qualida<strong>de</strong> da sua talha e pela pureza do seu<br />
interior, representativo da primeira fase do barroco mineiro. Tem um<br />
charme irresistível ainda que, por fora, possa até passar <strong>de</strong>spercebida<br />
aos incautos. Minha relação com ela é da mais pura e incontida paixão.<br />
Fica situada numa pracinha, infelizmente já bastante<br />
<strong>de</strong>scaracterizada, na chamada “cida<strong>de</strong> velha”, próximo ao rio Sabará e à<br />
matriz <strong>de</strong> N. S. da Conceição. Lamentavelmente, nos dias <strong>de</strong> hoje tem<br />
que conviver com uma espelunca que funciona ao seu lado e cujo<br />
proprietário coloca mesas na calçada, roubando o seu espaço sagrado.<br />
Pelo cheiro exalado suspeita-se que o pessoal não se dá ao trabalho <strong>de</strong><br />
ir ao banheiro, usando como mictório as próprias pare<strong>de</strong>s da igrejinha.<br />
Mas a quase tricentenária há <strong>de</strong> resistir.<br />
Sua construção está ligada ao empenho do capitão Lucas<br />
Ribeiro <strong>de</strong> Almeida que <strong>de</strong>u início à obra sobre terreno cedido pelo<br />
Senado da Câmara <strong>de</strong> Sabará. É interessante notar que há registro <strong>de</strong><br />
um ex-voto, mandado fazer pelo capitão por graça alcançada em<br />
escapar <strong>de</strong> uma emboscada em 1720. A pintura é em tela e está fixada<br />
na pare<strong>de</strong>, na entrada da nave. É uma rarida<strong>de</strong> pois, normalmente, as<br />
pinturas <strong>de</strong> ex-votos eram feitas sobre ma<strong>de</strong>ira e não em tela,<br />
geralmente adornando o forro do vestíbulo. O registro também é mais<br />
longo e <strong>de</strong>talhado do que o usual. Permite-nos um prazeroso contato<br />
com o curiosíssimo português do século XVIII.<br />
A igrejinha, como a maioria <strong>dos</strong> nossos templos setecentistas,<br />
sofreu várias reformas <strong>de</strong>scaracterizadoras que foram sendo corrigidas<br />
ao longo <strong>dos</strong> últimos anos até o glorioso retorno ao aspecto original<br />
como vemos hoje.<br />
O exterior é bastante singelo e não anuncia a riqueza que<br />
guarda. Está erigida sobre um pequeno platô cuja frente é acessada por<br />
93
uma rústica escadaria <strong>de</strong> pedras lajeadas. A fachada é poligonal, sendo a<br />
face central do polígono toda ocupada pela gran<strong>de</strong> porta e pela sacada,<br />
logo acima. Nas faces laterais estão mais duas sacadas simétricas. Um<br />
beiral <strong>de</strong> telhas separa o frontispício da única torre, que tem a face<br />
central do polígono como base. O telhado da torre é em quatro águas,<br />
baixo e com garras ace<strong>de</strong>ntes ao estilo chinês, nas pontas. No pináculo<br />
está uma pequena cruz <strong>de</strong> metal sobre um estranho e <strong>de</strong>scomunal catavento.<br />
Não há portas laterais pois o espaço da nave não permite nem<br />
carece <strong>de</strong>ssa comodida<strong>de</strong>.<br />
Tal é a face externa da igrejinha. Não são precisas mais do que<br />
algumas palavras para <strong>de</strong>screvê-la, a <strong>de</strong>scrição do interior porém daria<br />
um livro inteiro.<br />
Internamente a igrejinha tem vários itens que a valorizam, um<br />
<strong>de</strong>les é a sua autenticida<strong>de</strong>. Teve a sorte <strong>de</strong> não ter sofrido atenta<strong>dos</strong><br />
irreparáveis <strong>de</strong> <strong>de</strong>scaracterização ao longo <strong>dos</strong> anos. Assim, temos aqui<br />
hoje talvez o mais puro exemplar da arte religiosa barroca da primeira<br />
fase. Ao lado da matriz <strong>de</strong> N. S. da Conceição e da igreja da Irmanda<strong>de</strong><br />
do Carmo, forma a trinda<strong>de</strong> das magníficas <strong>igrejas</strong> setecentistas <strong>de</strong><br />
Sabará. É aqui que a herança colonial portuguesa do oci<strong>de</strong>nte e do<br />
oriente se encontram <strong>de</strong> forma extraordinariamente harmoniosa.<br />
Na entrada da igrejinha do Ó há uma espécie <strong>de</strong> vestíbulo, após<br />
o que se abre o belo interior. Primeiro a diminuta nave e em seguida a<br />
capela mor, ainda mais diminuta como se fizesse parte do próprio<br />
retábulo. As laterais da nave e da capela mor estão todas cobertas <strong>de</strong><br />
pinturas ricamente emolduradas, a maioria <strong>de</strong>las representando cenas da<br />
vida <strong>de</strong> Jesus. À esquerda o único púlpito, <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira e com guardacorpo<br />
<strong>de</strong> recortes vaza<strong>dos</strong>, num traço que lembra motivos achinesa<strong>dos</strong>.<br />
Há suspeitas <strong>de</strong> que um pintor <strong>de</strong> nome Jacinto Ribeiro,<br />
originário <strong>de</strong> terras do lado do sol nascente, provavelmente filho <strong>de</strong><br />
portugueses, tenha executado as pinturas <strong>de</strong> influência oriental<br />
existentes na igrejinha. O teto da nave é artesoado em caixotões que se<br />
harmonizam com as molduras <strong>dos</strong> quadros laterais como se lhes <strong>de</strong>sse<br />
seqüência, atravessando o recinto <strong>de</strong> um lado para o outro. O arco<br />
cruzeiro é um autêntico retábulo com pinturas e douramentos e outros<br />
traços policroma<strong>dos</strong>. Está adornado com magníficas chinesices, com<br />
riscos doura<strong>dos</strong> sobre fundo preto.<br />
A capela mor segue o estilo da nave com forro também em<br />
caixotões artesoa<strong>dos</strong>. O magnífico retábulo é em arquivoltas puras,<br />
profusamente entalhadas e policromadas. O trono é em formato raro<br />
<strong>de</strong> cântaro e sustenta uma bela imagem <strong>de</strong> Nossa Senhora. Abaixo, na<br />
94
parte frontal do camarim, há uma pequena imagem <strong>de</strong> Santa Bárbara, a<br />
protetora <strong>dos</strong> mineradores. As colunas torsas das arquivoltas são<br />
envoltas em ramagens magistralmente entalhadas. Forma um<br />
exuberante conjunto, com a ramagem ocultando <strong>de</strong>licadamente o miolo<br />
torso das próprias colunas.<br />
Em tudo predomina uma elegante harmonia numa in<strong>de</strong>scritível<br />
festa visual.<br />
Meu amigo, é preciso voltar mais uma vez!<br />
Igreja das Mercês - 1781<br />
Depois da exuberância da igreja do Ó é justo <strong>de</strong>scansar os olhos<br />
na simplicida<strong>de</strong> da igreja das Mercês. Ela fica numa plataforma, num<br />
plano mais elevado em relação à rua da Intendência, próximo ao Museu<br />
do Ouro. Há um mo<strong>de</strong>sto adro <strong>de</strong> pedras irregulares e o beco das<br />
Mercês passa num <strong>dos</strong> la<strong>dos</strong> do templo. Tem uma fachada bastante<br />
simples com duas torres altas, retas, cobertas <strong>de</strong> telhas em quatro águas,<br />
encimadas por pontas. O frontão é uma empena básica, <strong>de</strong>spojada e<br />
reta, guarnecida <strong>de</strong> telhas e serve <strong>de</strong> base a uma cruz, acima <strong>de</strong> um<br />
óculo redondo pequeno. Não há propriamente uma cimalha mas<br />
apenas uma proteção <strong>de</strong> telhas em forma <strong>de</strong> beiral. As pilastras, cunhais<br />
e ombreiras são to<strong>dos</strong> <strong>de</strong> alvenaria sendo que os cunhais são<br />
enquadra<strong>dos</strong> sob tábuas pintadas <strong>de</strong> azul. Acima da porta elementar e<br />
larga, há ainda duas sacadas altas com balaustradas <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira.<br />
O interior é <strong>de</strong> uma simplicida<strong>de</strong> paupérrima, um <strong>dos</strong> mais<br />
pobres <strong>de</strong> todas as <strong>igrejas</strong> setecentistas mineiras. Não há propriamente<br />
altares e sim umas espécies <strong>de</strong> prateleiras pintadas e sem qualquer<br />
adorno on<strong>de</strong> as imagens estão expostas. Nem chegam a ser oratórios. É<br />
assim tanto com o altar mor quanto com os dois altares laterais,<br />
encosta<strong>dos</strong> ao arco cruzeiro.<br />
Algumas referências situam a construção do templo na primeira<br />
meta<strong>de</strong> do século XVIII. Não parece, contudo, uma típica igreja <strong>de</strong>ste<br />
período. A construção tem aspecto frágil e suas pare<strong>de</strong>s são pouco<br />
espessas contrariando a robusta compleição das <strong>igrejas</strong> mais <strong>antigas</strong>.<br />
Uma informação editada pela Prefeitura <strong>de</strong> Sabará sustenta a<br />
antiguida<strong>de</strong> do templo atribuindo sua simplicida<strong>de</strong> a uma característica<br />
das <strong>igrejas</strong> da primeira fase do barroco mineiro. Essa não é<br />
propriamente uma cre<strong>de</strong>ncial para o caso <strong>de</strong>sse templo. Contudo, isso<br />
não torna discutível que o templo seja realmente setecentista, mesmo se<br />
95
lembramos que dom frei José o encontrou inacabado em 1822. O<br />
IPHAN, responsável pelo tombamento, cita várias obras <strong>de</strong> restauração<br />
da construção antes <strong>de</strong>ssa época, inclusive numa possível gran<strong>de</strong><br />
reforma ocorrida em 1781, <strong>de</strong>dução advinda do fato <strong>de</strong> que naquele<br />
ano, a imagem da padroeira foi trasladada para a igreja do Carmo.<br />
Saint-Hilaire fala em cinco <strong>igrejas</strong> principais em Sabará no ano<br />
<strong>de</strong> 1816. Contando a <strong>de</strong> Santa Rita já <strong>de</strong>molida, po<strong>de</strong>r-se-ia supor que a<br />
igreja das Mercês não existia naquela época. 86 Isso porém não tem<br />
maior significado pois os nossos antigos viajantes não eram muito<br />
precisos nas suas contagens <strong>de</strong> <strong>igrejas</strong>. No geral, porém, parece-se com<br />
as capelas do século XIX, notavelmente empobrecidas. O mais certo é<br />
que a igreja atual realmente tenha sido totalmente reconstruída em 1781<br />
<strong>de</strong> forma a mais econômica possível, compatível com as posses das<br />
sempre pobres irmanda<strong>de</strong>s das Mercês. Disso resultou o aspecto<br />
pouco sólido que o templo tem hoje e que po<strong>de</strong> estar traindo sua real<br />
antiguida<strong>de</strong>. 87<br />
Capela <strong>de</strong> N. S. do Pilar - 1759<br />
A capela fica próxima a igreja das Mercês e do cemitério, ao<br />
lado <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> solar cercado <strong>de</strong> uma muralha <strong>de</strong> pedra on<strong>de</strong><br />
funcionou o antigo Hospício da Terra Santa, local on<strong>de</strong> os fra<strong>de</strong>s<br />
esmoleiros iam se hospedar. O solar <strong>de</strong>sperta muito minha curiosida<strong>de</strong><br />
mas é hoje uma proprieda<strong>de</strong> particular in<strong>de</strong>vassável que só se po<strong>de</strong><br />
contemplar pelas frestas do intransponível portão, rasgado na<br />
instransponível muralha <strong>de</strong> pedra. Embora pertencesse ao patrimônio<br />
da hospedaria, a construção da capela contou com a colaboração da<br />
Irmanda<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Francisco. Sua fachada apresenta uma porta<br />
avantajada para suas dimensões, com uma moldura trabalhada em<br />
massa <strong>de</strong> reboco mais saliente na verga, acima da qual está um pequeno<br />
óculo. O frontão também é trabalhado nas laterais com adornos em<br />
massa e sustenta uma cruz simples. A torre sineira está localizada no<br />
fundo do templo. Há seteiras nas pare<strong>de</strong>s laterais. A parte posterior do<br />
86 As quatro restantes seriam: N. S. da Conceição, igrejinha do Ó, Carmo e São<br />
Francisco.<br />
87 Esta igreja foi praticamente <strong>de</strong>struída por um incêndio ocorrido <strong>de</strong>pois da primeira<br />
edição <strong>de</strong>ste livro e até hoje (mea<strong>dos</strong> <strong>de</strong> 2011) não foi reconstruída.<br />
96
edifício abriga a capela mor e a sacristia com um conjunto <strong>de</strong> sinos<br />
assenta<strong>dos</strong> sobre ela. Dom frei José da Santíssima Trinda<strong>de</strong>, na visita <strong>de</strong><br />
1822, achou o templo em condição <strong>de</strong>cente e bem preparado para as<br />
suas funções. Sua construção <strong>de</strong>ve ter se iniciado antes <strong>de</strong> 1759 pois há<br />
registros <strong>de</strong> casamentos ocorri<strong>dos</strong> nessa capela naquele ano.<br />
Após quatro tentativas <strong>de</strong>sistimos <strong>de</strong> conhecer a capela por<br />
<strong>de</strong>ntro. Mas soubemos que ela possui três altares puxa<strong>dos</strong> ao rococó,<br />
provavelmente provenientes da contemplação <strong>dos</strong> trabalhos existentes<br />
na igreja do Carmo, pelos artesãos que os executaram. O piso da nave é<br />
coberto por ladrilhos <strong>de</strong>scaracteriza<strong>dos</strong> <strong>de</strong> colocação mais recente. O<br />
forro apresenta pintura representativa da Santíssima Trinda<strong>de</strong>. Há ainda<br />
pinturas <strong>de</strong> painéis nas pare<strong>de</strong>s laterais da nave, da capela mor e do<br />
coro. O arco cruzeiro ostenta altares tipo oratório com pintura<br />
policromada. O retábulo da capela mor é <strong>de</strong>limitado por duas colunas<br />
retas <strong>de</strong> fuste estriado, dourado sobre branco e completa<strong>dos</strong> por talha<br />
policromada e dourada e colunas em quartelas do lado interno. Foi o<br />
que nos disseram.<br />
Capela <strong>de</strong> Santa Cruz<br />
A igreja notada por Burton quando <strong>de</strong> sua passagem por aqui,<br />
está situada no Alto da Cruz, do lado do Arraial Velho, <strong>de</strong> fato em<br />
posição bastante visível <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o centro histórico <strong>de</strong> Sabará. É acessada<br />
após uma subida íngreme por vias estreitas, irregulares e mal calçadas.<br />
Do seu outeiro é possível enxergar quase toda a cida<strong>de</strong> com as <strong>igrejas</strong><br />
<strong>de</strong>spontando num e noutro ponto, especialmente a igreja <strong>de</strong> São<br />
Francisco que, à distância, faz sua melhor figura. O sítio da capela é<br />
<strong>de</strong>spojado e tem um alto cruzeiro à frente. A fachada é bastante singela<br />
com uma porta gran<strong>de</strong> <strong>de</strong> ferro, forrada com <strong>de</strong>sagradáveis folhas <strong>de</strong><br />
flandres e contornada por uma moldura <strong>de</strong> massa vergada no alto. Há<br />
dois janelões suspensos <strong>de</strong> cada lado. Acima está uma empena reta e<br />
baixa com um pequeno óculo vazado. Um pouco recuado, sobre a<br />
cumeeira, há uma cruz simples. Do lado, na altura da nave, há pequenas<br />
janelas. É uma das mais pobres fachadas <strong>de</strong> todas as capelas visitadas<br />
nessa nossa viagem. Não conseguimos vê-la por <strong>de</strong>ntro pois a casa da<br />
zeladora que nos disseram ter a chave, também estava fechada. Fomos<br />
recebi<strong>dos</strong> apenas por um cachorro fanfarrão e nada conseguimos ficar<br />
sabendo sobre o interior do templo que imagino ser muito <strong>de</strong>spojado<br />
97
pois praticamente ninguém fala <strong>de</strong>le, apesar <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r ser notado <strong>de</strong><br />
qualquer ponto <strong>de</strong> Sabará.<br />
Não tenho certeza se é efetivamente um templo setecentista e<br />
certamente, muito pouco acrescenta ao rico acervo <strong>de</strong> Sabará.<br />
Capela <strong>de</strong> Santana – 1749<br />
Esta interessante capela fica no Arraial Velho, ou seja, do lado<br />
esquerdo do rio das Velhas, on<strong>de</strong> se chega a partir <strong>de</strong> estreitas e<br />
tortuosas vielas. Saindo <strong>de</strong> Sabará, segue-se uma pitoresca estradinha<br />
com bela vegetação abraçando a passagem em vários trechos e<br />
pequenos olhos d’água cruzando o leito <strong>de</strong> terra. De repente, após um<br />
velho paredão <strong>de</strong> pedras, eis a capelinha cercada por um muro baixo e<br />
com uma estrutura <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira sustentando um sino carcomido ao lado.<br />
Estava praticamente em ruínas em 1950, quando foi tombada e<br />
restaurada pelo IPHAN. Possui uma fachada singela, composta <strong>de</strong> uma<br />
única peça <strong>de</strong>limitada pelos cunhais e uma empena baixa, sustentando<br />
uma cruz <strong>de</strong>lgada na cumeeira. Os cunhais são <strong>de</strong> alvenaria e a porta é<br />
avantajada, com moldura e ornatos <strong>de</strong> cantaria sobre a verga. No alto<br />
há um pequeno óculo cruciforme e duas janelas nas laterais, com<br />
molduras <strong>de</strong> pedra.<br />
Diogo <strong>de</strong> Vasconcelos registrou a possibilida<strong>de</strong> <strong>dos</strong> restos<br />
mortais <strong>de</strong> Borba Gato terem sido sepulta<strong>dos</strong> nessa capela não<br />
havendo, contudo, maiores indícios para o visitante. De toda forma não<br />
seria nessa capela e sim na primitiva, <strong>de</strong>molida para dar lugar à atual.<br />
Po<strong>de</strong> ser que na <strong>de</strong>molição os preciosos restos do bravo ban<strong>de</strong>irante<br />
tenham virado entulho.<br />
As pare<strong>de</strong>s da nave não têm revestimento, o que <strong>de</strong>ixa à vista<br />
sua estrutura <strong>de</strong> canga. Essa particularida<strong>de</strong>, aliada ao teto sem forro e<br />
com caibros a mostra, dá ao templo um aspecto rústico e primitivo. A<br />
moldura do arco cruzeiro e a base do púlpito único sem guarda-corpo,<br />
são em pedra. A pia batismal, também <strong>de</strong> pedra, está a um canto da<br />
entrada sobre uma base <strong>de</strong> laje rústica. O restante do piso é <strong>de</strong> assoalho.<br />
A capela mor tem as pare<strong>de</strong>s rebocadas e caiadas e guarda o altar mor<br />
com talha fitomorfa policromada em tons leves, com toques em<br />
dourado que valorizam o conjunto. O retábulo ten<strong>de</strong> ao <strong>dos</strong>sel com<br />
pingentes pen<strong>de</strong>ndo do cortinado e a Santíssima Trinda<strong>de</strong> no alto,<br />
adornada por volutas e figuras <strong>de</strong> anjos. Apresenta colunas retas <strong>de</strong><br />
98
fuste torso na parte externa e pilastras internas em quartelas. Entre elas<br />
há nichos com corte conchoi<strong>de</strong> no alto. Dispostas no altar estão as<br />
imagens <strong>de</strong> Santana entronada e na boa companhia <strong>de</strong> são Joaquim, são<br />
José, Nossa Senhora e são Miguel Arcanjo. Nos nichos estão santo<br />
Antônio e N. S. da Conceição. Na sacristia po<strong>de</strong> ser encontrado um<br />
lavabo <strong>de</strong> pedra e duas janelas com bancos também <strong>de</strong> pedra,<br />
utilíssimos para se olhar a paisagem e admirar os caprichos ver<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
Deus e sentir o cheiro do seu frescor. Não tenho dúvidas que ele, vez<br />
em quanto <strong>de</strong>scansa por aqui.<br />
Capela <strong>de</strong> Santo Antônio <strong>de</strong> Pompéu - 1730<br />
Esta capela fica situada no povoado <strong>de</strong> Pompéu, próximo à<br />
antiga mina <strong>de</strong> Cuiabá, ainda em ativida<strong>de</strong> e po<strong>de</strong> ser acessada pela<br />
estrada <strong>de</strong> Caeté margeando o rio Sabará e <strong>de</strong>pois subindo a serra rumo<br />
à terra <strong>de</strong> João Pinheiro. 88 A estrada, como dito, também é muito<br />
interessante e leva à velha mina que quase to<strong>dos</strong> os nossos antigos<br />
viajantes quiseram conhecer. Do alto da serra há uma vista interessante,<br />
com Belo Horizonte ao longe. A construção da capela po<strong>de</strong> ser situada<br />
antes <strong>de</strong> 1731 pois há documento <strong>de</strong> registro <strong>de</strong> batizado ocorrido<br />
naquele ano. Possui um único altar, com características típicas da<br />
primeira fase do setecentos, ou seja, ten<strong>de</strong>ndo a arquivoltas, porém com<br />
as colunas concêntricas interrompidas por um medalhão e figuras <strong>de</strong><br />
atlantes sustentando colunas, nas laterais. É o ponto alto do templo,<br />
<strong>de</strong>stacando-se a competente talha policromada com motivos fitomorfos<br />
e figuras <strong>de</strong> pelicanos no melhor estilo da primeira fase. O trono<br />
sustenta a imagem <strong>de</strong> santo Antônio à frente <strong>de</strong> resplendores. O teto da<br />
capela mor é artesoado, com pinturas <strong>de</strong> cenas sacras e inscrições<br />
latinas que continuam nas pare<strong>de</strong>s laterais. Também se <strong>de</strong>staca o arco<br />
cruzeiro em ma<strong>de</strong>ira natural com entalhes <strong>de</strong> anjos e uma tarja no alto<br />
que se multiplica nas laterais do arco. O coro é reto, com balaustrada <strong>de</strong><br />
ma<strong>de</strong>ira torneada. É alcançado através <strong>de</strong> uma escada <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira na<br />
lateral do vestíbulo. Nas pilastras do coro há duas pequenas pias em<br />
ma<strong>de</strong>ira <strong>de</strong>stinadas no passado a conter a água benta para unção <strong>dos</strong><br />
fiéis. O forro, recentemente colocado, é <strong>de</strong> esteira natural. Do lado<br />
direito da capela mor está a sacristia e do lado oposto está a Capela do<br />
88 Na verda<strong>de</strong> ele nasceu no Serro mas fincou raízes e está sepultado em Caeté.<br />
99
Santíssimo. Em ambos há interessantes oratórios policroma<strong>dos</strong>. A<br />
sacristia apresenta também um lavabo em ma<strong>de</strong>ira. O traço<br />
arquitetônico da fachada é bastante simples, estruturada numa única<br />
peça, sem cimalha. No centro está uma gran<strong>de</strong> porta e nas laterais duas<br />
pequenas janelas, uma das quais ostenta um pequeno sino. Há um<br />
óculo abaixo da cumeeira e um beiral abaixo da borda do telhado. Um<br />
segundo sino está colocado sob uma sineira <strong>de</strong> estrutura <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira<br />
postada no adro, próximo ao portão <strong>de</strong> entrada, rasgado no muro <strong>de</strong><br />
pedras baixo. O sino parece muito velho mas, na verda<strong>de</strong> não é tão<br />
velho assim pois foi fundido em 1950. Cercando o templo há uma<br />
plataforma <strong>de</strong> pedras superpostas <strong>de</strong> sólido aspecto que mostra a<br />
intenção <strong>de</strong> seus construtores <strong>de</strong> fazê-la atravessar os séculos. As<br />
pare<strong>de</strong>s do templo sofreram várias reformas e po<strong>de</strong>-se imaginar que<br />
nada mais há da primitiva estrutura <strong>de</strong> taipa.<br />
Ao tentar visitar a igrejinha <strong>de</strong> Pompéu você fatalmente vai<br />
encontrá-la fechada. Mas este problema é facilmente contornável. Basta<br />
procurar a d. Nilda, guardiã das chaves que mora próximo e terá<br />
gran<strong>de</strong> prazer em abri-lo para sua visitação. A simpática senhora é<br />
testemunha eloqüente <strong>dos</strong> esforços que a comunida<strong>de</strong> tem feito para<br />
preservar o templo e mostra aflita preocupação com as possibilida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong>le se per<strong>de</strong>r, pois constantes são as ameaças <strong>de</strong> ruína. De fato, essa<br />
ameaça é real e ronda continuamente a gran<strong>de</strong> maioria das nossas<br />
<strong>igrejas</strong> <strong>antigas</strong>, especialmente as <strong>de</strong> menor prestígio.<br />
Há pouco assisti na televisão uma solenida<strong>de</strong> em que o<br />
presi<strong>de</strong>nte da república e o ministro da cultura anunciavam verbas e<br />
facilida<strong>de</strong>s para ajudar a indústria cinematográfica nacional.<br />
Prestigiando a solenida<strong>de</strong> estavam notórias figuras do nosso cinema,<br />
eufóricas com as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> porem a mão no bom dinheirinho<br />
público para fazer suas obras que, via <strong>de</strong> regra, envelhecem e per<strong>de</strong>m<br />
totalmente o sentido em poucos anos. 89 Mas o governo acha que eles<br />
precisam <strong>de</strong> incentivo pois o mercado é muito insensível à genialida<strong>de</strong><br />
89 Isso quando chegam a ser feitas. Há o escandaloso caso envolvendo conhecidas<br />
figuras do meio televisivo e cinematográfico que <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> embolsarem polpu<strong>dos</strong><br />
subsídios públicos não realizaram o que prometeram ou o fizeram porcamente. Há<br />
ainda o caso da empresária <strong>de</strong> teatro que teria comprado uma cobertura com verba da<br />
mesma fonte.<br />
100
<strong>de</strong>sse pessoal. É, d. Nilda está numa briga <strong>de</strong>sigual e vai ter que<br />
continuar a se virar sozinha para preservar a sua igrejinha. Ela e a brava<br />
comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Pompéu.<br />
Matriz <strong>de</strong> N. S. da Lapa/Assunção <strong>de</strong> Ravena - 1727<br />
O antigo povoado <strong>de</strong> N. S. da Lapa é o atual distrito <strong>de</strong> Ravena<br />
que po<strong>de</strong> ser alcançado através da BR. 262, no sentido <strong>de</strong> Caeté. O<br />
povo do local i<strong>de</strong>ntifica essa igreja como <strong>de</strong> N. S. da Assunção,<br />
ignorando portanto, a <strong>de</strong>nominação oficial. Dom frei José, no seu<br />
relatório <strong>de</strong> 1822, dá como seu orago N. S. da Lapa. O mesmo faz o<br />
IEPHA, responsável pelo tombamento. Mas há registro <strong>de</strong> criação da<br />
paróquia em 1855 com a <strong>de</strong>nominação <strong>de</strong> N. S. da Assunção e é daí que<br />
vem a referência popular atual. Há quem diga que se trata da matriz <strong>de</strong><br />
N. S. da Lapa sob a invocação <strong>de</strong> N. S. da Assunção e assim<br />
acomodam-se os dois nomes da igreja.<br />
O templo está no finalzinho da vila, à frente <strong>de</strong> uma ampla<br />
praça. Possui uma fachada quadrada com uma porta singela, com<br />
portais igualmente simples e dois janelões no alto, adorna<strong>dos</strong> com<br />
cimalhinhas elementares e um óculo cruciforme. A cimalha é um beiral<br />
<strong>de</strong> massa <strong>de</strong> alvenaria e contorna todo o telhado. O frontão abraça a<br />
torre única central, é recortado em leves volteios e la<strong>de</strong>ado por<br />
coruchéus, em forma <strong>de</strong> pirâmi<strong>de</strong>, no alinhamento <strong>dos</strong> cunhais. A torre<br />
sineira tem uma cobertura <strong>de</strong> quatro águas <strong>de</strong> telha, afunilada no alto,<br />
com garras chinesas nas pontas e uma pequena cruz no topo. Há um<br />
baixo muro cercando o templo.<br />
Não conseguimos as chaves para examiná-la por <strong>de</strong>ntro, tão<br />
<strong>de</strong>sencontradas eram as informações sobre quem era o guardião das<br />
mesmas. A casa paroquial era o lugar mais provável, mas estava<br />
fechada.<br />
RAPOSOS<br />
Uma estrada sinuosa e pitoresca liga Raposos a Belo Horizonte,<br />
vinte quilômetros a leste, atrás da serra do Curral, após Nova Lima. Seu<br />
nome primitivo era N. S. da Conceição <strong>de</strong> Raposos do Sabará e foi<br />
fundada por Pedro <strong>de</strong> Morais Raposo. É hoje uma típica cida<strong>de</strong>zinha<br />
do interior mineiro com suas vendas e prosas.<br />
101
Richard Burton visitou a vila em 1867 e registrou que a Matriz<br />
<strong>de</strong> N. S. da Conceição era tida como a mais antiga <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> e que sua<br />
conservação <strong>de</strong>via ser atribuída ao zelo do seu vigário José <strong>de</strong> Araújo da<br />
Cunha Alvarenga.<br />
George Gardner passou em Raposos vindo <strong>de</strong> Morro<br />
Vermelho, no dia 29 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1840 e consi<strong>de</strong>rou o arraial como o<br />
menor que já tinha visitado em <strong>Minas</strong>. Classificou a ponte sobre o rio<br />
das Velhas como muito estreita e perigosa. Ainda é!<br />
Matriz <strong>de</strong> N. S. da Conceição - 1704<br />
A igreja po<strong>de</strong> ser vista <strong>de</strong> longe, após uma curva do rio das<br />
Velhas e é fácil acessá-la sem <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> informações. É<br />
tradicionalmente consi<strong>de</strong>rada a mais antiga igreja <strong>de</strong> <strong>Minas</strong>, construída<br />
ainda no final do século XVII, mas isso não está inteiramente<br />
comprovado. A data mais comum <strong>de</strong> referência é o longínquo ano <strong>de</strong><br />
1690 ou seja, da época <strong>dos</strong> primeiros <strong>de</strong>scobrimentos do ouro no<br />
Sabarabuçu. Porém, acreditamos que ela seja um pouco mais nova. 90 De<br />
qualquer forma, faz parte do grupo das primeiras <strong>igrejas</strong> mineiras<br />
erigidas à condição <strong>de</strong> vigairaria colada (1724).<br />
Está erigida praticamente <strong>às</strong> margens do rio das Velhas mas a<br />
segura distância <strong>de</strong> eventuais enchentes. Um morador contou-nos que<br />
por volta <strong>de</strong> 1995, uma gran<strong>de</strong> enchente inundou Raposos cobrindo<br />
todas as casas ribeirinhas. A matriz, porém, não foi atingida,<br />
remanescendo preservada graças à sábia prudência <strong>de</strong> seus construtores.<br />
Do seu adro tem-se uma bela visão <strong>de</strong> uma larga curva do rio, ainda<br />
majestosa a <strong>de</strong>speito das <strong>de</strong>gradações que o histórico curso d’água vem<br />
sofrendo ao longo <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> trezentos anos. Para uma matriz do<br />
princípio do século XVIII, a igreja <strong>de</strong> Raposos é relativamente simples,<br />
90<br />
Segundo Diogo <strong>de</strong> Vasconcelos, Pedro Raposo chegou a <strong>Minas</strong> na comitiva<br />
do Governador Artur <strong>de</strong> Sá por volta <strong>de</strong> 1695. Em sendo assim ou encontrou<br />
um núcleo com a igreja <strong>de</strong> N. S. da Conceição já erigida ou a igreja é<br />
realmente um pouco mais nova do que se costuma acreditar. Penso que a<br />
matriz <strong>de</strong> Raposos seja do principio <strong>de</strong> Século XVIII e que os primeiros<br />
templos mineiros sejam mesmo aqueles construí<strong>dos</strong> pela turma <strong>de</strong> Januário<br />
Car<strong>dos</strong>o no norte <strong>de</strong> <strong>Minas</strong>. Por isso prefiro a data <strong>de</strong> 1704 usada por alguns<br />
autores.<br />
102
com poucos adornos e pouca riqueza. O douramento e a pintura <strong>dos</strong><br />
altares estão quase que inteiramente apaga<strong>dos</strong>, prevalecendo a<br />
exposição da ma<strong>de</strong>ira ao natural. Burton assinala que outrora, a igreja<br />
era muito rica em prata e que naquela época apenas algumas peças<br />
ainda restavam. Hoje sobrou pouco do antigo patrimônio e mesmo as<br />
imagens são pobres e, aparentemente, com antiguida<strong>de</strong> não condizente<br />
com a ida<strong>de</strong> do templo. Está construída sobre uma plataforma que<br />
avança em direção ao rio das Velhas e que termina numa escadaria que<br />
após o pequeno adro <strong>de</strong>sce em direção à apertada rua frontal.<br />
A fachada mostra uma porta retangular elementar, sem<br />
moldura. Não há cunhais nem pilastras aparentes. Há um minúsculo<br />
óculo vazado e duas sacadas laterais. As torres são encimadas por<br />
coberturas piramidadas altas com pináculos singelos. Há quatro finas<br />
colunas quadradas em cada canto das torres circundando as pirâmi<strong>de</strong>s,<br />
ao estilo do pobre neogótico das <strong>igrejas</strong> brasileira do século XX.<br />
Provavelmente foram ali colocadas bem mais recentemente. De fato,<br />
dom frei José registrou em 1822 que o edifício da igreja estava em<br />
ruínas. Portanto, <strong>de</strong>ve ter passado por uma gran<strong>de</strong> reforma no século<br />
XIX que, seguramente, <strong>de</strong>scaracterizou sua fachada original. Há umas<br />
cimalhinhas pintadas retas em forma <strong>de</strong> telhado, abaixo das aberturas<br />
<strong>dos</strong> sinos. O frontão é quase reto com volutas pintadas na parte <strong>de</strong><br />
baixo e uma base pontuda na parte <strong>de</strong> cima, on<strong>de</strong> repousa uma cruz<br />
básica.<br />
O altar mor tem colunas torsas, duas <strong>de</strong> cada lado. A base do<br />
trono é alta e há duas pequenas imagens <strong>de</strong> cada lado, sob consolos.<br />
Dois gran<strong>de</strong>s óculos retangulares atravessam as grossas pare<strong>de</strong>s da<br />
capela mor. O arco cruzeiro não tem qualquer <strong>de</strong>coração. Em suas<br />
laterais, encosta<strong>dos</strong> em ângulo reto, há dois altares nos quais o retábulo<br />
é quase que uma simples moldura entalhada. Nas laterais da nave, atrás<br />
<strong>de</strong> balaustradas, há dois corredores em ma<strong>de</strong>ira, com arcos que se<br />
abrem para o interior da nave em trifório. Apresentam o teto em forma<br />
<strong>de</strong> abóbadas <strong>de</strong> arestas, com facetas que se encontram no alto ao estilo<br />
gótico. Como já citamos, essa subdivisão lateral da nave po<strong>de</strong> ser<br />
observada também em outras duas matrizes muito <strong>antigas</strong>: a <strong>de</strong> N. S. da<br />
Conceição <strong>de</strong> Sabará, que já visitamos, e a matriz <strong>de</strong> N. S. da Assunção<br />
<strong>de</strong> Mariana. Na parte da frente <strong>de</strong>sses corredores laterais, próximos ao<br />
arco cruzeiro, há dois outros altares. O da direita é em arquivoltas e o<br />
da esquerda é em <strong>dos</strong>sel. O entalhe <strong>dos</strong> altares é competente mas o<br />
douramento e a pintura apresentam apenas vestígios do que foram no<br />
103
passado. No da direita, provavelmente mais antigo, prevalecem<br />
entalhes <strong>de</strong> uvas e folhas e no da esquerda prevalecem figuras <strong>de</strong> anjos.<br />
O teto da nave é facetado e no centro há uma visão <strong>de</strong> N. S. da<br />
Conceição que parece ser mais recente. O piso <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira atual<br />
substitui o primitivo piso <strong>de</strong> terra batida. Não há quebra vento e o coro<br />
é reto sem qualquer <strong>de</strong>coração, cercado por uma balaustrada fina que<br />
não tem outro propósito que não seja impedir a queda das pessoas.<br />
Enfim, a igreja <strong>de</strong> N. S. da Conceição <strong>de</strong> Raposos é uma igreja<br />
relativamente singela para sua condição <strong>de</strong> matriz do princípio do<br />
século XVIII. Mas é muito peculiar, o que po<strong>de</strong> servir para atestar sua<br />
antiguida<strong>de</strong>. Oferece ainda a romântica possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se po<strong>de</strong>r<br />
contemplar o movimento manso e heróico do rio das Velhas, do alto<br />
do seu adro. Esta igreja foi tombada pelo IPHAN em 1938.<br />
SANTA LUZIA<br />
A povoação <strong>de</strong> Santa Luzia é um <strong>dos</strong> mais lin<strong>dos</strong> lugares<br />
da província: colocada em lugar alto, dali <strong>de</strong>scortina-se muito<br />
longe, e a povoação também se avista <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> distância,<br />
assim como o Rio das Velhas, que passa aí, abaixo da cida<strong>de</strong>.<br />
Esta não é gran<strong>de</strong>, mas tem alguns edifícios, como a matriz e<br />
um bom hospital, fundado pelo Barão <strong>de</strong> Santa Luzia.<br />
O pessoal <strong>de</strong>sta cida<strong>de</strong> é em tudo semelhante ao <strong>de</strong> Sabará.<br />
O município é rico e tem homens bem importantes.<br />
Santa Luzia é outra velha cida<strong>de</strong> localizada nas cercanias <strong>de</strong><br />
Belo Horizonte. Por volta <strong>de</strong> 1700 já havia registro da existência da<br />
povoação. Embora também tenha tido suas ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> mineração,<br />
cedo se firmou como centro <strong>de</strong> indústrias rudimentares e como<br />
entreposto comercial, postado no rumo entre Sabará e o Distrito <strong>dos</strong><br />
Diamantes. Fica bem próxima, no início do caminho para o Aeroporto<br />
<strong>de</strong> Confins. Possui um pequeno núcleo histórico com algumas<br />
construções <strong>antigas</strong> do fim do século XVIII.<br />
Um registro <strong>de</strong> 1761 que pedia a elevação do arraial à categoria<br />
<strong>de</strong> vila, apresenta como cre<strong>de</strong>ncial para tal o fato da localida<strong>de</strong><br />
apresentar duas gran<strong>de</strong>s <strong>igrejas</strong>, mais cinco nas cercanias. O arraial só<br />
conseguiu ir a vila 86 anos <strong>de</strong>pois (1847), <strong>de</strong>smembrado <strong>de</strong> Sabará que<br />
então já era cida<strong>de</strong>.<br />
104
Foi aqui que se travou a batalha que pôs termo à famosa<br />
revolução liberal <strong>de</strong> 1842, quando as tropas legalistas, comandadas pelo<br />
coronel Lima e Silva (futuro duque <strong>de</strong> Caxias) venceu Teófilo Otoni e<br />
seus parceiros.<br />
A Vila <strong>de</strong> Santa Luzia foi visitada por Richard Burton em 1867,<br />
vindo <strong>de</strong> Sabará <strong>de</strong> canoa, navegando o rio das Velhas. Hospedou-se<br />
num hotel que consi<strong>de</strong>rou muito precário mas barato. Teve sua atenção<br />
<strong>de</strong>spertada pelo gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> prostíbulos estabeleci<strong>dos</strong> na vila<br />
apesar <strong>de</strong>la ser tida como se<strong>de</strong> <strong>de</strong> um santuário. Comentou, porém, ter<br />
ouvido falar que esse comércio ali era menos próspero do que em<br />
Curvelo. 91<br />
Registrou a existência da igreja matriz e da igreja <strong>de</strong> N. S. do<br />
Rosário.<br />
Uma atração extra <strong>de</strong> Santa Luzia é o convento <strong>de</strong> Macaúbas,<br />
fundado pelos irmãos Manuel e Felix da Costa Soares em 1714. O<br />
convento, <strong>de</strong>vido à proibição da existência <strong>de</strong> obras <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m segunda<br />
em <strong>Minas</strong>, não era propriamente um convento mas sim uma casa <strong>de</strong><br />
recolhimento. 92 Só foi <strong>de</strong>vidamente regulamentado como instituição<br />
religiosa no final do século XVIII. O convento também foi visitado<br />
por Burton que anotou que a construção que visitara era <strong>de</strong> 1745 e não<br />
a primitiva <strong>de</strong> 1714 cujas ruínas ainda podiam ser vistas.<br />
Aqui se educaram filhas ilustres <strong>de</strong> Diamantina, <strong>de</strong> Chica da<br />
Silva e do padre Rolim. Com seus respectivos cogenitores e não ente si,<br />
bem entendido. Quando o inquieto padre inconfi<strong>de</strong>nte foi para o<br />
<strong>de</strong>gredo, sua mulher e filhos ficaram morando numa casa na entrada do<br />
convento. Ao regressar ao Brasil <strong>de</strong>vidamente indultado, ele os<br />
91 Não pensem mal das luzienses e curvelanas é que naquele tempo havia um déficit<br />
<strong>de</strong> mulheres, principalmente para um bom casamento; já que as famílias <strong>de</strong> bem<br />
nascer gostavam muito <strong>de</strong> induzir suas filhas a abraçarem a vida religiosa o que,<br />
inclusive, economicamente lhes era muito conveniente. Provavelmente as prostitutas<br />
<strong>de</strong> Santa Luzia e Curvelo eram pobres negras e mulatas errantes, <strong>de</strong>safortunadas, sem<br />
qualquer outra opção para ganhar a vida.<br />
92 Às vezes era usado para “guardar” senhoras casadas, durante perío<strong>dos</strong> longos <strong>de</strong><br />
ausência <strong>de</strong> seus mari<strong>dos</strong>. O ministro português do ultramar - Martinho <strong>de</strong> Melo e<br />
Castro - certa vez nomeou o estabelecimento como “ colégio para formação <strong>de</strong> boas e<br />
exemplares mães <strong>de</strong> família”.<br />
105
ecolheu, voltou para Diamantina e viveu feliz até quase os noventa<br />
anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, sobrevivendo à mulher e a alguns filhos.<br />
O mais interessante é que a mulher do padre Rolim, Quitéria<br />
Rita, era exatamente filha <strong>de</strong> Chica da Silva.<br />
Santa Luzia possui uma infraestrutura turística mo<strong>de</strong>sta com<br />
poucas opções <strong>de</strong> hospedagem e alimentação. A cida<strong>de</strong> é mal sinalizada<br />
o que, agravado pelo traçado bastante irregular <strong>de</strong> seu plano urbano,<br />
dificulta o trânsito do turista. Ao contrário <strong>de</strong> Sabará é uma cida<strong>de</strong><br />
muito afetada pelo tumulto urbanístico da região metropolitana <strong>de</strong> Belo<br />
Horizonte. Porém seu patrimônio histórico ainda que pequeno, é<br />
interessante e a matriz <strong>de</strong> Santa Luzia justifica a visita. A comunida<strong>de</strong><br />
também tem mostrado seu esforço na manutenção das coisas <strong>antigas</strong><br />
da gloriosa cida<strong>de</strong>, procurando preservá-las em museus instala<strong>dos</strong> em<br />
antigos casarões, no centro histórico.<br />
Cadastramos dois templos setecentista na região, são eles: a<br />
matriz e a capelinha do Bonfim.<br />
Matriz <strong>de</strong> Santa Luzia – 1744<br />
A Matriz Santuário <strong>de</strong> Santa Luzia está majestosamente erigida<br />
no alto da rua Direita, no centro histórico da cida<strong>de</strong>. A ela se chega<br />
passando por casarões interessantes do século XVIII, como a<br />
imponente Casa da Baronesa e o casarão tombado pelo IPHAN em<br />
1950, on<strong>de</strong> hoje funcionam museus. A igreja foi tombada pelo IEPHA<br />
em 1976.<br />
Encontramos referências <strong>de</strong> que a data da construção do templo<br />
seria 1774. Isso é pouco provável pois como citamos há pouco, já há<br />
referências a “dois gran<strong>de</strong>s templos” na petição <strong>de</strong> 1761, reivindicando<br />
fosse o arraial elevado à categoria <strong>de</strong> vila. É difícil acreditar que um<br />
<strong>de</strong>les fosse <strong>de</strong>struído nos treze anos seguintes para dar lugar a um outro<br />
gran<strong>de</strong> templo. Certamente essa data se refere a obras <strong>de</strong> acabamento<br />
ou reconstrução. De resto, sua fachada é característica da primeira<br />
meta<strong>de</strong> do século XVIII ou seja, da primeira fase do barroco mineiro.<br />
O amplo adro, aberto para a rua, é alcançado após uma alta<br />
escadaria <strong>de</strong> cimento, fruto <strong>de</strong> uma reforma mais recente. Possui duas<br />
altas torres quadradas, com cúpulas em forma <strong>de</strong> pirâmi<strong>de</strong>, encimadas<br />
por pináculos também <strong>de</strong> forma piramidada. Em cada um <strong>dos</strong> quatro<br />
la<strong>dos</strong> das cúpulas há <strong>de</strong>lgadas e singelas pontas. O frontão é uma<br />
106
empena <strong>de</strong>spojada e praticamente reta, encimada por uma cruz<br />
pequena, acima <strong>de</strong> um pe<strong>de</strong>stal irregular. Há um óculo redondo a meio<br />
caminho entre o frontispício e o frontão, sob uma cimalha simples que<br />
se verga para contorná-lo. A porta é bastante singela, com ombreiras<br />
retas e <strong>de</strong>lgadas em alvenaria. Há dois janelões eleva<strong>dos</strong>, com<br />
balaustradas em ferro e duas janelas baixas ao nível do piso.<br />
O interior da matriz causa agradável surpresa pela qualida<strong>de</strong> da<br />
talha, harmonia do conjunto e profusão <strong>de</strong> pinturas.<br />
A capela mor é guarnecida <strong>de</strong> imponentes tribunas à frente <strong>de</strong><br />
gran<strong>de</strong>s janelões. São alcançadas através da tradicional escadaria<br />
íngreme posicionada atrás do altar e a que se chega por um <strong>dos</strong><br />
corredores laterais. Estão ligadas a um amplo salão que além <strong>de</strong> servir<br />
<strong>de</strong> consistório, provavelmente servia também para as abastadas famílias<br />
que tinham o privilegio <strong>de</strong> assistir aos ofícios do alto da capela mor,<br />
aguardarem o início das cerimônias; tempo que seguramente,<br />
aproveitavam para fazer negócios, politicar e arranjar bons casamentos.<br />
Na parte <strong>de</strong> baixo, sob este salão, está a sacristia igualmente ampla,<br />
porém com um arcaz bastante simples e diminuto.<br />
O retábulo da capela mor é em <strong>dos</strong>sel com colunas torsas<br />
marfinizadas, contornadas por ramagens <strong>de</strong> folhas. Acima do cortinado<br />
estão imagens da Santíssima Trinda<strong>de</strong> entalhadas. Há uma espécie <strong>de</strong><br />
nicho <strong>de</strong> cada lado on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>stacam figuras <strong>de</strong> anjos. Po<strong>de</strong>m ser vistas<br />
figuras <strong>de</strong> anjos também sobre consolos, <strong>de</strong> cada lado do altar. A mesa<br />
da comunhão é bastante rica e entalhada da mesma forma que o altar<br />
com o qual compõe um harmonioso conjunto. Há dois gran<strong>de</strong>s painéis<br />
<strong>de</strong> cada lado representando, conforme indicado, são Bento e são<br />
Francisco <strong>de</strong> Sales. O arco cruzeiro tem colunas quadradas com capitéis<br />
retos e uma tarja trabalhada na forma <strong>de</strong> medalhão. Ao seu lado,<br />
voltadas para a nave, estão quatro pinturas sobre portas que dão acesso<br />
aos corredores laterais, representando os evangelistas. Essas portas são<br />
pintadas imitando mármore.<br />
A nave é iluminada por janelões que se abrem atrás <strong>de</strong> tribunas,<br />
guarnecidas por balaustradas <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira torneada e tendo no alto arcos<br />
rebaixa<strong>dos</strong>. Os altares, em número <strong>de</strong> seis, apresentam os dois primeiro<br />
em <strong>dos</strong>sel e os <strong>de</strong>mais em arco ininterrupto, com franjas e conchas e<br />
emoldura<strong>dos</strong> por colunas retas com fuste <strong>de</strong> estrias largas, partindo <strong>de</strong><br />
consolos.<br />
O teto da nave é assoalhado, <strong>de</strong> forma abaulada e <strong>de</strong>corado com<br />
uma figura <strong>de</strong> Nossa Senhora guarnecida por grossas cornijas retilíneas<br />
107
contornando todo o recinto da nave. O coro é simples e reto,<br />
sustentado por colunas <strong>de</strong>lgadas sob arcos. As tribunas também não<br />
foram objeto <strong>de</strong> maior atenção por parte <strong>dos</strong> construtores do templo.<br />
Toda a talha é clara, predominando o branco sobre o dourado,<br />
característica própria da segunda data que encontramos como sendo o<br />
ano <strong>de</strong> ereção do templo.<br />
Enfim, a matriz <strong>de</strong> Santa Luzia é um templo imponente que<br />
causa boa impressão ao visitante.<br />
CAETÉ<br />
A cida<strong>de</strong> é gran<strong>de</strong>, tem diversas ruas, bons prédios e<br />
boa Casa <strong>de</strong> Câmara. Tem uma das melhores<br />
e maiores <strong>igrejas</strong> da província, que é as sua matriz.<br />
Presentemente é <strong>de</strong> pouco comércio, porém seus ares<br />
são benignos e o pessoal é bem importante.<br />
A antiga Vila Nova da Princesa po<strong>de</strong> ser alcançada pela BR 262<br />
ou preferencialmente, através <strong>de</strong> Sabará, por aquela pitoresca estrada<br />
asfaltada <strong>de</strong> que já falamos e que também leva à vilazinha <strong>de</strong> Pompéu<br />
e à Mina <strong>de</strong> Cuiabá. A gênese do nome também é controvertida, nos<br />
parecendo mais aceitável a versão <strong>de</strong> Spix e Martius, corroborada por<br />
vários historiadores que atribuem sua origem a uma junção <strong>de</strong> termos<br />
indígenas que significam mais ou menos, “mato <strong>de</strong>nso”. Começou a ser<br />
povoada por volta <strong>de</strong> 1701 tendo passado a vila em 1714. Tal foi a<br />
<strong>de</strong>cadência com o fim do ouro na região que o núcleo urbano voltou a<br />
condição <strong>de</strong> arraial, só retornando à posição <strong>de</strong> vila em 1840. É uma<br />
cida<strong>de</strong> sem especial apelo turístico mas que possui pelo menos duas<br />
construções interessantes do século XVIII que são o prédio da<br />
Biblioteca Pública Municipal e o Solar do Barão <strong>de</strong> Catas Altas, hoje um<br />
museu. 93 Possui ainda boas pousadas localizadas nos distritos <strong>de</strong> Roças<br />
93 João Batista Ferreira <strong>de</strong> Souza Coutinho – o barão <strong>de</strong> Catas Altas - foi o homem<br />
mais rico da província <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> Gerais no seu tempo. Era dono da Mina <strong>de</strong> Congo<br />
Soco, uma das mais produtivas do século XIX, vendida aos ingleses em 1824. Possuía<br />
suntuosas casas em Sabará, Santa Luzia, Caeté e Ouro Preto. Diz a lenda que ele tinha<br />
o hábito <strong>de</strong> presentear seus convida<strong>dos</strong> com talheres <strong>de</strong> ouro.<br />
108
Novas e Morro Vermelho mas a cida<strong>de</strong> não tem qualquer cultura<br />
turística. Contudo vale a pena ser visitada em razão da bela igreja <strong>de</strong> N.<br />
S. do Bom Sucesso. Foi berço da Guerra <strong>dos</strong> Emboabas cujo estopim<br />
se acen<strong>de</strong>u por conta <strong>de</strong> inci<strong>de</strong>ntes banais envolvendo arroubos <strong>de</strong><br />
valentia que acabaram confrontando membros <strong>de</strong> famílias po<strong>de</strong>rosas<br />
que habitavam o arraial. 94 Caeté era um centro que agregava muitos<br />
migrantes baianos que junto aos portugueses formaram o grosso das<br />
fileiras <strong>dos</strong> emboabas. Dali partiram os contingentes que sob o<br />
comando do caudilho Manuel Nunes Viana 95 seguiram para as primeiras<br />
batalhas com os paulistas da região <strong>de</strong> Sabará, Ouro Preto, Ribeirão do<br />
Carmo e Guarapiranga até o famoso massacre do Capão da Traição, nas<br />
cercanias <strong>de</strong> São João <strong>de</strong>l Rei. O conflito também teve seu termo em<br />
Caeté quando o governador Antônio <strong>de</strong> Albuquerque Coelho<br />
convenceu Manuel Nunes Viana a se retirar para sua fazenda e <strong>de</strong>ixar<br />
<strong>de</strong> ser encrenqueiro. Anos mais tar<strong>de</strong> voltou para azucrinar o enfezado<br />
con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Assumar, o que resultou no seu retorno forçado para Portugal<br />
aon<strong>de</strong> veio a falecer confortavelmente sobre uma fortuna consi<strong>de</strong>rável<br />
que amealhou em suas muitas ativida<strong>de</strong>s nas <strong>Minas</strong> Gerais, da<br />
mineração à pecuária.<br />
Em Caeté morava a tia do inconfi<strong>de</strong>nte José <strong>de</strong> Sá Bittencourt<br />
– d. Maria Isabel <strong>de</strong> Bittencourt e Sá. Ele próprio morou por aqui uns<br />
tempos, antes <strong>de</strong> fugir para a Bahia. Depois voltou à época da morte da<br />
94 Claro que havia uma forte fermentação criando condições para que o conflito<br />
eclodisse, o que <strong>de</strong> fato, somente aconteceu <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> algumas mortes isoladas<br />
envolvendo ambos os la<strong>dos</strong>. Os ânimos estavam exalta<strong>dos</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> quando a Coroa<br />
acreditou que o potencial aurífero <strong>dos</strong> riachos era duradouro e enten<strong>de</strong>u que quanto<br />
mais gente tivesse catando ouro maior o quinto arrecadado. Isso, certamente não<br />
podia mesmo agradar aos paulistas <strong>de</strong>scobridores das minas e primeiros habitantes e<br />
ocupantes da maioria <strong>dos</strong> cargos <strong>de</strong> guarda-mores que, como vimos, guardavam<br />
importante prerrogativa na distribuição das datas para exploração do ouro. Também<br />
havia interesses sobre monopólios comerciais em jogo.<br />
95 O chefe <strong>dos</strong> Emboabas acabou sendo <strong>de</strong>clarado, à revelia <strong>de</strong> Sua Majesta<strong>de</strong>,<br />
Governador das <strong>Minas</strong> Gerais. O movimento ensejou lances <strong>de</strong> rebeldia que<br />
registraram inclusive a expulsão do Governador <strong>de</strong> direito, vindo do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
para assumir o controle da situação. O episódio terminou com a ampla, geral e quase<br />
irrestrita anistia <strong>dos</strong> revoltosos pelo rei, seduzido que foi por boas arrobas do quinto<br />
cobrado sobre o ouro que nunca ren<strong>de</strong>u tanto à Coroa como naquela ocasião e que<br />
inclusive lhe foi entregue a domicílio, pelo enviado <strong>dos</strong> revoltosos.<br />
109
tia, para assegurar sua parte na herança. D. Maria teve que pagar duas<br />
arrobas <strong>de</strong> ouro para livrá-lo <strong>de</strong> ser con<strong>de</strong>nado por sua participação na<br />
Conjuração Mineira. Diz a lenda que ela não tinha o ouro em mãos para<br />
pagar a propina exigida pelos juízes do Tribunal da Alçada. Assim rezou<br />
muito a N. S. do Bom Sucesso. Depois da penitência, tocou a cavar<br />
embaixo <strong>de</strong> umas touceiras em suas vastas proprieda<strong>de</strong>s e não <strong>de</strong>u<br />
outra: achou alguns quilos <strong>de</strong> bom e brilhante ouro, exatamente o que<br />
precisava para completar a cota exigida pelos juízes corruptos. É bem<br />
possível que ela tenha feito alguma substanciosa doação para sua santa<br />
protetora, em agra<strong>de</strong>cimento pela graça recebida, provindo <strong>de</strong>la parte<br />
do acervo da maravilhosa matriz <strong>de</strong> Caeté.<br />
Próximo a Caeté está a serra da Pieda<strong>de</strong> que po<strong>de</strong> ser acessada<br />
por estrada asfaltada e <strong>de</strong> on<strong>de</strong> se po<strong>de</strong> vislumbrar magnífica vista <strong>de</strong><br />
toda a região metropolitana <strong>de</strong> Belo Horizonte, bem como contemplar<br />
a serra do Caraça, no lado leste.<br />
Com exceção <strong>de</strong> Richard Burton, to<strong>dos</strong> os viajantes do século<br />
XIX a que fazemos referência nesta obra, passaram pela cida<strong>de</strong>.<br />
Saint-Hilaire chegou a Caeté vindo <strong>de</strong> São João do Morro<br />
Gran<strong>de</strong> (Barão <strong>de</strong> Cocais). Notou belas casas no então arraial, mas<br />
praticamente em ruínas. Estimou a população em quatrocentas<br />
pessoas. Consi<strong>de</strong>rou a igreja <strong>de</strong> N. S. do Bom Sucesso a mais bonita da<br />
província e duvidou que mesmo no Rio <strong>de</strong> Janeiro houvesse outra igual.<br />
Admirou sobretudo o seu tamanho, a qualida<strong>de</strong> das imagens e da<br />
pintura do teto.<br />
Spix e Martius passaram por Caeté vin<strong>dos</strong> <strong>de</strong> Sabará com<br />
<strong>de</strong>stino a São João do Morro Gran<strong>de</strong> ou seja, em sentido inverso ao<br />
roteiro <strong>de</strong> Saint-Hilaire. Comentaram que o povoado se espalhava por<br />
um vale fértil e que estava em gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>cadência.<br />
Gardner, alguns anos mais tar<strong>de</strong>, fez um roteiro semelhante.<br />
Notou sua “miserável aparência” e que <strong>de</strong>veria ter tido melhores dias<br />
no passado a julgar pelas belas casas em ruínas e pela igreja elogiada por<br />
Saint-Hilaire e que, no entanto, não teve interesse em visitar.<br />
Catalogamos sete templos em Caeté: matriz <strong>de</strong> N. S. do Bom<br />
Sucesso, igreja do Rosário, igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Assis, igreja <strong>de</strong><br />
N. S. <strong>de</strong> Nazaré no distrito <strong>de</strong> Morro Vermelho, igreja <strong>de</strong> Madre <strong>de</strong><br />
Deus do distrito <strong>de</strong> Roças Novas e a Capela <strong>de</strong> N. S. da Pieda<strong>de</strong> na<br />
serra da Pieda<strong>de</strong>.<br />
110
Dom frei José da Santíssima Trinda<strong>de</strong> dá notícia em 1822 <strong>de</strong><br />
mais um templo em Caeté, a capela <strong>de</strong> São Gonçalo, da qual não temos<br />
qualquer outro registro ou conhecimento.<br />
A matriz <strong>de</strong> Bom Sucesso foi tombada pelo IPHAN em 1938, a<br />
matriz <strong>de</strong> Nazaré e a igreja do Rosário foram tombadas em 1950. A<br />
capela da serra da Pieda<strong>de</strong> foi tombada em 1956. A igreja <strong>de</strong> Roças<br />
Novas e a igreja <strong>de</strong> São Francisco não são tombadas.<br />
Matriz <strong>de</strong> N.Senhora do Bom Sucesso – 1752<br />
O templo tão admirado por Saint-Hilaire está situado numa<br />
praça apertada, um pouco abaixo <strong>dos</strong> restos do antigo pelourinho. Foi<br />
aqui que, no dia 12 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1822, o povo se reuniu para, sob a<br />
regência do vigário Manuel Gonçalves <strong>de</strong> Almeida, entoar um Te Deum<br />
em louvor pela aclamação <strong>de</strong> d. Pedro como Imperador do Brasil. 96<br />
O adro disputa espaço com a praça, numa fusão meio infeliz.<br />
Esta é uma igreja muita especial porque praticamente inaugurou a<br />
última fase do estilo mineiro <strong>de</strong> fazer <strong>igrejas</strong>. 97 Sua fachada é<br />
imponente, preconizando em alguns anos o estilo Aleijadinho. O então<br />
jovem mestre <strong>de</strong> Vila Rica, trabalhou nesta igreja como aprendiz e teve<br />
gran<strong>de</strong> parcela <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> sobre os altares laterais. A fachada<br />
certamente o influenciou e serviu <strong>de</strong> fonte para sua arquitetura nos anos<br />
seguintes. O estilo do templo, segundo alguns autores, teria marcado o<br />
fim do chamado estilo jesuítico que influenciou os construtores<br />
mineiros <strong>de</strong> <strong>igrejas</strong> da primeira meta<strong>de</strong> do século XVIII. 98 Certamente<br />
inaugurou a fase das <strong>igrejas</strong> <strong>de</strong> fachada estruturada em cantaria com<br />
torres, frontão e portadas mais trabalhadas. A maioria <strong>dos</strong> especialistas<br />
96 Interessante anotar que entre os presentes estava o ex-inconfi<strong>de</strong>nte José <strong>de</strong> Sá<br />
Bittencourt e Câmara Acyoli, então vereador à Câmara <strong>de</strong> Caeté.<br />
97 Diante <strong>de</strong> tamanha relevância é <strong>de</strong> se estranhar que o IPHAN, no cadastro <strong>de</strong> bens<br />
tomba<strong>dos</strong> encontrado no seu site na Internet, tenha <strong>de</strong>dicado ao templo não mais do<br />
que meia miserável página.<br />
98 Notem meus caros leitores que se trata <strong>de</strong> um estilo já adaptado <strong>às</strong> pobres<br />
condições das colônias espanholas e portuguesas e que pouco tem a ver com a<br />
magnificência <strong>dos</strong> templos jesuítas europeus do século XVI .<br />
111
acredita que o autor do projeto tenha sido o arquiteto Antônio<br />
Gonçalves da Silva Bracarena. Há quem acredite que ele tenha sido<br />
apenas o construtor sendo o projeto do pai do Aleijadinho, Manuel<br />
Francisco Lisboa. Esta polêmica é interessante pois o pai do genial<br />
mulato também é tido como o autor do risco da fachada da igreja <strong>de</strong><br />
Santa Efigênia <strong>de</strong> Ouro Preto, igualmente consi<strong>de</strong>rada como<br />
representativa da passagem do barroco para o rococó. Se ele foi o autor<br />
<strong>dos</strong> dois projetos então seguramente <strong>de</strong>ve ser reconhecido como um<br />
<strong>dos</strong> principais responsáveis por essa passagem. Em caso contrário terá<br />
sido muito mais um bom aprendiz <strong>de</strong> Bracarena.<br />
Em 1790 o vereador da Câmara <strong>de</strong> Mariana, Joaquim José da<br />
Silva, escreveu um pequeno ensaio sobre o Aleijadinho e em uma <strong>de</strong><br />
suas passagens registrou que Bracarena foi apenas o executor,<br />
atribuindo a Manuel Francisco Lisboa a autoria do projeto. Em sendo<br />
assim, o pai do Aleijadinho teria evoluindo muito rapidamente, saltado<br />
em poucos anos, da matriz <strong>de</strong> Antônio Dias, pesadamente barroca, para<br />
a igreja <strong>de</strong> Santa Efigênia, levemente rococó. Infelizmente as datas não<br />
nos po<strong>de</strong>m ajudar muito aqui pois, embora o início da construção da<br />
igreja do Alto da Cruz <strong>de</strong> Ouro Preto seja anterior a matriz <strong>de</strong> Caeté,<br />
sabe-se que houve obras na fachada da primeira, pelo menos até 1780.<br />
Admitida esta rápida evolução, fica mais nítido o quanto Manuel<br />
Francisco Lisboa teria contribuído para que seu filho fizesse explodir<br />
o melhor do rococó na fachada das <strong>igrejas</strong> mineiras e esta é sua maior<br />
obra. 99<br />
A matriz <strong>de</strong> Caeté, como bem notou Saint-Hilaire, é um templo<br />
<strong>de</strong> dimensões avantajadas com sólida e imponente fachada. A portada é<br />
<strong>de</strong> ombreiras largas, trabalhadas e encimadas por um alto medalhão que<br />
alcança até um <strong>dos</strong> janelões, mais acima. Está cheio <strong>de</strong> inscrição latinas<br />
que não consegui <strong>de</strong>cifrar. Nos meus tempos <strong>de</strong> aluno <strong>dos</strong> Maristas eu<br />
era bom nessa matéria, hoje latim pra mim é grego.<br />
São três janelões ao todo, com molduras <strong>de</strong> pedras e<br />
cimalhinhas retas se encontrando no alto num toque meio romano. O<br />
corpo principal da fachada é <strong>de</strong>lineado por pilastras duplas <strong>de</strong> cantaria,<br />
99 É fato que Manuel Francisco Lisboa, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> Caeté continuou construindo <strong>igrejas</strong><br />
numa linha evolutiva, enquanto Bracarena preferiu renunciar <strong>às</strong> glórias <strong>de</strong>sse mundo<br />
se internando na serra da Pieda<strong>de</strong>.<br />
112
marcando a base das torres. Os cunhais também são <strong>de</strong> pedra. A<br />
cimalha que separa a base da fachada do frontão e torres é bem<br />
<strong>de</strong>lineada e robusta, mas não é <strong>de</strong> pedra. As torres são quadradas com<br />
pirâmi<strong>de</strong>s achatadas no topo e cantos arredonda<strong>dos</strong>, solução muita<br />
utilizada por Antônio Francisco Lisboa nos anos seguintes. O alto das<br />
torres é fechado por pináculos orientais. Há umas espécies <strong>de</strong> pinhas<br />
em cada um <strong>dos</strong> quatro cantos das torres ao nível da base das<br />
pirâmi<strong>de</strong>s. O frontão é alto, em curvas suaves e molduras <strong>de</strong> cantaria.<br />
Nas laterais há arremates <strong>de</strong> pedra em forma <strong>de</strong> pequenas colunas com<br />
bases alargadas. A cruz é simples e um tanto em <strong>de</strong>sacordo com a<br />
robustez do frontão. Um pouco abaixo do centro do mesmo, abre-se<br />
um óculo ovalado guarnecido <strong>de</strong> vidraças.<br />
Por se situar numa fase fronteiriça <strong>de</strong> mudança <strong>de</strong> estilos, o<br />
interior guarda muito da exuberância da primeira fase, acrescida tanto<br />
<strong>de</strong> estilos mais remotos quando <strong>de</strong> soluções inovadoras. Isso foi<br />
possível pela gran<strong>de</strong> fartura e dimensão <strong>dos</strong> altares nas laterais do<br />
templo o que disponibilizou muito espaço para a criativida<strong>de</strong> <strong>dos</strong><br />
artistas que ali trabalharam. Sabemos que trabalhou nos altares da<br />
matriz o famoso entalhador José Coelho Noronha que tinha uma escola<br />
em Caeté on<strong>de</strong> ensinava o ofício <strong>de</strong> entalhe e que foi freqüentada pelo<br />
Aleijadinho. Fato é que esta igreja teve papel relevante no fértil<br />
aprendizado <strong>de</strong> Antônio Francisco Lisboa e exerceu influência sobre<br />
sua obra nos anos seguintes. Também seu pai, com uma ajuda <strong>de</strong><br />
Bracarena, po<strong>de</strong> ter tirado <strong>de</strong>sta igreja um melhor aprendizado sobre o<br />
uso <strong>de</strong> cantaria, tão característica da última meta<strong>de</strong> do setecentos, tanto<br />
na arquitetura religiosa quanto civil, especialmente na região <strong>de</strong> Ouro<br />
Preto e Mariana.<br />
A igreja possui nada menos do que oitos altares distribuí<strong>dos</strong> no<br />
amplo recinto da nave. Poucas <strong>igrejas</strong> contam com tal fartura. Os do<br />
transepto são <strong>de</strong> espaldar alto, sanefas e um discreto baldaquino<br />
franjado, numa solução muito usada pelo Aleijadinho. As colunas<br />
internas são torsas e as externas são em quartelas. Os <strong>de</strong>mais altares<br />
alternam soluções diversas como falsos <strong>dos</strong>séis, arcos frisa<strong>dos</strong> com<br />
medalhões no coroamento, colunas torsas e em quartelas e pequenos<br />
nichos encima<strong>dos</strong> por baldaquinos e ainda as tradicionais sanefas<br />
113
ococó 100 sobre as quais se abrem gran<strong>de</strong>s janelões. São <strong>de</strong> talha<br />
relativamente discreta, revestida <strong>de</strong> pintura clara e frisos doura<strong>dos</strong> que,<br />
emoldura<strong>dos</strong> pelo branco das pare<strong>de</strong>s, forma um leve e harmonioso<br />
conjunto, característica própria da última fase do barroco mineiro.<br />
Esses altares são ti<strong>dos</strong> como os primeiros marcadamente rococós <strong>de</strong><br />
<strong>Minas</strong> e, como dissemos, há autores que acreditam que o aprendiz<br />
Aleijadinho tenha muito mais responsabilida<strong>de</strong> por isso do que o<br />
próprio mestre José Coelho <strong>de</strong> Noronha. Aqui nasceram os anjinhos<br />
marcantes do mestre mulato <strong>de</strong> Vila Rica e é possível que algumas<br />
imagens sejam <strong>de</strong> sua autoria, especialmente a imagem <strong>de</strong> Santa Luzia<br />
que se encontra no Altar <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula. Os anjinhos<br />
topetu<strong>dos</strong> do <strong>dos</strong>sel do Altar <strong>de</strong> Santo Antônio são inequivocamente<br />
atribuí<strong>dos</strong> a ele. 101<br />
O teto da nave é tipo abóbada <strong>de</strong> berço com pinturas<br />
relativamente discretas em perspectiva arquitetônica no contorno e<br />
singelos adornos rococó. No centro, em lugar <strong>de</strong> uma cena <strong>de</strong> visão, há<br />
apenas um adorno com relevos doura<strong>dos</strong> valorizando a base <strong>de</strong><br />
sustentação do lustre.<br />
O arco cruzeiro é em pedra com discreta pintura marmorizada.<br />
O altar mor não chega a ser em <strong>dos</strong>sel e salienta a figura <strong>de</strong><br />
Deus Pai e o Espírito Santo em resplendor, no alto. As colunas são<br />
torsas com adornos fitomorfos contornado-as. No alto do trono não há<br />
imagem mas sim, mais uma vez, o Espírito Santo em resplendor. O<br />
orago, N. S. do Bom Sucesso, está num plano inferior subjugada à<br />
pomba sagrada. Nas laterais estão nichos com belos e originais<br />
baldaquinos. No alto das colunas internas, anjos policroma<strong>dos</strong><br />
valorizam o contorno do retábulo. Duas portas com vergas trabalhadas,<br />
ligam a capela mor à corredores laterais que contornam o recinto e<br />
levam à sacristia e <strong>de</strong>mais aposentos, <strong>de</strong>vidamente fecha<strong>dos</strong> guardando<br />
seus segre<strong>dos</strong> <strong>de</strong> curiosos como eu. O teto da capela mor é abaulado e<br />
imaculado, na forma <strong>de</strong> um mata borrão. Nas pare<strong>de</strong>s laterais se abrem<br />
gran<strong>de</strong>s óculos irregulares com fortes molduras <strong>de</strong> pedra.<br />
100 Não sabemos se as sanefas foram i<strong>de</strong>ia do Aleijadinho mas elas o maravilhavam e<br />
ele as espalhou por todo lado on<strong>de</strong> trabalhou, ou prevendo-as em seus riscos<br />
originais ou acrescentando-as nos riscos ou entalhes <strong>dos</strong> outros que ele,<br />
freqüentemente era convidado a melhorar.<br />
101 Saint-Hilaire não gostou <strong>de</strong>sses topetes, achando-os um tanto exagera<strong>dos</strong>.<br />
114
O coro é reto com balaústres em <strong>de</strong>lgada ma<strong>de</strong>ira torneada. É<br />
sustentado por pilastras em três arcos. O reverso da sacada está<br />
adornado com molduras <strong>de</strong> pedra e há ainda um prolongamento da<br />
pintura do teto sobre a pare<strong>de</strong> do fundo do coro, representando um<br />
avantajado adorno rococó.<br />
Destaque final para a gran<strong>de</strong> pia batismal em ma<strong>de</strong>ira do lado<br />
esquerdo da entrada do vestíbulo, on<strong>de</strong> os bons católicos <strong>de</strong> Caeté têm<br />
sido ungi<strong>dos</strong> ao longo <strong>dos</strong> séculos.<br />
Igreja <strong>de</strong> N. S. do Rosário - 1730<br />
A igreja prece<strong>de</strong>u a matriz <strong>de</strong> Caeté, portanto é seguramente da<br />
primeira meta<strong>de</strong> do setecentos. Está na parte alta <strong>de</strong> uma la<strong>de</strong>ira, <strong>de</strong>ntro<br />
<strong>de</strong> um cemitério que ocupa inclusive o adro, sendo necessário vencer<br />
alguns suntuosos túmulos para se alcançar a porta do templo. Antes do<br />
adro/cemitério há uma plataforma com um cruzeiro <strong>de</strong> on<strong>de</strong> se po<strong>de</strong><br />
contemplar o pouquíssimo que resta da parte histórica <strong>de</strong> Caeté. O<br />
frontispício é quase quadrado com cunhais <strong>de</strong> cantaria. A porta está<br />
guarnecida <strong>de</strong> ombreiras também <strong>de</strong> cantaria com uma verga trabalhada<br />
sustentando um gran<strong>de</strong> medalhão, arrematado em conchas sob uma<br />
discreta cruz <strong>de</strong> massa <strong>de</strong> reboco. Tem duas janelas no alto, com<br />
molduras como as da porta e umas cimalhinhas simples. O frontão é<br />
pequeno e baixo, discretamente curvo e la<strong>de</strong>ado por arcos vaza<strong>dos</strong><br />
tendo umas espécies <strong>de</strong> coruchéus na cúpula e com um óculo<br />
envidraçado e <strong>de</strong> forma ovalada e com moldura <strong>de</strong> pedra no centro. No<br />
alto está uma cruz <strong>de</strong> pedra. Não tem propriamente cimalha mas sim<br />
um beiral <strong>de</strong> massa <strong>de</strong> reboco coberta <strong>de</strong> telhas e que contorna todo o<br />
telhado da igreja.<br />
Após duas tentativas, <strong>de</strong>sistimos <strong>de</strong> conhecer o interior do<br />
templo, mas soubemos que no forro da nave há uma pintura em<br />
perspectiva puxada ao rococó e adornada por figuras <strong>de</strong> fra<strong>de</strong>s. No<br />
centro há um medalhão enquadrando uma N. S. Mãe <strong>dos</strong> Homens,<br />
divinda<strong>de</strong> muita apreciada nesta região. Nos altares do transepto estão<br />
os santos <strong>de</strong> <strong>de</strong>voção das irmanda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pretos : são Benedito e santa<br />
Efigênia. O altar mor se mostra inconcluso.<br />
Temos registro <strong>de</strong> que esta igreja estava praticamente em ruínas<br />
em 1957, segundo relato <strong>de</strong> um <strong>dos</strong> membros <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>legação do<br />
Instituto Histórico e Geográfico <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> Gerais que naquele ano,<br />
visitou o túmulo <strong>de</strong> João Pinheiro localizado no seu adro. Hoje o<br />
próprio túmulo está carecendo <strong>de</strong> maiores cuida<strong>dos</strong>.<br />
115
Igreja do Cordão <strong>de</strong> São Francisco - 1808<br />
Esta é uma das <strong>igrejas</strong> i<strong>de</strong>ntificadas como tendo sua construção<br />
se iniciado inequivocamente no século XIX, que resolvemos incluir no<br />
nosso roteiro, em homenagem à valente Caeté e também aos irmãos do<br />
cordão <strong>de</strong> São Francisco que embora tipicamente setecentistas, só<br />
conseguiram construir esta sua igreja no século seguinte. Fica próxima<br />
da matriz <strong>de</strong> N. S. <strong>de</strong> Bom Sucesso, numa esquina acanhada da rua São<br />
Francisco. Tem um pequeno adro cercado <strong>de</strong> um gra<strong>de</strong>ado <strong>de</strong> ferro<br />
batido. Sua fachada é poligonal e, simetricamente, em cada uma das<br />
faces apresenta uma porta básica com verga em arco, abaixo <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s<br />
janelões <strong>de</strong> mesmo formato, guarneci<strong>dos</strong> <strong>de</strong> balaustradas. A verga da<br />
porta central apresenta um recorte diferente das <strong>de</strong>mais. Há um<br />
envergonhado óculo no centro da fachada. O frontispício se eleva na<br />
face central e sustenta uma única torre quadrada, com beirais salientes e<br />
com cobertura em quatro águas guarnecida <strong>de</strong> telhas.<br />
Dom frei José registrou que em 1822 esta igreja ainda estava<br />
inacabada.<br />
Seu interior, também após duas tentativas para <strong>de</strong>svendá-lo,<br />
continua um mistério para nós.<br />
SERRA DA PIEDADE<br />
A meio caminho entre Sabará e Caeté ergue-se a abrupta<br />
formação montanhosa da serra da Pieda<strong>de</strong>. É alcançada pelo lado<br />
setentrional, através da estrada que liga Caeté à rodovia BR 262. No<br />
século XIX o local já era famoso pelas virtu<strong>de</strong>s místicas e atributos<br />
ecológicos. Com exceção <strong>de</strong> Burton to<strong>dos</strong> nossos viajantes subiram ao<br />
topo da serra, ao lombo <strong>de</strong> seus valentes burros ou cavalos para<br />
admirar a paisagem e os atrativos que ainda em nossos dias são objeto<br />
<strong>de</strong> intensa e ecumênica romaria . A serra conta hoje com uma<br />
infraestrutura turística apropriada aos seus apelos que inclui um<br />
restaurante e um centro <strong>de</strong> alojamento <strong>de</strong> romeiros, além da capela<br />
setecentista. Contrastando com a vocação original do lugar, há ainda<br />
um observatório astronômico e inúmeras torres <strong>de</strong> comunicação que<br />
sem qualquer cerimônia, quebram o equilíbrio histórico, místico e<br />
ecológico do antigo sítio <strong>de</strong> contemplações. É o tributo pago pela sua<br />
brusca altitu<strong>de</strong> e privilegiada localização. Do alto da serra se po<strong>de</strong> ver<br />
116
praticamente toda a região metropolitana <strong>de</strong> Belo Horizonte e a<br />
paisagem encantou nossos visitantes do século XIX, sem exceção.<br />
Como dissemos, apenas Richard Burton não se interessou em<br />
fazer algum tipo <strong>de</strong> registro sobre a serra da Pieda<strong>de</strong> quando <strong>de</strong> sua<br />
passagem por aqui.<br />
O mais longo registro, como não po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser, é o <strong>de</strong><br />
Saint-Hilaire. Nosso perspicaz e persistente sábio subiu a serra vindo <strong>de</strong><br />
Caeté e lá passou vários dias. Observou que a capela era cercada <strong>de</strong><br />
edifícios on<strong>de</strong> moravam eremitas e romeiros. Um <strong>dos</strong> moradores era a,<br />
já citada, irmã Germana. Uma mulher <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> trinta e cinco anos,<br />
penitente que quase não comia e dada a crises <strong>de</strong> histeria. O povo<br />
acreditava tratar-se <strong>de</strong> uma santa. O sábio francês improvisou alguns<br />
experimentos para tentar se convencer <strong>de</strong> que os transes da irmã eram<br />
uma farsa, mas na verda<strong>de</strong> não conseguiu provar isto. Ele <strong>de</strong> fato, se<br />
interessou muito pelo caso e andou até consultando um estudo que o<br />
médico mineiro dr. Antônio Gonçalves Gomi<strong>de</strong> escreveu sobre o<br />
assunto em 1814 e concordando com a tese <strong>de</strong> que o caso da irmã não<br />
tinha nada <strong>de</strong> sobrenatural. Aqui não posso <strong>de</strong>ixar passar a<br />
oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer algumas referências sobre este dr. Gomi<strong>de</strong>.<br />
Parece que ele foi uma personalida<strong>de</strong> assaz incomum, um cidadão <strong>de</strong><br />
mente aberta e pensamentos avança<strong>dos</strong>. Xavier da Veiga, andou<br />
coletando alguns documentos antigos contendo advertências que o<br />
médico levou do governador por seu envolvimento com “libertinagem<br />
e livros perniciosos”. Em 1819 vamos encontrá-lo envolvido com uma<br />
<strong>de</strong>vassa por ser chefe <strong>de</strong> clubes liga<strong>dos</strong> a fatos escandalosos(?). Mas em<br />
1823 e 1826 vamos encontrá-lo na nobre condição <strong>de</strong> <strong>de</strong>putado<br />
constituinte e senador do Império. Saint-Hilaire, notório conservador,<br />
provavelmente não soube <strong>de</strong> nada disso e ficou feliz <strong>de</strong> ter a obra do dr.<br />
Gomi<strong>de</strong> no meio da sua biblioteca.<br />
D. frei José também relata as crises <strong>de</strong> Germana e,<br />
comedidamente, informa que não estava <strong>de</strong>vidamente comprovado que<br />
elas não fossem <strong>de</strong> origem sobrenatural.<br />
Spix e Martius igualmente estiveram na serra e, da mesma<br />
forma, registraram a existência <strong>de</strong> uma tal personagem singular<br />
comentando, contudo, que ela já não mais lá se encontrava por ter sido<br />
117
proibida <strong>de</strong> exercer suas faculda<strong>de</strong>s catalépticas pelas autorida<strong>de</strong>s da<br />
igreja. 102<br />
Gardner, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> passar em Cuiabá 103 subiu a Pieda<strong>de</strong> e<br />
também redigiu notas sobre os penitentes da serra. Anotou que a igreja<br />
era cuidada por uma mulata e um velho vestido <strong>de</strong> batina com um<br />
sórdido aspecto e que se dizia eremita.<br />
Pelos relatos <strong>dos</strong> nossos viajantes feitos entre 1820 e 1840, o<br />
que se po<strong>de</strong> observar é que, naquele período, a instituição da serra<br />
esteve na mais completa <strong>de</strong>cadência, entregue a fanáticos e charlatões.<br />
A capelinha, contudo, se manteve e hoje, no meio <strong>de</strong> várias<br />
mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>s é a única construção que preserva a história mística do<br />
lugar.<br />
Capela <strong>de</strong> N. S. da Pieda<strong>de</strong> - 1767<br />
A capela <strong>de</strong> N. S. da Pieda<strong>de</strong> é uma construção bastante<br />
simples, compatível com sua <strong>de</strong>stinação que era <strong>de</strong> ser um templo <strong>de</strong><br />
orações <strong>de</strong> humil<strong>de</strong>s romeiros e penitentes que subiam àquela altura<br />
para recolhimento, à distância das coisas mundanas e à proximida<strong>de</strong> da<br />
coisa divina. Como dito, foi construída pelo mesmo Antônio da Silva<br />
Bracarena que projetou a bela matriz <strong>de</strong> N. S. do Bom Sucesso <strong>de</strong><br />
Caeté, o oposto da capelinha da Serra pelo seu luxo e riqueza. Na<br />
verda<strong>de</strong>, Bracarena a construiu exatamente para criar o local <strong>de</strong><br />
recolhimento a que ele voluntariamente se con<strong>de</strong>nou, algum tempo<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> criar a matriz <strong>de</strong> Caeté. Ali permaneceu como irmão<br />
penitente da Or<strong>de</strong>m Terceira do Carmo até a sua morte, cercado por<br />
um grupo <strong>de</strong> seguidores. É interessante notar que Bracarena, da mesma<br />
forma como aconteceu com o irmão Lourenço na serra do Caraça, não<br />
conseguiu <strong>de</strong>ixar raízes que pu<strong>de</strong>ssem garantir a seqüência da sua obra<br />
após sua morte e <strong>dos</strong> seguidores que recrutou em vida. No final do<br />
século XIX, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter virado lugar <strong>de</strong> atuação <strong>de</strong> fanáticos e<br />
102 A irmã Germana foi convencida pelo padre José Gonçalves Pereira, antigo capelão<br />
da Pieda<strong>de</strong> a acompanhá-lo quando se mudou para o arraial <strong>de</strong> Roças Novas on<strong>de</strong><br />
continuou com os seus transes, porém <strong>de</strong> forma mais discreta sem a audiência <strong>dos</strong><br />
inúmeros romeiros da serra da Pieda<strong>de</strong>.<br />
103 Hoje rebatizada <strong>de</strong> Mestre Caetano, distrito <strong>de</strong> Sabará, on<strong>de</strong> já estivemos.<br />
118
visionários como mostra o relato <strong>dos</strong> nossos viajantes, foi instalado na<br />
serra um asilo sob cuidado das Irmãs da Pieda<strong>de</strong> e que não sobreviveu<br />
até nossos dias.<br />
A capela está erigida sobre um tablado <strong>de</strong> pedras a que se chega<br />
galgando uma escada. O corpo da construção ultrapassa o espaço lateral<br />
da fachada, dando ao conjunto um aspecto <strong>de</strong>sarmônico. A parte<br />
principal do frontispício é retangular, guarnecida <strong>de</strong> pilastras e cunhais<br />
<strong>de</strong> alvenaria acompanhando o alinhamento das torres. Há uma porta<br />
simples no centro. A cimalha também é <strong>de</strong> alvenaria e as torres são<br />
quadradas e altas, cobertas com telhas dispostas numa estrutura baixa<br />
<strong>de</strong> quatro águas, arrematadas com pináculos altos e <strong>de</strong>lga<strong>dos</strong>. Há pontas<br />
curvadas nos cantos do telhado das torres dando a elas o conhecido<br />
aspecto chinês. O interior é minúsculo mas, além da capela mor, tem<br />
ainda uma capelinha lateral. O retábulo é do tipo oratório e apresenta<br />
um arco rendilhado com um medalhão no alto. As colunas internas são<br />
misuladas e as externas são redondas <strong>de</strong> fuste liso com estrias retas na<br />
parte superior e retorcidas no terço inferior. Não há relevos na parte<br />
externa do coroamento do retábulo e todo o conjunto avança até o<br />
teto, com ressaltos que dão continuida<strong>de</strong> <strong>às</strong> linhas das colunas. O trono<br />
é simples e sustenta a N. S. da Pieda<strong>de</strong> com o Cristo <strong>de</strong>sfalecido. Já<br />
encontrei autores que atribuem essa imagem ao Aleijadinho. O camarim<br />
é recoberto por um pano e há nichos laterais: um abrigando uma<br />
imagem e o outro abrigando um valente vaso <strong>de</strong> flores.<br />
BARÃO DE COCAIS<br />
Barão <strong>de</strong> Cocais po<strong>de</strong> ser alcançada a partir da BR 262 que liga<br />
Belo Horizonte ao litoral capixaba e que é a principal via <strong>de</strong> circulação<br />
<strong>de</strong>sse trecho da nossa viagem. Hoje área <strong>de</strong> predominância <strong>de</strong><br />
ativida<strong>de</strong>s si<strong>de</strong>rúrgicas, a cida<strong>de</strong> é a antiga Vila <strong>de</strong> São João do Morro<br />
Gran<strong>de</strong>. Criado como núcleo minerador, em 1713 o povoado já tinha<br />
certa importância econômica e nos mea<strong>dos</strong> do século alguns <strong>dos</strong><br />
homens mais ricos da capitania se incluíam entre seus moradores. Em<br />
1763 dois <strong>de</strong>les: Domingos da Silva Maia e o coronel Manuel da<br />
Câmara Bittencourt <strong>de</strong>cidiram iniciar a construção <strong>de</strong> um templo que<br />
fizesse jus à gran<strong>de</strong>za do lugar e que hoje é um <strong>dos</strong> poucos vestígios<br />
daqueles tempos gloriosos. De fato, Barão <strong>de</strong> Cocais não preservou<br />
praticamente nada do seu patrimônio histórico. Ao contrário da se<strong>de</strong> do<br />
119
município, contudo, o distrito <strong>de</strong> Cocais, localizado a poucos<br />
quilômetros, preserva ainda interessantes construções do século XVIII.<br />
O arraial fica à margem da mesma rodovia usada para acessar a região a<br />
partir da BR 262. No século XIX, ambos pertenciam a Santa Bárbara e<br />
o distrito <strong>de</strong>spertava mais atenção do que São João do Morro Gran<strong>de</strong><br />
posto que Cocais era a porta <strong>de</strong> entrada para as <strong>Minas</strong> <strong>de</strong> Congo Soco<br />
cuja visitação era obrigatória para todo viajante europeu ilustre daquele<br />
tempo. Cocais possui algumas pousadas e hoje atrai também a atenção<br />
da turma do turismo ecológico pelas belezas e curiosida<strong>de</strong>s da região,<br />
entre as quais se incluem cachoeiras e <strong>antigas</strong> inscrições rupestres.<br />
George Gardner consi<strong>de</strong>rou Cocais a mais bonita localida<strong>de</strong> que<br />
tinha visto na província <strong>de</strong> <strong>Minas</strong>. Elogiou suas casas pelo estado <strong>de</strong><br />
conservação e asseio. A respeito da povoação do Morro Gran<strong>de</strong>, o<br />
botânico escocês observou tratar-se <strong>de</strong> uma longa e estreita rua com<br />
casas caindo aos pedaços. Elogiou, contudo, a bela igreja no centro do<br />
povoado.<br />
Spix e Martius, a caminho do norte <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> passaram por São<br />
João do Morro Gran<strong>de</strong> e notaram as “torres gêmeas” da cida<strong>de</strong>.<br />
Provavelmente se referiam <strong>às</strong> torres da matriz <strong>de</strong> São João Batista, que<br />
contemplaram à distância sem distinguir exatamente que eram as torres<br />
<strong>de</strong> uma igreja. Sobre Cocais, comentaram que o arraial tinha uma capela<br />
graciosa localizada num outeiro e cercada <strong>de</strong> palmeiras. Provavelmente<br />
se referiam a igreja do Rosário cujo outeiro cercado <strong>de</strong> ver<strong>de</strong>, ainda lá<br />
está nesse mesmo estado.<br />
Richard Burton também observou ser a atual Barão <strong>de</strong> Cocais,<br />
uma rua comprida com uma igreja com torres redondo-quadradas em<br />
forma <strong>de</strong> “pimenteiras”. Provavelmente não foi informado <strong>de</strong> que a<br />
criação da igreja teve a participação do Aleijadinho cuja obra<br />
“extravagante” já tinha chamado sua atenção em São João <strong>de</strong>l Rei.<br />
O bispo <strong>de</strong> Mariana anotou três templos em Barão <strong>de</strong> Cocais: a<br />
matriz, a N. S. do Socorro e a Santana <strong>de</strong> Cocais, não mencionando a<br />
igreja do Rosário <strong>de</strong> Cocais. Faz referências que nos permitem observar<br />
que a maioria <strong>dos</strong> padres daqui, naquela época, eram fazen<strong>de</strong>iros.<br />
Cadastramos quatro templos na região: a matriz <strong>de</strong> São João<br />
Batista, a igreja <strong>de</strong> São Gonçalo do distrito <strong>de</strong> São Gonçalo do Rio<br />
Acima e as <strong>igrejas</strong> <strong>de</strong> N. S. do Rosário e <strong>de</strong> Santana no distrito <strong>de</strong><br />
Cocais. As <strong>igrejas</strong> <strong>de</strong> Barão <strong>de</strong> Cocais foram tombadas pelo IPHAN em<br />
1939, exceto a igreja <strong>de</strong> São Gonçalo que não é tombada.<br />
120
Matriz <strong>de</strong> São João Batista – 1763<br />
O projeto da matriz <strong>de</strong> Barão <strong>de</strong> Cocais, assim como a imagem<br />
<strong>de</strong> são João Batista que se encontra no nicho da portada e o medalhão<br />
<strong>de</strong> pedra sabão do arco cruzeiro, são atribuí<strong>dos</strong> a Antônio Francisco<br />
Lisboa. 104 Seriam seus primeiros trabalhos <strong>de</strong> maior vulto, <strong>de</strong>pois do<br />
profícuo aprendizado com Noronha em Caeté. A Igreja fica numa<br />
ampla praça muito bem cuidada, do lado oposto ao principal acesso à<br />
cida<strong>de</strong>.<br />
O risco <strong>de</strong>ssa igreja é mais ou menos contemporâneo ao que o<br />
Aleijadinho fez para as especiais <strong>igrejas</strong> <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Assis e <strong>de</strong><br />
N. S. do Carmo <strong>de</strong> Ouro Preto e que lhe são superiores em muitos<br />
aspectos. Embora relativamente singela, a fachada é especial e<br />
apresenta alguns elementos originais dignos do gran<strong>de</strong> mestre, porém<br />
não é possível precisar qual foi exatamente a amplitu<strong>de</strong> da sua<br />
participação na sua criação.<br />
O frontispício está claramente dividido pela cimalha, em duas<br />
peças inteiramente distintas. Ou seja, a base das torres não <strong>de</strong>sce<br />
simetricamente até o nível do chão. Ao contrário, repousa sobre as<br />
laterais da parte principal da fachada que se <strong>de</strong>stacam <strong>de</strong>sta em plano<br />
mais recuado e têm forma angulada. Robustas colunas <strong>de</strong> cantaria<br />
ombreiam a fachada e os cunhais em vários planos diferencia<strong>dos</strong>. As<br />
mesmas pedras formam uma muralha na base do frontispício, dando<br />
ampla sensação <strong>de</strong> soli<strong>de</strong>z. A portada é relativamente simples, um<br />
pouco mais trabalhada na verga e emendando no nicho com a bela<br />
imagem <strong>de</strong> são João, comprovadamente obra do Aleijadinho. Dos la<strong>dos</strong><br />
há duas pequenas sacadas com cimalhinhas lindamente trabalhadas. A<br />
cimalha é saliente, contorna todo o frontispício acompanhando<br />
valentemente to<strong>dos</strong> seus planos diferencia<strong>dos</strong> e ainda se curva para<br />
contornar um relógio. Há aberturas seteiras nas laterais, abaixo das<br />
torres. O frontão é simples e alto, em curvas discretas e sustenta uma<br />
cruz singela, la<strong>de</strong>ada por coruchéus pontu<strong>dos</strong> com esferas na ponta. As<br />
torres, contrariando a abundância <strong>de</strong> linhas retas da parte inferior da<br />
104 Alguns autores acreditam que o projeto original seja do seu antigo mestre José<br />
Coelho Noronha e que o Aleijadinho tenha apenas sugerido algumas alterações que<br />
acabaram sendo adotadas. Compartilho <strong>de</strong>sta opinião.<br />
121
fachada, são cilíndricas e <strong>de</strong>lgadas. As cúpulas se afilam bruscamente e<br />
acabam em complica<strong>dos</strong> pináculos. A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> robustez predomina.<br />
Tirando-se o frontão e as torres sobraria uma construção que bem<br />
po<strong>de</strong>ria ser um forte ou uma masmorra. É a herança da arquitetura<br />
militar no modo português <strong>de</strong> se construir <strong>igrejas</strong>.<br />
A distribuição do espaço interno é muito rara para uma igreja<br />
mineira. Não há propriamente a cruz latina. Embora haja um<br />
estreitamento da passagem da nave para a capela mor, ambas têm a<br />
mesma largura. O estreitamento da passagem permitiu a colocação <strong>de</strong><br />
um monumental arco cruzeiro em pedra sabão, na verda<strong>de</strong> um <strong>dos</strong> mais<br />
belos das nossas <strong>igrejas</strong> setecentistas. Destaca-se um medalhão no<br />
coroamento com o ostensório sob uma coroa, atribuído ao Aleijadinho.<br />
A capela mor tem formato arredondado e lembra uma absi<strong>de</strong> com o<br />
presbitério no centro e bancos nas laterais. Não me lembro <strong>de</strong><br />
distribuição semelhante em nenhuma outra igreja mineira do século<br />
XVIII. 105 Dada essa situação o altar mor parece impróprio ao ambiente.<br />
De fato, está encostado na pare<strong>de</strong> central da nave com suas pilastras<br />
dispostas em ângulos chanfra<strong>dos</strong> a fim <strong>de</strong> acompanhar o perfil curvo da<br />
pare<strong>de</strong>. Parece uma peça in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte como se fosse um oratório<br />
complexo, mal acomodado à pare<strong>de</strong>. As pilastras alternam colunas <strong>de</strong><br />
fuste reto com quartelas. O trono é simplificado e sustenta são João<br />
Batista la<strong>de</strong>ado por dois pequenos nichos. No coroamento do retábulo<br />
sobressai um arco em conchas invertidas emendando com um espaldar<br />
alto. Está tinto em frisos doura<strong>dos</strong> foscos sobre fundo branco. O teto<br />
não tem adornos é inteiramente plano, o que também é uma rarida<strong>de</strong>.<br />
Dom frei José da Santíssima Trinda<strong>de</strong>, na sua visita pastoral <strong>de</strong><br />
1821, observou que a capela mor ainda não estava concluída. Fez<br />
menção a sete altares <strong>de</strong> talha branca, menos um colateral que pela sua<br />
antiguida<strong>de</strong> <strong>de</strong>stoava bastante <strong>dos</strong> <strong>de</strong>mais. Anotou provisão para que<br />
ele fosse recuperado assim como o cemitério da igreja que não tinha<br />
muros. Hoje não há cemitério nem altares colaterais e os altares da nave<br />
são em número <strong>de</strong> quatro. Também não são <strong>de</strong> talha branca. Ao<br />
contrário, alternam uma policromia <strong>de</strong> cores suaves e dourado, ma<strong>de</strong>ira<br />
105 No Serro, já no século XIX, criou-se a moda <strong>de</strong> abrir arcos na capela mor,<br />
emendando-a com os cômo<strong>dos</strong> laterais e aí instalar fileiras <strong>de</strong> bancos em sentido<br />
transverso, mas o efeito é mais <strong>de</strong> trifórios improvisa<strong>dos</strong> do que <strong>de</strong> absi<strong>de</strong>.<br />
122
ao natural ou com verniz discreto. São em estilo muito variado e <strong>de</strong><br />
fato, um <strong>de</strong>les parece mais antigo pois ten<strong>de</strong> a arquivoltas, porém<br />
interrompidas por cabeças <strong>de</strong> anjos e com a parte superior em forma <strong>de</strong><br />
espaldar. Não sabemos se ele é o tal citado por d. frei José como<br />
carecedor <strong>de</strong> reparos. Po<strong>de</strong> ser que ele tenha sido removido do seu local<br />
original próximo ao arco cruzeiro e sofrido modificações<br />
mo<strong>de</strong>rnizantes, como pediu o bispo. A talha é competente com colunas<br />
torsas enlaçadas por ramagens. Há um outro altar, próximo ao arco<br />
cruzeiro que também parece mais antigo. Tem uma espécie <strong>de</strong><br />
baldaquino no coroamento do retábulo com um medalhão mais acima.<br />
Os outros dois altares são simplifica<strong>dos</strong>, embora com talha <strong>de</strong> boa<br />
qualida<strong>de</strong> que procura copiar os <strong>de</strong>mais em forma reduzida. Na verda<strong>de</strong><br />
estão encaixa<strong>dos</strong> um tanto <strong>de</strong>sajeitadamente nos espaços que sobraram<br />
na nave, completando a diferença <strong>de</strong> tamanho com os <strong>de</strong>mais altares,<br />
recorrendo a molduras e outros adornos para preencher espaços<br />
exce<strong>de</strong>ntes. Um <strong>de</strong>les está datado <strong>de</strong> 1817.<br />
O teto da nave é abobadado em assoalho e ostenta uma pintura<br />
num rococó simplificado com a visão <strong>de</strong> são João Batista. Não há<br />
balaustrada guarnecendo os altares e assim, o assoalho <strong>de</strong> toda a nave<br />
está num mesmo nível. Seis janelões com molduras <strong>de</strong> pedra sabão se<br />
abrem no alto. Os púlpitos também possuem molduras e bases em<br />
pedra sabão. A base parece flutuar, sustentando um cálice <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira<br />
sem adornos. O coro é reto com balaustrada <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira recortada e se<br />
sustenta em arcos <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira.<br />
Enfim, embora não seja particularmente <strong>de</strong>slumbrante, a matriz<br />
<strong>de</strong> Barão <strong>de</strong> Cocais têm muitas características incomuns, o que a faz<br />
uma igreja especial.<br />
Igreja <strong>de</strong> N. S. do Rosário - 1769<br />
A Igreja <strong>de</strong> N. S. do Rosário do distrito <strong>de</strong> Cocais fica localizada<br />
numa larga praça, serena e cercada <strong>de</strong> ver<strong>de</strong>, da mesma forma como se<br />
conserva há pelo menos, cento e oitenta anos. 106 Quando da nossa<br />
106 O estado atual confere com a <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> Spix e Martius que muito<br />
provavelmente, estavam se referindo mesmo a esta praça.<br />
123
primeira visita o aspecto do templo era <strong>de</strong> <strong>de</strong>cadência com reboco solto<br />
na fachada e nas laterais. Na verda<strong>de</strong> estava para se iniciar um processo<br />
<strong>de</strong> restauração. Segundo consta, o edifício atual é na realida<strong>de</strong>, uma<br />
reconstrução do século XIX.<br />
Na nossa segunda visita já encontramos a igreja em processo <strong>de</strong><br />
restauração. Conversamos com o seu Enéas um <strong>dos</strong> moradores, que se<br />
ocupava com paciente trabalho <strong>de</strong> recuperação <strong>de</strong> pedaços <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira<br />
no interior do templo. Ele contou que a restauração ora em curso, é<br />
iniciativa da comunida<strong>de</strong> e não do IPHAN, responsável pelo<br />
tombamento do templo e que alega que a reforma não foi autorizada.<br />
Fato é que, a esta altura a igreja já per<strong>de</strong>u o telhado original das torres e<br />
a restauração está em andamento. A conservação das nossas <strong>igrejas</strong><br />
<strong>antigas</strong> é uma ameaça constante: ou por falta ou por excesso <strong>de</strong><br />
iniciativa. A comunida<strong>de</strong> acha que o IPHAN controla <strong>de</strong>mais e não<br />
ajuda e que a igreja não podia esperar mais. É uma questão <strong>de</strong>licada que<br />
requer muita habilida<strong>de</strong> pois não é possível, nem <strong>de</strong>sejável, confrontar a<br />
comunida<strong>de</strong> local que aliás, tem plena consciência do valor <strong>dos</strong> seus<br />
templos e da importância <strong>de</strong> conservá-los, mas está impaciente.<br />
O frontispício da igreja do Rosário <strong>de</strong> Cocais é quadrado,<br />
guarnecido <strong>de</strong> pilastras revestidas <strong>de</strong> tábua pintada. O mesmo ocorre<br />
com os cunhais. Entre eles há dois óculos <strong>de</strong> aspecto curioso e original.<br />
A porta é <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira almofadada com portal simples e trave superior<br />
levemente curvada. Três janelões com peitoril <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira torneada e<br />
com o mesmo formato da porta, estão posiciona<strong>dos</strong> acima <strong>de</strong>la. A<br />
cimalha é básica, revestida <strong>de</strong> telhas e contorna todo o templo,<br />
marcando a base do telhado como autêntico beiral. O frontão está<br />
colocado entre as torres e tem o perfil em curvas irregulares,<br />
guarnecidas <strong>de</strong> telhas. Não há uma cruz sobre ele, fato verda<strong>de</strong>iramente<br />
raro. Talvez ela tenha caído e vai ser recolocada ao final das obras<br />
atuais. A cúpula das torres é <strong>de</strong> forma piramidada com base saliente do<br />
mesmo formato da cimalha, sendo cobertas <strong>de</strong> telhas em quatro-águas e<br />
encimadas por pináculos altos. 107 Um pequeno óculo está posicionado<br />
na parte <strong>de</strong> baixo do frontão.<br />
107 A reforma empreendida pela comunida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>scaracterizou muito o telhado e<br />
restaurá-lo será uma questão que exigirá habilida<strong>de</strong> do IPHAN.<br />
124
O interior é muito simples e está muito <strong>de</strong>scaracterizado. Seu<br />
Enéas está ciente disto e neste ponto, preza a ajuda do IPHAN para<br />
orientar sobre o que <strong>de</strong>ve ser feito para restaurar as características<br />
originais. De fato, prevalece uma <strong>de</strong>sastrada pintura recente em cores<br />
fortes e contrastantes no altar mor. Ele parece um painel multicolorido<br />
on<strong>de</strong> vemos singelamente esculpidas <strong>de</strong> cada lado do trono, os três<br />
tipos característicos <strong>de</strong> colunas <strong>dos</strong> nossos retábulos setecentistas:<br />
quartela, colunas retas <strong>de</strong> fuste estriado e colunas torsas. Há um<br />
medalhão no alto e anjos sobre as colunas torsas. O trono é uma<br />
pirâmi<strong>de</strong> elementar e o teto é um assoalho abobadado com uma pintura<br />
<strong>de</strong> N. S. do Rosário. Há tribunas nas laterais da nave, sustentadas em<br />
estruturas <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira e com forro em esteira natural. O presbitério tem<br />
uma característica incomum: está cercado por uma balaustrada <strong>de</strong><br />
tábuas pintadas. Tudo isso dá à capela mor um certo aspecto <strong>de</strong> um<br />
palco <strong>de</strong> teatro. A nave possui dois altares colaterais com colunas retas<br />
e pinta<strong>dos</strong> com tinta branca e frisos doura<strong>dos</strong>. O arco cruzeiro é <strong>de</strong><br />
ma<strong>de</strong>ira e tem um medalhão no alto, representando um ostensório<br />
cercado <strong>de</strong> cabeças <strong>de</strong> anjos. O teto é facetado e sem adornos. O coro<br />
está pintado com forte tinta a óleo amarela muito <strong>de</strong>sagradável. Os<br />
púlpitos são simples, <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira e são acessa<strong>dos</strong> por escadas abertas<br />
para a nave. Não havia imagens, posto que foram recolhidas <strong>às</strong> casas<br />
<strong>dos</strong> moradores <strong>de</strong>vido <strong>às</strong> obras. Uma gran<strong>de</strong> e competente imagem do<br />
Senhor <strong>dos</strong> Passos, porém, foi <strong>de</strong>ixada na sacristia. Seu avantajado<br />
tamanho impediu sua guarda em recintos domésticos.<br />
Igreja <strong>de</strong> Santana - 1752<br />
A igreja <strong>de</strong> Santana <strong>de</strong> Cocais fica <strong>de</strong>ntro do cemitério do<br />
arraial, num <strong>dos</strong> la<strong>dos</strong> do largo <strong>de</strong> Santana, um espaço amplo e<br />
gramado com vários casarões antigos muito bem conserva<strong>dos</strong>, em seu<br />
entorno. Pertenceu à família <strong>de</strong> Feliciano Pinto Coelho da Cunha, o<br />
inevitável barão <strong>de</strong> Cocais. O barão foi figura muito atuante no século<br />
XIX, tendo sido presi<strong>de</strong>nte da província em 1835 e lí<strong>de</strong>r da Revolução<br />
liberal <strong>de</strong> 1842, como já mencionamos.<br />
O aspecto que a igreja apresenta hoje não é o original e resulta<br />
<strong>de</strong> uma ampla reformulação cometida no século XIX. Na fachada<br />
125
<strong>de</strong>staca-se uma gran<strong>de</strong> porta <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira almofadada emoldurada por<br />
um portal <strong>de</strong> pedra com um arremate <strong>de</strong> alvenaria sobre a verga. Nos<br />
la<strong>dos</strong>, acima da porta, vêem-se duas sacadas com peitoril <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira<br />
torneada. A cimalha, saliente e coberta <strong>de</strong> telhas, faz uma curva<br />
acentuada para contornar um minúsculo óculo redondo e vazado.<br />
Abaixo há uma voluta e uma cruz singelamente esculpidas sobre o<br />
reboco do revestimento. Há uma única torre no centro, la<strong>de</strong>ada por<br />
arremates laterais como se fosse um frontão. Dos la<strong>dos</strong> há umas<br />
espécies <strong>de</strong> pinhas sobre o cunhais. O vão do sino tem uma janela que<br />
se fecha sobre ele. A cúpula da torre é em forma <strong>de</strong> quatro-águas,<br />
coberta <strong>de</strong> telhas, encimadas por um pináculo com uma fina e pequena<br />
cruz armilar na ponta.<br />
Soubemos que a talha <strong>dos</strong> três altares internos é <strong>de</strong> boa<br />
qualida<strong>de</strong> com ornamentação em conchas e colunas torsas, mas não<br />
pu<strong>de</strong>mos vê-los.<br />
O bispo <strong>de</strong> Mariana, em sua visita pastoral à igreja <strong>de</strong> Santana<br />
no século XIX, escandalizou-se com o fato das mulheres freqüentarem<br />
a capela sem usar véu e <strong>de</strong>ixou instruções firmes ao padre para reverter<br />
esse con<strong>de</strong>nável hábito.<br />
Não foi possível conhecer o templo internamente. Segundo seu<br />
Enéas, após a reforma da Igreja do Rosário será a vez da <strong>de</strong> Santana.<br />
Espero que até lá a comunida<strong>de</strong> e o IPHAN tenham se acertado.<br />
SANTA BÁRBARA<br />
A povoação é gran<strong>de</strong>, tem diversas ruas, boas <strong>igrejas</strong>,<br />
boa Casa <strong>de</strong> Câmara e Ca<strong>de</strong>ia, como também bons edifícios.<br />
Seu pessoal é gran<strong>de</strong> e ilustrado; há ali gran<strong>de</strong>s fortunas.<br />
O território do município é fertilíssimo e produz vantajosamente<br />
to<strong>dos</strong> os gêneros comestíveis.<br />
Após Barão <strong>de</strong> Cocais está Santa Bárbara. Portanto o acesso<br />
também é feito a partir da BR 262, a in<strong>de</strong>fectível estrada que liga os<br />
mineiros ao mar. Na seqüência está Brumal e após Santa Bárbara,<br />
Catas Altas e Mariana. Este é o antigo trecho <strong>de</strong> uma das variantes da<br />
estrada que ligava Ouro Preto e Mariana ao distrito <strong>dos</strong> Diamantes.<br />
126
Existem poucas opções <strong>de</strong> hospedagem na região. Uma <strong>de</strong>las é<br />
um hotel agradavelmente instalado num casarão do século XIX,<br />
recentemente restaurado e que está situado bem em frente à matriz <strong>de</strong><br />
Santo Antônio. Outra é a Pousada do Colégio do Caraça. Só é<br />
recomendável você se hospedar lá se estiver propenso a uma vida mais<br />
ecológica ou contemplativa. O portão fecha <strong>às</strong> 18:00 horas, o jantar é<br />
cedo, o álcool não é bem vindo e a igreja atual é uma reconstrução da<br />
antiga ermida da Mãe <strong>dos</strong> Homens em confuso toque neogótico. 108 Mas<br />
vale a pena visitar o velho complexo do Caraça, admirar o que sobrou<br />
da obra do irmão Lourenço e conhecer os resquícios da visita <strong>de</strong> d.<br />
Pedro II em 1881: o marco <strong>de</strong> pedra com as armas do império, a cama<br />
on<strong>de</strong> dormiu e o riacho on<strong>de</strong> tomou banho e cujas águas ainda<br />
continuam cristalinas e convidativas. Sobretudo, lá está a Última Ceia <strong>de</strong><br />
mestre Ataí<strong>de</strong> a adornar uma das pare<strong>de</strong>s da nave da ermida e dois <strong>dos</strong><br />
retábulos antigos ainda estão preserva<strong>dos</strong>, manti<strong>dos</strong> em capelas nas<br />
laterais do vestíbulo.<br />
Na verda<strong>de</strong>, o patrimônio histórico do Caraça, tal qual se<br />
apresenta hoje, tem pouco que ver com a obra do irmão Lourenço.<br />
Quando ele morreu, praticamente selou o fim da sua missão doando<br />
seu patrimônio à Coroa. Mas d. João VI reverteu a situação, repassando<br />
o patrimônio a congregações religiosas, surgindo daí o colégio e o<br />
seminário.<br />
Santa Bárbara como não po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser, teve sua origem<br />
ligada à exploração do ouro a partir da <strong>de</strong>scoberta do metal no ribeirão<br />
<strong>de</strong> Santa Bárbara por Antônio Bueno, fundador do arraial <strong>de</strong> Brumado,<br />
hoje simpático distrito com o nome <strong>de</strong> Brumal.<br />
Existem alguns casarões antigos ainda preserva<strong>dos</strong> em Santa<br />
Bárbara, entre eles aquele on<strong>de</strong> atualmente funciona a Casa da Cultura<br />
do município (largo do Rosário), a casa <strong>de</strong> Afonso Pena na rua que tem<br />
seu nome, a antiga ca<strong>de</strong>ia, a Prefeitura e a Casa da Câmara. Junto com a<br />
matriz <strong>de</strong> Santo Antônio e a igreja do Rosário formam o Centro<br />
Histórico da cida<strong>de</strong>.<br />
108 Saint-Hilaire, faz uma <strong>de</strong>scrição razoavelmente <strong>de</strong>talhada da antiga ermida em seu<br />
livro. Parece bem mais interessante do que a atual (vi<strong>de</strong> bibliografia).<br />
127
Um folheto distribuído aos turistas com informações <strong>de</strong>stinadas<br />
a valorizar os atributos culturais da cida<strong>de</strong>, informa que por aqui<br />
passaram Spix e Martius rumo ao Distrito <strong>dos</strong> Diamantes. Consultando<br />
a obra <strong>dos</strong> ditos cujos não encontrei nenhum registro a esse respeito.<br />
Parece ter havido confusão com outra Santa Bárbara por on<strong>de</strong> os<br />
sábios alemães passarem mas que vem a ser uma fazenda que ficava nas<br />
proximida<strong>de</strong>s da Campanha do Rio Ver<strong>de</strong>, no sul <strong>de</strong> <strong>Minas</strong>. Assim, o<br />
único <strong>dos</strong> nossos viajantes que fez comentários sobre a vila <strong>de</strong> Santa<br />
Bárbara foi Saint-Hilaire que aqui passou, a caminho da região do Serro<br />
Frio e registrou que a cida<strong>de</strong> estava em tal estado <strong>de</strong> <strong>de</strong>cadência que as<br />
casas eram oferecidas <strong>de</strong> graça mas ninguém queria morar nelas. Hoje a<br />
valente gente da simpática cida<strong>de</strong> não <strong>de</strong>ixa que seja assim e tem<br />
conseguido melhorar a infraestrutura turística. Eu gosto daqui pois a<br />
matriz <strong>de</strong> Santo Antônio e a igreja <strong>de</strong> Brumal muito me agradam.<br />
Também aqui se criam abelhas e se fabrica um mel famoso, bom para<br />
quem gosta.<br />
Frei d. José anotou em Santa Bárbara além da matriz, as <strong>igrejas</strong><br />
do Rosário, das Mercês, a do Cordão <strong>de</strong> São Francisco e a do Senhor <strong>de</strong><br />
Matosinhos.<br />
Cadastramos os seguintes templos no município: matriz <strong>de</strong><br />
Santo Antônio, igreja das Mercês, igreja do Rosário, igreja da<br />
Arquiconfraria do Cordão <strong>de</strong> São Francisco, capela do Bonfim e igreja<br />
<strong>de</strong> Santo Amaro, no distrito <strong>de</strong> Brumal. A igreja do Senhor <strong>de</strong><br />
Matosinhos, citada pelo bispo, é a mesma capela do Bonfim. A matriz<br />
<strong>de</strong> Santo Antônio e a igreja <strong>de</strong> Santo Amaro foram tombadas pelo<br />
IPHAN, em 1938 e 1945, respectivamente. As <strong>de</strong>mais não são<br />
tombadas.<br />
Matriz <strong>de</strong> Santo Antônio – 1724<br />
A matriz <strong>de</strong> Santa Bárbara é uma das mais belas <strong>igrejas</strong><br />
setecentistas <strong>de</strong> <strong>Minas</strong>, valorizada ainda mais pelas pinturas <strong>de</strong> Ataí<strong>de</strong>.<br />
Faz parte do grupo das <strong>igrejas</strong> que em 1724, foram erigidas como se<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> vigararias coladas, ou seja, está entre as mais <strong>antigas</strong> da capitania.<br />
Fica localizada na parte baixa <strong>de</strong> uma avenida que começa na igreja do<br />
Rosário em frente a uma pequena praça no centro histórico da cida<strong>de</strong>.<br />
Sua fachada é típica da época em que foi erigida ou seja, primeira<br />
meta<strong>de</strong> do século XVIII. Possui, contudo, uma portada atípica para a<br />
época com uma verga trabalhada, ostentando um adorno conchoi<strong>de</strong> no<br />
128
centro e volutas no alinhamento das ombreiras laterais. Acima estão<br />
três janelões guarneci<strong>dos</strong> <strong>de</strong> balaustradas e com cimalhinhas trabalhadas<br />
semelhantes a da verga da porta. As pilastras e cunhais são <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira<br />
apoiadas em bases <strong>de</strong> pedra. Há dois óculos singulares nas laterais da<br />
fachada, no alinhamento da base das torres. A cimalha é em forma <strong>de</strong><br />
beiral guarnecido <strong>de</strong> telhas. O frontão é simples e reto, la<strong>de</strong>ado por<br />
beirais como os da cimalha com um óculo cruciforme envidraçado no<br />
centro e uma pequena cruz na cumieira. As torres são baixas e simples<br />
com cúpula em quatro águas cobertas <strong>de</strong> telhas.<br />
Internamente a matriz <strong>de</strong> Santa Bárbara apresenta um <strong>dos</strong> mais<br />
belos recintos setecentistas <strong>de</strong> <strong>Minas</strong>, numa notável harmonia <strong>de</strong> talha,<br />
ornatos e pinturas. O altar mor apresenta um retábulo em arco<br />
simplificado com pilastras internas em quartela e colunas externas retas<br />
e <strong>de</strong> fuste canelado, apoiadas sobre consolos. Está adornado com frisos<br />
doura<strong>dos</strong> e policromia suave. No alto do retábulo há uma tarja com<br />
ornatos conchoi<strong>de</strong>s e figuras <strong>de</strong> anjos. O trono é baixo em três <strong>de</strong>graus,<br />
acima <strong>dos</strong> quais está o santo Antônio. Atrás do sacrário há uma pintura<br />
do Cristo carregando a cruz. O camarim ostenta belas e <strong>de</strong>licadas<br />
figuras <strong>de</strong> anjos. Há ainda nichos com baldaquinos valoriza<strong>dos</strong> por<br />
belos cortina<strong>dos</strong>. Segundo consta este retábulo não é o original e ten<strong>de</strong><br />
para um rococó mais tardio em relação a data <strong>de</strong> início da construção<br />
do templo. O altar mor original teria sido o que hoje se encontra na<br />
Capela do Santíssimo. Há uma magnífica pintura <strong>de</strong> Ataí<strong>de</strong> no teto com<br />
soluções arquitetônicas em perspectiva ilusionista e suas colunas<br />
infinitas sustentando uma cena <strong>de</strong> Cristo. Outras pinturas do mestre<br />
adornam as laterais da capela mor, ten<strong>de</strong>ndo <strong>às</strong> famosas imitações <strong>de</strong><br />
azulejos que ele já tinha feito na São Francisco <strong>de</strong> Ouro Preto. Na parte<br />
superior da capela mor estão imponentes tribunas douradas com arcos<br />
sustenta<strong>dos</strong> por colunas incomuns, alargadas na base do capitel e<br />
afiladas na parte <strong>de</strong> baixo. Há pinturas parietais entre as tribunas e o<br />
altar. Há também belas pinturas no teto da nave em competente rococó<br />
com conchas e parapeitos simplifica<strong>dos</strong>, <strong>de</strong> autor não i<strong>de</strong>ntificado mas<br />
que se supõe terem sido executa<strong>dos</strong> por algum brilhante discípulo <strong>de</strong><br />
Ataí<strong>de</strong>. Uma bela cornija múltipla com pintura imitando mármore,<br />
contorna toda a nave. O arco cruzeiro é imponente, profusamente<br />
entalhado e tem no alto um medalhão com a imagem <strong>de</strong> santo Antônio<br />
com o Menino. É trabalhado em finos <strong>de</strong>talhes <strong>de</strong> talha, cores e<br />
douramentos. Nas laterais estão altares com colunas torsas, anjos,<br />
pelicanos, ramagens e falsos <strong>dos</strong>séis encima<strong>dos</strong> por espaldares<br />
129
complexos. Um <strong>dos</strong> altares laterais da nave está recuado formando uma<br />
pequena capela separada do recinto da nave. O altar do lado oposto é<br />
puxado ao rococó com baldaquino, pilastras em quartela e espaldar alto<br />
adornado por um medalhão dourado. Predomina nos altares uma<br />
combinação <strong>de</strong> dourado com uma policromia suave. Os púlpitos<br />
apresentam base e guarda-corpo complexos e com policromia em tons<br />
pasteis e doura<strong>dos</strong> e guarneci<strong>dos</strong> com baldaquinos, sustentando anjos.<br />
O coro da matriz <strong>de</strong> Santo Antônio também é um <strong>dos</strong> mais<br />
belos entre todas as <strong>igrejas</strong> mineiras do século XVIII. Seu perfil em<br />
curvas avança generosamente nas laterais da nave. Seu corpo principal é<br />
sustentado por pilastras em arco. É guarnecido com belas balaustradas<br />
<strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira escura sobre base com frisos marmoriza<strong>dos</strong> e doura<strong>dos</strong>,<br />
combina<strong>dos</strong> numa incrível festa visual.<br />
A história da construção da matriz é razoavelmente<br />
documentada e nos revela que o templo passou por várias reformas e<br />
reconstruções ao longo <strong>dos</strong> últimos séculos. Há registros <strong>dos</strong> nomes <strong>de</strong><br />
muitos daqueles que trabalharam aqui: Francisco Maria Xavier, Antônio<br />
Martins Passos e João da Costa Batista, empreiteiros; Manuel Rebelo <strong>de</strong><br />
Souza, Gonçalo Francisco Xavier, José Rodrigues da Silva e sobretudo<br />
Manuel da Costa Ataí<strong>de</strong>, pintores. Há registro também das várias<br />
irmanda<strong>de</strong>s que se uniram no esforço <strong>de</strong> erguer e conservar essa<br />
<strong>de</strong>stacada matriz, além da Irmanda<strong>de</strong> do Santíssimo: São Miguel e<br />
Almas, Antônio e N. S. do Terço.<br />
Dom frei José consi<strong>de</strong>rou a matriz <strong>de</strong> Santo Antônio a mais<br />
bela <strong>de</strong> todas as que visitou na viagem <strong>de</strong> 1821 pela sua diocese, com<br />
seus seis altares mais a capela do Senhor <strong>dos</strong> Passos, toda acabada e<br />
<strong>de</strong>cente. De fato assim é ainda hoje.<br />
Igreja do Rosário – 1771<br />
Já encontramos referências <strong>de</strong> que essa igreja seja do século<br />
XIX mas não tivermos dúvidas em incluí-la em nossa relação. Isso,<br />
sobretudo, <strong>de</strong>vido <strong>às</strong> suas características externas, parecidas com as da<br />
igreja do Ó <strong>de</strong> Sabará, autêntica joia do início do século XVIII e muitas<br />
outras semelhantes do final do setecentos. Fica no largo do Rosário, na<br />
extremida<strong>de</strong> alta da avenida que corta o centro histórico <strong>de</strong> Santa<br />
Bárbara. Quando da nossa visita a igreja estava interditada pois o teto<br />
havia ruído. O aci<strong>de</strong>nte foi rotulado <strong>de</strong> inesperado pois ninguém<br />
percebeu sinais <strong>de</strong> <strong>de</strong>terioração da sustentação do mesmo.<br />
Externamente porém, o templo está bem conservado e po<strong>de</strong>mos<br />
130
observar que ele segue o mo<strong>de</strong>lo padrão das igrejinhas <strong>de</strong> frente<br />
chanfrada, em três planos com uma porta e uma sacada em cada plano<br />
e uma torre única, quadrada e <strong>de</strong> telhado achinesado no centro. Não<br />
falta também o minúsculo óculo redondo abaixo da torre e o beiral <strong>de</strong><br />
telhas contornando a cimalha. De toda forma adorna com muita<br />
dignida<strong>de</strong> a pracinha on<strong>de</strong> está erigida e valoriza o centro histórico <strong>de</strong><br />
Santa Bárbara.<br />
Igreja das Mercês – 1748<br />
A igreja das Mercês fica um pouco afastada do centro histórico<br />
mas é fácil alcançá-la. Não tem propriamente adro, estando ligada<br />
diretamente a um alargamento da rua por meio <strong>de</strong> uma escadaria baixa<br />
<strong>de</strong> pedras. Externamente tem mesmo o aspecto <strong>dos</strong> templos da<br />
primeira fase. O frontispício é quadrado, emoldurado por pilastras <strong>de</strong><br />
ma<strong>de</strong>ira pintada, assentadas sobre bases <strong>de</strong> pedra. A sustentação das<br />
torres está colada ao frontispício completando o conjunto abaixo da<br />
cimalha. Esta é um simples beiral <strong>de</strong> telhas apoiando uma empena reta<br />
com um óculo abaixo da cumeeira on<strong>de</strong> uma cruz <strong>de</strong>lgada se equilibra.<br />
As torres são quadradas com uma cobertura em quatro águas<br />
sustentando um telhado <strong>de</strong> toque achinesado.<br />
Seu interior é muito singelo, típico da capacida<strong>de</strong> das<br />
Irmanda<strong>de</strong>s das Mercês, esforçadas mas sempre muito pobres. O altar<br />
mor é um oratório simplificado e se apresenta pintado a óleo num tom<br />
bege. Exibe quatro colunas retas <strong>de</strong> fuste estriado apoiadas sobre<br />
consolos, la<strong>de</strong>ando um arco rendilhado, recortado na frente do<br />
camarim e com o medalhão da irmanda<strong>de</strong> mais acima. Tem pequenos<br />
altares a título <strong>de</strong> nichos, apoia<strong>dos</strong> sobre cabeças <strong>de</strong> anjos. A imagem <strong>de</strong><br />
N. S. das Mercês está apoiada num trono simples em <strong>de</strong>graus. Não há<br />
altares na nave, apenas uma pequena cavida<strong>de</strong> num <strong>dos</strong> corredores<br />
laterais abrigando o Senhor <strong>dos</strong> Passos. Há tribunas na nave e na capela<br />
mor com molduras <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira pintadas como o altar e com forro em<br />
esteira natural. O arco cruzeiro e a cimalha também são em ma<strong>de</strong>ira<br />
pintada. Tudo é muito singelo.<br />
Igreja da Arquiconfraria do Cordão <strong>de</strong> São Francisco – 1783<br />
Esta igreja está situada no alto da rua São Francisco um pouco<br />
mais distante do centro histórico <strong>de</strong> Santa Bárbara. Embora <strong>de</strong> interior<br />
simples, sua nave chama a atenção pela boa iluminação natural<br />
131
garantida por um alto pé direito com pare<strong>de</strong>s vazadas por janelões bem<br />
coloca<strong>dos</strong>. O altar mor é um painel pintado, retratando sonhadas<br />
pilastras em quartelas e torsas apoiadas sobre consolos. O trono é em<br />
<strong>de</strong>graus com são Francisco <strong>de</strong> roca e uma pintura do Cristo Crucificado<br />
no fundo do camarim e a Santíssima Trinda<strong>de</strong> coroando N. S. na parte<br />
do forro. No coroamento está o medalhão da or<strong>de</strong>m. O teto da capela<br />
mor é abobadado e mostra uma pintura ingênua do Cristo Alado na<br />
cruz, passando os estigmas a são Francisco. Há tribunas guarnecidas <strong>de</strong><br />
molduras <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira nas laterais com aberturas externas <strong>de</strong> formato<br />
original, protegidas por treliças que impe<strong>de</strong>m que essas aberturas<br />
cumpram função <strong>de</strong> óculos ou seja, contribuam para a aluminação do<br />
recinto da capela mor que, ao contrário da nave, tem fraca iluminação<br />
natural. O arco cruzeiro é <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira e ostenta um medalhão com os<br />
estigmas simplifica<strong>dos</strong> no coroamento. O teto da nave também é<br />
arqueado, forrado com assoalho branco. O coro é reto, sustentado<br />
sobre pilastras e arcos e com uma balaustrada <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira torneada<br />
escura. A escada <strong>de</strong> acesso começa no vestíbulo.<br />
O adro da igreja está protegido por uma gra<strong>de</strong> <strong>de</strong> ferro<br />
chumbada numa base <strong>de</strong> pedras. A torre sineira está ao nível do chão<br />
com sua cobertura em quatro águas, achatada e afilada no centro. O<br />
frontispício é uma peça única. No centro está uma larga porta sem<br />
qualquer adorno, com portal em ma<strong>de</strong>ira e verga em arco completo.<br />
Acima estão três sacadas com balaústres <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira torneada. Não há<br />
cimalha mas apenas um beiral protegendo o telhado e sustentando uma<br />
minúscula cruz na cumeeira. Abaixo está um gran<strong>de</strong> óculo reticulado e<br />
quadrado com adornos cruciformes. Os cunhais são simples quinas <strong>de</strong><br />
ma<strong>de</strong>ira pintadas.<br />
Capelinha do Bonfim/ Bom Jesus <strong>de</strong> Matosinhos<br />
As capelinhas do Bonfim tinham a função básica <strong>de</strong> abrigar<br />
rituais <strong>de</strong> encomendação <strong>de</strong> almas. Assim eram, em geral, pequenas e<br />
discretas, <strong>de</strong>stinadas apenas a abrigar terços e benzeções. Esta não foge<br />
à regra. 109 É tão discreta que passamos varias vezes por ela sem<br />
perceber.<br />
109 As capelinhas do Bonfim <strong>de</strong> Ouro Preto, Santa Luzia e Catas Altas também se<br />
enquadram com perfeição nesse mo<strong>de</strong>lo.<br />
132
Como dito, o bispo <strong>de</strong> Mariana a i<strong>de</strong>ntificou como do Senhor<br />
<strong>de</strong> Matosinhos mas hoje ninguém aqui a conhece com tal<br />
<strong>de</strong>nominação. 110<br />
Está situada numa esquina elevada, ao pé da la<strong>de</strong>ira que leva à<br />
igreja da Confraria do Cordão <strong>de</strong> São Francisco. Não conseguimos vêla<br />
por <strong>de</strong>ntro. Por fora parece abandonada, com o capim tomando<br />
rebel<strong>de</strong>mente os espaços do seu adro. É muito pequena. Sua porta com<br />
colunas torneadas e uma espécie <strong>de</strong> beiral reto na verga, ocupa toda a<br />
fachada. Resta apenas um pequeno espaço para um óculo quadrado, um<br />
pouco acima. Há um prolongamento recuado do edifício on<strong>de</strong> está<br />
uma abertura para o sino. Não há mesmo muito para ser <strong>de</strong>scrito.<br />
Igreja <strong>de</strong> Santo Amaro <strong>de</strong> Brumal - 1727<br />
A igreja <strong>de</strong> Santo Amaro, como já foi citado, fica localizada no<br />
antigo arraial <strong>de</strong> Brumado, hoje o distrito <strong>de</strong> Brumal. Não sei porque<br />
o pessoal preferiu essa corruptela em lugar <strong>de</strong> preservar o nome<br />
primitivo do arraial. Talvez seja resultado <strong>de</strong> uma pronúncia<br />
simplificada, consolidada ao longo <strong>dos</strong> séculos. Mineiro é mesmo muito<br />
chegado a essas comodida<strong>de</strong>s lingüísticas.<br />
O arraial fica a poucos quilômetros <strong>de</strong> Santa Bárbara, logo após<br />
o trevo da estrada que leva ao Caraça, serpenteando serra acima e<br />
cortando caprichosas obras <strong>de</strong> Deus. A igreja po<strong>de</strong> ser facilmente<br />
acessada pois fica numa rua paralela à rodovia, à pequena distância.<br />
Tem uma boa iluminação <strong>de</strong> efeito que a <strong>de</strong>staca à noite e que po<strong>de</strong><br />
surpreen<strong>de</strong>r agradavelmente o viajante noturno ao se <strong>de</strong>parar<br />
inesperadamente com um templo seticentista daquele porte num arraial<br />
tão diminuto. O templo é praticamente da mesma ida<strong>de</strong> da matriz <strong>de</strong><br />
Santo Antônio e como ela, tem uma fachada característica da fase em<br />
que foi erigida.<br />
Saint-Hilaire, passou por Brumal <strong>de</strong>stacando apenas seu aspecto<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>cadência e abandono. George Gardner, vindo <strong>de</strong> Congo Soco,<br />
também passou por aqui e viu um povoado comprido, solitário e em<br />
gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>cadência.<br />
110 Na verda<strong>de</strong>, o Bom Jesus <strong>de</strong> Matosinhos resulta ser o Senhor do Bonfim.<br />
133
Dom frei José em 1821, observou sem maiores comentários,<br />
que um certo padre <strong>de</strong> Brumal, Sebastião José <strong>de</strong> Carvalho Penha,<br />
morava perto da igreja e que ajudava o capelão quando lhe permitia<br />
“suas lavouras e gran<strong>de</strong> escravatura”. Ou seja, o tal padre tinha o<br />
sacerdócio como ocupação das horas vagas, preferindo ser mesmo um<br />
gran<strong>de</strong> fazen<strong>de</strong>iro tal qual muitos <strong>dos</strong> seus confra<strong>de</strong>s do século XIX.<br />
Outra observação, interessante para nós sobre o clero do passado, ele<br />
também faria por ocasião da visita a Sabará quando contabilizou três<br />
padres “<strong>de</strong>semprega<strong>dos</strong>” na gloriosa freguesia do rio das Velhas.<br />
A igreja foi erguida por Amaro da Silveira Borges e <strong>de</strong>dicada ao<br />
seu santo homônimo. Está localizada num plano ligeiramente elevado<br />
em relação à ruazinha <strong>de</strong>fronte, ao lado <strong>de</strong> uma ampla praça <strong>de</strong>spojada,<br />
tendo no centro um velho marco <strong>de</strong> pedra enfeitando um gramado.<br />
Sofreu várias reformas ao longo <strong>dos</strong> tempos inclusive, por volta <strong>de</strong><br />
1990, teve uma das suas torres reconstruídas, <strong>de</strong>struída que tinha sido<br />
por um impie<strong>dos</strong>o raio. É contornada por um muro baixo que <strong>de</strong>ixa<br />
um espaço para um pequeno adro lajeado e uma escadaria à frente,<br />
tendo o cemitério nos fun<strong>dos</strong>. O frontispício é quadrado com uma<br />
porta encimada por uma singela verga <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira reforçada e portais<br />
simples. No canto superior <strong>de</strong> cada lado da porta estão duas janelas<br />
retangulares com balaustradas <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira. Nas laterais, <strong>de</strong>limitas por<br />
pilastras e cunhais <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira apoiadas sobre pedras, estão as bases das<br />
torres tendo no alto duas aberturas singulares. O frontão é baixo e<br />
estreito com um pequeno óculo redondo no centro, contornado por<br />
telhas e com uma singela cruz na cumieira. A cimalha é em forma <strong>de</strong><br />
beiral sustentando telhas. As torres são simples, quadradas e cobertas<br />
com telhas em quatro águas.<br />
Quando visitamos a igreja da velha Brumado estava<br />
acontecendo uma cerimônia fúnebre <strong>de</strong> corpo presente que unia uma<br />
música sinceramente sentida, a velhos costumes religiosos da gente<br />
mineira e isso num ambiente setecentista <strong>de</strong> enorme respeito e glória.<br />
Nenhuma boa alma po<strong>de</strong>ria ter encomendação mais solene e nobre.<br />
Fiquei tão contrito com a cerimônia que me abstraí respeitosamente <strong>de</strong><br />
anotar os <strong>de</strong>talhes das características internas da igrejinha <strong>de</strong> Brumal.<br />
Mas me lembro bem da profusão <strong>de</strong> pinturas emolduradas e da talha<br />
policromada <strong>dos</strong> retábulos do altar mor, <strong>dos</strong> dois altares colaterais e do<br />
arco cruzeiro. Tudo em fiel obediência ao bom estilo do barroco da<br />
primeira fase.<br />
134
CATAS ALTAS<br />
Catas Altas é a penúltima cida<strong>de</strong> da primeira fase do nosso<br />
roteiro arbitrariamente chamado <strong>de</strong> roteiro da “Comarca do Rio das<br />
Velhas” e que inclui esta cida<strong>de</strong> a <strong>de</strong>speito da sua proximida<strong>de</strong> e<br />
afinida<strong>de</strong> histórica com Mariana e a Comarca <strong>de</strong> Vila Rica. A partir <strong>de</strong><br />
Santa Bárbara é possível alcançar Catas Altas através <strong>de</strong> estrada<br />
asfaltada, recentemente implantada. A cida<strong>de</strong> tem as características<br />
típicas das pequenas concentrações urbanas mineiras, simpáticas e<br />
sonolentas. Foi fundada em 1703 por Manuel Dias, havendo autores<br />
que apontam Domingos Borges como seu fundador. Fica ao pé da serra<br />
do Caraça cujo paredão domina magnificamente o horizonte sudoeste<br />
da cida<strong>de</strong>. Catas Altas marcava uma das fronteiras da região do “Mato<br />
Dentro”, ou seja da área outrora coberta <strong>de</strong> <strong>de</strong>nsa floresta que<br />
começando na região do Caraça e passando por Cocais e Caeté ia até<br />
<strong>de</strong>pois da serra do Cipó, pegando ainda nos seus limites a nor<strong>de</strong>ste, a<br />
região <strong>de</strong> Itabira. O nome da cida<strong>de</strong> lembra as escavações feitas em<br />
áreas mais elevadas e que caracterizavam as condições <strong>de</strong> extração do<br />
ouro na região. Catas Altas possui alguns casarões antigos bem<br />
preserva<strong>dos</strong>. Não há praticamente opções <strong>de</strong> hospedagem a não ser<br />
mais uma vez, o Colégio do Caraça, cujo acesso, contudo, <strong>de</strong>manda<br />
contornar toda a serra, passando por Santa Bárbara e Brumal até ganhar<br />
a antiga ermida do irmão Lourenço.<br />
George Gardner passou em Catas Altas registrando apenas que<br />
o povoado nada mais era do que uma rua comprida como tantos que<br />
<strong>de</strong>screveu com esta mesma imagem.<br />
Richard Burton revela ter se hospedado em Catas Altas num tal<br />
Hotel Fluminense, proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> um filho <strong>de</strong> ingleses que<br />
infelizmente só falava português. Observou que após a <strong>de</strong>cadência da<br />
ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mineração os habitantes ganhavam a vida plantando milho.<br />
Notou também que a cida<strong>de</strong> tinha uma única rua. Registrou a existência<br />
<strong>de</strong> três <strong>igrejas</strong>: a Matriz, a Santa Quitéria e a Bonfim. Observou que a<br />
matriz <strong>de</strong> N. S. da Conceição tinha um interior extravagante, ornado<br />
com curiosas colunas retorcidas. É provável que ele tenha visitado o<br />
Vaticano e visto essas mesmas colunas no famoso baldaquino <strong>de</strong><br />
Bernini. Mas se assim foi, lá ele não notou essa mesma extravagância.<br />
135
Saint-Hilaire esteve em Catas Altas a caminho do Caraça.<br />
Reclamou da curiosida<strong>de</strong> <strong>dos</strong> habitantes para com a sua figura, o que<br />
estava atrapalhando o seu meticuloso trabalho <strong>de</strong> secar plantas e espetar<br />
borboletas. Contou que o jantar da hospedaria tinha sido servido em<br />
baixela <strong>de</strong> prata e que após, foi brindado com um agradável recital <strong>de</strong><br />
canto e violão pela dona do lugar, acompanhada das irmãs. Registrou<br />
que o povoado tinha sido construído com esmero mas que o aspecto<br />
então era <strong>de</strong> abandono e <strong>de</strong>cadência. Não sabemos o que tomou <strong>de</strong><br />
aperitivo no tal jantar mas aproveitou o <strong>de</strong>leite da inebriante vesperata<br />
para fazer digressões sobre as causas da <strong>de</strong>cadência da capitania das<br />
<strong>Minas</strong> Gerais. Concluiu que uma das causas era a tal Inconfidência<br />
Mineira que tinha obrigado vários notáveis cidadãos mineiros a fugirem<br />
para escapar à perseguição da Coroa. E não disse mais nenhuma<br />
bobagem nesse dia, indo na sequência se penitenciar merecidamente<br />
nas íngremes encostas da serra do Caraça.<br />
O Bispo Visitador <strong>de</strong> Mariana na sua passagem, além da matriz<br />
fala da capela <strong>de</strong> N. S. do Rosário <strong>dos</strong> Pretos, Santa Quitéria e a Ermida<br />
da Arquiconfraria <strong>de</strong> São Francisco. Conta-nos que o povo era muito<br />
chegado à igreja e que havia nada menos do que seis padres na<br />
paróquia. Contabilizamos três templos em Catas Altas: a matriz <strong>de</strong> N.<br />
S. da Conceição, a igreja do Rosário e a igreja <strong>de</strong> Santa Quitéria.<br />
Portanto, não conseguimos localizar a igreja da Arquiconfraria do<br />
Cordão <strong>de</strong> São Francisco, citada pelo Bispo. As <strong>igrejas</strong> <strong>de</strong> Catas Altas,<br />
por incrível que pareça, não são tombadas.<br />
Matriz <strong>de</strong> N. S. da Conceição - 1738<br />
Esta notável matriz fica localizada numa ampla praça que serve<br />
para compor com a escadaria da igreja, talvez o maior adro <strong>de</strong> <strong>Minas</strong><br />
Gerais. É particularmente pitoresco porque <strong>de</strong>fronte à igreja se ergue a<br />
pedra do Caraça preenchendo magnificamente, todo o horizonte<br />
sudoeste da cida<strong>de</strong>. É nesse praça que se erguem alguns casarões<br />
antigos em bom estado <strong>de</strong> preservação, formando com a matriz um<br />
conjunto <strong>de</strong> certo interesse. Esta é uma das poucas <strong>igrejas</strong> em que se<br />
po<strong>de</strong> fixar a data <strong>de</strong> fundação com precisão pois uma notícia inserida<br />
no Códice Matoso dá conta <strong>de</strong> que em 1739 foi feito o translado do<br />
Santíssimo Sacramento para a “nova matriz, que hoje existe” (1750).<br />
136
Uma boa documentação sobre os construtores do templo<br />
também foi preservada e através <strong>de</strong>la sabemos que nele trabalharam os<br />
notáveis entalhadores Francisco Xavier <strong>de</strong> Brito e Francisco Vieira<br />
Servas. O primeiro produziu <strong>de</strong>stacadas obras sobretudo em Ouro<br />
Preto e Mariana e o segundo é responsável por belos trabalhos <strong>de</strong><br />
entalhe na igreja do Carmo <strong>de</strong> Sabará e esculturas no Santuário <strong>de</strong><br />
Congonhas. No trono está ainda o Cristo crucificado, obra do<br />
Aleijadinho e que antes <strong>de</strong> ser atribuído ao mestre, tinha posição <strong>de</strong><br />
pouco <strong>de</strong>staque no consistório <strong>dos</strong> Irmãos do Santíssimo.<br />
A parte principal da fachada é bem <strong>de</strong>finida, limitada por<br />
pilastras que parecem apoiar a cimalha que é reta e pouco saliente. Os<br />
cunhais seguem o mesmo estilo. No centro do frontispício há três<br />
gran<strong>de</strong>s portas em arco que dão acesso a uma espécie <strong>de</strong> alpendre após<br />
o qual estão as portas <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira que permitem a entrada na nave<br />
propriamente dita. Esta solução chamada galilé, é semelhante a da igreja<br />
do Rosário <strong>dos</strong> Pretos <strong>de</strong> Ouro Preto e da Basílica Menor <strong>de</strong> São Pedro<br />
<strong>dos</strong> Clérigos <strong>de</strong> Mariana. É pouco comum em <strong>Minas</strong> e não me lembro<br />
<strong>de</strong> nenhum outro caso além <strong>de</strong>sses três templos cita<strong>dos</strong>.<br />
Acima do vestíbulo estão três gran<strong>de</strong>s janelões envidraça<strong>dos</strong><br />
que se comunicam com o coro. O frontão tem o recorte <strong>de</strong> uma curva<br />
suave, emoldurada <strong>de</strong> pedra e que se confun<strong>de</strong> com a parte inferior das<br />
torres. No centro há um pequeno óculo irregular vazado e em cima está<br />
uma pequena cruz. As torres são <strong>de</strong>lgadas e emolduradas <strong>de</strong> pedras. Há<br />
pontas em cada um <strong>dos</strong> quatro cantos da base das cúpulas. Essas são<br />
em formato bastante original e se alongam até virarem pináculos<br />
pontiagu<strong>dos</strong>. Este formado incomum chama atenção do visitante já à<br />
entrada da cida<strong>de</strong>. Mais tar<strong>de</strong> fomos encontrar coisa semelhante na<br />
matriz da Boa <strong>Viagem</strong> <strong>de</strong> Itabirito.<br />
Dom frei José observou na sua visita, que o retábulo do altar<br />
mor não tinha pintura. Hoje ele está adornado <strong>de</strong> fundo branco com<br />
frisos doura<strong>dos</strong>. Suas colunas internas são em quartela e as externas são<br />
torsas com estrias no terço inferior e tendo no alto anjos apoia<strong>dos</strong><br />
sobre fragmentos <strong>de</strong> arquitrave. No coroamento está o <strong>dos</strong>sel clássico<br />
com a Santíssima Trinda<strong>de</strong> coroando a N. S. da Conceição. Ela ce<strong>de</strong>u<br />
lugar ao Cristo do Aleijadinho e hoje está em posição inferior ao pé do<br />
trono. Nas laterais da escadaria do presbitério estão belos anjos<br />
lampadóforos.<br />
137
Não há altares no transepto e sim portas que levam <strong>às</strong><br />
intimida<strong>de</strong>s da matriz. Acima <strong>de</strong>las estão as pinturas <strong>dos</strong> quatro<br />
doutores da Igreja, atribuídas por alguns a Manuel da Costa Ataí<strong>de</strong>.<br />
Os altares próximos ao arco cruzeiro são um pouco recua<strong>dos</strong> e<br />
<strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s dimensões. O da esquerda apresenta colunas torsas<br />
encimadas por um baldaquino e com nichos laterais em ângulo diverso<br />
ao do trono. O da direita parece um majestoso oratório com um fundo<br />
camarim abrigando uma original imagem do Cristo Crucificado.<br />
Abaixo do trono há um baldaquino e no alto se <strong>de</strong>staca um gran<strong>de</strong><br />
medalhão que ultrapassa espetacularmente a cimalha.<br />
A mesma notícia do Códice Matoso, já citada, também informa<br />
que a terceira imagem doada à matriz, e que <strong>de</strong>pois foi transferida à<br />
nova matriz, foi exatamente um Senhor Crucificado. Se estivermos<br />
falando da mesma imagem ela teria sido doada entre 1710 e 1738. 111<br />
Portando a sua originalida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>vido à sua antiguida<strong>de</strong>.<br />
Nos altares seguintes - em número <strong>de</strong> quatro, espalha<strong>dos</strong> pela<br />
nave - predomina o <strong>dos</strong>sel com pilastras pequenas em quartelas e a<br />
presença <strong>dos</strong> braços com figuras <strong>de</strong> águias avançando pelo alto do<br />
retábulo.<br />
Os púlpitos são pinta<strong>dos</strong> <strong>de</strong> branco e apresentam guarda-corpo<br />
retilíneo e bela base <strong>de</strong> sustentação arrematada em pinhas que chegam a<br />
poucos centímetros do chão. No alto estão guarneci<strong>dos</strong> <strong>de</strong> baldaquinos<br />
<strong>de</strong> on<strong>de</strong> pen<strong>de</strong>m lambrequins e sobre os quais se apoiam anjos. As<br />
tribunas, tanto da nave quanto da capela mor, são verda<strong>de</strong>iros retábulos<br />
adorna<strong>dos</strong> com sanefas e lambrequins trabalha<strong>dos</strong> em ma<strong>de</strong>ira. Toda a<br />
igreja é revestida em ma<strong>de</strong>ira entalhada e apesar <strong>de</strong> haver <strong>de</strong>sarmonia<br />
nos acabamentos da mesma – parte está ao natural, parte pintada <strong>de</strong><br />
branco e parte dourada e policromada – compõe um <strong>dos</strong> mais belos<br />
interiores do conjunto <strong>de</strong> nossas <strong>igrejas</strong> setecentistas.<br />
Igreja <strong>de</strong> Santa Quitéria - 1728<br />
Esta simpática igrejinha fica na parte mais elevada <strong>de</strong> Catas<br />
Altas num outeiro bucólico cercado <strong>de</strong> gramado natural com poucas<br />
habitações nas proximida<strong>de</strong>s. Ao fundo tem-se bela visão da serra do<br />
Caraça e do lado oposto avista-se a matriz <strong>de</strong> N. S. da Conceição. Após<br />
subir à pé uma pequena la<strong>de</strong>ira, chega-se a uma escadaria <strong>de</strong> pedras<br />
111 O doador foi um certo capitão Domingos Vieira <strong>de</strong> Macedo.<br />
138
ústicas que, na sequência, formam o que seria o adro da igreja<br />
propriamente dito. Segundo o mesmo registro constante na coletânea<br />
do Códice Matoso, o templo foi fundado por Paulo <strong>de</strong> Araújo <strong>de</strong><br />
Aguiar em 1728.<br />
A construção é pequena, o adro também mas a vista alcança<br />
longe e tudo é belo e faz você respirar fundo, sorvendo, com vonta<strong>de</strong> o<br />
ar puro que circula livremente entre a montanha e os ver<strong>de</strong>s <strong>dos</strong><br />
resquícios do “Mato Dentro”. Não conseguimos visitar o interior da<br />
igreja. Seu perfil arquitetônico é o mesmo <strong>de</strong> outras igrejinhas mineiras,<br />
li<strong>de</strong>radas pela igrejinha do Ó <strong>de</strong> Sabará, muito mais antiga e que lhes<br />
serviu <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lo. É aquela solução singela da frente chanfrada com<br />
torre única <strong>de</strong> telhado em quatro águas, uma porta no centro, três<br />
sacadas em cada uma das faces da fachada e pintadas <strong>de</strong> azul e branco.<br />
São muito especiais e em geral, muito queridas pelas suas comunida<strong>de</strong>s.<br />
Esta também é assim. Soubemos que praticamente já não há missas<br />
nesse templo, mas os casamentos são frequentes. De fato, a igrejinha <strong>de</strong><br />
Santa Quitéria <strong>de</strong> Catas Altas parece estar impregnada <strong>de</strong> augúrios<br />
promissores, propícios a bem sucedidas uniões.<br />
Igreja do Rosário<br />
Localiza-se, discretamente, na beira <strong>de</strong> uma das ruas que cortam<br />
o largo da matriz. Está erguida no fundo <strong>de</strong> um terreno cuja frente<br />
gramada forma o seu adro natural. Não encontramos referências<br />
cronológicas sobre esta igreja. A já citada notícia do Códice Matoso dá<br />
a existência <strong>de</strong> uma igreja do Rosário em Catas Altas que seguramente<br />
não é esta. De toda forma ela é, pelo menos, do princípio do século<br />
XIX, já que d. frei José registra sua existência em 1821. Passa muito<br />
bem por uma típica Igreja do Rosário do século XVIII pois a pobreza<br />
das irmanda<strong>de</strong>s <strong>dos</strong> pretos extravasou o setecentos e antecipou a<br />
<strong>de</strong>cadência das nossas <strong>igrejas</strong> no século seguinte.<br />
Sua frente é uma peça única. Não há cimalha nem cunhais. A<br />
cobertura é um telhado em duas águas protegido por um beiral. Na<br />
cumeeira está a cruz e abaixo está um minúsculo óculo <strong>de</strong> formato<br />
in<strong>de</strong>ciso. A porta é guarnecida <strong>de</strong> portais singelos com uma verga em<br />
arco abatido. Acima está uma pequena abertura retangular abrigando<br />
um sino entre duas gran<strong>de</strong>s sacadas.<br />
Também não conseguimos ver a igreja por <strong>de</strong>ntro e assim, foi<br />
só isso que conseguimos registrar.<br />
139
PARACATU<br />
A povoação é gran<strong>de</strong> e bem colocada: tem boas ruas,<br />
boas <strong>igrejas</strong>, boa Casa <strong>de</strong> Câmara e Ca<strong>de</strong>ia. Seu povo é o<br />
mais hospitaleiro e amável que é possível: há ali muita vida,<br />
muita animação e muita sociabilida<strong>de</strong>, ao contrário <strong>de</strong> outros<br />
lugares da província. Há ali muita vocação para a música,<br />
tanto que há uma gran<strong>de</strong> corporação musical. Seu comércio<br />
é animado e importante, sendo feito quase tudo pela Bahia.<br />
Em Paracatu concluímos nossa andança pela primeira comarca<br />
da nossa <strong>de</strong>marcação imaginária do atual estado <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> Gerais. A<br />
cida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ser acessada através da rodovia que liga Belo Horizonte a<br />
Brasília e que segue um trecho da antiga Picada <strong>de</strong> Goiás. Fica um tanto<br />
afastada em relação <strong>às</strong> localida<strong>de</strong>s já visitadas e que em geral, estão a<br />
menos <strong>de</strong> cem quilômetros da se<strong>de</strong> representada pela vila <strong>de</strong> Sabará.<br />
Mas como se recorda, a comarca do Rio das Velhas era muito extensa,<br />
alcançando o extremo oeste da capitania <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> Gerais on<strong>de</strong> está<br />
Paracatu.<br />
O lugarejo surgiu bem no início <strong>de</strong> século XVIII, a partir <strong>de</strong><br />
incursões <strong>de</strong> baianos <strong>de</strong>scendo o rio São Francisco em busca <strong>de</strong> pastos<br />
e <strong>de</strong> paulistas buscando as minas <strong>de</strong> Goiás. Paracatu começou a se<br />
organizar politicamente em 1744, quando José Rodrigues Fróis<br />
informou oficialmente ao governador Gomes Freire <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> a<br />
<strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> ouro no Córrego Rico. Em troca, ganhou do dito a<br />
condição <strong>de</strong> guarda-mor, vale dizer, autorida<strong>de</strong> responsável por<br />
organizar a exploração do cobiçado metal, entre outras atribuições<br />
reguladoras. Outro nome ligado aos primórdios da organização política<br />
do arraial é o <strong>de</strong> Felisberto Cal<strong>de</strong>ira Brant, mais tar<strong>de</strong> contratador <strong>de</strong><br />
diamantes no Tijuco e que acabou preso em Lisboa, parece que mais<br />
por intriga pessoal do ouvidor do Serro Frio que não gostou nada do<br />
contratador ter tentado matá-lo. Quando chegarmos ao Distrito <strong>dos</strong><br />
Diamantes voltaremos à sua história.<br />
Em 1798 Paracatu ganhou a condição <strong>de</strong> vila com direito a juiz<br />
<strong>de</strong> fora e Câmara mas a comarca só foi criada no principio do século<br />
seguinte.<br />
O <strong>de</strong>lator na Inconfidência Mineira - Basílio <strong>de</strong> Brito Malheiro -<br />
tinha o título <strong>de</strong> coronel <strong>de</strong> auxiliares <strong>de</strong> Paracatu, mas é possível que<br />
140
ele nunca tenha andado por aqui. Provavelmente ganhou o título do<br />
governador Cunha Menezes - seu notório e corrupto protetor - sem ter<br />
tido que gastar nada para prover Paracatu com uma milícia auxiliar.<br />
Também aqui andou em 1789, meio fugido, o capitão da tropa paga <strong>de</strong><br />
<strong>Minas</strong> Maximiano <strong>de</strong> Oliveira Leite, com receio <strong>de</strong> ser preso como<br />
inconfi<strong>de</strong>nte. Ele era simpatizante <strong>de</strong> Tira<strong>de</strong>ntes e andou gostando do<br />
discurso do Alferes. Per<strong>de</strong>u sua patente mas acabou se livrando da<br />
prisão.<br />
Paracatu teve <strong>de</strong>stacado papel na revolução liberal <strong>de</strong> 1842,<br />
sendo uma das últimas cida<strong>de</strong>s on<strong>de</strong> se restaurou a legalida<strong>de</strong>.<br />
O único <strong>dos</strong> nossos companheiros viajantes que se animou a vir<br />
até Paracatu, como não po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser, foi o <strong>de</strong>dicado e<br />
incansável Saint-Hilaire. Encontrou a vila em acentuada <strong>de</strong>cadência<br />
como <strong>de</strong> resto acontecia com toda a capitania. Mas observou que ainda<br />
existia alguma exploração aurífera, em ativida<strong>de</strong>s mineradoras baseadas<br />
em escavações <strong>de</strong> maior profundida<strong>de</strong>. Ou seja, esgotadas as pepitas<br />
superficiais do Córrego Rico, o pessoal daqui não <strong>de</strong>sanimou e quem<br />
tinha maiores recursos partiu para tecnologias mais custosas e<br />
continuou tentando bravamente. Infelizmente Saint-Hilaire falou pouco<br />
da vila propriamente dita. Registrou que as casas eram baixas e mal<br />
caiadas, que a igreja <strong>de</strong> Santana estava em ruínas e que as ruas eram<br />
retas e bem calçadas. Contou que os chafarizes não tinham qualquer<br />
tipo <strong>de</strong> adorno. Não foi bem o que observamos em nossa visita. Há um<br />
chafariz em frente ao atual Museu Histórico que embora singelo não é<br />
totalmente <strong>de</strong>stituído <strong>de</strong> adornos. Po<strong>de</strong> ser que tenha recebido alguma<br />
melhoria após a passagem do sábio no princípio <strong>de</strong> século XIX.<br />
A Paracatu <strong>de</strong> hoje é uma cida<strong>de</strong>zinha simpática, com ruas<br />
largar e bem cuidadas, com boas opções <strong>de</strong> hospedagem e alimentação.<br />
O calor <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro é insuportável mas o povo é educado e gentil e<br />
há uma forte consciência <strong>de</strong> valorização do patrimônio histórico e<br />
cultural da cida<strong>de</strong>. Acredite se quiser, em Paracatu o pe<strong>de</strong>stre tem<br />
absoluta preferência e os carros param para que você possa atravessar a<br />
rua.<br />
O pequeno trecho histórico da cida<strong>de</strong> está mais ou menos<br />
compreendido entre a praça da Matriz, a antiga rua Direita, atual rua<br />
Dr. Seabra, o largo da Igreja do Rosário e a rua Goiás que antigamente<br />
era um trecho da própria picada on<strong>de</strong> passavam ban<strong>de</strong>irantes e<br />
141
tropeiros em <strong>de</strong>manda à capitania vizinha. Nesse espaço há uma série<br />
<strong>de</strong> becos atestando a primitivida<strong>de</strong> do traçado da antiga Vila do<br />
Príncipe.<br />
Não conseguimos localizar nenhum casarão autenticamente<br />
setecentista em Paracatu, mas há imponentes construções do século<br />
XIX e princípios do século XX, como aquelas on<strong>de</strong> estão instala<strong>dos</strong> o<br />
Museu Histórico, a Casa da Cultura e a Câmara Municipal. Mas no<br />
geral, pouco restou do perfil arquitetônico da gloriosa Paracatu do<br />
século XVIII. Mas existem duas <strong>igrejas</strong> autenticamente setecentistas em<br />
Paracatu: a matriz <strong>de</strong> Santo Antônio e a igreja do Rosário. A primitiva<br />
igreja <strong>de</strong> Santana que Saint-Hilaire já encontrou em ruínas no princípio<br />
do século XIX, foi totalmente <strong>de</strong>molida na década <strong>de</strong> 1930.<br />
D. frei José da Santíssima Trinda<strong>de</strong>, naturalmente não andou<br />
visitando <strong>igrejas</strong> por aqui, na sua pie<strong>dos</strong>a peregrinação pastoral do<br />
princípio do século XIX. Não po<strong>de</strong>ria, pois Paracatu não pertencia à<br />
Diocese <strong>de</strong> Mariana e sim à <strong>de</strong> Pernambuco, cujo bispo naturalmente<br />
teria reduzidas condições <strong>de</strong> se <strong>de</strong>slocar <strong>de</strong> Olinda para ditar provisões<br />
aos seus paroquianos <strong>de</strong> Paracatu.<br />
Cadastramos em Paracatu a matriz <strong>de</strong> Santo Antônio e a igreja<br />
do Rosário, ambas tombadas pelo IPHAN em 1962.<br />
Matriz <strong>de</strong> Santo Antônio - 1730<br />
A matriz <strong>de</strong> Paracatu tem características muito peculiares que a<br />
distingue em relação à arquitetura religiosa setecentistas do restante da<br />
capitania. É <strong>de</strong>stituída <strong>de</strong> torres e <strong>de</strong>ve ser a única matriz existente em<br />
<strong>Minas</strong> que ostenta essa condição. É certo que em outras regiões existem<br />
<strong>igrejas</strong> sem torres como é principalmente o caso <strong>de</strong> São José <strong>de</strong>l Rei,<br />
nossa atual Tira<strong>de</strong>ntes. Mas lá pelo menos a matriz, que também é <strong>de</strong><br />
Santo Antônio, ostenta duas imponentes torres a coadjuvar<br />
orgulhosamente uma portada que alguns atribuem ao Aleijadinho.<br />
Segundo o IPHAN, a fachada da matriz <strong>de</strong> Paracatu teria influência<br />
maior do estilo goiano <strong>de</strong> se fazer <strong>igrejas</strong>.<br />
O exterior <strong>de</strong>ssa igreja é extremamente singelo e há muito<br />
pouco a ser <strong>de</strong>scrito. Não fosse pelas dimensões avantajadas essa<br />
fachada po<strong>de</strong>ria ser confundida com a <strong>de</strong> uma mo<strong>de</strong>sta capela do<br />
rosário <strong>de</strong> um distrito afastado, outrora antigo quilombo.<br />
142
O frontispício e constituída <strong>de</strong> uma única peça com uma gran<strong>de</strong><br />
porta reta no centro e dois janelões do mesmo traçado, mais acima. O<br />
telhado é baixo, com beirais simples e um óculo redondo abaixo da<br />
cumeeira. Há prolongamentos nas laterais, com pé direito mais baixo,<br />
que compreen<strong>de</strong>m os amplos corredores internos cola<strong>dos</strong> à nave e à<br />
capela mor. A eles se acessa diretamente através <strong>de</strong> portas secundárias<br />
retilíneas, encimadas por janelões <strong>de</strong> mesmo traçado.<br />
Internamente a matriz <strong>de</strong> Santo Antônio, causa bem melhor<br />
impressão. Em primeiro lugar pelas suas gran<strong>de</strong>s dimensões. O pé<br />
direito é muito alto e o coro está próximo do céu, lembrando o interior<br />
da igreja do Rosário <strong>de</strong> Marina. É reto e se sustenta sobre <strong>de</strong>lgadas<br />
colunas <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira ao natural.<br />
O altar mor é <strong>de</strong> excelente qualida<strong>de</strong>, com talha e concepção<br />
competentes. Encontra-se em estado natural exibindo a cor escura <strong>de</strong><br />
um bom cedro envelhecido pelos séculos. Apresenta uma espécie <strong>de</strong><br />
<strong>dos</strong>sel duplo. O externo repousa sobre colunas em quartela, encimadas<br />
por anjos. Em lugar das tradicionais representações da Santíssima<br />
Trinda<strong>de</strong> tem uma coroa simples fechando o topo do cortinado<br />
superior. Há duas colunas em quartela <strong>de</strong> cada lado do retábulo, com<br />
nichos entre elas. Há ainda colunas torsas adornando harmoniosamente<br />
o conjunto.<br />
O trono apresenta <strong>de</strong>graus mistos, começando em perfil reto e<br />
tomando forma abaulada próximo ao topo. O camarim é amplo e não<br />
apresenta qualquer <strong>de</strong>coração. Não há imagens nos nichos e pu<strong>de</strong>mos<br />
notar que a imaginária <strong>de</strong>sta igreja se encontra bastante <strong>de</strong>spojada.<br />
Fomos informa<strong>dos</strong> que as imagens originais foram retiradas para<br />
restauração.<br />
A base do presbitério é <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira e este é cercado por uma<br />
balaustrada <strong>de</strong> mesmo material. Aliás há quase que uma total ausência<br />
do uso <strong>de</strong> pedras na construção <strong>de</strong>sta igreja e até na base <strong>dos</strong> portais<br />
predomina a ma<strong>de</strong>ira.<br />
O teto da capela mor é reto no centro e contornado por uma<br />
moldura angulada on<strong>de</strong> se abrem originais claraboias. É totalmente<br />
branco. O teto da nave tem o mesmo formato e no momento da nossa<br />
visita estava sendo restaurado, mostrando sua estrutura sem<br />
revestimento e mais acima um telhado em estado preocupante,<br />
provavelmente vazado por temerárias goteiras.<br />
Há duas tribunas, <strong>de</strong> cada lado, se abrindo para a capela mor e<br />
mais duas se abrindo para o recinto da nave.<br />
143
O arco cruzeiro é <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira, praticamente sem adornos. Há<br />
dois altares no transepto. O da esquerda <strong>de</strong> quem contempla a capela<br />
mor, é <strong>de</strong> colunas torsas com pequenos nichos, coroadas por um<br />
<strong>dos</strong>sel simplificado e um espaldar alto <strong>de</strong> formação retilínea. O trono é<br />
baixo <strong>de</strong> formato aproximado ao <strong>de</strong> cântaro. O altar do lado oposto<br />
segue o mesmo estilo mas as colunas são retas. A pintura é suave e<br />
homogênea com traços marmoriza<strong>dos</strong>.<br />
Os altares da nave são cava<strong>dos</strong> nas pare<strong>de</strong>s, lembrando<br />
molduras e oratórios, encima<strong>dos</strong> por arcos simples sem adornos no<br />
coroamento. Os dois primeiros, contando a partir do arco cruzeiro,<br />
ostentam colunas torsas trabalha<strong>dos</strong> com acantos e folhas e uma<br />
pintura muito discreta valorizando o próprio tom da ma<strong>de</strong>ira natural e<br />
harmonizando com o altar mor. Nos altares seguintes sobressaem<br />
colunatas retas e estriadas e uma pintura suave sob raja<strong>dos</strong> mais<br />
escuros, acentuando um marmorizado <strong>de</strong> contraste mais carregado.<br />
Os púlpitos são simples, em forma <strong>de</strong> tulipas suavemente<br />
abauladas.<br />
Não há qualquer pintura <strong>de</strong>corativa nesta igreja e o assoalho<br />
parece preservado com possíveis resquícios <strong>de</strong> <strong>antigas</strong> campas.<br />
Igreja do Rosário - 1744<br />
A igreja <strong>dos</strong> Pretos <strong>de</strong> Paracatu está situada no antigo largo do<br />
Rosário, hoje uma praça espaçosa e bem urbanizada. Infelizmente não<br />
conseguimos conhecê-la internamente. Uma das portas <strong>de</strong> acesso se<br />
encontra em estado muito precário e certamente com um empurrão<br />
po<strong>de</strong> ce<strong>de</strong>r revelando e expondo o seu interior. Mas, evi<strong>de</strong>ntemente,<br />
não iríamos cometer tal ignominiosa imprudência. É certo que a tal<br />
porta mesmo frágil consegue proteger a igreja <strong>de</strong> curiosos como eu,<br />
mas certamente não a protegerá <strong>de</strong> incursores mal intenciona<strong>dos</strong>.<br />
Externamente a igreja parece muito <strong>de</strong>scaracterizada, em relação<br />
à sua origem setecentista. E <strong>de</strong> fato ela sofreu uma reforma mutiladora<br />
em mea<strong>dos</strong> do século XX. Assim, hoje o templo ostenta uma torre<br />
nitidamente estranha ao conjunto e que foi acrescida por conta da dita<br />
reforma. Observa-se que toda a seção da fachada que sustenta a tal<br />
torre foi acrescida mais tar<strong>de</strong>, avançando a igreja em direção ao seu<br />
adro primitivo. Essa intervenção <strong>de</strong>scarecterizadora fica mais<br />
evi<strong>de</strong>nciada pela observação <strong>dos</strong> cunhais e pilastras <strong>de</strong> alvenaria<br />
estampa<strong>dos</strong> na fachada: foram construí<strong>dos</strong> recorrendo a técnicas mais<br />
144
ecentes e têm a função evi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> sustentar a torre extemporânea.<br />
Reforça esta evidência a observação adicional <strong>de</strong> que um <strong>dos</strong> janelões<br />
do frontispício ostenta um sino. A função das torres das <strong>igrejas</strong>, em<br />
to<strong>dos</strong> os tempos e lugares, é <strong>de</strong> abrigar os sinos e torná-los audíveis nos<br />
mais distantes lugares. Nitidamente esta torre não foi construída com<br />
função <strong>de</strong> ser uma torre sineira. Assim, seria mais um elemento<br />
puramente <strong>de</strong>corativo. O mesmo acontece com os pináculos retilíneos<br />
coloca<strong>dos</strong> no topo <strong>dos</strong> cunhais. Este <strong>de</strong>talhe representa uma figuração<br />
inteiramente estranha ao estilo <strong>de</strong> adornar <strong>igrejas</strong> na capitania <strong>de</strong> <strong>Minas</strong><br />
no século XVIII.<br />
Tirando a tal torre e os tais pináculos e visualizando que o<br />
telhado primitivo se fechava em cumeeira, a fachada da igreja do<br />
Rosário fica muito parecida com a da matriz <strong>de</strong> Santo Antônio. A<br />
diferença básica é a inexistência <strong>dos</strong> prolongamentos laterais presentes<br />
na matriz e o perfil da verga das portas e <strong>dos</strong> janelões <strong>de</strong>sta igreja que,<br />
ao contrário do que acontece na matriz <strong>de</strong> Santo Antônio, têm formato<br />
curvilíneo.<br />
Não consegui saber a posição do IPHAN em relação à<br />
<strong>de</strong>scaracterização da fachada da igreja <strong>dos</strong> pretos <strong>de</strong> Paracatu. Os da<strong>dos</strong><br />
que o organismo disponibiliza a respeito da mesma são extremamente<br />
resumi<strong>dos</strong>.<br />
COMARCA DE VILA RICA<br />
OURO PRETO<br />
Seu clima, em geral, é saudável. Seu comércio, conquanto<br />
não seja <strong>dos</strong> mais anima<strong>dos</strong>, contudo não é <strong>dos</strong> piores.<br />
Seu povo é dócil, pacífico, amante da instrução,<br />
bem hospitaleiro e civilizado. A cida<strong>de</strong> é abundantíssima<br />
<strong>de</strong> boas águas, entre as quais algumas ferruginosas,<br />
e a melhor é a que se encontra no morro <strong>de</strong> Santana.<br />
A cida<strong>de</strong> antigamente chamava-se Vila Rica, e já foi<br />
uma cida<strong>de</strong> opulenta e ativa, como o atestam muitos<br />
monumentos que ainda duram para a glória do seu passado.<br />
145
As Ruas<br />
Ouro Preto é o centro da nossa comarca imaginária <strong>de</strong> Vila<br />
Rica, outra região do roteiro <strong>de</strong>sta nossa viagem. Foi a segunda vila <strong>de</strong><br />
<strong>Minas</strong>, condição que ganhou em 1711 quando São Paulo e <strong>Minas</strong> ainda<br />
eram uma única capitania. Patrimônio Mundial da Humanida<strong>de</strong>, a<br />
cida<strong>de</strong> tem o mesmo status cultural <strong>de</strong> magníficos monumentos da<br />
antiguida<strong>de</strong> como Florença, Atenas e Veneza. De fato, constitui o mais<br />
<strong>de</strong>stacado <strong>dos</strong> nossos conjuntos arquitetônicos coloniais on<strong>de</strong> se<br />
sobressaem não só algumas das mais belas <strong>igrejas</strong> brasileiras como<br />
também casarões, museus e o próprio arranjo urbano que dispõe<br />
curiosamente seu casario ao longo <strong>de</strong> tortuosas e íngremes vielas. Ouro<br />
Preto está erigida numa plataforma geológica que constitui talvez o<br />
último lugar do mundo que alguém escolheria para erguer uma cida<strong>de</strong>.<br />
Na sua parte principal, com exceção da praça Tira<strong>de</strong>ntes não se<br />
encontra nenhuma área plana com mais do que algumas <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong><br />
metros quadra<strong>dos</strong>. A visão do seu conjunto, espremido sobre o perfil<br />
enrugado do vale que se espalha entre as serras <strong>de</strong> Ouro Preto e do<br />
Itacolomi, mostra o que os homens são capazes <strong>de</strong> fazer quando<br />
toca<strong>dos</strong> pela energia febril que recen<strong>de</strong> do mais nobre e raro <strong>dos</strong><br />
metais. A cida<strong>de</strong> parece ter brotado do chão sem nenhuma cerimônia<br />
ou intenção. Na verda<strong>de</strong> foi quase isso mesmo: um subproduto das<br />
escavações da cata do ouro. Era assim que as cida<strong>de</strong>s do ouro nasciam.<br />
As casas eram erguidas em torno da lavra, cresciam e se emendavam à<br />
medida que a população chegava e se acomodava em novas ou mais<br />
profícuas datas. É, como dissemos, a mesma frutificação urbanística<br />
que gerou Sabará e Mariana. Uma olhada nos nomes <strong>dos</strong> bairros <strong>de</strong><br />
Ouro Preto confirma essa história.<br />
Na baixada do extremo leste, na direção <strong>de</strong> Mariana, o padre<br />
Faria, no final do século XVII estabeleceu a sua lavra, uma das<br />
pioneiras. O venerando padre implantou sua capela, recolheu o seu<br />
ouro e se mandou <strong>de</strong> volta para São Paulo on<strong>de</strong> morreu pouco <strong>de</strong>pois<br />
(Guaratinguetá – 1703). Mas <strong>de</strong>ixou o seu nome para sempre<br />
marcando um <strong>dos</strong> bairros da cida<strong>de</strong>.<br />
Ao norte do bairro do padre está o Morro da Queimada, cabeça<br />
da cida<strong>de</strong>la do indigitado Paschoal da Silva Guimarães da sedição <strong>de</strong><br />
1720, já citado. O potentado acabou seus dias <strong>de</strong>gredado pelo con<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Assumar que, aos 35 anos e com uma força militar absolutamente<br />
ridícula, varou um exercito <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> dois mil homens, pren<strong>de</strong>u o<br />
146
caudilho e tacou fogo nas sua posses fazendo o Morro do Paschoal<br />
virar o Morro da Queimada <strong>de</strong> hoje. O que não valia um sangue azul<br />
naqueles tempos barrocos em que a nobreza das investiduras era mais<br />
forte do que os exércitos do povo.<br />
Entre a praça Tira<strong>de</strong>ntes e o Padre Faria estava a lavra <strong>de</strong><br />
Antônio Dias, em cujo centro se ergue a matriz <strong>de</strong> N. S. da Conceição.<br />
O ban<strong>de</strong>irante paulista foi outro pioneiro que aportou na região do<br />
ribeirão do Tripuí no final do século XVII. À exemplo do padre Faria<br />
também não morreu no seu arraial. Irrequieto como era acabou<br />
partindo para a região do rio Piracicaba on<strong>de</strong> abriu novas lavras e<br />
semeou novo núcleo urbano.<br />
Do outro lado do morro, na direção oeste, está a região do<br />
Ouro Preto propriamente dita, ou seja a região do ribeirão on<strong>de</strong> foram<br />
encontradas as pepitas escurecidas que, superficialmente raspadas,<br />
revelavam o mais luzente amarelo, cor do ouro <strong>de</strong> alto quilate que foi o<br />
estopim que incendiou a região. Hoje o ribeirão do Ouro Preto é aquele<br />
esgotinho a céu aberto que nasce na montanha, passa a ponte <strong>dos</strong><br />
Contos, margeia a matriz do Pilar sob a ponte do Ouro Preto, encontra<br />
o ribeirão do Funil e juntos formam o ribeirão do Carmo, passam em<br />
Mariana e vão recebendo afluentes à esquerda e direita até engrossarem<br />
o caudal do rio Doce.<br />
A Vila Rica do século XVIII era então constituída <strong>de</strong> dois<br />
arraiais que formavam as duas paróquias, separadas pelo morro on<strong>de</strong><br />
hoje está a praça Tira<strong>de</strong>ntes e mais os pequenos núcleos urbanos em<br />
torno <strong>de</strong>les.<br />
As montanhas em volta constituem uma outra riqueza,<br />
compondo o conjunto ecológico, histórico e cultural que torna o lugar<br />
tão especial. A pedra do Itacolomi, “a pedra menina” ou “pedra com<br />
filhote” que sempre chama a tenção do visitante, mais do que uma<br />
curiosida<strong>de</strong> geológica era o marco <strong>de</strong> referência <strong>dos</strong> paulistas para<br />
encontrar a região do Casca e <strong>dos</strong> ribeirões do Gualacho e do Tripuí,<br />
vin<strong>dos</strong> da Borda do Campo, região próxima à atual Barbacena. Abaixo<br />
da curiosa pedra se <strong>de</strong>scortinava o vale do ouro aon<strong>de</strong> vinham dar as<br />
levas <strong>dos</strong> potenta<strong>dos</strong> <strong>de</strong> Taubaté e seus agrega<strong>dos</strong> brancos, negros e<br />
mistura<strong>dos</strong>.<br />
Em Ouro Preto tudo é atração: as casas, as <strong>igrejas</strong>, os museus,<br />
as ruas, os chafarizes, as hospedarias, as minas <strong>de</strong>sativadas, as trilhas, os<br />
restaurantes, as lojas <strong>de</strong> buchingangas, as pedras da calçada, a camionete<br />
147
do gás com seu in<strong>de</strong>fectível sino, as repúblicas <strong>de</strong> estudantes, o povo e<br />
até os próprios turistas, alguns absolutamente pitorescos: jovens <strong>de</strong><br />
sandálias e mochilas, paulistas falantes, velhos franceses, alemães<br />
branquelos; além das hordas <strong>de</strong> <strong>de</strong>socupa<strong>dos</strong> nativos que vêm<br />
chamando a atenção <strong>dos</strong> nossos ilustres visitadores <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o século XIX.<br />
Reparem como as meninas <strong>de</strong> Ouro Preto <strong>de</strong>slizam sobre as<br />
perigosas pedras do calçamento irregular <strong>de</strong> salto alto, com absoluta<br />
graça e leveza como se fossem malabaristas circenses.<br />
Não <strong>de</strong>ixe <strong>de</strong> circular pela periferia, ali você seguramente vai<br />
encontrar muito do cidadão da Vila Rica do século XVIII. Ouro Preto<br />
pe<strong>de</strong> indolência e contemplação. Não tente dirigir seu carro pelas ruas<br />
da cida<strong>de</strong>, você não tem um sexto sentido necessário que só os<br />
moradores do lugar têm e que os faz perceber antecipadamente, que do<br />
outro lado <strong>de</strong> uma rua curva sem cruzamento e estreita, vem outro<br />
veículo. Pois a cida<strong>de</strong> foi feita para ser percorrida a pé e reparada nos<br />
<strong>de</strong>talhes.<br />
Começando do Padre Faria, na rua que liga a capela do padre à<br />
igreja <strong>de</strong> Santa Efigênia 112 é possível conhecer uma mina <strong>de</strong>sativada que<br />
se encontra escavada na rocha do morro da Queimada. É uma mina <strong>de</strong><br />
cerca <strong>de</strong> 30 metros <strong>de</strong> comprimento, praticamente sem <strong>de</strong>clive on<strong>de</strong><br />
ainda se po<strong>de</strong> ver farelo <strong>de</strong> ouro incrustado na argila <strong>de</strong> jacutinga. O<br />
guia da mina, alguns <strong>de</strong>cibéis acima do razoável, informa ser Filipe do<br />
Santos - outra das vítimas do con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Assumar - o antigo proprietário<br />
da dita mina. É possível, pois embora se saiba que ali era domínio do<br />
seu - já citado colega <strong>de</strong> infortúnio Paschoal da Silva Guimarães –<br />
também se sabe que ele era possuidor <strong>de</strong> um par <strong>de</strong> escravos e dado a<br />
aventuras mineradoras. A propósito, quem observa as condições em<br />
que o ouro era removido das minas, picando rocha a muque ou em<br />
infindáveis bateadas no fundo <strong>dos</strong> riachos, enten<strong>de</strong> porque a cobrança<br />
do quinto gerava tanta revolta. Não é que o imposto fosse caro. 113 O<br />
problema é que ele não era justo, cobrado avidamente ao longo <strong>de</strong> todo<br />
o século por monarcas perdulários da sobrevida <strong>de</strong> um reino arruinado<br />
112 A visitação <strong>às</strong> <strong>igrejas</strong> será <strong>de</strong>scrita com maiores <strong>de</strong>talhes, mais adiante.<br />
113 O que são 20% compara<strong>dos</strong> aos 40% que o cidadão brasileiro tem que pagar hoje<br />
em dia ?<br />
148
e que não teriam o menor remorso se <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> esgotado o ouro das<br />
minas gerais tivesse ficado apenas um buraco no lugar.<br />
Continuando nossa caminhada, após subir uma la<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> média<br />
dificulda<strong>de</strong> alpinística, chegamos no alto on<strong>de</strong> está a igreja <strong>de</strong> Santa<br />
Efigênia e <strong>de</strong> on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>scortina todo o arraial <strong>de</strong> Antônio Dias com<br />
sua imponente matriz. Antes porém <strong>de</strong> se alcançar a igreja, à esquerda<br />
há um chafariz encimado por uma figura <strong>de</strong> mulher, atribuída ao<br />
Aleijadinho, com um exuberante colo à mostra cuja fartura <strong>de</strong> carnes<br />
expostas é uma rarida<strong>de</strong> para aqueles tempos comedi<strong>dos</strong>. Nossos<br />
artistas religiosos antigos cultivavam zelosa autocensura e teimavam em<br />
mostrar a virgem Maria e <strong>de</strong>mais santas inteiramente <strong>de</strong>sfeminilisadas. 114<br />
Talvez o nosso mestre Antônio Francisco Lisboa tivesse querido ir à<br />
forra com a moça do chafariz. Ataí<strong>de</strong> já foi mais direto e não hesitou<br />
em pintar uma virgem mulata e peituda no teto da igreja <strong>de</strong> São<br />
Francisco <strong>de</strong> Assis.<br />
A <strong>de</strong>scida é feita por uma la<strong>de</strong>ira extremamente íngreme, a<br />
famosa la<strong>de</strong>ira do Vira e Saia, talvez a <strong>de</strong> maior <strong>de</strong>clive <strong>de</strong> Ouro Preto<br />
que <strong>de</strong>clina espetacularmente até o imponente chafariz <strong>de</strong> Marília<br />
construído em 1759 e a ponte <strong>de</strong> Antônio Dias, obra arrematada pelo<br />
pai do Aleijadinho, Manuel Francisco Lisboa mas repassada a terceiros<br />
em 1755. No meio da ponte tem um banco <strong>de</strong> pedra on<strong>de</strong> você po<strong>de</strong> se<br />
assentar e se por a imaginar on<strong>de</strong> realmente era a casa <strong>de</strong> Marília: no<br />
imponente sobrado atrás do chafariz ou, um pouco mais à direita, numa<br />
casa já <strong>de</strong>molida que ficava no lugar on<strong>de</strong> hoje está uma escola com o<br />
nome da musa. Essa polêmica <strong>de</strong> alguns metros acirrou os ânimos <strong>de</strong><br />
historiadores mineiros em mea<strong>dos</strong> do século passado.<br />
Após a ponte inicia-se nova subida em direção a matriz <strong>de</strong> N. S.<br />
da Conceição, ao lado da qual está a rua do Aleijadinho. Ali há um<br />
casarão com uma placa indicando o local da casa do mestre. Mas não é<br />
a construção que lá agora se encontra. A original, segundo seu o<br />
primeiro biógrafo (1858) - Rodrigo José Ferreira Bretas, foi <strong>de</strong>molida<br />
em mea<strong>dos</strong> do século XIX. Aleijadinho passou seus últimos e<br />
114 Na euforia da libertação renascentista do corpo humano a coisa era mais largada e<br />
não são raras as pinturas <strong>de</strong>sse período, mostrando a virgem <strong>de</strong> seio à mostra. Nesse<br />
aspecto, no barroco houve um certo retrocesso.<br />
149
tormentosos dias na casa da nora, invocado porque um <strong>de</strong> seus<br />
escravos aprendizes recebeu uma paga por serviços presta<strong>dos</strong> na igreja<br />
do Carmo e não repassou a parte que lhe tocava.<br />
Passada a rua do Aleijadinho chega-se à esquina do chafariz <strong>dos</strong><br />
Passos e da casa <strong>de</strong> Cláudio Manuel da Costa, hoje residência<br />
particular. 115 A imagem do infortunado inconfi<strong>de</strong>nte é a mais arranhada<br />
<strong>de</strong> todas e sobre ela paira a dúvida das circunstâncias da sua morte. A<br />
versão oficial, como se sabe, é <strong>de</strong> que ele teria se suicidado na prisão,<br />
acovardando-se diante da pressão da <strong>de</strong>vassa. Sua conduta no seu único<br />
interrogatório, porém, não me parece ter sido especialmente<br />
<strong>de</strong>gradante. Na verda<strong>de</strong>, com exceção <strong>de</strong> Tira<strong>de</strong>ntes, não tivermos<br />
condutas particularmente intemeratas <strong>dos</strong> inconfi<strong>de</strong>ntes nas masmorras<br />
<strong>dos</strong> conventos e fortalezas on<strong>de</strong> apodreceram por três anos à espera da<br />
sentença. Mas, não vamos reduzir nossos notáveis poetas inconfi<strong>de</strong>ntes<br />
à fragmentos <strong>de</strong> suas biografias. No geral sonharam um sonho possível<br />
que acabou se revelando impossível e eles acabaram pagando muito<br />
caro por ele.<br />
Como brilhante advogado, historiador, homem público,<br />
famoso e rico, o dr. Cláudio era sem dúvida, uma figura influente em<br />
toda a capitania e entre os <strong>de</strong>mais inconfi<strong>de</strong>ntes. Não é difícil encontrar<br />
motivos para que o governador Barbacena quisesse eliminá-lo.<br />
Inclusive, ao contrário <strong>dos</strong> <strong>de</strong>mais lí<strong>de</strong>res, não foi imediatamente levado<br />
preso para o Rio <strong>de</strong> Janeiro ficando diretamente à mercê do viscon<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> Barbacena. Sabe-se que ele teve que fazer arranjos para ocultar as<br />
circunstâncias da morte. O governador retardou o anúncio do suposto<br />
suicídio <strong>às</strong> autorida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Lisboa pelo menos durante <strong>de</strong>z dias, tempo<br />
que levou para convencer um <strong>dos</strong> legistas a alterar o seu laudo sobre a<br />
causa da morte. Augusto <strong>de</strong> Lima Jr. <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a tese <strong>de</strong> que Cláudio<br />
Manuel da Costa foi assassinado para silenciar-se diante do fato <strong>de</strong> que<br />
sua casa tinha sido saqueada durante sua prisão e gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
ouro tinha sido apreendida irregularmente. Informa o nosso caro<br />
historiador que o saque se esten<strong>de</strong>u à fazenda do ilustre advogado<br />
on<strong>de</strong> sete pessoas foram assassinadas, inclusive sua filha e seu genro.<br />
A tese até faria sentido pois se sabe que ele era muito rico e que o<br />
<strong>de</strong>svio <strong>de</strong> qualquer <strong>dos</strong> seus bens antes do seqüestro legal, se<br />
constituiria em grave crime contra a Coroa. Há quem acredite que a<br />
115 O segundo livro da nossa trilogia trata exclusivamente da Inconfidência Mineira.<br />
150
quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ouro extraviado tenha sido significativa pois <strong>de</strong>la fazia<br />
parte doações amealhadas para fazer face <strong>às</strong> <strong>de</strong>spesas militares do<br />
levante. Mas essa tese é contestada pois há vestígios <strong>de</strong> que seus<br />
<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes continuaram vivos após a inconfidência. Pessoalmente<br />
penso que ele foi assassinado porque sua honestida<strong>de</strong> e autorida<strong>de</strong><br />
po<strong>de</strong>riam prejudicar a manipulação que o governador queria fazer ao<br />
processo <strong>de</strong> punição <strong>dos</strong> inconfi<strong>de</strong>ntes e, principalmente, ocultar seus<br />
comprometedores rastros.<br />
Os partidários do suicídio <strong>de</strong> Cláudio Manuel da Costa ficaram<br />
felizes ao ser revelado que ele foi encontrado morto numa sala ao lado<br />
do cubículo existente sob a escadaria da Casa <strong>dos</strong> Contos e não no<br />
próprio, on<strong>de</strong> seria impossível alguém se suicidar por enforcamento,<br />
<strong>de</strong>vido a absoluta falta <strong>de</strong> espaço. Contrariando o laudo da sua morte,<br />
acreditou-se durante algum tempo, que ele tivesse ficado preso no tal<br />
cubículo e lá portanto, tivesse se suicidado. É difícil saber as<br />
circunstâncias da sua morte mas oficialmente ele se suicidou<br />
espetacularmente pren<strong>de</strong>ndo uma ponta do cadarço do calção numa<br />
prateleira e a outra no pescoço que forçou até se esganar. 116 Trata-se <strong>de</strong><br />
um verda<strong>de</strong>iro caso Herzog, em que a cena montada acabou<br />
<strong>de</strong>scaracterizando o suicídio anunciado em lugar <strong>de</strong> confirmá-lo. Ambas<br />
versões subestimam nossa inteligência. O dr. Cláudio teve que se<br />
enforcar <strong>de</strong>licadamente num frágil cordão, pressionando a nuca;<br />
Herzog teve que fazer enorme esforço para conseguir se enforcar numa<br />
corda <strong>de</strong>pendurada a um metro e meio do chão. E <strong>de</strong>pois ainda dizem<br />
que os suicidas são covar<strong>de</strong>s.<br />
Richard Burton, gran<strong>de</strong> admirador da Inconfidência Mineira<br />
como já vimos, ouviu uma história corrente em Ouro Preto por volta<br />
<strong>de</strong> 1867, <strong>de</strong> que uma parteira ao passar pelo local na madrugada do dia<br />
do <strong>de</strong>senlace para aten<strong>de</strong>r a um chamado, viu um corpo sendo<br />
arrastado por solda<strong>dos</strong> nas imediações da Casa <strong>dos</strong> Contos.<br />
Cláudio Manuel da Costa, como lí<strong>de</strong>r conhecia e como<br />
historiador certamente registrava to<strong>dos</strong> os <strong>de</strong>talhes da inconfidência. E<br />
mais, como <strong>de</strong>monstrou no interrogatório <strong>de</strong> 02 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1789,<br />
estava sendo sincero e se mostrava disposto a contar o que sabia. Ele<br />
tinha então sessenta anos e estava doente, sem nenhum ânimo para<br />
suportar torturas físicas ou mentais. Um <strong>de</strong>poimento franco lastreado<br />
116 O laudo <strong>dos</strong> legistas <strong>de</strong> fato parece altamente fantasioso.<br />
151
na sua autorida<strong>de</strong> diante <strong>dos</strong> inquiridores do vice-rei, po<strong>de</strong>ria<br />
comprometer o acobertamento que o viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Barbacena queria<br />
dar a alguns conspiradores, especialmente a João Rodrigues <strong>de</strong> Macedo<br />
o rico contratador que, a <strong>de</strong>speito <strong>dos</strong> seus evi<strong>de</strong>ntes envolvimentos<br />
com o movimento, foi <strong>de</strong>ixado <strong>de</strong> fora da <strong>de</strong>vassa. Barbacena teve<br />
especial empenho em proteger ainda José Álvares Maciel e Francisco<br />
<strong>de</strong> Paula Freire <strong>de</strong> Andrada, ambos cita<strong>dos</strong> pelo dr. Cláudio no seu<br />
<strong>de</strong>poimento como fortemente implica<strong>dos</strong> no movimento, junto ao<br />
padre Toledo, Alvarenga e Tomás Gonzaga. É interessante observar<br />
que o governador tentou proteger especialmente os militares e se<br />
Freire <strong>de</strong> Andrada, que era a maior autorida<strong>de</strong>s militar da capitania, não<br />
foi <strong>de</strong>ixado <strong>de</strong> fora foi porque seu envolvimento era por <strong>de</strong>mais<br />
comprometedor.<br />
Barbacena quis tratar a Inconfidência Mineira <strong>de</strong> modo velado e<br />
personalizado, certamente para contar com a prerrogativa <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r<br />
escolher quem <strong>de</strong>veria ou não ser punido. Seu tio Luis <strong>de</strong> Vasconcelos e<br />
Souza - o Vice-Rei - é que, ao ser informado da conspiração, aprontou<br />
o maior escândalo e mandou instalar a <strong>de</strong>vassa que <strong>de</strong>u no que <strong>de</strong>u. O<br />
fato <strong>de</strong>le ter querido livrar a cara justo <strong>dos</strong> inconfi<strong>de</strong>ntes mais ricos,<br />
torna legítimo conjeturar que ele tivesse querido usar o crime para fazer<br />
uma monumental chantagem. 117 Mas a <strong>de</strong>vassa tomou uma tal dimensão<br />
que ele per<strong>de</strong>u totalmente o controle da situação e no fim apenas João<br />
Rodrigues <strong>de</strong> Macedo, o mais rico <strong>de</strong> to<strong>dos</strong>, ficou efetivamente <strong>de</strong> fora,<br />
sobrando apenas para o seu contador.<br />
Cláudio Manuel da Costa tinha ainda contra si a ira pessoal do<br />
truculento sargento-mor José <strong>de</strong> Vasconcelos Parada e Souza, o Pa<strong>de</strong>la<br />
satirizado nas Cartas Chilenas que, naquela época, se acreditava ser sua<br />
obra indiscutível. Fato é que a quatro <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1789 o ilustre<br />
bacharel foi encontrado morto. Exatos <strong>de</strong>z dias <strong>de</strong>pois o povo<br />
amotinado tomava o presídio da Bastilha em Paris e <strong>de</strong>flagrava o início<br />
do fim das monarquias europeias.<br />
Enfim, que a morte <strong>de</strong> Cláudio Manuel da Costa foi muito conveniente,<br />
isso foi. Pelo menos por três bons motivos como vimos.<br />
117 Há quem afiance que ele sabia da existência do movimento <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o princípio. De<br />
fato, seu relacionamento com vários <strong>dos</strong> cabeças, embora <strong>de</strong> curta data (exceto<br />
Gonzaga que já o conhecia <strong>de</strong> velhos carnavais), era <strong>de</strong> uma intimida<strong>de</strong> suspeitosa.<br />
Acredito piamente nesta versão, mas essa já é uma outra história e será<br />
melhor contada no segundo livro da nossa trilogia.<br />
152
É muito provável que se a Inconfidência Mineira tivesse<br />
eclodido e suportado uma campanha <strong>de</strong> alguns meses, a ela teriam<br />
a<strong>de</strong>rido os revolucionários franceses e os americanos. 118 As chances <strong>de</strong><br />
vitória teriam sido absolutas, dada a notória fragilida<strong>de</strong> da armada<br />
portuguesa. É excitante pensar que po<strong>de</strong>ríamos ter feito uma tríplice<br />
aliança com os Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong> e a França, formando o seleto grupo<br />
das primeiras repúblicas da ida<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna. Napoleão teria liquidado a<br />
recém-nascida república francesa do mesmo jeito, mas teríamos feito<br />
uma bela parceria com o gran<strong>de</strong> irmão do norte. Por outro lado, há<br />
quem acredite que se a República das <strong>Minas</strong> Gerais tivesse vingado, ela<br />
não teria tido forças para agregar as <strong>de</strong>mais capitanias e assim o Brasil<br />
hoje não seria mais do que um conjunto <strong>de</strong> republiquetas latinoamericanas.<br />
Indispensável voltar aqui à questão da racionalida<strong>de</strong> do plano da<br />
Inconfidência Mineira e à questão militar <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>la. Isso requer<br />
pensar um pouco mais os papéis <strong>de</strong> Francisco <strong>de</strong> Paula Freire <strong>de</strong><br />
Andra<strong>de</strong> e <strong>de</strong> Joaquim José da Silva Xavier <strong>de</strong>ntro do levante. Os<br />
papéis que lhes foram atribuí<strong>dos</strong> ilustra com força a essência da<br />
estratégia militar do movimento que, <strong>de</strong> resto, é sobejamente conhecida<br />
pela História. Freire <strong>de</strong> Andrada era comandante da mais bem<br />
preparada guarnição militar do país: o Regimento <strong>dos</strong> Dragões <strong>de</strong><br />
<strong>Minas</strong>, aquartela<strong>dos</strong> na Cachoeira do Campo <strong>às</strong> portas da residência do<br />
governador, bem arma<strong>dos</strong> e permanentemente prontos para uma ação<br />
imediata. Tira<strong>de</strong>ntes era o agitador inflamado, incumbido <strong>de</strong> sublevar as<br />
guarnições <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> e do Rio <strong>de</strong> Janeiro. A junção <strong>de</strong>ssas duas forças<br />
teria indubitavelmente garantido a imposição do levante em pouco<br />
tempo. Pensando nisso faz sentido tudo que aconteceu, urdido<br />
astutamente pelo viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Barbacena: Freire <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> foi<br />
convencido a <strong>de</strong>sistir do movimento, sob promessas <strong>de</strong> não ser punido<br />
e ce<strong>de</strong>u a esse encanto. O governador efetivamente tentou cumprir sua<br />
promessa, mas inutilmente. Tira<strong>de</strong>ntes, <strong>de</strong>sfavorecido pela distância, foi<br />
isolado e encantoado no Rio sem nada po<strong>de</strong>r fazer. Talvez esses dois<br />
pontos básicos expliquem o fracasso do plano militar do movimento<br />
que se tivesse vingado, por si só po<strong>de</strong>ria ter mudado radicalmente o<br />
118 Essa possibilida<strong>de</strong> fazia parte do plano militar <strong>de</strong> alguns inconfi<strong>de</strong>ntes mas não foi<br />
suficientemente levada a sério ou não houve tempo.<br />
153
umo das coisas. No mais como dissemos, faltou tempo e sobrou<br />
<strong>de</strong>lação. E tudo acabou antes mesmo <strong>de</strong> começar.<br />
A casa do dr. Cláudio também tem a sua história. Depois da sua<br />
morte foi a leilão sendo arrematada por vil quantia pelo dr. Diogo<br />
Pereira Ribeiro <strong>de</strong> Vasconcelos, igualmente advogado e historiador. Era<br />
amigo <strong>de</strong> alguns inconfi<strong>de</strong>ntes e também não hesitou em renegá-los na<br />
<strong>de</strong>sgraça, principalmente após passar pelo susto <strong>de</strong> ser acusado <strong>de</strong> fazer<br />
parte da conspiração. Escapou <strong>de</strong> ser julgado e fez inflamado discurso<br />
em nome da Câmara <strong>de</strong> Vila Rica em regozijo pela morte do infame<br />
Tira<strong>de</strong>ntes.<br />
Recentemente a casa chegou a ser um clube noturno; que não<br />
<strong>de</strong>u certo, por conta quem sabe, do ruído inaudível mas pesado das<br />
seculares lamurias noturnas <strong>dos</strong> drs. Cláudio e Diogo.<br />
Prosseguindo rua acima, encontramos a escadaria do adro da<br />
igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Assis que se abre para uma pequena praça<br />
on<strong>de</strong> antigamente ficava o pelourinho e o mercado, hoje transformada<br />
em ponto <strong>de</strong> venda <strong>de</strong> quinquilharias <strong>de</strong> pedra sabão. 119 À esquerda da<br />
igreja há um pequeno portão e uma escadaria que <strong>de</strong>sce a uma ruela <strong>de</strong><br />
on<strong>de</strong> é possível alcançar a igreja <strong>de</strong> N. S. das Mercês e Perdões, a<br />
Mercês <strong>de</strong> Baixo. A construção <strong>de</strong>sta igreja está enriquecida por uma<br />
lenda que vamos contar mais adiante.<br />
Voltando ao adro da igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Assis, do lado<br />
oposto na atual rua Cláudio Manuel está a casa on<strong>de</strong> efetivamente<br />
morava o então ouvidor Gonzaga, nosso outro poeta inconfi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong><br />
Vila Rica, o Dirceu <strong>de</strong> Marilia, nascido em Portugal <strong>de</strong> pai brasileiro e<br />
mãe portuguesa, graduado naturalmente em Coimbra. A casa é hoje a<br />
Secretaria <strong>de</strong> Cultura do município e está aberta a visitação, valendo a<br />
pena percorrê-la e conhecer um típico casarão abastado do século<br />
XVIII, sustentado com dinheiro público para servir <strong>de</strong> moradia ao<br />
ouvidor <strong>de</strong> Vila Rica. Nela se hospedava eventualmente o terceiro<br />
gran<strong>de</strong> poeta inconfi<strong>de</strong>nte:Alvarenga Peixoto. Ali também se hospedou<br />
o padre Toledo no verão <strong>de</strong> 1788, ocasião em que Vila Rica fervilhava e<br />
cochichos <strong>de</strong> conspiração ocorriam em todo canto.<br />
119 O mercado foi <strong>de</strong>molido por volta <strong>de</strong> 1940 e o pelourinho, segundo registro <strong>de</strong><br />
Burton <strong>de</strong> 1867, foi <strong>de</strong>struído por jovens vândalos enfureci<strong>dos</strong>.<br />
154
Na casa ao lado da <strong>de</strong> Gonzaga morava a tia <strong>de</strong> Marília. Foi<br />
bisbilhotando <strong>de</strong> cima do muro que o ouvidor conheceu a sua musa.<br />
Feliz era o poeta, do quintal podia contemplar a bela Marília<br />
<strong>de</strong>spetalando flores e da janela podia acompanhar a construção da igreja<br />
<strong>de</strong> São Francisco. Depois nosso poeta, encarcerado uma semana antes<br />
da data marcada para as ansiadas bodas, foi cumprir o seu <strong>de</strong>gredo <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>z anos na África. Casou com a filha <strong>de</strong> um rico comerciante e seguiu<br />
brilhante carreira pública ou seja, apagou Vila Rica, a inconfidência e<br />
Marília da memória.<br />
Na verda<strong>de</strong> Dirceu se <strong>de</strong>cepcionou muito com a sua musa pois<br />
ela <strong>de</strong>clinou do convite para acompanhá-lo ao <strong>de</strong>gredo, alegando<br />
possíveis dificulda<strong>de</strong>s com o clima. Os biógrafos <strong>de</strong> Marília costumam<br />
justificar a negativa alegando que sua ida para a África não era<br />
legalmente possível. Fato é que ele antes <strong>de</strong> embarcar, mandou a Vila<br />
Rica um mensageiro com a proposta e ela recusou formalmente o<br />
pedido. O poeta nunca mais escreveu poesia com a mesma<br />
competência, <strong>de</strong>safinando um tanto a sua lira. Morriam então<br />
melancolicamente, Marília e Dirceu. 120<br />
A mesma sorte <strong>de</strong> Tomás Antônio Gonzaga não teve o pobre<br />
coronel Ignácio José <strong>de</strong> Alvarenga Peixoto. Não suportou mais ficar<br />
longe da sua amada, a Bárbara Bela e morreu na distante África,<br />
indigente <strong>de</strong> corpo e <strong>de</strong> espírito. 121 Ela porém não se <strong>de</strong>sesperou.<br />
Serena<strong>dos</strong> os ânimos, essa mulher forte <strong>de</strong> bom sangue paulista buscou<br />
uma parceria com João Rodrigues <strong>de</strong> Macedo, tocou muito bem sua<br />
fazenda no Rio Ver<strong>de</strong>, criou os filhos com dignida<strong>de</strong> e morreu em São<br />
Gonçalo do Sapucaí um tanto <strong>de</strong>mente, mas sempre Bárbara e sempre<br />
Bela.<br />
Por outro lado, na versão <strong>de</strong> Richard Burton, d. Maria<br />
Dorotheia Joaquina <strong>de</strong> Seixas <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser Marília e com um<br />
pragmatismo inesperado para uma musa imorredoura do século XVIII,<br />
120 Os poemas do apaixonado poeta só foram publica<strong>dos</strong> quando ele já estava no<br />
exílio e só se tornaram efetivamente populares após a sua morte. Sem querer ser<br />
muito cruel, me parece bem possível que esse amor não fosse <strong>de</strong> fato, tão arrebatador<br />
e que Marília só assumiu verda<strong>de</strong>iramente seu papel <strong>de</strong> musa quando já era uma<br />
irremediável solteirona.<br />
121 A maioria <strong>dos</strong> inconfi<strong>de</strong>ntes morreu no <strong>de</strong>gredo na mais absoluta indigência,<br />
ampara<strong>dos</strong> pela carida<strong>de</strong> pública.<br />
155
casou-se com o dr. Queiroga e encheu-lhe a casa com três pimpolhos.<br />
Burton que, como se recorda, esteve em Vila Rica cerca <strong>de</strong> quinze anos<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> sua morte, conta que ela era então conhecida respeitosamente<br />
como “a mãe do dr. Queiroga”. Essa versão confusa se baseia em<br />
maledicências que, <strong>de</strong> fato circulavam em Ouro Preto em mea<strong>dos</strong> do<br />
século XIX. Segundo as más línguas que medravam e medram na Ponte<br />
do Cochicho, o rapaz que Marília criara (o dr. Queiroga) era seu filho<br />
e não <strong>de</strong> sua irmã Emerenciana. Ela realmente não só custeou os<br />
estu<strong>dos</strong> <strong>de</strong> medicina do sobrinho como ainda legou a ele e a outra<br />
sobrinha to<strong>dos</strong> os seus bens. Mas a musa do poeta era respeitadíssima<br />
em Vila Rica e quando da proclamação da in<strong>de</strong>pendência em 1822, o<br />
povo acorreu a sua casa e a ovacionou entusiasticamente vendo nela um<br />
símbolo legítimo da memória <strong>dos</strong> inconfi<strong>de</strong>ntes. Então quase to<strong>dos</strong> eles<br />
já estavam mortos. O padre Rolim, <strong>de</strong> volta a Diamantina <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />
anos preso em Portugal, ainda continuaria lutando alguns anos para<br />
reaver os seus bens seqüestra<strong>dos</strong> pela Coroa, o que acabou conseguindo<br />
já no período do Brasil Império.<br />
Marília <strong>de</strong> Dirceu morreu em 1853, com oitenta e cinco anos,<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> curtir, por mais <strong>de</strong> cinqüenta anos a gloriosa condição <strong>de</strong><br />
musa do poeta-inconfi<strong>de</strong>nte, que por sinal já estava morto <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1809.<br />
Era reconhecida nas ruas e muita gente vinha <strong>de</strong> longe só para vê-la.<br />
Ditoso século XVIII, em que as musas literárias eram ídolos populares<br />
a arrancar muxoxos invejosos <strong>de</strong> donzelas indolentes.<br />
Subindo um pouco mais a rua Cláudio Manuel chega-se ao<br />
platô da imponente praça Tira<strong>de</strong>ntes. O local é ponto obrigatório <strong>de</strong><br />
tráfego turístico on<strong>de</strong> encontramos cornucópias <strong>de</strong> guias, táxis e<br />
indicações <strong>de</strong> restaurantes <strong>de</strong> comidas típicas mineiras, to<strong>dos</strong><br />
invariavelmente sofríveis. Uma dica aos meus caros leitores: salvo<br />
honrosas exceções, os melhores restaurantes <strong>de</strong> Ouro Preto são os <strong>dos</strong><br />
hotéis.<br />
Pela praça passam os ônibus urbanos que percorrem os bairros<br />
mais afasta<strong>dos</strong>, alguns <strong>dos</strong> quais merecem ser visita<strong>dos</strong>. O interessante é<br />
ir ao subúrbio <strong>de</strong> ônibus e voltar a pé reparando nos <strong>de</strong>talhes. Tome<br />
cuidado com o local exato <strong>de</strong> tomar o ônibus pois dois veículos com a<br />
mesma i<strong>de</strong>ntificação e que vão na mesma direção, não vão<br />
necessariamente para o mesmo lugar. Exemplo: se você quiser ir para o<br />
bairro do Padre Faria pegue o ônibus “Padre Faria” no meio da praça e<br />
156
não ao lado do museu . Eles vão se cruzar mas enquanto o primeiro vai<br />
efetivamente para o bairro o segundo vai para a rodoviária.<br />
É falsa a informação <strong>de</strong> que a cabeça <strong>de</strong> Tira<strong>de</strong>ntes ficou<br />
exposta no alto do obelisco que hoje sustenta a sua estátua, posto que o<br />
mesmo então nem existia. Sabe-se que ela ficou fincada num poste mas<br />
o local exato é controvertido. Há quem diga que ela ficou presa, não<br />
numa estaca e sim num suporte fixado numa casa, na esquina da praça<br />
com a rua Direita ou Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Boba<strong>de</strong>la. O monumento, assim como<br />
o museu, foi erigido mais tar<strong>de</strong>. Quando Richard Burton visitou a praça<br />
observou que no alto do obelisco não havia nada e que não tinha<br />
sentido não ter ali uma estátua <strong>de</strong> uma figura histórica ou mesmo <strong>de</strong> um<br />
índio. Na verda<strong>de</strong> o monumento que Burton viu teve vida efêmera e foi<br />
<strong>de</strong>molido para dar lugar àquele que hoje se vê. O primeiro obelisco foi<br />
construído poucos meses antes da visita do cônsul inglês, no local<br />
exato on<strong>de</strong> se erguia a estaca que teria sustentado a cabeça <strong>de</strong><br />
Tira<strong>de</strong>ntes por uns dias. Em sua base foi encerrado um cofre contendo<br />
vários objetos, inclusive obras <strong>de</strong> Alvarenga Peixoto, Tomás Antônio<br />
Gonzaga e Cláudio Manuel da Costa. Vinte e cinco anos <strong>de</strong>pois, o<br />
monumento foi consi<strong>de</strong>rado <strong>de</strong>masiadamente mo<strong>de</strong>sto e se lançou a<br />
pedra fundamental do atual, que acabou sendo inaugurado por Afonso<br />
Pena em 1894. Quando da <strong>de</strong>molição do antigo obelisco, poucos dias<br />
antes da inauguração do novo, resgatou-se o cofre e os papeis ali<br />
encerra<strong>dos</strong>, um quarto <strong>de</strong> século antes, estavam inteiramente<br />
<strong>de</strong>struí<strong>dos</strong>, exceto a capa <strong>de</strong> uma edição do Marilia <strong>de</strong> Dirceu cujas letras,<br />
bordadas a ouro, se mantiveram preservadas. Como o atual<br />
monumento foi construído antes da <strong>de</strong>molição do obelisco primitivo,<br />
ele não está erigido no exato local em que, segundo uns, foi exibida a<br />
cabeça <strong>de</strong> Joaquim José da Silva Xavier.<br />
O antigo monumento homenageava a to<strong>dos</strong> os inconfi<strong>de</strong>ntes,<br />
inclusive estampando o nome <strong>de</strong> cada um <strong>de</strong>les. O atual homenageia<br />
apenas a Tira<strong>de</strong>ntes e, um tanto ina<strong>de</strong>quadamente, a Bárbara Eliodora.<br />
A estátua do Mártir da In<strong>de</strong>pendência dá as costas ao palácio<br />
<strong>dos</strong> governadores, símbolo da opressão no passado e hoje a centenária<br />
Escola <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Ouro Preto. Foi aqui que<br />
nosso João Bosco natural da vizinha cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ponte Nova, estudou<br />
mas não chegou a se formar e preferiu compor e cantar no Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro, para felicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> to<strong>dos</strong> nós. Ao lado <strong>de</strong> outro mineiro - esse<br />
157
<strong>de</strong> Ubá, Ari Barroso - forma a dupla <strong>dos</strong> maiores sambistas do Brasil<br />
em to<strong>dos</strong> os tempos.<br />
Na escola também funciona um museu, on<strong>de</strong> po<strong>de</strong>m ser vistas<br />
interessantes curiosida<strong>de</strong>s mineralógicas. Na construção do palácio em<br />
1743, trabalharam, como empreiteiro o nosso Manuel Francisco Lisboa<br />
e como arquiteto José Fernan<strong>de</strong>s Pinto Alpoin que trabalhou também<br />
na igreja do Convento <strong>de</strong> São Francisco do Rio <strong>de</strong> Janeiro e que<br />
projetou o traçado urbano <strong>de</strong> Mariana e <strong>de</strong> Barbacena.<br />
À frente <strong>de</strong> Tira<strong>de</strong>ntes está o Museu da Inconfidência que<br />
ocupa a antiga ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> on<strong>de</strong> a glorificação <strong>dos</strong> inconfi<strong>de</strong>ntes roubou a<br />
função <strong>de</strong> prisão, num gesto simbólico <strong>de</strong> libertação, inda que tardia. O<br />
museu foi instalado em 1944 por inspiração <strong>de</strong> Augusto <strong>de</strong> Lima Jr. 122<br />
Seu primeiro diretor foi o cônego Raimundo Trinda<strong>de</strong>, autor <strong>de</strong><br />
preciosas obras. Entre elas, várias memórias históricas sobre as <strong>igrejas</strong><br />
da Diocese <strong>de</strong> Mariana, que no século XVIII abrangia praticamente<br />
toda a capitania das <strong>Minas</strong> Gerais.<br />
Interessante observar que o projeto do prédio, ou pelo menos o<br />
esboço da i<strong>de</strong>ia, é do odiado governador Luiz da Cunha Menezes. Foi<br />
ele o <strong>de</strong>safeto <strong>dos</strong> inconfi<strong>de</strong>ntes, <strong>de</strong>stinatário das farpas das Cartas<br />
Chilenas hoje tida como obra indiscutível <strong>de</strong> Tomás Antônio Gonzaga,<br />
sob o pseudônimo <strong>de</strong> Critilo. No museu - ao lado <strong>de</strong> obras <strong>de</strong><br />
Aleijadinho e Ataí<strong>de</strong>, documentos e objetos diversos - está o Panteão<br />
<strong>dos</strong> Inconfi<strong>de</strong>ntes. Trata-se <strong>de</strong> imponente e solene salão on<strong>de</strong> sob a luz<br />
simbólica da liberda<strong>de</strong> repousam gloriosos, finalmente juntos para<br />
sempre: Marilia e Dirceu, Alvarenga Peixoto e Bárbara Eliodora. 123<br />
Chamar <strong>de</strong> “ca<strong>de</strong>ia” o magnífico edifício do museu é um tanto<br />
<strong>de</strong>sairoso. Mas foi para isso mesmo que ele foi originalmente criado em<br />
1746. Neste ano houve a arrematação da obra. Mas o prédio não saiu<br />
do chão. Só por volta <strong>de</strong> 1788 é que a construção começou <strong>de</strong> fato. Foi<br />
122 O caro mestre registra em um apêndice da sua história <strong>de</strong> <strong>Minas</strong>, sua mágoa por<br />
não ter sido, sequer convidado, para a solenida<strong>de</strong> <strong>de</strong> inauguração do museu.<br />
123 Pairam dúvidas sobre os restos mortais ali existentes: Gonzaga e Alvarenga Peixoto<br />
morreram e foram enterra<strong>dos</strong> na áfrica e como se quer acreditar, <strong>de</strong>pois translada<strong>dos</strong><br />
<strong>de</strong> volta. Bárbara Eliodora expressamente não está enterrada ali e Marília teria sido<br />
trasladada da Matriz <strong>de</strong> Antônio Dias, porém, segundo Burton quando foram<br />
exumar seus restos encontraram apenas uma tíbia que talvez nem fosse <strong>de</strong>la.<br />
158
quando o governador Cunha Menezes andou retocando o projeto e<br />
botando os presos para trabalhar na obra, sob os olhares críticos <strong>de</strong><br />
Tomás Antônio Gonzaga, como ele registrou magistralmente nas<br />
Cartas Chilenas. Com certeza o inconfi<strong>de</strong>nte Domingos <strong>de</strong> Abreu<br />
Vieira e seu colega Francisco Antônio <strong>de</strong> Oliveira Lopes estavam entre<br />
os primeiros <strong>de</strong>safortuna<strong>dos</strong> que foram ali encerra<strong>dos</strong>. Então o prédio<br />
não tinha passado do estágio <strong>de</strong> uma mo<strong>de</strong>sta enxovia <strong>de</strong> quatro<br />
pare<strong>de</strong>s. E assim permaneceu pelo menos até 1828 quando o<br />
governador se queixou à Assembleia Provincial a propósito do<br />
lastimável estado da ca<strong>de</strong>ia ainda inacabada e já em ruínas. Então já<br />
tinha passado mais <strong>de</strong> oitenta anos do início do projeto. Acontece que<br />
tinha havido muita corrupção com o empreendimento, com histórias <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>svio <strong>de</strong> dinheiro e material ao longo <strong>de</strong> to<strong>dos</strong> aqueles anos. Volta e<br />
meia alguém pensava em dar andamento ao projeto dando fim à<br />
persistente malversação. O bem finalmente triunfou ali pelos mea<strong>dos</strong><br />
do século XIX. Esse retardo é que acabou dando aquelas pinceladas<br />
neoclássicas que vemos no edifício hoje, a encher <strong>de</strong> nobreza a<br />
imponente praça. Mas pouca gente se dá conta da singular aventura da<br />
sua construção.<br />
Ao lado do museu está a escadaria que dá acesso ao adro da<br />
igreja <strong>de</strong> Nossa Senhora do Carmo. Atrás da mesma - instalado na<br />
antiga Casa do Noviciado, construção <strong>de</strong> 1753, adaptada com total<br />
proprieda<strong>de</strong> para tal - está o precioso Museu do Oratório. Possui um<br />
raro acervo composto <strong>de</strong> oratórios <strong>de</strong> várias épocas, tamanhos e<br />
formatos, formado paciente e amorosamente por Ângela Gutierrez ao<br />
longo <strong>dos</strong> anos e abnegadamente doado à humanida<strong>de</strong>. À frente do<br />
adro da igreja, num plano mais baixo, está um pequeno largo on<strong>de</strong> se<br />
acha a Casa da Ópera, teatrinho simpático que se rivaliza ao <strong>de</strong> Sabará<br />
e que merece ser visitado. Saint-Hilaire assistiu a uma peça nele em<br />
1816 e observou que quase to<strong>dos</strong> os atores eram mulatos, <strong>de</strong>vidamente<br />
clarea<strong>dos</strong> com pesada maquiagem.<br />
Visitado o teatrinho o melhor é voltar à praça pois o acesso ao<br />
arraial do Ouro Preto que não seja pela ponte da Casa <strong>dos</strong> Contos, é<br />
um tanto mais complicado.<br />
Da praça, pelo lado oposto <strong>de</strong> on<strong>de</strong> viemos, passa-se ao lado da<br />
Escola <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> e se acessa a igreja <strong>de</strong> N. S. das Mercês e Misericórdia,<br />
a Mercês <strong>de</strong> Cima. Deixando a praça, pela primeira rua após o adro da<br />
159
igreja, <strong>de</strong>scendo uma la<strong>de</strong>ira mediana com o hotel <strong>de</strong> Niemayer 124 à<br />
direita, alcança-se a rua São José antes da qual está o chafariz <strong>dos</strong><br />
Contos com sua inscrição pomposa on<strong>de</strong> Richard Burton encontrou<br />
um erro gramatical e observou que a água era melhor do que o latim. 125<br />
Uma outra opção, partindo da praça Tira<strong>de</strong>ntes, rumo à<br />
paróquia do Ouro Preto, é <strong>de</strong>scer pela rua Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Boba<strong>de</strong>la. No<br />
meio do quarteirão, do lado esquerdo, vamos encontrar uma famosa<br />
casa. Nela morou o tenente-coronel Francisco <strong>de</strong> Paula Freire <strong>de</strong><br />
Andrada. O atual nome da rua até po<strong>de</strong> ter sido colocado em sua<br />
homenagem. Ele era sobrinho do primeiro con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Boba<strong>de</strong>la e filho<br />
do segundo. Mas não chegaria a ser o terceiro con<strong>de</strong> nem que não<br />
tivesse sido con<strong>de</strong>nado pelo crime da inconfidência pois era filho<br />
bastardo. Na sua casa se realizaram várias reuniões conspiratórias,<br />
inclusive a famosa reunião <strong>de</strong> 26 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1788 quando foram<br />
aprova<strong>dos</strong> os planos finais do levante.<br />
Seguindo em frente e virando à direita, encontramos a já citada<br />
Casa <strong>dos</strong> Contos. Trata-se <strong>de</strong> uma construção suntuosa <strong>de</strong> 1788,<br />
bancada pelo também já citado, rico contratador <strong>de</strong> impostos João<br />
Rodrigues <strong>de</strong> Macedo e que foi cedida para servir <strong>de</strong> prisão para os<br />
inconfi<strong>de</strong>ntes e patíbulo para Cláudio Manuel da Costa. Provavelmente<br />
o viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Barbacena escolheu a casa <strong>de</strong> Macedo para consumar seu<br />
plano <strong>de</strong> livrar a cara do contratador <strong>de</strong> ser incriminado na <strong>de</strong>vassa <strong>dos</strong><br />
inconfi<strong>de</strong>ntes. Ele, apesar <strong>de</strong> estar envolvido até o pescoço 126 como<br />
dito, <strong>de</strong> fato ficou livre. Alguns anos <strong>de</strong>pois, porém, a Coroa tomou-lhe<br />
124 O projeto do nosso arrojado arquiteto, foi muito criticado por incrustar retilíneas<br />
mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>s nas vetustas rugas <strong>de</strong> Ouro Preto e, dialética à parte, me incluo entre<br />
esses críticos. Mas para quem gosta do padrão americano <strong>de</strong> hospedagem como eu,<br />
ele é a melhor opção da cida<strong>de</strong> com suas amplas e arejadas suítes e uma garagem <strong>de</strong><br />
acesso honestíssimo que dispensa a ajuda <strong>de</strong> um manobrista legitimamente<br />
ouropretano. Foi construído no local on<strong>de</strong> antigamente ficava o quartel do Regimento<br />
da Cavalaria <strong>dos</strong> Dragões <strong>de</strong> <strong>Minas</strong>.<br />
125 Na verda<strong>de</strong> a inscrição latina transcrita por Burton em seu livro, não confere com<br />
a original que hoje está bastante ilegível e aparentemente, assim já estava na época em<br />
que ele por aqui passou .<br />
126 Junto com Joaquim Silvério <strong>dos</strong> Reis entre outros, ela fazia parte da ala <strong>dos</strong><br />
contratadores endivida<strong>dos</strong> da inconfidência.<br />
160
a casa para saldar sua enorme dívida. Hoje é um museu fazendário.<br />
Visita obrigatória sim, mas mais pela construção e pelo significado<br />
histórico do que pelo acervo exposto. Tem, contudo, uma valiosa<br />
biblioteca e uma interessante sala <strong>de</strong> exposição <strong>de</strong> moedas on<strong>de</strong> está<br />
fartamente ilustrada a fantástica corrosão do dinheiro do Brasil. Bem<br />
po<strong>de</strong>ria ser chamada <strong>de</strong> “Sala da Inflação”.<br />
Antigamente a Casa <strong>dos</strong> Contos se chamava “Casa do<br />
Contrato”. Macedo – seu abastado dono - era famoso e fausto anfitrião<br />
e gostava <strong>de</strong> um carteado, especialmente com seu compadre Alvarenga<br />
Peixoto. Aqui aconteceram várias conversas conspiratórias envolvendo<br />
ilustres inconfi<strong>de</strong>ntes.<br />
Bem em frete à Casa <strong>dos</strong> Contos está a casa on<strong>de</strong> morava o<br />
tenente-coronel Domingos <strong>de</strong> Abreu Vieira, outro ilustre conspirador.<br />
Ali esteve hospedado o padre Rolim em <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1788 e rolou<br />
muito bate-papo subversivo que contou também com a participação <strong>de</strong><br />
Freire <strong>de</strong> Andrada e naturalmente, do inflamado Tira<strong>de</strong>ntes.<br />
Ao lado funcionava a se<strong>de</strong> da Junta da Fazenda da capitania e<br />
no piso superior morava o Procurador da Coroa, o inten<strong>de</strong>nte<br />
Ban<strong>de</strong>ira. Ele era muito amigo <strong>dos</strong> inconfi<strong>de</strong>ntes mas não quis saber <strong>de</strong><br />
participar daquela aventura perigosa.<br />
Evite as exposições <strong>de</strong> quadros na sala térrea da Casa <strong>dos</strong><br />
Contos e entre direto na rua que leva à ponte e <strong>de</strong>pois emenda com a<br />
via on<strong>de</strong> morou o alferes Tira<strong>de</strong>ntes e nasceu o poeta Alphonsus <strong>de</strong><br />
Guimarães. Este teve a sorte <strong>de</strong> não nascer no século XVIII e assim ter<br />
se livrado da tentação <strong>de</strong> ser também um poeta inconfi<strong>de</strong>nte. Preferiu<br />
viver e morrer em Mariana, on<strong>de</strong> a casa on<strong>de</strong> morou está hoje aberta à<br />
visitação. 127<br />
Como se lembra, a sentença <strong>dos</strong> inconfi<strong>de</strong>ntes previa que a casa<br />
<strong>de</strong> Tira<strong>de</strong>ntes fosse arrasada e suas terras salgadas para que nada mais<br />
ali nascesse. Isso <strong>de</strong> fato aconteceu mas o dono teve que ser in<strong>de</strong>nizado<br />
pois a casa era alugada. Saint-Hilaire menciona ter visto o marco que ai<br />
foi colocado execrando o ato do herói. Mas o sal não funcionou por<br />
127 O poeta também viveu em Conceição do Serro, on<strong>de</strong> foi juiz e sustentou um<br />
jornalzinho durante algum tempo.<br />
161
muito tempo e foi possível reconstruir a casa e colocar nela uma placa<br />
indicativa, como hoje se vê. Burton, na sua sempre original versão,<br />
menciona que apenas uma parte da casa foi <strong>de</strong>struída e foi aí que<br />
assentaram o marco da execração. As casas <strong>de</strong> Cláudio Manuel da Costa<br />
e Tomás Antônio Gonzaga hoje aí estão para serem vistas, exatamente<br />
como eram. Enfim, no geral as casas <strong>dos</strong> inconfi<strong>de</strong>ntes foram à hasta<br />
pública. Mas sobrou poucos troca<strong>dos</strong> para a Coroa embolsar pois elas<br />
foram vendidas a baixos preços, a arrematadores cuida<strong>dos</strong>amente<br />
escolhi<strong>dos</strong> cuja habilitação velada para participar do leilão exigia do<br />
candidato ter prestado algum servicinho contra o movimento.<br />
Seguindo a rua São José, no seu final nos <strong>de</strong>paramos com um<br />
pequeno alargamento antigamente chamado <strong>de</strong> largo da Alegria. À<br />
esquerda está a ruas das Escadinhas, uma rua estreita que, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />
cruzar com a rua da mo<strong>de</strong>sta Capela do Bonfim, vai dar na matriz do<br />
Pilar e seu interessante museu. Consta que havia um oratório <strong>de</strong>dicado<br />
a N. S. da Guia no antigo largo, na esquina da rua das escadinhas, mas<br />
hoje não há qualquer vestígio do mesmo.<br />
Continuando ainda, no sentido leste, após passar pelo chafariz<br />
do Bonfim e a ponte Seca, damos no largo da igreja do Rosário.<br />
Esquecendo o largo e seguindo reto passamos a ponte do Caquen<strong>de</strong> e,<br />
após um aclive relativamente suave para os padrões ouropretanos,<br />
vamos encontrar a igreja <strong>de</strong> São Miguel e Almas/Bom Jesus <strong>de</strong><br />
Matosinhos e o Colégio Diocesano do Bairro das Cabeças que era por<br />
on<strong>de</strong> se entrava em Vila Rica antigamente, vindo do Rio <strong>de</strong> Janeiro e<br />
São Paulo. Voltando ao largo da igreja do Rosário, ao norte há uma<br />
ruela, infelizmente <strong>de</strong> aclive já não tão suave. Por ela alcançamos a<br />
igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula, a Chico <strong>de</strong> Cima e um pouco mais<br />
abaixo, a igreja <strong>de</strong> São José <strong>de</strong> on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>sce <strong>de</strong> volta à Casa <strong>dos</strong><br />
Contos e ao hotel do Niemayer <strong>de</strong> cuja varanda se po<strong>de</strong> contemplar<br />
uma serena Ouro Preto ao cair da tar<strong>de</strong>.<br />
Existem muitas variantes mas esse – entre tantos disponíveis<br />
por aí - é o meu mo<strong>de</strong>sto roteiro básico <strong>de</strong> Ouro Preto: do Padre Faria,<br />
passando por Antônio Dias, até o Ouro Preto propriamente dito. Isso<br />
era Vila Rica que, natureza exclusa, levou basicamente cerca <strong>de</strong> cem<br />
anos para ser construída e sobrevive há trezentos ainda que muita<br />
162
<strong>de</strong>struição tenha ocorrido e ameaças permaneçam. 128 Assim, é uma<br />
insensibilida<strong>de</strong> querer trilhá-lo apenas em um par <strong>de</strong> dias ou em uma<br />
única viagem. Ouro Preto pe<strong>de</strong> e merece paciência, respeito e habitual<br />
visitação. Por isso, corteje-a e aproveite.<br />
E os viajantes do passado?<br />
To<strong>dos</strong> os nossos amigos viajantes do século XIX que tão<br />
fielmente nos têm acompanhado, aqui estiveram e muito registraram<br />
sobre a Vila Rica <strong>de</strong> então e essencialmente, ainda <strong>de</strong> hoje. Algumas <strong>de</strong><br />
suas observações já salpicamos em um ou outro lugar <strong>de</strong>ste livro mas<br />
ainda há muito mais material interessante.<br />
George Gardner, habitualmente lacônico continuou a sê-lo e<br />
gastou pouca tinta em Vila Rica e como não po<strong>de</strong>riam <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser,<br />
foram Saint-Hilaire e Burton os que mais escarafuncharam a vila. O<br />
naturalista francês a<strong>de</strong>ntrou Vila Rica no dia 26 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1816,<br />
para uma estada <strong>de</strong> <strong>de</strong>zoito dias, 129 como hóspe<strong>de</strong> ilustre do não menos<br />
ilustre e prestigiado barão <strong>de</strong> Eschwege, então prestando serviços à<br />
Coroa Portuguesa. Esteve no teatro, nas <strong>igrejas</strong>, nas minas e participou<br />
<strong>de</strong> uma recepção no palácio do governador cuja arquitetura consi<strong>de</strong>rou<br />
pretensiosa e <strong>de</strong> mau gosto. Elogiou, contudo, as maneiras das damas<br />
presentes à recepção, ressalvado, porém, o fato que muita o<br />
incomodava, <strong>de</strong> que elas não se escandalizavam diante da tal dança<br />
in<strong>de</strong>cente que os negros gostavam <strong>de</strong> dançar e os brancos <strong>de</strong> admirar.<br />
Lamentou que na vila não tivesse passeio público, biblioteca ou<br />
gabinete literário, emendando que as únicas distrações locais eram os<br />
prazeres grosseiros e as pequenas intrigas. Aos pintores <strong>de</strong> <strong>igrejas</strong><br />
chamou <strong>de</strong> “miseráveis borradores”, embora não escon<strong>de</strong>sse admiração<br />
diante <strong>de</strong> um ou outro <strong>de</strong>talhe <strong>dos</strong> templos <strong>de</strong> Vila Rica. 130 Lamentou<br />
128 Uma absurda ameaça à integrida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ouro Preto são as folias <strong>de</strong> carnaval, que as<br />
autorida<strong>de</strong>s resistem em afastar do centro histórico por pressão <strong>dos</strong> comerciantes que<br />
vivem do turismo. Isso é <strong>de</strong> uma burrice monumental pois a verda<strong>de</strong>ira sustentação<br />
turística da cida<strong>de</strong> é o seu patrimônio histórico e arquitetônico que é o que atrai gente<br />
durante todo o ano.<br />
129 Ele voltou a Vila Rica quase dois anos <strong>de</strong>pois, mas pouco registrou <strong>de</strong>sta segunda<br />
passagem.<br />
130 Quando ele aqui esteve, Ataí<strong>de</strong> estava em plena ativida<strong>de</strong> e ainda nem tinha<br />
pintado a Santa Ceia do Caraça.<br />
163
que a Santa Casa estivesse quase arruinada e que os mineiros gastassem<br />
dinheiro com <strong>igrejas</strong> inúteis em lugar <strong>de</strong> investir em obras <strong>de</strong><br />
benemerência. Confundiu as matrizes <strong>de</strong> N. S. da Conceição e do Pilar,<br />
dizendo que a primeira era a matriz <strong>de</strong> Ouro Preto e a segunda a <strong>de</strong><br />
Antônio Dias. Transformou a Inconfidência Mineira literalmente num<br />
convescote, explicando aos seus leitores europeus que ela se resumiu a<br />
um almoço on<strong>de</strong> o pessoal bebeu <strong>de</strong>mais e exagerou nas críticas ao<br />
regime, tendo sua imprudência chegado aos ouvi<strong>dos</strong> do viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Barbacena que reagiu iradamente. 131 Enfim o nosso sábio estava<br />
visivelmente mau-humorado quando esteve em Vila Rica. A única coisa<br />
que fez elogios irrestritos foi com relação a qualida<strong>de</strong> da água, porém<br />
criticou os chafarizes.<br />
Richard Burton, ao contrário, sempre bem humorado, se abriu<br />
mais aos encantos da cida<strong>de</strong>. No seu tempo, pleno segundo reinado, o<br />
assunto da Inconfidência já <strong>de</strong>ixara <strong>de</strong> ser tão proibido e os políticos<br />
com quem teve contato em sua visita – muitos <strong>dos</strong> quais, bons<br />
republicanos - o encheram <strong>de</strong> entusiasmo pelo movimento. Várias são<br />
as observações interessantes que fez sobre a conspiração, algumas das<br />
quais já mencionamos. Claro que Burton não é propriamente uma fonte<br />
autorizada sobre a Inconfidência Mineira e <strong>de</strong> fato fez muita confusão,<br />
inclusive levando Cláudio Manuel da Costa a dar corajosos<br />
<strong>de</strong>poimentos coisa que, certamente, nunca aconteceu. Cita uma<br />
versão 132 que ouviu, inclusive na região do São Francisco, <strong>de</strong> que o<br />
responsável pelo aviso aos inconfi<strong>de</strong>ntes, alertando que o movimento<br />
havia sido <strong>de</strong>scoberto, foi o irmão Lourenço – o do Caraça. Suas<br />
131 A incrível redução que Saint-Hilaire fez da Inconfidência mineira apenas vinte e<br />
sete anos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>la ter acontecido, ilustra como o movimento ainda era tratado pela<br />
Coroa Portuguesa naquele tempo. Vale lembrar que então o Brasil ainda era um vicereino<br />
português e que o sábio francês viajava sob proteção especial <strong>de</strong>ste mesmo<br />
Governo.<br />
É provável que a versão <strong>de</strong> Saint-Hilaire tenha se baseado no acontecido na<br />
festa <strong>de</strong> batizado <strong>dos</strong> filhos <strong>de</strong> Alvarenga Peixoto em São José <strong>de</strong>l Rei. De fato, nesse<br />
dia a turma bebeu muito, ameaçou cortar cabeças <strong>de</strong> po<strong>de</strong>rosos, Bárbara Eliodora<br />
quase virou rainha e o Padre Toledo quase virou papa.<br />
132 Compartilhada também por Augusto <strong>de</strong> Lima Jr.<br />
164
eferências, <strong>de</strong> toda forma, valem como curiosa ilustração da tradição<br />
oral sobre o movimento, ainda viva em mea<strong>dos</strong> do século XIX.<br />
O diplomata inglês entrou na cida<strong>de</strong> pelo caminho <strong>de</strong> Mariana e<br />
a primeira construção que chamou sua atenção foi a igreja do Alto da<br />
Cruz que comparou a um “Frankenstein ameaçador e gigantesco”.<br />
Hospedou-se na casa <strong>de</strong> um certo comendador Paula Santos a quem<br />
intitulou “Hospe<strong>de</strong>iro e Recebedor Geral <strong>dos</strong> Ingleses em Ouro Preto”<br />
e que, pela sua <strong>de</strong>scrição, <strong>de</strong>via ficar perto da igreja do Pilar, próximo<br />
ao ribeirão do Ouro Preto. O primeiro passeio foi pela rua São José,<br />
com passagem pela casa <strong>de</strong> Tira<strong>de</strong>ntes que chamou <strong>de</strong> “patriota” e<br />
comentou que a cida<strong>de</strong> tinha razão <strong>de</strong> ter orgulho <strong>de</strong>le.<br />
Seu roteiro seguiu basicamente aquele que hoje ainda fazemos:<br />
<strong>igrejas</strong>,casarões, prédios públicos, chafarizes. Próximo à rua Direita,<br />
informa Burton se situar o melhor hotel da cida<strong>de</strong>: o “Quatro<br />
Nações”, pertencente a um francês. Sobre o interior da igreja do Pilar<br />
fez uma <strong>de</strong>scrição minuciosa com base em informações <strong>de</strong> sua mulher<br />
Isabel que, como católica fervorosa que era, não <strong>de</strong>ixava <strong>de</strong> visitar os<br />
templos e até i<strong>de</strong>ntificar a imaginária com alguma competência. 133 Na<br />
Casa <strong>dos</strong> Contos, chamou sua atenção a gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
funcionários públicos ociosos. No Palácio não <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ganhar a<br />
tradicional carta <strong>de</strong> recomendação com que o governo mineiro<br />
costumava facilitar as viagens <strong>dos</strong> estrangeiros ilustres pela província. A<br />
visita à ca<strong>de</strong>ia, atual Museu da Inconfidência, serviu para Burton<br />
registrar uma piada corrente na época entre os próprios ouropretanos,<br />
<strong>de</strong> que as únicas coisas boas da cida<strong>de</strong> eram a água e a ca<strong>de</strong>ia.<br />
Encontrou ali presos, quatrocentos e cinqüenta e quatro homens e doze<br />
133 Não posso <strong>de</strong>ixar passar aqui a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> transcrever um pedaço do<br />
surpreen<strong>de</strong>nte prefácio que Isabel Burton, <strong>de</strong>positária da incumbência <strong>de</strong> provi<strong>de</strong>nciar<br />
a publicação da memória da <strong>Viagem</strong> <strong>dos</strong> Burton ao Brasil, escreveu em 1868 para a<br />
primeira edição do livro: “É tempo, portanto, para respeitosa mas firmemente, afirmar<br />
que, embora eu aceite com orgulho a tarefa que me foi confiada (...), protesto, com<br />
veemência, contra os seus (<strong>de</strong> Burton) sentimentos religiosos e morais, em <strong>de</strong>sacordo<br />
com uma vida plena <strong>de</strong> correção. Chamo a atenção indignada, particularmente para a<br />
maneira <strong>de</strong>turpada <strong>de</strong> se referir a nossa Santa Igreja Católica Romana (...)”.<br />
Na verda<strong>de</strong> as relações do casal sempre foram um tanto estranhas para quem<br />
olha <strong>de</strong> longe. Sabe-se que <strong>de</strong>pois da norte do marido, Isabel, impelida por um furor<br />
religioso absolutamente irracional, <strong>de</strong>struiu muitos <strong>dos</strong> originais <strong>dos</strong> livros que ele<br />
produziu no fim da vida e que ela consi<strong>de</strong>rava imorais, com potencial para conspurcar<br />
a memória do velho Burton.<br />
165
mulheres. Visitou também a Casa da Ópera cujo estilo chamou <strong>de</strong><br />
“<strong>de</strong>mocrático” como o <strong>dos</strong> teatros que visitou nos Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong>. Fez<br />
piada com o nome da guarda <strong>de</strong> Ouro Preto dizendo que o nome <strong>de</strong><br />
“Guarnição Fixa” não era apropriado já que ela não estava na cida<strong>de</strong>,<br />
tendo se <strong>de</strong>slocado para participar da Guerra no Paraguai. Fez uma<br />
gran<strong>de</strong> confusão misturando particularida<strong>de</strong>s das casas <strong>de</strong> Cláudio<br />
Manuel da Costa e <strong>de</strong> Tomáz Antônio Gonzaga. De qualquer forma,<br />
notou que a casa do dr. Cláudio não ostentava nenhuma inscrição<br />
<strong>de</strong>stacando a sua condição e propôs: Vita dignissimus est, quique morte sua<br />
patrie salutem quaerit. No final o nosso cônsul britânico elogiou Ouro<br />
Preto e consi<strong>de</strong>rou injustas as críticas que todo europeu costumava<br />
fazer então, taxando-a <strong>de</strong> estranha e <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>nte. Deixando a cida<strong>de</strong> foi<br />
<strong>de</strong> volta a Morro Velho e <strong>de</strong>pois à Sabará, mas não sem antes subir as<br />
grimpas do Itacolomi. Esse era o capitão Burton então com 46 anos:<br />
irlandês <strong>de</strong> nascimento, veterano do Regimento <strong>de</strong> Bombaim, que leu<br />
(em português) mais obras sobre o Brasil do que a maioria <strong>dos</strong><br />
brasileiros jamais fará , membro ilustre da Royal Geographical Society<br />
britânica, <strong>de</strong>scobridor do lago africano <strong>de</strong> Tanganica, tradutor <strong>dos</strong><br />
Lusíadas <strong>de</strong> Camões para o inglês e quase homônimo do marido<br />
favorito <strong>de</strong> Liz Taylor.<br />
Permita-me caro leitor, introduzir nesse instante na nossa<br />
comitiva, um viajante do passado cuja presença ainda não tínhamos<br />
dado conta. Falo do mineralogista e comerciante inglês John Mawe que<br />
fez uma viagem ao Brasil entre 1807 e 1811, portanto anterior a to<strong>dos</strong><br />
os nossos <strong>de</strong>mais acompanhantes. Justifico essa inclusão tardia: é que<br />
os seus relatos são, ou <strong>de</strong>masiadamente sucintos, ou <strong>de</strong>masiadamente<br />
específicos para os nossos propósitos. Porém, quando da sua passagem<br />
em Vila Rica, registrou algumas minúcias que nos pareceu interessante<br />
recriar aqui. 134<br />
Mawe, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> tomar uns sustos na Argentina, <strong>de</strong>sembarcou<br />
no Brasil à procura <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> negócios. Não se estabeleceu<br />
no país mas abriu caminho para fundar em Londres, uma próspera casa<br />
<strong>de</strong> comércio <strong>de</strong> pedras preciosas brasileiras. Viajou sob proteção do<br />
134 Também, mais tar<strong>de</strong>, vamos incluí-lo na viagem ao Tijuco, on<strong>de</strong> ele, como em<br />
Ouro Preto, foi mais generoso em seus comentários.<br />
166
con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Linhares que o guarneceu não só das indispensáveis cartas <strong>de</strong><br />
recomendação como também <strong>de</strong> uma escolta militar.<br />
Partiu do Rio <strong>de</strong> Janeiro em direção à capitania <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> Gerais,<br />
no dia 17 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1809. Depois <strong>de</strong> passar Juiz <strong>de</strong> Fora, Barbacena,<br />
Queluz e Ouro Branco, chegou a Vila Rica cerca <strong>de</strong> três semanas<br />
<strong>de</strong>pois. Entrou na vila pelo caminho tradicional que a ligava a São Paulo<br />
e Rio <strong>de</strong> Janeiro e que hoje é parte da rodovia batizada <strong>de</strong> Estrada Real,<br />
referência indispensável para circular na região e ir até Santa Bárbara e<br />
além. Hospedou-se próximo à entrada da cida<strong>de</strong> numa hospedaria<br />
sofrível que pertencia a um padre 135 e era administrada por um mulato.<br />
É curioso o registro da trivialida<strong>de</strong> das refeições servidas na tal<br />
pousada ao viajante inglês: jantar com bife <strong>de</strong> panela, frango e pão; café<br />
da manhã com ovos, café, manteiga e pão. Mas logo o comerciante<br />
inglês, usando as cartas <strong>de</strong> recomendação do con<strong>de</strong>, tratou <strong>de</strong> melhorar<br />
essa condição conseguindo do ouvidor a cessão <strong>de</strong> uma casa na rua<br />
Direita on<strong>de</strong> se alojou confortavelmente e <strong>de</strong> graça. Num <strong>de</strong> seus<br />
passeios noturnos pela vila, teve a atenção <strong>de</strong>sperta por um certo ritual<br />
religioso, muito concorrido que provavelmente era um terço tirado<br />
numa das capelinhas <strong>dos</strong> passos da paixão, ainda hoje existentes em<br />
alguns pontos da cida<strong>de</strong>. Mawe estimou que a vila tivesse cerca <strong>de</strong><br />
vinte mil habitantes e <strong>de</strong>clarou que o clima era agradável como o <strong>de</strong><br />
Nápoles. Observou que em Vila Rica havia poucas opções <strong>de</strong> se ganhar<br />
a vida além do comércio e que o ócio era um vício generalizado.<br />
Comparou preços com Londres e concluiu que as roupas e teci<strong>dos</strong><br />
eram igualmente baratos, o leite tão caro quanto e que as velas<br />
custavam duas vezes mais.<br />
135 Uma olhada na história mineira do século XVIII mostra como os padres foram<br />
gran<strong>de</strong>s proprietários <strong>de</strong> fazendas, minas e escravos. Muitos eram chega<strong>dos</strong> a negócios<br />
<strong>de</strong> contrabando e não hesitavam em usar meios violentos para conseguir seus<br />
intentos. A proibição <strong>de</strong> que as or<strong>de</strong>ns primeira se estabelecessem na capitania,<br />
enfraqueceu muito o po<strong>de</strong>r regulador das instituições religiosas sobre o seu clero<br />
que, liberado, chafurdou à vonta<strong>de</strong> em negócios escusos e <strong>de</strong>vassos. O padre Toledo,<br />
o nosso prezado inconfi<strong>de</strong>nte, foi um <strong>dos</strong> homens mais ricos do seu tempo e a sua<br />
monumental casa em Tira<strong>de</strong>ntes está aí , ainda hoje , para <strong>de</strong>monstrar isso. I<strong>de</strong>m, o<br />
padre Rolim no Tijuco cuja casa hoje também é um museu. No início do século XIX,<br />
então, a coisa já tinha mudado e eles já estavam reduzi<strong>dos</strong> a cuidar <strong>de</strong> pequenos<br />
negócios como a tal hospedaria em que Mawe se alojou. Mas, sem dúvida, ainda<br />
continuavam fincando o pé num patrimoniozinho mundano.<br />
167
Falou um pouco <strong>dos</strong> chafarizes e nada das <strong>igrejas</strong>, ruas ou da<br />
inconfidência ocorrida, apenas, vinte anos antes. 136 Mas elogiou as casas<br />
e sua mobília taxando-as <strong>de</strong> melhores do que as <strong>de</strong> São Paulo e Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro. Encantou-se com as alcovas e <strong>de</strong>screveu minuciosamente as<br />
roupas <strong>de</strong> cama usadas nas casas abastadas <strong>de</strong> Vila Rica. Participou <strong>de</strong><br />
jantares em casas <strong>de</strong> padres e ouvidores e elogiou as atenções que<br />
recebeu. Finalmente, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> fazer alguns comentários sobre a<br />
moldagem das barras <strong>de</strong> ouro na casa <strong>de</strong> fundição e <strong>de</strong>ixar algumas<br />
recomendações escritas 137 aos funcionários sobre méto<strong>dos</strong> que<br />
po<strong>de</strong>riam economizar o uso <strong>de</strong> mercúrio, Mawe pegou as suas tralhas,<br />
sua escolta e se mandou para os la<strong>dos</strong> <strong>de</strong> Mariana, rumo ao Distrito <strong>dos</strong><br />
Diamantes que era <strong>de</strong> fato o seu maior interesse.<br />
Compiladas as principais impressões do nosso prezado<br />
comerciante <strong>de</strong> pedras preciosas vamos <strong>às</strong> notas <strong>dos</strong> nossos,<br />
igualmente preza<strong>dos</strong> sábios alemães, Spix e Martius, sobre Vila Rica. A<br />
dupla ganhou a vila vinda <strong>de</strong> São João <strong>de</strong>l Rei, no dia vinte e oito <strong>de</strong><br />
fevereiro <strong>de</strong> 1818 ou seja, nove anos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> Mawe. Assim como ele,<br />
ficaram hospeda<strong>dos</strong> na entrada da cida<strong>de</strong> que <strong>de</strong>ve ser a mesma<br />
hospedaria do padre e cujo nome era “As Cabeças”, que é o nome do<br />
bairro on<strong>de</strong> estava localizada. 138 Como Saint-Hilaire, dois anos antes,<br />
tiveram como principal anfitrião o barão Eschwege. Infelizmente os<br />
sábios alemães fizeram apenas sucintas anotações sobre Vila Rica. O<br />
mais longo relato é sobre o processo <strong>de</strong> fundição das barras <strong>de</strong> ouro.<br />
Contam que o trabalho era realizado por <strong>de</strong>zoito funcionários e que a<br />
confecção <strong>de</strong> uma barra levava cerca <strong>de</strong> três horas. Mawe fala em cerca<br />
<strong>de</strong> quarenta e cinco minutos. Ficamos sem saber se a produtivida<strong>de</strong><br />
piorou ou se não se tratava, afinal, <strong>de</strong> um mesmo processo. Criticaram a<br />
136 Ainda bem pois ele freqüentemente fazia tremenda salada com a geografia e a<br />
história antiga <strong>de</strong> <strong>Minas</strong>.<br />
137 Mawe andou espalhando know-how inglês pelo interior <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> sobre coisas<br />
como fundir o ferro, bater manteiga e fazer queijo.<br />
138 Esta hospedaria já existia <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os tempos <strong>de</strong> Tira<strong>de</strong>ntes e era muito freqüentada<br />
pelo pessoal do Serro Frio quando vinha a Vila Rica. O <strong>de</strong>lator da inconfidência -<br />
Brito Malheiro na sua carta <strong>de</strong>núncia, cita conversas comprometedoras havidas numa<br />
hospedaria localizada “nas Cabeças”.<br />
168
aplicação que a Coroa portuguesa fez do ouro brasileiro, preferindo<br />
gastá-lo em obras suntuosas como o Aqueduto <strong>de</strong> Lisboa e o Convento<br />
<strong>de</strong> Mafra, do que aplicá-lo por exemplo, na melhoria da sua armada.<br />
Observam que as barras <strong>de</strong> ouro podiam ser convertidas apenas nas<br />
casas da moeda mas que o povo preferia negociar no paralelo, pois<br />
havia um <strong>de</strong>ságio <strong>de</strong> <strong>de</strong>z por cento. Contam que o quinto naquela<br />
época, ainda arrecadava cerca <strong>de</strong> quarenta arrobas anuais o que<br />
<strong>de</strong>monstra que a produção não era no princípio do século XIX, assim<br />
tão ruim se lembrarmos que, ao longo do século anterior, esse<br />
montante girava em torno <strong>de</strong> cem arrobas em média. Registram que a<br />
vila contava cerca <strong>de</strong> oito mil e quinhentos habitantes, contra os vinte<br />
mil que Mawe registrou em 1809. Informam que o comércio era<br />
animado e que havia na região fábricas <strong>de</strong> pólvora, louças, chapéus <strong>de</strong><br />
feltro e forjas para produzir ferro. Registram como principais<br />
construções - além das <strong>igrejas</strong>, do palácio, da ca<strong>de</strong>ia, do teatro, da<br />
tesouraria (Casa <strong>dos</strong> Contos), e do mercado - uma certa “Escola <strong>de</strong><br />
Latim”.<br />
Isso posto, <strong>de</strong>ixaram a “miserável hospedaria” do padre rumo<br />
a Sabará e <strong>de</strong>pois o Distrito <strong>dos</strong> Diamantes. 139<br />
Cerca <strong>de</strong> vinte anos <strong>de</strong>pois a nossa Ouro Preto recebia a visita<br />
<strong>de</strong> George Gardner. O botânico escocês aqui passou em 1840, vindo<br />
<strong>de</strong> Mariana em regresso do Distrito <strong>dos</strong> Diamantes. Ficou na cida<strong>de</strong> 140<br />
pouco tempo e isso se reflete no pequeno registro que fez da sua<br />
passagem. Conta-nos que não havia um único hotel respeitável e que<br />
ficou hospedado na casa <strong>de</strong> um certo José Peixoto <strong>de</strong> Souza,<br />
i<strong>de</strong>ntificado por ele como o mais rico comerciante <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> na época,<br />
proprietário da mais bela casa da cida<strong>de</strong> (?) cuja construção teria<br />
consumido cerca <strong>de</strong> quatro mil libras esterlinas. Disse que cida<strong>de</strong> não<br />
era tão imponente quanto Mariana mas elogiou a qualida<strong>de</strong> da água.<br />
Notou o palácio e a ca<strong>de</strong>ia, contou seis <strong>igrejas</strong> e elegeu a do Carmo<br />
como a mais bela. Ou seja, nosso companheiro parece que teve<br />
139 Na verda<strong>de</strong> Spix e Martius usaram Ouro Preto como base para viagens nas<br />
cercanias e na região da serra do Caraça, algumas em companhia do barão Eschwege.<br />
Deixaram a “inesquecível Vila Rica”, em <strong>de</strong>finitivo, em princípio <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1818.<br />
140 Vila Rica foi elevada a condição <strong>de</strong> Imperial Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ouro Preto em 1823 por<br />
<strong>de</strong>creto <strong>de</strong> d. Pedro I.<br />
169
prequiça <strong>de</strong> galgar as la<strong>de</strong>iras e se limitou a passear nas cercanias da<br />
praça Tira<strong>de</strong>ntes como faz a maioria <strong>dos</strong> nossos <strong>de</strong>sinteressa<strong>dos</strong> turistas<br />
<strong>de</strong> hoje. Contou oito mil almas e arrematou que a cida<strong>de</strong> não tinha<br />
nenhuma livraria mas tinha duas tipografias e quatro jornais. E nada<br />
mais disse nem lhe foi perguntado, do que se aproveitou Gardner para<br />
rumar ligeiro para o Rio <strong>de</strong> Janeiro, preservando notável ignorância<br />
sobre a nossa antiga capital, com seus poetas anti-imperialistas mortos e<br />
hoje, em socieda<strong>de</strong>, repousando no Museu da Inconfidência.<br />
Agora as Igrejas<br />
Depois <strong>de</strong> passear pelas ruas da imperial cida<strong>de</strong> em tão boa<br />
companhia quanto po<strong>de</strong> ser a lembrança <strong>dos</strong> nossos gloriosos<br />
inconfi<strong>de</strong>ntes e <strong>dos</strong> singulares viajantes do século XIX, finalmente<br />
chegamos ao nosso <strong>de</strong>stino e cumprimos o propósito que<br />
verda<strong>de</strong>iramente nos trouxe a Ouro Preto: seu extraordinário conjunto<br />
<strong>de</strong> <strong>igrejas</strong> setecentistas, entre as quais se encontram algumas das mais<br />
belas <strong>de</strong> todo o Brasil. E elas são apenas uma parte do rico acervo <strong>de</strong>ssa<br />
urbe singular, sempre impregnada <strong>de</strong> um clima especial, embora muitos<br />
não consigam senti-lo em plenitu<strong>de</strong>. Mas eu, apaixonado terminal, ando<br />
sempre por aqui.<br />
Cida<strong>de</strong>s Históricas autênticas são aquelas cuja antiguida<strong>de</strong><br />
preservada forma um conjunto harmonioso e consistente. Quer dizer,<br />
você po<strong>de</strong> extrair as mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>s circundantes que o conjunto<br />
permanece vivo. Elas têm uma característica muita especial. Sinto nelas<br />
um doce e persistente cheiro <strong>de</strong> cravo e <strong>de</strong> canela. Claro que essa<br />
sensação <strong>de</strong>ve ser mero produto <strong>de</strong> um elevo exagerado a excitar<br />
minhas narinas. Mas também po<strong>de</strong> ser que esse cheiro emane <strong>de</strong><br />
antigos sons <strong>de</strong> glória e <strong>de</strong> sofrimento que o tempo fermentou e<br />
transformou em odores. Mais certo mesmo é que seja a exalação <strong>de</strong><br />
poeiras e <strong>de</strong> mofos; caprichosa e lentamente curti<strong>dos</strong> em porões,<br />
sacristias, frestas e gavetas. É assim com Ouro Preto: uma festa para a<br />
alma e os senti<strong>dos</strong> que atinge seu ponto alto nas tantas exuberantes<br />
construções preservadas, com <strong>de</strong>staque para suas <strong>igrejas</strong>.<br />
Como vimos, há pouco, a cida<strong>de</strong> se reparte em duas paróquias.<br />
A praça Tira<strong>de</strong>ntes as divi<strong>de</strong> com clareza. Do lado oci<strong>de</strong>ntal está a<br />
paróquia do Ouro Preto com sua matriz do Pilar erguida numa baixada<br />
ao lado do ribeirão, hoje um filete <strong>de</strong> água suja. Do lado oposto se<br />
170
espalha a paróquia <strong>de</strong> Antônio Dias e sua matriz <strong>de</strong> Nossa Senhora da<br />
Conceição. Da praça, buscando posição estratégica frente <strong>às</strong> ruas que<br />
nela vão dar, se po<strong>de</strong> ver praticamente todas as principais <strong>igrejas</strong> da<br />
nossa Vila Rica. No círculo turístico, vale dizer no perímetro urbano<br />
mais central, elas somam as duas matrizes e mais <strong>de</strong>z <strong>igrejas</strong>. Spix e<br />
Martius as contaram corretamente. Saint-Hilaire fala em quinze ou<br />
<strong>de</strong>zesseis capelas, além das duas matrizes. Certo é que nenhuma igreja<br />
foi <strong>de</strong>molida ou construída <strong>de</strong>pois da passagem <strong>dos</strong> nossos viajantes.<br />
Na verda<strong>de</strong>, do circuito <strong>de</strong> <strong>igrejas</strong> setecentistas <strong>de</strong> Ouro Preto fazem<br />
parte, nada menos do que vinte e quatro templos, incluindo aqueles<br />
localiza<strong>dos</strong> em distritos. 141 Os roteiros turísticos espalha<strong>dos</strong> por aí,<br />
costumam fazer confusão com elas, misturando nomes, invertendo<br />
fatos. Algumas têm acesso um tanto difícil mas aqui vale a advertência<br />
que fizemos quando chegamos: locomover-se a pé é fundamental pois<br />
tudo tem que ser visto nos <strong>de</strong>talhes, inclusive os caminhos. Vamos<br />
examinar pelo menos, as principais <strong>de</strong>las. Mas antes, como não po<strong>de</strong>ria<br />
<strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser e com razão, vamos tratar um pouco <strong>dos</strong> dois gênios da<br />
arte mineira do século XVIII, respeita<strong>dos</strong> por críticos <strong>de</strong> todo o<br />
mundo e responsáveis em gran<strong>de</strong> parte, por nosso barroco religioso ser<br />
o que é: Aleijadinho e Ataí<strong>de</strong>.<br />
Antônio Francisco Lisboa nasceu, viveu e morreu em Vila Rica.<br />
O nascimento se <strong>de</strong>u em 1738 e a morte em 1814, ou seja apenas dois<br />
anos antes da visita <strong>de</strong> Sait-Hilaire que, no geral, achava o barroco<br />
mineiro grotesco e seus pintores como vimos, autênticos borradores. 142<br />
Dos seus setenta e seis anos, em cerca da meta<strong>de</strong> o Aleijadinho<br />
carregou a doença que o mutilou mas não impediu que continuasse<br />
exercendo o seu talento genial. 143 Misteriosas e polêmicas têm sido as<br />
teorias sobre as causas do seu mal, sendo a mais comum aquela que o<br />
141 Tomo a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> incluir aqui um templo, cuja construção atual começou,<br />
efetivamente no século XIX mas que é injusto abstrair do roteiro <strong>de</strong> visitação <strong>de</strong><br />
Ouro Preto e que é a igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula .<br />
142 Interessante notar que foi outro francês – Germain Bazin - curador honorário do<br />
Museu do Louvre, quem revelou a obra do Aleijadinho além fronteiras do Brasil,<br />
consi<strong>de</strong>rando-o um <strong>dos</strong> mais geniais escultores <strong>de</strong> to<strong>dos</strong> os tempos.<br />
143 Segundo Bretas ele adoeceu em 1777, ou seja, com trinta e nove anos.<br />
171
consi<strong>de</strong>rava portador <strong>de</strong> sífilis, que aliás era doença usual no interior <strong>de</strong><br />
<strong>Minas</strong> nos séculos XVIII e XIX. Burton ouviu uma versão <strong>de</strong> que a sua<br />
doença teria sido causada por uma droga que ele teria tomado para<br />
aguçar a sua criativida<strong>de</strong> e que <strong>de</strong>u um efeito colateral arrasador. Esta<br />
versão foi registrada também por Saint-Hilaire que inclusive, po<strong>de</strong> ter<br />
sido a fonte <strong>de</strong> referência para o diplomata inglês. Como vimos, o sábio<br />
francês passou em Vila Rica apenas dois anos após a morte do<br />
Aleijadinho. De toda sorte, sabe-se que essa história era contada sem<br />
segre<strong>dos</strong>, por uma vizinha do nosso incomum mulato e era corrente na<br />
Ouro Preto do século XIX. Bretas repete a história em seu artigo sobre<br />
o Aleijadinho e i<strong>de</strong>ntifica a droga como sendo uma tal <strong>de</strong> cardina. 144<br />
O aprendizado do Aleijadinho é um tanto misterioso, pelo<br />
menos a ponto <strong>de</strong> explicar a grandiosida<strong>de</strong> da sua capacida<strong>de</strong> como<br />
escultor e arquiteto. É certo que ele estudou com José Coelho Noronha<br />
e João Gomes Batista e certamente recebeu <strong>de</strong> seu pai os primeiros<br />
ensinamentos do ofício <strong>de</strong> construir <strong>igrejas</strong>. Porém, o seu estilo não<br />
parece ter sido influenciado diretamente por nenhum <strong>dos</strong> seus<br />
instrutores. Na verda<strong>de</strong> ele, com a capacida<strong>de</strong> iluminada que tinha,<br />
parece ter extrapolado os limites do seu ambiente, assimilado tudo que<br />
pu<strong>de</strong>sse acrescentar alguma lasca no seu enorme po<strong>de</strong>r criador,<br />
processando cada uma das contribuições que recebeu e <strong>de</strong>volvido tudo<br />
isso ao mundo na forma <strong>de</strong> obras intrigantes. Aleijadinho não inventou<br />
uma linguagem arquitetônica ou escultórica nem é o pai do rococó em<br />
<strong>Minas</strong> Gerais mas a sua obra forma um conjunto peculiar,<br />
extremamente harmônico e homogêneo, i<strong>de</strong>ntificando um estilo<br />
marcante. É possível apontar obras em estilo semelhante ao seu e que o<br />
prece<strong>de</strong>ram. Algumas <strong>de</strong>ssas relações são claras como com a igreja <strong>de</strong><br />
N. S. do Bom Sucesso <strong>de</strong> Caeté cuja fachada certamente o influenciou,<br />
como já mencionamos. Bazin foi quem reforçou a possibilida<strong>de</strong> do<br />
Aleijadinho ter participado na elaboração <strong>de</strong> altares nessa igreja, como<br />
aprendiz <strong>de</strong> Noronha. 145 Também aparece como possível orientador <strong>de</strong><br />
Antônio Francisco Lisboa, o cunhador <strong>de</strong> moedas português João<br />
Gomes Batista que bem po<strong>de</strong> ter ensinado ao nosso mulato genial a<br />
arte <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhar e executar finos <strong>de</strong>talhes. Esse po<strong>de</strong> ter sido um<br />
144 Publicado originalmente em 1858 no Correio Oficial <strong>de</strong> <strong>Minas</strong>.<br />
145 O Aleijadinho - Germain Bazin.<br />
172
aprendizado fundamental à consolidação do estilo rococó do mestre,<br />
evi<strong>de</strong>nte principalmente no entalhe das barbas, cabelos e dobras <strong>de</strong><br />
teci<strong>dos</strong> que ele fazia com inigualável <strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za. Comparem os <strong>de</strong>talhes<br />
das <strong>de</strong>lgadas curvas do Aleijadinho com as das figuras robustas <strong>de</strong><br />
Miguelangelo. É aí que está toda a essência da diferença entre nossas<br />
imagens barrocas e as estátuas do renascimento e é por isso que os<br />
mestres do rococó mineiro fizeram <strong>de</strong> materiais macios como a ma<strong>de</strong>ira<br />
e a pedra sabão sua matéria prima fundamental, diferentemente <strong>dos</strong><br />
mestres do renascimento ou do barroco europeu com seus duros<br />
mármores e granitos. As esculturas <strong>dos</strong> profetas do Santuário <strong>de</strong><br />
Congonhas até po<strong>de</strong>m parecer grosseiras e contrariar essa afirmativa,<br />
porém não <strong>de</strong>vemos esquecer que, nessa fase, o mestre já tinha sido<br />
muito maltratado por sua doença e que também os materiais usa<strong>dos</strong><br />
foram muito <strong>de</strong>sgasta<strong>dos</strong> pelas intempéries e pelo passar <strong>dos</strong> anos e os<br />
finos cortes do entalhe original certamente não têm hoje o seu traço<br />
primitivo. Nesse caso não se <strong>de</strong>ve esquecer também que a quase<br />
totalida<strong>de</strong> das figuras <strong>dos</strong> profetas foram esculpidas por aprendizes do<br />
Atelier <strong>de</strong> Aleijadinho e não por ele pessoalmente.<br />
A formação do artesão é relativamente clara, nem tanto porém<br />
em relação à formação do criador. É certo que o estilo do mestre <strong>de</strong><br />
Vila Rica é singular e marcante mas ele certamente não estava solto no<br />
tempo e no espaço, tirando arte <strong>de</strong> uma cartola mágica. Suas fontes <strong>de</strong><br />
referência po<strong>de</strong>m ser discretamente rastreadas até o Rio <strong>de</strong> Janeiro e daí<br />
até Portugal. Existe notável semelhança <strong>de</strong> seu traço com figuras <strong>de</strong><br />
estátuas portando tochas <strong>de</strong> lampadóforos <strong>de</strong> origem portuguesa<br />
reproduzi<strong>dos</strong> no livro <strong>de</strong> Bazin. O primeiro <strong>de</strong>les, <strong>de</strong> 1724 <strong>de</strong> autor<br />
<strong>de</strong>sconhecido, está na Coleção <strong>de</strong> Ernesto Vilhena em Lisboa. Outro<br />
esculpido em 1737, está no mosteiro <strong>de</strong> São Bento no Rio <strong>de</strong> Janeiro. A<br />
semelhança das figuras <strong>de</strong>ssas peças com as personagens do Aleijadinho<br />
é impressionante: <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a expressão, passando pelas dobras da roupa,<br />
até a posição do pé, guarnecido com as mesmas botas <strong>de</strong> tantas das suas<br />
imagens. Certamente se essas obras se encontrassem em algum canto da<br />
região <strong>de</strong> <strong>Minas</strong>, seriam facilmente atribuídas a Antônio Francisco<br />
Lisboa. Há também obras <strong>de</strong> escultores portugueses que trabalharam<br />
no Rio e <strong>de</strong>pois em Vila Rica que lembram o traço do mestre. 146 É<br />
146 O já citado Francisco Xavier <strong>de</strong> Brito é apontado também como tendo sido um<br />
<strong>dos</strong> mestres do Aleijadinho e <strong>de</strong> fato seu “Cristo Alado” da igreja do Mosteiro <strong>de</strong> São<br />
Francisco do Rio <strong>de</strong> Janeiro lembra muito as obras do nosso artista maior mas, se esse<br />
173
muito provável que o Aleijadinho tenha visitado as <strong>igrejas</strong> do Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro durante sua ida a esta cida<strong>de</strong> em 1776 e tenha tido ali algumas<br />
i<strong>de</strong>ia inspiradoras. Mas ele extrapolou tudo isso e parece ter viajado<br />
pelo Oriente e a Europa, freqüentado algum atelier especial, visitado<br />
museus e monumentos por todo o mundo. Enfim, assim são mesmo os<br />
gênios: não há razão suficiente que explique a origem da sua capacida<strong>de</strong><br />
criativa. 147<br />
Infelizmente o vida do Aleijadinho está marcada não só pela sua<br />
obre incomum mas também pela doença que amaldiçoou gran<strong>de</strong> parte<br />
da sua existência. A doença <strong>de</strong>formante e mutiladora foi contraída em<br />
1777, ou seja quando ele tinha trinta e nove anos. Até hoje não se sabe<br />
muito bem o que era aquilo. Cronistas antigos falam que seu mal era<br />
seqüela da “Zamparina”, doença contagiosa que teria grassado na<br />
capitania naquele tempo.<br />
As obras <strong>de</strong> Antônio Francisco Lisboa se espalham por <strong>igrejas</strong><br />
<strong>de</strong> Ouro Preto, Congonhas, Sabará, São João <strong>de</strong>l Rei, Nova Lima, 148 etc<br />
e há peças no Museu da Inconfidência e no próprio museu do<br />
Aleijadinho, anexo à matriz <strong>de</strong> Antônio Dias, todas elas invariavelmente<br />
dignas <strong>de</strong> admiração. Os restos mortais do mestre estariam hoje sob um<br />
<strong>dos</strong> altares <strong>de</strong>sta matriz. Em 1937, Afonso Arinos <strong>de</strong> Melo Franco<br />
ouviu do então prefeito municipal <strong>de</strong> Ouro Preto que no local on<strong>de</strong>,<br />
segundo a tradição, estavam os restos do Aleijadinho; foram<br />
encontra<strong>dos</strong> apenas três tíbias e porções <strong>de</strong> cabelos e que havia uma<br />
série <strong>de</strong> restos humanos superpostos no entorno. Na verda<strong>de</strong>, parece<br />
que o Altar da Boa Morte da Matriz <strong>de</strong> Antônio Dias era uma cova<br />
coletiva que foi acumulando restos mortais ao longo <strong>dos</strong> anos. Ao pé<br />
do altar está uma tumba com o nome <strong>de</strong> Antônio Francisco Lisboa<br />
estampado, mas se nela existem hoje restos ti<strong>dos</strong> como sendo<br />
relacionamento duvi<strong>dos</strong>o aconteceu, foi muito nos primórdios da sua formação pois<br />
quando Xavier <strong>de</strong> Brito morreu, o Aleijadinho tinha apenas treze anos. De qualquer<br />
forma a referência é importante pois ele era português e po<strong>de</strong> muito bem ter visto os<br />
tais lampadóforos ou outras obras da mesma fonte.<br />
147 Bazin chega e insinuar, discretamente, a hipótese <strong>de</strong> que ele pu<strong>de</strong>sse ter<br />
visitado Portugal na adolescência.<br />
148 Na Matriz <strong>de</strong> Nova Lima, como já dissemos, encontram-se algumas peças<br />
retiradas das ruínas da Capela <strong>de</strong> Jaguará.<br />
174
efetivamente do mestre, eles po<strong>de</strong>m ter sido escolhi<strong>dos</strong> um tanto<br />
aleatoriamente. 149 Em sendo assim, não se recomenda verter lágrimas<br />
apaixonadas diante do dito túmulo. Melhor regozijar-se com tantas<br />
maravilhosas criações autenticamente do Aleijadinho, espalhadas pela<br />
cida<strong>de</strong>. a começar pela extraordinária fachada da vizinha igreja <strong>de</strong> São<br />
Francisco.<br />
Manuel da Costa Ataí<strong>de</strong>, o outro genial artista do barroco<br />
mineiro, a exemplo do seu colega arquiteto e escultor, também nasceu<br />
e morreu na mesma cida<strong>de</strong>, agora a vizinha Mariana on<strong>de</strong> viu a luz pela<br />
primeira vez em 1762 e fechou os olhos pela última vez, em 1830.<br />
Portanto, apesar <strong>de</strong> saudável durante toda a vida, viveu menos do que o<br />
Aleijadinho. Também, proporcionalmente, produziu menos do que ele.<br />
Parece que Ataí<strong>de</strong> não apreciava muito trabalhar em andaimes tendo<br />
<strong>de</strong>clinado <strong>de</strong> trabalhar nas alturas da igreja do Carmo <strong>de</strong> Ouro Preto<br />
por achar que a remuneração não compensava o risco para si e seus<br />
ajudantes. De qualquer forma enfrentava essa barra e é nas suas<br />
pinturas <strong>de</strong> tetos que po<strong>de</strong>mos contemplar suas obras mais marcantes.<br />
O mestre marianense, por outro lado, não se <strong>de</strong>dicou à sua arte com a<br />
mesma obsessão do Aleijadinho, tendo parte do seu tempo <strong>de</strong>dicado<br />
também à carreira militar e outra ao magistério. Ele se i<strong>de</strong>ntificava<br />
como branco, solteiro, vivendo do ofício <strong>de</strong> pintor e gostava <strong>de</strong> ser<br />
chamado <strong>de</strong> professor. Nosso amado mestre, inclusive tentou em 1818,<br />
criar uma escola <strong>de</strong> arte em Mariana e escreveu à Coroa pedindo<br />
autorização. Sequer mereceu resposta, mesmo porque àquela época, d.<br />
João VI ultimava preparativos para implantar a Escola Nacional <strong>de</strong><br />
Belas Artes no Rio <strong>de</strong> Janeiro conforme projeto da famosa missão<br />
francesa que aqui aportou em 1816, repleta <strong>dos</strong> neoclassicismos que<br />
vieram tomar o lugar do nosso barroco moribundo. Ataí<strong>de</strong> contudo,<br />
ignorante disto tudo, se conformou e continuou pintando os seus tetos.<br />
As obras <strong>de</strong> Ataí<strong>de</strong> também estão espalhadas por vários locais.<br />
No Caraça, como já comentamos, se encontra sua conhecida tela da<br />
Santa Ceia, havendo ainda algumas peças duvi<strong>dos</strong>as no Museu da<br />
Inconfidência, atribuídas a ele. Dele se louva especialmente a habilida<strong>de</strong><br />
149 Cabe observar que, volta e meia os tais restos do Aleijadinho são exuma<strong>dos</strong> para<br />
pesquisas sobre as causas da sua doença. Sejamos céticos porém, se tais pesquisas<br />
concluírem que ele nunca foi doente.<br />
175
em arranjar tons e sobre-tons produzindo as tais cores “valentes e<br />
insabidas”, 150 a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> criar os efeitos ilusórios tão ao gosto da<br />
época, a riqueza criativa na composição das cenas e a ousadia pictórica,<br />
criando figuras idiossincráticas nacionais como a tal virgem da<br />
Porciúncula mulata e feminina. 151<br />
O mestre é freqüentemente enquadrado como “pintor rococó”.<br />
É claro que ele gostava <strong>de</strong> achatar e recortar nuvens e <strong>de</strong> dispor suas<br />
figuras em curvas e arcos insistentes, além <strong>de</strong> emoldurá-las por<br />
profusão <strong>de</strong> conchea<strong>dos</strong>, mas essa é uma rotulação excessivamente<br />
acadêmica pois ele <strong>de</strong>slizou pelo barroco com uma <strong>de</strong>senvoltura <strong>de</strong><br />
Fred Astaire e excedia em habilida<strong>de</strong> artesanal os requisitos técnicos da<br />
pintura estritamente rococó, pautada por exageros <strong>de</strong>corativos muito<br />
limitadores para os pintores realmente geniais como Ataí<strong>de</strong>. Num certo<br />
aspecto ele nasceu na época errada, mas se virou como po<strong>de</strong>,<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte que era do gosto “sofisticado” das ricas irmanda<strong>de</strong>s que<br />
pagavam pela arte das <strong>igrejas</strong>, talvez único mercado <strong>de</strong> trabalho para os<br />
artistas <strong>de</strong> então.<br />
Meu caro, se você quiser entrar no céu ainda em vida,<br />
contemple os forros das naves ou capelas das <strong>igrejas</strong> <strong>de</strong> São Francisco<br />
<strong>de</strong> Assis <strong>de</strong> Ouro Preto, Rosário <strong>dos</strong> Pretos <strong>de</strong> Mariana, matrizes <strong>de</strong><br />
Santo Antônio <strong>de</strong> Ouro Branco, 152 Santa Bárbara e Itaverava. Não sei se<br />
pela mão <strong>de</strong> Ataí<strong>de</strong> no céu entrar você vai conseguir, mas na porta<br />
seguramente vai chegar. Cores e perspectivas habilmente combinadas,<br />
mexendo luzes e espaços: Ataí<strong>de</strong> estreitou o infinito e o colocou sobre<br />
nossas cabeças.<br />
Muito pouco se sabe também do aprendizado do singular pintor<br />
<strong>de</strong> Mariana. Uma das poucas referências é que o autor <strong>de</strong> algumas<br />
figuras <strong>de</strong> teto <strong>de</strong> <strong>igrejas</strong>, especialmente da região <strong>de</strong> Mariana, João<br />
150 Na concepção <strong>de</strong> Carlos Drumonnd <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> e do próprio Ataí<strong>de</strong>.<br />
151 Ataí<strong>de</strong> não se casou mas teve quatro filhos com Maria do Carmo Raimunda da<br />
Silva mulata que, acredita-se, tenha sido o mo<strong>de</strong>lo da virgem do teto da nave da igreja<br />
<strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Ouro Preto.<br />
152 O mestre repetiu no teto da capela mor <strong>de</strong>sta igreja a mesma figura da virgem<br />
mulata da Porciúcula <strong>de</strong> São Francisco o que reforça a possibilida<strong>de</strong> do mo<strong>de</strong>lo ter<br />
sido mesmo a Maria do Carmo Raimunda da Silva, como insinuamos na nota acima.<br />
Já em Itaverava, preferiu representar Nossa Senhora <strong>de</strong> cabelos louros, soltos em<br />
caprichosa onda, cercada <strong>de</strong> anjinhos igualmente louros.<br />
176
Batista <strong>de</strong> Figueiredo, teria sido um <strong>dos</strong> seus mestres ou pelo menos<br />
servido <strong>de</strong> referência.<br />
Ataí<strong>de</strong> gostava <strong>de</strong> pesquisar a satisfação <strong>de</strong> seus clientes<br />
perguntando se eles estavam tão satisfeitos com a sua obra quanto ele<br />
com o valor do pagamento recebido. 153 Enfim, como o mestre assinou<br />
na Santa Ceia do Caraça: “Athaí<strong>de</strong> fes (sic) em 1824” e... para sempre.<br />
Tendo sabido algumas ligeiras coisas a respeito <strong>dos</strong> dois maiores<br />
artistas do barroco religioso mineiro, passemos ao objeto da sua<br />
genialida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> tantos outros mestres notáveis que no seu conjunto,<br />
são os responsáveis maiores pelo nosso magnífico acervo religioso<br />
setecentista.<br />
Contabilizamos nada menos do que vinte e quatro templos em<br />
Ouro Preto. São eles: matriz <strong>de</strong> N. S. do Pilar, matriz <strong>de</strong> N. S. da<br />
Conceição <strong>de</strong> Antônio Dias, capela <strong>de</strong> N. S. do Rosário <strong>dos</strong> Par<strong>dos</strong> do<br />
Padre Faria, capela <strong>de</strong> São João Batista do Ouro Podre, igreja <strong>de</strong> Santa<br />
Efigênia <strong>dos</strong> Pretos do Alto da Cruz, igreja <strong>de</strong> Bom Jesus das Flores do<br />
Taquaral, igreja <strong>de</strong> São Miguel e Almas/Bom Jesus <strong>de</strong> Matosinhos,<br />
igreja do Carmo, igreja <strong>de</strong> N. S. do Rosário <strong>dos</strong> Pretos, igreja <strong>de</strong> N. S.<br />
das Mercês e Misericórdia, igreja <strong>de</strong> N. S. das Mercês e Perdões, igreja<br />
<strong>de</strong> São José, capela do Bonfim do Alto das Cabeças, capela <strong>de</strong> Santana,<br />
igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula, capela <strong>de</strong> N. S. da Pieda<strong>de</strong> do Ouro<br />
Podre, igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Assis, capela <strong>de</strong> São Sebastião do<br />
Ouro Podre, matriz <strong>de</strong> N. S. <strong>de</strong> Nazaré e igreja <strong>de</strong> N. S. das Dores do<br />
Distrito <strong>de</strong> Cachoeira do Campo, matriz <strong>de</strong> São Bartolomeu, matriz <strong>de</strong><br />
Santo Antônio <strong>de</strong> Glaura, matriz <strong>de</strong> N. S. <strong>dos</strong> Prazeres do distrito <strong>de</strong><br />
Lavras Novas, igreja <strong>de</strong> São Gonçalo do distrito <strong>de</strong> Amarantina.<br />
A maioria <strong>dos</strong> templos <strong>de</strong> Ouro Preto foi tombada pelo IPHAN<br />
em 1939, exceto a igreja do Carmo, a capela <strong>de</strong> São João Batista, a igreja<br />
<strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Assis e a matriz <strong>de</strong> Cachoeira do Campo que foram<br />
tombadas no ano anterior. A capela <strong>de</strong> Santana e a matriz <strong>de</strong> Nazaré<br />
foram tombadas em 1949, a matriz <strong>de</strong> São Bartolomeu em 1960 e a<br />
matriz <strong>de</strong> Glaura em 1964. As <strong>igrejas</strong> <strong>de</strong> Lavras Novas e Amarantina<br />
não são tombadas.<br />
153 Como se sabe que os artistas embelezadores <strong>de</strong> <strong>igrejas</strong> do século XVII, eram<br />
muito mal remunera<strong>dos</strong>, fica a dúvida se o mestre estava ou não ironizando.<br />
177
Matriz <strong>de</strong> Nossa S. da Conceição <strong>de</strong> Antônio Dias - 1727<br />
A matriz da paróquia <strong>de</strong> Antônio Dias domina <strong>de</strong> forma<br />
imponente, toda a área da baixada entre o morro da atual praça<br />
Tira<strong>de</strong>ntes e os altos <strong>de</strong> Santa Efigênia. A construção atual, com data <strong>de</strong><br />
1727, substituiu a antiga capela erigida pelo próprio Antônio Dias logo<br />
que chegou à região em 1699. Embora tenha sofrido muitas alterações<br />
em sua fachada original, é uma igreja que mantem os traços típicos das<br />
matrizes da primeira fase do barroco. Seu aspecto externo no geral é<br />
simples e o adro acaba numa escadaria que <strong>de</strong>sce até uma espécie <strong>de</strong><br />
jardim com fonte e tudo mais. O frontispício é emoldurado por colunas<br />
salientes apoiadas sobre pedras. A base das torres é num plano<br />
ligeiramente recuado e os cunhais seguem o mesmo padrão das colunas.<br />
A porta está enquadrada em robustas ombreiras <strong>de</strong> pedra com adornos<br />
simplifica<strong>dos</strong> na parte superior. Há um óculo cruciforme e envidraçado<br />
no alto e duas sacadas com guarda-corpo <strong>de</strong> ferro nas laterais. Abaixo<br />
está um medalhão extemporâneo com as armas do império. Há duas<br />
aberturas seteiras superpostas na base <strong>de</strong> cada torre. A cimalha é<br />
saliente, coberta <strong>de</strong> telhas e faz uma pequena curvatura para contornar<br />
o óculo. O frontão é alto e robusto com arremates em curva nas laterais<br />
e dois pináculos em cima, la<strong>de</strong>ando uma pequena cruz em resplendor.<br />
As torres são quadradas, com cantos chanfra<strong>dos</strong>, cobertas por cúpulas<br />
irregulares achatadas e com pináculos <strong>de</strong>lga<strong>dos</strong> nas pontas, arremata<strong>dos</strong><br />
por pequenas esferas. O risco é atribuído ao pai do Aleijadinho, Manuel<br />
Francisco Lisboa.<br />
O interior é profusamente <strong>de</strong>corado, ao gosto da primeira fase,<br />
com muita talha e pintura. Rivaliza-se com a suntuosida<strong>de</strong> <strong>de</strong> outras<br />
gran<strong>de</strong>s matrizes do primeiro quarto do setecentos como a <strong>de</strong> Sabará e<br />
a <strong>de</strong> São João <strong>de</strong>l Rei. Possui uma ampla nave com oito altares laterais e<br />
tribunas com janelões para arejar as costas <strong>dos</strong> bens nasci<strong>dos</strong> que as<br />
freqüentavam. Elas avançam sobre o arco cruzeiro e o coro e mostram<br />
pinturas emolduradas no fundo. Infelizmente o douramento <strong>dos</strong> altares<br />
está bastante <strong>de</strong>scorado. Dois se encostam no transepto e os <strong>de</strong>mais se<br />
espalham pela nave. Parecem módulos in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes encrava<strong>dos</strong> nas<br />
pare<strong>de</strong>s. O arco cruzeiro é imponente, em pedra, formando colunas <strong>de</strong><br />
fuste e capitel retilíneos. No centro há uma tarja <strong>de</strong>lgada que vai à<br />
cornija e avança até uma gran<strong>de</strong> coroa sustentada por anjos. Não há<br />
pintura no teto da nave mas apenas um adorno em volta da base <strong>de</strong><br />
sustentação do lustre. Tem forma abobadada e se embute além da<br />
178
cornija. O altar mor, obra do tio <strong>de</strong> Aleijadinho, Antônio Francisco<br />
Pombal, é em <strong>dos</strong>sel clássico franjado com anjos abrindo o cortinado.<br />
Tem colunas torsas nas laterais e dois nichos competentes encima<strong>dos</strong><br />
por baldaquinos, abrigando belas imagens quase tão gran<strong>de</strong>s quanto a<br />
do orago. Acima <strong>dos</strong> capitéis das colunas estão dois fragmentos <strong>de</strong><br />
arquitrave que apoiam o <strong>dos</strong>sel. O trono é alto, em <strong>de</strong>graus abaula<strong>dos</strong>,<br />
sustentando a gran<strong>de</strong> imagem <strong>de</strong> N. S. da Conceição. O camarim é<br />
ricamente <strong>de</strong>corado com baixos-relevos. Há tribunas nas laterais do<br />
presbitério e entre elas há muitos <strong>de</strong>talhes <strong>de</strong>corativos, misturando<br />
relevos e pinturas. O teto da capela mor é <strong>de</strong>corado com pinturas<br />
suaves, mostrando os doutores da igreja e adornos em relevo.<br />
Os altares da nave também ten<strong>de</strong>m ao <strong>dos</strong>sel, graças aos<br />
baldaquinos existes no coroamento das colunas. Mostram farta talha <strong>de</strong><br />
motivos fito e zoomorfos com colunas torsas, anjos, nichos e tronos<br />
em forma <strong>de</strong> cântaro, típicos do primeiro quarto do século XVIII.<br />
Seguramente são anteriores à introdução das quartelas <strong>de</strong> Xavier <strong>de</strong><br />
Brito. Do lado direito <strong>de</strong> quem entra estão os altares <strong>de</strong> N. S. da Boa<br />
Morte, on<strong>de</strong> estariam os tais restos do Aleijadinho; N. S. do Rosário,<br />
São Gonçalo e São Miguel Arcanjo. Do lado contrário estão os altares<br />
<strong>de</strong> São José, São Sebastião, Santo Antônio e Sagrado Coração <strong>de</strong> Jesus.<br />
Os púlpitos ten<strong>de</strong>m para as linhas retas e têm bases muito<br />
discretas. O coro é reto e se sustenta em duas colunas em arco que se<br />
ligam <strong>às</strong> pare<strong>de</strong>s <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> se dobrarem num ângulo discreto.<br />
No vestíbulo há duas gran<strong>de</strong>s pias <strong>de</strong> água benta <strong>de</strong> pedra e no<br />
batistério encontra-se uma razoável pintura <strong>de</strong> são João Batista.<br />
Trabalharam no templo entre outros, o pintor José Martins e o<br />
dourador Manuel Gonçalves.<br />
Nos fun<strong>dos</strong> da igreja está o Museu do Aleijadinho on<strong>de</strong> se<br />
encontram várias <strong>de</strong> suas obras, inclusive o único retrato conhecido do<br />
escultor e que o representa como um típico mulato <strong>de</strong> cabelo carapinha<br />
<strong>de</strong>vidamente espichado e com as mãos disformes ocultas sob luvas ou<br />
ataduras. É pouco provável que a figura retrate mesmo o nosso<br />
Antônio Francisco Lisboa. Po<strong>de</strong> eventualmente, até se parecer com ele<br />
mas seguramente ele não posou para o retrato. Parece muito alegórico<br />
com os traços mulatos excessivamente caricatos e as mãos mutiladas<br />
tão postas em <strong>de</strong>staque.<br />
A matriz <strong>de</strong> Antônio Dias abrigava uma infinida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Irmanda<strong>de</strong>s no século XVIII, entre elas: Santíssimo Sacramento, N. S.<br />
da Conceição, Par<strong>dos</strong> da N. S. da Boa Morte, São Miguel e Almas, São<br />
179
Gonçalo, Santo Antônio, São Sebastião, Rosário da <strong>de</strong>voção do terço,<br />
São Francisco <strong>de</strong> Paula.<br />
Matriz <strong>de</strong> N. S. do Pilar - 1733<br />
A matriz da Paróquia do Ouro Preto é consi<strong>de</strong>rada a segunda<br />
igreja mais rica do Brasil tendo sido gastos perto <strong>de</strong> quatrocentos quilos<br />
<strong>de</strong> ouro no douramento da sua talha e mais tantos na prata das peças do<br />
sacro serviço. Praticamente não tem adro e o templo surge<br />
atravancando a passagem bem no meio da rua. Começou a ser<br />
construída em 1720 e foi inaugurada em 1733 para o que se organizou<br />
a famosa celebração do Triunfo Eucarístico que durou vários dias e<br />
mostrou com enorme ostentação, a riqueza daquela época <strong>de</strong> vacas<br />
gordas quando o quinto gerava folgadas cem arrobas <strong>de</strong> ouro à fazenda<br />
real. Os atos fúnebres pela morte <strong>de</strong> d. João V também foram aí<br />
realiza<strong>dos</strong>, do que há material alusivo no Museu Sacro <strong>de</strong> imagens e<br />
pratarias, anexo à matriz. Os treze anos que foram gastos na sua<br />
construção po<strong>de</strong>m ser consi<strong>de</strong>ra<strong>dos</strong> um recor<strong>de</strong> insuperável para uma<br />
igreja setecentista mineira. Talvez por isso acabou sendo construída<br />
sobre bases frágeis e cerca <strong>de</strong> noventa anos <strong>de</strong>pois teve que passar por<br />
reformas substanciais. Saint-Hilaire, com suas costumeiras contradições<br />
em relação <strong>às</strong> <strong>igrejas</strong> mineiras, 154 confessou que a igreja do Pilar era, “no<br />
geral bastante bonita”. Completou que as pinturas eram “passáveis”,<br />
muito acima do padrão da província. Atribuiu essa certa superiorida<strong>de</strong><br />
ao fato <strong>de</strong> que os pintores do Pilar tinham vindo diretamente <strong>de</strong><br />
Portugal, posto que os locais eram os tais “miseráveis borradores”. Não<br />
obstante os discretos elogios do sábio francês, por ocasião <strong>de</strong> sua visita<br />
o templo se encontrava em lamentável estado <strong>de</strong> conservação, tanto<br />
154 A sensação que se tem é que o sábio francês ficou um tanto perplexo diante da<br />
nossa arte religiosa barroca, emocionalmente gostando mas racionalmente<br />
repudiando. Afinal, como po<strong>de</strong>ria uma certa arte do interior do Brasil seduzir um<br />
legítimo <strong>de</strong>positário <strong>de</strong> boa porção da gloriosa cultura francesa. Convém não esquecer<br />
que o ano em que Saint Hilaire aportou no Brasil foi o mesmo da chegada da famosa<br />
“Missão Francesa” que, sob patrocínio real, veio fincar as bases do neoclassicismo em<br />
nosso país, <strong>de</strong>limitando uma cruel e brusca ruptura entre a arte colonial do século<br />
XVIII e a arte imperial do século XIX. Isso duraria um século e resultaria que o<br />
magnífico conjunto barroco da praça Tira<strong>de</strong>ntes em Ouro Preto viesse dar lugar ao<br />
neoclassicismo requentado do conjunto da praça da Liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Belo Horizonte,<br />
construído poucos anos antes do advento da Semana da Arte Mo<strong>de</strong>rna.<br />
180
que alguns anos <strong>de</strong>pois em 1826, ele passou por uma verda<strong>de</strong>ira<br />
reconstrução. Consta que a reconstrução das torres estaria inteiramente<br />
concluída em 1852, mas Burton registrou em sua visita a Ouro Preto<br />
em 1867, que as torres estavam “meio acabadas”, o que nos permite<br />
após singelo exercício aritmético, concluir que só a reforma das torres<br />
consumiu mais tempo do que toda a construção do templo original.<br />
O projeto arquitetônico é do sargento-mor Pedro Gomes<br />
Chaves <strong>de</strong> quem pouco sabemos. A igreja foi edificada em taipa pouco<br />
sólida do que resultou o edifício ter passado por várias ameaças <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>sabamento ao longo <strong>dos</strong> anos o que obrigou <strong>às</strong> tais obras <strong>de</strong><br />
reconstrução em princípio do século XIX, que mencionamos.<br />
A distribuição arquitetônica é convencional com vestíbulo,<br />
nave, capela mor e corredores laterais que ligam à sacristia no andar<br />
térreo e ao consistório no andar superior. Acima do vestíbulo está o<br />
coro, muito espaçoso e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da nave. Tanto o piso do<br />
vestíbulo quanto o do coro são <strong>de</strong> pedra.<br />
O altar mor é do nosso notável Francisco Xavier <strong>de</strong> Brito,<br />
tendo trabalhado ainda na igreja em obras <strong>de</strong> entalhe nos altares laterais,<br />
José Coelho <strong>de</strong> Noronha, José Martins Lisboa e Antônio Francisco<br />
Pombal - o tio do Aleijadinho - e ainda João Carvalhais nas pinturas<br />
ilusionistas do teto da nave. O altar <strong>de</strong> Xavier <strong>de</strong> Brito é uma referência<br />
e nele estão as colunas em quartelas, tão usadas na segunda fase do<br />
nosso barroco e uma das suas características mais marcantes. É em<br />
<strong>dos</strong>sel clássico com a Santíssima Trinda<strong>de</strong> num plano mais elevado,<br />
sobressaindo-se os resplendores do Espírito Santo. O trono que<br />
sustenta a N. S. do Pilar é relativamente baixo, em camadas e talha<br />
branca e dourada. As colunas externas são <strong>de</strong>lgadas e torsas e as<br />
internas são as tais colunas em quartelas que, a partir daí, se espalharam<br />
por altares em to<strong>dos</strong> os cantos da capitania. Entre elas há falsos nichos<br />
com figuras <strong>de</strong> anjos. Na capela mor se <strong>de</strong>stacam ainda as pinturas<br />
laterais representando os quatro evangelistas no plano superior e as<br />
quatro estações no plano inferior. No centro do barrete está a<br />
representação da última ceia. No teto da nave, reto e com relevos<br />
artesoa<strong>dos</strong> estão representadas cenas do antigo testamento atribuídas a<br />
Carvalhais e também a Bernardo Pires que, portanto, são os tais que<br />
Saint-Hilaire consi<strong>de</strong>rou melhores que os borradores da terra.Tanto a<br />
nave quando a capela mor estão guarnecidas <strong>de</strong> tribunas com guardacorpo<br />
<strong>de</strong> jacarandá torneado que permitem uma bela visão do interior<br />
do templo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> um plano mais elevado. A igreja do Pilar oferece a<br />
181
vantagem <strong>de</strong> ter uma boa infraestrutura turística que permite ao<br />
visitante percorrer praticamente todas as suas <strong>de</strong>pendências, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />
museu na sacristia até as escadarias das torres.<br />
Embora tenha sido construída na primeira meta<strong>de</strong> do<br />
setecentos, a fachada é típica <strong>de</strong> uma transição para a última fase,<br />
combinando elementos das velhas matrizes com os templos das<br />
irmanda<strong>de</strong>s opulentas. Isso se explica pelo fato <strong>de</strong> que a fachada que<br />
hoje se vê não é a original tendo sido introduzida como parte das obras<br />
<strong>de</strong> reconstrução do templo já citadas, realizadas em mea<strong>dos</strong> do século<br />
XIX. 155 Há colunas e cunhais <strong>de</strong> cantaria e quatro janelões na parte<br />
principal do frontispício e na parte inferior <strong>de</strong> sustentação das torres,<br />
emoldura<strong>dos</strong> e com cimalhinhas simples <strong>de</strong> pedra. As colunas centrais<br />
são salientes e <strong>de</strong> forma arredondada. Há um óculo irregular<br />
envidraçado na parte principal da fachada e um segundo óculo menor<br />
cruciforme vazando no frontão. Este é em formato irregular com<br />
baixos relevos simples <strong>de</strong> massa <strong>de</strong> alvenaria e uma pequena cruz no<br />
topo. A cimalha é simples e se curva para contornar o óculo. As torres<br />
são altas, retangulares e sustentam uma cúpula piramidal achatada e<br />
irregular com o topo servindo <strong>de</strong> base a pináculos convencionais.<br />
Na nave chama a atenção a largura <strong>dos</strong> espaços laterais,<br />
guarneci<strong>dos</strong> <strong>de</strong> balaustradas em frente aos altares. Do alto das tribunas<br />
se po<strong>de</strong> perceber com clareza, a forma elíptica das pare<strong>de</strong>s internas da<br />
nave, estruturadas em ma<strong>de</strong>ira.<br />
O arco cruzeiro apresenta um gran<strong>de</strong> medalhão com anjos e<br />
uma coroa no alto e fileiras <strong>de</strong> buquês doura<strong>dos</strong> em suas colunas. A<br />
cornija é discreta com leves saliências e uma pintura suave imitando<br />
mármore. A nave apresenta seis altares, sendo que dois <strong>de</strong>les estão<br />
atravessa<strong>dos</strong> em cada lado do arco cruzeiro, quebrando os ângulos do<br />
transepto. São genericamente em <strong>dos</strong>sel e colunas em quartelas<br />
profusamente entalhadas.<br />
Os púlpitos, também profusamente entalha<strong>dos</strong>, apresentam<br />
figuras <strong>de</strong> anjos na base e são guarneci<strong>dos</strong> com baldaquinos. São os<br />
mais suntuosos <strong>de</strong> todas as <strong>igrejas</strong> setecentistas mineiras.<br />
Na sacristia encontra-se um belíssimo arcaz on<strong>de</strong> está um<br />
oratório em ma<strong>de</strong>ira natural, obra atribuída ao Aleijadinho. O teto é<br />
155 Situação semelhante ocorreu com a matriz do Pilar <strong>de</strong> São João <strong>de</strong>l Rei só que lá a<br />
<strong>de</strong>scaracterização foi mais contemporânea e a fachada atual ten<strong>de</strong> para o neoclássico,<br />
enquanto a matriz do Pilar <strong>de</strong> Ouro Preto ten<strong>de</strong> para o rococó.<br />
182
plano com molduras artesoadas, representando figuras com adornos<br />
puxa<strong>dos</strong> ao rococó. Apresenta ainda um lavabo em pedra sabão com as<br />
tradicionais figuras <strong>dos</strong> peixes entrelaça<strong>dos</strong>. Abaixo da sacristia está o<br />
museu sacro e acima está o consistório on<strong>de</strong> também existem várias<br />
imagens expostas.<br />
Assim como a matriz <strong>de</strong> Antônio Dias, a <strong>de</strong> Ouro Preto cedia<br />
espaço para uma série <strong>de</strong> Irmanda<strong>de</strong>s, como: Santíssimo Sacramento,<br />
N. S. do Pilar, Senhor <strong>dos</strong> Passos, Almas e Santo Antônio.<br />
Capela do Rosário <strong>dos</strong> Par<strong>dos</strong> do Padre Faria - 1740<br />
A capelinha do Padre Faria é muito especial e em alguns<br />
aspectos se rivaliza com a igrejinha do Ó <strong>de</strong> Sabará. É um <strong>dos</strong> poucos<br />
templos que não po<strong>de</strong>m ser vistos <strong>dos</strong> altos da praça Tira<strong>de</strong>ntes. Fica<br />
longe mas os <strong>de</strong>sacoroçoa<strong>dos</strong> po<strong>de</strong>m tomar um ônibus na própria<br />
praça e alcançá-la sem dificulda<strong>de</strong>s. A atual construção não é a original<br />
do Padre pois data <strong>de</strong> 1740, época em que seu corpo já repousava em<br />
paz em Guaratinguetá, como vimos, e sua alma já <strong>de</strong>via estar se<br />
regozijando no céu. A capela atual foi erigida pela Irmanda<strong>de</strong> <strong>dos</strong><br />
Par<strong>dos</strong> que <strong>de</strong>pois absorveu as Irmanda<strong>de</strong>s do Bom Sucesso e do<br />
Rosário <strong>dos</strong> Brancos expulsos pela Irmanda<strong>de</strong> do Rosário <strong>dos</strong> Pretos <strong>de</strong><br />
Santa Efigênia.<br />
Seu aspecto externo é bastante singelo. Tem um pequeno adro<br />
que se alcança após uma escada e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> se passar por uma espécie<br />
<strong>de</strong> mata burro muito peculiar. Há um gran<strong>de</strong> cruzeiro à frente,<br />
ostentando a cruz papal. A capela não tem torre sendo seu sino alojado<br />
numa edificação à parte, acrescida ao conjunto um pouco mais tar<strong>de</strong>. A<br />
fachada é típica das capelas do início do século XVIII com toda a<br />
simplicida<strong>de</strong>. Constitui-se numa peça única sem cimalha e sem frontão<br />
com uma simples empena baixa, sustentando uma discreta cruz. Os<br />
cunhais são arremata<strong>dos</strong> por coruchéus que vão até a altura do topo da<br />
empena. A porta avantajada está la<strong>de</strong>ada na parte superior, por dois<br />
janelões.<br />
O aspecto atual da fachada foi restabelecido em 1940 quando o<br />
IPHAN eliminou os acréscimo e modificações introduzidas no século<br />
XIX, buscando retornar a capela ao seu formato original setecentista. A<br />
singeleza externa contrasta com a gran<strong>de</strong> riqueza interna. A capela mor<br />
é pequena mas encontrou-se espaço suficiente para a colocação <strong>de</strong> um<br />
óculo retangular único e dois quadros ricamente emoldura<strong>dos</strong> em cada<br />
uma das pare<strong>de</strong>s laterais. O altar é muito peculiar. Não há <strong>dos</strong>sel mas as<br />
183
colunas laterais não chegam a completar o arco no coroamento, sendo<br />
interrompidas por complexos fragmentos <strong>de</strong> arquitrave e consolos. As<br />
colunas torsas têm profun<strong>dos</strong> entalhes fitomorfos e há dois minúsculos<br />
nichos entre elas que abrigam são Sebastião e são João da Cruz. Há um<br />
buquê <strong>de</strong> anjos no alto do retábulo. O camarim é espaçoso, com rica<br />
<strong>de</strong>coração <strong>de</strong> talha e adornos policroma<strong>dos</strong>. O trono é relativamente<br />
simples e ostenta a imagem <strong>de</strong> N. S. do Rosário. Ao pé do trono está a<br />
N. S. do Parto, postada sobre o sacrário. O teto ostenta uma<br />
competente pintura em complexas perspectivas arquitetônicas,<br />
lembrando um pouco as pinturas <strong>de</strong> José Soares <strong>de</strong> Araújo em <strong>igrejas</strong><br />
da região <strong>de</strong> Diamantina, porém mais luminosa. O arco cruzeiro é<br />
simples e ostenta um medalhão coroado, sustentado por anjos<br />
sorri<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> boca carmim e <strong>de</strong>ntes à mostra, graciosamente<br />
assenta<strong>dos</strong> sobre a cornija simples e <strong>de</strong>ntilhada que contorna e embute<br />
o forro da nave. No transepto estão altares dispostos obliquamente. São<br />
muito especiais. Possuem colunas torsas na parte externa, sustentando<br />
fragmentos <strong>de</strong> arquitrave. Na parte interna há entalhes <strong>de</strong> robustos<br />
consolos que não chegam a ser propriamente uma coluna. Acima está<br />
um semibaldaquino ou falso <strong>dos</strong>sel, encimado por medalhões coroa<strong>dos</strong>,<br />
sustenta<strong>dos</strong> por anjos. O altar da esquerda apresenta um nicho<br />
incomum, abaixo do trono. Nos la<strong>dos</strong>, em seus lugares usuais estão<br />
ainda dois nichos com baldaquinos. O teto da nave apresenta uma<br />
pintura <strong>de</strong>scorada que tenta inutilmente, criar efeitos <strong>de</strong> volumes<br />
arquitetônicos. Segundo consta é <strong>de</strong> 1930, executada após uma reforma<br />
que removeu o forro original. Os púlpitos são enriqueci<strong>dos</strong> por<br />
adornos doura<strong>dos</strong> e repousam sobre robustas bases em forma <strong>de</strong><br />
consolos. O coro é reto e se sustenta em pilastras coladas nas laterais.<br />
Sob ele há um forro artesoado mas sem pinturas. A sacristia tem o piso<br />
lajeado e dispõe <strong>de</strong> um lavabo <strong>de</strong> pedra, adornado com um mascarão.<br />
Uma singularida<strong>de</strong>: a Capela do Santíssimo fica <strong>de</strong>baixo do altar mor<br />
com acesso pela sacristia.<br />
Igreja <strong>de</strong> Santa Efigênia do Alto da Cruz - 1733<br />
A igreja da Irmanda<strong>de</strong> do Rosário <strong>dos</strong> Pretos fica situada na<br />
parte elevada do morro que separava o arraial do Padre Faria do <strong>de</strong><br />
Antônio Dias. É a tal que Burton comparou estranhamente a uma<br />
Frankenstein ameaçador. Do seu adro tem-se uma das mais belas visões<br />
<strong>de</strong> Ouro Preto, do lado leste da cida<strong>de</strong>. Para alcançá-lo é necessário<br />
galgar uma imponente escadaria <strong>de</strong> pedras. Reza a tradição que o<br />
184
templo foi construído com ouro <strong>dos</strong> escravos, especialmente da Mina<br />
do Chico Rei. A Irmanda<strong>de</strong> foi constituída em 1717 na freguesia da N.<br />
S. da Conceição, a paróquia <strong>de</strong> Antônio Dias. A data <strong>de</strong> referência da<br />
construção do templo é 1733, portanto mesmo ano do Triunfo<br />
Eucarístico que marcou a inauguração da matriz do Pilar. Seu aspecto<br />
exterior é <strong>de</strong> soli<strong>de</strong>z, lembrando um estabelecimento militar. A parte<br />
principal do frontispício é <strong>de</strong>limitada por duas colunas. Estão em níveis<br />
diferentes e sustentam uma cimalha rasa que se curva no centro para<br />
contornar um semióculo irregular envidraçado com uma moldura <strong>de</strong><br />
pedra e que repousa sobre um bonito nicho on<strong>de</strong> está a imagem do<br />
orago do templo. Ao lado estão duas sacadas com balaustradas <strong>de</strong> ferro<br />
e molduras e cimalhinhas <strong>de</strong> pedra. A porta é simples com adornos<br />
romanos na trave superior e sólidas ombreiras, lembrando um pouco<br />
coisas do barroco italiano. O frontão é irregular e sustenta uma cruz<br />
sobre esferas com discretos resplendores. A moldura lembra também,<br />
traços italianos, com volutas discretas e robustas nas laterais. As torres<br />
são altas e ostentam arremates arredonda<strong>dos</strong> <strong>de</strong> pedra nas quinas. As<br />
cúpulas são esféricas e chatas, repousam sobre uma base saliente com o<br />
mesmo traçado da cimalha e terminam com pináculos com pontas<br />
esféricas. Abaixo há dois falsos relógios com os números grava<strong>dos</strong> em<br />
círculos <strong>de</strong> pedra. Manuel Francisco Lisboa esteve presente na<br />
construção do templo, po<strong>de</strong>ndo ter sido o autor do projeto<br />
arquitetônico.<br />
O exterior <strong>de</strong>sta igreja tem uma importância especial pois<br />
extrapola o mo<strong>de</strong>lo das fachadas da primeira meta<strong>de</strong> do século,<br />
incorporando elementos barrocos a outros elementos tipicamente<br />
rococós que só iriam se consolidar nos templos mineiros, cerca <strong>de</strong> trinta<br />
anos <strong>de</strong>pois. 156 Junto com a matriz <strong>de</strong> Caeté mostra a trajetória da<br />
mudança sedimentada na parte final do século e ilustra como essa<br />
mudança fluiu das mãos do pai do Aleijadinho para ele, que muito bem<br />
soube revigorar enormemente os ensinamentos que recebeu. Há,<br />
contudo, quem acredite que Manuel Francisco Lisboa tenha sido apenas<br />
empreiteiro e fornecedor <strong>de</strong> materiais, que pouco contribuiu para o<br />
embelezamento <strong>de</strong>sta igreja e que a “mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>” da sua fachada foi<br />
fruto <strong>de</strong> modificações gradativas, visando melhorá-la <strong>de</strong> acordo com a<br />
moda predominante em cada época. Em assim sendo, reforça-se a tese<br />
<strong>de</strong> que a fachada da matriz <strong>de</strong> Caeté foi mesmo obra <strong>de</strong> Bracarena.<br />
156 A concha invertida que sustenta a abóbada do nicho é rococó clássico.<br />
185
O altar mor é em <strong>dos</strong>sel clássico com anjos abrindo o cortinado<br />
e tudo mais. Acima do arco do retábulo está o medalhão coroado,<br />
sustentado por mais anjos. Não há propriamente colunas, mas sim<br />
fragmentos <strong>de</strong> consolos entalha<strong>dos</strong> em motivos fitomorfos. Há dois<br />
nichos com baldaquinos e o trono é simples, estruturado em <strong>de</strong>graus<br />
largos e retos. O teto da capela mor, em forma <strong>de</strong> barrete, exibe<br />
pinturas em perspectivas, <strong>de</strong>stacando a figura do papa negro com<br />
barrete frígio. Há muitos entalhes nas laterais cujas pare<strong>de</strong>s estão<br />
rasgadas por tribunas com balaústres. Entre elas há pinturas com<br />
molduras ricamente entalhadas. Existem ainda duas portas com verga<br />
adornada com fragmentos <strong>de</strong> arquitrave.<br />
Os altares do transepto estão fixa<strong>dos</strong> num ângulo incomum,<br />
sendo a parte que se encosta na pare<strong>de</strong> da nave maior do que a parte<br />
que se encosta na pare<strong>de</strong> do arco cruzeiro. Este é simples, <strong>de</strong> pedra<br />
com belos capitéis adorna<strong>dos</strong> com acantos. Há um gran<strong>de</strong> medalhão<br />
segurado por anjos no coroamento.<br />
Os primeiros altares não têm <strong>dos</strong>sel mas apenas um arco<br />
trabalhado, acima <strong>dos</strong> quais dois anjos levitam com a coroa. As colunas<br />
externas são torsas e não há propriamente colunas internas mas sim<br />
fragmentos <strong>de</strong> consolos. Existem ainda dois pequenos nichos com<br />
baldaquinos.<br />
Os dois altares seguintes, seguramente mais recentes, são em<br />
<strong>dos</strong>sel clássico, encima<strong>dos</strong> por altos espaldares adorna<strong>dos</strong> com coroa e<br />
anjos. Há <strong>de</strong>lgadas pilastras em quartela na parte interna e colunas<br />
torsas na parte externa.<br />
As pinturas estão bastante <strong>de</strong>scoradas assim como os retábulos<br />
que já exibem a ma<strong>de</strong>ira natural predominando sobre fragmentos do<br />
antigo douramento.<br />
Os púlpitos repousam sob consolos robustos em pedra e a<br />
cimalha é simples e <strong>de</strong>ntilhada.<br />
O coro é reto, guarneci<strong>dos</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>lga<strong>dos</strong> balaústres e sustentado<br />
por um arco complexo, apoiado nas pare<strong>de</strong>s sob umas espécies <strong>de</strong><br />
consolos.<br />
O altar mor e os dois altares perto <strong>dos</strong> púlpitos são atribuí<strong>dos</strong> a<br />
ao gran<strong>de</strong> Francisco Xavier <strong>de</strong> Brito.<br />
O teto da sacristia é artesoado, enquadrando variadas pinturas,<br />
<strong>de</strong>stacando-se os pés bailarinos <strong>de</strong> são João Batista. Segundo os guias<br />
turísticos, quando você se movimenta em torno do quadro, os pés o<br />
acompanham variando o ângulo inicial <strong>de</strong> visão.<br />
186
No final do século XIX o templo passou por famigera<strong>dos</strong><br />
trabalhos <strong>de</strong> repintura que muito <strong>de</strong>scaracterizou as ilustrações<br />
primitivas. Houve uma tentativa <strong>de</strong> restauração por volta <strong>de</strong> 1960, sem<br />
contudo ter se conseguido reaver os traços originais, restando pois os<br />
resquícios da tentativa frustrada.<br />
A <strong>de</strong>speito das irmanda<strong>de</strong>s não se enten<strong>de</strong>rem muito bem, ou<br />
talvez por isso mesmo, existem muitos traços comuns entre esta igreja<br />
e a capela do Padre Faria. De resto ela é sem dúvida, uma das mais ricas<br />
<strong>igrejas</strong> <strong>de</strong> irmanda<strong>de</strong> <strong>de</strong> pretos do século XVIII.<br />
Igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Assis – 1766<br />
A igreja da Irmanda<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Ouro Preto é tida<br />
unanimemente, como um <strong>dos</strong> mais belos templos do Brasil, criação<br />
representativa da melhor expressão <strong>dos</strong> gênios <strong>de</strong> Aleijadinho e Ataí<strong>de</strong>.<br />
Junto com a vizinha igreja do Carmo formam o mais extraordinário<br />
acervo religioso setecentista por metro quadrado do país. Ambas<br />
representam o que <strong>de</strong> melhor a última fase do barroco mineiro po<strong>de</strong><br />
proporcionar aos nossos olhos. Tudo nela está repleto <strong>de</strong> <strong>de</strong>talhes<br />
especiais, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o frontispício até a sacristia. A fachada i<strong>de</strong>alizada e<br />
executada pelo Aleijadinho é extremamente original e coroa o ápice do<br />
talento do mestre, num <strong>de</strong>senho que ele já vinha amadurecendo anos<br />
antes, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a igreja <strong>de</strong> São João Batista <strong>de</strong> Barão <strong>de</strong> Cocais, passando<br />
pela Carmo <strong>de</strong> Sabará e que consolidaria na vizinha igreja do Carmo e<br />
repetiria na São Francisco <strong>de</strong> São João <strong>de</strong>l Rei. Há registros <strong>de</strong> que ele<br />
teria trabalhado na fachada durante muitos anos e que a teria<br />
modificado <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> já a ter dado por concluída. O primeiro <strong>de</strong>talhe a<br />
salientar é a posição das torres que não ficam no mesmo alinhamento<br />
do corpo principal da fachada mas sim um pouco recuadas. Essa<br />
solução dá à base das mesmas uma autonomia que é ainda mais<br />
salientada pelas colunas redondas <strong>de</strong> pedra que valorizam o próprio<br />
corpo principal. No centro <strong>de</strong>ssas colunas está a magnífica portada,<br />
la<strong>de</strong>ada por belas ombreiras e encimada por profusa talha em pedra<br />
sabão tendo dois anjos nas laterais e acima o medalhão <strong>de</strong> são<br />
Francisco no Monte Alverne. O frontão como dito, é extremamente<br />
original e, na situação inversa do que ocorre com a base das torres,<br />
quase não se distingue o limite entre ele e o corpo principal do<br />
frontispício a não ser pela cimalha que contorna o medalhão. Ao lado<br />
há dois pesa<strong>dos</strong> adornos <strong>de</strong> pedra <strong>de</strong> inspiração renascentista,<br />
repousando sobre as colunas que ultrapassam a cimalha para lhes dar<br />
187
sustentação. Na parte central do frontão está a base da cruz <strong>de</strong> Lorena<br />
com duas piras <strong>dos</strong> la<strong>dos</strong>. As torres recuadas são cilíndricas e cobertas<br />
por cúpulas no mesmo formato, arrematadas em pináculos singelos.<br />
O interior é uma festa <strong>de</strong> harmonia <strong>de</strong> sóbrios espaços<br />
monocromáticos com as profusas cores <strong>de</strong> Ataí<strong>de</strong> e os entalhes do<br />
Aleijadinho. No teto da nave está a famosa pintura da virgem mulata,<br />
tendo aos pés um rei David tocando humil<strong>de</strong> harpa e <strong>dos</strong> la<strong>dos</strong>, as tais<br />
colunas que cutucam o infinito. Nas cantoneiras do teto da nave, em<br />
planos distintos do painel principal, estão as figuras <strong>dos</strong> quatro<br />
doutores da igreja, tão estima<strong>dos</strong> pelos pintores setecentistas mineiros.<br />
Emoldurando todo o painel estão salientes cornijas com pintura<br />
imitando mármore.<br />
O altar mor do Aleijadinho é relativamente sóbrio, com pouca<br />
talha dourada. Tem um trono em forma piramidada com a imagem <strong>de</strong><br />
N. S. da Conceição tendo são Francisco à frente. Nas laterais há dois<br />
nichos com imagens <strong>de</strong> roca, um tanto ou quanto impie<strong>dos</strong>as. Não há<br />
propriamente um <strong>dos</strong>sel mas sim uma espécie <strong>de</strong> medalhão,<br />
transbordando figuras da Santíssima Trinda<strong>de</strong>. Os altares laterais são<br />
consi<strong>de</strong>ra<strong>dos</strong> inferiores ao conjunto da igreja. São em <strong>dos</strong>sel com<br />
sanefas e foram executa<strong>dos</strong> por Vicente Alves da Costa sobre um risco<br />
original do Aleijadinho. Há quem acredite que eles tenham sido<br />
piora<strong>dos</strong> por modificações feitas já no século XIX. De fato são rústicos<br />
e <strong>de</strong>stoantes. Na parte alta da nave, acima <strong>dos</strong> altares, estão gran<strong>de</strong>s<br />
janelões envidraça<strong>dos</strong>. É interessante observar que as molduras <strong>de</strong>sses<br />
janelões são em formatos varia<strong>dos</strong>.<br />
No teto da nave há também diversos medalhões com esculturas<br />
<strong>de</strong> santos e uma figura <strong>de</strong> anjo no centro. Vários artistas trabalharam<br />
na ornamentação da capela mor. Há registro <strong>de</strong> trabalhos <strong>de</strong><br />
douramento e pinturas <strong>de</strong> João Batista <strong>de</strong> Figueiredo; como dito, tido<br />
por alguns como mestre <strong>de</strong> Ataí<strong>de</strong> ou pelo menos, como um autor cuja<br />
obra o influenciou. Também po<strong>de</strong>m ser vistos painéis imitando azulejo,<br />
pinta<strong>dos</strong> por Ataí<strong>de</strong> nas pare<strong>de</strong>s laterais da capela mor, com as famosas<br />
passagens da vida <strong>de</strong> Abrão. Ele também trabalhou na policromia do<br />
retábulo. No alto das pare<strong>de</strong>s laterais do presbitério po<strong>de</strong>m ser vistos,<br />
entre painéis em forma <strong>de</strong> medalhão, dois gran<strong>de</strong>s óculos <strong>de</strong> perfil<br />
cruciforme. Os púlpitos do Aleijadinho estão apoia<strong>dos</strong> no arco cruzeiro<br />
o que também é uma rarida<strong>de</strong> já que em geral, eles costumam ficar nas<br />
laterais da nave. Dizem que o cônego Luiz Vieira da Silva, nosso douto<br />
inconfi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Mariana e festejado orador foi quem fez o primeiro<br />
188
sermão, inaugurando os famosos púlpitos. O arco da entrada da nave é<br />
valorizado por molduras em cantaria em voltas originais. O coro está<br />
sobre o vestíbulo, avança sobre a nave e ostenta um guarda-corpo leve.<br />
Ao lado há pinturas sobre medalhões semelhantes aos que se<br />
encontram no lado oposto da nave e na capela mor. No teto do<br />
vestíbulo há uma pintura em bom rococó. Não há tribunas 157 e duas<br />
portas laterais dão acesso à sacristia ricamente <strong>de</strong>corada, contendo<br />
inclusive um lavabo especial criado por Aleijadinho e o tradicional arcaz<br />
<strong>de</strong> jacarandá. Há um quadro <strong>de</strong> santo Ivo que, segundo a lenda, é na<br />
verda<strong>de</strong> um retrato <strong>de</strong> Cláudio Manuel da Costa travestido <strong>de</strong> santo. 158<br />
Esta teria sido uma providência urdida pela família para poupar a tela<br />
da <strong>de</strong>struição ou <strong>de</strong> ser incluída no seqüestro <strong>de</strong> bens perpetrado pela<br />
Coroa sobre o que sobrou do saque <strong>às</strong> suas casas, como vimos. De fato,<br />
nosso poeta pertenceu à fina flor da elite <strong>de</strong> Vila Rica o que<br />
obrigatoriamente passava pelo privilégio <strong>de</strong> fazer parte da Irmanda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
São Francisco <strong>de</strong> Assis. 159<br />
Assistimos a uma cerimônia na igreja num sábado à noite,<br />
simpática apesar da música <strong>de</strong>stoar miseravelmente do ambiente o que<br />
157 A nobre e elitista Or<strong>de</strong>m Terceira <strong>de</strong> São Francisco não era uma irmanda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
pessoas diferentes mas sim <strong>de</strong> irmãos iguais, posto que, infinitamente superiores ao<br />
resto da plebe. Daí porque se dispensar as tribunas, tradicionais espaços reserva<strong>dos</strong><br />
aos mais bem favoreci<strong>dos</strong> pela sorte, tão comum, especialmente nas matrizes.<br />
158 Essa história, contada por Augusto <strong>de</strong> Lima Jr., não tem muita credibilida<strong>de</strong> nos<br />
dias <strong>de</strong> hoje.<br />
159 Segundo ainda Augusto <strong>de</strong> Lima Jr., Cláudio Manuel da Costa teve gran<strong>de</strong><br />
influência na construção da igreja mas houve preocupação sistemática <strong>dos</strong> inimigos do<br />
poeta em ocultar esse fato, inclusive com <strong>de</strong>struição <strong>de</strong> documentos. Sabe-se que<br />
nosso infeliz inconfi<strong>de</strong>nte teve muita dificulda<strong>de</strong> em ser admitido na Irmanda<strong>de</strong>, não<br />
só porque era filho <strong>de</strong> um simples comerciante, como também porque vivia<br />
maritalmente com uma negra. Sua admissão só se <strong>de</strong>u <strong>de</strong>vido a ele ser rico e famoso,<br />
inclusive com obras publicadas e admiradas em Portugal. Certamente isso <strong>de</strong>ixou<br />
seqüelas e não fica dúvida que alguns membros mais conservadores e influentes da<br />
irmanda<strong>de</strong> nunca tenham engolido isso, tanto que ao morrer, sob a infame suspeita <strong>de</strong><br />
suicídio, como vimos; teve sua missa fúnebre rezada na matriz pública do Pilar e não<br />
na sua igreja <strong>de</strong> São Francisco. Isso tudo é muito significativo pois sugere que os<br />
inimigos do dr. Cláudio da Irmanda<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Francisco, aceitaram a versão do<br />
suicídio, ao contrário da comunida<strong>de</strong>, como um todo.<br />
189
nos fez lamentar não ter ocorrido naquela noite, o resgate <strong>de</strong> alguma<br />
peça da sabidamente competente música setecentista mineira. Mas não<br />
me incomo<strong>de</strong>i muito, absorto que estava com o teto <strong>de</strong> Ataí<strong>de</strong>.<br />
Na seqüência fizemos um tardio passeio pela cida<strong>de</strong> <strong>de</strong>serta,<br />
escura e em silêncio. Ao passarmos em frente à Casa <strong>dos</strong> Contos<br />
tivemos a clara sensação <strong>de</strong> ouvir os mesmos passos que naquele local,<br />
a duzentos e poucos anos atrás, prece<strong>de</strong>ram o possível irmão Lourenço<br />
do Caraça, <strong>de</strong>vidamente embuçado, em direção à rua Direita, em busca<br />
da casa do dr. Diogo Ribeiro Pereira <strong>de</strong> Vasconcelos, para avisar<br />
comprometedoramente <strong>de</strong> que a inconfidência havia sido <strong>de</strong>latada e a<br />
caça <strong>às</strong> bruxas ia começar.<br />
Na volta do passeio, já tar<strong>de</strong> buscando tropegamente nosso<br />
hotel, passamos novamente em frente à igreja <strong>de</strong> São Francisco e a<br />
contemplamos mais uma vez, agora iluminada apenas pelo luar. Meu<br />
irmão, não existe criação mais genial em toda a histórica arquitetônica<br />
brasileira, seja <strong>de</strong> que século for!<br />
Igreja <strong>de</strong> N. S. do Carmo – 1766<br />
Do lado do Museu da Inconfidência está a outra gran<strong>de</strong> obraprima<br />
da última fase do barroco mineiro, monumento também a<br />
glorificar os gênios <strong>de</strong> Antônio Francisco Lisboa e Manuel da Costa<br />
Ataí<strong>de</strong>. Falo da igreja da outra po<strong>de</strong>rosa irmanda<strong>de</strong> <strong>dos</strong> bem nasci<strong>dos</strong>: a<br />
igreja <strong>de</strong> N. S. do Carmo. Faz parte do seleto grupo das mais belas<br />
<strong>igrejas</strong> do Brasil e é talvez o mais fotografado monumento <strong>de</strong> Ouro<br />
Preto graças ao belo efeito que proporciona, ao flanco do igualmente<br />
belo edifício do museu.<br />
Tive a felicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estar em Ouro Preto num domingo <strong>de</strong><br />
manhã e ouvir o criativo e festeiro toque do sino do majestoso templo,<br />
espetáculo hoje ten<strong>de</strong>ndo à rarida<strong>de</strong>. Está erigida em posição<br />
privilegiada no local da antiga capela <strong>de</strong> Santa Quitéria, <strong>de</strong> frente para o<br />
antigo arraial do Ouro Preto. O risco original é <strong>de</strong> Manuel Francisco<br />
Lisboa que morreu logo após entregá-lo, o que obrigou seu iluminado<br />
filho a processar as alterações pedidas pela irmanda<strong>de</strong>. Aqui o pai do<br />
nosso amado mulato coroou sua carreira, bem aproveitando seu<br />
aprendizado adquirido na matriz <strong>de</strong> Caeté e na igreja <strong>de</strong> Santa Efigênia<br />
do Vira e Saia, da vizinha paróquia do Antônio Dias. A construção do<br />
templo é muito bem documentada e historiada. Seus arquivos nos<br />
fornecem amplo e interessante material <strong>de</strong> como as construções das<br />
<strong>antigas</strong> <strong>igrejas</strong>, especialmente aquelas patrocinadas por irmanda<strong>de</strong>s<br />
190
po<strong>de</strong>rosas, eram melindrosa e minuciosamente acompanhadas através<br />
<strong>de</strong> auditorias técnicas fundamentadas em perícias e contraperícias. A<br />
construção do templo correu praticamente em paralelo ao da vizinha<br />
São Francisco <strong>de</strong> Assis com alguns artistas revezando obras em uma e<br />
outra. Uma rarida<strong>de</strong> a ser registrada é que o risco do altar mor é <strong>de</strong><br />
Ataí<strong>de</strong> que fez também douramento <strong>de</strong> altares e pintou o camarim do<br />
altar da sacristia. Segundo os entendi<strong>dos</strong>, o estilo que nosso pintor<br />
setecentista maior imprimiu no risco do altar mor é <strong>de</strong> um rococó<br />
original, parecido com o do norte <strong>de</strong> Portugal. O retábulo apresenta<br />
colunas retas, apoiadas sobre consolos com estrias mistas, retas em<br />
cima e onduladas na parte inferior. O arco é franjado com um<br />
medalhão e conchea<strong>dos</strong> doura<strong>dos</strong> no contorno. O trono é em forma<br />
<strong>de</strong> pirâmi<strong>de</strong> com <strong>de</strong>graus retos e discretos adornos. O camarim é<br />
amplo, apresenta figuras pintadas e um medalhão gravado no teto. As<br />
tribunas da capela mor são muito especiais, emolduras por imponentes<br />
arcos <strong>de</strong> pedra que também se abrem para a nave. As imagens laterais<br />
do altar mor são <strong>de</strong> roca representando santo Elias e santa Tereza. Há<br />
ainda imagens <strong>de</strong> roca nos nichos <strong>dos</strong> altares laterais.<br />
Existem painéis <strong>de</strong> azulejos nos barra<strong>dos</strong> da capela mor o que é uma<br />
rarida<strong>de</strong> nas <strong>igrejas</strong> mineiras. Eles po<strong>de</strong>m ter servido <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lo para as<br />
competentes imitações que Ataí<strong>de</strong> fez no templo <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong><br />
Assis. Nosso pintor sacro maior influenciou muito no projeto da igreja<br />
do Carmo. Deixou documentos escritos dando dicas para a <strong>de</strong>coração<br />
da igreja, inclusive <strong>de</strong>saconselhando o douramento das cornijas,<br />
justificando que seria gasto muito dinheiro para pouco efeito. A<br />
execução do altar mor ficou a cargo do entalhador Vicente Alves da<br />
Costa, o mesmo <strong>dos</strong> altares laterais da igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Assis,<br />
já mencionado. O Aleijadinho trabalhou nos altares <strong>de</strong> N. S. da Pieda<strong>de</strong><br />
e <strong>de</strong> São João, no arco cruzeiro e segundo alguns autores, fez o risco do<br />
lavabo da sacristia, executado por Francisco <strong>de</strong> Lima Cerqueira outro<br />
competente artífice setecentista. 160 Seu discípulo Justino Ferreira <strong>de</strong><br />
Andra<strong>de</strong> é responsável pela execução <strong>de</strong> alguns <strong>dos</strong> altares laterais e<br />
<strong>dos</strong> magníficos púlpitos apoia<strong>dos</strong> sobre sólidas bases em formato <strong>de</strong><br />
taças. Predomina entre eles a cor branca com frisos doura<strong>dos</strong>, com<br />
160 Sabe-se que ele fez modificações no projeto original do Aleijadinho na fachada da<br />
igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Assis <strong>de</strong> São João <strong>de</strong>l Rei. Não sabemos se fez o mesmo no<br />
projeto <strong>de</strong>sse lavabo. Na verda<strong>de</strong> é provável que o risco <strong>de</strong>sta peça seja mesmo do<br />
próprio Cerqueira, cujo talento não se rivaliza com o <strong>de</strong> Antônio Francisco Lisboa<br />
mas que, provavelmente, também não chegava a atrapalhá-lo.<br />
191
colunas retas contornadas por ramadas douradas na parte externa e<br />
quartelões na parte interna. Na parte superior <strong>dos</strong> retábulos<br />
predominam arcos rendilha<strong>dos</strong> sob sanefas com pingentes. O<br />
Aleijadinho também vez intervenções nos altares <strong>de</strong> Santa Quitéria e<br />
Santa Luzia a pedido da Irmanda<strong>de</strong> que não ficou satisfeita com o risco<br />
original. Não há nichos nos altares da neve, o que é uma rarida<strong>de</strong>.<br />
O arco cruzeiro está estruturado em pedras <strong>de</strong> corte reto e<br />
ostenta um amplo medalhão no alto, obra atribuída também ao<br />
Aleijadinho. A cornija se <strong>de</strong>stoa do resto do conjunto pela sua<br />
singeleza, parecendo que os irmãos exageraram em seguir os conselhos<br />
<strong>de</strong> Ataí<strong>de</strong> <strong>de</strong> que ela não merecia gran<strong>de</strong>s investimentos.<br />
Já encontrei referências equivocadas, <strong>de</strong> que o gran<strong>de</strong> pintor<br />
marianense teria pintado o teto da igreja do Carmo mas a pintura que<br />
hoje lá está, assim como a do teto da capela mor, foram executadas já<br />
no século XX, pelo pintor italiano Ângelo Clerici. Destoam<br />
<strong>de</strong>sagradavelmente do resto do conjunto.<br />
A sacristia localizada atrás da capela mor, além do lavabo do<br />
Aleijadinho e Lima Cerqueira, apresenta o teto adornado com um<br />
conjunto <strong>de</strong> belas pinturas rococó enquadradas em formas artesoadas e<br />
o oratório com pinturas <strong>de</strong> Ataí<strong>de</strong>. Há quem atribua também a ele as<br />
pinturas do teto. A mim, a virgem <strong>de</strong> um <strong>dos</strong> retratos parece <strong>de</strong>scarnada<br />
e excessivamente virginal, mas a qualida<strong>de</strong> das pinceladas é indiscutível.<br />
Contudo as nuvens não têm as características <strong>dos</strong> novelos <strong>de</strong> Ataí<strong>de</strong> e<br />
as cores <strong>de</strong>cididamente, não são valentes e insabidas.<br />
Destaques ainda para as interessantes colunas <strong>de</strong> pedra que<br />
sustentam o coro e as colunas das laterais do tapa vento, ambas <strong>de</strong><br />
nítida inspiração egípcia.<br />
A igreja <strong>de</strong> N. S. do Carmo <strong>de</strong> Ouro Preto, pelas suas<br />
dimensões, soli<strong>de</strong>z e localização é uma das mais imponentes <strong>igrejas</strong><br />
<strong>antigas</strong> mineiras. O projeto modificado pelo Aleijadinho, apresenta<br />
como <strong>de</strong>staques a portada, o frontão e as torres. A parte principal do<br />
frontispício é claramente distinta das bases <strong>de</strong> sustentação das torres<br />
que se encontram um pouco recuadas. Todo o conjunto é <strong>de</strong>limitado<br />
por pilastras, cunhais e um barrado <strong>de</strong> cantaria. A portada monumental<br />
do Aleijadinho é finamente trabalhada em pedra sabão com os<br />
emblemas do Carmo estampa<strong>dos</strong> acima da verga e os portais, em forma<br />
<strong>de</strong> quartelas, com fragmentos <strong>de</strong> arquitrave em cima e abundantes<br />
entalhes representando figuras <strong>de</strong>ssimétricas <strong>de</strong> conchas, volutas e<br />
192
anjos. Mais acima se abre um gran<strong>de</strong> óculo envidraçado <strong>de</strong> formato<br />
original, circundado por uma sólida e artística moldura <strong>de</strong> pedra. Ao<br />
lado estão dois janelões com balaustradas <strong>de</strong> ferro e cimalhinhas<br />
interrompidas. Há duas janelas seteiras nas laterais. A cimalha se curva<br />
para contornar o óculo. O frontão é bastante imponente, tem duas<br />
volutas <strong>de</strong> inspiração renascentista na sua parte <strong>de</strong> baixo, apoiadas<br />
sobra as colunas <strong>de</strong> cantaria que atravessam a cimalha para lhes dar<br />
sustentação. Na parte superior há uma base larga sobre a qual se apoia<br />
uma cruz em discreto resplendor, la<strong>de</strong>ada por duas espécies <strong>de</strong><br />
coruchéus finos, com estrelas. As torres são levemente curvilíneas com<br />
cantos sextava<strong>dos</strong> que se constituem em prolongamentos <strong>dos</strong> cunhais.<br />
Parecem um tanto <strong>de</strong>lgadas para a robustez do conjunto. São cobertas<br />
por cúpulas na forma <strong>de</strong> sinos arrematadas por altos e pesa<strong>dos</strong><br />
pináculos. Em toda a fachada predominam linhas horizontais levemente<br />
abauladas. Apenas as pilastras e cunhais <strong>de</strong> alvenaria são inteiramente<br />
retos.<br />
É a igreja preferida pelos turistas <strong>de</strong> Ouro Preto não só pela<br />
localização como pela vista e, sobretudo, pela sua beleza natural<br />
setecentista. É o templo que ilustra a capa do livro sobre as mais belas<br />
<strong>igrejas</strong> do Brasil, já citado.<br />
Tentei acompanhar minha mulher numa missa no templo <strong>dos</strong><br />
irmãos do Carmo numa manhã ensolarada <strong>de</strong> domingo. Mas na falta <strong>de</strong><br />
um teto <strong>de</strong> Ataí<strong>de</strong> e tendo que me contentar com a ilustração que<br />
Clerici cometeu no forro da igreja e que lembra uma folhinha mariana,<br />
preferi ficar do lado <strong>de</strong> fora reparando nos <strong>de</strong>talhes <strong>de</strong>ssimétricos da<br />
portada do Aleijadinho, enquanto esperava o fim da <strong>de</strong>morada<br />
cerimônia.<br />
Igreja das Mercês e Perdões - 1740<br />
É a famosa “Mercês <strong>de</strong> Baixo”, em contraposição à “Mercês <strong>de</strong><br />
Cima” que está ao lado do antigo palácio <strong>dos</strong> governadores, na entrada<br />
da Praça Tira<strong>de</strong>ntes.<br />
Fica nas proximida<strong>de</strong>s da igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Assis e<br />
po<strong>de</strong> ser alcançada através do adro <strong>de</strong>sta, por um portão lateral que vai<br />
dar na rua das Mercês, on<strong>de</strong> se localiza a igreja que vamos visitar agora.<br />
Está edificada num outeiro muito elevado em relação ao vale do Funil<br />
para o qual seu adro se abre tendo a pedra do Itacolomi ao longe.<br />
Como anunciamos, há uma lenda cercando a origem da construção do<br />
193
templo. Segundo ela, a igreja das Mercês e Perdões teria sido erigida por<br />
uma certa d. Branca, por volta <strong>de</strong> 1740. Com este gesto, buscava ela<br />
consolo para uma tragédia familiar ocorrida vinte anos antes e que<br />
ainda a atormentava. O infortúnio <strong>de</strong>correra do assassinato perpetrado<br />
pelo marido da pobre senhora , contra a própria filha grávida e o genro.<br />
Por conta <strong>de</strong> tão hediondo crime ele acabou sentenciado e executado,<br />
<strong>de</strong>ixando-a solta no mundo. D. Branca então resolveu refugiar seu<br />
<strong>de</strong>sconsolo na empreitada <strong>de</strong> erguer o templo. As personagens parecem<br />
ter efetivamente existido pois há registros da tragédia, inclusive pela<br />
pena do nosso con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Assumar; mas sua vinculação com a<br />
construção do templo parece um pouco exagerada. 161 Nada impe<strong>de</strong><br />
imaginar porém, que a <strong>de</strong>safortunada senhora possa ter participado<br />
ativamente da campanha para angariar fun<strong>dos</strong> para a construção,<br />
a<strong>de</strong>rindo à campanha da Irmanda<strong>de</strong> das Mercês <strong>dos</strong> Crioulos <strong>de</strong><br />
Antônio Dias que ganhou a capela primitiva que ali existia e que<br />
procurou melhorá-la ao longo <strong>dos</strong> anos.<br />
Quando visitamos o templo fomos ciceronia<strong>dos</strong> por um<br />
simpático zelador que parecia ter saído direto do próprio século XVIII<br />
e que nos permitiu percorrer as intimida<strong>de</strong>s da velha igreja, o que<br />
fizemos com curiosida<strong>de</strong> quase infantil, explorando fantásticos e<br />
impenetráveis porões <strong>de</strong> mercês e perdões.<br />
O risco da capela mor <strong>de</strong> 1775, é do nosso Antônio Francisco<br />
Lisboa que supervisionou sua construção além <strong>de</strong> esculpir as imagens<br />
<strong>de</strong> roca <strong>de</strong> são Pedro Nolasco, colocada no altar mor e <strong>de</strong> são<br />
Raimundo Nonato. 162 Há ainda um pequeno e mal conservado crucifixo<br />
atribuído a ele e que se encontra na Sacristia sobre o arcaz.<br />
161 O cônego Raimundo Trinda<strong>de</strong> vincula a iniciativa da construção a um certo padre<br />
José Fernan<strong>de</strong>s Leite cujo túmulo estaria hoje plantado no adro da Igreja. Não<br />
conseguimos, contudo, localizá-lo. Com relação ao caso da d. Branca, a semente da<br />
lenda po<strong>de</strong> ter sido um fato acontecido em 1721. Trata-se <strong>de</strong> Antônio <strong>de</strong> Oliveira<br />
Leitão que, a mando do con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Assumar foi preso e acabou <strong>de</strong>capitado na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Salvador. Sua pena <strong>de</strong>correu <strong>de</strong> vários crimes, entre eles sonegação, insolência e<br />
<strong>de</strong>sobediência ao governador e vários assassinatos, inclusive da filha e do genro.<br />
162 São Raimundo Nonato é o tradicional santo <strong>de</strong> presença obrigatória nos templos<br />
das Mercês já que foi um <strong>dos</strong> fundadores da or<strong>de</strong>m. Seu nome - conforme gostam <strong>de</strong><br />
nos informar os competentes guias <strong>de</strong>ssas <strong>igrejas</strong>, on<strong>de</strong> quer que elas se encontrem -<br />
<strong>de</strong>riva do fato <strong>de</strong>le ter nascido, em parto milagroso, minutos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> sua mãe já ter<br />
morrido. Portanto ele seria um “não nascido” ou “nonato”.<br />
194
O altar mor apresenta quatro colunas retas, apoiadas em<br />
consolos com estriais mistas, retas na parte superior e onduladas na<br />
parte inferior. As colunas internas sustentam fragmentos <strong>de</strong> arquitraves.<br />
O retábulo é em <strong>dos</strong>sel com o medalhão da or<strong>de</strong>m no alto. O trono<br />
apresenta largos <strong>de</strong>graus superpostos, sustentando a imagem da<br />
Senhora das Mercês. Possui quatro altares laterais, sob a invocação <strong>de</strong><br />
N. S. da Saú<strong>de</strong>, santo Antão, são Lourenço e santa Catarina.<br />
Apresentam colunas torsas, mais <strong>de</strong>lgadas na parte interna com arcos<br />
franja<strong>dos</strong>, encima<strong>dos</strong> por sanefas com pingentes. Há um oratório<br />
cavado na pare<strong>de</strong> lateral, próximo ao tapa vento com imagens em<br />
tamanho natural salientando o Cristo crucificado. Os púlpitos são<br />
arredonda<strong>dos</strong> e cobertos por sanefas. O arco cruzeiro é simples,<br />
coroado com o medalhão da irmanda<strong>de</strong> e encimado por uma cornija<br />
mais saliente ali do que no resto da nave. O coro avança sobre as<br />
laterais da nave e está guardado por uma balaustrada simples,<br />
alternando peças <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira e ferro. Há uma pintura no forro da nave<br />
representando N. S. das Mercês. É um tanto grosseira, parecendo coisa<br />
mais recente que <strong>de</strong>scuidou <strong>dos</strong> atributos setecentistas do templo.<br />
A sacristia é alcançada pelo corredor lateral e nela além do<br />
crucifixo, há um lavabo <strong>de</strong> pedra sabão que nosso guia atribui também<br />
ao Aleijadinho, justificando sua <strong>de</strong>ficiência técnicas <strong>de</strong>vido ao avançado<br />
estado da doença do mestre. Não encontramos qualquer outra<br />
referência que confirmasse isto, pelo que, duvidamos da veracida<strong>de</strong> da<br />
afirmação.<br />
O consistório está em cima da sacristia e contem um gran<strong>de</strong><br />
oratório. Há tribunas nas laterais da capela mor com um arco que se<br />
abre também para a nave.<br />
Interessante lembrar que foi da consulta <strong>dos</strong> velhos documentos<br />
<strong>de</strong>sta igreja que se tornou possível saber a época em que a doença do<br />
Aleijadinho se instalou pois foram encontra<strong>dos</strong> recibos data<strong>dos</strong> <strong>de</strong><br />
1777, relativos a <strong>de</strong>spesas da irmanda<strong>de</strong> com escravos contrata<strong>dos</strong> para<br />
carregar o nosso precioso Antônio Francisco Lisboa para trabalhar no<br />
templo pois ele, então, já não conseguiria se locomover sem ajuda.<br />
A construção foi lenta e só no século XIX foram concluídas as<br />
edificações das torres, chegando o templo a manter uma só torre<br />
durante muitos anos. Na verda<strong>de</strong>, a igreja foi sendo muito remendada<br />
ao longo <strong>dos</strong> anos, com avanços e recuos estilísticos e hoje apresenta<br />
um aspecto predominante <strong>de</strong> igreja da primeira meta<strong>de</strong> do século<br />
XVIII, o que não é genuíno.<br />
195
Na fachada se sobressai a robustez das torres cujas bases<br />
comprimem o frontispício. Este é quase todo ocupado pela porta<br />
avantajada com portais <strong>de</strong> pedra e verga empenada e pelo gran<strong>de</strong> óculo<br />
<strong>de</strong> formato irregular com moldura também <strong>de</strong> pedra. Entre eles há um<br />
medalhão entalhado em pedra, on<strong>de</strong> se sobressai uma coroa. Na base<br />
da torre estão duas gran<strong>de</strong>s sacadas, com guarda-corpo <strong>de</strong> ferro e<br />
moldura <strong>de</strong> pedras. As torres são altas, retas com cantos recorta<strong>dos</strong> e<br />
uma cúpula abobadada, arrematada em pontas. O frontão é original, em<br />
formas arredondadas e com uma espécie <strong>de</strong> segundo frontão na parte<br />
posterior. A parte superior é formada por um círculo que sustenta uma<br />
plataforma espaçosa on<strong>de</strong> está a cruz.<br />
O estado atual <strong>de</strong> conservação do templo é lamentável mas seus<br />
zeladores guardam a esperança <strong>de</strong> que, concluída a restauração da<br />
capela <strong>de</strong> N. S. das Dores, a Mercês <strong>de</strong> Baixo receberá os reparos que<br />
merece.<br />
Igreja das Mercês e Misericórdia – 1771<br />
A “Mercês <strong>de</strong> Cima” é a primeira igreja que o viajante que chega<br />
pela principal entrada atual da cida<strong>de</strong>, avista, à direita da boca da praça<br />
Tira<strong>de</strong>ntes. Essa igreja tem semelhanças com a “Mercês <strong>de</strong> Baixo” não<br />
só no nome e na imaginária mas também nas dificulda<strong>de</strong>s da<br />
construção que também gerou muitas adaptações e <strong>de</strong>sfigurações no<br />
projeto original. Ao que parece, ele previa duas torres em lugar da única<br />
hoje existente. Essa <strong>de</strong>scaracterização teria obrigado a ajustes no<br />
frontispício e reduções no espaço interno que <strong>de</strong>sfigurou a harmonia do<br />
coro.<br />
Sua construção foi tão <strong>de</strong>morada que uma parte ruiu e teve que<br />
ser reconstruída, mesmo antes do templo ficar pronto. Não obstante<br />
tudo isso, sua fachada tem aspecto harmonioso. As falsas bases das<br />
torres têm a mesma largura do frontispício que acaba, pelas suas<br />
diminutas dimensões, oferecendo espaço apenas para a porta. A junção<br />
do frontispício com o frontão forma uma espécie <strong>de</strong> seta cuja parte<br />
superior é uma autêntica empena. A cimalha se interrompe para<br />
permitir a livre ligação do frontispício com o frontão. A porta é cercada<br />
por uma portada <strong>de</strong> pedra com um bonito medalhão acima da verga<br />
que chegou a ser atribuído ao Aleijadinho, tal a competência da sua<br />
execução. Mas o autor é Manuel Gonçalves Bragança que executou o<br />
trabalho por volta <strong>de</strong> 1810 quando Antônio Francisco já estava muito<br />
196
<strong>de</strong>bilitado e <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> seus aprendizes par aten<strong>de</strong>r as encomendas<br />
ao seu atelier.<br />
Há dois janelões com sacadas no alto do frontispício,<br />
guarneci<strong>dos</strong> por balaustradas <strong>de</strong> alvenaria. O frontão está la<strong>de</strong>ado por<br />
dois coruchéus e a torre quadrada, brota <strong>de</strong>trás <strong>de</strong>le. A cúpula da torre<br />
singular é baixa, na forma <strong>de</strong> uma pirâmi<strong>de</strong> achatada <strong>de</strong> dois estágios.<br />
Acima está uma minúscula cruz.<br />
Dizem que no altar mor estão imagens <strong>de</strong> N. S. das Mercês e<br />
naturalmente, <strong>dos</strong> fundadores da Or<strong>de</strong>m das Mercês nossos já<br />
conheci<strong>dos</strong> são Pedro Nolasco e são Raimundo Nonato. Soubemos<br />
ainda que os altares laterais são <strong>de</strong>dica<strong>dos</strong> a santa Catarina, santo Antão,<br />
são Lourenço e N. S. da Saú<strong>de</strong>. Portanto, como não po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong><br />
ser, é a mesma imaginária da Irmanda<strong>de</strong> das Mercês <strong>de</strong> Baixo e <strong>de</strong><br />
tantas outras <strong>igrejas</strong> das Mercês, do rio das Mortes até o Tijuco. A<br />
primeira vez que visitamos a Igreja ela vinha <strong>de</strong> uma reconstrução e<br />
ainda estava fechada, apesar da dita restauração já estar concluída há<br />
vários meses. Indagando o porque disso a um passante e ele explicou<br />
que era porque ainda não tinham encontrado ninguém para tomar<br />
conta da igreja. Da segunda vez que tentamos conhecer o templo por<br />
<strong>de</strong>ntro o fato se repetiu ou seja, um ano <strong>de</strong>pois da restauração ele ainda<br />
permanecia fechado. Após a terceira tentativa <strong>de</strong>sistimos.<br />
Capela <strong>de</strong> Bom Jesus das Flores do Taquaral – 1748<br />
Fica no distrito do Taquaral, paróquia <strong>de</strong> Antônio Dias, na saída<br />
<strong>de</strong> Ouro Preto rumo a Mariana. O orago original da capela era N. S. do<br />
Pilar, passando, já no século XIX, para Bom Jesus das Flores.<br />
É semelhante à capela <strong>de</strong> N. S. da Pieda<strong>de</strong> do Morro da<br />
Queimada ou seja, a fachada apresenta praticamente uma única peça,<br />
com dois janelões com guarda-corpo <strong>de</strong> tábuas recortadas e duas<br />
capelinhas sineiras no alinhamento <strong>dos</strong> cunhais. Possui um interessante<br />
óculo em pedra <strong>de</strong> forma conchoi<strong>de</strong>, acima do qual está um nicho<br />
praticamente em ruínas. Os portais também são <strong>de</strong> pedra e emolduram<br />
uma porta almofadada, relativamente majestosa para a simplicida<strong>de</strong> do<br />
templo. A cruz no alto da cumeeira também é <strong>de</strong> pedra. A sacristia fica<br />
num cômodo ao lado e há um velho muro <strong>de</strong> pedras cercando um <strong>dos</strong><br />
la<strong>dos</strong> da construção. Do outro lado faz divisa com a casa da d. Marieta,<br />
uma senhora <strong>de</strong> oitenta e cinco anos que zela pela capela <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que era<br />
moça. Ela nos contou que há cerca <strong>de</strong> cinco anos, houve uma tentativa<br />
197
<strong>de</strong> roubo <strong>de</strong> imagens que ela conseguiu, <strong>de</strong> certa forma, evitar. Os<br />
ladrões nada levaram mas ela está praticamente cega em conseqüência<br />
do covar<strong>de</strong> espancamento <strong>de</strong> que foi vítima. 163<br />
A igreja possui três altares. O da capela mor é <strong>de</strong>dicado ao Bom<br />
Jesus, tem colunas retas sustentando um arco franjado, encimado por<br />
um medalhão da Santíssima Trinda<strong>de</strong>. Os outros dois, <strong>de</strong>dica<strong>dos</strong> a N.<br />
S. das Dores e santo Antônio, ficam encosta<strong>dos</strong> no transepto. Possuem<br />
pequenas pilastras em quartela sustentando um arco coroado por<br />
conchas invertidas. Mantêm, ainda hoje, sua policromia original com<br />
cores fortes lembrando os velhos oratórios. As pinturas <strong>dos</strong> forros<br />
estão bastante <strong>de</strong>scoradas. O da nave, emoldurada por perspectivas<br />
arquitetônicas, apresenta a figura <strong>de</strong> N. S. da Conceição pisando o<br />
Dragão. Esta pintura que foi restaurada em 1979, com remoção <strong>de</strong> uma<br />
repintura mutiladora executada em 1930. No teto da capela mor há uma<br />
pintura do mesmo estilo, representando o antigo orago do templo, N.<br />
S. do Pilar; também revelada pelo mesmo trabalho <strong>de</strong> restauração. Tem<br />
um único púlpito, guarnecido <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira e apoiado sobre uma base <strong>de</strong><br />
pedra. O coro é reto e é acessado por uma escada revestida <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira<br />
e que se apoia na pare<strong>de</strong> da própria nave. O arco cruzeiro é marcado<br />
por uma forte estrutura <strong>de</strong> pedras cortadas retas, sustentando robustos<br />
capitéis. A condição geral do templo é <strong>de</strong> quase abandono. O estado da<br />
re<strong>de</strong> elétrica oferece risco consi<strong>de</strong>rável <strong>de</strong> aci<strong>de</strong>ntes. Isso aliás é uma<br />
constante a ameaçar os nossos velhos e sofri<strong>dos</strong> templos. Alheia a tudo<br />
isso d. Marieta procura mantê-lo limpo, como po<strong>de</strong>, com a ajuda <strong>de</strong><br />
uma faxineira eventual.<br />
Igreja <strong>de</strong> N. S. do Rosário – 1762<br />
A Irmanda<strong>de</strong> do Rosário <strong>dos</strong> Pretos é uma das mais <strong>antigas</strong> <strong>de</strong><br />
Vila Rica, tendo sido fundada no longínquo ano <strong>de</strong> 1717. Sua capela<br />
primitiva se situava no local da atual igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula e<br />
foi <strong>de</strong> lá que saiu a procissão do famoso Triunfo Eucarístico <strong>de</strong> 1733,<br />
tendo a irmanda<strong>de</strong> se obrigado a construir uma estrada, hoje a rua<br />
Getúlio Vargas, abrindo uma passagem para a procissão do translado<br />
do Santíssimo Sacramento <strong>de</strong> sua capela até a igreja do Pilar.<br />
163 As imagens originais <strong>de</strong>sta igreja, representando o Senhor Bom Jesus, Sant’ Ana,<br />
N. S. das Dores e santo Antônio, hoje estão no Museu do Aleijadinho.<br />
198
Seu projeto arquitetônico, atribuído a Antônio Pereira Souza<br />
Calheiros, é um <strong>dos</strong> mais originais que se conhece entre todas as <strong>igrejas</strong><br />
mineiras, representando três círculos que se interligam formando os<br />
limites da nave, da capela mor e da sacristia. Olhando <strong>de</strong> fora, mostra<br />
<strong>de</strong> forma pitoresca o perfil <strong>de</strong> suas linhas curvas, numa solução<br />
realmente incomum. Tem uma posição imponente, plantada no centro<br />
<strong>de</strong> espaçoso terreno com um amplo adro <strong>de</strong> pedras em volta. Apresenta<br />
ainda uma entrada em galilé ou seja, com as portas precedidas por um<br />
alpendre, elemento igualmente raro nas <strong>igrejas</strong> mineiras. O risco da<br />
fachada contou também com a contribuição <strong>de</strong> Manuel Francisco <strong>de</strong><br />
Araújo.<br />
O frontispício é a parte central <strong>de</strong> uma curva que se encontra<br />
com a base das torres, também curvas mas num plano diferenciado. A<br />
porta é acessada através do tal alpendre ou galilé, com três entradas<br />
encimadas por arcos perfeitos e emolduradas em cantaria. Entre elas se<br />
erguem as pilastras, também em cantaria, que sobem até a cimalha <strong>de</strong><br />
mesmo material. Dado o plano inteiramente elíptico da fachada, não<br />
existem propriamente cunhais. Acima <strong>de</strong> cada entrada estão três sacadas<br />
com balaustradas e cimalhinhas em arco abatido. O frontão segue o<br />
plano curvo do frontispício e está emoldurado em cantaria que tem<br />
basicamente, o mesmo traço da cimalha. No topo está uma base<br />
sustentando uma cruz em discreto resplendor, com dois coruchéus <strong>dos</strong><br />
la<strong>dos</strong>. Abaixo se abre um óculo em trevo imperfeito, envidraçado e<br />
emoldurado em cantaria. As torres estão recuadas em função da curva<br />
do seu alinhamento, estando quase ocultas pelo frontão. Estão<br />
encimadas por cones relativamente baixos, arremata<strong>dos</strong> por pináculos<br />
robustos. Suas bases ostentam três pequenos óculos superpostos<br />
simetricamente ao longo da sua vertical. A porta que liga o átrio ao<br />
vestíbulo é imponente, com moldura <strong>de</strong> pedra e um medalhão sobre a<br />
verga.<br />
O interior é bastante simples, contrastando muito com a<br />
majesta<strong>de</strong> e singularida<strong>de</strong> da fachada. Há três altares na nave, dispostos<br />
ao longo da curvatura da pare<strong>de</strong>. São simplifica<strong>dos</strong>, do tipo oratório,<br />
com pouca talha e poucas imagens e com pinturas ingênuas tentando<br />
compensar a falta <strong>de</strong> volumes, porém sem sucesso. Destaque para o<br />
arco cruzeiro, estruturado em cantaria e ostentando belos capitéis. O<br />
teto da capela mor é em forma <strong>de</strong> barrete com um gran<strong>de</strong> adorno<br />
dourado no centro e pinturas suaves, representando ícones católicos<br />
envoltos em nuvens. O altar mor, em essência, é um painel<br />
199
policromado com discretos adornos no arco do retábulo e falsos nichos<br />
simplifica<strong>dos</strong>. O camarim é espaçoso e o trono é alto, estruturado em<br />
<strong>de</strong>graus, sem qualquer adorno e com a N. S. do Rosário entronada. Há<br />
tribunas no alto do presbitério. Destaque para dois anjos tocheiros nas<br />
laterais da plataforma <strong>de</strong> acesso ao altar mor e para a mesa da<br />
comunhão com <strong>de</strong>lica<strong>dos</strong> entalhes doura<strong>dos</strong>.<br />
O teto da nave é plano é tem como único adorno uns certos<br />
volteios rococó, em torno da base <strong>de</strong> sustentação do lustre.<br />
O coro é em perfil <strong>de</strong> besta e se apoia diretamente nas pare<strong>de</strong>s,<br />
sem colunas adicionais <strong>de</strong> sustentação. Os balaústres são simples<br />
tábuas recortadas. O piso da nave mistura ladrilhos com assoalho e sem<br />
dúvida, não é antigo. Os púlpitos se sustentam em bases <strong>de</strong> pedra com<br />
guarda-corpo <strong>de</strong> ferro batido, como os das varandas <strong>dos</strong> antigos<br />
casarões.<br />
A cornija é <strong>de</strong> pedra imponente, com discretas manchas que não<br />
dá pra distinguir se são resquício <strong>de</strong> pintura marmorizada ou fruto <strong>de</strong><br />
infiltrações.<br />
Há uma imagem <strong>de</strong> Santa Helena próxima a um <strong>dos</strong> altares<br />
laterais <strong>de</strong>sta igreja, atribuída ao Aleijadinho. De fato me pareceu levar<br />
jeito <strong>de</strong> obra do mestre.<br />
Durante minha visita caiu uma forte e persistente chuva que<br />
obrigou o zelador a afastar os bancos da nave para preservá-los <strong>dos</strong><br />
pingos <strong>de</strong> uma insistente e talvez centenária goteira, refratária quem<br />
sabe, <strong>às</strong> sucessivas restaurações por que passou esta igreja.<br />
Igreja Bom Jesus <strong>de</strong> Matosinhos/ São Miguel e Almas – 1778<br />
Fica situada no bairro das Cabeças, o mesmo da miserável<br />
hospedaria que abrigou Mawe e Spix e Martius no século XIX e que<br />
era a entrada principal da vila naqueles tempos. Tem algum interesse<br />
por ter podido contar com os toques inspira<strong>dos</strong> do Aleijadinho e<br />
Ataí<strong>de</strong>. Ergue-se ao fundo <strong>de</strong> uma espécie <strong>de</strong> praça, tendo o colégio<br />
Arquidiocesano como vizinho. Sua fachada tem o aspecto <strong>dos</strong> templos<br />
da fase <strong>de</strong> transição da primeira para a segunda meta<strong>de</strong> do século, o que<br />
seria um tanto tardio para a época em que foi erguida. Apresenta seus<br />
elementos básicos em traço bem comportado. O frontispício é quase<br />
quadrado e é separado da base das torres por pilastras retas <strong>de</strong><br />
alvenaria. No centro apresenta uma porta almofadada, emoldurada por<br />
uma rica portada trabalhada em pedra sabão, atribuída ao Aleijadinho e<br />
200
on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>stacam figuras das almas no purgatório. Acima está o nicho<br />
com artísticas molduras e a imagem <strong>de</strong> são Miguel Arcanjo.<br />
Os cunhais são <strong>de</strong> alvenaria, seguindo o traço das pilastras. Há<br />
duas sacadas simétricas com balaustradas, acima da portada. Uma<br />
cimalha, também <strong>de</strong> alvenaria, separa o frontispício do frontão. Este é<br />
baixo e reto, tem um óculo redondo no centro e uma cruz no acrotério.<br />
As torres são retas e pressionam o frontão interrompendo-o.<br />
Apresentam as laterais <strong>de</strong>stacadas, seguindo o alinhamento das pilastras<br />
e <strong>dos</strong> cunhais. As cúpulas são em forma <strong>de</strong> pirâmi<strong>de</strong>s achatadas em dois<br />
estágios e com pontiagu<strong>dos</strong> pináculos.<br />
O altar mor é do tipo oratório simplificado, em base branca e<br />
com uma tarja azul no coroamento. Há arreme<strong>dos</strong> <strong>de</strong> colunas e <strong>de</strong><br />
nichos com baldaquinos em forma <strong>de</strong>sagradável <strong>de</strong> funil. O trono é um<br />
amontoado <strong>de</strong> <strong>de</strong>graus sem adornos. No alto está o Jesus Crucificado à<br />
frente <strong>de</strong> resplendores e há mais um são Miguel Arcanjo em cima do<br />
sacrário. O teto é facetado e exibe um pequeno adorno rococó em seu<br />
centro. A capela mor, singularmente, é mais <strong>de</strong>spojada do que a nave.<br />
Os altares do transepto são também simplifica<strong>dos</strong>, com um arco<br />
frisado coroando o camarim. São brancos com frisos doura<strong>dos</strong> foscos:<br />
mais para suvinil do que para ouro. Apresentam pilastras em quartela na<br />
parte interna e colunas retas sem estrias, apoiadas em consolos, na parte<br />
externa. O trono é baixo, em dois <strong>de</strong>graus. Há fragmentos <strong>de</strong> arquitrave<br />
sobre as colunas externas. No coroamento do retábulo há uma espécie<br />
<strong>de</strong> baldaquino.<br />
O arco cruzeiro não ostenta qualquer adorno. O teto da nave é<br />
abobadado e possui um adorno rococó no centro, semelhante ao da<br />
capela mor.<br />
Os púlpitos não retos, brancos e repousam sobre bases <strong>de</strong><br />
pedra. A cornija é simples e curiosamente não cruza a pare<strong>de</strong> do arco<br />
cruzeiro.<br />
Além da portada com os toques do Aleijadinho, outro <strong>de</strong>talhe<br />
que valoriza esta igreja no geral singela, são as duas pinturas <strong>de</strong> Ataí<strong>de</strong><br />
numa das pare<strong>de</strong>s da nave, enquadradas em molduras empobrecidas.<br />
Uma representa a santa ceia e a outra representa a crucificação.<br />
Parecem, no entanto, obras menores do mestre <strong>de</strong> Mariana.<br />
Capela do Senhor do Bonfim - 1791<br />
Fica localizada na rua Antônio <strong>de</strong> Albuquerque à poucos passos<br />
da igreja do Pilar. Há histórias <strong>de</strong> que era nesta capela que os<br />
201
con<strong>de</strong>na<strong>dos</strong> à morte vinham rezar antes <strong>de</strong> consumada a sentença.<br />
Parece um tanto cruel pois a forca ficava no outeiro próximo à igreja<br />
das Mercês <strong>de</strong> Baixo, perto da ca<strong>de</strong>ia. Ou seja, para fazer sua última<br />
oração os pobres con<strong>de</strong>na<strong>dos</strong> tinham que sair <strong>de</strong> perto do patíbulo e<br />
percorrer uma razoável distância com muito morro e penitência pelo<br />
caminho. Pelas suas diminutas dimensões é <strong>de</strong> se concluir que sua<br />
principal função é mesmo a <strong>de</strong> abrigar grupos <strong>de</strong> orações. De fato,<br />
quando a visitamos tivemos que fazê-lo em contida discrição para não<br />
perturbar um grupo <strong>de</strong> pie<strong>dos</strong>as senhoras nesse mister.<br />
É interessante observar que sua construção se <strong>de</strong>u mais ou<br />
menos ao tempo em que os inconfi<strong>de</strong>ntes ainda estavam presos<br />
aguardando suas sentenças.<br />
A capela foi totalmente remo<strong>de</strong>lada no final do século XIX,<br />
<strong>de</strong>scaracterizando seu traçado primitivo. Uma intervenção recente<br />
buscou restaurar o risco primitivo com base em <strong>de</strong>senhos antigos que<br />
reproduziam a fachada do templo. Supõe-se assim que seu aspecto atual<br />
correspon<strong>de</strong> ao original do século XVIII.<br />
Sua fachada é bastante simples e incomum, não <strong>de</strong>nunciando<br />
ser um templo para os menos atentos. Internamente tem uma série <strong>de</strong><br />
cômo<strong>dos</strong> <strong>de</strong> tamanho aproximadamente igual, cumprindo o espaço <strong>de</strong><br />
nave, capela mor e Capela do Santíssimo. A nave, propriamente, é<br />
bipartida, ocupando dois cômo<strong>dos</strong> contíguos. O piso é lajeado e o forro<br />
é <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira, sendo arqueado no centro e em meia água nas laterais.<br />
Possui um único altar, singelo, com adornos em frisos doura<strong>dos</strong> e uma<br />
imagem do Cristo entronada. Entre a nave e a Capela do Santíssimo há<br />
um oratório vazado, com uma imagem <strong>de</strong> são Francisco. Destaque para<br />
as mesas da comunhão da capela mor e da Capela do Santíssimo,<br />
nitidamente superiores a todo o resto do conjunto.<br />
Igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula – 1804<br />
A igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula, a “Chico <strong>de</strong> Cima”, é a tal<br />
que, posto construída no século XIX resolvemos incluir no nosso<br />
roteiro setecentista. Po<strong>de</strong> ser acessada da rua São José ao final <strong>de</strong> cruel<br />
la<strong>de</strong>ira ou, <strong>de</strong> forma mais civilizada, pelos la<strong>dos</strong> da rodoviária. Na<br />
verda<strong>de</strong> o local, como já dissemos, é o mesmo da primitiva capela da<br />
irmanda<strong>de</strong> do Rosário que, mais tar<strong>de</strong>, construiu sua igreja no atual<br />
largo do Rosário. A irmanda<strong>de</strong> foi constituída em 1780 e se reunia<br />
inicialmente na matriz <strong>de</strong> Antônio Dias. Com seu crescimento, acabou<br />
resolvendo criar o seu próprio templo o que se <strong>de</strong>u em 1804. A<br />
202
construção foi <strong>de</strong>morada, com inúmeras interrupções por falta <strong>de</strong><br />
recursos. Isso reflete a penúria que <strong>de</strong> fato, caracterizou a economia<br />
ouro pretana do século XIX, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> um comércio morno e <strong>dos</strong><br />
or<strong>de</strong>na<strong>dos</strong> <strong>dos</strong> servidores públicos da capital da província.<br />
A construção seguiu o padrão tradicional, ou seja, começou pela<br />
capela sendo a construção da nave iniciada somente em 1857.<br />
No geral tem aspecto das velhas matrizes do início do<br />
setecentos. Está erigida na ponta <strong>de</strong> uma alameda <strong>de</strong> sólido e antigo<br />
calçamento <strong>de</strong> pedra, talvez do tempo do primitivo templo da<br />
Irmanda<strong>de</strong> do Rosário. O adro é alcançado após uma pequena escadaria<br />
em forma <strong>de</strong> leque. Antigamente havia estátuas <strong>dos</strong> quatro evangelistas<br />
adornando as pilastras da escada, hoje sobraram apenas os tocos <strong>dos</strong><br />
pe<strong>de</strong>stais.<br />
O frontispício é quadrado e apresenta uma porta com portais <strong>de</strong><br />
cantaria com verga em arco abatido. Acima está um óculo cruciforme<br />
envidraçado e <strong>dos</strong> la<strong>dos</strong> estão duas sacadas protegidas por balaustradas<br />
<strong>de</strong> ferro e janelas envidraçadas com moldura em pedra e cimalhinhas<br />
curvas. As bases das torres estão guarnecidas <strong>de</strong> pilastras retas <strong>de</strong><br />
alvenaria e cunhais <strong>de</strong> mesmo aspecto com pequenas aberturas<br />
redondas no espaço entre eles. O frontão tem o perfil discretamente<br />
curvado e está emoldurado por uma saliência que faz uma voluta fina e<br />
mal executada, na parte inferior. No centro há dois pilares avança<strong>dos</strong>,<br />
la<strong>de</strong>ando um pequeno óculo cruciforme e adornos em massa <strong>de</strong> reboco,<br />
igualmente mal executa<strong>dos</strong>. Acima há uma cruz, sobre pequeno<br />
pe<strong>de</strong>stal. As torres são altas com cantos recorta<strong>dos</strong>. Suas cúpulas são<br />
redondas e achatadas com dois planos superpostos, arrematadas por<br />
gran<strong>de</strong>s pináculos no topo e nas laterais, ao nível das quinas das torres<br />
e que se apoiam sobre umas cimalhas que avançam num efeito<br />
interessante.<br />
Internamente apresenta altares com talha <strong>de</strong> boa qualida<strong>de</strong><br />
embora em rococó tardio. No altar mor está a imagem do orago do<br />
templo que, pela qualida<strong>de</strong> da sua execução, tem sido atribuída ao<br />
Aleijadinho. A nave <strong>de</strong>tem seis altares laterais <strong>de</strong>dica<strong>dos</strong> a são Francisco<br />
<strong>de</strong> Sales, N. S. da Conceição, são Miguel, santo Antônio, são Geraldo e<br />
N. S. da Consolação.<br />
O retábulo da capela mor não tem <strong>dos</strong>sel mas sim um arco<br />
franjado, valorizado por um rico medalhão no coroamento, envolto por<br />
conchas invertidas. As colunas, sob consolos, são todas retas e com<br />
estrias igualmente retas em cima e espiraladas no terço inferior. Acima<br />
203
<strong>dos</strong> capitéis aparecem fragmentos <strong>de</strong> arquitrave. O trono é uma cascata<br />
rococó com Nossa Senhora no alto e são Francisco <strong>de</strong> Paula num plano<br />
inferior, imitando a humilda<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu colega <strong>de</strong> Assis. Entre as colunas<br />
há gran<strong>de</strong>s nichos com imagens em tamanho próximo ao natural. Todo<br />
o conjunto é cromado em tons <strong>de</strong> azul, com frisos doura<strong>dos</strong>. O teto da<br />
capela é em forma <strong>de</strong> arco perfeito, com pintura <strong>de</strong> duas visões,<br />
separadas por um adorno <strong>de</strong> on<strong>de</strong> pen<strong>de</strong> a base <strong>de</strong> sustentação <strong>de</strong> uma<br />
gran<strong>de</strong> lâmpada do Santíssimo. Há tribunas em arco no alto do<br />
presbitério e que se abrem também para a nave, vazadas no transepto.<br />
São emolduradas em pedra e têm balaustradas <strong>de</strong> ferro.<br />
O arco cruzeiro é <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira pintada em azul e branco e com<br />
um gran<strong>de</strong> medalhão sobre o coroamento.<br />
Os altares da nave são em número <strong>de</strong> seis e começam após o<br />
transepto cujo espaço foi ocupado com aberturas para os corredores<br />
que contornam a capela mor. Os do centro têm o retábulo coroado<br />
com baldaquinos franja<strong>dos</strong> em lugar do <strong>dos</strong>sel. Os <strong>de</strong>mais apresentam<br />
arcos rendilha<strong>dos</strong>, sem adornos especiais no coroamento. To<strong>dos</strong>,<br />
porém, apresentam altos espaldares arremata<strong>dos</strong> em sanefas, no melhor<br />
estilo rococó. As pilastras internas são em quartela e as externas em<br />
colunas retas. Algumas são estriadas e outras são circundadas por<br />
ramagens douradas em espiral. Os tronos são baixos e simplifica<strong>dos</strong>.<br />
São pinta<strong>dos</strong> em azul anil sobre fundo branco e frisos doura<strong>dos</strong> num<br />
agradável e equilibrado efeito visual.<br />
Os púlpitos são <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira, se apoiam sobre bases em forma <strong>de</strong><br />
cálices e apresentam sanefas no alto. Também são <strong>de</strong>cora<strong>dos</strong> em azul,<br />
branco e dourado, harmonizando com os altares e o arco cruzeiro.<br />
O coro é em perfil <strong>de</strong> besta e se apoia sobre arcos<br />
convencionais, sustenta<strong>dos</strong> por colunas retas. A balaustrada é <strong>de</strong> ferro.<br />
No geral esta igreja é interessante e rara. Embora seja do século<br />
XIX, conciliou <strong>de</strong> forma competente uma fachada <strong>de</strong> matriz do<br />
princípio do setecentos com um interior rococó, tardio mas valente.<br />
Igreja <strong>de</strong> São José - 1746<br />
Fica localizada no cruzamento <strong>de</strong> duas vielas, no caminho da<br />
igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula para quem vem da rua São José. A<br />
irmanda<strong>de</strong> é a <strong>de</strong> São José <strong>dos</strong> Bem Casa<strong>dos</strong>, secundada pelos Par<strong>dos</strong><br />
da Paróquia <strong>de</strong> Antônio Dias <strong>de</strong> que o Aleijadinho fazia parte.<br />
Portanto, não sendo bem casado mas sendo pardo, o nosso Antônio<br />
Francisco Lisboa, solteiro e pai, pô<strong>de</strong> freqüentar esta igreja como<br />
204
irmão agregado. 164 O mestre compensou o valor da sua taxa <strong>de</strong><br />
admissão, doando o risco do retábulo da capela mor em 1772. Porém<br />
não foi ele que executou o projeto e é possível que o mesmo tenha<br />
sofrido modificações. O trabalho do executor do projeto do mestre é<br />
consi<strong>de</strong>rado muito sofrível, indigno do gênio que o criou. Ele também<br />
teria sido o autor do risco das torres mas seu projeto não chegou a ser<br />
executado, optando-se por dotar a igreja <strong>de</strong> uma única torre o que<br />
obrigou a ajustes <strong>de</strong> adaptação no projeto, a exemplo do que ocorreu<br />
com a igreja das Mercês e Misericórdia, também <strong>de</strong> torre única.<br />
O aspecto atual da igreja está <strong>de</strong>scaracterizado por uma gran<strong>de</strong><br />
reforma acontecida já no século XIX. O resultado final <strong>de</strong> tudo isso é<br />
uma igreja <strong>de</strong> aspecto exterior absolutamente peculiar. Sua fachada<br />
apresenta nada menos do que quatro peças distintas. A primeira <strong>de</strong>las<br />
está ao nível do chão. Mostra na parte central a abertura da porta e nas<br />
laterais umas formas arredondadas, possíveis resquícios das bases das<br />
torres do projeto original. Acima e atrás <strong>de</strong>ssa primeira peça, estão a<br />
base da torre única efetivamente construída e o corpo da igreja,<br />
propriamente dito. Esta base tem um óculo e um tipo <strong>de</strong> janelão se<br />
abrindo para uma espécie <strong>de</strong> terraço. É menor do que a peça sobre a<br />
qual está assentada e, em conseqüência, sobrou espaço para este<br />
terraço que está contornado por uma balaustrada. A quarta peça é a<br />
torre. Ela é quadrada, com cantos <strong>de</strong> pedra arredonda<strong>dos</strong>, arremata<strong>dos</strong><br />
por coruchéus e tem uma cúpula em forma <strong>de</strong> pirâmi<strong>de</strong> achatada <strong>de</strong><br />
dois estágios com uma <strong>de</strong>lgada cruz no topo. Na frente da igreja há um<br />
adro <strong>de</strong> piso lajeado, protegido por um bucólico bambuzal.<br />
Também não conseguimos vê-la por <strong>de</strong>ntro já que permanece<br />
quase sempre fechada. Sabe-se que o altar mor atribuído ao Aleijadinho,<br />
é simples mas interessante. Através <strong>de</strong> fotos vimos que ele é<br />
estruturado basicamente em colunas que abrem amplo espaço para dois<br />
nichos rasos com consolos e baldaquinos. As colunas do camarim são<br />
em quartelas, acima das quais estão dois gran<strong>de</strong>s anjos. No coroamento<br />
está a Santíssima Trinda<strong>de</strong> com o Espírito Santo em resplendor, sob<br />
um baldaquino alongado que se abre num cortinado lateral, garantindo<br />
o efeito <strong>de</strong> <strong>dos</strong>sel. As colunas externas são retas e redondas com fuste<br />
164 Isso tudo é meio confuso mas, <strong>de</strong> fato, não havia impedimento <strong>de</strong> que resi<strong>de</strong>ntes<br />
na paróquia <strong>de</strong> Antônio Dias pertencessem a Irmanda<strong>de</strong>s do Pilar e vice-versa.<br />
Também, como vimos, as irmanda<strong>de</strong>s se misturavam freqüentemente em profícuas e<br />
duradouras parcerias.<br />
205
misto, parte reto e parte torcido. O trono é alto, em <strong>de</strong>graus<br />
piramida<strong>dos</strong> e sustenta uma diminuta imagem <strong>de</strong> N. S. da Conceição. O<br />
teto da capela é em assoalho branco e em três planos, fechando o arco.<br />
Sob a mesa da comunhão está uma imagem do Senhor Morto em<br />
vitrine.<br />
Essa é a última igreja que visitaremos no perímetro <strong>de</strong> Ouro<br />
Preto. Em seguida, <strong>de</strong>vemos esten<strong>de</strong>r nosso roteiro aos distritos do<br />
gran<strong>de</strong> e glorioso município <strong>de</strong> Ouro Preto, começando pelo distrito<br />
<strong>de</strong> Cachoeira do Campo com sua magnífica matriz.<br />
Matriz <strong>de</strong> N. S. <strong>de</strong> Nazaré <strong>de</strong> Cachoeira do Campo - 1725<br />
A primeira das notáveis <strong>igrejas</strong> localizadas em distritos <strong>de</strong> Ouro<br />
Preto é a famosa matriz <strong>de</strong> Cachoeira do Campo. Neste distrito, como<br />
se recorda, se localizava o antigo quartel <strong>dos</strong> Dragões <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> e o<br />
Palácio <strong>de</strong> Campo <strong>dos</strong> Governadores no século XVIII, construí<strong>dos</strong><br />
pelos governadores d. Antônio <strong>de</strong> Noronha e d. Rodrigo Menezes. No<br />
quartel, que <strong>de</strong>pois foi o Colégio D. Bosco, funciona hoje uma vetusta<br />
pousada, parecida com a do Colégio do Caraça porém muito mais<br />
simplificada. O único vestígio que resta hoje do antigo quartel é a<br />
inscrição em pedra mandada fazer pelo Governador, alusiva à fundação<br />
do quartel. Foi aqui na Cachoeira que Tomás Antônio Gonzaga veio<br />
ter, já preso, numa <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>ira e <strong>de</strong>sesperada tentativa <strong>de</strong> se ver livre por<br />
graça <strong>de</strong> algum milagre do viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Barbacena, já então sem<br />
controle da situação e sem condições <strong>de</strong> garantir quem seria ou não<br />
seria punido. Foi aqui também - consta que no adro da antiga capela<br />
que antece<strong>de</strong>u a matriz - que Felipe <strong>dos</strong> Santos foi preso em 1720 a<br />
mando <strong>de</strong> Assumar. É até possível que algum fragmento da matriz,<br />
como hoje se apresenta, já existisse naquela época, pois em 1724, esta<br />
igreja já ganhava a condição <strong>de</strong> se<strong>de</strong> <strong>de</strong> Vigairaria Colada, o que seria<br />
pouco recomendável para uma simples capela.<br />
O povoamento da Cachoeira começou por volta <strong>de</strong> 1701, ano<br />
em que a fome assolou os mineradores e os empurrou a estas paragens<br />
para plantar as roças que negligenciaram, lhes <strong>de</strong>ixando sem o que<br />
comer. Foi então que surgiram alguns <strong>dos</strong> arraiais da região, como São<br />
Bartolomeu e Acuruí (antiga Rio das Pedras). O local em que se ergue a<br />
Cachoeira do Campo é consi<strong>de</strong>rado estratégico e <strong>de</strong> fato o con<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Assumar, já em 1720 tinha pensado em implantar aqui o Palácio <strong>dos</strong><br />
206
Governadores e a controvertida Casa <strong>de</strong> Fundição. Aliás foi neste sítio<br />
que se travou uma das mais sangrentas batalhas da Guerra <strong>dos</strong><br />
Emboabas, continuação da marcha iniciada em Caeté, <strong>de</strong>pois Sabará e<br />
que na seqüência, ameaçaria Vila Rica e Mariana.<br />
A matriz tem uma distribuição arquitetônica com algumas<br />
soluções incomuns como o acesso ao coro que é feito por uma escada<br />
fora do corpo da igreja. De fato, olhando por fora, a construção parece<br />
um tanto irregular. Existem registros <strong>de</strong> que ela po<strong>de</strong> ter sido<br />
construída antes <strong>de</strong> 1714 quando a região era um lugarejo pertencente<br />
a um tal Manuel <strong>de</strong> Melo.<br />
O frontispício atual foi reconstruído no século XIX e não<br />
preservou as características primitivas, o que <strong>de</strong>turpa a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />
histórica do aspecto externo do templo. As torres estão assentadas<br />
sobre bases que se encostam num largo frontispício. A porta tem<br />
portais simples <strong>de</strong> cantaria com verga em arco apoiada em capitéis.<br />
Ostenta duas pequenas sacadas, colocadas <strong>de</strong> cada lado, num plano<br />
elevado com um óculo em formato cruciforme, entre elas. Não existe<br />
cimalha e o frontão se comunica diretamente com o frontispício,<br />
formando uma única peça. É ligeiramente arredondado na parte<br />
superior e no centro, sustenta a base <strong>de</strong> uma pequena cruz <strong>de</strong> pedra. As<br />
torres são quadradas com cúpulas achatadas, discretamente<br />
arredondadas e com pára-raios na ponta. Uma das aberturas da torre<br />
tem um relógio incrustado, tal qual acontece com a igreja <strong>de</strong> São<br />
Francisco da longínqua Diamantina.<br />
O mais notável do templo no entanto, é o seu interior on<strong>de</strong> se<br />
<strong>de</strong>stacam os retábulos em arquivoltas ricamente entalha<strong>dos</strong>, com<br />
profusão <strong>de</strong> <strong>de</strong>talhes e <strong>de</strong> douramentos.<br />
O arco cruzeiro é inteiramente dourado e adornado com um<br />
medalhão com coroa no alto, harmonizando-se com as talha <strong>dos</strong><br />
retábulos. Há dois altares menores encosta<strong>dos</strong> no transepto e <strong>de</strong>dica<strong>dos</strong><br />
ao Cristo. Um o apresenta crucificado e o outro com o sagrado coração<br />
à mostra. Os altares da nave estão profundamente encrava<strong>dos</strong> nas<br />
pare<strong>de</strong>s <strong>de</strong>vido tanto ao afunilamento das arquivoltas quanto ao fundo<br />
espaço do camarim. As colunas das arquivoltas são torsas com farta<br />
talha fitomorfa. Os tronos são em forma <strong>de</strong> cântaro, <strong>de</strong> concepção<br />
muito antiga. Acima das arquivoltas está um espaldar alto que se<br />
encosta na cornija. Esta é muito simples, em ma<strong>de</strong>ira. Os púlpitos são<br />
207
todo em ma<strong>de</strong>ira, em <strong>de</strong>senho relativamente simples e adorna<strong>dos</strong> com<br />
frisos doura<strong>dos</strong>.<br />
O coro é em forma <strong>de</strong> perfil <strong>de</strong> besta com balaústres finos <strong>de</strong><br />
ma<strong>de</strong>ira escura. Está sustentado sobre colunas <strong>de</strong>lgadas apoiando um<br />
arco no centro e traves retas nas laterais.<br />
O altar mor, também em arquivoltas, tem colunas semelhantes<br />
<strong>às</strong> <strong>dos</strong> altares da nave, porém, naturalmente maiores, sobrando espaço<br />
para pequenos nichos o que não é comum em retábulos em arquivoltas.<br />
Há uma gran<strong>de</strong> tarja no coroamento. O trono é relativamente simples<br />
com a imagem <strong>de</strong> N. S. <strong>de</strong> Nazaré que, segundo consta, tomou o lugar<br />
<strong>de</strong> uma pequena imagem, emprestada pelo próprio Manuel <strong>de</strong> Melo, o<br />
fundador. Entre portas e abaixo <strong>dos</strong> óculos da capela mor estão<br />
colunas torsas, sustentando capitéis livres. O teto da capela mor, em<br />
forma levemente abobadada, ostenta uma pintura retratando o<br />
coroamento <strong>de</strong> Nossa Senhora. A pintura original foi executada pelo<br />
pintor Antônio Rodrigues Belo, mas a que hoje se vê foi mutilada pelas<br />
famigeradas repinturas, tão comuns ao longo <strong>dos</strong> séculos. O forro da<br />
nave é facetado e o da sacristia é plano com molduras em forma<br />
artesoada, enquadrando pinturas.<br />
Dom frei José achou a igreja com o <strong>de</strong>vido esplendor, mas<br />
repreen<strong>de</strong>u o padre por usar pano grosseiro no serviço do altar, em<br />
lugar <strong>de</strong> puro linho.<br />
N. S. das Dores <strong>de</strong> Cachoeira do Campo – 1761<br />
É outro templo do populoso distrito da Cachoeira, este bem<br />
mais simples do que sua suntuosa matriz. Está localizado no final <strong>de</strong><br />
uma rua que também lhe serve <strong>de</strong> adro. Embora seja da segunda<br />
meta<strong>de</strong> do século, externamente tem as características <strong>dos</strong> velhos<br />
templos da primeira fase, pauta<strong>dos</strong> pela austerida<strong>de</strong>. Não obstante esta<br />
singeleza tem uma particularida<strong>de</strong>: a base das torres não chega até o<br />
chão, se confundido com o frontispício no meio do caminho. A porta<br />
está emoldurada por portais <strong>de</strong> pedra e uma verga empenada. Há dois<br />
janelões, com molduras semelhantes <strong>às</strong> da porta. O frontispício está<br />
separado da parte superior da fachada por uma cimalha <strong>de</strong>lgada. As<br />
torres são finas e encimadas por coberturas em forma <strong>de</strong> pirâmi<strong>de</strong>. O<br />
frontão é uma empena apertada entre as torres e com um óculo<br />
irregular <strong>de</strong> pedras, no centro.<br />
208
Seu interior é tão simples quanto o exterior. O altar mor é tipo<br />
um oratório pintado. Há um medalhão com moldura puxada ao rococó,<br />
retratando uma graça <strong>de</strong> ex-voto no teto da capela mor. O arco cruzeiro<br />
é bastante simples e abriga um altar não menos simples. O teto da nave<br />
é facetado, com grosseiras pinturas emolduradas por cenas <strong>dos</strong> passos<br />
da paixão que nosso guia local classificou orgulhosamente como <strong>de</strong><br />
“estilo medieval”. O púlpito é acessado por uma escada escorada na<br />
pare<strong>de</strong> da própria nave. O coro é protegido por uma balaustrada singela<br />
e sobre ele se abre o vão do acesso <strong>às</strong> torres. Dali se tem uma visão<br />
ampla e, segundo nosso guia, os inconfi<strong>de</strong>ntes faziam uso da posição<br />
para vigiar o Palácio do Governador, meia légua adiante. O piso é <strong>de</strong><br />
tijolos, melhoria mo<strong>de</strong>sta sobre a configuração primitiva que<br />
provavelmente era <strong>de</strong> terra batida. A sacristia se abre para a nave e não<br />
para a capela mor como é usual.<br />
Matriz <strong>de</strong> N. S. <strong>dos</strong> Prazeres <strong>de</strong> Lavras Novas - 1762<br />
Lavras novas é um simpático distrito próximo a Ouro Preto<br />
que atrai o turista mais jovem e disposto a conquistar seus atributos<br />
naturais rechea<strong>dos</strong> <strong>de</strong> trilhas e cachoeiras. O acesso é feito, parte em<br />
estrada <strong>de</strong> terra por uma região montanhosa. Antes há um trecho <strong>de</strong><br />
asfalto pela chamada Estrada Real, em região <strong>de</strong> matas primitivas, as<br />
mesmas que cobriam toda a região até o vale do Rio Doce e cujos<br />
resquícios ainda po<strong>de</strong>m ser encontra<strong>dos</strong> aqui e ali.<br />
Segundo consta, o arraial se originou <strong>de</strong> um refúgio <strong>de</strong><br />
escravos e até poucas décadas atrás os brancos não eram bem vin<strong>dos</strong>. 165<br />
Hoje os apelos <strong>de</strong> um crescente turismo encanta os moradores e faz<br />
pipocar pousadas e casas <strong>de</strong> campo. Além <strong>dos</strong> atrativos naturais po<strong>de</strong>se,<br />
enfim, contemplar a matriz do raro orago: Nossa Senhora <strong>dos</strong><br />
Prazeres. Contudo não se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> admirar também a vista ampla<br />
que se <strong>de</strong>scortina à leste <strong>de</strong> Ouro Preto e avança várias <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong><br />
quilômetros em suaves ondulações azuis. O templo se ergue num<br />
alargamento da, digamos, rua principal. O adro é cercado <strong>de</strong> um muro<br />
baixo, à frente do qual está um pequeno cruzeiro <strong>de</strong> pedra, sobre um<br />
pe<strong>de</strong>stal rústico. Um caminho lajeando liga o portão à entrada do<br />
165 Saint-Hilaire conta que o caminho entre Ouro Branco e Vila Rica, que passa ao<br />
largo <strong>de</strong> Lavras Novas, tinha fama <strong>de</strong> ser muito perigoso por conta <strong>dos</strong> riscos <strong>de</strong><br />
assaltos pratica<strong>dos</strong> por negros fugi<strong>dos</strong>.<br />
209
templo, guarnecido <strong>de</strong> uma ampla porta almofadada, com portais <strong>de</strong><br />
pedra. Sobre uma verga curva está um adorno <strong>de</strong> pedras, puxado ao<br />
rococó, com robustos recortes <strong>de</strong> volutas e cavas conchoi<strong>de</strong>s. Este é o<br />
único adorno exterior. A base da fachada é quadrada on<strong>de</strong> o<br />
frontispício ocupa a meta<strong>de</strong> do espaço e as bases das torres, a outra<br />
meta<strong>de</strong>. O conjunto é dividido por pilastras e cunhais retos <strong>de</strong><br />
alvenaria, apoia<strong>dos</strong> em bases alargadas, também <strong>de</strong> pedras. Acima do<br />
adorno da portada estão duas pequenas janelas com molduras em<br />
cantaria. A cimalha é um simples beiral coberto <strong>de</strong> telhas. As torres são<br />
retas e <strong>de</strong>lgadas, com cobertura <strong>de</strong> telhas em quatro águas e com<br />
arremates vira<strong>dos</strong> nos cantos. O frontão é uma empena singela,<br />
apertada entre as torres e com um diminuto óculo complexo no centro,<br />
com moldura <strong>de</strong> pedras. Uma pequena cruz fincada na cumeeira, fecha<br />
o singelo conjunto. A distribuição arquitetônica vista <strong>de</strong> fora é<br />
harmoniosa, com os espaços da sacristia e da capela coloca<strong>dos</strong><br />
simetricamente nos la<strong>dos</strong>, no fundo do edifício.<br />
O altar mor é em <strong>dos</strong>sel, adornado com o medalhão, anjos e colunas<br />
retas. Está pintado com mo<strong>de</strong>rna tinta azul a óleo. O trono é em forma<br />
<strong>de</strong> pirâmi<strong>de</strong> com a N. S. <strong>dos</strong> Prazeres em <strong>de</strong>staque. O arco cruzeiro é<br />
em pedra e os altares do transepto são do tipo oratório, com sanefas<br />
simplificadas e também pinta<strong>dos</strong> em óleo azul. Os púlpitos são retos,<br />
sobre bases <strong>de</strong> pedra. Um é confessadamente <strong>de</strong>corativo e o outro tem<br />
acesso pela parte externa do templo. De um lado do átrio está a pia<br />
batismal <strong>de</strong> pedra e do outro está o pé da escada <strong>de</strong> acesso ao coro. A<br />
cornija é <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira. Destaque para o lavabo <strong>de</strong> pedra na sacristia.<br />
O guardião das chaves é o preto A<strong>de</strong>mir que pô<strong>de</strong> ser<br />
encontrado proseando com os vizinhos bem ao lado do templo. Ele se<br />
prestou prontamente a interromper a prosa e nos mostrar a sua igreja,<br />
simples porém <strong>de</strong>cente. Segundo nos contou, ele toma conta <strong>de</strong> igreja<br />
há <strong>de</strong>z anos e seu pai foi guardião da mesma durante sessenta e cinco<br />
anos. Nos informou também, orgulhosamente, que a igreja foi toda<br />
construída e ornamentada pelos li<strong>de</strong>res da comunida<strong>de</strong> <strong>dos</strong> pretos, por<br />
ele chama<strong>dos</strong> <strong>de</strong> “guarda-mores”.<br />
Igreja <strong>de</strong> São Gonçalo <strong>de</strong> Amarantina - 1726<br />
Amarantina é aquele distrito <strong>de</strong> Ouro Preto on<strong>de</strong> está o Museu<br />
das Reduções. Não ficamos curiosos em conhecê-lo mas tivemos<br />
notícias <strong>de</strong> que é interessante. Na nossa visita nos limitamos a conhecer<br />
a igreja <strong>de</strong> São Gonçalo externamente. O templo parece bastante<br />
210
<strong>de</strong>scaracterizado para sua época. Seguramente foram feitas muitas<br />
modificações e imaginamos, inclusive, que as reformas tardias na matriz<br />
<strong>de</strong> Cachoeira do Campo influenciaram as modificações <strong>de</strong>sta igreja ou<br />
vice-versa. A área <strong>dos</strong> fun<strong>dos</strong> do templo parece ter sofrido uma<br />
intervenção recente que lhe <strong>de</strong>u o aspecto <strong>de</strong> um colégio, com<br />
venezianas <strong>de</strong> basculante e tudo mais. Contudo, seu estado geral <strong>de</strong><br />
conservação é bastante bom, <strong>de</strong> fazer inveja à capelinha das Mercês da<br />
vizinha Itabirito, autêntica mas em agonia terminal.<br />
Está plantada no topo <strong>de</strong> um pequeno outeiro, sendo seu<br />
adro acessado por uma escadaria que nasce na rua <strong>de</strong>fronte. A parte<br />
central do frontispício é quadrada. As bases das torres são <strong>de</strong>limitadas<br />
por pilastras e cunhais <strong>de</strong>corativos que se interrompem antes <strong>de</strong> se<br />
encostarem na cimalha. Esta é discreta, <strong>de</strong> massa <strong>de</strong> alvenaria e<br />
contorna o pequeno óculo cruciforme. O frontão é recortado em<br />
suaves curvas e sustenta uma cruz no acrotério, la<strong>de</strong>ada por dois<br />
coruchéus. As torres são quadradas, altas, em dois estágios, com as<br />
aberturas sineiras no estágio <strong>de</strong> cima e pequenos óculos redon<strong>dos</strong> no<br />
estágio <strong>de</strong> baixo. As cúpulas estão cercadas por baixos parapeitos <strong>de</strong><br />
balaústres e têm o formato <strong>de</strong> pirâmi<strong>de</strong>s complexas, afiladas e com<br />
pináculos pontiagu<strong>dos</strong> sobre uma base obesa. A porta é emoldurada <strong>de</strong><br />
pedra, com um friso saliente contornando a verga. Há ainda duas<br />
pequenas janelas em guilhotina, também em moldura <strong>de</strong> cantaria. À<br />
frente do templo há um cruzeiro <strong>de</strong> pedra.<br />
Tal é externamente o templo do pequeno distrito <strong>de</strong><br />
Amarantina, do gran<strong>de</strong> Município <strong>de</strong> Ouro Preto com suas duas<br />
<strong>de</strong>zenas e meia <strong>de</strong> <strong>igrejas</strong> setecentistas.<br />
ITABIRITO<br />
A cida<strong>de</strong> é opulenta e próspera; conta, além da matriz,<br />
que é um excelente templo, mais quatro <strong>igrejas</strong> que são<br />
a do Rosário <strong>dos</strong> Pretos, a <strong>de</strong> Nossa Senhora da Saú<strong>de</strong>,<br />
a <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Assis e a da Pieda<strong>de</strong>, além da capela das Dores,<br />
padroeira do hospital.O município, além da fertIlida<strong>de</strong> do seu solo,<br />
contém imensa quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ferro, <strong>de</strong>scoberto em 1855 e que é hoje<br />
a indústria mais interessante e lucrativa do lugar; tanto que há mais<br />
<strong>de</strong> seis fábricas.<br />
211
Itabirito é a antiga Itabira do Campo. 166 É aquele lugar no<br />
caminho <strong>de</strong> Ouro Preto, cuja estação rodoviária surge bem no meio da<br />
estrada, <strong>de</strong>snorteando a gente. O nome foi tirado da rocha batizada<br />
pelo nosso conhecido barão <strong>de</strong> Eschwege, ali por volta <strong>de</strong> 1820. É<br />
interessante observar que o barão batizou a pedra se inspirando no<br />
nome do lugar e <strong>de</strong>pois o lugar tomou o nome da pedra: curiosa relação<br />
incestuosa.<br />
Burton passou por aqui em 1867. Observou que a vila era<br />
cortada por um riacho on<strong>de</strong> havia uma ponte <strong>de</strong> pedra <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong><br />
razoável. Notou que as casas eram boas, a <strong>de</strong>speito da <strong>de</strong>solação e<br />
abandono <strong>de</strong>correntes da <strong>de</strong>cadência da Mina da Cata Branca. Andou<br />
fazendo compras numa venda na praça <strong>de</strong> Santa Tereza e antes <strong>de</strong><br />
completar sua rápida estadia teve tempo <strong>de</strong> contar os templos do<br />
povoado: N. S. das Mercês , Bom Jesus <strong>de</strong> Matosinhos, Rosário, Santa<br />
Teresa e a matriz <strong>de</strong> N. S. da Boa Viajem. Comentou que as <strong>igrejas</strong><br />
tinham capacida<strong>de</strong> para alojar toda a população local.<br />
Itabirito preserva pouca coisa da sua antiga condição, restando<br />
alguns casarões em torno das <strong>igrejas</strong> e algumas vielas <strong>de</strong> traçado<br />
primitivo. A parte antiga está do lado oposto da entrada da cida<strong>de</strong>,<br />
exatamente no trecho mais aci<strong>de</strong>ntado do sítio urbano. Existe uma<br />
elevação <strong>de</strong> efeito interessante constituída por uma la<strong>de</strong>ira calçada <strong>de</strong><br />
pedras e com palmeiras que passa pela capela das Mercês e vai dar no<br />
outeiro on<strong>de</strong> está a igreja do Bom Jesus. Ao lado da igreja estão as<br />
ruínas <strong>de</strong> um magnífico casarão setecentista que, ao que tudo indica,<br />
está prestes a ser consumido pelo tempo, consumando sua total ruína.<br />
Contabilizamos seis templos em Itabirito: a matriz <strong>de</strong> N. S. da<br />
Boa <strong>Viagem</strong>, a igreja <strong>de</strong> Bom Jesus <strong>de</strong> Matosinhos, a capela do Rosário,<br />
capela das Mercês, a igreja <strong>de</strong> São Gonçalo no distrito <strong>de</strong> Bação e a<br />
Rosário <strong>dos</strong> Pretos no distrito <strong>de</strong> Acuruí. Todas foram mencionadas<br />
pelo nosso diligente bispo <strong>de</strong> Mariana. Seu relatório soma naqueles<br />
bons tempos <strong>de</strong> exuberantes vocações sacerdotais, nada menos do que<br />
seis padres na freguesia.<br />
A igreja do Rosário foi tombada pelo IPHAN em 1955. As<br />
<strong>de</strong>mais não são tombadas<br />
Matriz <strong>de</strong> N. S. da Boa <strong>Viagem</strong> - 1710<br />
166 A atual Itabira era antigamente a Itabira do Mato Dentro.<br />
212
A matriz <strong>de</strong> Itabirito está localizada exatamente no centro do<br />
trecho <strong>de</strong> traçado urbano primitivo a que talvez se possa chamar <strong>de</strong><br />
centro histórico. Uma das opções <strong>de</strong> acesso é uma viela íngreme <strong>de</strong><br />
calçamento muito antigo que vai dar no lado da igreja. Seu adro é<br />
cercado por um muro gra<strong>de</strong>ado que se abre para uma rua larga <strong>de</strong> suave<br />
<strong>de</strong>clive.<br />
Na primeira viagem que fizemos a Itabirito não conseguimos<br />
conhecer a matriz por <strong>de</strong>ntro. A tentativa começou com uma<br />
peregrinação pelas casas vizinhas quando ficamos sabendo que as<br />
chaves estavam com o pároco. Tivemos a infelicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> surpreendê-lo<br />
em pleno almoço e portanto, aconselha<strong>dos</strong> a aguardar momento mais<br />
apropriado para abordá-lo. Após esperar uns bons minutos, fomos<br />
informa<strong>dos</strong> <strong>de</strong> que, após o almoço, ele iria fazer a sua habitual sesta e<br />
que <strong>de</strong>pois, talvez pu<strong>de</strong>sse nos aten<strong>de</strong>r. Resolvemos <strong>de</strong>sistir, cientes do<br />
quanto é sagrada a alcalose pós-prandial <strong>dos</strong> padres e do quanto eles<br />
costumam ficar mau-humora<strong>dos</strong> quanto não a consumam bem. Assim<br />
nos pusemos a examinar a igreja apenas por fora. Reparamos antes <strong>de</strong><br />
tudo, que ela tem uma torre rara com arremates pareci<strong>dos</strong> aos da matriz<br />
<strong>de</strong> Catas Altas. A parte central da fachada é quase quadrada e abriga<br />
uma gran<strong>de</strong> porta com portais <strong>de</strong> pedra e uma verga também <strong>de</strong> pedra,<br />
um pouco mais saliente. No alto estão duas sacadas com moldura <strong>de</strong><br />
pedra semelhante à do portal e que avança curiosamente sobre uma<br />
discreta cimalha. As bases das torres - bastante largas e enquadradas<br />
pelos cunhais e pilastras retos <strong>de</strong> alvenaria - completam o conjunto.<br />
Elas atravessam a cimalha e apertam o frontão. Este é constituído por<br />
uma empena emoldurada por um friso <strong>de</strong> pedras, com uma leve<br />
curvatura invertida e um óculo irregular <strong>de</strong> moldura, também <strong>de</strong> pedra,<br />
no tímpano. Há uma pequena cruz sobre o acrotério, la<strong>de</strong>ada por dois<br />
pináculos pontu<strong>dos</strong>, <strong>de</strong> forma piramidada. As torres propriamente ditas<br />
estão acima do alinhamento do frontão. Têm cantos arremata<strong>dos</strong> em<br />
pedra, o mesmo acontecendo com as aberturas <strong>dos</strong> sinos. Acima há<br />
uma espécie <strong>de</strong> parapeito com coruchéus nos cantos, cercando os tais<br />
pináculos robustos e curiosos, semelhantes aos da matriz <strong>de</strong> Catas<br />
Altas, como dissemos.<br />
Lamentamos enfim, não ter podido conhecê-la por <strong>de</strong>ntro na<br />
primeira tentativa, imaginando que pela sua antiguida<strong>de</strong>, pu<strong>de</strong>sse conter<br />
preciosos retábulos em arquivoltas. Ficamos sabendo apenas,<br />
consultando o relatório da viagem <strong>de</strong> dom frei José da Santíssima<br />
Trinda<strong>de</strong>, que a igreja tem seis altares “to<strong>dos</strong> com bons ornamentos e<br />
213
alfaias” e que o páraco em 1822, era o irrepreensível e zeloso padre<br />
Francisco Xavier Meireles Souza.<br />
Meses mais tar<strong>de</strong>, num domingo <strong>de</strong> manhã, <strong>de</strong> volta <strong>de</strong> Ouro<br />
Preto, resolvemos tentar, mais uma vez, conhecer o interior da velha<br />
matriz e <strong>de</strong>sta vez tivemos sucesso. Pu<strong>de</strong>mos observar que, no geral,<br />
seu interior <strong>de</strong> fato tinha uma concepção muito antiga. O altar mor é<br />
um tipo <strong>de</strong> oratório, semelhante a alguns mo<strong>de</strong>los que encontra<strong>dos</strong> nas<br />
<strong>igrejas</strong> brasileiras do século XVII, embora muito mais empobrecido.<br />
Não tem <strong>dos</strong>sel nem é propriamente em arquivoltas. As colunas são<br />
retas e em baixo relevo, com abundância <strong>de</strong> entalhes fitomorfos.<br />
O camarim é muito espaçoso e abrigava uma imagem <strong>de</strong> Jesus<br />
com o coração exposto, que provavelmente estava ali provisoriamente<br />
pois era época <strong>de</strong> festejos do Sagrado Coração. A capela mor é pequena<br />
e está ligada a duas amplas capelas laterais, através <strong>de</strong> arcos altos e<br />
largos. O teto é facetado e artesoado, emoldurando pinturas <strong>de</strong> cenas<br />
sacras diversas, parecidas com estampas <strong>de</strong> estilo mais recente. O arco<br />
cruzeiro é em rica talha dourada, semelhante ao retábulo mor, porém<br />
<strong>de</strong>svalorizado por pinturas na pare<strong>de</strong>, ali colocadas em total <strong>de</strong>sarmonia<br />
com o resto do conjunto. Os altares do transepto são pequenos,<br />
ten<strong>de</strong>ndo para arquivoltas, sem nichos porém com um medalhão no<br />
coroamento. Estão encosta<strong>dos</strong> na pare<strong>de</strong> em ângulo reto: lembram os<br />
altares da matriz <strong>de</strong> Raposos, muito antigos. O trono é baixo,<br />
simplificado, lembrando cântaros, o que reforça sua antiguida<strong>de</strong>. As<br />
colunas, torsas e enlaçadas por ramagens, são sustentadas por anjos<br />
agacha<strong>dos</strong> em posição muito incômoda e com suas minúsculas<br />
intimida<strong>de</strong>s à vista.<br />
Na nave estão mais dois altares, <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> muito inferior.<br />
São <strong>de</strong> estilo bem mais recente, com colunas retas muito simples e<br />
pintura forte, em contrastes <strong>de</strong> mau-gosto. O teto tem formato<br />
semelhante ao da capela mor mas não é artesoado. Está contornado por<br />
um parapeito singelo, com os doutores da igreja e alguns evangelistas<br />
nas sacadas, contemplando os fiéis. No centro está uma moldura com a<br />
visão <strong>de</strong> Nossa Senhora que parece <strong>de</strong> confecção posterior, em relação<br />
<strong>às</strong> pinturas do entorno.<br />
Os púlpitos ten<strong>de</strong>m a linhas retas, com relevos e pintura<br />
marmorizada, tendo baldaquinos quadra<strong>dos</strong> com franjas e pingentes, no<br />
alto.<br />
O coro é em perfil <strong>de</strong> besta com balaustrada <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira escura<br />
e colunas <strong>de</strong> mesmo aspecto. Apoia-se nas pare<strong>de</strong>s, sobre raquíticos<br />
214
atlantes mal entalha<strong>dos</strong> em ma<strong>de</strong>ira escura natural, a mesma das colunas<br />
e <strong>dos</strong> balaústres. Ao lado do vestíbulo está o batistério. É o mais<br />
arejado e claro <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> Gerais, graças a um amplo janelão baixo que se<br />
abre para o exterior.<br />
Nas laterais, pegando parte da nave e da capela mor, estão duas<br />
outras capelas. Uma <strong>de</strong>las é a Capela do Santíssimo, uma das mais<br />
imponentes <strong>de</strong> todas as <strong>igrejas</strong> setecentistas mineiras. Está valorizada<br />
por um rico retábulo em talha dourada com colunas retas e torsas,<br />
ten<strong>de</strong>ndo para arquivoltas, porém prejudicadas pela intromissão <strong>de</strong> uma<br />
estranha sanefa sem douramento, à frente do coroamento.<br />
No todo é uma igreja interessante e rara, mas, como dissemos,<br />
nem é tombada.<br />
Igreja do Rosário - 1740<br />
Seguindo a rua do Rosário em frente à matriz, passando por<br />
alguns casarões antigos e subindo uma la<strong>de</strong>ira razoável, chegamos à<br />
colina on<strong>de</strong> está a igreja do Rosário <strong>de</strong> Itabirito. Após escalar uma<br />
escada <strong>de</strong> pedras, a<strong>de</strong>ntramos o adro gramado circundado por um baixo<br />
muro <strong>de</strong> pedras. Atrás do templo, casualmente, encontramos uma<br />
turma baforando coletivamente um apreciado baseado. Não se<br />
acanharam em absoluto, com a nossa inesperada presença <strong>às</strong> <strong>de</strong>z horas<br />
da manhã <strong>de</strong> um dia incomum. Nenhum <strong>de</strong>les tinha a chave da igreja,<br />
nem se interessava por ela senão como refúgio. Mas nos <strong>de</strong>ram uma<br />
informação certeira que nos permitiu encontrar o guardião e visitar o<br />
interior do templo.<br />
A igreja tem o aspecto externo <strong>de</strong> uma típica singela capelinha<br />
setecentista rural mineira. Sua fachada é constituída apenas do<br />
frontispício e <strong>de</strong> uma empena reta, coberta <strong>de</strong> telhas e assentada acima<br />
<strong>de</strong> uma cimalha em beiral <strong>de</strong> alvenaria. No tímpano está um óculo<br />
gran<strong>de</strong> e complexo em meia voluta, com moldura <strong>de</strong> pedra. A cruz está<br />
fincada na cumeeira, sobre um pe<strong>de</strong>stal <strong>de</strong> pedra. O portal é <strong>de</strong> pedra e<br />
tem um robusto e interessante adorno em volutas, também <strong>de</strong> pedra,<br />
valorizando a verga. É o ponto alto da fachada e bate com folga o<br />
portal da matriz da Boa <strong>Viagem</strong>, muito mais singelo. Acima está um<br />
nicho com a imagem da N. S. do Rosário, la<strong>de</strong>ada por duas aberturas<br />
on<strong>de</strong> estão os sinos.<br />
O altar mor é em <strong>dos</strong>sel clássico com os anjos esvoaçantes<br />
abrindo o cortinado, sob a coroa. As colunas são robustas, torsas e com<br />
215
frisos fitomorfos doura<strong>dos</strong>. Destaque para os belos nichos com<br />
baldaquinos. As colunas externas sustentam fragmentos <strong>de</strong> arquitrave.<br />
Os altares do transepto são do tipo oratório, com o arco<br />
rendilhado e um espaldar alto, com medalhão, anjos e a coroa. Possuem<br />
apenas as pilastras externas que são em forma <strong>de</strong> quartela. O camarim e<br />
o trono são pequenos. Um <strong>dos</strong> altares é dourado resplan<strong>de</strong>cente e com<br />
policromia carregada. O outro é fosco, ten<strong>de</strong>ndo a uma policromia<br />
suave, marmorizada. O contraste é interessante. Não há pinturas nem<br />
no teto da nave nem no da capela mor.<br />
Os altares estavam sem imagens. Elas só são colocadas quando<br />
há ofício: precaução da comunida<strong>de</strong> contra os ladrões. No geral, esta<br />
capelinha nos causou grata surpresa.<br />
Capelinha das Mercês<br />
Está no meio do caminho da interessante alameda que adorna a<br />
la<strong>de</strong>ira que leva à igreja <strong>de</strong> Bom Jesus <strong>de</strong> Matosinhos, logo acima. O<br />
estado é <strong>de</strong> penúria e o seu adro está entulhado <strong>de</strong> restos <strong>de</strong> construção.<br />
Parece em profunda agonia, quase fazendo coro com as ruínas do tal<br />
belo casarão setecentista localizado perto do templo <strong>de</strong> Bom Jesus,<br />
seguindo a la<strong>de</strong>ira. A fachada praticamente não tem nenhum adorno a<br />
não ser um arco <strong>de</strong> pedra que repousa sobre falsas pilastras e se verga<br />
um pouco abaixo da empena. No meio há um pequeno óculo. Não há<br />
cimalha nem torres, portanto a fachada é constituída <strong>de</strong> uma peça<br />
única. Não fosse a empena e os óculos redon<strong>dos</strong> nas laterais a capelinha<br />
das Mercês até po<strong>de</strong>ria passar por um casarão abandonado.<br />
Igreja <strong>de</strong> Bom Jesus <strong>de</strong> Matosinhos - 1765<br />
Continuando a la<strong>de</strong>ira da capelinha das Mercês chegamos ao<br />
outeiro on<strong>de</strong> está a igreja em posição <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque. Seu adro se reduz a<br />
uma pequena área lajeada, com uma escada <strong>de</strong> dois <strong>de</strong>graus que se liga<br />
a um largo gramado, cortado por uma trilha <strong>de</strong> pedras. A fachada é uma<br />
peça única, sem cimalha, com uma empena rebaixada e um óculo<br />
cruciforme, abaixo da cumeeira. Os cunhais são <strong>de</strong> cantaria arremata<strong>dos</strong><br />
por coruchéus planta<strong>dos</strong> acima do telhado. O beiral é <strong>de</strong> pedras,<br />
coberto <strong>de</strong> telhas e avança nas laterais <strong>dos</strong> cunhais. A porta tem uma<br />
moldura com verga reforçada e um adorno simplificado e com<br />
inscrições, logo acima. Ao lado estão duas aberturas com moldura <strong>de</strong><br />
pedras abrigando os sinos. Não conseguimos conhecer o interior do<br />
216
templo e fomos embora meio frustra<strong>dos</strong> pois, <strong>dos</strong> quatro templos<br />
setecentistas <strong>de</strong> Itabirito, apenas dois pu<strong>de</strong>mos conhecer por <strong>de</strong>ntro. É<br />
o circulo vicioso da perversida<strong>de</strong> do turismo cultural: Itabirito não vai<br />
atrair pessoas interessadas em conhecer os seus templos porque eles<br />
ficam fecha<strong>dos</strong> e eles ficam fecha<strong>dos</strong> porque não há gente interessada<br />
em conhecê-los.<br />
MARIANA<br />
É uma linda cida<strong>de</strong>, que contém excelentes templos e edifícios,<br />
como são o palácio episcopal e diversas casas particulares,<br />
a Sé, São Francisco e Carmo. Esse município foi muito extenso<br />
e ainda hoje, apesar das <strong>de</strong>smembrações, não é pequeno.<br />
O primitivo povoamento <strong>dos</strong> ban<strong>de</strong>irantes João Lopes <strong>de</strong><br />
Lima e Salvador Fernan<strong>de</strong>s Furtado, outra gloriosa vila das <strong>Minas</strong><br />
Gerais do século XVIII, a nossa Leal Vila <strong>de</strong> N. S. da Conceição do<br />
Carmo, fica a cerca <strong>de</strong> duas léguas <strong>de</strong> Ouro Preto. O ribeirão do Carmo<br />
como se recorda, é aquele formado pela junção do Ouro Preto e do<br />
Funil e que <strong>de</strong>pois vai <strong>de</strong>saguar no rio Doce, caudaloso especialmente<br />
após receber as águas tributárias do rio Piracicaba e correr até a sua foz<br />
no litoral do Espírito Santo. Assim correm as bacias <strong>dos</strong> rios mineiros:<br />
o Doce, o São Francisco, o Paranaíba e o Gran<strong>de</strong>; se juntando,<br />
recebendo e levando água por milhares <strong>de</strong> quilômetros até suas<br />
magníficas e distantes fozes. Hoje o aspecto do ribeirão do Carmo<br />
ainda é <strong>de</strong> muita dignida<strong>de</strong> e apresenta volume <strong>de</strong> água muita maior do<br />
que muitos rios da passado que nos nossos dias acabaram virando<br />
filetes <strong>de</strong> água imunda.<br />
Mariana se rivalizou com Vila Rica ao longo <strong>de</strong> quase toda a<br />
primeira meta<strong>de</strong> do século XVIII. Foi residência <strong>dos</strong> primeiros<br />
governadores e primeira vila instalada na capitania por Antônio <strong>de</strong><br />
Albuquerque em 1711, antes <strong>de</strong> Vila Rica e Sabará. Embora o palácio<br />
<strong>dos</strong> governadores tivesse sido construído em Mariana já por volta <strong>de</strong><br />
1715 , <strong>de</strong> fato, os governantes das <strong>Minas</strong> preferiam permanecer em<br />
Vila Rica, só indo a Mariana em veraneio. Isso perdurou até 1743<br />
quando o governador Gomes Freire <strong>de</strong> Andrada, obteve permissão do<br />
rei para construir o palácio <strong>de</strong> Vila Rica. Com a transferência da<br />
cavalaria para o quartel da Cachoeira do Campo, Mariana per<strong>de</strong>u <strong>de</strong><br />
vez, a condição <strong>de</strong> se<strong>de</strong> do po<strong>de</strong>r temporal, mantendo, contudo, sua<br />
217
condição <strong>de</strong> diocese e centro do po<strong>de</strong>r da Igreja sobre quase toda a<br />
capitania.<br />
Foi aqui que o con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Assumar enfrentou os rebela<strong>dos</strong> da<br />
sedição <strong>de</strong> 1720, conduzi<strong>dos</strong> por Paschoal da Silva Guimarães.<br />
Engambelou-os fingindo aceitar suas reivindicações e <strong>de</strong>pois revidou<br />
solertemente, queimando os domínios do caudilho, pren<strong>de</strong>ndo e o<br />
<strong>de</strong>portando para Portugal, além <strong>de</strong> esquartejar Felipe <strong>dos</strong> Santos.<br />
Terra <strong>de</strong> Ataí<strong>de</strong> e Cláudio Manuel da Costa foi também a<br />
primeira vila elevada à categoria <strong>de</strong> cida<strong>de</strong> nas <strong>Minas</strong> Gerais. Ganhou<br />
essa condição e o nome <strong>de</strong> Mariana em 1745, após receber o privilégio,<br />
concedido pelo papa Benedito XIV através da bula Candor lucis aeterna,<br />
<strong>de</strong> ser elevada a se<strong>de</strong> <strong>de</strong> diocese o que, naqueles tempos, só podia<br />
acontecer em cida<strong>de</strong>s. 167 Ao obter esse privilégio foi contemplada com<br />
uma série <strong>de</strong> melhorias, inclusive com um projeto urbanístico do nosso<br />
conhecido José Fernan<strong>de</strong>s Alpoin que traçou praças e ruas retas e<br />
largas, dignas <strong>de</strong> uma autêntica cida<strong>de</strong>, se<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma diocese e sítio <strong>de</strong><br />
uma catedral. Deteve o título <strong>de</strong> primeira e única cida<strong>de</strong> mineira até<br />
1823. A glória <strong>de</strong> antiga se<strong>de</strong> <strong>de</strong> bispado e <strong>de</strong> centro do po<strong>de</strong>r espiritual<br />
da capitania foi o que realmente manteve Mariana em <strong>de</strong>staque até<br />
quase mea<strong>dos</strong> do século XX. Essa vocação eclesiástica compensou sua<br />
<strong>de</strong>cadência e superação por parte <strong>de</strong> Vila Rica ainda antes do término<br />
da primeira meta<strong>de</strong> do século XVIII. Seu primeiro bispo ganhou o<br />
palácio, já sem governadores, para entronar o po<strong>de</strong>r episcopal em 1748<br />
e to<strong>dos</strong> ficaram felizes, com a oportuna separação do temporal e do<br />
espiritual. No repique, logo <strong>de</strong>pois, a diocese foi novamente<br />
contemplada; <strong>de</strong>sta vez com um belo sítio on<strong>de</strong> o bispo preferiu se<br />
instalar em ambiente mais bucólico, propício <strong>às</strong> contemplações.<br />
Generoso que era passou, por sua vez, seu antigo palácio à Or<strong>de</strong>m<br />
Terceira <strong>de</strong> São Francisco. De fato, o palácio se confun<strong>de</strong> com a igreja<br />
da or<strong>de</strong>m parecendo um edifício único como ainda hoje se po<strong>de</strong><br />
observar.<br />
167 O primeiro bispo <strong>de</strong> Mariana, D. Manuel da Cruz, partindo do Maranhão, gastou<br />
quatorze meses <strong>de</strong> viagem para chegar a sua diocese, só tomando posse sete anos após<br />
a criação da mesma pelo Papa .<br />
218
A exemplo <strong>de</strong> Ouro Preto, Mariana nasceu a partir <strong>dos</strong> núcleos<br />
<strong>de</strong> inúmeras datas e catas <strong>de</strong> ouro e que atualmente formam seus tantos<br />
bairros e distritos. Assim, sua fundação também está associada ao nome<br />
<strong>de</strong> vários pioneiros que no final do século XVII 168 se estabeleceram<br />
próximos uns aos outros firmando os respectivos povoa<strong>dos</strong>, geralmente<br />
i<strong>de</strong>ntifica<strong>dos</strong> pelos nomes <strong>de</strong> seus fundadores: João Lopes <strong>de</strong> Lima,<br />
Salvador Furtado, Miguel Garcia, Antônio Pereira Machado e outros.<br />
Hoje Mariana po<strong>de</strong> ser facilmente alcançada a partir <strong>de</strong> Ouro<br />
Preto, por estrada que corta o Morro da Queimada, <strong>de</strong>sce e encontra o<br />
ribeirão do Carmo no distrito <strong>de</strong> Passagem e segue em linha plana até a<br />
vetusta e histórica cida<strong>de</strong>. Antigamente era alcançada a partir do arraial<br />
do Padre Faria após a penosa escalada da la<strong>de</strong>ira do Vira e Saia,<br />
seguindo o vale do ribeirão. Como se recorda, nos primórdios toda a<br />
região era coberta <strong>de</strong> <strong>de</strong>nsa e exuberante mata e para atravessá-la à<br />
machado, até a vila do Ribeirão do Carmo, gastava-se cerca <strong>de</strong> quatro<br />
dias. Mariana é ainda hoje uma cida<strong>de</strong>zinha paciente que, não obstante<br />
não ter conservado muito do seu sítio histórico, parou no tempo e vive<br />
da glória mais abstrata do que concreta, do passado. A sombra turística<br />
<strong>de</strong> Ouro Preto a obscurece, por conta da preguiça <strong>dos</strong> turistas típicos<br />
que a evitam, apesar do acesso ser extremamente fácil e ambas fazerem<br />
parte do mesmo complexo histórico e cultural, naturalmente<br />
indivisível. Por conta disso, tem uma estrutura turística muito pobre<br />
com poucas opções <strong>de</strong> hospedagem e alimentação. Continua mais ou<br />
menos como no século XVIII, quando muitos <strong>dos</strong> nossos viajantes que<br />
por aqui passaram, repararam sua placi<strong>de</strong>z e reclamaram da penúria das<br />
condições <strong>de</strong> hospedagem.<br />
Além <strong>de</strong> sua tantas notáveis <strong>igrejas</strong> setecentista, possui algumas<br />
atrações interessantes como o Museu Sacro Arquidiocesano que<br />
funciona na Casa Capitular <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1962, construção antiga do conhecido<br />
construtor <strong>de</strong> <strong>igrejas</strong> mestre José Pereira Arouca, iniciada em 1770 e<br />
cuja obra foi tão <strong>de</strong>morada que o empreiteiro teve que enfrentar uma<br />
ação judicial da diocese por quebra <strong>de</strong> contrato. Há também o Museu<br />
da Música que tem em seu arquivo valiosíssimas peças <strong>de</strong> compositores<br />
mineiros do século XVIII, muitas das quais ainda <strong>de</strong>sconhecidas. Aliás,<br />
Mariana sempre teve apreço pela música, <strong>de</strong> que é exemplo o<br />
inventário <strong>dos</strong> bens do mestre Manuel da Costa Ataí<strong>de</strong> que chama<br />
168 Oficialmente a data <strong>de</strong> fundação <strong>de</strong> Mariana é 1696, tendo sido comemorado seu<br />
tricentenário, com todas as honras, em 1996.<br />
219
atenção pelo número <strong>de</strong> instrumentos musicais <strong>de</strong>ixa<strong>dos</strong>. Ainda hoje<br />
tem como imperdível atração, os concertos dominicais <strong>de</strong> Elisa Freixo<br />
no órgão da Catedral da Sé, milagrosamente em ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />
trezentos anos da sua fabricação, na Alemanha. Outro local interessante<br />
e obrigatório <strong>de</strong> visitação é a praça <strong>Minas</strong> Gerais, on<strong>de</strong> estão o<br />
pelourinho e a antiga Casa do Senado da Câmara e Ca<strong>de</strong>ia, obra<br />
também creditada a Arouca. Está erguida no local exato on<strong>de</strong>, sessenta<br />
anos antes do início da construção, já estava o Quartel <strong>dos</strong> Dragões do<br />
con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Assumar. Dali ele partiu para sufocar a rebelião <strong>de</strong> Paschoal<br />
da Silva Guimarães, botar fogo no Morro da Queimada em Vila Rica e<br />
pren<strong>de</strong>r Felipe <strong>dos</strong> Santos no adro da Igreja <strong>de</strong> N. S. da Nazaré na<br />
Cachoeira do Campo. O antigo palácio do con<strong>de</strong> é aquele casarão<br />
colado aos fun<strong>dos</strong> da igreja <strong>de</strong> São Francisco. É amigo, a História aqui<br />
respira por to<strong>dos</strong> os la<strong>dos</strong>.<br />
A construção do edifício da Câmara também foi <strong>de</strong>morada e o<br />
mestre Arouca morreu antes <strong>de</strong> vê-la concluída. Na praça estão ainda as<br />
<strong>igrejas</strong> <strong>de</strong> São Francisco e do Carmo. É a única praça que conheço que<br />
tem importantes <strong>igrejas</strong>, das duas principais irmanda<strong>de</strong>s setecentista,<br />
quase em frente uma da outra. Seu pelourinho ainda guarda um quê <strong>de</strong><br />
autorida<strong>de</strong>, diferentemente <strong>dos</strong> <strong>de</strong> Caeté e São João <strong>de</strong>l Rei, hoje quase<br />
esqueci<strong>dos</strong> em cantos <strong>de</strong> praças.<br />
Em Mariana morava o cônego Luiz Vieira da Silva, um <strong>dos</strong><br />
lí<strong>de</strong>res da Inconfidência Mineira. Ele era dono <strong>de</strong> uma das maiores<br />
bibliotecas do Brasil na sua época, atestado da relevância cultural <strong>de</strong><br />
<strong>Minas</strong> no século XVIII. Depois da sua prisão e con<strong>de</strong>nação ao exílio<br />
em Lisboa, seus livros foram seqüestra<strong>dos</strong> e infelizmente acabaram se<br />
per<strong>de</strong>ndo. Teria sido extraordinário se a biblioteca do Cônego e as <strong>de</strong><br />
vários outros inconfi<strong>de</strong>ntes tivessem sido preservadas e hoje estivessem<br />
à disposição do público em alguns <strong>dos</strong> tantos belos casarões<br />
marianenses setecentistas.<br />
Nossos viajantes do século XIX fizeram mais ou menos como<br />
os turistas atuais, <strong>de</strong>ram muita atenção a Ouro Preto e pouca atenção a<br />
Mariana.<br />
Sait-Hilaire chegou a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> passar duas semanas em<br />
Vila Rica, como vimos. Não fez muitos comentários mas não <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong><br />
criticar os chafarizes. Tentou conhecer os jardins do seminário, que lhe<br />
haviam pintado como <strong>de</strong> certo interesse mas não obteve permissão <strong>dos</strong><br />
padres com quem conversou e que lhe disseram que somente o vigário<br />
220
geral po<strong>de</strong>ria dar tal autorização. Ainda que fanático naturalista, o nosso<br />
meticuloso viajante achou <strong>de</strong>scabido recorrer a tal autorida<strong>de</strong> só para<br />
conhecer um jardim e resolveu <strong>de</strong>sistir da i<strong>de</strong>ia. Não <strong>de</strong>ixou porém <strong>de</strong><br />
dar uma espiada por cima do muro e achar que, afinal, o jardim não era<br />
lá essas coisas. Aproveitou também para registrar a gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>cadência<br />
do seminário que achava que <strong>de</strong>veria ser dinamizado para cumprir o seu<br />
papel <strong>de</strong> mais tradicional educandário <strong>de</strong> <strong>Minas</strong>. Notou o traçado<br />
regular das ruas e <strong>de</strong>screveu a praça da ca<strong>de</strong>ia com suas duas <strong>igrejas</strong>. Na<br />
verda<strong>de</strong>, o sábio francês falou pouco <strong>de</strong> Mariana mas muito sobre a<br />
organização eclesiástica mineira e o seu clero, via <strong>de</strong> regra visto por ele<br />
como pouco virtuoso, fanático por uma boa côngrua e bastante<br />
chegado a uma simonia. Mal sabia ele que no século anterior era muito<br />
pior.<br />
Saint-Hilaire visitou Mariana num <strong>dos</strong> muitos perío<strong>dos</strong> em que<br />
o bispado estava acéfalo à espera da indicação <strong>de</strong> um bispo que se<br />
dispusesse a <strong>de</strong>ixar os ricos bispa<strong>dos</strong> da Bahia, Recife ou Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
para enfrentar as <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>ntes <strong>Minas</strong>. Depois da sua passagem foi que o<br />
nosso companheiro dom frei José da Santíssima Trinda<strong>de</strong>, assumiu a<br />
diocese e inclusive cuidou da reabertura do seminário que o nosso<br />
dileto naturalista lamentou encontrar fechado.<br />
George Gardner anotou apenas que Mariana era uma cida<strong>de</strong><br />
muito quieta com aspecto imponente e que fazia melhor figura do que<br />
Ouro Preto.<br />
Spix e Martius pernoitaram em Mariana à caminho do vale do<br />
Rio Doce, on<strong>de</strong> foram observar índios. Acharam a cida<strong>de</strong> com aspecto<br />
agradável e registraram que a matriz estava ainda por ser concluída.<br />
Conheceram o legista da cida<strong>de</strong>, o dr. Godoy, que <strong>de</strong>clinou para eles as<br />
doenças mais comuns que assolavam Mariana naquela época: erisipela,<br />
hidropisia, febre surda(?), <strong>de</strong>sinteria, ciática nervosa e sífilis. Na saída<br />
reclamaram também da hospedaria em que tiveram que pernoitar, tão<br />
miserável, quanto a tal do Alto das Cabeças em Vila Rica.<br />
Richard Burton foi quem mais <strong>de</strong>tidamente examinou Mariana.<br />
Quando por aqui passou havia três hospedarias. A melhor era o Hotel<br />
Marianense, <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiente qualida<strong>de</strong>, mas cujos preços se rivalizavam<br />
com o Hotel <strong>de</strong>s Ambassa<strong>de</strong>urs <strong>de</strong> São Petersburgo, na gloriosa Rússia<br />
imperial. Reclamou que para três malditas hospedarias, havia nada<br />
menos do que nove <strong>igrejas</strong>. Como Sait-Hilaire, <strong>de</strong>screveu a praça da<br />
ca<strong>de</strong>ia e suas <strong>igrejas</strong>, notando que a igreja <strong>de</strong> São Francisco era a Sé<br />
provisória pois a catedral estava em obras. Citou Gardner e concordou<br />
com ele que a cida<strong>de</strong> parecia quase <strong>de</strong>serta. Visitou o bispo e o<br />
221
seminário e contou cento e oitenta alunos. Registrou que os que<br />
quisessem ser padres teriam que prosseguir estu<strong>dos</strong> no Caraça.<br />
Finalmente visitou o inevitável colégio das irmãs, criticou o nosso<br />
sistema alienante <strong>de</strong> ensino do século XIX e rumou para Ouro Preto<br />
em busca <strong>de</strong> coisa mais animada e interessante.<br />
Mariana e seus distritos oferecem um conjunto extraordinário<br />
<strong>de</strong> <strong>igrejas</strong> setecentista que justificam alguns dias <strong>de</strong> estadia na cida<strong>de</strong>,<br />
necessários para conhecê-las. São elas: Catedral <strong>de</strong> N. S. da Assunção,<br />
Basílica Menor <strong>de</strong> São Pedro <strong>dos</strong> Clérigos, igreja <strong>de</strong> N. S. Rainha <strong>dos</strong><br />
Anjos, igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Assis, igreja <strong>de</strong> N. S. do Carmo, igreja<br />
<strong>de</strong> N. S. do Rosário <strong>dos</strong> Velhos, capela <strong>de</strong> Santana, capela <strong>de</strong> N. S. da<br />
Boa Morte, capela <strong>de</strong> Santo Antônio, igreja <strong>de</strong> N. S. das Mercês, matriz<br />
<strong>de</strong> Bom Jesus do Monte <strong>de</strong> Caetano Furquim, matriz <strong>de</strong> N. S. do<br />
Rosário do Sumidouro, igreja <strong>de</strong> N. S. da Conceição <strong>de</strong> Camargos,<br />
igreja <strong>de</strong> N. S. da Glória <strong>de</strong> Passagem, matriz <strong>de</strong> São Sebastião <strong>de</strong><br />
Ban<strong>de</strong>irantes, N. S. da Conceição da Cachoeira do Brumado, matriz <strong>de</strong><br />
São Caetano <strong>de</strong> Monsenhor Horta, matriz <strong>de</strong> N. S. <strong>de</strong> Nazaré <strong>de</strong> Santa<br />
Rita Durão e Rosário <strong>dos</strong> Pretos <strong>de</strong> Santa Rita Durão.<br />
Assim como aconteceu em Ouro Preto, a maioria <strong>dos</strong> templos<br />
<strong>de</strong> Mariana foram tomba<strong>dos</strong> pelo IPHAN em 1939. Não são tombadas<br />
a Basílica <strong>de</strong> São Pedro, a capela <strong>de</strong> N. S. da Boa Morte, a capela <strong>de</strong><br />
Santo Antônio, a matriz <strong>de</strong> Ban<strong>de</strong>irantes, a matriz da Cachoeira do<br />
Brumado e a Rosário <strong>dos</strong> Pretos <strong>de</strong> Santa Rita Durão.<br />
Catedral <strong>de</strong> N. S. da Assunção – 1713<br />
A Sé <strong>de</strong> Mariana é uma das mais <strong>antigas</strong> e pitorescas <strong>igrejas</strong><br />
mineiras. Mas não é a mais antiga igreja <strong>de</strong> Mariana. Certamente a<br />
prece<strong>de</strong>ram pelo menos a igreja do Rosário e a capela <strong>de</strong> Santo<br />
Antônio. Consta que ela foi construída no local on<strong>de</strong> havia uma capela<br />
<strong>de</strong> Antônio Pereira Machado, na virada do século XVIII. 169 Esta igreja<br />
169 Diz o ouvidor Matoso (1750) que a Sé suce<strong>de</strong>u a antiga Matriz <strong>de</strong> Mariana cujo<br />
orago era N. S. da Conceição e que ela foi construída próximo ao local da igreja velha.<br />
Em sendo assim a igreja antiga teria sido <strong>de</strong>molida e perto teria sido construído o<br />
novo templo para ser a Sé com invocação <strong>de</strong> N. S. da Assunção. Digo <strong>de</strong> Vasconcelos<br />
conta que a igreja foi reconstruída entre 1734 e 1740. Com certeza passou por novos<br />
melhoramentos quando da instalação do bispado. Por tudo isso é justo consi<strong>de</strong>rar que<br />
222
tem algumas características raras como a nave <strong>de</strong> três ambientes, o altar<br />
mor em arquivoltas e com uma pintura entronada e o órgão alemão <strong>de</strong><br />
1710. Em 1745 Mariana tinha virado diocese e dois anos <strong>de</strong>pois d. João<br />
V adquiriu o órgão do fabricante Arp Schnitger com intenção <strong>de</strong> doá-lo<br />
à sé do novo bispado. Mas isso só foi efetivamente feito em 1753<br />
quando o rei já era d. José I. O divino instrumento tem nada menos do<br />
que trinta e cinco metros quadra<strong>dos</strong> <strong>de</strong> área e para sua instalação,<br />
Manuel Francisco Lisboa teve que fazer adaptações na nave. Foi<br />
inteiramente restaurado e voltou a soprar em 1984 quando foi<br />
concluída a primeira etapa <strong>de</strong> um processo minucioso <strong>de</strong> restauração<br />
que só foi inteiramente concluído em 2002. Des<strong>de</strong> então, o visitante,<br />
nas manhãs <strong>de</strong> domingo, <strong>de</strong> costas para a capela mor, po<strong>de</strong> se <strong>de</strong>liciar<br />
com os concertos didáticos <strong>de</strong> Elisa Freixo. O gran<strong>de</strong> instrumento<br />
parece sobrar do próprio céu para o alto da nave on<strong>de</strong> seus tubos<br />
alcançam. Foi preciso recuar o forro e abaixar o piso, ao lado do coro,<br />
para que ele pu<strong>de</strong>sse caber on<strong>de</strong> está.<br />
Junto com a matriz <strong>de</strong> Santo Antônio <strong>de</strong> Tira<strong>de</strong>ntes, a Sé <strong>de</strong><br />
Mariana é consi<strong>de</strong>rada a quarta mais rica igreja do Brasil. Ergue-se na<br />
antiga praça das cavalhadas, hoje muita <strong>de</strong>scaracterizada, com raros<br />
edifícios setecentistas ainda preserva<strong>dos</strong>. Na rua Direita, perto daqui,<br />
morou Alphonsus <strong>de</strong> Guimarães. Sua casa foi transformada em museu<br />
on<strong>de</strong> estão expostos objetos que pertenceram ao trágico poeta. Aqui<br />
morreu e seu túmulo está no cemitério anexo à capela <strong>de</strong> Santana.<br />
A fachada atual da catedral se encontra <strong>de</strong>sfigurada pelas<br />
sucessivas reformas por que passou e, em função disso, se parece um<br />
pouco com as insípidas <strong>igrejas</strong> do século XX. Spix e Martius registraram<br />
que ela estava em reforma quando aqui passaram, assim como Burton,<br />
cerca <strong>de</strong> quarenta anos <strong>de</strong>pois. Seu aspecto exterior só não chega a ser<br />
medíocre porque mantem sua estrutura típica das matrizes da primeira<br />
meta<strong>de</strong> do setecentos ou seja, <strong>de</strong> aparência sóbria e compleição<br />
robusta. Reformas, ajustes e adaptações estão bastante presentes na<br />
história da igreja <strong>de</strong>s<strong>de</strong> seu início.<br />
Em 1716, a Câmara da Vila do Carmo, foi autorizada a cobrar<br />
uma imposto adicional <strong>de</strong> <strong>de</strong>z por cento sobre a produção <strong>de</strong><br />
aguar<strong>de</strong>nte e melado para promover fun<strong>dos</strong> para as obras da antiga<br />
a datação mais correta para a ereção da Sé <strong>de</strong> Mariana, com a conformação geral que<br />
tem hoje, seria 1745.<br />
223
matriz. Graças a isso a construção tomou impulso, logo nos primeiros<br />
anos da instituição do primitivo.<br />
Sua fachada não é o seu ponto alto, guardando coerência com<br />
as tendências da época da sua construção quando o exterior <strong>dos</strong><br />
templos não merecia maiores preocupações.<br />
O frontispício é quadrangular e dividido em três partes por<br />
pilastras retas <strong>de</strong> alvenaria. A porta ocupa toda uma <strong>de</strong>ssas partes, tem<br />
portais simples e folhas <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira no alto, fechando o vão on<strong>de</strong> está<br />
assentada. Dos la<strong>dos</strong>, em plano superior, estão as tradicionais sacadas<br />
<strong>de</strong> balaustradas e entre elas há uma janela <strong>de</strong> mesmo traçado. As bases<br />
das torres são bastante largas e mostra janelas ao nível da porta,<br />
vazando as grossas pare<strong>de</strong>s. São gra<strong>de</strong>adas e por isso têm aspecto <strong>de</strong><br />
janelas <strong>de</strong> presídio. A cimalha é <strong>de</strong> telhas tipo beiral e contorna todo o<br />
edifício. O frontão é reto e bastante singelo, sustentando a sua cruz<br />
igualmente singela. As torres são quadradas, mais <strong>de</strong>lgadas do que suas<br />
bases e apresentam um telhado em quatro águas, achatado e com<br />
pináculos no topo e nas pontas do beiral ,o que lhes dá um ar meio<br />
oriental.<br />
Nomes conheci<strong>dos</strong> estão liga<strong>dos</strong> à construção da igreja: Manuel<br />
Francisco Lisboa, José Pereira Arouca, José Coelho Noronha,<br />
Francisco Vieira Servas e Manuel da Costa Ataí<strong>de</strong>.<br />
O interior da catedral <strong>de</strong> Mariana, merece especial <strong>de</strong>staque. O<br />
retábulo do altar mor é em arquivoltas, profusamente entalhadas com<br />
um medalhão no alto, la<strong>de</strong>ado por anjos. O trono é baixo com imagens<br />
diminutas, sobressaindo no conjunto uma pintura <strong>de</strong> N. S. da Assunção<br />
sobre o camarim. 170 A capela mor tem praticamente dois ambientes que<br />
dão a impressão <strong>de</strong> serem separa<strong>dos</strong> por dois arcos cruzeiros,<br />
sustenta<strong>dos</strong> por capitéis que se apoiam nas pare<strong>de</strong>s brancas das laterais.<br />
Cada um <strong>de</strong>sses ambientes se fecha em uma abóbada on<strong>de</strong> estão<br />
pinturas <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> eclesiásticas. O arco cruzeiro, assim como a<br />
cornija, são sóbrios e a mesa da comunhão está revestida por uma<br />
pintura azul grosseira que <strong>de</strong>stoa inteiramente das <strong>de</strong>mais peças da<br />
capela mor. Nas laterais estão as cátedras do cabido, adornadas por<br />
170 Tem gran<strong>de</strong> semelhança com o altar da Igreja <strong>de</strong> N. S. <strong>dos</strong> Cardais, <strong>de</strong> Lisboa – do<br />
século XVII.<br />
224
<strong>de</strong>senhos <strong>de</strong> inspiração chinesa. A nave é em trifório ou seja, dividida<br />
em três ambientes sob arcos que sustentam as tribunas. Seus altares são<br />
em estilo variado. Existem nada menos do que nove altares na nave. Os<br />
do arco cruzeiro, N. S. da Conceição e são José são atribuí<strong>dos</strong> a José<br />
Coelho Noronha o mestre <strong>de</strong> Caeté. São <strong>de</strong> pequenas dimensões<br />
<strong>de</strong>vido ao espaço roubado pelos corredores do trifório. Não chegam a<br />
ser em <strong>dos</strong>sel. Tem colunas em quartela com espaldar alto fechado em<br />
sanefas e com baldaquino quadrado no coroamento do retábulo. Há<br />
nichos originais na parte externa. Os primeiros altares do trifório ao<br />
contrário, são <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s dimensões. São adorna<strong>dos</strong> por complexas<br />
colunas, torsas na parte externa e em quartelas na parte <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro e que<br />
se fecham num falso <strong>dos</strong>sel. Os <strong>de</strong>mais altares são menores e utilizam<br />
uma varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> soluções híbridas <strong>de</strong> <strong>dos</strong>sel e arquivoltas. Há até<br />
mesmo um altar que nem chega a ter um retábulo com as imagens<br />
expostas pobremente. Esses altares são <strong>de</strong>dica<strong>dos</strong> a são João<br />
Evangelista, são Pedro, são Francisco, Senhor <strong>dos</strong> Passos, santa<br />
Bárbara, santa Luzia e santo Antônio. Já quase não sobrava santo para<br />
tanto altar. O famoso órgão localiza-se ao lado do coro. Os tetos da<br />
capela mor e da nave são abobada<strong>dos</strong> e adorna<strong>dos</strong> com pinturas <strong>de</strong><br />
bispos apoiadas em perspectivas ilusionistas, atribuídas a Manuel<br />
Rabelo <strong>de</strong> Souza. O da nave tem uma moldura rococó coroada com as<br />
armas do império. 171 Os púlpitos são encima<strong>dos</strong> por umas espécies <strong>de</strong><br />
baldaquinos. A peça atribuída a Ataí<strong>de</strong>, por aproximação iconográfica, é<br />
a pintura <strong>de</strong> são João Batista batizando Cristo, existente no fundo do<br />
Batistério.<br />
Destaque ainda para o tapa-vento em colunas originais e<br />
entalhes <strong>de</strong> Cristo on<strong>de</strong> Bazin i<strong>de</strong>ntificou contribuições do Aleijadinho.<br />
Igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Assis - 1763<br />
É outra notável igreja <strong>de</strong> Mariana, à altura das suas irmãs <strong>de</strong><br />
Ouro Preto e São João <strong>de</strong>l Rei. Aqui, mais uma vez, a rica irmanda<strong>de</strong><br />
mostra a sua força. Está erguida na famosa praça do pelourinho ao lado<br />
da igreja do Carmo. Trabalharam aqui os nossos conheci<strong>dos</strong> José<br />
Pereira Arouca, Francisco Vieira Servas e Francisco Xavier Carneiro,<br />
171 O IPHAN, informa que esta pintura é <strong>de</strong> 1760, assim <strong>de</strong>ve ter sofrido algum<br />
acréscimo pois o império, como sabemos, só foi criado quase setenta anos <strong>de</strong>pois.<br />
225
entre muitos outros artistas conheci<strong>dos</strong> e anônimos. O caríssimo<br />
mestre marianense Manuel da Costa Ataí<strong>de</strong>, também contribuiu para o<br />
embelezamento do templo. Dizem que seu corpo jaz sepultado no<br />
sagrado piso <strong>de</strong>sta igreja. Sua alma, seguramente baile no céu, on<strong>de</strong><br />
entrou através do teto da São Francisco <strong>de</strong> Assis <strong>de</strong> Ouro Preto, sua<br />
obra prima e que o cre<strong>de</strong>nciou plenamente para tal. Certamente repousa<br />
no colo exuberante da N. S. Mulata, a sua divina Raimunda.<br />
A fachada da São Francisco <strong>de</strong> Assis <strong>de</strong> Mariana apresenta a<br />
feição tradicional <strong>dos</strong> templos da segunda fase, estruturada em cantaria<br />
com aspecto <strong>de</strong> fortaleza. Seu frontispício é quadrado, com cunhais em<br />
lugar <strong>de</strong> pilastras já que a base das torres está em plano mais recuado. A<br />
portada é artisticamente trabalhada, com um gran<strong>de</strong> medalhão sobre a<br />
verga, emendando com o óculo, acima. Este é em formato original e<br />
empurra a cimalha, obrigando-a a uma leve curva. Ao lado estão duas<br />
sacadas e mais duas <strong>de</strong> mesmo formato e alinhamento se abrem na base<br />
das torres, guarnecidas com as inevitáveis balaustradas. O frontão é<br />
simples, <strong>de</strong> perfil curvo, sustentando a cruz <strong>de</strong> Lorena, típica <strong>dos</strong><br />
templos da or<strong>de</strong>m terceira franciscana. As torres são quadradas, com<br />
cúpulas em forma <strong>de</strong> pirâmi<strong>de</strong> achatada ostentando pináculos na ponta.<br />
O interior também é bastante característico, em rococó<br />
competente e clean com predominância do branco e frisos doura<strong>dos</strong>. A<br />
capela mor fica num plano mais elevado do que o usual. As pare<strong>de</strong>s são<br />
nuas e ostentam dois óculos redon<strong>dos</strong> abaixo do teto. Este é<br />
abobadado, com frisos doura<strong>dos</strong> que correm paralelos e se encontram<br />
no alto, sobressaindo sua bela simplicida<strong>de</strong>. O retábulo do altar mor é<br />
em arco ten<strong>de</strong>ndo para o <strong>dos</strong>sel, sustentado por colunas retas, <strong>de</strong>lgadas<br />
e <strong>de</strong> fuste estriado misto na parte interna e pilastras em quartela na<br />
parte externa. Chama a atenção o seu espaçoso camarim e o trono em<br />
<strong>de</strong>graus retos, sustentando a imagem do Cristo Crucificado com são<br />
Francisco mais abaixo, como é usual. Há também uma imagem <strong>de</strong><br />
Cristo pintada no fundo do camarim. A talha é <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Luiz Pinheiro, tendo Francisco Vieira Servas colaborado na elaboração<br />
do trono e Manuel da Costa Ataí<strong>de</strong>, na execução do douramento.<br />
Entre elas estão imagens franciscanas sobre consolos. Abaixo está a<br />
imagem <strong>de</strong> N. S. da Conceição. Na junção do altar com a pare<strong>de</strong><br />
aparecem colunas funcionais retas que sustentam a arquitrave. Todo o<br />
conjunto do altar mor é em frisos doura<strong>dos</strong> sobre fundo branco,<br />
compondo um conjunto sóbrio e agradável. O arco cruzeiro é simples e<br />
escora dois altares oblíquos relativamente avantaja<strong>dos</strong>. Também<br />
apresentam um camarim espaçoso, com colunas em quartelas<br />
226
sustentando um arco coroado com uma espécie <strong>de</strong> alto dia<strong>de</strong>ma. São<br />
também doura<strong>dos</strong>, com fundo branco e <strong>de</strong>talhes em azul<br />
marmorizado. Os dois altares seguintes estão no meio das pare<strong>de</strong>s da<br />
nave e são do tipo oratório, ou seja, não possuem propriamente<br />
colunas. Ostentam no alto do retábulo, umas espécies <strong>de</strong> baldaquinos<br />
franja<strong>dos</strong>. São <strong>de</strong>dica<strong>dos</strong> a são Roque, são Luiz, santa Izabel e santa<br />
Rosa e ostentam as respectivas imagens <strong>de</strong> roca. 172<br />
Ataí<strong>de</strong> é responsável pelo douramento do Altar <strong>de</strong> Santa Isabel<br />
e Francisco Xavier Carneiro pelos <strong>de</strong> São Roque e São Luiz. A cornija é<br />
bastante saliente e robusta e está pintada na tradicional imitação do<br />
mármore, tão a gosto <strong>dos</strong> nossos artistas setecentistas. Nos cantos do<br />
teto da nave, compondo com a moldura da cornija, há figuras papais.<br />
No centro está a representação do dilúvio <strong>de</strong> Xavier Carneiro,<br />
emoldurada por ricos <strong>de</strong>talhes <strong>de</strong>corativos tipicamente rococós com<br />
formas conchoi<strong>de</strong>s em profusão. Destaque ainda para os belos púlpitos<br />
em pedra sabão com base ricamente entalhada. O coro está estruturado<br />
em pedra sabão. Os arcos superiores, abaixo da cornija, estão pinta<strong>dos</strong><br />
num <strong>de</strong>sagradável tom <strong>de</strong> azul piscina<br />
No forro da sacristia os dois são Francisco sofrem as dores do<br />
mundo nas belas pinturas <strong>de</strong> Ataí<strong>de</strong>. Estão entre suas melhores obras,<br />
on<strong>de</strong> seu talento mais uma vez, não consegue se acomodar aos<br />
achatamentos típicos <strong>dos</strong> exageros <strong>de</strong>corativos da pintura rococó que<br />
marcou a sua época e limitou <strong>de</strong> certa forma, a sua obra. A distribuição<br />
arquitetônica do espaço oferece vários cômo<strong>dos</strong> se comunicando com a<br />
sacristia e a Capela do Santíssimo, inclusive com entrada in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<br />
se comunicando diretamente com a rua lateral ao lado do antigo palácio<br />
<strong>dos</strong> governadores. Este como dito, foi doado à Diocese que, por sua<br />
vez, o doou a irmanda<strong>de</strong> e hoje cumpre relevantes atribuições<br />
mundanas abrigando varia<strong>dos</strong> estabelecimentos comerciais <strong>de</strong> segunda<br />
linha.<br />
Igreja do Carmo - 1784<br />
172 As imagens <strong>de</strong> roca são uma esperteza <strong>dos</strong> escultores sacros que, assim, ficavam<br />
livres <strong>dos</strong> trabalhosos entalhes ou mo<strong>de</strong>lagens das vestimentas <strong>dos</strong> santos,<br />
substituindo-as por roupas <strong>de</strong> pano, cuja confecção era então repassada à<br />
competência <strong>de</strong> pie<strong>dos</strong>as costureiras.<br />
227
Está ao lado da igreja <strong>de</strong> São Francisco, numa harmoniosa<br />
posição em relação a ela, fazendo um conjunto raro, unindo, numa<br />
mesma paisagem, <strong>igrejas</strong> <strong>de</strong> irmanda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> certa forma rivais. É a mais<br />
tardia das mais famosas <strong>igrejas</strong> da irmanda<strong>de</strong> na região, sendo posterior<br />
aos templos <strong>de</strong> Ouro Preto, São João <strong>de</strong>l Rei e Sabará. Foi construída<br />
no local da primitiva capela do Menino-Deus, da qual manteve partes<br />
que foram sendo substituídas gradativamente até o final do primeiro<br />
quarto do século seguinte.<br />
Infelizmente esta igreja teve seu interior <strong>de</strong>struído por um<br />
incêndio em 1998 que consumiu gran<strong>de</strong> parte do seu acervo,<br />
especialmente na nave. Hoje ela se encontra inteiramente reconstruída,<br />
mas guarda as marcas da tragédia, especialmente nos portais da nave e<br />
no arco cruzeiro. Ao reconstruir a igreja o IPHAN adotou o critério<br />
correto <strong>de</strong> manter todas as peças originais salvas do incêndio, no estado<br />
em que encontravam. O que teve que ser reconstruído, foi feito sem<br />
intenção <strong>de</strong> falsear o original. Assim é que os altares do transepto se<br />
apresentam como umas espécies <strong>de</strong> maquetes, apenas a lembrar o<br />
traçado <strong>dos</strong> originais, <strong>de</strong>struí<strong>dos</strong> pelo fogo. Felizmente o retábulo da<br />
capela mor foi menos danificado e pô<strong>de</strong> ser restaurado. A recuperação<br />
se restringiu à pintura <strong>de</strong>rretida pelo calor do fogo, vindo da fornalha<br />
em que se tornou a nave no momento do trágico aci<strong>de</strong>nte. Há registro<br />
<strong>de</strong> pagamentos a Manuel da Costa Ataí<strong>de</strong> por serviços presta<strong>dos</strong> na<br />
fabricação <strong>de</strong>sta igreja, contudo, não foi possível i<strong>de</strong>ntificar quais foram<br />
esse serviços. Até po<strong>de</strong> ter sido o douramento do altar agora<br />
restaurado.<br />
A parte frontal da igreja do Carmo <strong>de</strong> Mariana, ainda que não<br />
chegue a chamar a atenção, é bastante peculiar. Seu frontispício ocupa<br />
toda a fachada ou seja, as torres não têm bases e estão assentadas acima<br />
da cimalha, ao lado do frontão, quase se confundindo com ele. O<br />
frontispício é mais alto do que largo e exce<strong>de</strong> o alinhamento do corpo<br />
da nave, arrematado por sóli<strong>dos</strong> cunhais <strong>de</strong> pedra. Há uma gran<strong>de</strong><br />
portada no centro relativamente original, com ombreiras trabalhadas<br />
em pedra sabão e uma verga caprichada com um rico medalhão no alto,<br />
guardado por belos anjos esvoaçantes. Estes anjos são obra <strong>de</strong><br />
Sebastião Gonçalves Soares, <strong>de</strong> 1795. Ao lado estão duas pequenas<br />
sacadas com balaustradas originais e cimalhinhas criativas. O óculo é<br />
avantajado, envidraçado e contornado pela cimalha, numa curva<br />
exagerada. O frontão é pequeno com perfil arredondado. No cimo há<br />
uma cruz simples, sobre um pe<strong>de</strong>stal encorpado, la<strong>de</strong>ado por adornos<br />
228
em voluta. No centro há um segundo óculo, agora diminuto. As torres<br />
são <strong>de</strong>lgadas e redondas, com um segundo estágio afinado, coberto por<br />
um cone ainda mais afinado, arrematado por pontiagu<strong>dos</strong> e<br />
ameaçadores pináculos.<br />
Sabe-se que os altares originais tinham pouco douramento,<br />
prevalecendo os fun<strong>dos</strong> claros, típicos do período rococó, como hoje se<br />
encontra o retábulo mor, reconstruído. Ele é sóbrio, ao estilo da última<br />
fase, com colunas internas em forma <strong>de</strong> consolos e externas mistas,<br />
parte torsa e parte reta. Há nichos entre as colunas. O retábulo é em<br />
arco interrompido com uma tarja no centro. O risco é atribuído ao<br />
meio-irmão do Aleijadinho o padre Felix Francisco Lisboa que, como<br />
se sabe, também herdou talentos nessas artes.<br />
Havia uma pintura <strong>de</strong> N. S. do Carmo no teto da nave,<br />
adornada <strong>de</strong> nuvens e anjos atribuída a Francisco Xavier Carneiro e<br />
outra semelhante no teto da capela mor. Claro que os tetos hoje<br />
reconstruí<strong>dos</strong> estão pinta<strong>dos</strong> <strong>de</strong> branco. Nesse instante, contemplo uma<br />
foto da pintura da nave e me chama a atenção a beleza <strong>dos</strong> contrastes<br />
escuros que, ao contrário <strong>de</strong> arrefecer, acentuam ainda mais a gloriosa<br />
luminosida<strong>de</strong> da Virgem do Carmo com o filho ao colo, flutuante num<br />
medalhão rococó, cercado <strong>de</strong> espaços vazios, guarneci<strong>dos</strong> <strong>de</strong> belas<br />
molduras arquitetônicas simplificadas.<br />
O antigo esplendor da nossa insubstituível igreja do Carmo <strong>de</strong><br />
Mariana foi recriado como foi possível e honesto, mas o original se<br />
per<strong>de</strong>u naquele incêndio provocado por um aci<strong>de</strong>nte inaceitável. O pior<br />
é que ele po<strong>de</strong> se repetir a qualquer momento, consumindo outras<br />
obras irrecriáveis em Ouro Preto, Sabará, Diamantina ou qualquer<br />
outro sítio. Alguns são patrimônio da humanida<strong>de</strong>, outros nem tanto,<br />
mas to<strong>dos</strong> irmãmente <strong>de</strong>sprotegi<strong>dos</strong>.<br />
Igreja <strong>de</strong> N. S. Rainha <strong>dos</strong> Anjos – 1748<br />
O templo da Arquiconfraria do Cordão <strong>de</strong> São Francisco fica<br />
no meio da la<strong>de</strong>ira da rua Dom Silvério, próximo a praça do<br />
pelourinho. Não tem adro mas está em frente a uma espécie <strong>de</strong> jardim<br />
que se abre como um terreno vago do outro lado da rua. A fachada do<br />
templo é angulada, ao estilo das <strong>igrejas</strong> do Ó <strong>de</strong> Sabará ou São<br />
Francisco <strong>de</strong> Caeté, entre outros. No centro do frontispício está a porta<br />
que é emoldurada por portais <strong>de</strong> pedra sabão, com verga mais saliente e<br />
um medalhão acima, também <strong>de</strong> pedra. Há um óculo arredondado<br />
229
próximo à cimalha. Nas laterais estão dois janelões com guarda-corpo<br />
baixo em ma<strong>de</strong>ira torneada. A torre única está no centro do triângulo e<br />
se apoia diretamente no telhado, achatando o encontro da cumeeira.<br />
Sua cúpula é em quatro águas, afunilada no centro e com pontas nas<br />
bordas, ao estilo chinês. A cimalha é em forma <strong>de</strong> beiral, contornando<br />
todo o templo. Arrematando a fachada estão os cunhais em ma<strong>de</strong>ira<br />
pintada e dois cômo<strong>dos</strong> laterais com telhado em meia água. Sabe-se<br />
que as pare<strong>de</strong>s <strong>de</strong> nave são <strong>de</strong> adobe e as da capela mor são <strong>de</strong> alvenaria<br />
fruto, portanto, <strong>de</strong> uma reconstrução posterior.<br />
O interior do templo é tão singelo quanto sua fachada. O<br />
retábulo da capela mor apresenta pilastras em quartela na parte interior<br />
e colunas retas <strong>de</strong> fuste estriado na parte externa. O arco do altar é<br />
simples e está coroado por um moldura <strong>de</strong> forma côncava. À frente há<br />
um medalhão com os símbolos da confraria. O teto é <strong>de</strong> forma<br />
abobadada e apresenta um relevo rendado no centro. O fundo é branco<br />
com frisos amarela<strong>dos</strong>. O trono é <strong>de</strong> forma piramidada, superpondo<br />
<strong>de</strong>graus retilíneos. Ostenta a imagem <strong>de</strong> N. S. <strong>dos</strong> Anjos, secundada<br />
pelas imagens <strong>de</strong> são Francisco e são Domingos, nos nichos. Há dois<br />
altares encosta<strong>dos</strong> no arco cruzeiro em ma<strong>de</strong>ira natural. Um apresenta o<br />
retábulo fechado por um arco franjado e com espaldar arrematado por<br />
uma sanefa. O outro é mais simples mas com espaldar mais alto.<br />
Ambos apresentam pilastras em quartela.<br />
O arco cruzeiro <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira, é muito simples e o forro da nave<br />
é pintado <strong>de</strong> branco. Os púlpitos são igualmente muito simples, em<br />
ma<strong>de</strong>ira pintada. A cornija da capela mor é <strong>de</strong> pedra e a da nave é <strong>de</strong><br />
ma<strong>de</strong>ira. Também simples é o coro, que tem guarda-corpo em tábuas<br />
recortadas. Há corredores contornando as laterais da nave e se<br />
comunicando com a sacristia no fundo. Um <strong>de</strong>les ostenta pinturas<br />
grosseiras e <strong>de</strong>scoradas na pare<strong>de</strong>. Os <strong>de</strong>graus do presbitério são em<br />
pedra sabão.<br />
Igreja das Mercês<br />
Seguindo ainda a rua Dom Silvério, um pouco acima<br />
encontramos a rua das Mercês e sua respectiva igreja. O templo está em<br />
estado lastimável e por isso está fechado à visitação. Assim só pu<strong>de</strong>mos<br />
examiná-lo por fora. Pelo estado <strong>de</strong> abandono lembra a igreja da Luz <strong>de</strong><br />
Diamantina. Tem um pequeno adro cercado que o separa da rua<br />
íngreme e que po<strong>de</strong> ser alcançado após alguns <strong>de</strong>graus. O frontispício<br />
forma uma peça única, triangulada na parte <strong>de</strong> cima, formando uma<br />
230
espécie <strong>de</strong> frontão abaixo do beiral. A porta é gran<strong>de</strong>, com almofadas<br />
salientes e guarnecida por um portal simplificado. Mostra ainda duas<br />
gran<strong>de</strong>s sacadas com guarda-corpo <strong>de</strong> ferro. Há um pequeno óculo<br />
arredondado no alto bem abaixo do beiral. A torre única se assenta<br />
diretamente no telhado, tem cobertura em quatro águas, afunilada no<br />
centro. Eis a igreja das Mercês <strong>de</strong> Mariana, simples e totalmente<br />
<strong>de</strong>ca<strong>de</strong>nte.<br />
Basílica Menor <strong>de</strong> São Pedro <strong>dos</strong> Clérigos - 1752<br />
Esta singular igreja fica no topo <strong>de</strong> um morro e do seu amplo<br />
adro se po<strong>de</strong> contemplar toda a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Mariana. Anexo ao templo<br />
funcionou o Palácio Episcopal, hoje fechado à espera <strong>de</strong> restauração. A<br />
própria igreja esteve fechada durante alguns anos e em outros teve<br />
<strong>de</strong>svirtuadas suas funções, servindo como teatro. Tem robustas<br />
estruturas <strong>de</strong> pedra. Como o seu reboco não tem pintura, <strong>de</strong> uma certa<br />
distância parece ser construída toda <strong>de</strong> pedra. Consta que a planta é<br />
obra do mesmo arquiteto da igreja do Rosário <strong>de</strong> Ouro Preto, contudo,<br />
ao contrário daquela igreja, apenas a nave é elíptica. Há porém muitos<br />
pontos em comum com o templo da vizinha cida<strong>de</strong>. O telhado também<br />
é estruturado na forma <strong>de</strong> casco <strong>de</strong> tartaruga. Igualmente, apresenta<br />
entrada em galilé, ou seja, há um alpendre em três arcos antecipando a<br />
entrada da nave.<br />
A fachada é dividida em três partes separadas por pilastras e<br />
cunhais <strong>de</strong> pedras <strong>de</strong> cantaria cortadas retas. Representam o frontispício<br />
e a base das torres. Enquanto o frontispício é abaulado, a base das<br />
torres é reta.<br />
O arco central da entrada da galilé é diferente <strong>dos</strong> <strong>de</strong>mais. É<br />
emoldurada por duas pilastras retas <strong>de</strong> capitéis simplifica<strong>dos</strong>, com o<br />
símbolo da autorida<strong>de</strong> episcopal entalhado no centro. As entradas das<br />
laterais apresentam arcos salientes, ao estilo românico. Há um janelão<br />
acima <strong>de</strong> cada arco, com cimalhinhas em pedra. A cornija, robusta e<br />
saliente, também é estruturada em pedra. O frontão é bastante alto. Sua<br />
parte central é la<strong>de</strong>ada por duas pilastras arrematadas em coruchéus e as<br />
laterais se fecham em frenéticas volutas. A parte <strong>de</strong> cima forma um arco<br />
perfeito que sustenta uma pequena cruz <strong>de</strong> pedra. No centro há um<br />
nicho abrigando uma imagem branca da virgem. As torres são retas e<br />
encimadas por cúpulas piramidais abauladas e que se achatam no topo<br />
para abrigar suas cruzes. Os vãos são fecha<strong>dos</strong> por janelas <strong>de</strong> treliças e<br />
os sinos estão guarda<strong>dos</strong> em seu interior.<br />
231
Após a galilé, damos entrada na nave elíptica estruturada em<br />
gran<strong>de</strong>s pilastras <strong>de</strong> pedras e com o vão <strong>dos</strong> altares vazios, <strong>de</strong>nunciando<br />
que a construção está inacabada. É inteiramente <strong>de</strong>spojada exibindo,<br />
contudo, um painel <strong>de</strong> excelente qualida<strong>de</strong> que nosso guia atribuiu a<br />
Ataí<strong>de</strong> o que po<strong>de</strong> ser correto. Contou-nos ele ainda que havia um<br />
segundo painel <strong>de</strong> Ataí<strong>de</strong> mas que foi <strong>de</strong>volvido ao seu lugar <strong>de</strong><br />
origem: a matriz <strong>de</strong> Santo Antônio em Santa Bárbara. 173 O coro é<br />
bastante espaçoso e se abre para a nave através <strong>de</strong> um arco estruturado<br />
em pedra. A cornija é múltipla e contorna um forro reto sem pinturas.<br />
O retábulo da capela mor é em cedro natural escuro. Possui colunas<br />
retas estriadas, fechadas por um falso <strong>dos</strong>sel franjado, com um<br />
medalhão adornado com símbolos papais e anjos. As colunas centrais<br />
sustentam fragmentos <strong>de</strong> arquitrave com anjos assenta<strong>dos</strong> sobre elas.<br />
No trono está a imagem <strong>de</strong> são Pedro com a cruz papal. O barrete é<br />
adornado também com filetes <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira natural que se cruzam no<br />
alto. Ao lado estão imponentes tribunas com balaustradas da mesma<br />
ma<strong>de</strong>ira do altar, avançando sobre a capela em curvas irregulares,<br />
sustentadas sobre uma base <strong>de</strong> pedra sabão, próxima ao arco cruzeiro.<br />
O ambiente formado pelas pedras <strong>de</strong> itacolomito e sabão e a talha <strong>de</strong><br />
ma<strong>de</strong>ira escura natural do retábulo, forma um harmonioso e raro<br />
conjunto.<br />
Igreja do Rosário - 1752<br />
Esta Igreja fica na outra margem do ribeirão do Carmo, do lado<br />
oposto do centro histórico, numa região on<strong>de</strong> as antiguida<strong>de</strong>s<br />
feneceram. Consta que essa igreja foi construída no local da primeira<br />
matriz <strong>de</strong> Mariana que, bem no princípio do século XVIII , já tinha se<br />
mudado para o local on<strong>de</strong> hoje está a Sé <strong>de</strong> Mariana. É um <strong>dos</strong> mais<br />
suntuosos templos do Rosário que encontramos nesta nossa viagem.<br />
Fica situado à frente <strong>de</strong> um amplo largo e tem aspecto sólido e<br />
imponente com sua vistosa cantaria. A primeira coisa que chama a<br />
atenção é sua porta avantajada. Penso que é a maior <strong>de</strong> todas entre as<br />
<strong>igrejas</strong> mineiras. Sua dimensão se avoluma ainda mais em função <strong>dos</strong><br />
portais e sobretudo, em função do adorno da verga que avança acima<br />
173 Essa informação parece carecer <strong>de</strong> fundamento pois não vimos na matriz <strong>de</strong> Santa<br />
Bárbara, nenhum painel <strong>de</strong> Ataí<strong>de</strong> que pu<strong>de</strong>sse ter sido removido e <strong>de</strong>pois recolocado<br />
no lugar.<br />
232
da linha inferior <strong>dos</strong> janelões da fachada. A base das torres é <strong>de</strong>limitada<br />
por pilastras duplas e cunhais <strong>de</strong> cantaria. A cimalha é múltipla e<br />
robusta. Tudo dá ao conjunto um aspecto <strong>de</strong> fortaleza. Todo o<br />
frontispício é bastante alto o que diminui muito a presença das torres<br />
que acabam parecendo muito baixas. Também parecem muito <strong>de</strong>lgadas.<br />
São retas com telhado em quatro águas, afilado e com beirais salientes,<br />
cobertos <strong>de</strong> telhas. A empena está apertada entre as torres e no tímpano<br />
mostra um óculo arredondado e envidraçado. No geral o conjunto da<br />
fachada parece <strong>de</strong>sproporcional. Dizem que um erro no risco <strong>de</strong> José<br />
Pereira <strong>dos</strong> Santos, autor do projeto da fachada, obrigou à adaptações<br />
<strong>de</strong>stinadas a acomodar os espaços. Daí o porque das <strong>de</strong>sproporções.<br />
Por <strong>de</strong>ntro também a igreja é majestosa. A altura do frontispício<br />
agora revela a amplidão vertical da nave. O alto pé direito ajuda a<br />
clarida<strong>de</strong> interna, abrindo espaço para uma farta iluminação natural que<br />
penetra pelos óculos e janelões. Também o coro chama a atenção,<br />
cravado nas grimpas, acima da alta porta <strong>de</strong> entrada do templo. Está<br />
apoiado diretamente nas pare<strong>de</strong>s laterais, ocupa o espaço do vestíbulo e<br />
avança em arco, no centro da nave. O parapeito é guarnecido <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>lga<strong>dos</strong> balaústres <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira escura torneada.<br />
O autor <strong>dos</strong> retábulos é o competente Francisco Vieira Servas e<br />
Ataí<strong>de</strong> contribui com pinturas e douramento aqui e ali. O altar mor é<br />
uma espécie <strong>de</strong> <strong>dos</strong>sel com lambrequins pen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> uma trave em<br />
arbaleta, com um medalhão e anjos no coroamento. As pilastras<br />
internas são em quartelas misuladas e as externas são em colunas retas<br />
sustentando fragmentos <strong>de</strong> arquitraves e anjos. O fundo é branco com<br />
frisos doura<strong>dos</strong>. O trono é em cascatas e está la<strong>de</strong>ado por nichos com<br />
baldaquinos. A capela mor tem tribunas com molduras <strong>de</strong> pedras<br />
adornadas, com sanefas brancas e douradas. No forro está a pintura <strong>de</strong><br />
Ataí<strong>de</strong> com suas soluções típicas, mostrando a Nossa Senhora <strong>de</strong><br />
feições mulatas, enquadrada em volumes arquitetônicos, com adornos<br />
rococó valorizando a santa visão. Segundo consta, o mestre não foi<br />
<strong>de</strong>vidamente remunerado pela irmanda<strong>de</strong> conforme combinado e abriu<br />
uma ação contra ela. Aliás, esse tipo <strong>de</strong> situação era muito comum<br />
naqueles tempos, inclusive com rui<strong>dos</strong>as falências <strong>de</strong> consagra<strong>dos</strong><br />
empreiteiros como Arouca e Lima Cerqueira. Este coitado, morreu<br />
louco <strong>de</strong> tanto ser azucrinado pelos credores.<br />
Os altares do transepto apresentam os altos espaldares com<br />
dia<strong>de</strong>mas, colunas únicas em quartelas sobre consolos e coberturas tipo<br />
baldaquino, com os mesmos lambrequins pen<strong>de</strong>ndo <strong>de</strong> uma tarja em<br />
233
arbaleta, fechando o coroamento, no estilo do altar mor. O trono é em<br />
pirâmi<strong>de</strong> e mostram santa Efigênia e são Benedito, <strong>de</strong>vidamente<br />
enquadra<strong>dos</strong> no esplendor do branco e dourado <strong>dos</strong> retábulos.<br />
O arco cruzeiro é em pedra reta, com anjos colori<strong>dos</strong> e um<br />
medalhão no coroamento.<br />
Os púlpitos têm bases <strong>de</strong> pedra em forma <strong>de</strong> consolo e guardacorpo<br />
adornado com pinturas marchetadas, sobre baixos relevos <strong>de</strong><br />
acantos.<br />
A igreja no geral, causa muito boa impressão. Poucas vezes uma<br />
irmanda<strong>de</strong> <strong>de</strong> pretos foi tão esforçada e tão bem sucedida na<br />
construção do seu templo.<br />
Capela <strong>de</strong> Santo Antônio - 1696<br />
A capela <strong>de</strong> Santo Antônio está localizada num lugar<br />
particularmente pitoresco <strong>de</strong> Mariana. Ergue-se sobre um platô, com o<br />
ribeirão do Carmo correndo abaixo e uma paisagem <strong>de</strong> abruptas<br />
elevações se <strong>de</strong>scortinando ao longe. Alguns acreditam ter sido essa<br />
capela o primeiro templo <strong>de</strong> Mariana e, <strong>de</strong> fato, uma inscrição em seu<br />
interior dá o longínquo ano <strong>de</strong> 1696 como sendo o da sua fundação. É<br />
possível que o povoamento do antigo arraial tenha começado por aqui,<br />
dada sua posição estratégica do ponto <strong>de</strong> vista militar, mas a data parece<br />
excessivamente remota. Segundo Bento Furtado a primeira capela <strong>de</strong><br />
Mariana teria sido erguida por seu pai, o coronel Salvador Furtado, no<br />
Arraial <strong>de</strong> Cima, mais o menos por essa época, mas a capela <strong>dos</strong><br />
Furtado não seria mais do que uma choupana construída para abrigar<br />
um oratório portátil.<br />
A capela <strong>de</strong> Santo Antônio, como se encontra preservada em<br />
nossos dias, é um templo muito mo<strong>de</strong>sto, com uma fachada atemporal,<br />
ou seja do tipo que ainda no século vinte se construía no interior <strong>de</strong><br />
<strong>Minas</strong>. O interior da capela é tão mo<strong>de</strong>sto quando o exterior. Seu único<br />
altar mostra uma estrutura em arquivoltas, ou seja da primeira fase do<br />
barroco mineiro. Não está entalhado se constituindo, assim, muito mais<br />
um esboço do que um verda<strong>de</strong>iro retábulo. Enfim, o primitivismo<br />
<strong>de</strong>ssa capela, erigida num sítio verda<strong>de</strong>iramente antigo, consegue<br />
convencer muitos da sua remota antiguida<strong>de</strong>.<br />
Igreja <strong>de</strong> N. S. da Glória <strong>de</strong> Passagem – 1740<br />
234
Passagem fica a meio caminho entre Mariana e o bairro do<br />
Taquaral <strong>de</strong> Ouro Preto. Bem ao lado da estrada está a igreja <strong>de</strong> N. S.<br />
da Glória. Seu adro é espaçoso, convenientemente cercado <strong>de</strong> muros e<br />
calçado com lajes <strong>de</strong> pedra. A torre do sino não está colocada no alto<br />
do templo mas sim ao nível do chão, à esquerda da entrada do adro.<br />
Isso dá à fachada um aspecto bastante peculiar. Num primeiro exame<br />
parece que o risco original previa duas torres. Sim pois a base <strong>de</strong>las<br />
po<strong>de</strong> ser i<strong>de</strong>ntificada nas laterais do frontispício, estruturada em fortes<br />
colunas e cunhais <strong>de</strong> cantaria sustentando capitéis sob a robusta<br />
cimalha. De repente, porém, esta não se completa e <strong>de</strong>ixa um vão que<br />
emenda a parte central do frontão com o frontispício e que acaba se<br />
alongando nas laterais para ocupar o vão <strong>de</strong>ixado pelas torres,<br />
formando uma empena in<strong>de</strong>cisa. A porta almofadada é emoldurada por<br />
portais <strong>de</strong> pedra com verga empenada e mais saliente. Acima estão duas<br />
pequenas janelas envidraçadas. No centro do frontão está um relógio e<br />
nas laterais, no prolongamento das pilastras, estão dois coruchéus. Uma<br />
pequena cruz <strong>de</strong> pedras se apoia na cumeeira.<br />
A capela mor apresenta uma pintura do Espírito Santo no teto,<br />
emoldurada por balaustradas em perspectiva. O altar é dourado e<br />
apresenta colunas torsas profusamente entalhadas se encontrando sob<br />
um falso <strong>dos</strong>sel franjado e adornado com um medalhão. O camarim é<br />
largo e o trono é baixo com um crucifixo. Entre as colunas há nichos<br />
muito trabalha<strong>dos</strong>.<br />
O arco cruzeiro apoia dois altares. Um ten<strong>de</strong> ao estilo<br />
arquivoltas, porém, no coroamento apresenta um espaldar alto com<br />
sanefas policromadas. O outro ten<strong>de</strong> ao <strong>dos</strong>sel, com colunas torsas e a<br />
parte superior adornada também com espaldar alto e sanefas<br />
policromadas. Os púlpitos, <strong>de</strong> formato abaulado, apresentam adornos<br />
doura<strong>dos</strong> sobre fundo azul com apoio em base <strong>de</strong> pedra. O piso é <strong>de</strong><br />
ladrilho <strong>de</strong> fabricação recente, substituindo um assoalho mais antigo. O<br />
tapa vento é <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira natural. O forro da nave é em abóbada <strong>de</strong><br />
berço e mostra uma pintura inexpressiva <strong>de</strong> Nossa Senhora cercada por<br />
uma moldura imitando balaustradas que avança sobre o teto do coro. O<br />
arco cruzeiro é <strong>de</strong> pedras e mostra uma tarja complexa, representando<br />
Nossa Senhora e anjos. A cornija é saliente e adornada com pinturas<br />
marmorizadas. Ao lado do vestíbulo está o batistério on<strong>de</strong> se encontra<br />
uma pintura, também inexpressiva <strong>de</strong> são João Batista batizando Cristo.<br />
A qualida<strong>de</strong> inferior das pinturas em geral, é salva por uma bela pintura<br />
<strong>de</strong> Nossa Senhora emoldurada em um rico medalhão dourado, postada<br />
235
ao lado <strong>de</strong> um <strong>dos</strong> altares da nave. 174 Ao lado do altar oposto há um<br />
gran<strong>de</strong> crucifixo cercado <strong>de</strong> imagens <strong>de</strong> roca.<br />
A distribuição arquitetônica é convencional, com a sacristia e a<br />
Capela do Santíssimo posicionadas em torno da capela mor.<br />
OURO BRANCO<br />
O acesso a Ouro Branco fica logo após o trevo <strong>de</strong><br />
Congonhas e se chega à cida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>pois das várias entradas da gran<strong>de</strong><br />
usina si<strong>de</strong>rúrgica que, a exemplo <strong>de</strong> várias outras na região, explora as<br />
fabulosas jazidas do metal que os mineiros <strong>de</strong>sprezaram até finais do<br />
século XIX e que hoje é sua principal riqueza.<br />
É também um <strong>dos</strong> mais antigos sítios da mineração do ouro e<br />
ali viviam alguns <strong>dos</strong> mais ricos homens <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> Gerais, na primeira<br />
meta<strong>de</strong> do século XVIII. Recentemente foi completada a ligação<br />
asfáltica entre Ouro Branco e Ouro Preto e assim restabeleceu-se o<br />
traçado fundamental do “caminho novo” e se tornou mais fácil a<br />
ligação da Comarca do Rio das Mortes com a <strong>de</strong> Vila Rica. Essa é a<br />
verda<strong>de</strong>ira rodovia <strong>dos</strong> inconfi<strong>de</strong>ntes por on<strong>de</strong> tantas vezes passaram<br />
Tira<strong>de</strong>ntes, o padre Toledo, Alvarenga Peixoto e a turma da Borda do<br />
Campo.<br />
Ouro Branco não preservou praticamente nada do seu<br />
patrimônio histórico. O que restou está concentrado na praça Santa<br />
Cruz on<strong>de</strong> está a matriz <strong>de</strong> Santo Antônio e dois casarões antigos, um<br />
<strong>dos</strong> quais estruturado em cantaria com a data <strong>de</strong> 1759 estampada sobre<br />
a verga da porta. Na saída para Cons. Lafaiete, <strong>às</strong> margens da dita<br />
estrada real, porém, existe um antigo pouso <strong>de</strong> tropeiros, recentemente<br />
tombado e restaurado pelo estado, que vale a pena visitar. É a se<strong>de</strong> da<br />
Fazenda Carreiras. Trata-se <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> casarão rural setecentista<br />
on<strong>de</strong> os viajantes do caminho novo costumavam pousar. Até mesmo a<br />
cavalariça está preservada, à revelar uma robusta e rústica estrutura <strong>de</strong><br />
pedras on<strong>de</strong> os animais das tropas <strong>de</strong>scansavam <strong>de</strong> suas valentes<br />
andanças através das nossas montanhas e vales. O entorno ecológico<br />
também é interessante, cercado <strong>de</strong> matas. Segundo um <strong>dos</strong> moradores,<br />
antigamente esta mata era muito <strong>de</strong>nsa e cheia <strong>de</strong> onças e só os mais<br />
corajosos se aventuravam por aqui. Os moradores contam também que<br />
174 Esta pintura ficava em frente ao coro mas, após uma tentativa <strong>de</strong> furto, a<br />
comunida<strong>de</strong> resolveu transferi-la para o local atual, julgado mais seguro.<br />
236
nesse casarão aconteceram algumas reuniões <strong>dos</strong> inconfi<strong>de</strong>ntes. Tratase<br />
<strong>de</strong> um pequeno equívoco. É verda<strong>de</strong> que Tira<strong>de</strong>ntes gostava <strong>de</strong> fazer<br />
agitação nas suas andanças freqüentes por estas paragens, porém, as<br />
pregações do alferes aconteceram na hospedagem <strong>de</strong> João da Costa<br />
Rodrigues que ficava aqui perto, no sítio da Varginha do Loureço, cujas<br />
ruínas ainda existem.<br />
O único <strong>dos</strong> nossos viajantes que passou diretamente por Ouro<br />
Branco, então à caminho <strong>de</strong> Vila Rica, foi Saint-Hilaire. Observou,<br />
sucintamente, que o pequeno povoado tinha cerca <strong>de</strong> mil e seiscentos<br />
habitantes. Notou a igreja, <strong>de</strong>screvendo que ela dominava todo o vale e<br />
sua praça tinha um casario <strong>de</strong> bom aspecto <strong>de</strong> um lado e gran<strong>de</strong>s<br />
palmeiras do outro. Estava havendo uma festa, cujo povo reunido<br />
permitiu ao sábio observar que o bócio era um mal generalizado na<br />
região e que o mesmo era atribuído à “frialda<strong>de</strong> das águas”.<br />
Ainda resta uma gran<strong>de</strong> palmeira na praça mas não sabemos se é<br />
uma das que o sábio francês observou a cento e oitenta anos atrás.<br />
Contabilizamos dois templos na região: a famosa matriz <strong>de</strong><br />
Santo Antônio e a igreja do distrito <strong>de</strong> Itatiaia, <strong>de</strong> mesmo orago. A<br />
primeira foi tomada em 1949 e a segunda em 1983, ambas pelo<br />
IPHAN.<br />
Matriz <strong>de</strong> Santo Antônio - 1717<br />
Embora a data <strong>de</strong> referência <strong>de</strong> construção da matriz seja <strong>de</strong><br />
princípio do setecentos o estilo <strong>de</strong> sua fachada é bem mais recente e, <strong>de</strong><br />
fato, parece que ela só foi concluída na segunda meta<strong>de</strong> do século,<br />
conforme atesta a data estampada acima da porta. Seu aspecto externo é<br />
<strong>de</strong> um exemplar tardio da transição das velhas matrizes <strong>de</strong> taipa para as<br />
<strong>igrejas</strong> rococó do Aleijadinho. Assim está mais para a Santa Efigênia <strong>de</strong><br />
Ouro Preto ou São João Batista <strong>de</strong> Barão <strong>de</strong> Cocais. Está construída<br />
num terreno inteiramente plano, com um pequeno adro cercado por<br />
um muro baixo. O frontispício apresenta uma distribuição harmoniosa<br />
da porta, das sacadas e do óculo; preenchendo o espaço <strong>de</strong> forma<br />
equilibrada. A porta apresenta ombreiras e verga <strong>de</strong> cantaria e acima<br />
<strong>de</strong>sta está um ornato complexo e <strong>de</strong>nso em pedra sabão com<br />
fragmentos <strong>de</strong> arquitrave nas laterais e um pe<strong>de</strong>stal acima, sustentando<br />
uma pequena cruz que chega até o óculo. Este é gran<strong>de</strong>, irregular,<br />
envidraçado e tem uma forte moldura <strong>de</strong> cantaria a contorná-lo. As<br />
sacadas são pequenas, também com moldura em cantaria e umas<br />
237
cimalhinhas que lembram o adorno da portada <strong>de</strong> forma simplificada.<br />
Está guarnecida <strong>de</strong> guarda-corpo com balaústres <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira torneada.<br />
O revestimento das pilastras e cunhais é <strong>de</strong> alvenaria. A cimalha é<br />
múltipla, bastante robusta e contorna um óculo com moldura em<br />
formado original, empurrando o frontão. As torres são quadradas,<br />
estreitas, com pilastras <strong>de</strong> cantaria nas quinas e coroadas com<br />
coberturas piramidadas irregulares, com coruchéus nas pontas. O<br />
frontão é simples, <strong>de</strong> traçado curvo com volutas nas laterais e se ergue<br />
no centro para sustentar a cruz sob um acrotério esférico e com<br />
coruchéus boju<strong>dos</strong> nos la<strong>dos</strong>. A cruz é trabalhada, ergue-se ao mesmo<br />
nível da ponta das torres e sustenta um perigoso pára-raios. Toda a<br />
cantaria da fachada está bastante <strong>de</strong>sgastada.<br />
Internamente a matriz parece pequena, contrastando com a<br />
impressão causada quando observamos o edifício do lado <strong>de</strong> fora.<br />
Contudo o interior é <strong>de</strong> rara beleza e riqueza.<br />
O altar mor exibe um retábulo profusamente entalhado, ao<br />
melhor estilo barroco. É tal a exuberância da talha dourada que quase<br />
não <strong>de</strong> distingue propriamente colunas a estruturar o retábulo. Anjos,<br />
volutas e ramagens se entrelaçam copiosamente. Distingue-se apenas<br />
uma <strong>de</strong>lgada coluna reta nas laterais do camarim, com arremates em<br />
volteios e folhas e com fragmentos <strong>de</strong> arquitrave sustentando os anjos<br />
que abrem o cortinado do <strong>dos</strong>sel. Sob ele estão lambrequins e acima<br />
está o medalhão. É um clássico coroamento joanino. Nas laterais estão<br />
imagens encravadas em nichos discretíssimos, parecendo que as<br />
imagens estão entalhadas no próprio retábulo. O trono é complexo e<br />
original e vai afunilando até dar lugar a uma pequenina imagem <strong>de</strong><br />
santo Antônio. Está cromado em <strong>de</strong>licadas filigranas douradas. O<br />
camarim é muito rico e especial, com o teto adornado com pinturas em<br />
molduras artesoadas. O teto da capela mor é abobadado e ostenta uma<br />
pintura baseada em conchas e perspectivas arquitetônicas simplificadas,<br />
enquadrando um ostensório. Predominam tons <strong>de</strong> ver<strong>de</strong> limão e preto<br />
numa combinação inusitada. Há duas pinturas emolduradas nas pare<strong>de</strong>s<br />
da capela mor.<br />
O arco cruzeiro é relativamente simples, com um medalhão e<br />
anjos, sem relevo, no coroamento. Os altares colaterais também<br />
ostentam rica talha dourada. Apresentam colunas <strong>de</strong>lgadas, torsas e<br />
entrelaçadas <strong>de</strong> ramagens na parte interna e em quartelas na parte<br />
externa. Entre elas há pequenos nichos. No coroamento estão<br />
baldaquinos com franjas, encima<strong>dos</strong> por espaldares retangula<strong>dos</strong><br />
repletos <strong>de</strong> anjos. A cromagem é em dourado e tintura em tons pasteis<br />
238
encarna<strong>dos</strong> num efeito bonito e incomum. Após os belos altares do<br />
transepto estão umas espécies <strong>de</strong> vitrines, com imagens <strong>de</strong> santos<br />
cavadas nas pare<strong>de</strong>s da neve que <strong>de</strong>stoam inteiramente <strong>dos</strong> retábulos e<br />
<strong>de</strong>svalorizam inexplicavelmente o conjunto. A nave está dividida em<br />
dois espaços distintos separa<strong>dos</strong> por uma balaustrada <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira escura<br />
torneada à frente do arco cruzeiro.<br />
No teto da nave está a conhecida pintura <strong>de</strong> Ataí<strong>de</strong> com a visão da<br />
virgem amulatada, enquadrada por adornos rococó, as pilastras infinitas<br />
e os parapeitos e sacadas com os doutores da igreja.<br />
Há também uma competente pintura no forro do vestíbulo<br />
representando um papa com trejeitos femininos cercado <strong>de</strong> nuvens<br />
rococó.<br />
O coro é reto, com o parapeito protegido por colunas <strong>de</strong><br />
ma<strong>de</strong>ira preta torneada. Sustenta-se diretamente nas pare<strong>de</strong>s sem<br />
qualquer pilastra sob o vão.<br />
CONGONHAS<br />
Como não po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser a cida<strong>de</strong> <strong>dos</strong> profetas<br />
também surgiu como importante centro <strong>de</strong> mineração, no início do<br />
século XVIII. O nome <strong>de</strong>riva <strong>de</strong> uma planta muito comum na região<br />
<strong>dos</strong> campos mineiros e que no passado, também contribuía para<br />
i<strong>de</strong>ntificar Nova Lima. O santuário on<strong>de</strong> o Aleijadinho, no final da vida,<br />
criou parte da sua extraordinária obra como se recorda, é patrimônio<br />
cultural da humanida<strong>de</strong>, tombado pela Unesco. Com clima propício a<br />
milagres e mediunida<strong>de</strong>s, a vocação <strong>de</strong> santuário <strong>de</strong> Congonhas<br />
começou cedo. Consta que o português Feliciano Men<strong>de</strong>s planejava<br />
voltar à pátria quando foi acometido <strong>de</strong> grave doença. Uma promessa<br />
ao Senhor Bom Jesus o livrou do mal e o levou não só a <strong>de</strong>sistir <strong>de</strong><br />
regressar a Portugal como também a se entusiasmar em iniciar a<br />
construção <strong>de</strong> um santuário, o que fez com <strong>de</strong>nodo, esmolando para<br />
levar a cabo sua i<strong>de</strong>ia, até o fim da vida. Sua obra teve continuida<strong>de</strong> por<br />
outros, igualmente entusiasma<strong>dos</strong> seguidores, do que resultou o notável<br />
conjunto setecentista que hoje nos é dado visitar. Em 1827 o santuário<br />
foi entregue aos Padres Lazaristas que o enriqueceram acrescentando<br />
um seminário. Des<strong>de</strong> 1924 o santuário é administrado, com sucesso,<br />
pelos Padres Re<strong>de</strong>ntoristas.<br />
Sait-Hilaire visitou Congonhas em janeiro <strong>de</strong> 1818 <strong>de</strong> passagem<br />
para São João <strong>de</strong>l Rei. Notou as estátuas do Aleijadinho e comentou<br />
que, sem dúvida, não eram obras primas mas tinham qualquer coisa <strong>de</strong><br />
239
grandioso. Lembrou que elas eram obra <strong>de</strong> um homem que residiu em<br />
Vila Rica e que tinha ficado aleijado por conta da tal bebida que tinha<br />
tomado para dar mais vivacida<strong>de</strong> à sua criativida<strong>de</strong>. Comentou que a<br />
igreja do Bom Jesus <strong>de</strong> Matosinhos tinha quadros feitos em Vila Rica,<br />
on<strong>de</strong> havia pessoas com feliz inclinação para a pintura. 175 Registrou<br />
ainda que três das capelas da paixão já estavam construídas e que<br />
tinham imagens <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira muito mal feitas. Não as atribuiu ao Mestre<br />
Aleijadinho mas pediu tolerância para com tais imperfeições pois elas<br />
tinham sido feitas por um homem da região que nunca viajou.<br />
Richard Burton andou por Congonhas cinqüenta anos <strong>de</strong>pois<br />
<strong>de</strong> Saint-Hilaire e teve basicamente a mesma reação que ele em relação<br />
à obra do Aleijadinho. Às imagens <strong>dos</strong> passos chamou <strong>de</strong> grotescas,<br />
sem valor como obras <strong>de</strong> arte. Comentou que as capelas <strong>dos</strong> passos<br />
eram sete, duas das quais mais <strong>antigas</strong> e três ainda para serem<br />
construídas. Ou seja, nos cinqüenta anos que separaram sua visita da do<br />
sábio francês, apenas um oratório foi acrescido. 176 Consi<strong>de</strong>rou o<br />
conjunto equivalente aos mais pobres santuários existentes na Itália.<br />
Criticou o latim das inscrições suspeitando que uma <strong>de</strong>veria ser em<br />
grego. Visitou o colégio, fundado cerca <strong>de</strong> 1830 e contabilizou sete<br />
professores e cerca <strong>de</strong> setenta alunos. Depois rumou para Ouro Preto,<br />
num roteiro exatamente inverso ao <strong>de</strong> Saint-Hilaire.<br />
Spix e Martius, vin<strong>dos</strong> <strong>de</strong> São João <strong>de</strong>l Rei, passaram à margem<br />
<strong>de</strong> Congonhas preferindo pernoitar numa tal Fazenda da Chapada, a<br />
caminho <strong>de</strong> Vila Rica.<br />
O bispo <strong>de</strong> Mariana esteve em Congonhas na sua jornada <strong>de</strong><br />
1825. Não fez nenhum comentário sobre os profetas ou as imagens <strong>dos</strong><br />
passos e registrou os três templos que ainda hoje estão lá: a matriz <strong>de</strong><br />
N. S. da Conceição, a capela do Bom Jesus <strong>de</strong> Matosinhos e a capela do<br />
Rosário <strong>dos</strong> Pretos.<br />
Congonhas como um todo, preservou pouco <strong>de</strong> sua história,<br />
porém o entorno do adro da Basílica, com as capelas <strong>dos</strong> passos e os<br />
profetas do Aleijadinho, fazem uma honrosa exceção. O conjunto é<br />
175 Aqui, mais uma vez, nosso sábio patina nos seus contraditórios sentimentos sobre<br />
o barroco mineiro. Lembram quando ele taxou nossos pintores, genericamente, como<br />
“miseráveis borradores” ? Curioso lembrar que nessa época, Ataí<strong>de</strong> era vivo e estava<br />
em plena ativida<strong>de</strong> mas, o sábio francês não notou a sua obra.<br />
176 Na verda<strong>de</strong> a sétima capela nunca foi construída e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> Burton foram<br />
construídas apenas mais duas, já no final do século XIX.<br />
240
valorizado por vários casarões muito bem preserva<strong>dos</strong>. Faz inteira<br />
justiça à sua condição <strong>de</strong> Patrimônio Cultural da Humanida<strong>de</strong>.<br />
Cadastramos seis templos em Congonhas: basílica do Bom<br />
Jesus, tomada pelo IPHAN em 1939 e pela UNESCO em 1985, matriz<br />
<strong>de</strong> N. S. da Conceição, tomada pelo IPHAN em 1950, igreja <strong>de</strong> N. S.<br />
do Rosário, <strong>igrejas</strong> <strong>de</strong> N. S. da Soledad no Distrito <strong>de</strong> Lobo Leite e N.<br />
S. da Ajuda e Santa Quitéria no distrito <strong>de</strong> Alto Maranhão, a antiga<br />
al<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Redondo.<br />
Basílica <strong>de</strong> Bom Jesus <strong>de</strong> Matosinhos - 1757<br />
Burton faz uma <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong>talhada da igreja e o que mais o<br />
agradou foram... as portas almofadadas <strong>de</strong> pesada ma<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> lei!<br />
Observou que as pare<strong>de</strong>s internas eram pintadas <strong>de</strong> afrescos<br />
pretensiosos e repletos <strong>de</strong> gravuras sem valor, com imagens,“abaixo da<br />
crítica”. Registrou que os dois querubins laterais eram bem esculpi<strong>dos</strong><br />
mas que o <strong>dos</strong>sel não tinha valor.<br />
A igreja, evi<strong>de</strong>ntemente, está enormemente valorizada pelos<br />
doze profetas do Aleijadinho que se espalham ao longo da escadaria<br />
que leva ao adro. 177 Foram esculpi<strong>dos</strong> entre 1800 e 1805 pelo mestre e<br />
seus discípulos e segundo os críticos, oferecem qualida<strong>de</strong> irregular,<br />
sendo mais ou menos atribuí<strong>dos</strong> a Antônio Francisco Lisboa <strong>de</strong> acordo<br />
com o grau <strong>de</strong>ssa qualida<strong>de</strong>. De qualquer forma constituem um<br />
conjunto monumental, a coroar a gloria do nosso artista maior já no<br />
fim da vida, corroído pela doença e a amargura.<br />
Esta igreja contem muitas inovações que marcaram os<br />
primeiros passos do estilo rococó nas <strong>igrejas</strong> mineiras. Nessa linha, sua<br />
fachada é típica da sua época ou seja, do início da segunda meta<strong>de</strong> do<br />
século XVIII, alinhada <strong>às</strong> matrizes <strong>de</strong> Caeté e Barão <strong>de</strong> Cocais. O<br />
conjunto porém, é muito valorizado pela portada monumental.<br />
Segundo Bazin ela não é obra do Aleijadinho e sim <strong>de</strong> um imitador<br />
menor. Outros dizem não se tratar <strong>de</strong> um artista <strong>de</strong> tal condição mas<br />
sim do competente escultor Jerônimo Felix Teixeira que, ao contrário,<br />
até teria introduzido certos elementos que o mestre <strong>de</strong> Vila Rica teve<br />
gosto em incorporar ao seu vocabulário. De fato ela agrega muito valor<br />
177 Na verda<strong>de</strong> o conjunto <strong>dos</strong> profetas acaba ofuscando o brilho do templo<br />
propriamente dito. O que é uma pena pois ele é digno <strong>de</strong> tanta admiração quanto a<br />
estatuária que o prece<strong>de</strong> pois também contem obras <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> valor.<br />
241
à fachada, embora pareça muito mais robusta e pesada do que as<br />
portadas do Aleijadinho. As ombreias são largas e duplas, com portais<br />
na parte interna e pilastras <strong>de</strong> quartelas com cabeças <strong>de</strong> anjos, na parte<br />
interna. Apresentam os fragmentos <strong>de</strong> arquitrave nas laterais da verga<br />
que se tornariam obrigatórias nas portadas <strong>de</strong>sse período. Acima está<br />
uma coroa flutuante e um gran<strong>de</strong> medalhão embasando uma pequena<br />
cruz resplan<strong>de</strong>cente sobre esfera, tendo os cravos e os estigmas no<br />
centro. Nota-se uma evi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>smedida entre as dimensões da portada<br />
e o espaço disponível, tanto que ela encosta nas sacadas e acaba dando<br />
a elas um aspecto diminuto e <strong>de</strong>sproporcional. As pilastras do<br />
frontispício são retas e <strong>de</strong> cantaria e as bases das torres estão<br />
ligeiramente recuadas e apresentam cunhais iguais <strong>às</strong> pilastras. A<br />
cimalha é reta e simples, cumprindo o seu papel <strong>de</strong> separar o<br />
frontispício do frontão, sem nenhum acréscimo <strong>de</strong>corativo.<br />
As torres são finas e quadradas seguindo, comportadamente, o<br />
alinhamento das pilastras e cunhais. A cúpula é piramidada, <strong>de</strong> perfil<br />
irregular e achatada no alto. Acima estão pináculos com esferas<br />
armilares e cruzes com cata-ventos. O frontão é largo, <strong>de</strong> tendência<br />
horizontal, com perfil em volutas. A cruz está assentada num pe<strong>de</strong>stal<br />
flutuante, equilibrado entre fragmentos <strong>de</strong> arquitrave, tendo duas<br />
espécies <strong>de</strong> coruchéus <strong>dos</strong> la<strong>dos</strong>. Abaixo está um óculo irregular<br />
envidraçado, contornado por um friso e tendo outro minúsculo óculo<br />
redondo mais acima. Francisco <strong>de</strong> Lima Cerqueira, o arquiteto<br />
preferido das irmanda<strong>de</strong>s ricas <strong>de</strong> São João <strong>de</strong>l Rei, andou trabalhando<br />
nesta fachada.<br />
O interior surpreen<strong>de</strong> pelo seu espaço reduzido mas faz jus ao<br />
seu belo aspecto exterior. O altar mor é obra <strong>de</strong> João Antunes <strong>de</strong><br />
Carvalho. É em arbaleta com lambrequins formando um<br />
semibaldaquino e com o medalhão no alto, guarnecido por anjos. Está<br />
cromado com suave pintura marmorizada, enriquecida <strong>de</strong> frisos<br />
doura<strong>dos</strong>. O teto do camarim é em forma <strong>de</strong> barrete pintado <strong>de</strong> azul,<br />
imitando o céu. As pilastras internas são em quartelas, interrompidas<br />
por nichos sobre consolos. As colunas externas são retas, caneladas e se<br />
apoiam sobre robustos consolos. Há outros nichos entre elas. No trono<br />
está o Jesus Crucificado, cercado <strong>de</strong> belos anjos lampadóforos que<br />
<strong>de</strong>vem ser os tais que Burton elogiou e que são atribuí<strong>dos</strong> ao mestre<br />
Francisco Viera Servas. O conjunto do altar está valorizado ainda pelos<br />
relicários do Aleijadinho e Ataí<strong>de</strong>. Formam um <strong>dos</strong> metros quadra<strong>dos</strong><br />
mais preciosos <strong>de</strong> todas as <strong>igrejas</strong> setecentistas mineiras.<br />
242
O trono é simples, ten<strong>de</strong>ndo para o antigo formato <strong>de</strong> cântaro.<br />
No teto da capela mor há uma visão <strong>de</strong> Jesus sendo preparado para o<br />
sepultamento, atribuída a Bernardo Pires da Silva e que teria sido um<br />
<strong>dos</strong> pioneiros no uso das rocalhas que <strong>de</strong> fato, fazem <strong>de</strong>sse teto uma<br />
das mais belas peças rococó do acervo religioso mineiro. Nas laterais há<br />
pinturas com cenas <strong>dos</strong> passos da paixão. As portas que ligam a capela<br />
<strong>às</strong> <strong>de</strong>pendências laterais estão adornadas com belas molduras em pedra<br />
sabão. O arco cruzeiro é do mesmo material, com frisos doura<strong>dos</strong> e um<br />
medalhão no coroamento, sustentado por anjos. Os altares colaterais<br />
ten<strong>de</strong>m a oratórios, porém, com um adorno sobre o coroamento e<br />
baldaquinos alonga<strong>dos</strong> em forma <strong>de</strong> sanefas, mais acima. Há apenas<br />
uma coluna <strong>de</strong> cada lado em forma <strong>de</strong> quartela. Sobre as sanefas<br />
avançam estranhos braços <strong>de</strong> can<strong>de</strong>labro. São negros e parecem<br />
carrancas em forma <strong>de</strong> dragão. A cromagem <strong>dos</strong> altares colaterais é<br />
semelhante a do altar mor ou seja, pintura marmorizada suave<br />
enriquecida por frisos doura<strong>dos</strong>. Há gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pinturas<br />
enquadradas nas pare<strong>de</strong>s da nave e do vestíbulo, <strong>de</strong> vários formatos e<br />
tamanhos. Os púlpitos são muito elabora<strong>dos</strong>, com pintura suave e<br />
frisos doura<strong>dos</strong> cobertos por baldaquinos franja<strong>dos</strong>, sustentando anjos.<br />
O teto da nave apresenta uma bela pintura com a visão <strong>de</strong><br />
Cristo e um papa cerca<strong>dos</strong> por molduras rococó, parapeitos e colunas<br />
em perspectiva, semelhante a da capela mor, porém mais trabalhada.<br />
Seu autor é João Nepomuceno Correia e Castro, autor também <strong>de</strong><br />
alguns painéis laterais, junto com João Carvalhais.O coro é em perfil <strong>de</strong><br />
besta, guarnecido com balaústres <strong>de</strong>lga<strong>dos</strong> <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira preta torneada. A<br />
nave está dividida em dois espaços separa<strong>dos</strong> por uma balaustrada à<br />
frente do arco cruzeiro.<br />
Matriz <strong>de</strong> N. S. da Conceição - 1749<br />
A matriz <strong>de</strong> Congonhas fica nas proximida<strong>de</strong>s do centro da<br />
cida<strong>de</strong>, do lado oposto à colina do Santuário do Bom Jesus. Seu estado<br />
interno atual <strong>de</strong> conservação é precário. O medalhão do coroamento<br />
do arco cruzeiro se <strong>de</strong>spren<strong>de</strong>u e no seu lugar está um vão <strong>de</strong> tábuas<br />
carcomidas. As colunas <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> sustentação do coro também<br />
estão em estado precário, com <strong>de</strong>vastação <strong>de</strong> cupins por to<strong>dos</strong> os la<strong>dos</strong>.<br />
Seu interior é um <strong>dos</strong> mais mal preservadas <strong>de</strong> todas as <strong>igrejas</strong> que<br />
visitamos, mostrando uma situação <strong>de</strong>plorável, ainda mais para uma<br />
matriz <strong>de</strong> uma cida<strong>de</strong> que tem um sítio carimbado com a chancela <strong>de</strong><br />
patrimônio cultural da humanida<strong>de</strong>.<br />
243
Externamente até que está razoavelmente conservada. Tem o<br />
sólido aspecto das boas matrizes do seu tempo. O frontispício é<br />
quadrado, <strong>de</strong>limitado por pilastras retas <strong>de</strong> cantaria. No centro está a<br />
bela portada do Aleijadinho, com uma verga muito trabalhada,<br />
ostentando volutas, acantos e arquitraves, adornando um medalhão sob<br />
uma coroa em volume. Ao lado estão duas sacadas com moldura <strong>de</strong><br />
pedra e guarda-corpo <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira torneada. A base das torres é muita<br />
larga e apresenta duas aberturas seteiras sobrepostas. Está também<br />
emoldurada por pilastras e cunhais retos <strong>de</strong> pedra e se encosta no<br />
frontispício, no mesmo plano. A cimalha é <strong>de</strong> pedra robusta e sustenta<br />
um frontão alto com perfil em curvas, espremido entre as torres. No<br />
centro está o acrotério, entre fragmentos <strong>de</strong> arquitrave e coruchéus<br />
pontu<strong>dos</strong>. As torres são quadradas e largas, com uma pequena abertura<br />
sineira na parte superior. As cúpulas têm forma <strong>de</strong> pirâmi<strong>de</strong>s anguladas<br />
em dois estágios, arrematadas por pináculos.<br />
O altar do combalido interior <strong>de</strong>sta igreja é em <strong>dos</strong>sel<br />
simplificado, com a Santíssima Trinda<strong>de</strong> no coroamento, adornada com<br />
resplendores. As pilastras internas do retábulo são em quartelas e as<br />
colunas externas são retas, riscadas com caneluras e sustentando<br />
fragmentos <strong>de</strong> arquitrave. Entre elas estão os inevitáveis nichos. O<br />
trono é em cascata, com a imagem da N. S. da Conceição no alto. A<br />
talha apresenta frisos doura<strong>dos</strong> sobre fundo claro. O camarim é pintado<br />
em azul celeste e apresenta adornos doura<strong>dos</strong>. O teto é abobadado, em<br />
assoalho caiado <strong>de</strong> branco. Há austeras tribunas abertas nas laterais da<br />
capela mor. Há notícias <strong>de</strong> que o pai do Aleijadinho tenha feito algumas<br />
obras nesta capela, possivelmente algo relacionado com essas tribunas.<br />
O arco cruzeiro é entalhando com frisos dourado, com as tais<br />
tábuas <strong>de</strong>terioradas no coroamento, mostrando a falta <strong>de</strong> um medalhão.<br />
Há dois pequenos altares encosta<strong>dos</strong> no transepto, ten<strong>de</strong>ndo<br />
para uma estrutura <strong>de</strong> oratório com colunas <strong>de</strong>lgadas torsas e ramagens<br />
entrelaçadas. São do tipo <strong>dos</strong> altares em arquivoltas, porém as colunas<br />
não se encontram no coroamento do retábulo, impedidas que foram<br />
por um pequeno baldaquino. Há mais dois altares no recinto da nave.<br />
O do lado do evangelho mostra colunas torsas, baldaquinos e espaldar<br />
adornado com uma coroa. O do lado oposto é mais simplificado, sem<br />
adornos no coroamento mas com colunas duplas. São croma<strong>dos</strong> em<br />
tons pastéis. O teto da nave é facetado, sem adornos. O piso, seguindo<br />
a tendência regional, é <strong>de</strong> ladrilho hidráulico mais recente. O coro é em<br />
perfil <strong>de</strong> besta, com pintura marmorizada simplificada e balaústres finos<br />
<strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira, guarnecendo o parapeito. Está apoiado em pilastras <strong>de</strong><br />
244
ma<strong>de</strong>ira danificadas e em atlantes <strong>de</strong> aspecto pouco atlético, encosta<strong>dos</strong><br />
<strong>às</strong> pare<strong>de</strong>s, o que afasta <strong>dos</strong> menos corajosos como eu, a tentação <strong>de</strong><br />
usá-lo para contemplar a nave <strong>de</strong> uma plano elevado. Ainda mais<br />
estando as colunas visivelmente ruídas por cupins.<br />
Igreja do Rosário - 1748<br />
Fica próxima da matriz, no alto <strong>de</strong> uma pequena rua elevada<br />
cujo final, interrompido por correntes <strong>de</strong> ferro, lhe serve <strong>de</strong> adro. É<br />
extremamente singela, compatível com as posses da irmanda<strong>de</strong> <strong>dos</strong><br />
pretos que heroicamente a ergueu.<br />
Sua fachada é um simples retângulo, <strong>de</strong>limitado por cunhais<br />
pinta<strong>dos</strong> e uma cimalha <strong>de</strong>lgada. Acima está um frontão <strong>de</strong> perfil<br />
curvilíneo, com um minúsculo óculo no tímpano e alguns adornos em<br />
relevo <strong>de</strong> massa e pinta<strong>dos</strong> <strong>de</strong> azul. Os cunhais terminam em coruchéus<br />
simplifica<strong>dos</strong> e há duas sacadas retas com peitoril <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira torneada<br />
no alto <strong>de</strong> porta. Esta é quadrada, com portal comum.<br />
O altar mor é um oratório simplificado com adornos singelos<br />
na borda do camarim. Não há propriamente colunas mas apenas umas<br />
espécies <strong>de</strong> molduras salientes, ao lado <strong>de</strong> nichos também singelos, com<br />
imagens <strong>dos</strong> santos negros: são Bendito e santa Efigênia. A pintura é<br />
clara, à base <strong>de</strong> uma tinta acrílica fosca. Há um medalhão achatado no<br />
coroamento.<br />
O teto da capela mor é levemente facetado, sem adorno. O arco<br />
cruzeiro é <strong>de</strong> massa, com pintura simples e tem um medalhão no alto<br />
segurado por anjos que, embora igualmente muito simples, é o melhor<br />
ornamento da igreja. Há um único altar colateral e é <strong>de</strong> melhor<br />
qualida<strong>de</strong> do que o altar mor. Apresenta <strong>de</strong>lgadas colunas em quartela,<br />
baldaquino e um espaldar retangulado na parte superior. Está pintado<br />
com uma tinta <strong>de</strong>nsa, em tons <strong>de</strong>sagradáveis e <strong>de</strong>sencontra<strong>dos</strong>. O teto<br />
da nave é abobadado, com uma visão <strong>de</strong> Nossa Senhora no centro. O<br />
coro é reto, com balaustrada <strong>de</strong> tábuas recortadas e sua escada <strong>de</strong><br />
acesso começa no vestíbulo. O único púlpito é retilíneo e está flutuando<br />
encostado na pare<strong>de</strong> sem escada <strong>de</strong> acesso, revelando sua verda<strong>de</strong>ira<br />
inutilida<strong>de</strong>. Para coroar tanta simplicida<strong>de</strong> há uma pintura singela no<br />
forro do vestíbulo.<br />
Igreja <strong>de</strong> N. S. da Ajuda do Alto Maranhão<br />
245
Alto Maranhão é o antigo povoado <strong>de</strong> Redondo, hoje distrito<br />
<strong>de</strong> Congonhas. O nome atual <strong>de</strong>riva da sua posição em relação ao rio<br />
Maranhão que <strong>de</strong>sce na direção da cida<strong>de</strong> <strong>dos</strong> profetas e vai encontrar o<br />
glorioso Paraopeba, o histórico rio usado pelos antigos ban<strong>de</strong>irantes<br />
para se aproximar do Sabarabuçu, do Sumidouro e do norte <strong>de</strong> <strong>Minas</strong>.<br />
A igreja está á margem da rodovia que leva a São Brás do<br />
Suaçuí, <strong>de</strong> costas para a estrada, num plano mais elevado em relação à<br />
rua que leva seu nome, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um adro cercado <strong>de</strong> pedras rústicas.<br />
O frontispício é quadrado com falsas pilastras retas nas laterais da<br />
porta. Esta tem uma moldura <strong>de</strong> pedras, com uma verga curvada.<br />
Acima está um adorno em forma <strong>de</strong> medalhão esculpido em massa<br />
pintada e pedra. Ao lado se abrem dois janelões com moldura também<br />
<strong>de</strong> pedra, semelhantes ao portal. O frontão repousa numa cimalha<br />
simplificada e tem perfil em curvas discretas que se fecham no acrotério<br />
on<strong>de</strong> está uma cruz igualmente <strong>de</strong> pedra. Ao lado, arrematando os<br />
cunhais, se erguem dois coruchéus pontu<strong>dos</strong> <strong>de</strong> mesmo material. Há<br />
um pequeno óculo <strong>de</strong> moldura cruciforme na parte inferior do<br />
tímpano logo acima da cimalha. Sobre este está um medalhão<br />
conchoi<strong>de</strong> <strong>de</strong> massa. Do seu interior nada ficamos sabendo.<br />
SÃO BRÁS DO SUAÇUÍ<br />
Igreja <strong>de</strong> São Brás - 1728<br />
São Brás do Suaçuí é uma cida<strong>de</strong>zinha muito pacata que fica no<br />
meio da estrada que liga Congonhas a São João <strong>de</strong>l Rei, sem qualquer<br />
infraestrutura turística. É trilha antiga mas, embora passagem<br />
obrigatória <strong>dos</strong> caminhos velhos; <strong>dos</strong> nossos viajantes do século XIX,<br />
somente Richard Burton fez algumas referências ao povoado. Fala<br />
numa rua com cerca <strong>de</strong> trezentas casas e com um calçamento grosseiro.<br />
Tirando o asfalto da estrada que corta a cida<strong>de</strong> e amansou o piso, o<br />
aspecto <strong>de</strong> hoje ainda é mais ou menos o mesmo. O capitão diplomata<br />
cita a igreja e informa que ela tinha sido recentemente restaurada e que<br />
se apresentava copiosamente caiada. Almoçou no Hotel Nacional do<br />
sr. Antônio José Car<strong>dos</strong>o e seguiu viagem rumo a Congonhas.<br />
Dizem que a fazenda do Paraopeba que pertenceu a Alvarenga<br />
Peixoto ficava por aqui e que o casarão da se<strong>de</strong> da mesma ainda está <strong>de</strong><br />
pé, mas não é acessível a turistas comuns como nós.<br />
Tivemos oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> passar em São Brás do Suaçuí por<br />
volta <strong>de</strong> 1974 e encontrar a igreja em reforma, com seu assoalho<br />
246
evirado e os corpos <strong>dos</strong> antigos irmãos sendo retira<strong>dos</strong>. Na nossa visita<br />
seguinte, programada para colher da<strong>dos</strong> para este relato, infelizmente<br />
encontramos a igreja e a casa paroquial fechadas o que nos impediu <strong>de</strong><br />
obter registros sobre o interior do templo. Mas, conversando com os<br />
moradores, pu<strong>de</strong>mos notar que a comunida<strong>de</strong> valoriza muito o seu<br />
patrimônio setecentista que sequer é tombado.<br />
A igreja está erguida no meio <strong>de</strong> uma praça que é quase que um<br />
alargamento da rodovia que leva ao rio das Mortes. Mas há espaço<br />
bastante para que ela ocupe um amplo adro cercado e forrado <strong>de</strong> lajes<br />
<strong>de</strong> pedra.<br />
O frontispício é quadrado, <strong>de</strong>limitado por pilastras comuns <strong>de</strong><br />
alvenaria. A porta é reta, com moldura simples <strong>de</strong> pedra e verga<br />
reforçada. Acima estão duas janelas <strong>de</strong> guilhotina com moldura<br />
semelhante a da porta. A base das torres é larga e se encosta no<br />
frontispício, no mesmo alinhamento. Há um óculo ovalado em cada<br />
torre, próximo à cimalha. O frontão é singelo, em perfil <strong>de</strong> curvas<br />
suaves com uma cruz <strong>de</strong> pedra no topo e dois finos coruchéus nos<br />
la<strong>dos</strong>. As torres são retas, <strong>de</strong> cantos oitava<strong>dos</strong>. A cúpula é uma pirâmi<strong>de</strong><br />
irregular <strong>de</strong> dois estágios que se aplaina no topo para sustentar dois<br />
finos pináculos. Não está apoiada diretamente na extremida<strong>de</strong> da torre,<br />
restando um vão recuado guarnecido <strong>de</strong> frisos.<br />
CONSELHEIRO LAFAIETE<br />
Esta povoação esteve por muito tempo aniquilada e sem<br />
<strong>de</strong>senvolvimento algum. Hoje, porém, o seu estado, se não<br />
é muito próspero, pelo menos é mais lisonjeiro e muito mais<br />
melhorará logo que ali toque a Estrada <strong>de</strong> Ferro d. Pedro II.<br />
A cida<strong>de</strong> hoje já apresenta mais vida e animação; já se tem<br />
feito mais algumas casas sofríveis, além das que já tinha.<br />
Tem uma boa Casa <strong>de</strong> Câmara e alguns sobra<strong>dos</strong> bem vistosos.<br />
Tem também um excelente pessoal.<br />
É a nossa antiga Queluz, mais antiga ainda Campo Alegre <strong>dos</strong><br />
Carijós, que está erigida na antiga entrada da região das minas do Ouro<br />
Preto, Ribeirão do Carmo e além. Portanto, é um <strong>dos</strong> pontos da<br />
passagem da tal estrada real que, após Conselheiro Lafaiete vai dar em<br />
Ouro Branco. Sua fundação está ligada ao nome do paulista José<br />
Gomes <strong>de</strong> Oliveira e à longínqua data <strong>de</strong> 1691 que é, mais ou menos,<br />
247
quando se originaram as incursões guiadas pelo farol do Itacolomi, no<br />
rumo <strong>de</strong> Itaverava e Guarapiranga. Também estão liga<strong>dos</strong> <strong>às</strong> origens da<br />
ocupação, Bartolomeu Bueno <strong>de</strong> Siqueira e Antônio Rodrigues Arzão<br />
ou seja, à antigos ban<strong>de</strong>irantes paulistas <strong>de</strong>scobridores das minas. A<br />
primeira capela que se tem notícia é a N. S. da Conceição, por volta <strong>de</strong><br />
1709. Foi elevada a categoria <strong>de</strong> vila pelo viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Barbacena em<br />
1790, com o nome <strong>de</strong> Real Vila <strong>de</strong> Queluz. O nome <strong>de</strong>riva do palácio<br />
on<strong>de</strong> d. Maria I assinou o <strong>de</strong>creto <strong>de</strong> criação da vila.<br />
Com exceção <strong>de</strong> Saint-Hilaire, nenhum <strong>dos</strong> nossos viajantes<br />
passou por Queluz. Assim mesmo, ele o fez muito rapidamente à<br />
caminho <strong>de</strong> Vila Rica. Registrou que a pequena vila até seria agradável<br />
se não fosse tão <strong>de</strong>serta. Falou da rua que atravessa a vila, achando-a<br />
larga e bem traçada, embora tomada pelo mato. Tinha casas muito<br />
bonitas mas aparentemente abandonadas, mal conservadas e a ponto <strong>de</strong><br />
ruir. Ou seja, em 1817, no testemunho do famoso viajante francês, a<br />
nossa Queluz estava na maior penúria. Hoje é um centro comercial<br />
dinâmico. Tem um traçado muito irregular que confun<strong>de</strong> o visitante,<br />
mas conta com boa sinalização indicativa <strong>de</strong> acessos a bairros e vias.<br />
Lafaiete preservou muito pouco do seu patrimônio histórico e na<br />
praça on<strong>de</strong> está sua matriz não se vê outras construções setecentistas.<br />
Mas há dois ou três casarões do século XVIII nas proximida<strong>de</strong>s.<br />
Cadastramos dois templos em Conselheiro Lafaiete: a matriz <strong>de</strong><br />
N. S. da Conceição e a igreja <strong>de</strong> Santo Antônio. Nenhum <strong>dos</strong> dois é<br />
tombado.<br />
Matriz <strong>de</strong> N.S da Conceição – 1733<br />
Também tem o aspecto típico das velhas matrizes mineiras da<br />
primeira meta<strong>de</strong> do século XVIII, sólida e imponente. Fica à frente <strong>de</strong><br />
uma praça <strong>de</strong> tráfego pesado a que ela procura resistir heroicamente.<br />
Seu frontispício é <strong>de</strong>limitado por pilastras <strong>de</strong> boa cantaria e está<br />
apertado entre as bases das suas largas torres retas. Os cunhais também<br />
são <strong>de</strong> cantaria reta. A portada é <strong>de</strong> pedra, com portais duplos. Os<br />
externos terminam em adornos flamejantes. A verga também ostenta<br />
adornos, encima<strong>dos</strong> por um medalhão, terminado em coroa. Nos la<strong>dos</strong><br />
estão dois pequenos janelões gra<strong>de</strong>a<strong>dos</strong>, com moldura <strong>de</strong> cantaria,<br />
tendo acima um óculo irregular, também em moldura <strong>de</strong> pedra e que<br />
espeta levemente a cimalha. Esta é múltipla e saliente, porém <strong>de</strong>lgada.<br />
O frontão é simples e faz uma leve curva para sustentar o acrotério<br />
com sua pequena cruz em resplendores. Solidário ao frontispício,<br />
248
também ele está apertado entre as torres. Estas são quadradas e largas,<br />
com cantaria nas quinas e cúpulas <strong>de</strong> pirâmi<strong>de</strong> achatada, terminadas em<br />
pináculos.<br />
O altar mor apresenta um fundo camarim, abrigando um trono<br />
em cascata <strong>de</strong> solução original. O retábulo exibe dois conjuntos <strong>de</strong><br />
colunas torsas e retas. Um está nas bordas do recorte do camarim e<br />
outra mais externamente, la<strong>de</strong>ando nichos com baldaquinos em forma<br />
parecida com cogumelos. Uma curvatura côncava, cromada <strong>de</strong> azul, liga<br />
os dois conjuntos. As colunas são num tom <strong>de</strong> azul marfinizado com<br />
frisos <strong>de</strong> ramagens douradas. Há um gran<strong>de</strong> baldaquino em ângulos<br />
retos, com franjas, no arco do coroamento e uma gran<strong>de</strong> cabeça <strong>de</strong> anjo<br />
mais acima. As pare<strong>de</strong>s da capela mor são adornadas com pinturas<br />
emolduradas. O teto é abobadado, <strong>de</strong> assoalho branco com molduras<br />
discretas em relevo, contornando a base <strong>de</strong> sustentação do can<strong>de</strong>labro.<br />
O arco cruzeiro é simples, <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira, com uma tarja no<br />
coroamento, guardada à distância por dois anjos flutuantes.<br />
Os altares colaterais apresentam complexas colunas torsas,<br />
talhadas com profusas ramagens e um <strong>dos</strong>sel no coroamento, sob um<br />
espaldar retangulado. Tudo cromado em fundo claro com frisos<br />
doura<strong>dos</strong>. O trono é baixo e simplificado ocupando o camarim<br />
adornado com volutas e resplendores. Há mais dois altares na nave,<br />
simplifica<strong>dos</strong>, fazendo mais o efeito <strong>de</strong> molduras monumentais a coroar<br />
duas pinturas do Cristo, atribuídas a um alemão chamado Shumaker. O<br />
teto da nave é facetado e artesoado, com molduras simples e sem<br />
figuras. Os óculos da nave são retangulares, em sentido vertical, muito<br />
fecha<strong>dos</strong> como se fossem frestas à proteger arqueiros das setas do<br />
inimigo. O piso, a exemplo <strong>de</strong> praticamente todas as <strong>igrejas</strong> <strong>de</strong>ssa<br />
região, é em plano único, sem balaustradas laterais e restaurado<br />
mediante a aplicação <strong>de</strong> ladrilho hidráulico mais recente.<br />
Os púlpitos são em ma<strong>de</strong>ira entalhada, <strong>de</strong> tendência retilínea,<br />
com pintura maciça e frisos doura<strong>dos</strong>. A base parece um coruchéu<br />
invertido.<br />
O coro é reto com balaustrada torneada escura, sustentado num<br />
arco singular. O tapa vento atual é um <strong>de</strong>sagradável boxe <strong>de</strong> acrílico<br />
colorido com moldura <strong>de</strong> alumínio.<br />
Igreja <strong>de</strong> Santo Antônio – 1768<br />
Fica no alto <strong>de</strong> uma antiga la<strong>de</strong>ira, hoje interrompida para o<br />
tráfego e adornada por uma mo<strong>de</strong>sta mas útil pracinha. Não<br />
249
conseguimos conhecer seu interior. O aspecto externo é singelo mas<br />
muito bem conservado. Sua fachada é composta <strong>de</strong> uma única peça. A<br />
parte superior termina num beiral em três planos. O do centro é mais<br />
elevado e reto - sustentando a torre - e os laterais caem até os cunhais,<br />
garantindo o escoamento da chuva. No centro da fachada está a porta<br />
<strong>de</strong> entrada com sua folha <strong>de</strong> almofadas simples e portais mo<strong>de</strong>stos.<br />
Acima estão dois janelões em guilhotina e abaixo do beiral, no<br />
alinhamento da torre, se abre um óculo redondo com uma cruz no<br />
centro. No alinhamento <strong>dos</strong> cunhais se equilibram dois pontu<strong>dos</strong><br />
coruchéus. A torre é muito <strong>de</strong>lgada, em total <strong>de</strong>sproporção com o<br />
frontispício que assim, a sustenta sem esforço. Está coberta por uma<br />
cúpula irregular com a cruz no topo.<br />
ITAVERAVA<br />
Itaverava é uma rarida<strong>de</strong>. Está entre as poucas cida<strong>de</strong>s<br />
mineiras que têm o mesmo nome <strong>de</strong>s<strong>de</strong> seu primeiro povoamento. Faz<br />
parte do complexo <strong>dos</strong> vilarejos setecentistas da entrada primitiva das<br />
minas do Casca, do Ouro Preto e do Ribeirão do Carmo, povoadas<br />
pelos ban<strong>de</strong>irantes paulistas no final do século XVII. Sua fundação está<br />
ligada a nomes como Manuel e Sebastião Camargos. Po<strong>de</strong> ser alcançada<br />
a vinte quilômetros <strong>de</strong> Conselheiro Lafaiete, por estrada asfaltada.<br />
Itaverava é on<strong>de</strong> ficava o Fundão das Goiabas, fazenda on<strong>de</strong><br />
moravam os pais <strong>de</strong> Marilia <strong>de</strong> Dirceu. Foi aqui que ela se refugiou<br />
quando Tomás Antônio Gonzaga foi cumprir seu <strong>de</strong>gredo sem volta. A<br />
musa retornou a Vila Rica em 1815, com quarenta anos; <strong>de</strong>vidamente<br />
carimbada para titia, papel que exerceu bravamente, criando dois <strong>de</strong><br />
seus sobrinhos, como vimos.<br />
Foi aqui que os filhos <strong>de</strong> Alvarenga Peixoto estudaram, já<br />
estando o poeta morto e sepultado em Ambaca, localida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Angola<br />
para on<strong>de</strong> fora <strong>de</strong>gredado para sempre. Dizem que quem bancava as<br />
<strong>de</strong>spesas era o contratador João Rodrigues <strong>de</strong> Macedo, benfeitor <strong>de</strong><br />
Bárbara Eliodora, amparando-a na <strong>de</strong>sgraça.<br />
A cida<strong>de</strong>zinha chama a atenção por duas coisas: sua rodoviária<br />
patrioticamente pintada <strong>de</strong> ver<strong>de</strong> e amarelo e seu pequeno conjunto<br />
histórico, representado por um pacato e <strong>de</strong>spojado largo on<strong>de</strong> está a<br />
igreja e alguns casarões. O mais antigo <strong>de</strong>les, comprovadamente<br />
setecentista, passa por um lento processo <strong>de</strong> restauração que começou<br />
recuperando as partes mais ameaçadas e hoje está interrompido à espera<br />
<strong>de</strong> novos e generosos recursos. Trata-se, na verda<strong>de</strong>, do casarão on<strong>de</strong><br />
250
viveu o primeiro vigário <strong>de</strong> Itaverava o padre Manoel Ribeiro Laborda,<br />
tombado pelo IPHAN. Há boatos <strong>de</strong> que Ataí<strong>de</strong> teria executado<br />
pinturas no forro <strong>de</strong>sta casa.<br />
Existe apenas um templo setecentista em Itaverava que é a<br />
matriz <strong>de</strong> Santo Antônio. Foi tombada pelo IPHAN em 1984.<br />
Matriz <strong>de</strong> Santo Antônio - 1726<br />
A fachada da matriz <strong>de</strong> Itaverava está inteiramente<br />
<strong>de</strong>scaracterizada por uma gran<strong>de</strong> reforma havida em 1922. O estilo é<br />
confuso e inclassificável. O bispo <strong>de</strong> Mariana, na sua passagem aqui em<br />
1824, também anotou que a matriz tinha sido reconstruída<br />
recentemente. Portanto, tivemos duas gran<strong>de</strong>s reformas no edifício no<br />
espaço <strong>de</strong> cem anos e, assim, não consigo imaginar quais seriam suas<br />
características genuinamente setecentistas.<br />
O frontispício está dividido em três partes <strong>de</strong>limitadas por<br />
pilastras retas <strong>de</strong> alvenaria. No centro <strong>de</strong> cada uma está uma porta em<br />
arco, encimada por um janelão com falsos parapeitos e janelas em<br />
vidraças <strong>de</strong> duas folhas. Acima está uma empena reta, com um nicho<br />
simplificado, abrigando uma imagem <strong>de</strong> santo Antônio. Dos la<strong>dos</strong> estão<br />
as torres, quadradas com cúpulas em forma <strong>de</strong> pirâmi<strong>de</strong>, interrompidas<br />
nas pontas por pináculos arremata<strong>dos</strong> em esferas. Por pouco a igreja<br />
não é confundida com uma repartição da república velha.<br />
Internamente, porém, a matriz <strong>de</strong> Itaverava preserva seu belo<br />
conjunto tipicamente do século XVIII.<br />
O altar mor mostra um arco simplificado, com bordas<br />
rendilhadas la<strong>de</strong>adas por quatro colunas em quartelas com nichos rasos<br />
e um arco convexo ligando o coroamento das mesmas. O autor do<br />
risco é João Antunes <strong>de</strong> Carvalho, mas ele não pô<strong>de</strong> executá-lo pois a<br />
Coroa Portuguesa, responsável pela <strong>de</strong>spesa, achou exorbitante a<br />
quantia pedida. 178 Também há quem acredite que o autor do risco tenha<br />
sido Francisco Vieira Servas. É cromado em pintura marmorizada<br />
suave, valorizada por frisos doura<strong>dos</strong>. No barrado das pare<strong>de</strong>s da<br />
capela mor estão figuras pintadas, enquadradas por molduras em<br />
178 De fato os quase cinco contos <strong>de</strong> reis pedi<strong>dos</strong>, parecem inteiramente fora <strong>de</strong><br />
propósito. Equivalem ao custo <strong>de</strong> uma boa casa naquela época.<br />
251
volteios rococó. No alto se abrem tribunas com acabamento reto <strong>de</strong><br />
ma<strong>de</strong>ira escura e balaústres tornea<strong>dos</strong> <strong>de</strong> mesmo material. A plataforma<br />
do presbitério é <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira.<br />
O teto é abobadado e exibe a bela pintura <strong>de</strong> Ataí<strong>de</strong>. Aqui a<br />
virgem já não é <strong>de</strong> traços mulatos como as <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Ouro<br />
Preto ou Santo Antônio <strong>de</strong> Ouro Branco. Ao contrário é loura e trás os<br />
cabelos soltos em cuida<strong>dos</strong>o <strong>de</strong>salinho. 179 Os anjos também são<br />
aloura<strong>dos</strong>. Está cercada com parapeitos ilusionistas e sacadas nos<br />
cantos, ocupadas pelos doutores da igreja, ao estilo característico do<br />
mestre <strong>de</strong> Mariana. As pare<strong>de</strong>s da capela mor estão sem as quatro telas<br />
pintadas, que foram retiradas <strong>de</strong>vido ao seu estado <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>nte e que<br />
estão guardadas à espera <strong>de</strong> restauração. Sua retirada revelou a pintura<br />
<strong>de</strong>corativa original da pare<strong>de</strong>, com belos motivos rococó em suaves<br />
tons <strong>de</strong> azul e que foi coberta por uma grosseira repintura.<br />
O arco cruzeiro, em ma<strong>de</strong>ira, apresenta uma solução original. As traves<br />
da base do arco prolongam-se sobre os altares colaterais servindo<br />
também <strong>de</strong> base aos seus espaldares. Neles aparecem medalhões,<br />
encima<strong>dos</strong> por baldaquinos franja<strong>dos</strong>. As colunas são retas, <strong>de</strong> capitel<br />
trabalhado com caneluras. Sustentam-se sobre consolos. A cromagem é<br />
baseada numa pintura marmorizada suave, com frisos doura<strong>dos</strong>.<br />
No recinto da nave há mais dois altares, com espaldares altos<br />
adorna<strong>dos</strong> com medalhões doura<strong>dos</strong>, formando uma moldura <strong>de</strong> fundo<br />
cavado, com duas colunas retas e lisas, encimadas por baldaquinos com<br />
franjas guarnecendo o camarim.<br />
Os púlpitos são relativamente simples, <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira, com uma cobertura<br />
também simples, que não chega a ser um baldaquino. O assoalho foi<br />
substituído por um piso <strong>de</strong> ladrilho, em plano único, sem balaustradas<br />
laterais.<br />
O teto da nave é abobadado com o medalhão rococó <strong>de</strong><br />
Francisco Xavier Carneiro no centro, mostrando uma visão <strong>de</strong> santo<br />
Antônio com a Virgem e o Menino. Está cercado <strong>de</strong> parapeitos e<br />
sacadas on<strong>de</strong>, curiosamente, não se vêem figuras humanas. A cimalha é<br />
marmorizada e nelas se abrem os óculos, numa solução incomum. As<br />
pare<strong>de</strong>s da nave são inteiramente brancas e nelas estão tribunas com<br />
molduras e balaústres simplifica<strong>dos</strong>, como os da capela mor.<br />
179 As virgens <strong>de</strong> Ataí<strong>de</strong> são mais ou menos como as marílias <strong>de</strong> Tomás Antônio<br />
Gonzaga: <strong>às</strong> vezes morenas e <strong>às</strong> vezes louras, mas as morenas prevalecem.<br />
252
O coro é reto, também guarnecido com balaústres <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira<br />
escura torneada.<br />
SÃO JOÃO DEL REI<br />
COMARCA DO RIO DAS MORTES<br />
A cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São João <strong>de</strong>l Rei é, sem questão alguma,<br />
uma das melhores da província. Seus edifícios são <strong>de</strong> boa construção<br />
e bonitas perspectivas e há neles, à par do luxo, gosto apurado.<br />
Tem 24 ruas, todas calçadas e mais <strong>de</strong> 80 sobra<strong>dos</strong>,<br />
10 praças e 3 chafarizes. O seu comércio é ativo e seguro.<br />
São João <strong>de</strong>l Rei é se<strong>de</strong> da antiga Comarca do Rio das<br />
Mortes, palco <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s acontecimentos históricos como a Guerra <strong>dos</strong><br />
Emboabas e a Inconfidência Mineira. Por aqui viveram e enriqueceram<br />
o padre Toledo e Alvarenga Peixoto e também aqui, Bento do Amaral<br />
Coutinho massacrou os paulistas no famoso episódio do Capão da<br />
Traição.<br />
Com localização rodoviária privilegiada, po<strong>de</strong> ser alcançada<br />
facilmente a partir das gran<strong>de</strong>s capitais da região su<strong>de</strong>ste. Em São João<br />
<strong>de</strong>l Rei se encontram alguns <strong>dos</strong> mais conheci<strong>dos</strong> templos setecentistas,<br />
on<strong>de</strong> o Aleijadinho <strong>de</strong>ixou a sua marca genial. É uma das maiores<br />
cida<strong>de</strong>s do nosso roteiro e junto com Tira<strong>de</strong>ntes, oferece uma excelente<br />
infraestrutura turística com opções para to<strong>dos</strong> os gostos, inclusive com<br />
alternativa <strong>de</strong> hospedagem em hotéis fazenda e algumas pousadas<br />
bucólicas.<br />
O povoamento da região data <strong>dos</strong> primeiros anos <strong>dos</strong><br />
setecentos e está ligado ao nome <strong>de</strong> Tomé Portes <strong>de</strong>l Rei que, em 1702,<br />
<strong>de</strong>scobriu ouro na região da atual Tira<strong>de</strong>ntes e lá explorava um serviço<br />
<strong>de</strong> travessia no rio das Mortes. A <strong>de</strong>scoberta, tal qual aconteceu um<br />
pouco mais cedo na região do Ouro Preto e do Carmo, atraiu vários<br />
aventureiros e, a partir daí, foi um rápido povoar da região; <strong>de</strong> tal forma<br />
que em 1713, São João <strong>de</strong>l Rei já era vila com matriz, capelas e tudo<br />
mais. O nome primitivo era Arraial Novo <strong>de</strong> N. S. do Pilar, em<br />
contraposição a Tira<strong>de</strong>ntes que era o Arraial Velho <strong>de</strong> Santo Antônio.<br />
O nome foi dado pelo governador d. Brás Baltasar da Silveira, quando<br />
da criação da vila e o fez em homenagem ao verda<strong>de</strong>iro rei e não a<br />
Tomé Portes, o <strong>de</strong>scobridor do ouro, que também era Rei, mas nem<br />
253
tanto. Um fato curioso que ocorreu quando da fundação, merece ser<br />
contado. O governador achou por bem que a vila fosse criada um<br />
pouco além do local exato em que se encontrava o Arraial Novo,<br />
assentando lá o pelourinho, marco do novo status legal do povoado. O<br />
povo, porém, achou sem sentido ter que se <strong>de</strong>slocar uma meia légua<br />
para habitar o novo local indicado e continuou on<strong>de</strong> já estava. Foi<br />
preciso um <strong>de</strong>creto raivoso obrigando que a mudança ocorresse no<br />
prazo máximo <strong>de</strong> um ano. E assim nasceu São João <strong>de</strong>l Rei. O<br />
pelourinho ainda está lá, mas a cida<strong>de</strong> não cresceu em torno <strong>de</strong>le e sim<br />
ao longo do ribeirão do Lenheiro. Na verda<strong>de</strong>, hoje o largo do<br />
pelourinho é um tanto ou quanto mal situado, com a matriz do Pilar<br />
dando-lhe as costas. É o contrário do largo do Pelourinho <strong>de</strong> Mariana<br />
que abriga gloriosamente as <strong>igrejas</strong> do Carmo e São Francisco e ainda o<br />
edifício da Câmara.<br />
A cida<strong>de</strong> é cortada pelos ribeirões <strong>de</strong> Tijuco e Barreiros que se<br />
unem e continuam como o Lenheiro que segue cortado por pontes <strong>de</strong><br />
pedra até sumir no rio das Mortes, meia légua além e ainda <strong>de</strong>ntro da<br />
cida<strong>de</strong>.<br />
Em outubro <strong>de</strong> 1824 o bispo <strong>de</strong> Mariana, dom frei José da<br />
Santíssima Trinda<strong>de</strong>, visitou seus diocesanos <strong>de</strong> São João <strong>de</strong>l Rei e fez<br />
constar talvez o maior relatório <strong>de</strong> to<strong>dos</strong> que produziu nas suas viagens.<br />
Descreve o bom estado da matriz com restrições apenas à custódia.<br />
Conta que a igreja da Irmanda<strong>de</strong> do Carmo estava com suas torres por<br />
concluir. Fala da capela das Mercês, também ainda por concluir. A<br />
nossa preciosa igreja <strong>de</strong> São Francisco também ainda estava em obras,<br />
sem forro, com pare<strong>de</strong>s por retocar e talha por pintar. Elogia a capela<br />
<strong>de</strong> São Gonçalo Garcia: “acabada, preparada com boas imagens e<br />
ornamentos”.<br />
Dom frei José encerrou sua visita ditando uma curiosa provisão,<br />
proibindo cultos noturnos, porém liberando <strong>de</strong> tal restrição os homens<br />
pretos da Irmanda<strong>de</strong> do Rosário. O bispo evi<strong>de</strong>ntemente não quis<br />
<strong>de</strong>sobrigar os escravos da sua labuta diurna repartindo o ócio com<br />
sabedoria.<br />
Além <strong>de</strong> suas muitas <strong>igrejas</strong>, São João <strong>de</strong>l Rei possui um centro<br />
histórico interessante e um museu mantido pelo próprio IPHAN com<br />
móveis, imagens e documentos, assim como um museu histórico<br />
municipal <strong>de</strong>dicado a Tomé Portes e um museu sacro. O museu do<br />
IPHAN está instalado num casarão que tem aspecto setecentista mas,<br />
254
na verda<strong>de</strong>, é do século XIX e foi construído pelo comendador João<br />
Antônio da Silva Mourão que, com sua família, ocupava os dois<br />
andares <strong>de</strong> cima, enquanto no térreo funcionava sua venda <strong>de</strong> secos e<br />
molha<strong>dos</strong>. Certamente sua loja tinha posição <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque no dinâmico<br />
comércio <strong>de</strong> São João <strong>de</strong>l Rei do século XIX. Esse dinamismo vem<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o século XVIII e consta que João Rodrigues <strong>de</strong> Macedo, o rico<br />
contratador <strong>de</strong> Vila Rica, tinha presença <strong>de</strong>stacada no comércio local e<br />
na sua ligação com o Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />
O centro histórico apresenta uma disposição urbanística<br />
curiosa. Hoje é formado basicamente pela rua Getúlio Vargas, que<br />
começa no largo da igreja do Carmo e termina no largo da Igreja do<br />
Rosário e tem a matriz do Pilar exatamente no meio. Atrás está o largo<br />
da Igreja das Mercês e o pelourinho. Do outro lado do ribeirão há ainda<br />
um pedaço da parte histórica preservada. Ali está a bela praça on<strong>de</strong> se<br />
ergue a igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Assis e ainda se po<strong>de</strong> ver o casarão<br />
<strong>de</strong> Bárbara Eliodora, a infeliz mulher <strong>de</strong> Alvarenga Peixoto que hoje<br />
repousa em São Gonçalo do Sapucaí em local incerto, embora<br />
simbolicamente seu túmulo esteja no Museu da Inconfidência em Ouro<br />
Preto, ao lado do poeta. É a casa on<strong>de</strong> ela nasceu e viveu a juventu<strong>de</strong><br />
mas para on<strong>de</strong> não voltou <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> se unir a Alvarenga Peixoto.<br />
Abriga hoje o museu histórico Tomé Portes <strong>de</strong>l Rei, mantido pela<br />
municipalida<strong>de</strong>. O acervo é pobre mas você po<strong>de</strong> conversar com o<br />
Bosco, seu zelador, especialista nas tradições da semana santa <strong>de</strong> São<br />
João <strong>de</strong>l Rei, que segundo ele só acaba mesmo é em agosto.<br />
O Museu Sacro fica do lado do Solar <strong>dos</strong> Neves. Não<br />
conseguimos visitá-lo. Estava inexplicavelmente fechado muito embora<br />
fosse feriado e o centro histórico <strong>de</strong> São João <strong>de</strong>l Rei estivesse cheio <strong>de</strong><br />
turistas que faziam a alegria <strong>dos</strong> guias das <strong>igrejas</strong> do Pilar e São<br />
Francisco.<br />
Saint-Hilaire nos conta ter visitado São João <strong>de</strong>l Rei três vezes.<br />
Explicou que a vila era centro <strong>de</strong> uma vasta região agrícola e pecuária.<br />
Elogiou o comércio e o dinamismo da economia, diferente do marasmo<br />
e <strong>de</strong>cadência da maioria das localida<strong>de</strong>s que visitou em <strong>Minas</strong>. Notou,<br />
porém, que havia um número elevado <strong>de</strong> mendigos, especialmente<br />
negros velhos alforria<strong>dos</strong>, incapazes para o trabalho. Queixou-se da<br />
pouca educação e grosseria <strong>dos</strong> habitantes, a <strong>de</strong>speito da sua gran<strong>de</strong><br />
maioria ser formada <strong>de</strong> brancos, entre os quais havia muitos europeus.<br />
Também se equivocou com a origem do nome do rio das Mortes<br />
dizendo que ele assim se chamava <strong>de</strong>vido <strong>às</strong> várias batalhas travadas<br />
com os índios da região. Notou as duas pontes <strong>de</strong> pedras em arco sobre<br />
255
o Lenheiro e observou que São João <strong>de</strong>l Rei não tinha chafarizes<br />
públicos. Mais uma vez criticou a hospedaria que chamou <strong>de</strong> suja e<br />
infecta como a maioria das hospedarias <strong>de</strong> <strong>Minas</strong>. Contou <strong>de</strong>z <strong>igrejas</strong>.<br />
Elogiou a matriz do Pilar que o <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong>slumbrado. Observou que a<br />
igreja <strong>de</strong> São Francisco estava com o interior por concluir e que não<br />
tinha nada <strong>de</strong> notável. Não fez menção <strong>às</strong> <strong>de</strong>mais.<br />
Richard Burton fez minucioso registro da sua visita a São João<br />
<strong>de</strong>l Rei. Como era seu hábito registrou o nome do local on<strong>de</strong> se<br />
hospedou: Hotel Almeida, mas não fez maiores comentários sobre a<br />
qualida<strong>de</strong> do serviço. Visitou o externato São João, fundado por um<br />
inglês em 1848. Conta-nos que a igreja <strong>de</strong> São Gonçalo Garcia, que o<br />
bispo <strong>de</strong> Mariana encontrou concluída quarenta e dois anos antes, já<br />
estava quase em ruínas. De fato ela foi praticamente reconstruída alguns<br />
anos mais tar<strong>de</strong>, obra que só ficou pronta no princípio do século XX.<br />
Criticou a arquitetura das <strong>igrejas</strong> mineiras dizendo que elas mostravam<br />
influência jesuítica e eram pesadas e <strong>de</strong>sgraciosas, tendo falhado na sua<br />
tentativa <strong>de</strong> juntar o gótico e o clássico. Acrescentou que elas seguiam o<br />
plano <strong>de</strong> uma meia-cruz, com sacristia ou corredores preenchendo os<br />
espaços reserva<strong>dos</strong> aos braços. Isso, segundo ele, dava ao recinto<br />
interno um aspecto <strong>de</strong> um casarão. Deteve-se em <strong>de</strong>screver a igreja <strong>de</strong><br />
São Francisco. Explicou, ironicamente, que o escultor não usava régua e<br />
sim compasso, daí a carência <strong>de</strong> linhas retas. Fala <strong>dos</strong> laboriosos alto<br />
relevos feitos por “um homem sem mão”, conhecido como o<br />
Aleijadinho. Conta das torres, dizendo que nada as recomenda senão a<br />
excentricida<strong>de</strong> e que o seu <strong>de</strong>feito principal eram as cúpulas “copiadas<br />
<strong>dos</strong> formigueiros <strong>dos</strong> cupins ou do ninho do joão <strong>de</strong> barro”. Falou<br />
ainda da mo<strong>de</strong>sta capela do Senhor Bom Jesus do Bonfim. Procurou o<br />
serviço do correio local e ficou surpreso <strong>de</strong> ali não se saber o que ra<br />
uma entrega postal, exclamando que esse era um fato lamentável numa<br />
cida<strong>de</strong> com doze <strong>igrejas</strong> e um alfaiate especializado apenas em fazer<br />
batinas. Passou pela ponte do Rosário e registrou as ruínas da igreja <strong>de</strong><br />
São Caetano. Na seqüência falou da igreja do Rosário, quase em ruínas<br />
e já sem torre que caiu e não foi reconstruída. Falou ainda da matriz do<br />
Pilar, dando como 1717 a data da sua construção, exceto a fachada que<br />
tinha sido recentemente reconstruída por um Sr. Cândido José da Silva.<br />
Terminou o seu relato das <strong>igrejas</strong> com uma passagem pela igreja do<br />
Carmo. Dá-nos conta <strong>de</strong> que o interior estava sendo restaurado, com<br />
entalhes <strong>de</strong> cedro executa<strong>dos</strong> por um artista autodidata chamado<br />
Joaquim Francisco <strong>de</strong> Assis Pereira. Em seguida visitou as minas<br />
256
inglesas <strong>de</strong> São João <strong>de</strong>l Rei e rumou para Barbacena, passando antes<br />
em São José <strong>de</strong>l Rei.<br />
Quase cinqüenta anos antes, por aqui passaram Spix e Martius.<br />
Julgaram a vila com um aspecto <strong>de</strong> beleza romântica, com seu casario<br />
impecavelmente caiado <strong>de</strong> branco. Falaram <strong>de</strong> belas <strong>igrejas</strong> e <strong>de</strong> lojas<br />
bem fornecidas <strong>de</strong> artigos <strong>de</strong> luxo, corroborando o dinamismo do<br />
comércio local que também impressionou os outros viajantes do século<br />
XIX. Falaram em seis mil habitantes, numa casa <strong>de</strong> fundição, uma<br />
escola <strong>de</strong> latim, um hospital, uma casa <strong>de</strong> correção, diversas capelas,<br />
quatro <strong>igrejas</strong>, entre as quais uma bela matriz. 180 Contaram que a<br />
maioria do ouro processado na casa <strong>de</strong> fundição vinha <strong>de</strong> Campanha ou<br />
da vizinha São José, contradizendo Saint-Hilaire que, mais ou menos na<br />
mesma época, dá a ativida<strong>de</strong> aurífera da região como praticamente<br />
extinta. Também, contrariando o sábio francês, <strong>de</strong>ram ao povo local<br />
um caráter muito hospitaleiro. Foi aqui que a dupla <strong>de</strong> sábios resolveu<br />
fazer uma interessante <strong>de</strong>scrição física do mineiro que, nesse aspecto,<br />
parece ter-lhes causado muito boa impressão: “[...] tem, em geral,<br />
estatura esbelta e magra, peito estreito, pescoço comprido, rosto um<br />
tanto alongado, olhos pretos vivos, cabelo preto na cabeça e no peito;<br />
tem, por natureza, um certo garbo nobre e o seu modo <strong>de</strong> tratar é<br />
muito <strong>de</strong>licado, obsequioso e sensato [...]”.<br />
Saint-Hilaire também já tinha observado o aspecto longilíneo do<br />
mineiro do século XIX, conforme notas da sua segunda viagem a <strong>Minas</strong><br />
quando veio repor alguns espécimes que haviam se perdido <strong>de</strong>pois da<br />
primeira viagem.<br />
Registramos em São João <strong>de</strong>l Rei os seguintes templos: matriz<br />
<strong>de</strong> N. S. do Pilar, igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Assis, igreja <strong>de</strong> N. S. do<br />
Carmo, igreja <strong>de</strong> N. S. do Rosário, igreja <strong>de</strong> São Gonçalo Garcia, igreja<br />
do Bonfim, igreja <strong>de</strong> N. S. das Mercês, capela da Pieda<strong>de</strong> da Santa Casa,<br />
igreja <strong>de</strong> Santo Antônio e a capela <strong>de</strong> São Miguel no Distrito <strong>de</strong> Cajuru.<br />
A matriz foi tombada pelo IPHAN em 1949 e as <strong>igrejas</strong> <strong>de</strong> São<br />
Francisco e Carmo foram tombadas em 1938. As <strong>de</strong>mais não são<br />
tombadas.<br />
180 Spix e Martius pouco falaram das <strong>igrejas</strong>, mas quando o fizerem sempre as<br />
elogiaram. Nessa matéria, não tinham o espírito in<strong>de</strong>ciso <strong>de</strong> Saint-Hilaire nem<br />
<strong>de</strong>strutivo como o <strong>de</strong> Burton.<br />
257
Matriz do Pilar – 1721<br />
Juntamente com a Igreja do Rosário, a Matriz do Pilar é das<br />
mais <strong>antigas</strong> <strong>de</strong> São João <strong>de</strong>l Rei, construída ainda no primeiro quarto<br />
do século XVIII. Foi aqui que, na tar<strong>de</strong> do dia 04 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1822, teve<br />
lugar as solenida<strong>de</strong>s com que as autorida<strong>de</strong>s e o povo da vila receberam<br />
o príncipe regente d. Pedro, então percorrendo a província para sentir o<br />
clima político. Cinco meses <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>cidiria <strong>de</strong>clarar a in<strong>de</strong>pendência,<br />
criando o Império do Brasil.<br />
O templo, como matriz, é obra da Irmanda<strong>de</strong> do Santíssimo,<br />
criada em 1711. Saint-Hilaire como vimos, <strong>de</strong>clarou-se <strong>de</strong>slumbrado<br />
com ela, ao contrário da igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Assis que<br />
consi<strong>de</strong>rou nada apresentar <strong>de</strong> notável. Foi construída no lugar <strong>de</strong> uma<br />
antiga capela incendiada por ocasião da Guerra <strong>dos</strong> Emboabas,<br />
portanto antes da criação da irmanda<strong>de</strong>. Embora sua fachada tenha<br />
sofrido muitas intervenções, que inclusive a guarneceram com pilastras<br />
<strong>de</strong> cantaria, está estampado em suas características gerais, o traço típico<br />
das matrizes da primeira fase. Guarda em relação <strong>às</strong> <strong>igrejas</strong> do Carmo<br />
e São Francisco <strong>de</strong> Assis, as mesmas diferenças existentes entre a matriz<br />
<strong>de</strong> Antônio Dias <strong>de</strong> Ouro Preto e suas respectivas <strong>igrejas</strong> <strong>de</strong> São<br />
Francisco <strong>de</strong> Assis e do Carmo. Ou seja o interior é consi<strong>de</strong>ravelmente<br />
mais rico e interessante do que o exterior. Sua fachada, contudo,<br />
apresenta algo <strong>de</strong> peculiar em relação a outras <strong>antigas</strong> matrizes e se<br />
aproxima muito mais das matrizes <strong>de</strong> Catas Altas ou Barão <strong>de</strong> Cocais<br />
do que da <strong>de</strong> Antônio Dias ou <strong>de</strong> Sabará. Na verda<strong>de</strong>, a fachada atual<br />
foi i<strong>de</strong>alizada por Manuel Victor <strong>de</strong> Jesus no princípio do século XIX,<br />
na esteira do neoclássico. Ergue-se num canto da rua Getúlio Vargas<br />
para qual se abre seu adro, em plano mais elevado e que é alcançado<br />
após uma escadaria <strong>de</strong> média altitu<strong>de</strong>. Um cercado <strong>de</strong> gra<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ferro,<br />
com colunas arrematadas por coruchéus, acentua o toque neoclássico<br />
predominante. A base das torres e o frontispício apresentam um<br />
conjunto simétrico <strong>de</strong> portas e janelas que dá à fachada o aspecto mais<br />
<strong>de</strong> um palacete do que <strong>de</strong> uma igreja. É certo que há pilastras <strong>de</strong><br />
cantaria separando os conjuntos, mas as mesmas portas e sacadas que<br />
estão no frontispício, estão nas bases das torres. Assim temos uma<br />
profusão <strong>de</strong> recortes na fachada para dar espaço aos vaza<strong>dos</strong> <strong>de</strong> nada<br />
menos do que cinco portas e cinco sacadas. Três portas levam ao<br />
interior da nave e outras duas levam à cômo<strong>dos</strong> laterais. A Capela do<br />
Santíssimo, porém, é acessada pela lateral da igreja que tem o aspecto<br />
<strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> casarão, cravado por uma sucessão <strong>de</strong> janelões.<br />
258
O frontão é do tipo empena pura, absolutamente reto, sem<br />
outra função que fechar a parte externa da angulação do telhado. A<br />
cimalha também não tem maior <strong>de</strong>staque mas contribui<br />
significativamente para harmonizar o conjunto e acentuar seu aspecto<br />
<strong>de</strong> soli<strong>de</strong>z. Não há óculo, senão um medalhão em baixo relevo, no<br />
centro do tímpano. A cruz é pequena e se apoia numa singela base. As<br />
torres são quadradas, com cúpulas <strong>de</strong>stoantes, em pirâmi<strong>de</strong> achatada,<br />
com quatro coruchéus nas laterais e pináculos no topo. A fachada atual<br />
é o resultado, até certo ponto inexplicavelmente discreto, do trabalho<br />
<strong>de</strong> Francisco <strong>de</strong> Lima Cerqueira e já no século XIX, como dissemos, <strong>de</strong><br />
Manoel Victor <strong>de</strong> Jesus. Po<strong>de</strong> ser que o que se vê hoje tenha sido uma<br />
tentativa do segundo <strong>de</strong> modificar a intervenção do primeiro,<br />
retornando o templo <strong>às</strong> suas características originais, acrescentando,<br />
porém, algumas pitadas neoclássicas.<br />
O interior como dito, é o ponto alto. A capela mor se <strong>de</strong>staca<br />
pelo teto abobadado com belos baixo relevos <strong>de</strong>corativos formando um<br />
harmonioso conjunto <strong>de</strong> ouro e branco sobre superfícies retas e<br />
rendadas. Os frisos das abobadas se juntam no centro e do seu arremate<br />
pen<strong>de</strong> um belo lustre. 181 No geral, é <strong>de</strong> um tipo mais comum no norte<br />
do Brasil mas mais raro em <strong>Minas</strong> Gerais. Nas pare<strong>de</strong>s do presbitério<br />
há dois gran<strong>de</strong>s óculos acima <strong>de</strong> pinturas ricamente emolduradas,<br />
vindas diretamente <strong>de</strong> Portugal e aqui montadas. O altar mor é em<br />
<strong>dos</strong>sel, encimado pela Santíssima Trinda<strong>de</strong>. O retábulo, bastante largo e<br />
profusamente dourado, tem colunas torsas que terminam externamente<br />
em fragmentos <strong>de</strong> arquitrave sustentando figuras <strong>de</strong> anjos. As colunas<br />
externas também são torsas, com inspiração semelhante <strong>às</strong> das internas.<br />
Entre elas estão nichos originais com baldaquinos quadra<strong>dos</strong>. O trono<br />
é alto, em cascata, mas com entalhes tipicamente barrocos. No alto,<br />
naturalmente está a N. S. do Pilar e embaixo está um minúsculo<br />
crucifixo. No transepto se apoiam dois altares retos <strong>de</strong> espaldar alto. As<br />
colunas são predominantemente torsas e não há propriamente um<br />
<strong>dos</strong>sel mas sim um medalhão. O da esquerda é inteiramente dourado é<br />
o do lado oposto, combina dourado com efeitos <strong>de</strong> pintura<br />
marmorizada, ao fundo. O arco cruzeiro é fartamente entalhado, com<br />
efeitos doura<strong>dos</strong> e ostenta um gran<strong>de</strong> medalhão guarnecido <strong>de</strong> anjos<br />
esvoaçantes. No recinto da nave estão mais quatro altares. Um <strong>de</strong>les<br />
apresenta colunas torsas e nos <strong>de</strong>mais não existem colunas mas sim<br />
181 Dizem que esse lustre é todo <strong>de</strong> prata e que foi doado por Alvarenga Peixoto.<br />
259
uma gama <strong>de</strong> lavores e volteios em baixo relevo. Entre eles se assentam<br />
os púlpitos, ricamente entalha<strong>dos</strong> e guarneci<strong>dos</strong> <strong>de</strong> baldaquinos. O teto<br />
da nave é abobadado e mostra uma gran<strong>de</strong> figura <strong>de</strong> N. S. do Pilar no<br />
centro, enquadrada num medalhão rococó e emoldurada por muretas<br />
em perspectiva arquitetônica, obra <strong>de</strong> Venâncio José do Espírito Santo.<br />
Do centro pen<strong>de</strong> outro belo lustre que parece ser <strong>de</strong> cristal. Entre os<br />
altares laterais e o coro se abrem duas originalíssimas tribunas,<br />
autênticas sacadas domésticas, com balaustradas <strong>de</strong> ferro e ornatos <strong>de</strong><br />
pinhas. Acima estão duas sanefas, arrematando o conjunto. No<br />
vestíbulo há uma placa homenageando Bárbara Eliodora, aqui batizada.<br />
Igreja <strong>de</strong> N. S. do Carmo – 1734<br />
O início da construção da igreja do Carmo <strong>de</strong> São João <strong>de</strong>l Rei é<br />
anterior à <strong>de</strong> Ouro Preto, com quem tem certas semelhanças mas não<br />
chega a rivalizar. A construção passou por várias intervenções ao longo<br />
do tempo e, seguramente, sofreu influências do templo <strong>de</strong> Vila Rica e<br />
do traço do Aleijadinho. Sabe-se que aqui trabalhou o arquiteto<br />
construtor Francisco <strong>de</strong> Lima Cerqueira que também é o responsável<br />
principal pelas obras da São Francisco <strong>de</strong> Assis, on<strong>de</strong> andou fazendo<br />
alterações nos projetos do Aleijadinho. Fato é que as similarida<strong>de</strong>s entre<br />
as <strong>igrejas</strong> das irmanda<strong>de</strong>s do Carmo e <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> São João são<br />
gran<strong>de</strong>s e nelas está sempre visível, a chama criadora do mestre <strong>de</strong> Vila<br />
Rica. Na verda<strong>de</strong> é difícil encontrar uma unida<strong>de</strong> nesta igreja pois sua<br />
construção levou mais <strong>de</strong> cem anos e sofreu várias modificações. Por<br />
exemplo, há registros <strong>de</strong> contratos para pinturas no teto da capela mor,<br />
hoje inexistentes. Seguramente, gran<strong>de</strong> parte das obras que hoje a<br />
adornam foram feitas <strong>de</strong>pois da Igreja da Irmanda<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Francisco e<br />
nela se inspiraram.<br />
Está erguida no largo oposto ao do Rosário, no final da rua<br />
Getúlio Vargas, junto a alguns casarões do centro histórico <strong>de</strong> São João<br />
<strong>de</strong>l Rei, bem preserva<strong>dos</strong>.<br />
O frontispício é quadrado, com pilastras <strong>de</strong> pedra nas laterais. A<br />
cimalha é larga e múltipla e faz uma volta exagerada para envolver um<br />
óculo redondo, envidraçado, um tanto diminuto. A portada sob<br />
influência do Aleijadinho é o ponto alto do conjunto. As ombreiras são<br />
artisticamente trabalhadas em pedra sabão. Ultrapassam a verga e, como<br />
se fossem consolos, sustentam dois anjos, displicentemente senta<strong>dos</strong>,<br />
segurando um ornato. A verga é irregular e tem uma cabeça <strong>de</strong> anjo no<br />
centro. Acima tem um medalhão entalhado da N. S. do Carmo cercada<br />
260
<strong>de</strong> ornatos, sob uma coroa que chega até o óculo. Nas laterais estão<br />
dois janelões, envidraça<strong>dos</strong> com moldura trabalhada e artísticas<br />
cimalhinhas. O frontão é irregular e ce<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rável espaço para a<br />
volta da cimalha sobre o óculo, em vários planos superpostos.<br />
Tentando compensar isto, sua parte central se eleva exageradamente e<br />
se alarga para sustentar uma pequena esfera sobre a qual está a cruz,<br />
quase na mesma altura das torres. Nas laterais estão dois pequenos<br />
coruchéus. O resultado é relativamente feio, muito diferente da solução<br />
encontrada pelo Aleijadinho na igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Ouro Preto,<br />
on<strong>de</strong> o frontão também é achatado mas em perfeita harmonia com as<br />
torres e os fragmentos <strong>de</strong> arquitrave à sua volta. Há vidraças gra<strong>de</strong>adas<br />
no óculo e nos janelões muito pareci<strong>dos</strong> com as da igreja <strong>de</strong> São<br />
Francisco.<br />
Ao lado do frontão há duas espécies <strong>de</strong> coruchéus. As torres<br />
são oitavadas, altas e <strong>de</strong>lgadas, com cúpulas esféricas irregulares e<br />
arremates em esferas armilares com cata-ventos. Mostram quatro<br />
pilastras <strong>de</strong> pedra com coruchéus nas pontas. Como se lembra, pelo<br />
relato do bispo <strong>de</strong> Mariana quando da sua passagem por aqui em 1824,<br />
as torres ainda não tinham sido concluídas.<br />
O interior da igreja é relativamente simples para uma Igreja do<br />
Carmo, predominando o branco, com algum douramento nos dois<br />
primeiros altares laterais. Como registrou Burton, em 1846 o interior da<br />
igreja ainda passava por trabalhos <strong>de</strong> entalhe. A capela mor é<br />
esfuziantemente branca: pare<strong>de</strong>s, teto, altar. Só quebra essa unida<strong>de</strong><br />
algumas pinturas parietais e uns anjos encarna<strong>dos</strong>, no alto das colunas<br />
do retábulo. Este é simples, com apenas uma coluna, fechada em arco<br />
no alto, circundando um trono em cascata, sustentando uma imagem<br />
resplan<strong>de</strong>cente <strong>de</strong> N. S. do Carmo. Em cima há uma representação da<br />
Santíssima Trinda<strong>de</strong>, também em cores. Dos la<strong>dos</strong> há dois nichos, com<br />
imagens <strong>de</strong> santo Elias e santa Tereza. Há quatro portas com sanefas se<br />
comunicando com o presbitério. As pare<strong>de</strong>s laterais da capela mor<br />
apresentam colunas em quartelas, enquadrando os janelões e as pinturas<br />
parietais. De cada lado há duas belas imagens <strong>de</strong> anjos tocheiros em<br />
tamanho natural. O arco cruzeiro é simples e igualmente caiado. O alto<br />
se fecha num medalhão com anjos nas laterais, pinta<strong>dos</strong> com cores<br />
fortes, contrastando com o branco do arco. No centro do teto da nave<br />
está uma figura <strong>de</strong> Nossa Senhora em relevo, sendo reverenciada por<br />
uma figura papal. No transepto, estão dois altares em posição obliqua,<br />
on<strong>de</strong> também predomina o branco mas, agora, aparecendo também<br />
algum dourado. Possuem espaldares altos, com colunas torsas e frisos<br />
261
doura<strong>dos</strong>. Próximas aos altares do transepto estão tribunas fechadas,<br />
semelhantes <strong>às</strong> da matriz do Pilar, porém com sanefas mais discretas e<br />
guarda-corpo <strong>de</strong> balaústres tornea<strong>dos</strong>. Há mais quatro altares no recinto<br />
da nave, inteiramente brancos, também guarneci<strong>dos</strong> <strong>de</strong> sanefas. Apenas<br />
os anjos apoia<strong>dos</strong> nas colunas <strong>dos</strong> altares são em cores. Os retábulos<br />
<strong>de</strong>sses altares apresentam duas colunas <strong>de</strong>lgadas : uma torsa e a outra<br />
em quartelas que se fecham num arco perfeito e sustentam um alto<br />
espaldar, afilado no centro. Entre elas há falsos nichos com<br />
baldaquinos, abrigando imagens sobre consolos. Não apresentam<br />
douramento. Os púlpitos também são brancos, entalha<strong>dos</strong> e cobertos<br />
com baldaquinos, sobre os quais estão figuras <strong>de</strong> anjos coloridas. Tudo<br />
é muito parecido com o <strong>de</strong>senho da igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Assis.<br />
Interessante reparar na fisionomia exageradamente risonha <strong>dos</strong> anjos<br />
pinta<strong>dos</strong> na base <strong>dos</strong> púlpitos.<br />
Uma robusta cornija contorna o recinto da nave. O coro tem o<br />
formato <strong>de</strong> arcos horizontais que avançam sobre a nave e se sustentam<br />
sobre arcos verticais que se apoiam nas pare<strong>de</strong>s laterais. Há ainda<br />
quatro portas em moldura <strong>de</strong> pedra estabelecendo a comunicação da<br />
nave com os cômo<strong>dos</strong> laterais.<br />
Além <strong>de</strong> Francisco <strong>de</strong> Lima Cerqueira, há registros <strong>de</strong> que<br />
Manoel Rodriguez Coelho e Joaquim Francisco <strong>de</strong> Assis Pereira<br />
trabalharam em obras <strong>de</strong> entalhe na igreja. Mais <strong>de</strong> cem anos separam o<br />
trabalho <strong>de</strong> um e outro.<br />
Igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Assis – 1774<br />
A igreja da Irmanda<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> São João <strong>de</strong>l Rei é<br />
um das mais conhecidas e admiradas <strong>de</strong> todo o país. Seu adro se abre<br />
para uma espaçosa praça, cortada por uma fileira <strong>de</strong> palmeiras imperiais<br />
que compõem com o templo um quadro <strong>de</strong> belo efeito. Seu aspecto é<br />
<strong>de</strong>cididamente suntuoso. Junto com a igreja do Carmo <strong>de</strong> Ouro Preto é<br />
um <strong>dos</strong> templos mais fotografa<strong>dos</strong> do Brasil. Também teve uma<br />
construção <strong>de</strong>morada e em 1817 Saint-Hilaire observou que a igreja<br />
estava inconclusa. Sete anos mais tar<strong>de</strong>, dom frei José da Santíssima<br />
Trinda<strong>de</strong>, constatou que a igreja ainda estava em obras, sem forro e<br />
talha por pintar.<br />
O risco original da fachada é do Aleijadinho e é possível<br />
encontrar-se um esboço do primitivo projeto no acervo do Museu da<br />
Inconfidência. Porém, Francisco <strong>de</strong> Lima Cerqueira andou fazendo as<br />
modificações que hoje se vê e que segundo os críticos, piorou o que o<br />
262
mestre pretendia. De fato, o resultado é inferior à fachada <strong>de</strong> São<br />
Francisco <strong>de</strong> Assis <strong>de</strong> Ouro Preto, esta sim, planejada e executada sob<br />
diligência <strong>de</strong> Antônio Francisco Lisboa que inclusive, se autocorrigiu<br />
algumas vezes até se sentir satisfeito com o que fez.<br />
Lima Cerqueira costuma ser lembrado como um mestre-<strong>de</strong>obras<br />
insensível que tinha prazer em adulterar as criações do<br />
Aleijadinho. Mais justo seria admitir que ambos formaram uma boa<br />
parceria. Cerqueira era também um competente arquiteto e muitas<br />
vezes lhe era exigido encontrar soluções concretas para i<strong>de</strong>ais<br />
excessivamente exuberantes <strong>de</strong> prancheta. Quem contempla as<br />
complexas rocalhas i<strong>de</strong>alizadas por Antônio Francisco Lisboa para o<br />
frontão <strong>de</strong>sta igreja que ora visitamos, <strong>de</strong>ve concluir que certamente<br />
Cerqueira foi encarregado pela irmanda<strong>de</strong> para encontrar alternativa<br />
mais econômica... e ele o fez com meritório efeito.<br />
O frontispício é <strong>de</strong>limitado por pilastras <strong>de</strong> cantaria, com<br />
complexas formas <strong>de</strong> conchoi<strong>de</strong>s e acantos na junção com a cimalha.<br />
Esta é múltipla e contorna exageradamente o óculo num perfil, bastante<br />
parecido com o da igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Ouro Preto e que <strong>de</strong>ve ter<br />
influenciado Lima Cerqueira na igreja do Carmo.<br />
O óculo é redondo e envidraçado, sobre meticuloso gra<strong>de</strong>ado. A<br />
base das torres é arredondada e apresenta janelinhas militares em cima e<br />
em baixo. A portada também é muito semelhante a da igreja do Carmo<br />
e, naturalmente, ambas têm a mesma fonte <strong>de</strong> origem que é o<br />
Aleijadinho: aqui como projetista e executor lá mais como inspirador. 182<br />
Há as mesmas ombreiras em forma <strong>de</strong> quartelas, vazando a verga e<br />
sustentando anjos e um medalhão na parte <strong>de</strong> cima, com o entalhe <strong>de</strong><br />
Nossa Senhora e a coroa chegando até o óculo. Mesma semelhança<br />
ocorre com os janelões. É difícil esclarecer as interligações entre as<br />
portadas <strong>de</strong>sta igreja e a da igreja do Carmo. O mais razoável é<br />
acreditar que o Aleijadinho criou e executou parte da obra do templo <strong>de</strong><br />
São Francisco que Lima Cerqueira modificou e levou para o Carmo,<br />
182 Embora os projetos originais do Aleijadinho tenham sido aceitos pela<br />
irmanda<strong>de</strong>, Lima Cerqueira conseguiu autorização para modificar muitos<br />
<strong>de</strong>les, alegando dificulda<strong>de</strong>s na sua execução. Isso inclui possíveis<br />
modificações na montagem da portada executada pelo mestre <strong>de</strong> Vila Rica em<br />
seu atelier.<br />
263
on<strong>de</strong> outros artistas executaram, entre eles o entalhador Manoel<br />
Rodrigues Coelho.<br />
O frontão também é semelhante ao do Carmo e tem o mesmo<br />
achatamento por falta <strong>de</strong> espaço, roubado que foi pela curva exagerada<br />
da cimalha. 183 A diferença mais notória aqui é a cruz que, em lugar da<br />
forma simples da irmanda<strong>de</strong> do Carmo mostra a cruz <strong>de</strong> Lorena da<br />
irmanda<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Francisco. Na mesma linha, as torres são similares,<br />
com a única diferença que a cúpula é mais regular e mostra uma espécie<br />
<strong>de</strong> balaustrada em volta e que teria sido i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Lima Cerqueira.<br />
Enfim, em termos <strong>de</strong> fachada as irmanda<strong>de</strong>s do Carmo e <strong>de</strong> São<br />
Francisco <strong>de</strong> São João <strong>de</strong>l Rei até que se entendiam muito bem, já que<br />
tinham confiança no mesmo mestre arquiteto: Francisco <strong>de</strong> Lima<br />
Cerqueira que por sua vez, sabia muito bem se aproveitar das i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong><br />
Antônio Francisco Lisboa.<br />
Em termos <strong>de</strong> interior, porém, a coisa é muito diferente. Esta<br />
igreja é muito mais rica do que a igreja do Carmo e o risco <strong>dos</strong><br />
retábulos traz estampada a genialida<strong>de</strong> do Aleijadinho, mesmo que o<br />
mestre não pu<strong>de</strong>sse assistir a conclusão do trabalho já que ele morreu<br />
em 1814 e <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong>pois o bispo <strong>de</strong> Mariana dava conta que a talha<br />
ainda não tinha sido pintada. Provavelmente nosso bispo se referia aos<br />
altares laterais. Na verda<strong>de</strong> ela foi pintada e <strong>de</strong>pois voltou ao original<br />
com a ma<strong>de</strong>ira exposta ao natural, como hoje se encontra. Segundo<br />
Bazin, os altares laterais <strong>de</strong>dica<strong>dos</strong> a são Luiz e a são Francisco <strong>de</strong> Assis<br />
foram efetivamente executa<strong>dos</strong> pelo Aleijadinho. A imagem <strong>de</strong> são João<br />
Evangelista, no Altar <strong>de</strong> São Francisco, também é obra do mestre <strong>de</strong><br />
Vila Rica.<br />
A capela mor apresenta alguma proximida<strong>de</strong> maior com a <strong>de</strong><br />
São Francisco <strong>de</strong> Ouro Preto, ambas projetos do Aleijadinho e que aqui<br />
contou com a execução do entalhador Luiz Pinheiro, o mesmo que<br />
executou o retábulo da igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Mariana. O barrete é<br />
semelhante, com elementos <strong>de</strong>corativos avançando sobre ele, a partir da<br />
Santíssima Trinda<strong>de</strong>. O retábulo apresenta duas colunas torsas <strong>de</strong> base<br />
estriada, brancas e douradas, que se fecham num arco perfeito.<br />
Externamente há colunas iguais e entre elas, dois nichos com<br />
baldaquinos, ostentando imagens <strong>de</strong> roca. Internamente, à frente do<br />
camarim, existem duas colunas em quartelas. O trono é alto, em forma<br />
183 A origem <strong>de</strong>ssa i<strong>de</strong>ia do Aleijadinho está no frontão da São Francisco <strong>de</strong><br />
Ouro Preto.<br />
264
<strong>de</strong> cascata e sustenta uma imagem do Cristo crucificado, tendo Nossa<br />
Senhora à frente e resplendores atrás. Nas laterais estão três gran<strong>de</strong>s<br />
óculos, sobre pinturas emolduradas na forma <strong>de</strong> medalhões. O do<br />
centro tem formado cardioi<strong>de</strong> e os <strong>de</strong>mais são em forma <strong>de</strong> janelões.<br />
Há um feio barrado em ver<strong>de</strong> limão na parte baixa das laterais da capela<br />
mor. O arco cruzeiro é simples, com gran<strong>de</strong>s altares oblíquos<br />
encosta<strong>dos</strong> no transepto. To<strong>dos</strong> os altares da nave, num total <strong>de</strong> seis,<br />
têm estilo semelhante, típicos do rococó do Aleijadinho, alternado<br />
colunas torsas ou em quartelas, <strong>de</strong>lgadas e encimadas por arcos<br />
franja<strong>dos</strong> com espaldares altos e adornos em forma <strong>de</strong> sanefas. São<br />
bastante altos, quase encostando na cornija. As pare<strong>de</strong>s da nave são<br />
levemente abauladas e o teto, em forma <strong>de</strong> gamela, é branco, sem<br />
pinturas e com um adorno no centro em filigranas douradas <strong>de</strong> on<strong>de</strong><br />
pen<strong>de</strong> a sustentação do lustre. Há uma cornija rendada, com um<br />
barrado dourado <strong>de</strong> forma original. Os púlpitos são arredonda<strong>dos</strong> e<br />
cobertos com baldaquinos que servem <strong>de</strong> pe<strong>de</strong>stal a duas gran<strong>de</strong>s<br />
imagens. Os mesmos óculos da capela mor estão nas laterais da nave,<br />
la<strong>de</strong>ando os dois altares, sendo que o óculo, em forma <strong>de</strong> trevo, se abre<br />
acima do púlpito. O coro é em forma <strong>de</strong> besta e repousa sobre um arco<br />
<strong>de</strong> pedras apoiado nas pare<strong>de</strong>s da nave. É bem iluminado pelos janelões<br />
e o óculo que se comunicam com o frontispício. Destaque ainda para a<br />
imagem <strong>de</strong> são João Evangelista, colocada na sacristia, atribuída ao<br />
Aleijadinho.<br />
Igreja do Rosário – 1708<br />
Como não po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser, fica localizada no largo do<br />
Rosário, no centro histórico, do lado oposto da igreja do Carmo , ao<br />
lado do Solar <strong>dos</strong> Neves. É consi<strong>de</strong>rada a igreja mais antiga <strong>de</strong> São João<br />
<strong>de</strong>l Rei. O templo atual sofreu uma reforma em 1936 que alterou o<br />
traçado original, por conta <strong>de</strong> uma adaptação feita nas torres. No geral,<br />
seu aspecto hoje tem pouco <strong>de</strong> um templo do primeiro quarto <strong>de</strong><br />
século XVIII. O frontispício é quadrado, com pilastras <strong>de</strong> alvenaria,<br />
assentadas sobre base <strong>de</strong> pedra. No centro há uma portada, emoldurada<br />
<strong>de</strong> pedra, com adornos acima da verga formando um medalhão com<br />
volutas nas laterais. Ao lado há duas sacadas, com molduras e<br />
cimalhinhas mais trabalhadas em adornos <strong>de</strong> massa, um pouco acima. A<br />
base das torres é <strong>de</strong>lgada, com as mesmas pilastras e janelas do<br />
frontispício e que se repetem nos cunhais, porém em formato um<br />
pouco mais <strong>de</strong>lgado. A cimalha é discreta e contorna um minúsculo<br />
265
óculo, <strong>de</strong>sproporcional ao resto do conjunto. O frontão é simples e<br />
discretamente curvo, sustentado a cruz sobre uma base arredondada. As<br />
torres são quadradas e guarnecem pequenos sinos. Sua cúpula é em<br />
forma <strong>de</strong> pirâmi<strong>de</strong> complexa, em dois estágios, arrematadas em<br />
pináculos robustos. Têm um aspecto um tanto ou quanto asiático.<br />
Não conseguimos conhecer o interior da igreja do Rosário.<br />
Quando a visitamos ela estava em obras.<br />
Igreja <strong>de</strong> N. S. das Mercês – 1751<br />
Esta igreja, em 1853 também sofreu uma reforma que<br />
modificou seu traço original. Fica no alto do largo das Mercês e para<br />
alcançá-la é preciso galgar algumas <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> <strong>de</strong>graus. Sua fachada tem<br />
características arquitetônicas incomuns, fruto das tais reformas<br />
perpetradas no século XIX. É composta <strong>de</strong> três peças, praticamente<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes e que formam o frontispício, a torre e um terceiro<br />
cômodo lateral que leva à Capela do Santíssimo, mais ao fundo. Assim,<br />
o frontispício está <strong>de</strong>limitado pelos próprios cunhais e a ele se liga a<br />
capela num plano mais recuado. Do outro lado está a base da torre que<br />
não se encosta ao frontispício, havendo um espaço preenchido por<br />
uma pare<strong>de</strong> <strong>de</strong> alguns centímetros. A porta principal tem uma moldura<br />
<strong>de</strong> pedra e um adorno em massa <strong>de</strong> alvenaria que chega até o óculo.<br />
Este é redondo e envidraçado em malha reticulada, ao estilo das <strong>igrejas</strong><br />
do Carmo e São Francisco. Nas laterais da portada aparecem duas<br />
sacadas, com guarda-corpo <strong>de</strong> ferro e moldura <strong>de</strong> pedra, semelhante à<br />
da porta. A cimalha é saliente e contorna o óculo num círculo aberto e<br />
espaçoso. O frontão é recortado em linhas curvas e se alarga<br />
exageradamente na parte superior para suportar uma diminuta cruz.<br />
Abaixo está uma representação do Espírito Santo e nas laterais estão<br />
dois pequenos coruchéus. A torre, como dissemos, está assentada sobre<br />
uma base in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte. É quadrada e tem uma cúpula em dois estágios<br />
sendo que o <strong>de</strong> cima se afila para terminar num pináculo. No<br />
alinhamento <strong>dos</strong> cunhais da torre aparecem arremates em coruchéus,<br />
um pouco mais complexos do que os do frontão. A peça lateral que<br />
forma o terceiro conjunto tem uma pequena porta acima da qual se<br />
abre uma sacada, diferente das do frontispício, um pouco mais simples.<br />
O altar mor não tem propriamente um retábulo. É mais um<br />
painel em branco e dourado, no qual está recortado o camarim e<br />
crava<strong>dos</strong> dois nichos, com base imitando sanefas e sustentando imagens<br />
<strong>dos</strong> santos da veneração <strong>dos</strong> irmãos das Mercês. Há um medalhão<br />
266
acima do camarim. As pare<strong>de</strong>s da capela mor são vazadas por três<br />
gran<strong>de</strong>s óculos redon<strong>dos</strong>, com molduras brancas e douradas.<br />
Apresentam um bonito efeito, com fundo num azul suave, respingado<br />
<strong>de</strong> dourado em relevo. O teto é abaulado, com um adorno no centro<br />
on<strong>de</strong> nasce o suporte do can<strong>de</strong>labro. No transepto estão dois altares em<br />
fundo branco com filetes doura<strong>dos</strong>, cuja ausência <strong>de</strong> colunas lembram<br />
gran<strong>de</strong>s oratórios. O arco cruzeiro também é branco, com adornos<br />
doura<strong>dos</strong> e coroado por um gran<strong>de</strong> medalhão, harmonizando com o<br />
conjunto. O teto da nave é em formato <strong>de</strong> gamela, com frisos brancos e<br />
doura<strong>dos</strong> e uma pintura no centro, mostrando N. S. das Mercês. O<br />
coro é reto com balaústres <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira escura torneada. Há gran<strong>de</strong>s<br />
pinturas na pare<strong>de</strong> da nave datadas <strong>de</strong> 1919, mostrando cenas do<br />
sagrado cotidiano <strong>de</strong> Nossa Senhora. Num <strong>dos</strong> cômo<strong>dos</strong> laterais está a<br />
sacristia on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>staca um belo lavabo em pedra sabão, com os<br />
tradicionais peixes contorcionistas entrelaça<strong>dos</strong>.<br />
TIRADENTES<br />
Tem 7 ruas e 4 praças, todas calçadas; tem boa Casa <strong>de</strong> Câmara,<br />
ca<strong>de</strong>ia e um excelente chafariz, com uma imagem <strong>de</strong> São José<br />
e um oratório na frente; tem um pequeno mas excelente teatro.<br />
A sua matriz é uma das mais belas, gran<strong>de</strong> e ricas da província”<br />
Tira<strong>de</strong>ntes é hoje um <strong>dos</strong> mais dinâmicos sítios turísticos do<br />
estado, re<strong>de</strong>scoberta que foi pelos paulistas, quase trezentos anos<br />
<strong>de</strong>pois da refrega <strong>dos</strong> emboabas. É uma charmosa cida<strong>de</strong>zinha que<br />
encanta pela preservação <strong>de</strong> seu patrimônio histórico e com vocação<br />
para concorri<strong>dos</strong> eventos gastronômicos e artísticos, contando,<br />
inclusive, com bem aparelhado centro <strong>de</strong> convenções. Seu calçamento,<br />
seguramente setecentista, é absolutamente terrível mas isso não tem a<br />
menor importância pois, mais do que Ouro Preto e Diamantina,<br />
Tira<strong>de</strong>ntes foi feita para ser conhecida à pé, nos <strong>de</strong>talhes. Possui várias<br />
excelentes pousadas e outros tantos restaurantes, compondo um<br />
circuito <strong>de</strong> charme e <strong>de</strong>leite. Percorrida em boa companhia, po<strong>de</strong><br />
proporcionar a qualquer ser humano o que <strong>de</strong> melhor seu equipamento<br />
neurossensorial superior é capaz <strong>de</strong> captar. É verda<strong>de</strong> que a<br />
re<strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> Tira<strong>de</strong>ntes a fez per<strong>de</strong>r seu ar comunitário antigo, on<strong>de</strong><br />
era possível bater papo com figuras interessantes que largaram o mundo<br />
para viver aqui. Mas a nossa peculiar cida<strong>de</strong> continua imperdível.<br />
267
Pessoalmente até não tenho queixa das mudanças pois Tira<strong>de</strong>ntes<br />
per<strong>de</strong>u um pouco, daquele marasmo que tinha fora <strong>dos</strong> fins <strong>de</strong> semana<br />
em que você corria o risco <strong>de</strong> não encontrar nenhum restaurante aberto<br />
e ter que amargar injusta fome. Hoje tem até restaurante <strong>de</strong>mais De<br />
qualquer forma, assustam certos preços pratica<strong>dos</strong> em Tira<strong>de</strong>ntes hoje<br />
em dia, tanto em hotéis quanto em restaurantes. Neste particular,<br />
permitam-me contar-lhes uma pequena historia: certa noite, fomos<br />
surpreendi<strong>dos</strong> por um temporal bem em frente à matriz <strong>de</strong> Santo<br />
Antônio. Buscamos refúgio num restaurante situado na rua do Padre<br />
Toledo. Na afobação da fuga não tivemos tempo <strong>de</strong> consultar os preços<br />
do cardápio e entramos inocentes. Inebria<strong>dos</strong> pelo charme do ambiente<br />
buscamos uma mesa ao lado <strong>de</strong> uma vidraça em que a chuva ribombava<br />
furiosa, sem contudo conseguir ameaçar o nosso enlevo. Pedimos o<br />
cardápio. Não conseguindo explicação para os absur<strong>dos</strong> preços<br />
pratica<strong>dos</strong>, passamos alguns minutos aflitos entre a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> aceitar o<br />
<strong>de</strong>scalabro ou enfrentar o temporal. Acabamos, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> uma rápida e<br />
discreta confabulação, optando por uma sábia terceira via. Levantamos<br />
elegantemente, agra<strong>de</strong>cemos e fomos para o bar on<strong>de</strong> pedimos uma<br />
cerveja para fazer hora até a chuva amainar. Foram minutos<br />
angustiantes para o nosso acanhado jeito mineiro e aguardamos<br />
tortura<strong>dos</strong>, imaginando que to<strong>dos</strong> estavam fazendo comentários<br />
<strong>de</strong>sairosos a nosso respeito. Finalmente a chuva amainou. Pagamos a<br />
cerveja e escapamos, <strong>de</strong>slizando sobre as pedras, molha<strong>dos</strong> mas ilesos.<br />
O perfil <strong>dos</strong> turistas <strong>de</strong> Tira<strong>de</strong>ntes é hoje bastante eclético. Tem<br />
gente que realmente vem curtir o patrimônio histórico e a boa<br />
gastronomia e tem gente que vem trazer os filhos para passear <strong>de</strong><br />
charrete. Nada contra, mas a tropa equina que tem que ser mantida para<br />
proporcionar esse <strong>de</strong>leite, emporcalha bastante a cida<strong>de</strong> e trás <strong>de</strong><br />
contrapeso, enxames <strong>de</strong> mosquitos. A concentração <strong>de</strong>ssa turma é na<br />
praça das Forras on<strong>de</strong> recomendamos não se assentar ao ar livre para<br />
tomar uma cerveja e comer uma linguiça caipira. Isso não combina com<br />
o odor reinante. Mas afinal, Veneza também não cheira mal ? Tudo isso<br />
é amplamente compensado pela simpatia da cida<strong>de</strong> e seu in<strong>de</strong>lével clima<br />
<strong>de</strong> história e arte.<br />
A nossa Tira<strong>de</strong>ntes, antiga São José <strong>de</strong>l Rei, mais antiga ainda<br />
Arraial Velho <strong>de</strong> Santo Antônio, foi elevada a vila pelo con<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Assumar no longínquo 1718. Tal como Caeté, tamanha foi a sua<br />
<strong>de</strong>cadência que em 1848 foi novamente rebaixada a arraial. Mas isso<br />
268
durou pouco e, no ano seguinte, recobrou sua antiga posição, passando<br />
a cida<strong>de</strong> em 1860. Sorte nossa pois foi essa <strong>de</strong>cadência que preservou<br />
Tira<strong>de</strong>ntes praticamente intacta até o glorioso ressurgimento atual.<br />
Além das <strong>igrejas</strong> e do casario, a cida<strong>de</strong> tem pelo menos mais<br />
dois monumentos <strong>de</strong> conhecimento obrigatório. Um é a fabulosa casa<br />
do Padre Toledo, hoje museu; atestado inconteste da imensa fortuna do<br />
padre inconfi<strong>de</strong>nte sobre quem, como se recorda, pesa a suspeita <strong>de</strong> ter<br />
sido obtida a custo <strong>de</strong> muita ativida<strong>de</strong> ilícita como sonegação e<br />
contrabando. A casa é um festival <strong>de</strong> cômo<strong>dos</strong> contíguos, alguns com<br />
interessantes pinturas no teto. O padre certamente, não mantinha ali<br />
uma família típica, mas recebia com freqüência e era um inconteste lí<strong>de</strong>r<br />
regional. Talvez isso reflete as características da disposição interna do<br />
casarão, com muitas salas e poucos quartos. De fato, ele serviu a muitos<br />
propósitos ao longo <strong>dos</strong> séculos: já foi fórum, prefeitura e seminário.<br />
Foi aqui que aconteceu a famosa festa <strong>de</strong> batizado <strong>dos</strong> filhos <strong>de</strong><br />
Alvarenga Peixoto e Bárbara Eliodora em que o pessoal bebeu muito e<br />
falou <strong>de</strong>mais, levantando suspeitas <strong>de</strong> que os mineiros não andavam<br />
muito satisfeitos com Portugal e estavam tramando alguma coisa.<br />
O segundo ponto <strong>de</strong> visitação obrigatória é o chafariz <strong>de</strong> São<br />
José, interessantíssimo bem público, talvez o mais notável chafariz <strong>de</strong><br />
todo o estado <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> Gerais. Interessante observar as pedras<br />
assentadas para obstruir o acesso ao tanque central do chafariz.<br />
Naturalmente tinham a função <strong>de</strong> obstruir a passagem <strong>de</strong> animais que,<br />
provavelmente, só podiam beber água nos tanques laterais, cujo acesso<br />
não tem obstáculos. Além do chafariz não se <strong>de</strong>ve esquecer outras<br />
construções interessantes como o prédio da Prefeitura, a Casa da<br />
Câmara Municipal, o Solar da Ponte. A fundação Rodrigo <strong>de</strong> Melo<br />
Franco mantém três instituições em Tira<strong>de</strong>ntes: uma biblioteca, o<br />
Museu do Padre Toledo e um museu sacro no prédio da antiga ca<strong>de</strong>ia.<br />
O Museu sacro não tem acervo e <strong>de</strong>ve ser rebatizado como apropriado,<br />
no futuro. A biblioteca por sua vez, tem uma mineiriana muito pobre.<br />
Mas o conjunto todo é amplamente positivo e a Fundação Rodrigo <strong>de</strong><br />
Melo Franco, juntamente com o Instituto Ives Alves, formam outro<br />
notável patrimônio <strong>de</strong> Tira<strong>de</strong>ntes, embora a maioria nem note.<br />
Um passeio pela histórica cida<strong>de</strong> começa na praça das Forras ou<br />
seja, das negras alforriadas que para ali iam ven<strong>de</strong>r os seus quitutes, tal<br />
qual faziam as negras do Arraial do Tijuco, na rua da Quitanda. Dali<br />
<strong>de</strong>ve-se subir a suave la<strong>de</strong>ira da rua Direita, reparando nos beirais <strong>de</strong><br />
beira-seveira <strong>dos</strong> casarões. De repente, chegamos no largo do Rosário<br />
269
on<strong>de</strong> está a robusta igreja, estruturada em cantaria. Visitado o templo<br />
<strong>dos</strong> pretos <strong>de</strong> São José <strong>de</strong>l Rei, voltamos à rua Direita e a seguimos até<br />
quase o seu final. Ali encontramos a rua da Câmara e, no final <strong>de</strong>la, a<br />
magnífica igreja <strong>de</strong> Santo Antônio, para on<strong>de</strong> nos dirigimos com prazer.<br />
Antes, porém, passamos em frente à casa do Senado da Câmara on<strong>de</strong>,<br />
ainda hoje, se reúne a edilida<strong>de</strong> local. O alpendre que se encontra à<br />
frente do casarão e que bem impressionou Richard Burton, foi<br />
acrescido no século XIX.<br />
Após algumas horas <strong>de</strong> <strong>de</strong>leite contemplando os <strong>de</strong>talhes da<br />
matriz, <strong>de</strong>scemos as escadarias do adro e, seguindo à direita,<br />
encontramos a casa do Padre Toledo, já <strong>de</strong>scrita e logo em seguida a<br />
igreja <strong>de</strong> São João Evangelista. A igreja se abre para um largo que nos<br />
leva la<strong>de</strong>ira abaixo <strong>de</strong> volta à rua Direita. Seguindo a mesma à esquerda,<br />
voltamos ao trecho anterior, só que, <strong>de</strong>sta vez, passamos a rua da<br />
Câmara e vamos até a rua Jogo <strong>de</strong> Bola, em cuja esquina está o Casarão<br />
Ramalho, tido como o mais antigo <strong>de</strong> Tira<strong>de</strong>ntes. Rua abaixo chegamos<br />
ao largo do Ó, on<strong>de</strong> se po<strong>de</strong> tomar um chá no meio da rua, sem<br />
mosquitos. Após o chá, seguindo em frente, chegamos ao largo do<br />
Chafariz. Daí voltamos ao largo das Forras, seguindo uma ruazinha<br />
<strong>de</strong>scaracterizada, on<strong>de</strong> se concentra o comércio turístico <strong>de</strong> Tira<strong>de</strong>ntes.<br />
Do largo, no sentido oposto ao do início do roteiro, passamos a ponte<br />
<strong>de</strong> pedra e o Solar da Ponte e entramos no largo das Mercês on<strong>de</strong>, ao<br />
fundo, se encontra o templo e o seu cemitério. Daí voltamos na direção<br />
da ponte e, à direita, encontramos a la<strong>de</strong>ira da capela <strong>de</strong> São Vicente <strong>de</strong><br />
Paula que vale a pena subir pois, se não for possível visitar o templo,<br />
que está quase sempre fechado, você po<strong>de</strong> ter uma bela vista da cida<strong>de</strong>.<br />
Este é o roteiro básico <strong>de</strong> Tira<strong>de</strong>ntes, pequeno mas absolutamente<br />
indispensável e que justifica a visita à cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> on<strong>de</strong> quer que você<br />
venha.<br />
Muita gente que vem a Tira<strong>de</strong>ntes gosta <strong>de</strong> dar uma esticada ao<br />
arraial do Bichinho, refúgio <strong>de</strong> artesãos e on<strong>de</strong> se po<strong>de</strong> encontrar boa<br />
comida caseira. Mas os restaurantes são raros. O nome atual está<br />
preservado <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o século XVIII, mas a <strong>de</strong>nominação oficial é<br />
Vitoriano Gonçalves. Este vem a ser o alfaiate, alferes do Regimento<br />
Auxiliar <strong>dos</strong> Par<strong>dos</strong> <strong>de</strong> São João <strong>de</strong>l Rei, julgado e con<strong>de</strong>nado como<br />
inconfi<strong>de</strong>nte e exilado em Moçambique on<strong>de</strong> morreu em 1803. O crime<br />
do bravo alfaiate foi ter levado um bilhete ao tenente-coronel Freire <strong>de</strong><br />
Andrada em Vila Rica, exortando-o a ir para o Serro e iniciar o levante<br />
junto com o padre Rolim. Mas ele nem entregou o bilhete, <strong>de</strong>sistiu<br />
270
quando, no meio do caminho, encontrou uma escolta levando Tomás<br />
Antônio Gonzaga preso para o Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />
Saint-Hilaire passou por Tira<strong>de</strong>ntes a caminho <strong>de</strong> Barbacena.<br />
Registrou apenas que a vila era pequena mas tinha casas muito bonitas e<br />
uma igreja paroquial <strong>de</strong> tamanho admirável.<br />
Burton pernoitou aqui, na hospedaria do Capitão Severino,<br />
cujas camas, segundo ele, não eram nada macias. Achou a cida<strong>de</strong><br />
singular e romântica. Também observou como eu, cento e trinta e três<br />
anos <strong>de</strong>pois, que o calçamento era ruim “pior do que o <strong>de</strong> São João <strong>de</strong>l<br />
Rei”. Comentou que o povo do lugar, quando não estava fazendo<br />
sapatos nem comendo jacuba; estava jogando peteca. 184 Visitou a matriz<br />
<strong>de</strong> Santo Antônio e registrou que ela era tida como a mais bela e<br />
majestosa da província, que tinha sido construída em 1710 por um tal<br />
Marçal Casado Rotier e que a taipa das pare<strong>de</strong>s era recheada <strong>de</strong> terra<br />
aurífera. Comparou-a ao mosteiro <strong>de</strong> São Bento do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
porém “mais primitiva, pretensiosa e grotesca”. Elogiou a Casa da<br />
Câmara, a ponte <strong>de</strong> pedra, o chafariz <strong>de</strong> São José e registrou que aqui<br />
nasceu Basílio da Gama, membro da Arcádia Mineira e, no seu conceito<br />
“maior poeta brasileiro”. 185<br />
Terminada sua visita, Burton partiu rumo a Congonhas <strong>às</strong> 4:30<br />
horas da manhã, com temperatura <strong>de</strong> 2 graus. 186 Antes porém, anotou<br />
os seguintes templos em São José <strong>de</strong>l Rei: São João Evangelista,<br />
184 Curioso saber que o atual jogo favorito <strong>dos</strong> mineiros já era popular em Tira<strong>de</strong>ntes<br />
em 1867.<br />
Jacuba é a famosa farinha com rapadura, <strong>dos</strong> tropeiros, "embondo" que comiam<br />
enquanto esperavam o jantar.<br />
185 José Basílio da Gama nasceu em Tira<strong>de</strong>ntes e morreu em Portugal em 1795. Ao<br />
lado <strong>de</strong> Cláudio Manuel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga, Santa Rita Durão e<br />
Alvarenga Peixoto compõe o grupo <strong>dos</strong> ilustres representantes da Arcádia Mineira.<br />
Ao contrário <strong>de</strong>sses, porém, preferiu trocar voluntariamente <strong>Minas</strong> pela Metrópole.<br />
Gozava da amiza<strong>de</strong> do marques <strong>de</strong> Pombal e não <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> cultivar a ogeriza<br />
pombalina aos jesuítas, em sua obra.<br />
186 Nossos visitantes, via <strong>de</strong> regra não <strong>de</strong>ixavam <strong>de</strong> notar o frio cruel que fazia em<br />
<strong>Minas</strong> naqueles tempos. Nem podiam, suportando, muitas vezes, madrugadas com<br />
temperaturas próximas <strong>de</strong> zero grau.<br />
271
Rosário, Santo Antônio <strong>dos</strong> Pobres (Canjica), São Francisco <strong>de</strong> Paula e<br />
a igreja das Mercês, além da matriz.<br />
Spix e Martius, como Saint-Hilaire, também passaram correndo<br />
por São José <strong>de</strong>l Rei, anotando que, a não ser a igreja, a mais bela da<br />
província, a pequena cida<strong>de</strong> nada mais tinha digno <strong>de</strong> nota. Preferiram<br />
ir para Lagoa Dourada on<strong>de</strong> assistiram a uma animada festa do<br />
padroeiro, tipo festa junina, no mo<strong>de</strong>lo primitivo.<br />
Cadastramos em Tira<strong>de</strong>ntes um total <strong>de</strong> seis templos<br />
setecentistas que são: a matriz <strong>de</strong> Santo Antônio, a igreja <strong>de</strong> São João<br />
Evangelista, capela <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula, igreja das Mercês,<br />
Rosário <strong>dos</strong> Pretos e capela do Bom Jesus da Pobreza. Sua Excelência<br />
Reverendíssima, o bispo <strong>de</strong> Mariana, na sua visita pastoral <strong>de</strong> 1825, tal<br />
qual Burton, quarenta anos <strong>de</strong>pois, não fez nenhuma referência ao<br />
último <strong>de</strong>sses templos: a nossa capelinha do largo das Forras.<br />
A matriz e a igreja do Rosário foram tombadas pelo IPHAN<br />
em 1949 e as <strong>de</strong>mais em 1964.<br />
Matriz <strong>de</strong> Santo Antônio – 1733<br />
Fica numa posição privilegiada, <strong>de</strong>sfrutando <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> adro<br />
com escadaria que <strong>de</strong>sce até a rua da Câmara e proporciona uma vista<br />
<strong>de</strong>scortinada sobre a cida<strong>de</strong>. Ao lado está o famoso relógio <strong>de</strong> sol,<br />
muito útil naqueles tempos em que um quarto <strong>de</strong> hora não fazia a<br />
menor diferença.<br />
Esta igreja tem lugar <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque, não só pela sua riqueza, mas<br />
também pelo fato <strong>de</strong> unificar os melhores recursos predominantes na<br />
primeira e na última fase da arquitetura religiosa setecentista mineira.<br />
Pela riqueza, como se recorda, a matriz <strong>de</strong> Tira<strong>de</strong>ntes se rivaliza com a<br />
Sé <strong>de</strong> Mariana. Quanto ao segundo aspecto, ocorreu que em 1810 a<br />
comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São José <strong>de</strong>l Rei encomendou ao Aleijadinho um<br />
projeto <strong>de</strong> modificação da fachada da sua matriz e foi assim que uma<br />
igreja barroca da primeira fase per<strong>de</strong>u a austerida<strong>de</strong> da sua fachada e<br />
ganhou um aspecto externo com elementos rococó. Manteve-se,<br />
porém, o seu rico interior, com profusa talha barroca policromada.<br />
Assim surgiu uma igreja muito interessante, tanto interna quanto<br />
externamente. Alguns críticos consi<strong>de</strong>ram que o projeto da fachada do<br />
Aleijadinho não introduziu nada <strong>de</strong> original, tendo apenas repetido<br />
i<strong>de</strong>ias suas anteriores. Isso, porém, não reveste o fato <strong>de</strong> menor<br />
interesse, muito antes pelo contrário: este é o ultimo trabalho do mestre<br />
272
Antônio Francisco Lisboa, realizado quando já estava praticamente<br />
cego e apenas dois anos antes <strong>de</strong> entrar na agonia final, consumada dois<br />
anos mais tar<strong>de</strong>, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> repetidas súplicas para que Deus colocasse<br />
sobre ele “os seus divinos pés”.<br />
De fato, a fachada <strong>de</strong>sta igreja, embora tenha, seguramente,<br />
enriquecido muito o seu aspecto original, estaria mais bem colocada no<br />
princípio da carreira do Aleijadinho, antes <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Ouro<br />
Preto e São João <strong>de</strong>l Rei do Carmo <strong>de</strong> Sabará e Ouro Preto.<br />
O frontispício é <strong>de</strong>limitado por duas pilastras <strong>de</strong> alvenaria,<br />
excessivamente largas. Na verda<strong>de</strong> essas pilastras são duplas, juntando o<br />
que seria os cunhais do frontispício e da base das torres. A portada<br />
monumental foi durante muito tempo consi<strong>de</strong>rada parte <strong>dos</strong> acréscimos<br />
que o mestre <strong>de</strong> Vila Rica teria feito na fachada <strong>de</strong>sta igreja, mas hoje se<br />
sabe que o autor do risco foi Salvador <strong>de</strong> Oliveira e que a obra só foi<br />
executada em meado do século XIX. Suas ombreiras são em pilastras<br />
quarteladas, com o medalhão acima da verga repleto <strong>de</strong> pequenos<br />
<strong>de</strong>talhes. Um segundo medalhão, estranho ao conjunto e,<br />
provavelmente, ausente no projeto do Aleijadinho e estampando a<br />
figura do cor<strong>de</strong>iro, liga a portada ao óculo. Este é gran<strong>de</strong>, redondo e<br />
envidraçado e não ultrapassa significantemente a cimalha. Assim, sobra<br />
espaço para um frontão imponente, embora relativamente simples. O<br />
formato é curvo e o perfil é abaulado, muito parecido com o do Carmo<br />
<strong>de</strong> Ouro Preto. Tem dois ornatos em volutas, <strong>dos</strong> la<strong>dos</strong>, com pontas<br />
em forma <strong>de</strong> coruchéus. A cruz é quadrada, robusta e mostra duas<br />
espécies <strong>de</strong> pinhas <strong>de</strong> cada lado. As torres são quadradas, com quinas<br />
oblíquas, cúpulas esféricas alongadas e dois finos pináculos. Suas bases,<br />
ao lado do frontispício, formam a tal pilastra dupla, já mencionada. Há<br />
ainda duas sacadas simples, com cimalhinhas <strong>de</strong> alvenaria, vidraças em<br />
guilhotina e guarda-corpo com balaústres.<br />
Se por um lado, o exterior da matriz <strong>de</strong> Tira<strong>de</strong>ntes não se<br />
<strong>de</strong>staca entre os templos da última fase, seu interior está entre os<br />
melhores da primeira fase.<br />
A capela mor é esfuziante, com profusa talha dourada e<br />
soluções originais. O retábulo é em <strong>dos</strong>sel, com colunas sucessivas. São<br />
<strong>de</strong> talha tão rica e <strong>de</strong>licada que à distância, lembra arquivoltas. O <strong>dos</strong>sel<br />
apresenta os tradicionais anjos abrindo o cortinado, porém, acima está<br />
uma espécie <strong>de</strong> baldaquino franjado. Em lugar das colunas se fecharem<br />
no arco do trono permanecem livres e sustentam fragmentos <strong>de</strong><br />
arquitrave volta<strong>dos</strong> para fora. O camarim do altar é riquíssimo e pelas<br />
suas dimensões, parece mais uma capela. O teto da capela mor é<br />
273
abobadado, com belas pinturas <strong>de</strong>corativas douradas, <strong>de</strong> inspiração<br />
renascentista. O trono é original, lembrando as cascatas rococó que<br />
predominariam um pouco mais tar<strong>de</strong>, porém, profusamente entalhado<br />
com complexas combinações. Entronada está uma pequena imagem <strong>de</strong><br />
santo Antônio, coroado <strong>de</strong> belo resplendor, equilibrando o menino<br />
Jesus com maestria. Abaixo <strong>de</strong>le e um pouco avança<strong>dos</strong> em relação ao<br />
trono, estão dois anjos tocheiros com roupas adornadas <strong>de</strong> belas<br />
filigranas douradas. Nas laterais do presbitério estão pinturas do<br />
cotidiano <strong>de</strong> Jesus e seus Apóstolos, guarnecidas <strong>de</strong> ricas molduras<br />
douradas. O arco cruzeiro é talvez o mais belo <strong>de</strong> todas as <strong>igrejas</strong><br />
mineiras. Apresenta um magnífico adorno no coroamento, lembrando<br />
um monumental <strong>dos</strong>sel dourado. Ao lado estão dois altares coloca<strong>dos</strong><br />
em forma reta e não angulada como é usual, o que faz com que eles se<br />
confundam com o próprio arco cruzeiro, parecendo parte <strong>de</strong>le e não<br />
peças in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes. O retábulo <strong>de</strong>sses altares ten<strong>de</strong> para arquivoltas,<br />
com colunas <strong>de</strong>lgadas superpostas, profusa talha dourada e com<br />
espaldar alto arrematado em sanefas <strong>de</strong> on<strong>de</strong> brotam braços<br />
arremata<strong>dos</strong> em cabeças <strong>de</strong> águias, sustentando can<strong>de</strong>labros. Acima, nas<br />
pare<strong>de</strong>s da nave, se abrem dois óculos com artísticas molduras. O teto<br />
da nave é artesoado, com os caixotões emoldura<strong>dos</strong> apresentando cenas<br />
diversas, repletas <strong>de</strong> elementos <strong>de</strong>corativos e pictóricos. Prevalecem<br />
tons <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira natural com filigranas douradas.<br />
Na nave estão mais quatro altares, cava<strong>dos</strong> nas pare<strong>de</strong>s, com<br />
colunas torsas e a parte externa <strong>dos</strong> retábulos cumprindo a função <strong>de</strong><br />
servir <strong>de</strong> preciosa moldura dourada, com <strong>de</strong>talhes mais complexos no<br />
coroamento, sob sanefas simplificadas. Os púlpitos são relativamente<br />
simples, retilíneos e flutuam no ar sob um uma espécie <strong>de</strong> baldaquino<br />
com pináculo.<br />
Uma atração extra é o órgão, assentado numa espécie <strong>de</strong><br />
prolongamento lateral do coro. É <strong>de</strong> origem alemã como o da Sé <strong>de</strong><br />
Mariana, porém é mais novo do que aquele em cerca <strong>de</strong> noventa anos e<br />
toda a sua bela parte externa <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira <strong>de</strong>corada foi construída junto<br />
com a própria ornamentação da igreja. Não faltaram os anjos com<br />
trombetas.<br />
A cornija é muito especial e tem nítida inspiração neoclássica. O<br />
teto do coro tem adornos <strong>de</strong>lica<strong>dos</strong> em dourado, vermelho e azul,<br />
formando um belíssimo conjunto policrômico. Numa das laterais da<br />
capela mor está a capela <strong>dos</strong> sete passos, repleta <strong>de</strong> pinturas e com teto<br />
artesoado. Ocupa a sacristia e mais um cômodo contíguo. Há um<br />
lavabo <strong>de</strong> pedra com um mascarão e conchas incrustadas. No lado<br />
274
oposto está a Capela do Santíssimo, também ocupando dois cômo<strong>dos</strong>,<br />
com teto finamente <strong>de</strong>corado em pinturas e doura<strong>dos</strong>.<br />
Além <strong>de</strong> Antônio Francisco Lisboa, têm-se notícia <strong>de</strong> que o<br />
pintor Manuel Victor <strong>de</strong> Jesus trabalhou aqui, pintando painéis na<br />
sacristia e elementos <strong>de</strong>corativos no órgão. Pouco se sabe sobre os<br />
outros artistas responsáveis por essa magnífica igreja.<br />
Visitamos o templo <strong>de</strong> Santo Antônio <strong>de</strong> Tira<strong>de</strong>ntes três vezes.<br />
Na primeira vez assistimos a uma missa noturna. Minha mulher gostou<br />
da cerimônia. Eu, embora tivesse aproveitado bem o tempo reparando<br />
na capela mor, gosto mais das missas na São Francisco <strong>de</strong> Assis <strong>de</strong><br />
Ouro Preto, on<strong>de</strong> posso ficar buscando <strong>de</strong>talhes novos no teto <strong>de</strong><br />
Ataí<strong>de</strong>. Num domingo, à tar<strong>de</strong>, voltamos para admirar o templo<br />
novamente. Desta vez anima<strong>dos</strong> também pelo prazer extra <strong>de</strong> assistir a<br />
um concerto no centenário órgão. Mas o organista que <strong>de</strong>veria vir <strong>de</strong><br />
São João <strong>de</strong>l Rei, não apareceu. Talvez até tivesse razão pois <strong>de</strong>ve ter<br />
adivinhado que naquela tar<strong>de</strong> <strong>de</strong> domingo, pouco <strong>de</strong>pois do carnaval,<br />
seu público seria composto <strong>de</strong> duas únicas pessoas.<br />
Numa outra visita, o templo passava por profundo trabalho <strong>de</strong><br />
restauração, com troca do telhado, drenagem e reforço nas estruturas.<br />
O frontispício apresentava uma preocupante rachadura e a muralha que<br />
contem o <strong>de</strong>snível do adro com a rua estava parcialmente <strong>de</strong>smontado<br />
e cercado com canhestras e primitivas estacas. Na capela mor era<br />
possível ouvir o vento levantar a cobertura <strong>de</strong> lona do teto. Tênue<br />
escudo a separar obras primas, preservadas há quase trezentos anos,<br />
das chuvas <strong>de</strong> um perigoso novembro. A situação me pareceu fora <strong>de</strong><br />
controle, mas o zelador me garantiu que tudo estava absolutamente<br />
<strong>de</strong>ntro do previsto, embora discordasse do sistema <strong>de</strong> drenagem, cujo<br />
superdimensionamento, na sua opinião, seria o motivo do atraso da<br />
obra, levando a que a matriz se apresentasse <strong>de</strong>stelhada em pleno final<br />
<strong>de</strong> ano.<br />
Garantiu-me que mea<strong>dos</strong> <strong>de</strong> abril, ela vai estar inteiramente<br />
restaurada e magnífica, como sempre. 187<br />
Igreja do Rosário <strong>dos</strong> Pretos - 1740<br />
187 De fato isso aconteceu e a preciosa matriz <strong>de</strong> Tira<strong>de</strong>ntes ressurgiu gloriosa, mais<br />
uma vez.<br />
275
É uma igreja com fachada original e <strong>de</strong> aspecto robusto <strong>de</strong>vido<br />
<strong>às</strong> largas colunas <strong>de</strong> cantaria quadrada. Ergue-se vizinha à casa do<br />
padre Toledo, à frente <strong>de</strong> um adro espaçoso que a liga com a rua<br />
Direita.<br />
O frontispício é quadrado, com cunhais retos <strong>de</strong> pedra e<br />
pilastras iguais, próximas à porta. Esta é imponente, com umbrais <strong>de</strong><br />
cantaria e uma verga larga, múltipla e com um adorno em volutas,<br />
contornando um medalhão que sobe até um nicho envidraçado, com<br />
molduras <strong>de</strong> pedra. Ao lado estão dois janelões com moldura <strong>de</strong><br />
cantaria reta e sem cimalhinhas. A cimalha é <strong>de</strong> pedra sólida e larga,<br />
contorna o nicho e encosta num óculo cruciforme e envidraçado, no<br />
centro do frontão. Na lateral do frontispício se encosta uma segunda<br />
peça, a título <strong>de</strong> torre sineira, com barrado <strong>de</strong> pedra e meia água com<br />
abertura do sino na parte superior, ao nível das janelas. O Frontão é<br />
alto, recortado em curvas, com moldura <strong>de</strong> pedras e volutas na parte<br />
inferior <strong>de</strong> cada lateral. Está entre dois coruchéus altos, na linha <strong>dos</strong><br />
cunhais. No topo sustenta uma cruz singela <strong>de</strong> pedra.<br />
O retábulo do altar mor é em <strong>dos</strong>sel clássico, com uma coroa à<br />
frente do cortinado e colunas internas estriadas, apoiadas sobre<br />
consolos. As colunas externas são torsas e entre elas há pequenos<br />
nichos. Todo o altar mor é ricamente dourado, com discreta pintura <strong>de</strong><br />
fundo. O trono é alto, <strong>de</strong> formato um tanto original, com a imagem da<br />
Senhora do Rosário entronizada. As pare<strong>de</strong>s da capela mor são<br />
<strong>de</strong>spojadas. O forro é levemente abaulado, com uma bela pintura <strong>de</strong><br />
Nossa Senhora, enquadrada em perspectivas arquitetônicas,<br />
competentemente realizada por Antônio Costa <strong>de</strong> Souza 188 . O arco<br />
cruzeiro é <strong>de</strong> sólida pedra, fiel ao estilo das pilastras e cunhais da<br />
fachada. A cornija é pintada numa solução original <strong>de</strong> imitação <strong>de</strong> pedra<br />
em lugar da imitação <strong>de</strong> mármore, mais comum. Os altares do transepto<br />
são pequenos, sob baldaquinos e parecem mais nichos do que<br />
propriamente altares. São pinta<strong>dos</strong> em dourado e tons pastéis discretos.<br />
Acima <strong>dos</strong> baldaquinos há conchas douradas. O teto da nave é<br />
artesoado, com molduras enquadrando cenas <strong>dos</strong> mistérios do rosário.<br />
São <strong>de</strong> Manuel Vitor <strong>de</strong> Jesus, autor também <strong>de</strong> pinturas na matriz <strong>de</strong><br />
Santo Antônio, como vimos. O púlpito único, em ma<strong>de</strong>ira natural,<br />
tem formato basicamente quadrado. O coro é reto, guarnecido <strong>de</strong><br />
188 Esta informação está fixada na própria igreja. Porém, o IPHAN registra ser a obra<br />
<strong>de</strong> autor <strong>de</strong>sconhecido.<br />
276
parapeito com balaústres tornea<strong>dos</strong>. Há dois pequenos óculos<br />
quadra<strong>dos</strong>, <strong>de</strong> moldura <strong>de</strong> pedra, no alto da nave. É uma das mais<br />
bonitas <strong>igrejas</strong> <strong>de</strong> irmanda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pretos que conheço.<br />
Capela <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula – 1750<br />
Esta pequena capela foi erigida em frente <strong>de</strong> um bucólico<br />
espaço, gramado e plano como um pequeno campo <strong>de</strong> futebol. É o<br />
topo <strong>de</strong> uma colina <strong>de</strong> on<strong>de</strong> se po<strong>de</strong> contemplar boa parte <strong>de</strong><br />
Tira<strong>de</strong>ntes, com <strong>de</strong>staque para a matriz <strong>de</strong> Santo Antônio e uma nesga<br />
da igreja do Rosário. Daqui também se po<strong>de</strong> contemplar a serra <strong>de</strong> São<br />
José e um resto preservado da mata que, no século XVIII, cobria boa<br />
parte <strong>de</strong>ssa região. Apresenta um plano original, com uma fachada em<br />
duas águas que pega o frontispício e as sineiras laterais em mesmo<br />
plano como se fosse uma espécie <strong>de</strong> barracão. O frontispício,<br />
<strong>de</strong>limitado por duas pilastras, é quadrado, ostenta uma gran<strong>de</strong> porta<br />
emoldurada por portais <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira simples com verga baixa. Ao lado<br />
aparecem dois gran<strong>de</strong>s janelões avança<strong>dos</strong>, com guarda-corpo <strong>de</strong><br />
ma<strong>de</strong>ira torneada. Nas laterais, encostadas ao frontispício, estão as duas<br />
sineiras, sendo um <strong>dos</strong> sinos maior do que o outro, assim como as<br />
respectivas aberturas. Não há cimalha, mas apenas um telhado em duas<br />
águas que muda ligeiramente <strong>de</strong> ângulo ao nível das pilantras. A<br />
cumeeira sustenta uma pequena cruz e tem um diminuto óculo redondo<br />
envidraçado abaixo. Não conseguimos conhecer o seu interior.<br />
Segundo nos disseram, permanece quase sempre fechada.<br />
Igreja das Mercês – 1769<br />
O largo das Mercês é um <strong>dos</strong> mais bucólicos espaços<br />
setecentistas que conheço, com seus grama<strong>dos</strong> e sombras, enriquecidas<br />
com as contribuições das árvores do Solar da Ponte que extravasam<br />
seus verdores e odores por sobre o muro. Talvez em matéria <strong>de</strong> pureza<br />
ecológica, só encontre rival nos largos das <strong>igrejas</strong> do Rosário ou <strong>de</strong><br />
Santana do distrito <strong>de</strong> Cocais, na Comarca do Sabará.<br />
O adro é menos romântico do que o largo, pois abriga um<br />
cemitério. Mas <strong>de</strong> todo jeito lá está a igreja, cumprindo o seu papel há<br />
duzentos e trinta anos, entre os vivos e os mortos.<br />
A igreja das Mercês tem uma característica relativamente<br />
incomum: seu sino se contenta em badalar no vão tomado a um <strong>dos</strong><br />
janelões laterais. É claro que existem várias <strong>igrejas</strong> sem torres sineiras<br />
277
mas, em geral, há uma solução alternativa para isso, inclusive com<br />
torres sineiras <strong>de</strong>finitivamente separadas do corpo da igreja.<br />
Normalmente a abertura para o sino não se confun<strong>de</strong> com uma sacada<br />
ou janelão como é o caso <strong>de</strong>ssa igreja. A fachada tem um frontispício<br />
regular e a ele se encostam duas peças laterais simétricas, <strong>de</strong>limitadas<br />
por pilastras e cunhais. Porém, em lugar <strong>de</strong> sustentarem torres, se<br />
interrompem bruscamente, cortadas pelo <strong>de</strong>clive das duas águas do<br />
telhado com beiral em beira-seveira. O frontão escon<strong>de</strong> a junção da<br />
cumeeira, preenchendo o espaço necessário para isso e nada mais.<br />
Assim, resulta ser baixo e singelo, ligeiramente curvo e <strong>de</strong>sguarnecido<br />
nos seus flancos. Seus adornos se resumem em dois coruchéus nas<br />
pontas laterais e outros tantos la<strong>de</strong>ando a pequena cruz que se assenta<br />
no seu topo. Há um pequeno óculo no meio da cimalha e quatro<br />
janelões simétricos um <strong>dos</strong> quais abriga o sino, como dito.<br />
Tem um único altar, na capela mor, e este não tem<br />
propriamente um retábulo mas sim um painel com colunas entalhadas<br />
em baixo relevo, com capitel e estrias douradas, enquadrando o trono.<br />
Há registros <strong>de</strong> pagamentos <strong>de</strong> trabalhas <strong>de</strong> entalhes feitos por José<br />
Morais Pereira em 1808. O trono é discreto e ostenta a imagem <strong>de</strong> N. S.<br />
das Mercês coberta por um rústico baldaquino quadrado. Há um<br />
medalhão coroando o alto do camarim mas esse <strong>de</strong>talhe, naturalmente,<br />
não é suficiente para caracterizar um <strong>dos</strong>sel. Dois nichos com<br />
baldaquino, guarnecem as laterais. Frisos e lavores doura<strong>dos</strong> adornam o<br />
conjunto, se harmonizando, com cores marmorizadas <strong>de</strong> vermelho, azul<br />
e bege. O teto da capela mor, em forma triangulada, é artesoado,<br />
enquadrando cenas <strong>de</strong> N. S. das Mercês, num estilo singelo. Dois<br />
óculos arredonda<strong>dos</strong> iluminam o interior. O arco cruzeiro é em ma<strong>de</strong>ira<br />
entalhada pintada no mesmo estilo do altar mor. No coroamento está o<br />
medalhão da or<strong>de</strong>m, dourado e encimado por uma sanefa que suaviza a<br />
curva do arco. No forro da nave se vê outra pintura <strong>de</strong> N. S. das<br />
Mercês, cercada <strong>de</strong> nuvens e anjos. Nas laterais há parapeitos pinta<strong>dos</strong><br />
em perspectiva arquitetônica, figuras humanas e adornos rococós. É um<br />
pouco mais competente do que a da capela mor mas ainda bastante<br />
singela. O risco do altar mor, sua pintura e a <strong>dos</strong> forros e arco cruzeiro<br />
são atribuí<strong>dos</strong> a Manuel Vitor <strong>de</strong> Jesus mas parecem bem inferiores<br />
aquelas também atribuídas a ele, existentes na igreja do Rosário e na<br />
matriz <strong>de</strong> Santo Antônio. Nas laterais da nave se assentam dois<br />
púlpitos <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira com pinturas quase inteiramente <strong>de</strong>scoradas. O<br />
coro é reto e não há tapa vento. A cornija é saliente e ostenta traços <strong>de</strong><br />
pintura marmorizada.<br />
278
Segundo o zelador da igreja, ela nunca foi restaurada, o que<br />
garantiria sua autenticida<strong>de</strong>. O IPHAN, contudo, informa ter feito pelo<br />
menos dois trabalhos <strong>de</strong> restauração na Mercês <strong>de</strong> Tira<strong>de</strong>ntes nos<br />
últimos cinquenta anos. Provavelmente, não existe nenhuma igreja<br />
setecentista em <strong>Minas</strong> que não tenha passado por inúmeras reformas,<br />
sejam mutiladoras, sejam restauradoras; especialmente nas fachadas e<br />
estruturas. São inúmeros os registros <strong>de</strong> torres em ruína, feitos no<br />
século XIX.<br />
Igreja <strong>de</strong> São João Evangelista.<br />
Esta igreja fica nos fun<strong>dos</strong> do casarão do Padre Toledo, ao lado<br />
<strong>de</strong> um <strong>de</strong>scampado on<strong>de</strong>, apesar da proximida<strong>de</strong> do centro, a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Tira<strong>de</strong>ntes, simplesmente acaba. Serviu <strong>de</strong> capela a um seminário que<br />
funcionou uns tempos na casa do padre inconfi<strong>de</strong>nte. É uma igreja <strong>de</strong><br />
boas dimensões e sólido aspecto que, infelizmente, não conseguimos<br />
conhecer por <strong>de</strong>ntro, pois tem permanecido quase sempre fechada. O<br />
plano da sua fachada é parecido com o da igreja das Mercês, ou seja,<br />
não tem torre. Assim, apesar da existência <strong>de</strong> pilastras <strong>de</strong>limitando o<br />
frontispício, sua fachada parece uma peça única. Porém, a empena é<br />
bem caracterizada e está num plano diferente do telhado das laterais,<br />
que usualmente seriam as bases das torres. Tudo indica que o projeto<br />
original previa as duas torres que, no entanto, não foram<br />
confeccionadas, provavelmente por falta <strong>de</strong> recursos. Reforça essa i<strong>de</strong>ia<br />
o fato do corpo da igreja ser totalmente in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>ssa supostas<br />
bases <strong>de</strong> torres, o que não acontece com a igreja das Mercês on<strong>de</strong>, ao<br />
que parece, nunca se pensou em torres; pois há um telhado em duas<br />
águas, perfeitamente alinhado. Há um pequeno óculo ovalado no que<br />
seria o tímpano, mas não chega a sê-lo já que não há cimalha separando<br />
o frontispício da empena. O beiral é em beira-seveira, muito comum<br />
em Tira<strong>de</strong>ntes e que também po<strong>de</strong> ser visto em várias casas da rua<br />
Direita. Há quatro sacadas simétricas, com cimalhinhas <strong>de</strong> alvenaria e<br />
janelões em guilhotina com guarda-corpo <strong>de</strong> meios balaústres. A porta<br />
é simples, com verga na mesma forma das cimalhinhas. Toda a fachada<br />
<strong>de</strong>scansa sobre um barrado <strong>de</strong> sólidas pedras. Uma pequena cruz<br />
repousa na cumeeira. Aparentemente esta igreja não tem sino mesmo,<br />
não parecendo que ele está atrás <strong>de</strong> um daqueles janelões fecha<strong>dos</strong>. O<br />
IPHAN informa, contudo, que ele está à esquerda. Aqui, o papel<br />
secundário do campanário, que havíamos notado na igreja das Mercês,<br />
chega ao seu extremo. Na verda<strong>de</strong>, os sinos têm perdido sua função <strong>de</strong><br />
279
chamar os fiéis e as cornetas <strong>de</strong> altos falantes, que hoje se vê enfeando<br />
a cruz da cumeeira <strong>de</strong>sta igreja, po<strong>de</strong> estar cumprindo eventualmente,<br />
este papel. Até quem sabe, agitando a vizinhança com um rock<br />
evangélico.<br />
Capela do Bom Jesus da Pobreza – 1771<br />
Esta pequena capela fica bem no largo das Forras ou seja, bem<br />
no meio do agito. Das três vezes que estive em Tira<strong>de</strong>ntes, apenas na<br />
primeira consegui vê-la por <strong>de</strong>ntro. Embora os guias turísticos sempre<br />
anunciem que ela abre toda tar<strong>de</strong>, parece que isso não é assim, tão<br />
regular. Na verda<strong>de</strong>, ela é hoje mais um espaço cultural. Que eu me<br />
lembre seu interior é quase um salão, um tanto <strong>de</strong>spojado. Dizem que<br />
ela possui uma competente imagem do Bom Jesus, mas ela não estava<br />
exposta quando conheci o seu interior. Segundo registro do IPHAN, a<br />
capelinha possui também imagens <strong>de</strong> N. S. da Conceição, N. S. do<br />
Patrocínio e <strong>de</strong> santa Rita. Foi erigida pelo capitão Gonçalo Joaquim <strong>de</strong><br />
Barros, em pagamento a uma promessa. Suspeito que essa capelinha<br />
funcionava mais como uma espécie <strong>de</strong> oratório <strong>de</strong> súplicas. De fato<br />
havia nela alguns registros <strong>de</strong> ex-votos que reforçam essa i<strong>de</strong>ia. Como<br />
se recorda, quando dom frei José visitou Tira<strong>de</strong>ntes fiscalizando suas<br />
<strong>igrejas</strong>, sequer a mencionou. Sua fachada é constituída apenas do<br />
frontispício, sem torres ou qualquer a<strong>de</strong>ndo lateral. A porta parece<br />
gran<strong>de</strong> para o tamanho do conjunto. Acima estão duas sacadas com<br />
guarda-corpo <strong>de</strong> balaústres <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira pintada. Há ainda na fachada,<br />
entre as sacadas, um pequeno círculo com representação <strong>dos</strong> cravos <strong>de</strong><br />
Cristo. O frontão ten<strong>de</strong> <strong>às</strong> linhas curvas e tem um pequeno óculo<br />
redondo um pouco acima da cimalha. Esta é <strong>de</strong> alvenaria e tem uma<br />
cobertura <strong>de</strong> telhas. Há umas espécies <strong>de</strong> volutas nos la<strong>dos</strong> do frontão e<br />
coruchéus arrematando os cunhais. Há uma abertura lateral, ostentando<br />
um sino.<br />
PRADOS<br />
Pra<strong>dos</strong> é outro antigo centro <strong>de</strong> mineração do rio das Mortes.<br />
Seu nome <strong>de</strong>riva da família <strong>dos</strong> primitivos paulistas, seus fundadores.<br />
Há registros <strong>de</strong> que em 1716, a primitiva capela do arraial já estava<br />
erguida. Aqui foi instalada a Companhia <strong>de</strong> Or<strong>de</strong>nanças do Rio das<br />
Mortes, em 1738. Ao contrário porém, <strong>de</strong> suas vizinhas, São João e São<br />
José só passaria a vila no século XIX, precisamente em 1890, quando as<br />
280
outras até já eram cida<strong>de</strong>s. Foi aqui que o inconfi<strong>de</strong>nte Francisco<br />
Antônio <strong>de</strong> Oliveira Lopes se casou com uma rica fazen<strong>de</strong>ira e viveu<br />
até ser preso e <strong>de</strong>gredado na África, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> nunca mais voltou.<br />
Consta que em 1785, numa escavação <strong>de</strong> uma lavra <strong>de</strong> ouro, foi<br />
encontrado um colossal esqueleto <strong>de</strong> provável dinossauro, que o<br />
governador Cunha Menezes, nosso conhecido Fanfarrão Minésio das<br />
Cartas Chilenas <strong>de</strong> Gonzaga, tratou <strong>de</strong> confiscar para presentear Sua<br />
Majesta<strong>de</strong>. 189 Esses fósseis foram encontra<strong>dos</strong> nas terras do padre José<br />
Lopes <strong>de</strong> Oliveira, futuro inconfi<strong>de</strong>nte que acabaria con<strong>de</strong>nado ao<br />
exílio em Lisboa, on<strong>de</strong> morreu. Foram estuda<strong>dos</strong> por Simão Pires<br />
Sardinha, que resultava ser filho da Chica da Silva com seu primeiro<br />
marido. Sardinha era um brilhante cientista formado na Europa, para<br />
on<strong>de</strong> voltou se ocupando do magistério em algumas das melhores<br />
universida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> lá. Por ter ajudando o alferes Tira<strong>de</strong>ntes ele quase<br />
acabou preso, mas se livrou por ser amigo do vice-rei Luiz <strong>de</strong><br />
Vasconcelos que permitiu que ele escapasse para Portugal on<strong>de</strong> acabou<br />
não sendo muito incomodado.<br />
Pra<strong>dos</strong> também fica nas proximida<strong>de</strong>s da serra <strong>de</strong> São José, do<br />
lado oposto <strong>de</strong> Tira<strong>de</strong>ntes. Conserva um centro histórico com alguns<br />
casarões bem preserva<strong>dos</strong> e é patente o esforço da comunida<strong>de</strong> para<br />
recuperar outros tantos, visivelmente ameaça<strong>dos</strong>. É famosa pela sua<br />
vocação musical e preza muito suas bandas <strong>de</strong> música, cuja sobrevida<br />
centenária também agrega os esforços do povo local.<br />
Aqui perto ficava a Fazenda da Ponta do Morro, pertencente ao<br />
inconfi<strong>de</strong>nte Francisco Antônio <strong>de</strong> Oliveira Lopes. Julgado e<br />
con<strong>de</strong>nado pelo crime lesa majesta<strong>de</strong>, ele acabou exilado em Angola,<br />
on<strong>de</strong> morreu em 1800.<br />
Também ficava por aqui a fazenda do padre Toledo. Dizem que<br />
ele chegou a ter, na dita fazenda, um batalhão <strong>de</strong> cem cavaleiros<br />
prontos para <strong>de</strong>scer sobre Vila Rica e dar início ao levante <strong>dos</strong><br />
inconfi<strong>de</strong>ntes. Mas foi preso antes que tivesse a chance. Ficou<br />
encerrado uns dias na ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> São João <strong>de</strong>l Rei e <strong>de</strong>pois seguiu preso<br />
para o Rio <strong>de</strong> Janeiro em companhia <strong>de</strong> Alvarenga Peixoto.<br />
189 Cunha Menezes escreveu minuciosa carta ao ministro Martinho <strong>de</strong> Melo e Castro,<br />
narrando o fato e atestando que o esqueleto já era o terceiro encontrado. Ou seja, ali<br />
bem po<strong>de</strong> ter sido um antigo Parque <strong>dos</strong> Dinossauros.<br />
281
É fácil acessar Pra<strong>dos</strong> e para fazê-lo basta você percorrer <strong>de</strong>z<br />
quilômetros <strong>de</strong> estrada pavimentada, à partir da rodovia que liga<br />
Congonhas a São João <strong>de</strong>l Rei. Foi o que fizemos mas, da primeira vez,<br />
encontramos a matriz <strong>de</strong> N. S. da Conceição fechada, embora<br />
estivéssemos <strong>de</strong>ntro do horário <strong>de</strong> visitação. Na verda<strong>de</strong>, como já dito,<br />
esse risco é constante e Pra<strong>dos</strong> não é propriamente uma cida<strong>de</strong> que<br />
atrai levas <strong>de</strong> turista. Assim, poucas pessoas visitam suas <strong>igrejas</strong>.<br />
A igreja do Rosário <strong>dos</strong> Pretos, ao contrário, foi possível visitar<br />
da primeira vez mas apelando para os vizinhos que, como igualmente<br />
dito, normalmente guardam as velhas chaves das velhas <strong>igrejas</strong> e não se<br />
incomodam em mostrá-las a você. Da segunda vez, também, quase não<br />
conseguimos encontrar a matriz aberta, mas fomos salvos por um<br />
batizado coletivo que retardou o fechamento do templo, após a missa<br />
matinal do domingo. Enquanto eu fazia anotações, minha mulher ficou<br />
prestando atenção na pregação do padre que, no geral, intentava<br />
remeter as mulheres <strong>de</strong> Pra<strong>dos</strong> à uma condição submissa e inferior,<br />
característica do papel que a Igreja Católica as atribuía no próprio<br />
século XVIII. Achou-o tão anacrônico que preferiu visitar as<br />
intimida<strong>de</strong>s da igreja, enquanto me esperava. Depois, acabamos<br />
procurando enten<strong>de</strong>r melhor o significado do conteúdo da mensagem<br />
do padre: quem sabe era quilo mesmo que os fiéis tinham que ouvir<br />
naquele instante. Afinal, o pastor <strong>de</strong>via conhecer seu rebanho melhor<br />
do que nós. No mais é bom que as <strong>igrejas</strong> continuem cumprido seus<br />
ritos pois, quando isso não mais acontecer, seguramente a <strong>de</strong>cadência<br />
<strong>dos</strong> nosso velhos templos vai se acentuar rapidamente.<br />
Contabilizamos quatro templos em Pra<strong>dos</strong>: matriz <strong>de</strong> N. S. da<br />
Conceição, a igreja do Rosário, a N. S. da Penha do distrito <strong>de</strong><br />
Bichinho e a igreja do distrito <strong>de</strong> Livramento. Somente a igreja do<br />
Bichinho é tombada.<br />
Matriz <strong>de</strong> N. S. da Conceição<br />
A matriz <strong>de</strong> Pra<strong>dos</strong> é imponente, embora sua frente vá dar<br />
numa viela mo<strong>de</strong>sta e íngreme em que só é possível transitar à pé. Na<br />
verda<strong>de</strong>, os urbanistas do século XVIII não estavam mesmo<br />
preocupa<strong>dos</strong> com isso e o que vale é a autenticida<strong>de</strong> do conjunto<br />
urbanístico, arquitetônico e histórico. Aliás até rezo para que ninguém<br />
pense em mudar essa situação para estimular o turismo, abrindo espaço<br />
para que os enormes ônibus mo<strong>de</strong>rnos possam se aproximar mais em<br />
282
nome da comodida<strong>de</strong> <strong>dos</strong> turistas. Seu adro porém é espaçoso e abriga<br />
um casarão, também imponente. A fachada é estruturada em cantaria<br />
com pilastras e cunhais <strong>de</strong>marcando a base das torres. O espaço do<br />
frontispício equivale, aproximadamente, ao dobro do espaço da base<br />
das duas torres, o que cria a impressão <strong>de</strong> serem elas excessivamente<br />
<strong>de</strong>lgadas. A porta está guarnecida por largos portais <strong>de</strong> pedra<br />
trabalhada. A verga é complexa, alta e recortada em motivos<br />
conchoi<strong>de</strong>s. Acima <strong>de</strong>la está cavado um nicho também com moldura<br />
larga e que encosta na cimalha. O conjunto forma uma portada<br />
monumental, extremamente robusta, oposta <strong>às</strong> <strong>de</strong>licadas portadas <strong>de</strong><br />
pedra sabão mas igualmente interessante. No alinhamento da verga<br />
estão quatro sacadas, com molduras <strong>de</strong> pedra e guarda-corpo <strong>de</strong> ferro.<br />
O frontão é baixo e excessivamente diminuto para o conjunto. Tem o<br />
topo arredondado on<strong>de</strong> está apoiada uma pequena cruz, sob um<br />
pe<strong>de</strong>stal simplificado. No tímpano aparece um relógio marcando<br />
surpreen<strong>de</strong>ntemente, uma hora aceitavelmente certa. As torres são<br />
quadradas e seus cantos são o exato prolongamento das pilastras e<br />
cunhais <strong>de</strong> pedra que brotam da sua base e morrem em pequenos<br />
coruchéus. A cúpula é em forma <strong>de</strong> pirâmi<strong>de</strong>, arrematada em finos<br />
pináculos.<br />
O retábulo do altar mor é composto <strong>de</strong> pilastras em quartela e<br />
no coroamento não há propriamente <strong>dos</strong>sel e sim um medalhão puxado<br />
para as laterais, lembrando, levemente, o efeito do cortinado do <strong>dos</strong>sel.<br />
No trono está o Cristo crucificado com N. S. da Conceição lhe fazendo<br />
companhia, num plano inferior. Envolvendo o arco do trono há formas<br />
conchoi<strong>de</strong>s douradas e nos la<strong>dos</strong> há nichos com baldaquinos, abrigando<br />
imagens <strong>de</strong> roca. O forro da nave é facetado, em forma <strong>de</strong> barrete e se<br />
fecha no centro sobre um arremate dourado <strong>de</strong> on<strong>de</strong> pen<strong>de</strong> a<br />
sustentação <strong>de</strong> um can<strong>de</strong>labro. Há adornos rococós mais carrega<strong>dos</strong>,<br />
nas laterais. Nas pare<strong>de</strong>s da capela mor também po<strong>de</strong>m ser vistas<br />
pilastras em quartela, semelhantes <strong>às</strong> do retábulo. Dois óculos perfuram<br />
as pare<strong>de</strong>s da capela mor, convivendo com pinturas.<br />
O arco cruzeiro é simples, adornado com frisos doura<strong>dos</strong> e<br />
ostentando um complexo medalhão no coroamento. Os altares do<br />
transepto apresentam pilastras em quartela e espaldar alto. Sobre o<br />
conjunto aparecem sanefas que aproveitam o triângulo do encontro do<br />
transepto com as pare<strong>de</strong>s da capela mor, formando umas espécies <strong>de</strong><br />
baldaquinos originais. Deles avançam dois braços com cabeças <strong>de</strong> águia<br />
para sustentação <strong>de</strong> can<strong>de</strong>labros. Sua policromia é incomum,<br />
contrastando frisos doura<strong>dos</strong> com um suave fundo limão. Há mais<br />
283
quatro altares nas laterais da nave. Os dois mais próximos ao transepto<br />
são <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s proporções e ten<strong>de</strong>m ao <strong>dos</strong>sel, apelando ainda para<br />
duas pilastras em quartela e sanefas. Os outros dois não têm <strong>dos</strong>sel e<br />
sim um medalhão selando o coroamento do retábulo. To<strong>dos</strong> mantêm,<br />
basicamente, a mesma policromia, alternando frisos doura<strong>dos</strong> com um<br />
fundo suave em limão ou azul. Não há nichos nos altares laterais, o que<br />
é uma rarida<strong>de</strong>.<br />
O bispo <strong>de</strong> Mariana, no relatório <strong>de</strong> sua visita em 1824,<br />
registrou que os retábulos eram novos e, <strong>de</strong> fato, eles <strong>de</strong>vem ter sido<br />
concluí<strong>dos</strong> já no princípio <strong>de</strong> século XIX.<br />
Os púlpitos são simples, <strong>de</strong> formato quadrado com cobertura<br />
<strong>de</strong> baldaquinos. O teto da nave é levemente abaulado, com profusão <strong>de</strong><br />
pinturas <strong>de</strong> cenas representando o Cristo e santos e com a N. S. da<br />
Conceição no centro, sobre um fundo azul anil, excessivamente<br />
celestial. Adornos rococó emolduram a profusão <strong>de</strong> cenas. É uma<br />
pintura <strong>de</strong> 1912 ao estilo das ilustrações das folhinhas marianas, como<br />
vemos no teto da nave do Carmo <strong>de</strong> Outro Preto.<br />
O coro é em perfil <strong>de</strong> besta ou seja, arredondado no centro e<br />
nas laterais e se apoia em frágeis pilastras <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira natural. Há<br />
pinturas no forro do vestíbulo e o batistério apresenta uma robusta pia<br />
<strong>de</strong> pedra e uma imagem <strong>de</strong> são João Batista. A Capela do Santíssimo e a<br />
sacristia, obe<strong>de</strong>cendo à repartição tradicional, guarnecem as laterais da<br />
capela mor.<br />
Não tenho referências cronológicas do templo mas penso po<strong>de</strong>r<br />
situá-lo com certa segurança, no terceiro quarto do século XVIII.<br />
Igreja do Rosário – 1770<br />
Fica no lado oposto do vale on<strong>de</strong> está assentado o pequeno<br />
centro histórico <strong>de</strong> Pra<strong>dos</strong>, no final <strong>de</strong> uma la<strong>de</strong>ira on<strong>de</strong> casarões<br />
antigos se escoram mutuamente, como em Ouro Preto.<br />
Um adro cercado <strong>de</strong> balaústres convencionais <strong>de</strong> alvenaria, guarnece<br />
sua entrada. A fachada é composta do frontispício mais a base <strong>de</strong> uma<br />
torre única. Os cunhais são largos e o conjunto da torre se situa num<br />
plano mais recuado. A porta é emoldurada por um portal <strong>de</strong> pedra, com<br />
uma verga suave encimada por um adorno <strong>de</strong> alvenaria, seguindo o seu<br />
contorno. Há duas sacadas com guarda-corpo <strong>de</strong> ferro e mais uma<br />
terceira no corpo da torre, no mesmo alinhamento das <strong>de</strong>mais. Entre as<br />
sacadas do frontispício há um nicho <strong>de</strong> alvenaria com a imagem da<br />
Nossa Senhora. O frontão é estreito e praticamente reto, está protegido<br />
284
por um beiral <strong>de</strong> telhas, tem dois arremates <strong>de</strong> coruchéus nas laterais e<br />
uma base alargada na cumeeira, sustentando pequena cruz. A torre<br />
única é quadrada e sua cúpula é uma pirâmi<strong>de</strong> <strong>de</strong> quatro estágios, sendo<br />
o último uma espécie <strong>de</strong> pináculo obeso. Há notícias <strong>de</strong> que ela não faz<br />
parte da construção original, tendo sido acrescida em 1950.<br />
O interior da igreja do Rosário <strong>de</strong> Pra<strong>dos</strong> é simples mas<br />
<strong>de</strong>cente, como diria o bom bispo dom frei José, que por aqui também<br />
passou em sua peregrinação pastoral. O altar mor é a parte mais singela<br />
do conjunto interno. É pintado e não há propriamente um retábulo. Há<br />
uma pintura <strong>de</strong> N. S. do Rosário e o Cristo, no teto, emoldurada por<br />
um parapeito, em perspectiva arquitetônica. Nas pare<strong>de</strong>s estão dois<br />
óculos redon<strong>dos</strong> com molduras em conchas. O arco cruzeiro é <strong>de</strong><br />
ma<strong>de</strong>ira pintada. Na nave há apenas um altar que está encostado no<br />
transepto, do lado do púlpito do evangelho. Tem espaldar alto, coroado<br />
por sanefas com pingentes e quatro colunas em quartelão. É o <strong>de</strong> N. S.<br />
das Mercês, mencionado pelo bispo <strong>de</strong> Mariana no seu registro <strong>de</strong><br />
1824. O trono é simples e a imagem é <strong>de</strong> pequenas dimensões. No<br />
centro do forro da nave aparece uma pequena visão <strong>de</strong> Nossa Senhora,<br />
enquadrada numa moldura retangular e sendo reverenciada por dois<br />
santos religiosos, vesti<strong>dos</strong> com seus hábitos escuros. Nas laterais do<br />
forro há pinturas <strong>de</strong> parapeitos em perspectiva arquitetônica. O coro é<br />
reto e o quarda-corpo é <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira recortada, sem maior capricho.<br />
Fecha o conjunto da nave um singelo púlpito <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira pintada.<br />
BARBACENA<br />
A cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Barbacena é chamada com justa razão <strong>de</strong> Princesa<br />
<strong>dos</strong> Campos; seus ares são mais do que excelentes, respira-se<br />
ali uma atmosfera puríssima e inteiramente livra <strong>de</strong> miasmas.<br />
Todo o pessoal da cida<strong>de</strong> e município é ótimo e assaz hospitaleiro,<br />
caprichosos e obsequiador; e ali se encontram importantes<br />
capitalistas e homens <strong>de</strong> letras.<br />
Localizada próximo a Tira<strong>de</strong>ntes, Barbacena é a cida<strong>de</strong> do<br />
viscon<strong>de</strong> que <strong>de</strong>vassou o dito alferes e seus companheiros <strong>de</strong><br />
infortúnio. É a antiga Igreja Nova que Tomás Antônio Gonzaga usou<br />
como referência para ensinar o caminho da casa <strong>de</strong> Marília <strong>de</strong> Dirceu a<br />
um canoro passarinho, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o Rio <strong>de</strong> Janeiro. Gonzaga teve o cuidado<br />
<strong>de</strong> explicar ao seu mensageiro que pegasse a estrada da direita que ainda<br />
hoje está nessa mesma posição ligando o Rio a Ouro Preto. Seu zelo se<br />
285
explica: se o passarinho se distraísse e pegasse a estrada à esquerda da<br />
Igreja Nova iria acabar dando em São João <strong>de</strong>l Rei e passando o recado<br />
a Bárbara Eliodora, musa <strong>de</strong> seu colega Alvarenga Peixoto, que po<strong>de</strong>ria<br />
não gostar.<br />
A origem da cida<strong>de</strong> foi, <strong>de</strong> fato, uma capela surgida perto da<br />
Borda do Campo, no meio do nada mas que gerou um povoado graças,<br />
também, à posição estratégica do lugar: no caminho novo construído<br />
pelo filho <strong>de</strong> Fernão Dias para facilitar a ligação das minas com o Rio<br />
<strong>de</strong> Janeiro. Logo ganhou a condição <strong>de</strong> freguesia com a primitiva capela<br />
<strong>de</strong> N. S. da Pieda<strong>de</strong> sendo promovida a matriz. A “Igreja Nova” é<br />
exatamente aquela que foi erigida a partir <strong>de</strong> 1726 para substituir a<br />
humil<strong>de</strong> e inusitada capela-matriz. O Projeto do templo foi do nosso<br />
conhecido José Fernan<strong>de</strong>s Pinto Alpoin, autor <strong>de</strong> várias obras no Rio<br />
<strong>de</strong> Janeiro e em Vila Rica e que traçou o projeto também do arraial, tal<br />
qual fizera com Mariana mais ou menos na mesma época. 190 O<br />
pelourinho ou seja, o marco da elevação do arraial à condição <strong>de</strong> vila,<br />
foi construído pelo viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Barbacena em 1791, com os<br />
inconfi<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong>vidamente encarcera<strong>dos</strong> já à espera da sentença <strong>de</strong> d.<br />
Maria I, meses antes <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>clarada inquestionavelmente pirada. Ele<br />
não resistiu a emprestar seu nome à vila, se auto-homenageando,<br />
mesmo porque já tinha resistindo a tal tentação no ano anterior, quando<br />
criou a Real Vila <strong>de</strong> Queluz, nossa atual Conselheiro Lafaiete, aqui<br />
perto. Com medo <strong>de</strong> que a rainha <strong>de</strong>saprovasse a auto-homenagem, o<br />
viscon<strong>de</strong> governador teve o cuidado <strong>de</strong> fazer constar no auto <strong>de</strong> criação<br />
da vila que o nome tinha sido proposto pela própria população que<br />
achava que o nome original – Igreja Nova do Campoli<strong>de</strong> – era muito<br />
comprido. 191<br />
190 Portanto Mariana e Barbacena, prece<strong>de</strong>ram Belo Horizonte, como núcleos<br />
urbanos planeja<strong>dos</strong>, em uma centena e meia <strong>de</strong> anos.<br />
191 Não <strong>de</strong> <strong>de</strong>ve confundir a Borda do Campoli<strong>de</strong> com a Fazenda da Borda do<br />
Campo. Esta vinha a ser uma fazenda on<strong>de</strong> se estabeleceu o cel. Domingos Rodrigues<br />
da Fonseca Leme, um <strong>dos</strong> construtores do caminho novo. Quando terminou a<br />
empreitada viveu uns tempos por ali, <strong>de</strong>pois ven<strong>de</strong>u a fazenda e voltou para São<br />
Paulo. Sabemos que por volta <strong>de</strong> 1788 a fazenda pertencia ao inconfi<strong>de</strong>nte José Aires<br />
Gomes.<br />
286
Nas cercanias <strong>de</strong> Barbacena ficava uma das fazendas do<br />
conhecido vilão Joaquim Silvério <strong>dos</strong> Reis. O <strong>de</strong>letério <strong>de</strong>lator <strong>dos</strong><br />
inconfi<strong>de</strong>ntes a comprou do seu colega Francisco Antônio <strong>de</strong> Oliveira<br />
Lopes e não pagou. O mais interessante <strong>de</strong>ssa história é que, com a<br />
elevação da Igreja Nova a vila <strong>de</strong> Barbacena, o lugar começou a crescer<br />
e o povo foi invadindo as supostas terras <strong>de</strong> Silvério <strong>dos</strong> Reis. Ele não<br />
vacilou em pedir in<strong>de</strong>nização ao viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Barbacena pelas mesmas<br />
terras que tinha comprado e não tinha pago. Ora, se ele não tinha pago<br />
elas continuavam a pertencer ao antigo dono e portanto po<strong>de</strong>riam ser<br />
seqüestradas, exatamente como foi feito com os outros bens do pobre<br />
inconfi<strong>de</strong>nte. Ao requerer in<strong>de</strong>nização Joaquim Silvério <strong>dos</strong> Reis estava<br />
pedindo à Coroa que pagasse pelo que já era <strong>de</strong>la. Assim era ele, tinha<br />
os requisitos básicos <strong>de</strong> um bom <strong>de</strong>lator: oportunista e mau-caráter.<br />
Não conheço o final da história, mas é provável que a in<strong>de</strong>nização<br />
tenha sido paga pois Sua Majesta<strong>de</strong> tinha ficado muito encantada com<br />
os serviços que o fiel vassalo lhe tinha prestado, <strong>de</strong>nunciando a<br />
inconfidência.<br />
Barbacena tem a ver com a Borda do Campoli<strong>de</strong> que resulta ser<br />
o famoso lugar do final do Caminho Novo on<strong>de</strong> o pessoal costumava<br />
pernoitar nas viagens entre Vila Rica e São João <strong>de</strong>l Rei ou o Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro. Há controvérsias sobre o local exato on<strong>de</strong> ficava a passagem da<br />
Borda do Campoli<strong>de</strong>. Há quem diga que é o atual distrito <strong>de</strong> Correia <strong>de</strong><br />
Almeida no município <strong>de</strong> Barbacena e há quem jure que o tal lugar fica<br />
no município atual <strong>de</strong> Antônio Carlos. Era ali que terminava a mata<br />
serrada e começavam os campos que caracterizavam a região e iam até a<br />
serra do Caraça on<strong>de</strong> então os campos davam lugar ao “Mato Dentro”<br />
que, por sua vez, ia até as proximida<strong>de</strong>s do Serro. Claro que essa<br />
cobertura vegetal não era uniforme e havia muito mata entremeada nos<br />
campos, formando os capões, as capoeiras e até algumas florestas.<br />
Tanto que, na virada do século XVII, a jornada do vale do Ouro Preto<br />
até o vale do Ribeirão do Carmo levava cerca <strong>de</strong> três dias, tal a<br />
quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mata que tinha que ser <strong>de</strong>itada à facão para passagem <strong>dos</strong><br />
viajantes.<br />
Foi em Barbacena que teve início a frustrada Revolução Liberal<br />
<strong>de</strong> 1842, quando os irmãos Otoni e o barão <strong>de</strong> Cocais se rebelaram<br />
contra o gabinete conservador <strong>de</strong> d. Pedro II e tocaram fogo na<br />
província <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> Gerais. A coisa esquentou mas acabou <strong>de</strong>belada<br />
poucos meses <strong>de</strong>pois na famosa Batalha <strong>de</strong> Santa Luzia. O objetivo <strong>de</strong><br />
287
tanta rebelião era relativamente singelo: queriam apenas livrar o<br />
imperador da má influência <strong>dos</strong> conservadores. A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> república<br />
então já estava fria e só iria se reaquecer mais <strong>de</strong> quarenta anos <strong>de</strong>pois.<br />
Richard Burton visitou Barbacena em 1867 e contou que a<br />
cida<strong>de</strong> tinha três mil e seiscentos habitantes, acentuando que a<br />
população estava estável há mais <strong>de</strong> cinqüenta anos . Notou que não<br />
havia calçamento nas ruas mas apenas passeios no centro da cida<strong>de</strong>.<br />
Esteve na rua do Rosário, a principal da cida<strong>de</strong> e explicou que seu<br />
nome se <strong>de</strong>via à capela nela situada. A capela ainda está lá mas a rua não<br />
é mais propriamente a principal, apesar <strong>de</strong> nela se situar um <strong>dos</strong><br />
Shoping Centers <strong>de</strong> Barbacena. Contou que quase todas as casas<br />
estavam para alugar. Visitou a matriz <strong>de</strong> N. S. da Pieda<strong>de</strong> e fez<br />
minuciosa <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong>la. Esteve também na igreja <strong>de</strong> N. S. da Boa<br />
<strong>Viagem</strong>. No cemitério, presenciou um funeral <strong>de</strong> um pobre escravo em<br />
que os coveiros, enquanto sepultavam o morto, conversavam na maior<br />
<strong>de</strong>scontração. Comentou que o campo <strong>dos</strong> mortos estava crescendo<br />
rapidamente, por conta das mortes freqüentes provocadas pela<br />
pneumonia e o catarro. Visitou também o Hospital da Misericórdia<br />
on<strong>de</strong>, como era seu hábito, não pô<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> criticar uma inscrição<br />
latina, achando-a um tanto esquisita. Observou curiosamente que a taxa<br />
<strong>de</strong> assistência hospitalar cobrada aos escravos era a meta<strong>de</strong> da taxa<br />
normal.<br />
Saint-Hilaire teve que atravessar, durante <strong>de</strong>z dias, uma<br />
interminável floresta para chegar a Barbacena e ficou bem<br />
impressionado com o que viu pois atrás daquela enorme mata só<br />
esperava encontrar um amontoado <strong>de</strong> choupanas. Contrariando a<br />
observação <strong>de</strong>mográfica <strong>de</strong> Burton, <strong>de</strong>u à vila uma população <strong>de</strong> dois<br />
mil habitantes o que, comparado aos três mil e seiscentos que o capitão<br />
inglês encontrou na sua passagem, cinqüenta anos <strong>de</strong>pois, daria ao<br />
núcleo um notável crescimento no período. Porém, convém não<br />
confiar muito nos da<strong>dos</strong> <strong>de</strong>mográficos <strong>dos</strong> nossos simpáticos viajantes<br />
do século XIX. Assim como Burton, notou que a vila tinha a forma <strong>de</strong><br />
um T mas, ainda contrariando o cônsul inglês, informou que uma das<br />
288
uas era calçada. 192 Contou quatro <strong>igrejas</strong>, uma das quais inacabada e<br />
não viu nelas nada <strong>de</strong> notável. Descreveu a posição da matriz <strong>de</strong> N. S.<br />
da Pieda<strong>de</strong> no meio da praça da confluência das duas ruas principais,<br />
tendo o pelourinho em frente. Depois <strong>de</strong> fazer uma <strong>de</strong>talhada <strong>de</strong>scrição<br />
do plano arquitetônico das <strong>igrejas</strong> mineiras e compará-las com as<br />
francesas, o sábio contou das lojas sortidas e das boas hospedarias da<br />
vila e arrematou que ela era célebre entre os tropeiros pela qualida<strong>de</strong><br />
das prostitutas mulatas que eram oferecidas livremente nos albergues.<br />
Criticou, com veemência, como faria várias vezes, a tal dança do<br />
batuque. Por fim, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> alguns dias em Barbacena, Saint-Hilaire<br />
recebeu um convite para assistir a um espetáculo teatral, representado<br />
por uma trupe mambembe. Quando percebeu que teria que fazer uma<br />
doação aos atores; sovina como era, <strong>de</strong>sconversou e escapou em<br />
direção a Queluz.<br />
Em mea<strong>dos</strong> do século XX Barbacena era i<strong>de</strong>ntificada como<br />
cida<strong>de</strong> <strong>dos</strong> loucos, <strong>de</strong>vido aos seus manicômios. Atualmente, a<br />
agradável cida<strong>de</strong> preserva a memória daqueles tempos, mantendo um<br />
Museu da Loucura mas, mais do que isso, hoje é a simpática cida<strong>de</strong> das<br />
rosas e <strong>dos</strong> ca<strong>de</strong>tes da aeronáutica.<br />
Cadastramos três <strong>igrejas</strong> em Barbacena: a matriz <strong>de</strong> N. S. da<br />
Pieda<strong>de</strong>, as <strong>igrejas</strong> do Rosário e N. S. da Boa Morte/Assunção. A igreja<br />
da Boa Morte e a matriz foram tombadas pelo IPHAN em 1988.<br />
Matriz <strong>de</strong> N. S. da Pieda<strong>de</strong> – 1743<br />
A matriz <strong>de</strong> Barbacena, a Igreja Nova, está <strong>de</strong>fronte a praça <strong>dos</strong><br />
Andradas, bem no centro da cida<strong>de</strong>. O interior da matriz é<br />
relativamente pobre, com altares <strong>de</strong> talha simplificada, provavelmente<br />
do final do século XVIII, do tempo em que o viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Barbacena<br />
elevou o antigo arraial à condição <strong>de</strong> vila, fincando o pelourinho<br />
exatamente na frente da matriz.<br />
O altar mor é um tipo <strong>de</strong> oratório, sem adornos no coroamento<br />
do arco do camarim. Chama a atenção pelas suas gran<strong>de</strong>s dimensões,<br />
192 Não está afastada a hipótese <strong>de</strong> que o calçamento tivesse se <strong>de</strong>teriorado no meio<br />
século que separou as passagens <strong>dos</strong> dois viajantes. Enfim, gran<strong>de</strong> foi a <strong>de</strong>cadência ao<br />
longo daquele século.<br />
289
obrigado que foi, a cobrir uma enorme pare<strong>de</strong>, conseqüência do<br />
tamanho da capela mor e seu alto pé direito. Penso que essa capela é a<br />
maior <strong>de</strong> todas as <strong>igrejas</strong> setecentistas mineiras. 193 Tanto que, na<br />
plataforma do presbitério, há espaço suficiente para a colocação <strong>de</strong> filas<br />
<strong>de</strong> ca<strong>de</strong>iras dispostas perpendicularmente ao altar. As bordas do arco<br />
do camarim exibem discretos rendilha<strong>dos</strong>. Não há propriamente<br />
colunas mas apenas umas discretas quartelas, esculpidas em baixo<br />
relevo, la<strong>de</strong>ando nichos em forma <strong>de</strong> cápsulas. O fundo é branco com<br />
frisos em tintura dourada. Não conseguimos vislumbrar o trono pois<br />
era época da quaresma e os camarins estavam cobertos. Esta prática<br />
está meio fora <strong>de</strong> moda, mas observamos que muitas das nossas <strong>igrejas</strong><br />
<strong>antigas</strong> ainda a conservam o que é bom para manter o espírito <strong>de</strong><br />
valorização da tradição, fator saudável para preservação do nosso<br />
patrimônio histórico.<br />
Os altares colaterais apresentam colunas em quartela com um<br />
espaldar alto, arrematado por uma concha simplificada. Há mais dois<br />
altares nas laterais da nave, em mesmo estilo <strong>dos</strong> do transepto, porém<br />
com as colunas externas retas <strong>de</strong> fuste estriado. To<strong>dos</strong> os altares são em<br />
fundo branco com tintura dourada.<br />
No alto da nave se abrem óculos retangulares, com moldura <strong>de</strong><br />
pedra e as extremida<strong>de</strong>s superiores e inferiores em forma arredondada.<br />
Os óculos da nave são em formato cruciforme. Os tetos são em<br />
assoalho facetado, pintado <strong>de</strong> branco. Há quadros espalha<strong>dos</strong> pela<br />
nave, provavelmente <strong>dos</strong> séculos XIX ou XX. O arco cruzeiro é muito<br />
singelo, <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira e apresenta uma ilustração recente com figuras <strong>de</strong><br />
anjos, acima do coroamento. Segundo Burton, quando da sua visita em<br />
1867, havia um can<strong>de</strong>labro <strong>de</strong> prata maciça pen<strong>de</strong>ndo no arco cruzeiro.<br />
A cornija é toda branca, muito discreta.<br />
Os púlpitos são relativamente originais, inteiramente retos,<br />
inclusive a base, em formato <strong>de</strong> cálice.<br />
O coro também é reto, sustentado em três arcos apoia<strong>dos</strong> em<br />
pilastras <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira <strong>de</strong>lgadas e retilíneas e está guarnecido por uma<br />
balaustrada <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira torneada escura.<br />
Notamos também aqui e nas <strong>de</strong>mais <strong>igrejas</strong> <strong>de</strong> Barbacena a falta<br />
<strong>de</strong> balaustradas compartimentando a nave, característica que<br />
193<br />
Sem consi<strong>de</strong>rar a capela da igreja <strong>de</strong> São João Batista <strong>de</strong> Barão <strong>de</strong> Cocais que<br />
também é muito gran<strong>de</strong>, porém, pelas suas características <strong>de</strong> absi<strong>de</strong>, não é comprimida<br />
pelo transepto.<br />
290
observamos em algumas <strong>igrejas</strong> da região vizinha, como já mencionado.<br />
O atual piso é <strong>de</strong> azulejo hidráulico e substituiu o antigo assoalho<br />
recortado <strong>de</strong> túmulos que quando da visita <strong>de</strong> Burton, ainda estava<br />
preservado, conforme registrou o cônsul inglês em seu livro. Saint-<br />
Hilaire, quando <strong>de</strong>screve as características básicas das <strong>igrejas</strong> mineiras a<br />
partir do que notou nas <strong>igrejas</strong> <strong>de</strong> Barbacena, cita as balaustradas e o<br />
piso <strong>de</strong> assoalho como típicas do mo<strong>de</strong>lo. Foi nessa operação <strong>de</strong> troca<br />
do piso que se per<strong>de</strong>ram os restos mortais do último <strong>dos</strong> inconfi<strong>de</strong>ntes,<br />
o padre Manoel Rodrigues da Costa. Depois <strong>de</strong> cumprir pena em<br />
Portugal ele voltou ao Brasil e por aqui morreu aos noventa anos <strong>de</strong><br />
ida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> brilhante carreira política no império. Foi sepultado na<br />
Capela do Santíssimo <strong>de</strong>sta igreja e aqui permaneceu em paz até a<br />
<strong>de</strong>sastrada remoção do assoalho que resultou no extravio <strong>de</strong> seus restos<br />
mortais.<br />
O templo é todo espaçoso, inclusive suas <strong>de</strong>pendências laterais<br />
on<strong>de</strong> há uma sucessão <strong>de</strong> cômo<strong>dos</strong> contínuos com a sacristia e várias<br />
capelas interligadas.<br />
A fachada é típica das matrizes da mesma época, sólida e<br />
imponente. O frontispício é quadrado e emoldurado por pilastras retas<br />
<strong>de</strong> cantaria. No centro está uma portada também <strong>de</strong> pedra, com portais<br />
múltiplos e uma verga reta que serve <strong>de</strong> base para um adorno<br />
complexo, com um pequeno nicho no centro e uma cruz mais acima.<br />
Ao lado estão duas sacadas, com molduras trabalhadas e vidraças em<br />
guilhotina. Mais duas sacadas idênticas se abrem no meio da base das<br />
torres, no mesmo alinhamento. A cimalha é discreta e apenas cumpre<br />
sua função básica <strong>de</strong> dividir a fachada no plano horizontal, em duas<br />
peças. O frontão é recortado em curvas, com molduras <strong>de</strong> pedra e<br />
volutas mais entusiasmadas na parte inferior das laterais. No tímpano<br />
está um óculo cruciforme, envidraçado e também emoldurado. O<br />
acrotério sustenta pequena cruz. As torres são quadradas e largas e suas<br />
bases são <strong>de</strong>limitadas por pilastras e cunhais retos <strong>de</strong> cantaria. Têm a<br />
exata largura da meta<strong>de</strong> da largura do frontispício. Estão <strong>de</strong>limitadas<br />
por colunas <strong>de</strong> pedra que representam a continuação das pilastras e<br />
cunhais e que se fecham em coruchéus. As cúpulas são facetadas, em<br />
forma <strong>de</strong> barrete e estão arrematas em pináculos.<br />
As aberturas sineiras também são emolduradas em cantaria. Os<br />
sinos ali pen<strong>de</strong>ntes não são apenas enfeites e pu<strong>de</strong>mos ouvir varia<strong>dos</strong> e<br />
criativos repica<strong>dos</strong>, convidando os fiéis para a missa do sábado à tar<strong>de</strong>.<br />
Rivaliza sem esforço com os belos repiques das igreja <strong>de</strong> Ouro Preto,<br />
nas manhãs <strong>de</strong> domingo. Infelizmente essa prática milenar está em<br />
291
extinção em nossas <strong>igrejas</strong> <strong>antigas</strong>. Visitei quase cem <strong>igrejas</strong> nessa minha<br />
viagem, a maioria em horário <strong>de</strong> missa. Não me lembro <strong>de</strong> ter ouvido o<br />
chamamento <strong>dos</strong> sinos em mais do que meia dúzia <strong>de</strong> templos, quase<br />
to<strong>dos</strong> em Ouro Preto.<br />
Igreja da Boa Morte/ N. S. da Assunção – 1790<br />
O nome oficial é igreja <strong>de</strong> N. S. na Assunção, mas o povo<br />
prefere continuar a chamá-la pelo antigo nome <strong>de</strong> igreja da Boa Morte.<br />
É um templo imponente que fica no alto <strong>de</strong> um outeiro,<br />
guarnecendo a entrada <strong>de</strong> um cemitério.<br />
O adro é amplo e protegido por um gra<strong>de</strong>ado <strong>de</strong> ferro. Sua<br />
autenticida<strong>de</strong> setecentista tem sido posta à prova. Certamente começou<br />
a ser construída no final do século XVIII. É fato que acima da porta <strong>de</strong><br />
entrada está a data <strong>de</strong> 1815, mas provavelmente indica a data <strong>de</strong><br />
conclusão <strong>de</strong> alguma obra externa. O IPHAN informa que a construção<br />
atual nada tem a ver com o século XVIII, mas eu não sou tão radical<br />
pois certas características <strong>de</strong> obras mais <strong>antigas</strong> estão claramente<br />
estampadas no templo como hoje o vemos.<br />
Sua fachada é interessante e, no geral, faz boa figura pois está<br />
plantada no topo <strong>de</strong> uma pequena colina que é toda ocupada pela igreja<br />
e seu adro, formando um quadro chamativo. Há, contudo, imperfeições<br />
arquitetônicas no frontispício. Reparando, com alguma acuida<strong>de</strong>,<br />
percebe-se que as duas peças divididas pela cimalha são<br />
<strong>de</strong>sproporcionais e relativamente <strong>de</strong>sarmônicas. O conjunto formado<br />
pelo frontispício e a base das torres é muito maior do que o conjunto<br />
formado pela parte superior da torres e o frontão. Além disso, a base<br />
que sustenta as torres é quadrada enquanto elas são inteiramente<br />
redondas. Isso não é propriamente uma rarida<strong>de</strong> mas aqui parece ter<br />
ocorrido um certo improviso.<br />
O frontão é quadrado e está <strong>de</strong>limitado por pilastras retas <strong>de</strong><br />
cantaria que se apoiam em bases mais alargadas. No centro está uma<br />
portada <strong>de</strong> pedra trabalhada, com portais múltiplos encima<strong>dos</strong> por uma<br />
verga em arco abatido. No prolongamento <strong>dos</strong> portais estão salientes<br />
fragmentos <strong>de</strong> arquitrave e, entre eles, está um adorno <strong>de</strong> mesmo estilo.<br />
Nas laterais se abrem janelões, num total <strong>de</strong> quatro, ocupando o<br />
frontispício e a base das torres, num mesmo alinhamento. São<br />
pareci<strong>dos</strong> com os da matriz <strong>de</strong> N. S. da Pieda<strong>de</strong>. São envidraça<strong>dos</strong>, com<br />
janelas em guilhotina e molduras <strong>de</strong> pedra. A base das torres, como<br />
dito, é quadrada e <strong>de</strong>limitada por cunhais retos <strong>de</strong> pedra e pelas pilastras<br />
292
que conformam o frontispício e que têm o mesmo formato. Abaixo <strong>dos</strong><br />
janelões das bases das torres se abrem óculos envidraça<strong>dos</strong> <strong>de</strong> formato<br />
irregular.<br />
A parte superior das torres, como já mencionamos também, é<br />
inteiramente redonda e muito <strong>de</strong>lgada para o conjunto. Suas cúpulas<br />
são afiladas e irregulares e terminam em pontu<strong>dos</strong> pináculos. Estão<br />
guarnecidas <strong>de</strong> pilastras arredondadas, arrematadas em minúsculos<br />
coruchéus. O frontão é robusto, recortado em curvas protegidas, com<br />
moldura <strong>de</strong> pedras e adornado com quatro coruchéus <strong>de</strong>lga<strong>dos</strong>. Uma<br />
cruz singela repousa na parte mais alta e um pequeno óculo redondo<br />
atravessa o tímpano.<br />
Seu interior lembra um pouco o da matriz, com talha<br />
simplificada <strong>de</strong> fundo branco, adornado com frisos <strong>de</strong> tintura dourada.<br />
Também, a exemplo da matriz, tem o pé direito muito alto, a capela<br />
mor muito espaçosa e o retábulo mor <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s dimensões. Este<br />
também não tem <strong>dos</strong>sel, nem baldaquino mas sim um espaldar que vai<br />
até o teto, adornado com um resplendor cheio <strong>de</strong> cabeças <strong>de</strong> anjos no<br />
centro. Está guarnecido <strong>de</strong> colunas clássicas <strong>de</strong> fuste reto estriado,<br />
coladas nas laterais do camarim e mais uma encostada à pare<strong>de</strong>. A<br />
capela mor é valorizada por imponentes tribunas com molduras <strong>de</strong><br />
pedra sabão e umas espécies <strong>de</strong> cimalhinhas no alto. O teto da capela<br />
mor e da nave são abobada<strong>dos</strong>, em assoalho branco e adorna<strong>dos</strong> com<br />
ilustrações <strong>de</strong> N.,S. da Assunção naquele estilo meio “folhinha<br />
Mariana”, muito apreciado no primeiro quarto do século XX.<br />
O arco cruzeiro é em pedra sabão, com filetes também em<br />
pedra, cruzando o arco, serpenteando sobre a pare<strong>de</strong> branca. Há dois<br />
pequenos altares encosta<strong>dos</strong> no transepto, guarneci<strong>dos</strong> <strong>de</strong> colunas<br />
clássicas e com uma espécie <strong>de</strong> marquise, cruzando o coroamento do<br />
camarim. São em branco e dourado como o altar mor. O IPHAN<br />
i<strong>de</strong>ntifica o estilo <strong>dos</strong> retábulos como neo-clássico e chama atenção<br />
para sua rarida<strong>de</strong>. Seguramente foram muito influencia<strong>dos</strong> pelos<br />
retábulos da matriz e da igreja do Rosário. Mo<strong>de</strong>stamente, prefiro vêlos<br />
como um rococó <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>nte, genuinamente barbacenense.<br />
A nave está ligada aos corredores por portas acima das quais se<br />
abrem tribunas. O conjunto é adornado por imponentes molduras e<br />
estruturas <strong>de</strong> pedra sabão. O coro é reto, apoiado em arcos sustenta<strong>dos</strong><br />
por colunas retas <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira.<br />
Também não pu<strong>de</strong>mos observar as imagens e os tronos pois<br />
estavam cobertos <strong>de</strong> panos como os altares da matriz, respeitando as<br />
boas <strong>antigas</strong> tradições da quaresma.<br />
293
Igreja do Rosário - 1774<br />
A igreja <strong>dos</strong> pretos <strong>de</strong> Barbacena está situada numa pequena<br />
praça que, na verda<strong>de</strong>, é um alargamento da antiga rua do Rosário que<br />
vai dar na praça da matriz. Sua fachada está muito <strong>de</strong>scaracterizada pela<br />
adição <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>sagradável torre mo<strong>de</strong>rna, cuja base forma uma<br />
espécie <strong>de</strong> alpendre a guarnecer a entrada do templo, com total<br />
improprieda<strong>de</strong> setecentista. Infelizmente não me foi possível fazer<br />
anotações sobre o interior da igreja pois tivemos a surpresa <strong>de</strong><br />
encontrá-la aberta no meio <strong>de</strong> um passeio noturno mas, para o qual<br />
saímos inadvertidamente, sem levar os apetrechos básicos para registros<br />
e anotações. Depois não conseguimos encontrar mais o templo aberto.<br />
Lembro-me, contudo, que seu interior era <strong>de</strong>spojado, com retábulos<br />
simplifica<strong>dos</strong> <strong>de</strong> talha branca e dourada, semelhantes aos das <strong>de</strong>mais<br />
<strong>igrejas</strong> daqui. O altar mor porém, apresentava uma espécie <strong>de</strong><br />
baldaquino reto a proteger o arco do camarim, lembrando um toldo.<br />
Havia ainda dois altares colaterais e o teto da capela mor e da nave se<br />
me lembro bem, era em assoalho facetado sem adornos.<br />
A fachada como dissemos, está muito <strong>de</strong>scaracterizada,<br />
salientando-se a torre à frente do frontispício, ocupando um espaço<br />
imerecido. Ela é quadrada, com cúpula <strong>de</strong> alvenaria em forma <strong>de</strong><br />
pirâmi<strong>de</strong> e um lamentável nicho abrigando Nossa Senhora que, coitada,<br />
não tem nada com isso e ocupa humil<strong>de</strong>mente o lugar que lhe foi<br />
reservado, com a melhor das intenções.<br />
Uma pare<strong>de</strong> em <strong>de</strong>graus preenche os espaço entre a torre e o<br />
alinhamento <strong>dos</strong> cunhais. Há ainda duas sacadas com balaustrada <strong>de</strong><br />
ferro <strong>de</strong> cada lado da torre, disputando espaço com a intrusa. Estes,<br />
mais os coruchéus na extremida<strong>de</strong> <strong>dos</strong> cunhais são os únicos traços<br />
externos remanescentes a honrar sua antiguida<strong>de</strong>, assim mesmo, cheios<br />
<strong>de</strong> toques mo<strong>de</strong>rnizantes.<br />
Não me conformo em adotar a igreja como ela hoje se<br />
apresenta e assim, espero que os irmãos do Rosário tomem a iniciativa<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>rrubar a tal torre. Nem estariam sujeitos aos conflitos que<br />
caracterizam as iniciativas <strong>dos</strong> seus semelhantes do Rosário <strong>de</strong> Cocais,<br />
dispostos a reformar sua igreja à revelia do IPHAN. A igreja <strong>de</strong><br />
Barbacena sequer é tombada.<br />
294
OLIVEIRA<br />
A cida<strong>de</strong> está edificada sobre o tabuleiro <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> campina, o que<br />
faz com que se aviste à distancia <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> uma légua; é um lugar lindo<br />
e aprazível por sua natureza.Tem uma boa matriz, a qual é <strong>de</strong> excelente<br />
construção e ali se vêem alguns trabalhos em belíssimo mármore extraído<br />
<strong>de</strong> uma pedreira perto do Ribeirão <strong>dos</strong> Fradique.Tem muitas casas que são<br />
verda<strong>de</strong>iros palacetes, on<strong>de</strong> se encontram moveis e adornos <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> e<br />
apurado luxo e bom gosto; tem mais <strong>de</strong> vinte gran<strong>de</strong>s sobra<strong>dos</strong> <strong>de</strong> bela<br />
perspectiva, tudo <strong>de</strong> cantaria.<br />
Oliveira está edificada próximo ao leito da rodovia Fernão<br />
Dias, ou seja, po<strong>de</strong> ser acessada através <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna estrada<br />
interestadual, com todas as comodida<strong>de</strong>s.<br />
Praticamente a única herança do século XVIII preservada é a sua<br />
matriz. Em torno <strong>de</strong>la existem alguns casarões da passagem do século<br />
XIX para o século XX que ainda conseguem dar ao conjunto da praça<br />
da matriz um aspecto mais vetusto, posto que um tanto distante da<br />
nobre origem setecentista da igreja.<br />
A cida<strong>de</strong> não tem um apelo turístico <strong>de</strong>finido e por isso dispõe<br />
<strong>de</strong> poucas opções <strong>de</strong> hospedagem. Mas vale a pena conhecê-la pois a<br />
matriz é muito interessante. Talvez possamos consi<strong>de</strong>rá-la a última<br />
igreja setecentista mineira. Isso porque, embora tendo sua construção<br />
iniciada por volta <strong>de</strong> 1780, só <strong>de</strong>ve ter sido concluída em mea<strong>dos</strong> do<br />
século seguinte. Mas foi construída com capricho e, assim, incorporou<br />
elementos tipicamente barrocos e elementos neoclássicos, com<br />
predominância <strong>de</strong> uma e outra escola, respectivamente em sua fachada<br />
e na sua <strong>de</strong>coração interna. Mas nada particularmente <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>nte ou<br />
prematuro. Ao contrário, recorrendo a corretos elementos <strong>de</strong> ambas.<br />
Mas há uma esforçada ligação com a raiz rococó que a gente <strong>de</strong> Oliveira<br />
não quis renunciar embora, por volta da secunda meta<strong>de</strong> <strong>de</strong> século<br />
XIX, <strong>de</strong>vesse estar sendo fortemente bombar<strong>de</strong>ada pelos mo<strong>de</strong>rnismos<br />
da turma da escola <strong>de</strong> belas artes do imperador. Por isso, a igreja tem<br />
também algum interesse didático.<br />
No século XVIII a região on<strong>de</strong> Oliveira está erigida era<br />
conhecida como Campo Gran<strong>de</strong>, vale dizer a beirada da gran<strong>de</strong> região<br />
que ia até Paracatu, no meio da qual se estendia a picada <strong>de</strong> Goiás. Era<br />
a passagem natural <strong>de</strong> quem <strong>de</strong>mandava a capitania vizinha, partindo <strong>de</strong><br />
Vila Rica ou São João <strong>de</strong>l Rei em direitura a Tamanduá (Itapecerica),<br />
295
Pitangui e Paracatu. E foi por causa da sua estratégica localização que o<br />
arraial nasceu, pois ouro mesmo não havia.<br />
Por volta <strong>de</strong> 1745 aqui era sesmaria <strong>de</strong> um cidadão <strong>de</strong><br />
sobrenome Oliveira mas isso é mera coincidência e muito<br />
provavelmente, o nome do arraial foi tomado do orago da primitiva<br />
capela erguida em <strong>de</strong>voção a N. S. da Oliveira, em torno do ano <strong>de</strong><br />
1748.<br />
Em 1780, vamos encontrar duas conhecidas figuras da<br />
Inconfidência Mineira marcando registro na história <strong>de</strong> Oliveira: o<br />
padre Toledo e o mestre <strong>de</strong> campo Inácio Correia Pamplona. O padre<br />
era o famoso vigário <strong>de</strong> São José <strong>de</strong>l Rei, animado agitador que cooptou<br />
muito fazen<strong>de</strong>iro da região para o levante, inclusive o próprio<br />
Pamplona. Este era um rico fazen<strong>de</strong>iro da Mendanha (atual Lagoa<br />
Dourada), aguerrido pacificador <strong>dos</strong> quilombos e gentios bravos do<br />
Campo Gran<strong>de</strong>.<br />
Ambos tinham gran<strong>de</strong> influência na região e naquele ano<br />
travaram uma disputa em torno da nomeação do capelão <strong>de</strong> Oliveira.<br />
Pamplona queria trocar o capelão e impor um padre mau-caráter. O<br />
povo reagiu ao infame intento e acabou apelando para o padre Toledo,<br />
vigário a quem a capela <strong>de</strong> Oliveira estava subordinada. Ele <strong>de</strong>cidiu a<br />
favor do preito popular, mantendo o padre querido. Mas <strong>de</strong>ve ter<br />
havido um acordo pois o vigário <strong>de</strong> São José e o mestre <strong>de</strong> campo eram<br />
duas raposas velhas e gran<strong>de</strong>s amigos; pelo menos até Pamplona<br />
preferir mudar <strong>de</strong> lado e <strong>de</strong>nunciar a Inconfidência Mineira. Toledo<br />
acabou morrendo exilado em Lisboa e Pamplona ainda continuou<br />
influindo nos <strong>de</strong>stinos da gente <strong>de</strong> Oliveira por muitos anos mais. Mas<br />
a <strong>de</strong>cisão do vigário <strong>de</strong> são José frutificou e foi o padre que o pessoal<br />
do arraial <strong>de</strong> Oliveira queria para seu capelão que iniciou a construção<br />
da capela que virou a atual matriz. Ela é o único templo setecentista da<br />
mo<strong>de</strong>rna Oliveira. A igreja não é tombada pelo IPHAN mas o IEPHA<br />
conseguiu remediar isso, incluindo-á em seu Livro <strong>de</strong> Tombo em 2002.<br />
Havia uma outra igreja setecentista: a N. S. do Rosário, mas ela foi<br />
<strong>de</strong>molida na primeira meta<strong>de</strong> do século XIX.<br />
Recentemente a matriz <strong>de</strong> Oliveira passou por uma ampla<br />
reforma que durou <strong>de</strong>z anos e contou com a abnegada participação <strong>de</strong><br />
cidadãos e empresas engajadas na preservação do nosso patrimônio<br />
histórico, que também as há, raras mas atuantes. Muito teve que ser<br />
inteiramente reconstruído, inclusive os altares do transepto, <strong>de</strong>struí<strong>dos</strong><br />
há algumas décadas.<br />
296
Matriz <strong>de</strong> Nossa Senhora da Oliveira – 1780<br />
Quem iniciou a construção da matriz - o tal capelão cuja<br />
permanência à testa <strong>dos</strong> negócios sagra<strong>dos</strong> o povo <strong>de</strong> Oliveira apelou<br />
ao padre Toledo - foi o padre Miguel Ribeiro da Silva. Mas a<br />
construção, como já mencionamos, foi muita <strong>de</strong>morada e em 1825<br />
dispunha apenas do essencial para realizar as cerimônias com os fieis<br />
<strong>de</strong>vidamente protegi<strong>dos</strong> das intempéries. Nesse ano d. frei José da<br />
Santíssima Trinda<strong>de</strong> visitou a vila, achou a igreja ainda inacabada e <strong>de</strong>u<br />
um esculacho geral: “não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> estranhar gravemente a<br />
frouxidão e falta <strong>de</strong> continuação (da construção)”. Deixou instruções<br />
gerais para a continuação da obra, inclusive em relação ao cemitério que<br />
ele não tolerava que não fosse cercado. Também fez comentários<br />
<strong>de</strong>sairosos pela sujeira geral e pela falta <strong>de</strong> livros <strong>de</strong> registros <strong>dos</strong><br />
nascimentos e casamentos. Mas notou a estrutura da obra,<br />
reconhecendo o potencial da sua majesta<strong>de</strong>, tal qual vemos hoje.<br />
Depois da ralhação do bispo a população fez o que pô<strong>de</strong>, mas é<br />
provável que a igreja só tenha adquirido o perfil atual, cerca <strong>de</strong> cem<br />
anos após o início da sua construção. A gran<strong>de</strong> mistura <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los e<br />
referências me faz pensar assim. Mas o templo foi construído com<br />
<strong>de</strong>nodo e carinho ao longo <strong>dos</strong> anos, a <strong>de</strong>speito das limitações que no<br />
século XIX bateram <strong>Minas</strong> <strong>de</strong> penúria.<br />
Dizem que o arquiteto foi o mesmo da igreja da Boa Morte <strong>de</strong><br />
Barbacena. De fato, o frontão e as torres têm coisas em comum, mas a<br />
matriz <strong>de</strong> Oliveira é muito mais harmoniosa e aqui o arquiteto resolveu<br />
beber um pouco mais da fonte pura do Aleijadinho, a mesma que<br />
produziu obras primas como o Carmo <strong>de</strong> Sabará, a São Francisco <strong>de</strong><br />
Ouro Preto ou mesmo a São João Batista <strong>de</strong> Barão <strong>de</strong> Cocais. Vai daí<br />
que a fachada da matriz <strong>de</strong> N. S. da Oliveira lembra os belos templos<br />
rococó do terceiro quarto do setecentos. Ali estão combina<strong>dos</strong> <strong>de</strong><br />
forma harmoniosa e criativa os melhores elementos, cria<strong>dos</strong> pelo<br />
Aleijadinho no circuito do ouro.<br />
As bases das torres tem perfil arredondado e estão<br />
posicionadas ligeiramente atrás do alinhamento <strong>dos</strong> cunhais ao estilo da<br />
São Francisco <strong>de</strong> Ouro Preto. Estes são <strong>de</strong> boa cantaria e avançam<br />
adiante emoldurando fortemente as laterais do frontispício. No alto<br />
servem <strong>de</strong> pe<strong>de</strong>stal para fragmentos <strong>de</strong> arquitrave salientes que se<br />
elevam e volteiam a parte superior do frontão, rumando para o<br />
acrotério. Mas há uma interrupção em sua trajetória e a pequena cruz<br />
no alto está repousando num outro volteio, agora convexo; com<br />
297
mesmo perfil das arquitraves laterais. Dois finos coruchéus la<strong>de</strong>iam a<br />
cruz. Não há propriamente cimalha mas mais um friso <strong>de</strong>lgado <strong>de</strong> pedra<br />
que marca a fronteira entre o frontão e o frontispício e contorna um<br />
óculo arredondado <strong>de</strong> vidraça reticulada. As torres são arredondadas e,<br />
empurradas por sua base recuada, estão atrás do frontão. São altas e<br />
estão arrematadas por uma cúpula achatada e afilada que se fecha em<br />
finos pináculos <strong>de</strong> pedra que cutucam o céu. A porta está emoldurada<br />
por portais <strong>de</strong> pedra em forma <strong>de</strong> pilastras em quartelas, arrematadas<br />
por fragmentos <strong>de</strong> arquitrave no alto. Acima da verga há um pequeno<br />
nicho <strong>de</strong> pedra, dando tímida guarita a uma imagem da Senhora da<br />
Oliveira. Ao lado estão duas sacadas com cimalhinhas e molduras <strong>de</strong><br />
pedra. É uma bela fachada.<br />
Internamente a igreja guarda pouca sintonia com o estilo<br />
marcante e bem <strong>de</strong>finido da fachada, buscando caminhos mais híbri<strong>dos</strong>.<br />
O altar mor está fortemente contaminado por neoclassicismos,<br />
principalmente nas colunas do retábulo: são retas, com caneluras rasas<br />
douradas e terminam em capitéis simplifica<strong>dos</strong>, eretos mas livres <strong>de</strong><br />
qualquer esforço. Entre elas há nichos guarneci<strong>dos</strong> <strong>de</strong> baldaquinos em<br />
forma <strong>de</strong> barrete com lambrequins pen<strong>de</strong>ntes. Na sequência das<br />
colunas, mas sem contar com o apoio <strong>de</strong>las, flutuam as bases <strong>de</strong> um<br />
arco ininterrupto <strong>de</strong> formato côncavo que se fecha num medalhão<br />
muito pouco caprichado. O camarim é espaçoso, abriga um trono alto<br />
em <strong>de</strong>graus retos. Está contornado por uma tímida moldura rendilhada.<br />
Há pouca talha muita pintura marmorizada e alguns adornos rococó,<br />
com medalhões e entrelaces azuis e vermelhos. Mas, no conjunto, não<br />
há como arrefecer o fascínio <strong>de</strong> seus construtores pelo neoclássico,<br />
embora a base <strong>de</strong> pedra negra do presbitério resgate a antiga origem<br />
setecentista também da capela mor.<br />
O teto da capela é facetado e ostenta uma pintura <strong>de</strong> boa<br />
concepção, porém executada sem muito talento. Mostra parapeitos em<br />
perspectivas, abrigando os evangelistas e os doutores da igreja, la<strong>de</strong>ando<br />
uma visão <strong>de</strong> Nossa Senhora, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um medalhão rococó.<br />
O arco cruzeiro é imponente, estruturado em pedra e guarda<br />
boa sintonia com o estilo rococó da fachada.<br />
Os altares do transepto ten<strong>de</strong>m ao estilo <strong>dos</strong> oratórios, porém<br />
mais trabalha<strong>dos</strong> com mais entalhes e volteios. Não chegam a repudiar<br />
uma certa matriz barroca retardatária, mas também não abriram mão<br />
das colunatas neoclássicas, apelando a elas para abrigar nichos e la<strong>de</strong>ar<br />
o camarim. Mas há bons resquícios <strong>dos</strong> belos espaldares rococó e um<br />
medalhão mais caprichado, com frisos doura<strong>dos</strong>, a valorizar o<br />
298
coroamento do camarim. Um <strong>dos</strong> altares ostenta ares mais vetustos e<br />
em lugar das colunatas retas sem estrias, apresenta colunas em quartela,<br />
<strong>de</strong> concepção mais condizentes com a raiz barroca da igreja. Os<br />
baldaquinos alonga<strong>dos</strong> com lambrequins pen<strong>de</strong>ntes, acima <strong>dos</strong> altares,<br />
também acentuam esta raiz.<br />
Mas esses altares foram inteiramente reconstruí<strong>dos</strong><br />
recentemente e não conseguem escon<strong>de</strong>r essa condição, especialmente<br />
na pintura.<br />
No recinto da nave, a partir <strong>dos</strong> altares, exuberam os<br />
neoclassicismos. Há pilastras retas, com falsos capitéis, encostadas nas<br />
pare<strong>de</strong>s laterais, subdividindo a nave. Nelas repousam falsas traves que<br />
cruzam o forro <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira. No centro <strong>de</strong>ste há medalhões em relevo,<br />
ro<strong>de</strong>ando um entalhe folhado <strong>de</strong> on<strong>de</strong> pen<strong>de</strong> um imponente<br />
can<strong>de</strong>labro. O coro é em forma <strong>de</strong> U , contorna o vestíbulo e avança<br />
sobre as pare<strong>de</strong>s laterais. O assoalho foi inteiramente refeito e não<br />
ostenta resquícios <strong>de</strong> campas, mas também passou longe <strong>dos</strong> horríveis<br />
ladrilhos hidráulicos tão usa<strong>dos</strong> para restaurar os pisos das nossa <strong>igrejas</strong><br />
<strong>antigas</strong>, no século passado, especialmente na região <strong>de</strong> Barbacena. Na<br />
verda<strong>de</strong> nunca <strong>de</strong>ve ter havido campas por aqui, pois o início da<br />
construção <strong>de</strong> hoje é do tempo em que não mais se podia enterrar os<br />
mortos no porão das <strong>igrejas</strong>.<br />
Arrematando o conjunto da nave há dois púlpitos <strong>de</strong> pedra<br />
inacaba<strong>dos</strong> cujas características também contribuem para garantir a boa<br />
origem setecentista da matriz <strong>de</strong> Oliveira.<br />
COMARCA DO SERRO FRIO/DISTRITO DOS DIAMANTES<br />
SERRO<br />
A população da cida<strong>de</strong> orça por sete mil almas. Seu comércio é<br />
ativo e forte, tem muitos capitalistas e homens abasta<strong>dos</strong>.<br />
Há ali muitas oficinas <strong>de</strong> to<strong>dos</strong> os ofícios. O clima do município<br />
do Serro é sadio e temperado. O seu terreno dá algum ouro<br />
e poucos diamantes.<br />
O Serro, se<strong>de</strong> da antiga Comarca do Serro Frio, conseguiu<br />
preservar boa parte do seu passado glorioso on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>staca um<br />
especial acervo <strong>de</strong> <strong>igrejas</strong> setecentistas. Aqui é a terra <strong>de</strong> muita gente<br />
ilustre como Teófilo Otoni e João Pinheiro e também do notável<br />
299
compositor barroco mineiro do século XVIII: José Joaquim Emérico<br />
Lobo <strong>de</strong> Mesquita, que ganhou a vida e angariou fama no Tijuco, Vila<br />
Rica e até no Rio <strong>de</strong> Janeiro, on<strong>de</strong> morreu. Também aqui nasceu outro<br />
gran<strong>de</strong> artista setecentista, Valentim da Fonseca e Silva – o famoso<br />
Mestre Valentim. Infelizmente daqui saiu com apenas três anos <strong>de</strong><br />
ida<strong>de</strong> para nunca mais voltar. E também reservou sua arte para o Rio<br />
<strong>de</strong> Janeiro on<strong>de</strong>, sob a proteção do vice-rei Luiz <strong>de</strong> Vasconcelos, criou<br />
e embelezou <strong>igrejas</strong>, chafarizes e jardins, valorizando os próprios<br />
caprichos que Deus <strong>de</strong>spejou sobre a maravilhosa cida<strong>de</strong>.<br />
Mas aqui também era terra <strong>de</strong> gente má como Brito Malheiro, o<br />
mau-caráter que foi um <strong>dos</strong> <strong>de</strong>nunciantes da Inconfidência Mineira e<br />
que, não obstante ter nascido em Portugal, por aqui viveu uns tempos<br />
espalhando suas malda<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>dicado a contrabando e homicídios.<br />
O povoamento iniciou-se bem no princípio do século XVIII e<br />
está associado ao nome <strong>de</strong> Antônio Soares Ferreira, guarda-mor da<br />
região então rota do comércio do Sabarabuçu com a Bahia e que<br />
<strong>de</strong>scobriu ouro na serra <strong>dos</strong> ventos frios, o Ivituruí, em 1702. Consta<br />
que o <strong>de</strong>scobridor se <strong>de</strong>senten<strong>de</strong>u com o con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Assumar anos mais<br />
tar<strong>de</strong>, por causa <strong>de</strong> distribuição <strong>de</strong> datas e acabou morto numa briga<br />
com a guarnição do governador. Se assim não foi está, mais uma vez, o<br />
nosso mau-falado con<strong>de</strong> levando os créditos <strong>de</strong> todas as malda<strong>de</strong>s<br />
daqueles tempos, perpetradas contra os truculentos caudilhos e outros<br />
nem tanto, mas muito sonhadores ou atrevi<strong>dos</strong>.<br />
Os antigos camaristas não perdiam tempo votando leis para<br />
atribuir nomes a ruas, praças e lugares, como tanto gostam <strong>de</strong> fazer os<br />
nossos vereadores <strong>de</strong> hoje. Isso era feito pelo rei ou pelo povo. O<br />
primeiro através <strong>de</strong> cartas régias e o segundo através do po<strong>de</strong>r da<br />
tradição oral. Eis outra pitoresca característica das cida<strong>de</strong>s <strong>antigas</strong>: os<br />
nomes das ruas e lugares normalmente eram tira<strong>dos</strong> <strong>de</strong> um fato<br />
histórico ou <strong>de</strong> um marco geográfico ou arquitetônico. Assim é<br />
naturalmente com o Serro. A maioria das ruas já mudou <strong>de</strong> nome mas<br />
as placas ainda indicam o nome antigo, preservando a tradição. A vila<br />
era do Príncipe mas o córrego era do Lucas: mestre <strong>de</strong> campo Lucas <strong>de</strong><br />
Freitas Azevedo, um <strong>dos</strong> primeiros habitantes e que achou ouro no dito<br />
cujo Córrego do Lucas do Arraial <strong>de</strong> Baixo. O Córrego <strong>dos</strong> Quatro<br />
Vinténs corta heroicamente a parte baixa da cida<strong>de</strong>. Leva este nome<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> princípio do século XVIII quando a negra Jacinta <strong>de</strong> Siqueira,<br />
atirada e empreen<strong>de</strong>dora, bateou o fundo e, na primeira investida,<br />
encontrou quatro vinténs <strong>de</strong> bom e reluzente ouro. Infelizmente, hoje<br />
os históricos córregos são esgotos a céu aberto, tal qual o Lenheiro em<br />
300
São João <strong>de</strong>l Rei ou o Ouro Preto na nossa antiga capital, entre tantos<br />
outros.<br />
O nome primitivo era Lavras Velhas do Serro, passando a Vila<br />
do Príncipe quando da elevação a vila em 1714, por d. Brás Baltasar da<br />
Silveira, logo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> São João <strong>de</strong>l Rei. Ganhou a condição <strong>de</strong> cida<strong>de</strong><br />
em 1838 com o nome <strong>de</strong> Serro, das origens.<br />
O bispo <strong>de</strong> Mariana visitou o Serro em 1821 e não gostou do que<br />
viu. Observou que a igreja <strong>de</strong> N. S. da Conceição estava <strong>de</strong>sprovida <strong>de</strong><br />
tudo, salvando-se apenas a imagem do orago, postada no trono.<br />
Registrou que o retábulo do altar mor não tinha pintura e os <strong>de</strong>mais<br />
estavam ainda por serem feitos. Queixou-se do adro da igreja e das<br />
condições <strong>de</strong> sepultamento <strong>dos</strong> fiéis. Repreen<strong>de</strong>u o padre por fazer os<br />
registros paroquiais em ca<strong>de</strong>rnos e não nos competentes livros. Fez<br />
uma severíssima admoestação a todo o clero pelo seu <strong>de</strong>sleixo pastoral.<br />
Saint-Hilaire chegou à Vila do Príncipe <strong>de</strong> liteira, 194 em março<br />
<strong>de</strong> 1817. Foi recepcionado pelo páraco e por um enxame <strong>de</strong> carrapatos.<br />
Hospedou-se na casa do padre, homem <strong>de</strong> Deus que tinha como<br />
principal diversão caçar vea<strong>dos</strong> e que não era o mesmo que foi<br />
repreendido pelo bispo, quatro anos <strong>de</strong>pois. O sábio francês gostou<br />
muito da vila e comentou que ela era a mais importante da província,<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> Vila Rica. Achou as mulheres amáveis mas feias. Como <strong>de</strong><br />
hábito, criticou a falta <strong>de</strong> “distrações honestas” como: socieda<strong>de</strong>s<br />
literárias, cafés, bibliotecas e passeios públicos, que eram enfim, as<br />
gran<strong>de</strong>s opções <strong>de</strong> lazer europeias do século XIX. Mas notou que as<br />
ruas eram calçadas e que o aspecto da vila era agradável, embora não<br />
houvesse nenhum chafariz, o que obrigava o povo a sacrifícios para<br />
obter água. Fez alguns comentários sobre a situação da mineração do<br />
ouro na região que ainda resistia. Inclusive teve a rara oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
contemplar uma pepita <strong>de</strong> ouro <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> 340 gramas, recentemente<br />
<strong>de</strong>scoberta. Como era semana santa e tempo <strong>de</strong> festejar a realeza <strong>de</strong> d.<br />
João VI, assistiu a várias solenida<strong>de</strong>s e comemorações alusivas, sempre<br />
posicionado em local <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque como só po<strong>de</strong>ria ser o local<br />
<strong>de</strong>stinado à figura rara <strong>de</strong> um jovem sábio da distante França. Gostou<br />
muito das representações musicais religiosas, achando-as até mesmo<br />
194 Ele tinha estado doente e por isso conseguiu uma liteira emprestada para fazer a<br />
viagem mais confortavelmente.<br />
301
melhores do que muito que havia na França. Provavelmente entre os<br />
músicos, havia antigos bons alunos do mestre Lobo <strong>de</strong> Mesquita. Falou<br />
em cinco <strong>igrejas</strong> e reparou na inexistência <strong>de</strong> uma única casa <strong>de</strong><br />
carida<strong>de</strong>. Rotulou <strong>de</strong> belas a matriz e as <strong>igrejas</strong> <strong>de</strong> São Francisco e do<br />
Carmo. Achou que os ornamentos da matriz “não eram <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidido<br />
mau gosto”, mas criticou os anjos tocheiros <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira “vesti<strong>dos</strong> como<br />
solda<strong>dos</strong>”.<br />
Depois o ilustre Cavaleiro da Legião <strong>de</strong> Honra, Membro da<br />
Aca<strong>de</strong>mia Real <strong>de</strong> Ciências do Instituto da França, da Socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
História Natural <strong>de</strong> Paris, da Aca<strong>de</strong>mia Ciências <strong>de</strong> Lisboa, da<br />
Socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ciências Físicas <strong>de</strong> Genebra, da Socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ciências<br />
Físicas <strong>de</strong> Orleans entre outros; 195 fez uma minuciosa observação sobre<br />
a fundição <strong>de</strong> ouro na Casa <strong>de</strong> Fundição do Serro e seguiu viagem.<br />
Spix e Martius passaram pela Vila do príncipe muito<br />
rapidamente, à caminho do Tijuco que ansiavam por conhecer. Fizeram<br />
um registro muito sucinto da visita. Não gostaram muito do que viram<br />
registrando, apenas, que a vila era tortuosa e mal calçada, com casas<br />
pequenas e pobres. Visitaram a Casa <strong>de</strong> Fundição e notaram que ela era<br />
insignificante comparada com a <strong>de</strong> Vila Rica. Comentaram, porém, que<br />
o ouro da região era <strong>de</strong> alto quilate.<br />
Gardner passou no Serro <strong>de</strong> volta <strong>de</strong> Diamantina, aqui<br />
permanecendo somente meio dia, tempo para alugar uma tropa <strong>de</strong><br />
burros e seguir viagem rumo ao sul. Observou apenas que a vila tinha,<br />
praticamente, uma única rua, com outras pequenas ruas transversais,<br />
mas todas muito bem calçadas e ostentando casas caiadas e com belos<br />
quintais. Achou o aspecto geral da cida<strong>de</strong> muito triste e observou<br />
gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> da capim gordura nas encostas <strong>dos</strong> montes<br />
próximos. 196<br />
195 Evi<strong>de</strong>ntemente Saint-Hilaire só adquiriu to<strong>dos</strong> esses títulos mais tar<strong>de</strong>, para o que<br />
muito contribuiu sua viagem ao Brasil.<br />
196 Saint-Hilaire observou que o capim gordura era uma verda<strong>de</strong>ira praga que cobria<br />
quase to<strong>dos</strong> os campos da capitania, em áreas antes cobertas <strong>de</strong> matos. Ele, ao<br />
contrário <strong>de</strong> Spix e Martius, sustentava, com razão, que esta planta não era nativa do<br />
Brasil mas tinha sido trazida da África.<br />
302
Richard Burton não esteve aqui. Como se recorda ele saiu <strong>de</strong><br />
Sabará, <strong>de</strong>sceu o rio das Velhas e saiu no rio São Francisco. Foi daí que<br />
alcançou Diamantina, mas não se interessou em conhecer o Serro.<br />
A Serro <strong>de</strong> hoje, infelizmente dispõe <strong>de</strong> uma infraestrutura<br />
turística ainda incipiente, tanto em termos <strong>de</strong> hospedagem como <strong>de</strong><br />
alimentação. As condições <strong>de</strong> acesso certamente contribuem para isso.<br />
Embora situada no traçado da dita estrada real, alcançar a cida<strong>de</strong> por<br />
esse trajeto mais racional <strong>de</strong>manda enfrentar um longo trecho sem<br />
asfaltamento, o que obriga o turista que vem do sul, a uma volta <strong>de</strong><br />
mais <strong>de</strong> cem quilômetros, via Corinto.<br />
Mas vale a pena. Há um belo sítio com as <strong>igrejas</strong> setecentistas e<br />
casarões <strong>dos</strong> séculos XVIII e XIX bem preserva<strong>dos</strong>. A praça João<br />
Pinheiro se rivaliza com a praça Tira<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> Ouro Preto, guardadas as<br />
<strong>de</strong>vidas proporções. 197 E o Serro e toda a região têm uma gloriosa<br />
tradição musical. Quando da nossa visita estava ocorrendo um encontro<br />
<strong>de</strong> bandas , evento que contou com a presença <strong>de</strong> nada menos <strong>de</strong><br />
quinze corporações musicais das cercanias. Tocando simultaneamente,<br />
os músicos formavam uma magnífica banda com cerca <strong>de</strong> trezentos<br />
componentes. Eventos <strong>de</strong>ssa natureza são freqüentes e firma uma<br />
característica cultural para a região, rara e preciosa.<br />
Cadastramos as seguintes <strong>igrejas</strong> no Serro: igreja <strong>de</strong> Santa Rita,<br />
matriz <strong>de</strong> N. S. da Conceição, igreja <strong>de</strong> N. S. do Carmo, igreja <strong>de</strong> N. S.<br />
do Rosário, igreja <strong>de</strong> Bom Jesus <strong>de</strong> Matosinhos, matriz <strong>de</strong> São Gonçalo<br />
do distrito <strong>de</strong> Rio das Pedras e igreja <strong>de</strong> N. S. <strong>dos</strong> Prazeres do distrito<br />
<strong>de</strong> Milho Ver<strong>de</strong>. A matriz foi tombada pelo IPHAN em 1941, a igreja<br />
<strong>de</strong> Bom Jesus em 1944 e a igreja do Carmo em 1949. O IEPHA<br />
tombou as <strong>igrejas</strong> <strong>de</strong> Milho Ver<strong>de</strong> e a matriz <strong>de</strong> São Gonçalo, ambas<br />
em 1980.<br />
Matriz <strong>de</strong> N. S. da Conceição – 1724<br />
Normalmente as vilas do século XVIII se <strong>de</strong>senvolviam em<br />
torno das matrizes e do pelourinho. Não parece ter sido assim no Serro<br />
pois sua matriz, apesar <strong>de</strong> ficar no largo do Pelourinho, está um pouco<br />
197 Com uma vantagem: não há guias turísticos querendo mostrar as <strong>igrejas</strong> nem guias<br />
gastronômicos indicando a melhor comida mineira do lugar.<br />
303
afastada em relação, por exemplo, à prefeitura cujo imponente casarão<br />
já era o Senado da Câmara no início do setecentos. É a tal igreja que<br />
aborreceu o bispo <strong>de</strong> Mariana quando da sua visita, principalmente pelo<br />
fato <strong>de</strong> não ter propriamente um cemitério e os fieis jazerem sepulta<strong>dos</strong><br />
praticamente na rua. Na verda<strong>de</strong>, ainda hoje ela não tem adro pois sua<br />
pequena escadaria se comunica diretamente com a rua, havendo apenas<br />
um pequeno espaço no lado oposto e que se abre diretamente para o<br />
vale do córrego <strong>dos</strong> Quatro Vinténs. De fato, o sítio escolhido para<br />
construção da igreja, no meio <strong>de</strong> uma la<strong>de</strong>ira, é um tanto complicado e<br />
obrigou que se fizesse um corte no morro para criar espaço plano<br />
suficiente à ereção do templo. A igreja que hoje vemos já é a terceira<br />
matriz do Serro. As outras, edificadas no mesmo local, pela fragilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> suas construções, tiveram vida efêmera. Mesmo esta passou por<br />
várias reformas que foram <strong>de</strong>scaracterizando seu traço primitivo ao<br />
longo do tempo. Na verda<strong>de</strong>, as <strong>igrejas</strong> daqui, embora tenham algumas<br />
características comuns, não as herdaram exatamente no século XVIII.<br />
As torres <strong>de</strong>lgadas e altas da maioria das <strong>igrejas</strong> do Serro, por exemplo,<br />
se <strong>de</strong>vem a intervenções restauradoras mais recentes.<br />
A construção atual teve seu início em 1776 e tomou lugar da<br />
primitiva igreja que, em 1724, foi provida <strong>de</strong> vigário colado, por força<br />
da já citada carta régia que, naquele ano, atribuiu esta condição <strong>às</strong><br />
principais <strong>igrejas</strong> da capitania das <strong>Minas</strong>. Seu primeiro vigário foi o<br />
padre Simão Pacheco que esteve à testa da primitiva matriz por mais <strong>de</strong><br />
cinquenta anos e que veio a falecer exatamente no ano <strong>de</strong> início da<br />
construção do templo atual.<br />
Sua fachada tem um traço predominantemente vertical. O<br />
frontispício é alto e se emenda livremente a uma empena reta sem ser<br />
atrapalhado pela presença <strong>de</strong> uma cimalha. Acima está um beiral <strong>de</strong><br />
telhas e não há cruz na cumeeira. No centro do tímpano se abre um<br />
óculo complexo em forma <strong>de</strong> pêra. A porta é simples, com portais <strong>de</strong><br />
ma<strong>de</strong>ira e uma verga levemente arqueada. Acima estão três sacadas<br />
retangulares, enfileiradas simetricamente. As torres são muito <strong>de</strong>lgadas e<br />
sua base se encosta ao frontispício, ocupando pouco espaço no<br />
conjunto da fachada. São muito mais altas do que a empena, o que não<br />
é comum. Tal é a sua altura que sobra espaço para duas sacadas/janelas<br />
sobrepostas, acentuando a verticalida<strong>de</strong> do conjunto. A cobertura é um<br />
telhado reduzido, em quatro águas, com beiral saliente e pináculos no<br />
topo, um <strong>dos</strong> quais está faltando.<br />
Logo à entrada, após o tapa vento, estão os dois anjos tocheiros<br />
que Saint-Hilaire achou esquisitos em suas armaduras militares. Eles<br />
304
parecem mesmo <strong>de</strong>sproporcionais e certamente <strong>de</strong>viam causar<br />
estranheza a um europeu do século XIX. Mas hoje são duas belas peças<br />
setecentistas preservadas a valorizar a matriz do Serro.<br />
A capela mor chama a atenção pelo fato <strong>de</strong> se comunicar com<br />
as <strong>de</strong>pendências laterais através <strong>de</strong> arcos, lembrando trifórios. Essa é<br />
uma característica <strong>de</strong> todas as <strong>igrejas</strong> que visitamos no Serro e que não<br />
encontramos em nenhum outro lugar. Esses espaços são ocupa<strong>dos</strong> por<br />
bancos para que certos fiéis possam assistir aos ofícios <strong>de</strong> um lugar<br />
mais privilegiado. Representam, aparentemente, uma solução alternativa<br />
para as tribunas, inexistentes nas <strong>igrejas</strong> daqui. Uma outra característica<br />
das <strong>igrejas</strong> do Serro é a inexistência do <strong>dos</strong>sel, sendo os retábulos um<br />
tanto simplifica<strong>dos</strong>, com as colunas laterais encimadas por arcos<br />
côncavos, quase sem adornos. Certamente, a maioria <strong>de</strong>les é do século<br />
XIX.<br />
O altar mor <strong>de</strong>sta igreja consegue superar um pouco este<br />
padrão pois está valorizado por uma Santíssima Trinda<strong>de</strong> policromada<br />
no coroamento, sob um baldaquino alongado e com anjos nas laterais.<br />
As pilastras internas são em quartela. As externas são colunatas <strong>de</strong> fuste<br />
estriado, reto na parte superior e torso no terço inferior, apoiadas sobre<br />
cabeças <strong>de</strong> anjos policromadas. Estão posicionadas em planos<br />
diferentes das colunas internas, o que dá ao retábulo uma formatura<br />
arqueada.<br />
Entre as colunas há nichos com baldaquinos <strong>de</strong> traço original,<br />
lembrando dobras <strong>de</strong> tecido. Predomina em toda a talha uma tintura <strong>de</strong><br />
fundo branco com <strong>de</strong>lga<strong>dos</strong> frisos doura<strong>dos</strong>. O trono é largo, pintado<br />
em tons <strong>de</strong> ver<strong>de</strong> escuro, também com frisos doura<strong>dos</strong>. Entronada está<br />
uma imagem <strong>de</strong> N. S. da Conceição <strong>de</strong> boa qualida<strong>de</strong> e que <strong>de</strong>ve ser a<br />
mesma consi<strong>de</strong>rada <strong>de</strong>cente pelo pie<strong>dos</strong>o bispo dom frei José da<br />
Santíssima Trinda<strong>de</strong>, já que as <strong>de</strong>mais eram meras pinturas sobre<br />
tábuas.<br />
O sacrário está adornado com uma pintura original em cinza<br />
escuro, imitando pedra sabão. 198 O presbitério avança até próximo ao<br />
arco cruzeiro o que também é uma característica das <strong>igrejas</strong> do Serro. O<br />
198 Algumas fontes do IPHAN que consultei insistem em ver gran<strong>de</strong> influência do<br />
retábulo do altar mor que o Aleijadinho executou na igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Assis<br />
<strong>de</strong> Ouro Preto, sobre o retábulo da matriz do Serro. Não consigo vislumbrar esta<br />
influência, senão <strong>de</strong> forma muito tênue.<br />
305
teto da capela mor é abobadado e ostenta uma pintura singela da última<br />
ceia.<br />
O arco cruzeiro é <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira com pintura marmorizada,<br />
adornado com entalhes doura<strong>dos</strong>. No coroamento há um medalhão<br />
com uma singela representação do rosto <strong>de</strong> Jesus.<br />
Não existem altares colaterais, sendo o transepto vazado por<br />
portas que se comunicam com os cômo<strong>dos</strong> laterais da capela mor.<br />
Uma balaustrada diminuta separa a capela mor da nave, on<strong>de</strong> há<br />
quatro altares laterais <strong>de</strong> espaldar alto, adorna<strong>dos</strong> com sanefas<br />
simplificadas, ostentando pingentes e um medalhão. As pilastras<br />
internas são em quartela e as externas compreen<strong>de</strong>m colunatas <strong>de</strong> fuste<br />
estriado. São coroadas por arcos preenchi<strong>dos</strong> por conchas invertidas.<br />
Os tronos são singelos e há pequenos nichos com baldaquinos nas<br />
laterais <strong>dos</strong> camarins. A talha, como a do altar mor, está coberta por<br />
pintura <strong>de</strong> fundo branco com frisos doura<strong>dos</strong>.<br />
A cornija da nave está pintada com um marmorizado carregado<br />
<strong>de</strong> efeito um tanto exagerado. O forro é facetado e tem no centro uma<br />
visão ingênua <strong>de</strong> Nossa Senhora com uma moldura com adornos<br />
puxa<strong>dos</strong> a um rococó singelo. Segundo consta, foi executado por<br />
Manuel Antônio da Fonseca em 1888. Portanto, nem Saint-Hilaire nem<br />
dom frei José da Santíssima Trinda<strong>de</strong> o conheceram. Aliás, boa parte da<br />
ornamentação <strong>de</strong>sta igreja foi acrescida após a passagem <strong>dos</strong> nossos<br />
notáveis viajantes.<br />
Consoante o alto pé direito, o coro está posicionado muito<br />
próximo ao céu. É reto é se sustenta em <strong>de</strong>lgadas colunas simplificadas.<br />
São guarneci<strong>dos</strong> <strong>de</strong> balaústres simplifica<strong>dos</strong> que, mais do que <strong>de</strong>corar,<br />
têm mesmo é função <strong>de</strong> evitar quedas que, naquela altura, certamente<br />
ten<strong>de</strong>rão à trágicas consequências.<br />
Igreja do Carmo – 1781<br />
Ao contrário da matriz, a igreja do Carmo tem posição<br />
privilegiada, erguida num plano mais elevado e próxima à nobre praça<br />
João Pinheiro, on<strong>de</strong> também estão a prefeitura e outros belos casarões<br />
antigos.<br />
Suas características básicas seguem o padrão da matriz, com alto<br />
pé direito e capela mor se comunicando com os cômo<strong>dos</strong> laterais<br />
através <strong>de</strong> arcos. Segundo a zeladora da igreja, esta interligação foi feita<br />
mais recentemente. Chegou-se a esta conclusão pelo fato <strong>de</strong> que,<br />
306
aparentemente, a integrida<strong>de</strong> das cenas das pinturas que adornam as<br />
laterais da capela mor está prejudicada pelas aberturas <strong>dos</strong> arcos que<br />
parecem ter mutilado uma parte da cena. Esta mesma explicação nos<br />
foi dada na igreja do Bom Jesus do Matosinhos, on<strong>de</strong> também parece<br />
ter havido a mesma mutilação.<br />
A fachada, no geral segue o traço da matriz <strong>de</strong> N. S. da<br />
Conceição. As torres são altas e <strong>de</strong>lgadas, com telhado reduzido em<br />
quatro-águas e beirais salientes. Assim como a matriz, ostentam duas<br />
janelas sobrepostas, procurando preencher o excesso <strong>de</strong> espaço da sua<br />
exagerada verticalida<strong>de</strong>. Muitas das características externas <strong>de</strong>sta igreja<br />
foram feitas por conta <strong>de</strong> reformas, ocorridas <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> 1920 e que<br />
simplificaram o aspecto anterior, enquadrando-o no estilo da matriz <strong>de</strong><br />
N. S. da Conceição.<br />
A empena é reta e abatida e se emenda com o frontispício sem<br />
a presença <strong>de</strong> uma cimalha. Na cumeeira há uma pequena cruz e abaixo<br />
um óculo triangulado. Faz melhor figura do que a matriz graças ao<br />
imponente medalhão em baixo relevo, que adorna o alto do<br />
frontispício. O original em ma<strong>de</strong>ira, está do lado <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro da igreja. O<br />
que se vê na fachada é uma réplica em material sintético. Contaram-nos<br />
que ele é facilmente inflamável e que há severas recomendações do<br />
IPHAN para que o mesmo não seja atingido por rojões. Em isso sendo<br />
verda<strong>de</strong>, estamos diante <strong>de</strong> uma situação <strong>de</strong> risco muito preocupante. 199<br />
Ao lado do medalhão se abrem duas sacadas e abaixo está a porta<br />
relativamente pequena e com portais simples <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira.<br />
O altar mor não chega a ter um <strong>dos</strong>sel, se contentando em<br />
ostentar um medalhão dourado no coroamento do retábulo, encima<strong>dos</strong><br />
por adornos alonga<strong>dos</strong> que se dobram e caem em direção <strong>às</strong> colunas<br />
externas. Internamente aparecem pilastras em quartela, inteiramente<br />
douradas. Externamente, aparecem colunatas lisas com capitéis<br />
doura<strong>dos</strong> e cores em tons carrega<strong>dos</strong>. Entre elas se posicionam nichos<br />
altos com baldaquinos, abrigando imagens diminutas. Ao lado <strong>de</strong>las,<br />
abaixo das pilastras em quartela, há consolos sustentando pequenas<br />
imagens <strong>de</strong> roca. As cornijas avançam sobre as pilastras do altar mor até<br />
o arco do camarim, numa solução incomum. No trono está uma<br />
imagem <strong>de</strong> N. S. do Carmo.<br />
199 Ao término da apresentação do encontro <strong>de</strong> bandas <strong>de</strong> que falei à pouco, houve<br />
um show pirotécnico, com uma chuva <strong>de</strong> fogos à poucos metros do medalhão. Isso<br />
me <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> cabelos em pé.<br />
307
O teto é abobadado e adornado com uma pintura ingênua, com<br />
singelas pilastras em perspectiva ilusionista e adornos rococós<br />
emoldurando uma visão <strong>de</strong> Nossa Senhora. Com certeza, os autores da<br />
visão e da moldura não são os mesmos pois há uma nítida diferença <strong>de</strong><br />
qualida<strong>de</strong> entre elas, especialmente quanto ao material usado. O<br />
IPHAN e Del Negro vêem uma influência <strong>de</strong> Ataí<strong>de</strong> nessa pintura o<br />
que não po<strong>de</strong> ser negado, a <strong>de</strong>speito da sofrível qualida<strong>de</strong> da sua<br />
execução.<br />
O presbitério, respeitando uma característica do Serro avança<br />
até próximo ao arco cruzeiro. Nas laterais da capela mor estão as tais<br />
pinturas prejudicadas pelas aberturas <strong>dos</strong> arcos <strong>de</strong> comunicação com os<br />
cômo<strong>dos</strong> laterais. São <strong>de</strong> traço ingênuo, com pinceladas rasas e em tons<br />
um tanto <strong>de</strong>scora<strong>dos</strong>.<br />
O arco cruzeiro é simples, <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira, com uma tarja coroada<br />
no alto.<br />
No transepto estão dois altares com espaldares altos<br />
arremata<strong>dos</strong> em sanefas, com pingentes e um medalhão no<br />
coroamento. As colunas do retábulo repetem o padrão usual,<br />
misturando quartelas e colunatas <strong>de</strong> fuste estriado, predominando<br />
fundo branco com frisos doura<strong>dos</strong> e a presença <strong>de</strong> pequenos nichos<br />
com baldaquinos.<br />
No centro da nave estão dois púlpitos simples em rosa e<br />
branco, com relevos doura<strong>dos</strong>.<br />
O assoalho preserva as aberturas das campas on<strong>de</strong>, inclusive, se<br />
encontram referências a membros da ilustre família <strong>dos</strong> Otoni ali, um<br />
dia sepulta<strong>dos</strong>.<br />
A cornija <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira é saliente, em planos múltiplos. Gran<strong>de</strong>s<br />
janelões retangulares com cimalhinhas trabalhadas garantem o<br />
iluminamento natural da nave.<br />
O coro é reto, com balaustrada simples e se sustenta em<br />
pilastras igualmente retas. No centro do mesmo está o medalhão<br />
original <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira que adornava a fachada e que foi substituído pela<br />
réplica que hoje lá está.<br />
O tapa vento apresenta uma curiosida<strong>de</strong>: é guarnecido <strong>de</strong><br />
rodinhas que permitiam seu <strong>de</strong>slocamento para posição mais apropriada<br />
para impedir que traiçoeiros ventos laterais pu<strong>de</strong>ssem apagar as velas.<br />
Hoje não tem utilida<strong>de</strong> alguma, não só porque não há mais velas como<br />
também porque está reduzido a uma simples moldura sem qualquer<br />
anteparo.<br />
308
Igreja <strong>de</strong> Bom Jesus <strong>de</strong> Matosinhos – 1785<br />
Esta igreja fica situada do outro lado do córrego <strong>dos</strong> Quatro<br />
Vinténs, nas vizinhanças <strong>de</strong> duas outras atrações históricas do Serro: a<br />
Chácara do Barão e a Casa <strong>dos</strong> Otoni. Sem contar a própria matriz que<br />
fica em frente, do lado oposto, após o vale do famoso córrego. A ela se<br />
chega trilhando um antigo calçamento que vai dar no seu adro cercado<br />
<strong>de</strong> pedras cobertas <strong>de</strong> heras. Da sua ereção participaram as irmanda<strong>de</strong>s<br />
das Mercês e <strong>de</strong> São Benedito, provavelmente dissi<strong>de</strong>nte da Irmanda<strong>de</strong><br />
do Rosário que construiu sua igreja alguns anos antes, do outro lado da<br />
vila.<br />
Sua fachada segue o mesmo padrão da matriz e da igreja <strong>dos</strong><br />
irmãos do Carmo, porém, as torres são menos altas e menos <strong>de</strong>lgadas, o<br />
que dá ao conjunto um aspecto mais harmonioso. Também não há<br />
cimalha e a fachada é constituída da peça única representada pelo<br />
frontispício emendado à empena, mais as bases das torres, coladas nas<br />
laterais. No centro está uma porta avantajada, com portais e verga retas<br />
<strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira. Acima estão duas sacadas com um óculo redondo entre<br />
elas. Na coluna das torres se abrem mais duas sacadas, no mesmo<br />
alinhamento e mais duas janelas próximas ao seu beiral. Um telhado<br />
reduzido em quatro águas e com um fino pináculo, cobre o topo das<br />
mesmas.<br />
Internamente esta igrejinha guarda a mais preciosa peça <strong>de</strong> todo<br />
o acervo setecentista do Serro: a pintura <strong>de</strong> Sivestre <strong>de</strong> Almeida Lopes<br />
que se encontra no forro da capela mor. Este pintor, como já<br />
mencionamos, <strong>de</strong>ixou uma obra marcante, ainda que reduzida a<br />
pouquíssimos exemplares. Sua pintura nesta igreja, concluída<br />
provavelmente em 1797, mostra uma bela moldura em adornos rococós<br />
competentemente executa<strong>dos</strong>. Na visão está uma cena sacra<br />
“mundanizada”, bem a seu estilo. Mostra um Cristo <strong>de</strong>sfalecido,<br />
envolto em lençóis, sustentado por três cidadãos comuns, cerca<strong>dos</strong> por<br />
um entorno bucólico on<strong>de</strong> predominam águas e plantas. Tirando a<br />
figura <strong>de</strong> Cristo e as fisionomias contritas, o conjunto ficaria bem<br />
adornando uma alcova palaciana na França do Rei Sol.<br />
A capela mor apresenta a interligação com os cômo<strong>dos</strong> laterais<br />
través <strong>de</strong> arcos rasga<strong>dos</strong> que avançam sobre as pinturas, como ocorre<br />
309
na matriz e na igreja do Carmo. Estas também são ingênuas, em<br />
pinceladas e cores displicentes. 200<br />
O altar mor tem seu coroamento adornado por um simples<br />
medalhão. As colunas internas representam robustas quartelas<br />
sustentando volteios que se fecham no medalhão. As colunas externas<br />
são colunatas retas e lisas, apoiadas sobre consolos. Entre elas aparecem<br />
os tradicionais nichos com baldaquinos. O retábulo é cromado, em<br />
fundo branco adornado com frisos doura<strong>dos</strong> No trono está o Senhor<br />
Jesus crucificado à frente <strong>de</strong> um baixo relevo <strong>de</strong> Deus Pai policromado,<br />
envolto em resplendores. A contemplar o Cristo está uma Nossa<br />
Senhora com feições <strong>de</strong> boneca. À frente se encontra um gran<strong>de</strong><br />
Espírito Santo em resplendores, ocultando quase todo o trono. Trata-se<br />
<strong>de</strong> uma réplica mal executada da peça original que se per<strong>de</strong>u, corroída<br />
por cupins <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> quase vinte anos jogada em um porão, segundo<br />
nos contou a zeladora da igreja. A réplica foi colocada ali recentemente.<br />
Já vi fotos <strong>de</strong>sse altar sem a dita peça e sinceramente, acho que ela po<strong>de</strong><br />
voltar para o porão.<br />
O arco cruzeiro é muito simples, feito <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira. Os altares do<br />
transepto apenas tocam nas laterais do arco cruzeiro, ocupando mais<br />
espaço do lado das pare<strong>de</strong>s da nave. Ten<strong>de</strong>m ao tipo oratório com<br />
espaldar e um medalhão dourado no alto do arco do camarim. As<br />
colunas são em quartelas <strong>de</strong>lgadas, esculpidas em baixo relevo.<br />
Apresentam cores variadas, contrastando com frisos doura<strong>dos</strong>. Nos<br />
tronos estão N. S. das Mercês e são Benedito, as divinda<strong>de</strong>s maiores das<br />
respectivas irmanda<strong>de</strong>s, responsáveis principais pela construção <strong>de</strong>ste<br />
templo.<br />
A nave também se comunica com os cômo<strong>dos</strong> laterais, porém<br />
não existem arcos na parte superior das aberturas <strong>de</strong> comunicação. O<br />
teto da nave é um assoalho branco em forma facetada. O piso é em<br />
tábuas com aberturas <strong>de</strong> campas.<br />
O coro tem perfil reto, com balaustrada escura e está apoiado<br />
diretamente nas pare<strong>de</strong>s, sem pilastras <strong>de</strong> sustentação no vão.<br />
Igreja do Rosário – 1752<br />
200 Já consultei fontes que sugerem que estas pinturas também pu<strong>de</strong>ssem ser do<br />
Mestre Silvestre o que me parece muito pouco provável, pela sua qualida<strong>de</strong> inferior.<br />
310
Fica num bairro mais afastado, numa colina <strong>de</strong> on<strong>de</strong> se po<strong>de</strong><br />
contemplar o bucólico entorno do lado leste do Serro. Esta igreja tem<br />
uma característica muito peculiar para essa região que é a falta <strong>de</strong> torres.<br />
Em compensação, no seu adro há o cruzeiro mais completo que já<br />
vimos, com to<strong>dos</strong> os ícones que costumam adornar os cruzeiros e até<br />
alguns mais. Também tem uma peculiarida<strong>de</strong> que é o cemitério que<br />
cerca suas laterais e que parece estar sendo habitualmente usado.<br />
Sua fachada é extremamente simples, formada por uma peça<br />
única. Não há torres nem cimalha. Assim resta apenas uma gran<strong>de</strong><br />
porta com portais simples e verga reta, dois janelões <strong>de</strong> formato<br />
semelhante à porta e a empena reta, encimada por um beiral<br />
arrematando um telhado baixo, em duas águas. Abaixo da cumeeira está<br />
um raro anteparo <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira e acima repousa uma cruz em<br />
resplendores.<br />
A capela mor também apresenta comunicação com os cômo<strong>dos</strong><br />
laterais na forma <strong>de</strong> trifório, consagrando estão <strong>de</strong>finitivamente, essa<br />
particularida<strong>de</strong> como característica das <strong>igrejas</strong> daqui. O altar mor é<br />
bastante simples e também segue a tendência dominante no Serro com<br />
um medalhão no coroamento sobre um arco côncavo. As pilastras<br />
internas são em quartela e as externas são em forma <strong>de</strong> colunatas retas<br />
<strong>de</strong> fuste estriado. A principal diferença é que em lugar da cromagem em<br />
fundo branco, predomina um tom <strong>de</strong> ver<strong>de</strong>. Os frisos doura<strong>dos</strong>,<br />
porém, não faltaram. O trono é piramidado e sustenta a imagem da N.<br />
S. do Rosário e um Cristo Crucificado à frente do sacrário.<br />
O teto é abobadado e ostenta uma pintura ingênua do<br />
ostensório, cercado <strong>de</strong> anjos.<br />
Também, seguindo a tendência predominante por aqui, a<br />
plataforma do presbitério avança até o arco cruzeiro.<br />
Os altares do transepto também são muito singelos, com<br />
relevos simplifica<strong>dos</strong>, croma<strong>dos</strong> em tons fortes. No coroamento do<br />
camarim aparecem baldaquinos em forma <strong>de</strong> toldo com pingentes. O<br />
trono é muito simples, em dois <strong>de</strong>graus e ostenta santos <strong>de</strong> confecção<br />
recente.<br />
O teto da nave é facetado, sem pinturas. Há umas traves<br />
inusitadas reforçando as escoras do forro. A cornija, assim como o arco<br />
cruzeiro, é simples <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira pintada.<br />
O coro é reto, com balaustrada <strong>de</strong> tábuas recortadas e se apoia<br />
em altas colunas <strong>de</strong> toras <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira ao natural quer dizer, sem<br />
qualquer acabamento. O forro do vestíbulo é uma esteira rústica. Uma<br />
das laterais é atravessada pela escada que leva ao coro.<br />
311
Igreja <strong>de</strong> Santa Rita – 1745<br />
Esta igreja é um <strong>dos</strong> cartões postais do Serro, graças a sua<br />
posição privilegiada, no alto da escadaria que <strong>de</strong>sce até a praça João<br />
Pinheiro.<br />
Infelizmente não conseguimos conhecê-la internamente pois<br />
estava em reforma e, portanto, em situação proibitiva para visitas.<br />
Externamente ela representa uma exceção em relação à<br />
tendência predominante na se<strong>de</strong> do Serro, ou seja, fachadas com<br />
frontispício vertical, sem cimalha e com <strong>de</strong>lgadas e altas torres laterais.<br />
Aqui temos uma igreja <strong>de</strong> frente chanfrada, <strong>de</strong> torre única que, na<br />
verda<strong>de</strong>, é mesmo uma rarida<strong>de</strong>, com poucos exemplares em todo o<br />
estado. Esta ainda tem algumas características peculiares. Em geral as<br />
faces que compõem a fachada <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> solução arquitetônica são<br />
isométricas. Nesse caso, a face central é bem maior <strong>dos</strong> que as outras,<br />
ocupando o espaço usual <strong>de</strong> um frontispício <strong>de</strong> igreja <strong>de</strong> duas torres.<br />
Assim, sua porta, ainda que avantajada, não ocupa toda a face central<br />
como é comum. Isso só ocorre nas faces esguelhadas on<strong>de</strong> o espaço<br />
mais reduzido é, praticamente, todo ocupado pelas portas. Esta maior<br />
amplitu<strong>de</strong> da fachada frontal permitiu a colocação <strong>de</strong> nada menos do<br />
que três sacadas e que são completadas por mais duas nas faces laterais,<br />
seguindo o mesmo alinhamento. Uma outra particularida<strong>de</strong> em se<br />
tratando do Serro, é a presença <strong>de</strong> uma cimalha em beiral, separando o<br />
frontispício da empena. Esta é reta, tem o seu próprio beiral e ostenta<br />
um óculo ovalado no tímpano. A torre única está um pouco recuada,<br />
tem uma cúpula em forma <strong>de</strong> pirâmi<strong>de</strong> irregular e com um complexo<br />
beiral <strong>de</strong> telhas a circundá-la. Em geral as coberturas das torres <strong>de</strong><br />
<strong>igrejas</strong> que recorrem a este tipo arquitetônico é um telhado em quatro<br />
águas; esta é maciça e está cromada num efeito discretamente reluzente.<br />
No topo está um pináculo que também serve <strong>de</strong> acrotério para uma<br />
cruz em resplendores sobre uma esfera armilar. A coroar o conjunto da<br />
torre, a presença <strong>de</strong> um relógio incrustado na abertura on<strong>de</strong><br />
normalmente se esperaria encontrar um sino.<br />
Não obstante não termos conseguido conhecer essa igreja<br />
internamente, tive acesso a uma foto do seu interior e me chamou<br />
atenção o fato da sua nave ostentar um trifório autêntico, com arcos se<br />
abrindo para a nave e sustentando suntuosas tribunas. Tudo adornado<br />
com pintura marmorizada, se harmonizando com o arco cruzeiro,<br />
la<strong>de</strong>ado por sóbrias colunas retas. Pareceu interessante.<br />
312
DIAMANTINA<br />
A História<br />
A sua maior indústria consiste em tirar diamantes; contudo<br />
exporta muitos produtos da sua lavoura e uma porção <strong>de</strong> obras<br />
<strong>de</strong> ouro e joias <strong>de</strong>licadas como as que nos vêm do estrangeiro.<br />
O seu comércio é ativíssimo e o seu povo muito hospitaleiro<br />
e franco, vive alegre e folgazão.<br />
Da cabeça do Serro Frio, os pioneiros paulistas, baianos e<br />
portugueses continuaram a buscar sítios <strong>de</strong> ouro na virada do século,<br />
por toda aquela nova e promissora região. Consta que o baiano<br />
Jerônimo Correia foi quem <strong>de</strong>u origem ao povoado primitivo, a partir<br />
<strong>de</strong> uma capelinha que ele erigiu em 1713 na encosta da serra da Lapa,<br />
on<strong>de</strong> tinha uma lavra <strong>de</strong> ouro. Um ano <strong>de</strong>pois, faiscando em busca <strong>de</strong><br />
ouro, Francisco Machado da Silva encontrou as tais pedrinhas que<br />
passando <strong>de</strong> mão em mão e <strong>de</strong> bolso em bolso se <strong>de</strong>scobriu serem<br />
diamantes. 201 A <strong>de</strong>scoberta, porém, só se tornou oficial alguns anos<br />
<strong>de</strong>pois, quando muita pedra já tinha aportado livremente na Europa, via<br />
Bahia. O próprio ouvidor, dr. Antônio Rodrigues Banha, diante das<br />
insistências da Coroa em querer saber que história era aquela das tais<br />
pedras que podiam ser preciosas, tentou escamotear e enviou cristais<br />
em lugar das ditas cujas, para exame <strong>dos</strong> reais mineralogistas <strong>de</strong> Lisboa.<br />
Paralelamente o próprio governador d. Lourenço <strong>de</strong> Almeida, tendo<br />
i<strong>de</strong>ntificado os diamantes buscou retardar o anúncio à Coroa, tempo<br />
que gastou amealhando alguns exemplares para si próprio. 202 Mas a<br />
coisa vazou <strong>de</strong> tal maneira que levas <strong>de</strong> aventureiros chegarem <strong>de</strong> to<strong>dos</strong><br />
os lugares à cata das pedras. Por fim, Sua Majesta<strong>de</strong>, posto que com<br />
201 Segundo Xavier da Veiga, com base em suas incansáveis pesquisas <strong>de</strong>bruçado<br />
sobre o acervo do futuro Arquivo Público Mineiro, quem i<strong>de</strong>ntificou as pedras foi<br />
Silvestre Garcia do Amaral e que, por conta disso, reivindicou ser conhecido como o<br />
<strong>de</strong>scobridor das cobiçadas pedras.<br />
202 O governador recebeu uma carta do rei admoestando-o severamente por tanta<br />
incompetência em não perceber e o avisar da importância da <strong>de</strong>scoberta: “vos<br />
estranho muito a in<strong>de</strong>sculpável omissão”, ralhou Sua Majesta<strong>de</strong>.<br />
313
cerca <strong>de</strong> seis anos <strong>de</strong> atraso e ainda que por último, acabou sabendo.<br />
Por conta disso tudo lavrou-se uma rigorosa carta régia que por volta<br />
<strong>de</strong> 1730, fechou a região durante mais <strong>de</strong> um século, ali só se po<strong>de</strong>ndo<br />
entrar com autorização especial. Mas quando a notícia da <strong>de</strong>scoberta<br />
chegou à corte <strong>de</strong> d. João V, por volta <strong>de</strong> 1728; o júbilo do monarca<br />
extravasou as fronteiras do reino, invadiu a Europa e inspirou Sua<br />
Santida<strong>de</strong> a parabenizar o rei <strong>de</strong> Portugal pela felicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ter recebido<br />
<strong>de</strong> Deus uma terra tão rica, calçada <strong>de</strong> ouro e diamantes. Em troca<br />
recebeu umas nesgas <strong>dos</strong> mesmos para dotar Roma <strong>de</strong> mais alguns<br />
soberbos monumentos.<br />
O regime <strong>de</strong> controle imposto pela Coroa <strong>às</strong> ativida<strong>de</strong>s<br />
diamantíferas é tão tumultuado e confuso quanto o do ouro, mesmo<br />
porque, o rei já estava traumatizado com a enganação que jogaram<br />
sobre ele, o que exacerbou ainda mais o espírito da administração<br />
mercantilista da Fazenda Real que era sempre aquela do comerciante<br />
que, mesmo sendo her<strong>de</strong>iro natural das riquezas que Deus botou sob o<br />
seu reino, bem podia estar sendo enganado.<br />
Inicialmente vigorou o regime <strong>de</strong> captação pelo qual era cobrada<br />
uma taxa fixa sobre escravo empregado na lavra. Logo em seguida veio<br />
o regime do arrendamento pelo qual d. João V confiava, que to<strong>dos</strong><br />
pagassem absurdas quantias fixas à Coroa, arrendando suas próprias<br />
lavras sem saber o que elas ainda podiam produzir. Como isso não<br />
surtiu efeito, el rei tentou, simplesmente, <strong>de</strong>sapropriar as lavras<br />
expulsando <strong>de</strong>las os mineradores muitos <strong>dos</strong> quais lá estavam há mais<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos. 203 Teve que negociar, concordando em manter a captação,<br />
mas com uma substancial majoração no valor. Só em 1740 é que foi<br />
possível estabelecer o regime <strong>de</strong> contratos. É aí que surge o contratador<br />
João Fernan<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Oliveira que trocou os confortos <strong>de</strong> Vila Rica pelos<br />
do arraial do Tijuco. Passou o contrato ao filho, <strong>de</strong> mesmo nome, o<br />
feliz <strong>de</strong>tentor do colo <strong>de</strong> Chica da Silva, por uns bons tempos. 204<br />
203 Na verda<strong>de</strong> o <strong>de</strong>creto real <strong>de</strong>terminava a expulsão <strong>dos</strong> escravos e mulatos, o que<br />
resultaria na inviabilizarão da ativida<strong>de</strong> já que os senhores não eram da<strong>dos</strong> <strong>às</strong> pesadas<br />
ativida<strong>de</strong>s das minas pois, afinal ninguém é <strong>de</strong> ferro, especialmente entre ouro e<br />
diamante.<br />
204 Spix e Martius anotaram que, embora os contratadores (que contratavam o direito<br />
<strong>de</strong> exploração a preço fixo) pu<strong>de</strong>ssem colocar no máximo seiscentos escravos na sua<br />
lavra, eles colocavam acima <strong>de</strong> mil. Isso era notório e vários outros viajantes ouviram<br />
e registraram a mesma coisa.<br />
314
O regime <strong>dos</strong> contratos duraria até 1771 e, salvo o curto<br />
período <strong>de</strong> arrendamento do infeliz Felisberto Cal<strong>de</strong>ira Brant, foi quase<br />
que exclusivamente tocado por João Fernan<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Oliveira & Filho. A<br />
mudança foi urdida pelo marques <strong>de</strong> Pombal que, como não confiava<br />
em ninguém, também acabou não confiando mais nos contratadores e<br />
assumiu pessoalmente o controle, submetendo a extração <strong>dos</strong><br />
diamantes à responsabilida<strong>de</strong> direta da Coroa, sob a gerência do famoso<br />
Inten<strong>de</strong>nte do Distrito <strong>dos</strong> Diamantes.<br />
Como não po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser, existem muitas lendas<br />
envolvendo os primórdios do ciclo <strong>dos</strong> diamantes, mas é certo que<br />
houve muita vilania e o palco das <strong>de</strong>scobertas está repleto <strong>de</strong> bobos e<br />
seus respectivos espertos. Aquela história <strong>de</strong> que as pedras eram usadas<br />
como tentos é muito provável só que esse uso tinha um motivo<br />
espertíssimo. Quem as usavam com tal fim eram exatamente aqueles<br />
que sabiam o seu valor e assim agiam para disfarçar a sua real valia e<br />
po<strong>de</strong>rem adquiri-las a preço <strong>de</strong> tento. Mas essa história não durou<br />
mesmo mais do que alguns meses.<br />
Os diamantes eram encontra<strong>dos</strong> aos quilos, nas lavras <strong>de</strong> ouro<br />
do português Bernardo da Fonseca Lobo. Este, porém, mesmo <strong>de</strong>pois<br />
<strong>de</strong> saber que aquelas pedras eram diamantes, não se interessou por elas<br />
pois não conseguia enten<strong>de</strong>r como aquelas pedras banais - e<br />
abundantes como pedras - pu<strong>de</strong>ssem valer mais do que ouro. Vai daí,<br />
português tenaz como era, abandonou sua própria rica lavra<br />
diamantífera quando ela dava sinais <strong>de</strong> se tornar uma pobre lavra<br />
aurífera. Esse <strong>de</strong>sinteresse resultou que suas terras fossem vendidas a<br />
preço <strong>de</strong> banana - por seu preposto - a comerciantes baianos, entre os<br />
quais, como não po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser, estava outro esperto ouvidor que<br />
já <strong>de</strong>vidamente mancomunado, também contribuía para ocultar a<br />
notícia ao rei. Eis pois que nunca a Europa recebeu tantos diamantes<br />
orientais, na verda<strong>de</strong> “ma<strong>de</strong> in Santo Antônio do Tijuco”, mais<br />
precisamente nas lavras <strong>de</strong> Bernardo Lobo que, por esse tempo, já<br />
estava nas <strong>Minas</strong> Novas atrás <strong>de</strong> ouro que era <strong>de</strong> que realmente<br />
gostava. 205 De toda forma, ele foi tido oficialmente como o <strong>de</strong>scobridor<br />
205 É fato que foi ele o portador das amostras <strong>de</strong> pedras levadas ao governador e<br />
<strong>de</strong>pois ao rei. Esse <strong>de</strong>sprendimento em relação a sua própria fortuna só po<strong>de</strong> ser<br />
explicado mesmo pelo seu <strong>de</strong>sinteresse crônico pelas ditas pedras.<br />
315
<strong>dos</strong> diamantes, pelo que ganhou o posto <strong>de</strong> capitão-mor da Via do<br />
Príncipe e o cobiçado Hábito <strong>de</strong> Cristo.<br />
Augusto <strong>de</strong> Lima Jr. chama a atenção para o fato <strong>de</strong> que o arraial<br />
do Tijuco era o lugar <strong>de</strong> maior concentração <strong>de</strong> novos cristãos do<br />
Brasil, que para ai acorreram logo nas primeiras notícias <strong>dos</strong> diamantes.<br />
Isso teria criado uma ponte entre <strong>Minas</strong> e os centros lapidadores <strong>dos</strong><br />
Paises Baixos da mesma forma com que o acordo <strong>de</strong> Methuen criou<br />
uma ponte para o ouro <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> até os centros financeiros <strong>de</strong> Londres.<br />
Mas quando os novos cristãos, daqui e do reino, passavam da conta;<br />
abria-se um Auto <strong>de</strong> Fé e eles eram queima<strong>dos</strong> nas fogueiras da<br />
retardatária Inquisição Portuguesa, acusa<strong>dos</strong> do hediondo crime <strong>de</strong><br />
judaísmo.<br />
A <strong>de</strong>speito da sua importância, o povoado permaneceu arraial<br />
do Tijuco até o século XIX, passando a vila <strong>de</strong> Diamantina somente em<br />
1831. 206 Mas, apenas sete anos <strong>de</strong>pois, já passava a cida<strong>de</strong>, juntamente<br />
com o Serro. Em 1853, por Bula do Papa Pio IX, era criado o rico<br />
Bispado <strong>de</strong> Diamantina, per<strong>de</strong>ndo Mariana a condição <strong>de</strong> única diocese<br />
da província, privilégio que já durava mais <strong>de</strong> cem anos, a meta<strong>de</strong> <strong>dos</strong><br />
quais em acentuada <strong>de</strong>cadência.<br />
Roteiro <strong>de</strong> Visitação<br />
Patrimônio Cultural da Humanida<strong>de</strong>, Diamantina preserva um<br />
centro histórico interessante com <strong>igrejas</strong> e casarões muito bem<br />
preserva<strong>dos</strong> marca<strong>dos</strong> por <strong>de</strong>talhes que tipificam as construções locais:<br />
as numerosas e coloridas pinhas, as sacadas <strong>de</strong> treliças e muxarabiês<br />
árabes e as gárgulas em forma <strong>de</strong> corneta. Entre as construções civis<br />
<strong>antigas</strong> se <strong>de</strong>stacam: o Palácio Episcopal, a casa da Chica da Silva, a<br />
Casa do Padre Rolim, o Fórum, o Mercado, a Casa do Inten<strong>de</strong>nte<br />
Câmara e o famoso Passadiço da Glória. Esta passarela é uma obra <strong>de</strong><br />
206 A Coroa portuguesa <strong>de</strong>ve ter mantido o Tijuco como arraial, apesar <strong>de</strong> seus seis mil<br />
habitantes, para não chamar a atenção e também centralizar mais a administração. El<br />
rei realmente tinha estratégias curiosas, como aquela <strong>de</strong> manter os caminhos das<br />
minas nas piores condições possíveis para dificultar o contrabando. Na verda<strong>de</strong>, essa<br />
situação, tinha a ver também com a intenção <strong>de</strong> manter os padres o mais longe<br />
possível: como a vizinha Vila do Príncipe era vila então era lá a se<strong>de</strong> da paróquia, o<br />
que simplificava a presença eclesiástica no Tijuco.<br />
316
engenharia absolutamente pitoresca e entre as obras civis, está para<br />
Diamantina assim como a Casa <strong>dos</strong> Contos está para Ouro Preto. Foi<br />
construída a mando do bispo d. João Antônio <strong>dos</strong> Santos para permitir<br />
que as alunas do colégio que ali funcionou, pu<strong>de</strong>ssem passar <strong>de</strong> um<br />
prédio ao outro preservando o seu recato. É obra <strong>de</strong> carpintaria do<br />
arquiteto inglês John Rose, da segunda meta<strong>de</strong> do século XIX. Hoje<br />
cumpre a nobre função <strong>de</strong> ser o símbolo postal da cida<strong>de</strong><br />
Infelizmente Diamantina ainda não tem uma infraestrutura<br />
turística propriamente digna da sua condição <strong>de</strong> patrimônio mundial.<br />
Embora em crescimento, a re<strong>de</strong> hoteleira ainda é precária e os<br />
restaurantes são em pequeno número e via <strong>de</strong> regra, fecham cedo. Mas<br />
em matéria <strong>de</strong> bares não faz feio a Ouro Preto. Tem o imperdível Bar<br />
do Nonô que funciona no porão da casa <strong>de</strong> J.K. e apresenta umas<br />
serestas honestíssimas; feitas para amigos, mesmo sendo você apenas<br />
um turista. Tem o Beco do Mota que é a coisa mais aconchegante do<br />
mundo, tanto que não tem calçada e basta uma mesa no meio da rua<br />
para obstruir totalmente a passagem. Toda a rua da Quitanda é um<br />
gran<strong>de</strong> salão <strong>de</strong> festa, um tanto excessivamente animado para as<br />
vetustas construções que lá se erguem. Mas enfim, vários são os cantos<br />
com opções <strong>de</strong> bebidas, tira-gostos, modinhas e bate-papos, alguns <strong>dos</strong><br />
quais atravessam a madrugada. Mas é bom precaver-se e jantar antes<br />
pois como, eu disse, os restaurantes fecham cedo e nada faz mais falta<br />
do que um lombo com tropeiro num teimoso fim <strong>de</strong> noite. Longe vai o<br />
tempo (1755) em que um <strong>de</strong>creto do inten<strong>de</strong>nte proibia o povo <strong>de</strong> sair<br />
<strong>às</strong> ruas <strong>de</strong>pois da Ave Maria e hoje os fantasmas <strong>dos</strong> Cal<strong>de</strong>ira Brant,<br />
<strong>dos</strong> Rolim, <strong>dos</strong> Felício <strong>dos</strong> Santos e <strong>dos</strong> Mata Machado andam soltos, à<br />
vonta<strong>de</strong> pelo becos. Mas <strong>de</strong> toda forma, convém não exagerar, acordar<br />
cedo e trotar a região pois Diamantina alia a cultura à interessante<br />
riqueza ecológica da região com suas serras <strong>de</strong> pedra, suas flores, seus<br />
matos enfeza<strong>dos</strong> e seus cristalinos regatos.<br />
Como passear por Diamantina? Exatamente como se passeia<br />
por Ouro Preto, ou seja, à pé, reparando nos <strong>de</strong>talhes. Com uma<br />
vantagem: Diamantina é menor e mais plana, assim, sempre sobra<br />
tempo para <strong>de</strong>dicar uma manhã <strong>de</strong> sábado à pitoresca e animada praça<br />
do mercado, on<strong>de</strong> você vai encontrar <strong>de</strong> tudo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> pinga falsificada,<br />
mel <strong>de</strong> boa qualida<strong>de</strong>, doces esforça<strong>dos</strong> até autógrafos da Helena<br />
Jobim.<br />
Existem vários roteiros <strong>de</strong> visitação e é claro que eu também fiz<br />
o meu. Vamos a ele. O ponto <strong>de</strong> referência <strong>de</strong> Diamantina é a praça da<br />
317
matriz. Infelizmente a matriz atual não é a antiga matriz <strong>de</strong> Santo<br />
Antônio do século XVIII, mas sim uma construção incompreensível,<br />
bem tipo fim-<strong>de</strong>-feira. Os altares laterais, contudo, são os originais da<br />
primitiva igreja e por eles o templo merece ser visitado, ainda que eu<br />
continue pensando que estariam melhores num museu, ao lado <strong>dos</strong><br />
retábulos da Jaguara que hoje estão na matriz <strong>de</strong> Nova Lima. Mas eles<br />
têm um valor didático muito interessante pois um é em arquivolta e o<br />
outro é em <strong>dos</strong>sel. Comparando os dois é possível caracterizar, com<br />
clareza, as principais fases <strong>dos</strong> retábulos setecentistas mineiros.<br />
Saindo da matriz, passamos pelo casarão da prefeitura,<br />
<strong>de</strong>scemos a rua Direita e contemplamos o chafariz que Richard Burton,<br />
com evi<strong>de</strong>nte exagero, achou grotesco. 207 Depois do chafariz está o<br />
interessante casarão do Fórum em cujo porão, evi<strong>de</strong>ntemente,<br />
funcionou a ca<strong>de</strong>ia em outros tempos. Na seqüência, chega-se à praça J.<br />
K. on<strong>de</strong> o nosso in<strong>de</strong>lével presi<strong>de</strong>nte está ereto em sua estátua <strong>de</strong><br />
bronze, pronto para subir a la<strong>de</strong>ira e voltar pra casa. À frente se abre a<br />
rua São Francisco que começa na igreja e on<strong>de</strong> ,justamente, está a Casa<br />
<strong>de</strong> Juscelino, hoje Museu, no meio da subida. Há a la<strong>de</strong>ira e é preciso<br />
galgá-la bravamente em busca da parte alta da cida<strong>de</strong>. Sejamos otimistas<br />
e vamos consi<strong>de</strong>rar a subida razoavelmente suave se comparada a<br />
subida da la<strong>de</strong>ira do Vira e Saia lá no Padre Faria <strong>de</strong> Ouro Preto. Ao<br />
final, entramos à direita em <strong>de</strong>manda a rua da Carida<strong>de</strong>. Seguimos à<br />
esquerda até encontrar a rua da Luz com sua respectiva igreja, aberta<br />
sobre a praça. Provavelmente a igreja estará fechada. Assim voltamos,<br />
entramos no beco das Craveiras à esquerda e encontramos a rua Prof.<br />
Mandacaru cuja continuação, morro abaixo, é a rua da Glória. Seguindo<br />
encontramos o famoso passadiço <strong>de</strong> John Rose que liga os dois<br />
casarões, hoje pertencentes à UFMG que ali guarda pedras do barão <strong>de</strong><br />
Eschwege e on<strong>de</strong> morou o inten<strong>de</strong>nte Câmara, no princípio do século<br />
XIX e a d. Josefa Maria da Gloria que emprestou seu nome à casa e daí<br />
à rua. Na seqüência da <strong>de</strong>scida passamos por interessantes casarões nas<br />
ruas Macau: a <strong>de</strong> Cima, a do Meio e a <strong>de</strong> Baixo. Pegamos a do Meio e<br />
seguindo voltamos à praça J.K. e à praça da Matriz, um pouco acima.<br />
Subindo a rua Direita no sentido inverso do roteiro inicial, encontramos<br />
207 De fato, as carrancas são muito mal talhadas, mas também não chega a tanto.<br />
318
o Museu do Diamante que era a antiga casa do padre Rolim. 208 O<br />
museu é meio <strong>de</strong>sorganizado, as placas informativas são incompletas e<br />
confusas. Tem muito pouca coisa sobre diamantes e, andando pela casa,<br />
acabamos convenci<strong>dos</strong> que, provavelmente, o padre Rolim não era,<br />
assim, tão rico. Um pouco mais acima encontramos a Casa do<br />
Inten<strong>de</strong>nte Câmara, muito mais suntuosa do que a do indigitado padre,<br />
on<strong>de</strong> não vamos po<strong>de</strong>r entrar por ser uma residência particular mas, da<br />
rua mesmo, vamos po<strong>de</strong>r contemplar as pinturas no forro. Saindo da<br />
rua Direita, <strong>de</strong>rivando à esquerda, subimos em direção a rua das Mercês<br />
on<strong>de</strong> está a respectiva igreja. Conhecida a igreja <strong>dos</strong> crioulos dissi<strong>de</strong>ntes<br />
do Rosário, voltamos pelo mesmo caminho, <strong>de</strong>scemos à direita e<br />
alcançamos a igreja do Carmo. Antes <strong>de</strong> visitá-la entramos à direita da<br />
rua do Contrato e seguimos em direção à praça Lobo <strong>de</strong> Mesquita. Aí<br />
está a casa da Chica da Silva. E aqui vamos fazer uma pausa para falar<br />
um pouco, <strong>de</strong>sta personagem in<strong>de</strong>fectível e sedutora. Segundo Joaquim<br />
Felício <strong>dos</strong> Santos, testemunha ocular <strong>de</strong> boa parte da história do<br />
Tijuco, Chica não se <strong>de</strong>stacava nem física nem espiritualmente. 209 Além<br />
disso, digo eu, passou boa parte <strong>dos</strong> seus anos <strong>de</strong> viço, absolutamente<br />
prenhe. Só com o contratador teve treze filhos e quando os dois se<br />
juntaram ela já tinha que puxar pelo menos um filho em cada mão.<br />
Como foi possível ela cativar <strong>de</strong> tal maneira o rico João Fernan<strong>de</strong>s a<br />
ponto <strong>de</strong> levá-lo <strong>às</strong> mais inimagináveis extravagâncias para agradá-la ? A<br />
resposta, na verda<strong>de</strong> não interessa muito: só os seduzi<strong>dos</strong> sabem o que<br />
faz seus sedutores assim serem e isso é entre eles. Mas Chica da Silva<br />
não <strong>de</strong>via ser assim, tão insignificante pois, mesmo <strong>de</strong>pois que o<br />
contratador foi para Portugal assumir os bens do pai e se acertar com a<br />
Coroa, <strong>de</strong>ixando-a para sempre; ela continuou se <strong>de</strong>stacando no arraial.<br />
Mandou as filhas estudarem no convento <strong>de</strong> Macaúbas e os filhos para<br />
208 José da Silva <strong>de</strong> Oliveira Rolim (o padre e não o pai) foi o mais famoso<br />
inconfi<strong>de</strong>nte da comarca do Serro. Colega do padre Toledo da vila <strong>de</strong> São José<br />
gozava, como ele, da fama <strong>de</strong> ser mulherengo e <strong>de</strong>sonesto nos negócios. Foi o último<br />
<strong>dos</strong> inconfi<strong>de</strong>ntes presos e o único que realmente ofereceu alguma resistência à<br />
prisão. Antes já tinha sido expulso do Tijuco pelo governador Cunha Menezes por<br />
suspeita <strong>de</strong> contrabando. Ficou preso alguns anos em Portugal e <strong>de</strong>pois voltou ao<br />
Brasil, falecendo no Tijuco em 1835 <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter sido in<strong>de</strong>nizado pelo seqüestro <strong>de</strong><br />
seus bens, por or<strong>de</strong>m do regente do novo Império do Brasil.<br />
209 Hoje se sabe que Felício <strong>dos</strong> Santos andou implicando muito com a Chica e<br />
falsificando a sua imagem. Falaremos mais disso no terceiro livro da trilogia.<br />
319
a Europa. Fez-se admitir nas duas irmanda<strong>de</strong>s da elite local: a do Carmo<br />
e a <strong>de</strong> São Francisco. Morreu em paz e hoje está sepultada no cemitério<br />
da igreja <strong>de</strong> São Francisco ou no convento <strong>de</strong> Macaúbas, não se sabe ao<br />
certo. Há uma dúvida se Chica da Silva realmente freqüentou as <strong>igrejas</strong><br />
das elites brancas ou se ela apenas contribuía para as irmanda<strong>de</strong>s sem<br />
usufruir maiores vantagens. Parece que as irmanda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Pretos e<br />
Crioulos <strong>de</strong> Diamantina não discriminavam muito os brancos mas<br />
mesmo aqui, é difícil imaginar um negro ou mulato assistindo missa<br />
numa igreja do Carmo ou <strong>de</strong> São Francisco, no século XVIII. Ao<br />
contrário da crença popular, Chica da Silva não era propriamente negra.<br />
Pessoalmente acho que Chica da Silva <strong>de</strong>via ter uma estampa<br />
interessante e provavelmente tinha a pele mais para morena do que para<br />
mulata. Tanto que seu filho Simão Pires Sardinha, circulava pelos mais<br />
finos salões da Europa e inclusive, era cavaleiro da elitista Or<strong>de</strong>m <strong>de</strong><br />
Cristo o que não seria possível se ele exibisse o mais discreto indício <strong>de</strong><br />
não pertencer a raça branca. Assim, acho que o ilustre senador Joaquim<br />
Felício <strong>dos</strong> Santos <strong>de</strong>negriu literalmente a imagem da Chica mais do<br />
que seria correto. Isso acabou distorcendo a imagem histórica <strong>de</strong>ssa<br />
notável mulher mineira do século XVIII, pois o livro do nosso senador<br />
sempre foi tido como obra inconteste sobre as coisas e vultos do<br />
Tijuco. E hoje temos que aturar musiquinhas imbecis chamando a<br />
Chica <strong>de</strong> “crioula” o que não é <strong>de</strong>preciativo mas também não é<br />
correto. 210<br />
Deixando a Casa da Chica da Silva voltamos à rua do Contrato<br />
e, agora sim, po<strong>de</strong>mos visitar a mais notável igreja <strong>de</strong> Diamantina: a<br />
igreja do Carmo, ao lado da qual aproveitamos para observar o Palácio<br />
Episcopal, antiga Casa do Contrato <strong>de</strong> João Fernan<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Oliveira.<br />
Como se recorda, o Bispado <strong>de</strong> Diamantina é o segundo mais antigo <strong>de</strong><br />
<strong>Minas</strong>. Após o palácio, <strong>de</strong>scendo a rua, po<strong>de</strong>mos alcançar a praça do<br />
Rosário on<strong>de</strong> está a mais antiga igreja <strong>de</strong> Diamantina. Daí subimos o<br />
beco que está bem em frente ao adro e saímos na rua do Bonfim on<strong>de</strong><br />
po<strong>de</strong>mos visitar a igreja <strong>dos</strong> Militares. Em seguida, <strong>de</strong>scemos e<br />
seguimos até a rua do Amparo on<strong>de</strong> está a igreja sustentando sua<br />
gran<strong>de</strong> torre. Passando no beco ao lado do templo, ainda anima<strong>dos</strong><br />
210 Até Cecília Meireles embarcou nessa no Romanceiro da Inconfidência, retratando<br />
a Chica um tanto preconceituosamente, meio como que uma “negra mandona”.<br />
320
chegamos à praça do Mercado e daí até a rua Burgalhau que é a mais<br />
antiga <strong>de</strong> Diamantina, on<strong>de</strong> o arraial do Tijuco nasceu. Continuando,<br />
voltamos à praça do Mercado. Em sendo um sábado ela estará muita<br />
animada, mas provavelmente não teremos on<strong>de</strong> nos assentar. Assim, é<br />
melhor subir o beco que leva à rua da Quitanda e encerrar o roteiro,<br />
tomando alguma coisa, sentado à mesa bem no meio da rua,<br />
planejando quando iremos retornar à simpática Diamantina. Mas antes<br />
nos espera um passeio ao interessante entorno ecológico e histórico e<br />
uma imperdível vesperata, neste mesmo local.<br />
Os Viajantes<br />
Claro que nossos viajantes da caravana do século XVIII não se<br />
furtaram em passar pelo Tijuco. Antes pelo contrário, tinham enorme<br />
curiosida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conhecer isto aqui. Lembram-se <strong>de</strong> John Mawe, o<br />
comerciante inglês que encontramos casualmente em Vila Rica tempos<br />
atrás? Pois ele também andou pelo Tijuco e fez observações<br />
interessantes sobre o distrito. Depois <strong>de</strong> passar pela guarda fronteiriça<br />
do Milho Ver<strong>de</strong>, chegou ao arraial no dia 17 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1809,<br />
exatamente um mês após o início da sua jornada à <strong>Minas</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o Rio<br />
<strong>de</strong> Janeiro. Foi recebido pelo inten<strong>de</strong>nte Câmara, o todo po<strong>de</strong>roso<br />
governador do Distrito <strong>dos</strong> Diamantes, homem culto que tinha<br />
estudado mineralogia na Inglaterra e vivido anos na Europa. 211 Mawe<br />
encantou-se com a hospitalida<strong>de</strong> local, tendo sido alojado<br />
confortavelmente na biblioteca do inten<strong>de</strong>nte em meio a várias obras <strong>de</strong><br />
autores ingleses. Pô<strong>de</strong> gozar da intimida<strong>de</strong> da família, participando das<br />
rotinas domésticas. Consi<strong>de</strong>rou a socieda<strong>de</strong> do Tijuco muito culta e<br />
agradável. Na verda<strong>de</strong> sentiu-se em casa pois, como não <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong><br />
211 Manuel Ferreira da Câmara Bithencourt Aguiar e Sá, mineiro do Serro, estudou e<br />
viveu na Europa muitos anos, sendo o primeiro brasileiro a assumir a Intendência do<br />
Distrito <strong>dos</strong> Diamantes, cargo que exerceu <strong>de</strong> 1807 a 1823. Foi membro <strong>de</strong> várias<br />
aca<strong>de</strong>mias <strong>de</strong> ciências da Europa inclusive da Aca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> Lisboa, honra que o<br />
próprio Saint-Hilaire também gozou, assim como alguns inconfi<strong>de</strong>ntes. Foi <strong>de</strong>putado<br />
à Assembleia Constituinte <strong>de</strong> 1823 e criador das forjas <strong>de</strong> Gaspar Soares, ou seja, foi<br />
um <strong>dos</strong> pioneiros na exploração do minério <strong>de</strong> ferro <strong>de</strong> <strong>Minas</strong>, a gran<strong>de</strong> riqueza do<br />
estado nos séculos seguintes. Morreu na Bahia em 1835, senador do império. Era<br />
irmão <strong>de</strong> José <strong>de</strong> Sá Bithencourt, aquele que escapou por pouco <strong>de</strong> ser con<strong>de</strong>nado<br />
como inconfi<strong>de</strong>nte, tendo sido salvo pela tia, que pagou uma boa propina para vê-lo<br />
inocentado.<br />
321
observar, usavam trajes ingleses e tinham o hábito <strong>de</strong> promover<br />
reuniões à tar<strong>de</strong> quando as mulheres tomavam chá e os homens<br />
jogavam jogos ingleses <strong>de</strong> cartas. Não <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> registrar, porém, o<br />
gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> mendigos existentes no arraial, principalmente<br />
mulheres.<br />
Mawe visitou as minas <strong>de</strong> Mendanha e do Rio Pardo e observou<br />
que elas pertenciam ao governo mas eram tocadas por escravos<br />
aluga<strong>dos</strong>. Aliás, gran<strong>de</strong> parte <strong>dos</strong> cidadãos da antiga Tijuco viviam <strong>de</strong>sse<br />
primitivo sistema <strong>de</strong> terceirização, lastreado em profícua parceria entre<br />
governo e iniciativa privada. Havia também uma política <strong>de</strong> bônus<br />
interessante: todas as vezes que um escravo achava um diamante <strong>de</strong><br />
mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>zesseis quilates e meio, ele ganhava a liberda<strong>de</strong> mais algumas<br />
utilida<strong>de</strong>s extras, entre as quais uma muda <strong>de</strong> roupa nova. O visitante<br />
inglês presenciou o achado <strong>de</strong> um diamante que se supôs aten<strong>de</strong>r a esta<br />
condição, o que resultaria no merecimento do prêmio pelo sortudo<br />
escravo que o encontrou. Procedido o peso verificou-se porém, que o<br />
dito não pesava o preço da liberda<strong>de</strong> pelo que, o pobre não teve direito<br />
sequer a umas férias. 212<br />
Mawe visitou também a casa do tesouro on<strong>de</strong> pô<strong>de</strong> observar<br />
uma partilha <strong>de</strong> diamantes <strong>dos</strong> mais varia<strong>dos</strong> formatos, tamanhos e<br />
cores. Registrou que a produção anual girava em torno <strong>de</strong> vinte e cinco<br />
mil quilates, o que se não nos falham as referências, <strong>de</strong>ve dar algo em<br />
torno <strong>de</strong> cinqüenta quilos.<br />
Mawe confessou que o inten<strong>de</strong>nte Câmara adorava cerveja e<br />
tentou fabricar alguma para <strong>de</strong>leite <strong>de</strong> seu anfitrião, fornecendo ainda,<br />
como era do seu feitio, a receita do processo. Evi<strong>de</strong>ntemente não se<br />
conteve da tentação <strong>de</strong> também ensinar à mulher do inten<strong>de</strong>nte, o<br />
processo <strong>de</strong> fabricar manteiga e queijo. (A <strong>de</strong>speito do fato do leite na<br />
região ser muito mais raro do que diamante e quase do mesmo preço).<br />
Encantou-se com a aplicação da senhora Câmara em apren<strong>de</strong>r o<br />
processo. De tal forma que encerrou o relato da sua visita com esta<br />
preciosa observação : “Fiquei firmemente convencido que, se as<br />
brasileiras recebessem educação melhor, sobretudo no que se refere à<br />
economia doméstica, e estivessem habituadas a ver tudo quanto diz<br />
212 Saint-Hilaire anotou que em 1816, três escravos conseguiram obter o cobiçado<br />
prêmio.<br />
322
espeito ao lar administrado com or<strong>de</strong>m e regularida<strong>de</strong>, se tornariam<br />
úteis à socieda<strong>de</strong>”. 213<br />
Mawe voltou à Inglaterra em 1811 e abriu uma loja <strong>de</strong> comércio<br />
<strong>de</strong> pedras preciosas <strong>às</strong> margens do Tamisa, especialmente gemas<br />
brasileiras. Publicou seu livro sobre a viagem ao Brasil no ano seguinte<br />
e viveu até 1829.<br />
August <strong>de</strong> Saint-Hilaire foi o segundo <strong>dos</strong> nossos viajantes a<br />
visitar o arraial do Tijuco. Ele não anotava datas com muita freqüência<br />
mas, nesse caso, foi preciso em registrar que aqui chegou no dia 29 <strong>de</strong><br />
setembro <strong>de</strong> 1817 e partiu no dia 30 <strong>de</strong> outubro. Assim como Mawe,<br />
teve o privilégio <strong>de</strong> se hospedar com o gentil, magnânimo, culto e capaz<br />
inten<strong>de</strong>nte Câmara e igualmente gozar da convivência com sua família.<br />
Teve o cuidado <strong>de</strong> anotar o nome da mulher do inten<strong>de</strong>nte que Mawe<br />
omitiu: d. Matil<strong>de</strong> da Câmara. Não teve oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> constatar,<br />
porém, se ele tinha efetivamente aprendido a fazer cerveja e se ela tinha<br />
se tornado mais útil à socieda<strong>de</strong>, fazendo queijo e manteiga. Gostou da<br />
cida<strong>de</strong> cujas ruas julgou largas e limpas, posto que muito mal<br />
calçadas. 214 Corroborando Mawe, elogiou a cultura e fineza da elite<br />
local, composta também <strong>de</strong> <strong>de</strong>dica<strong>dos</strong> jovens que tinham aprendido a<br />
se comunicar em francês, recorrendo apenas a uma tosca gramática.<br />
Não concordou, porém, com o comerciante inglês quanto a existência<br />
<strong>de</strong> muitos mendigos no Tijuco, contestando-o explicitamente. 215<br />
Foi aqui que o nosso insuperável sábio, sofreu um grave<br />
aci<strong>de</strong>nte e se fez merecedor das maiores atenções, provando<br />
in<strong>de</strong>levelmente a solidarieda<strong>de</strong> e hospitalida<strong>de</strong> mineiras. Ia ele absorto<br />
em suas plantas e animais quando sofreu uma violenta queda do cavalo,<br />
batendo a cabeça e <strong>de</strong>smaiando. Mas foi socorrido por escravos e<br />
213 Os viajantes estrangeiros não conseguiam enten<strong>de</strong>r muito bem que, na socieda<strong>de</strong><br />
brasileira do século XIX , as mulheres abastadas não eram dadas a serviços<br />
domésticos, coisa <strong>de</strong>legada <strong>às</strong> negras escravas. Volta e meia davam um vexame<br />
elogiando a qualida<strong>de</strong> da comida, querendo agradar a dona da casa que, constrangida,<br />
também não conseguia enten<strong>de</strong>r como podia ser confundida com aqueles que tinham<br />
tão <strong>de</strong>gradantes atribuições.<br />
214 Como o caro leitor vai notar, nossos viajantes divergiam muito sobre ruas e<br />
calçamentos. Mais adiante outros vão ter opiniões diversas.<br />
215 Saint-Hilaire fez questão <strong>de</strong> contestar textualmente várias <strong>dos</strong> registros <strong>de</strong> Mawe.<br />
323
prontamente atendido. Nada que os cuida<strong>dos</strong> <strong>de</strong> quatro médicos mais a<br />
atenção da família Câmara não resolvesse em poucos dias.<br />
Saint-Hilaire anotou sete <strong>igrejas</strong> e duas capelas no Tijuco e as<br />
consi<strong>de</strong>rou ornamentadas com gosto. Achou muito bonitas a matriz <strong>de</strong><br />
Santo Antônio, a igreja <strong>de</strong> São Francisco e a do Carmo. Depois,<br />
cumprindo o roteiro indispensável <strong>dos</strong> visitantes estrangeiros, percorreu<br />
os serviços das minas e discorreu longamente sobre elas.<br />
Finalmente juntou o seu volumoso herbário e tomou o caminho<br />
<strong>de</strong> volta, seguindo mais ou menos, o roteiro da vinda, até o Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro e daí percorrendo longamente o Império do Brasil até 1822<br />
quando então voltou à França. Escreveu numerosos livros sobre o<br />
nosso país e no dia 30 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1853 <strong>de</strong>ixou este mundo, cheio<br />
<strong>de</strong> títulos e glórias como um <strong>dos</strong> gran<strong>de</strong>s sábios do século XIX.<br />
Seus livros <strong>de</strong> relatos das viagens a <strong>Minas</strong> foram publica<strong>dos</strong><br />
somente em 1830 e 1833, pois a jornada o <strong>de</strong>sgastou <strong>de</strong> tal maneira que<br />
ele levou alguns anos para se recuperar.<br />
Spix e Martius estiveram no Arraial do Tijuco em mea<strong>dos</strong> <strong>de</strong><br />
maio <strong>de</strong> 1818. Ficaram no arraial do Milho Ver<strong>de</strong>, aguardando o<br />
reconhecimento da autorização para cruzar a fronteira o que não<br />
<strong>de</strong>morou. Elogiaram muito a natureza da região pela quantida<strong>de</strong> e<br />
beleza das flores do campo que compararam a um jardim. Elogiaram<br />
igualmente a cida<strong>de</strong>, com bom calçamento, casas <strong>de</strong> dois pavimentos e<br />
lojas bem abastecidas. Também foram muito bem recebi<strong>dos</strong> pelo<br />
inten<strong>de</strong>nte Câmara que lhes ce<strong>de</strong>u uma moradia e alimentação à mesa<br />
da família. Tiveram acesso a uma partilha <strong>de</strong> diamantes que estava para<br />
ser enviada a Vila Rica e daí a Portugal, com perto <strong>de</strong> vinte quilos. Era a<br />
produção <strong>de</strong> aproximadamente quatro meses o que mostra que mesmo<br />
cem anos <strong>de</strong>pois da <strong>de</strong>scoberta <strong>dos</strong> diamantes, a produção ainda era<br />
significativa e não tinha diminuído em relação ao tempo <strong>de</strong> viagem <strong>de</strong><br />
Mawe, nove anos antes. Tal qual Saint-Hilaire fizera no Serro,<br />
antecipando a real aclamação em quase um ano, assistiram as<br />
festivida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> coroação <strong>de</strong> d. João VI, na mesma base <strong>dos</strong> <strong>de</strong>sfiles,<br />
representações, <strong>de</strong>clamações e atos religiosos.<br />
Enfim permaneceram no Tijuco cerca <strong>de</strong> um mês e fizeram<br />
muitas observações mas, como era seu hábito, enfocando mais as<br />
plantas e as pedras e menos os homens e seus costumes. Não <strong>de</strong>ixaram,<br />
porém, <strong>de</strong> emitir um comentário que hoje nos <strong>de</strong>ixa pasmos e revela<br />
324
como era primitivo o conhecimento médico no início do século XIX. 216<br />
Pois nossos caros cientistas, tendo encontrado numa fazenda perto do<br />
Itambé uma família com dois filhos que apresentavam distúrbios<br />
mentais, não hesitaram em atribuir o fato a provável conseqüência <strong>de</strong><br />
perversão sexual. Para se redimirem, porém, <strong>de</strong> tal insensatez, foram<br />
escalar o pico do Itambé tal qual Saint-Hilaire fizera no Caraça, <strong>de</strong>pois<br />
<strong>de</strong> atribuir a <strong>de</strong>cadência da província à Inconfidência Mineira. Em<br />
seguida voltaram ao Tijuco, juntaram seu valioso acervo da flora<br />
mineiriana e se foram para a Bahia, <strong>de</strong>ixando para sempre as nossas<br />
<strong>Minas</strong> Gerais. Permaneceram porém, percorrendo nosso país durante<br />
muitos meses mais . Voltando à Europa, iniciaram a elaboração do seu<br />
trabalho enciclopédico sobre a fauna e flora brasileiras. Spix morreria<br />
ainda jovem, em 1826 com quarenta e cinco anos. Martius viveu até<br />
1868, morrendo com setenta e quatro anos. Os livros sobre a viagem ao<br />
Brasil foram publica<strong>dos</strong> em 1823 e 1831. Portanto, embora tenham<br />
estado no Brasil cerca <strong>de</strong> um ano <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> Saint-Hilaire, iniciaram a<br />
publicação <strong>de</strong> sua obra sete anos antes do sábio francês.<br />
George Gardner esteve em Diamantina em mea<strong>dos</strong> <strong>de</strong> julho <strong>de</strong><br />
1840, ou seja, cerca <strong>de</strong> um ano antes da extinção da Real Extração e das<br />
fronteiras fechadas do distrito <strong>dos</strong> Diamantes. Achou as ruas estreitas,<br />
irregulares e mal calçadas mas com boas casas <strong>de</strong> dois e três andares,<br />
semelhantes <strong>às</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro. Contou três ou quatro <strong>igrejas</strong> e ficou<br />
hospedado perto da do Rosário, numa casa alugada ao estalaja<strong>de</strong>iro.<br />
Acompanhou solenida<strong>de</strong>s religiosas nessa igreja e na das Mercês on<strong>de</strong><br />
confessa ter assistido a um excelente sermão. 217 Comentou que as<br />
mulheres eram as mais belas do Brasil mas que iam à igreja mal<br />
arrumadas e usavam chapéus <strong>de</strong> homem na rua. Discorreu sobre a<br />
organização econômica em torno da exploração do diamante àquela<br />
216 Saint-Hilaire, após a tal queda do cavalo nas cercanias do Tijuco, vacilou em se<br />
submeter à sangria recomendada pelo médico que o aten<strong>de</strong>u, muito mais por não<br />
confiar no profissional brasileiro do que por não acreditar no método. Acabou<br />
concordando e não <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> atribuir à intervenção o motivo da sua melhora.<br />
217 É interessante observar que ele freqüentou as <strong>igrejas</strong> <strong>dos</strong> negros e crioulos e não <strong>às</strong><br />
das elites brancas <strong>de</strong> Diamantina. Lembrando que ele, embora branco e inglês, não foi<br />
hóspe<strong>de</strong> <strong>de</strong> nenhuma autorida<strong>de</strong> local, isso po<strong>de</strong> significar que, ainda no século XIX,<br />
as irmanda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pobres continuavam tolerantes e as <strong>de</strong> branco continuavam muito<br />
intolerantes.<br />
325
época, contando que a ativida<strong>de</strong> já não era muito lucrativa. Registrou<br />
que os mineradores eram explora<strong>dos</strong> pelos comerciantes e que, além<br />
disso, ainda ficavam sujeitos aos roubos <strong>dos</strong> negros que chamou <strong>de</strong><br />
“ladrões refina<strong>dos</strong>”. Quando Gardner estava em Diamantina foi<br />
anunciado que d. Pedro II iria assumir o governo, terminando assim o<br />
período da regência. Conta que a notícia provocou gran<strong>de</strong> júbilo e<br />
muitas comemorações. Estas consistiam, basicamente, num cortejo que<br />
parava nas casas das pessoas ilustres da cida<strong>de</strong> quando eram<br />
<strong>de</strong>clama<strong>dos</strong> poemas, aos quais as mulheres retribuíam atirando flores<br />
sobre os oradores.<br />
Encerrada sua visita a Diamantina, Gardner <strong>de</strong>sceu, pelo Serro<br />
rumo a Ouro Preto e o Rio <strong>de</strong> Janeiro, voltando <strong>de</strong>pois à Europa on<strong>de</strong><br />
continuou suas ativida<strong>de</strong>s como naturalista, inclusive publicando uma<br />
série <strong>de</strong> artigos sobre o Brasil no London Journal of Botany. O livro<br />
sobre a viagem foi publicado em 1846.<br />
Quando Richard Burton visitou Diamantina, em 1867, o<br />
famigerado Código da Extração Real que fechava e controlava a região<br />
à mão <strong>de</strong> ferro, já tinha sido extinto. Assim ele não falou muito sobre a<br />
organização política e econômica da cida<strong>de</strong>. Ao contrario, ficou à<br />
vonta<strong>de</strong> para fazer as irônicas e bem humoradas observações que<br />
gostava <strong>de</strong> fazer sobre as pessoas e costumes que encontrava em suas<br />
viagens. Nessa linha, observou que a intendência então tinha virado<br />
uma casa <strong>de</strong> comércio, convenientemente suprida. Concordando com<br />
Mawe, sessenta anos <strong>de</strong>pois, consi<strong>de</strong>rou Diamantina a cida<strong>de</strong><br />
socialmente mais agradável do Brasil e diz, concordando com Gardner,<br />
ter encontrado aqui as mulheres mais bonitas do país. 218 De fato, nosso<br />
simpático cônsul inglês andou circulando e cercado <strong>de</strong> obséquios da<br />
mais nobre socieda<strong>de</strong> diamantinense, opulenta e culta ainda em mea<strong>dos</strong><br />
218 Além do testemunho <strong>dos</strong> nossos dois viajantes, ainda há um fato que confirma a<br />
fama <strong>de</strong> beleza das <strong>antigas</strong> mulheres <strong>de</strong> Diamantina. Consta que em 1752 o ouvidor<br />
do Serro não resistiu a beleza <strong>de</strong> uma jovem dama do Tijuco e em plena igreja, on<strong>de</strong><br />
assistia a uma solenida<strong>de</strong>, atirou-lhe acintosamente uma flor ao colo. O gesto<br />
provocou a indignação <strong>dos</strong> familiares da moça que, tendo a frente o contratador<br />
Cal<strong>de</strong>ira Brant, foi tirar satisfações ao sedutor <strong>de</strong>scontrolado, quase o atingindo com o<br />
golpe <strong>de</strong> punhal. O caso <strong>de</strong>u tamanha confusão que se atribui a ele a ruína do<br />
contratador que por motivos não <strong>de</strong>vidamente esclareci<strong>dos</strong>, acabou preso e enviado a<br />
Portugal on<strong>de</strong> veio a morrer <strong>às</strong> vésperas do perdão.<br />
326
do século XIX. No seu tempo como dissemos, já não mais existiam<br />
inten<strong>de</strong>ntes do diamante mas ele teve o privilégio <strong>de</strong> se hospedar na<br />
casa <strong>de</strong> um <strong>dos</strong> mais ricos comerciantes da cida<strong>de</strong>: o sr. João Ribeiro <strong>de</strong><br />
Carvalho Amarante, mas não pô<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> anotar a existência do<br />
Hotel do Cula (o Sr. Herculano) que servia o almoço <strong>às</strong> 9:30 e o jantar<br />
<strong>às</strong> 16:00 horas. Esteve na in<strong>de</strong>fectível rua Direita que observou ser<br />
torta, íngreme e mal calçada e começar num chafariz que como<br />
dissemos, achou grotesco. Des<strong>de</strong>nhou as <strong>igrejas</strong> e visitou o Palácio<br />
Episcopal e o Seminário. Visitou lavras <strong>de</strong> diamantes nas cercanias e<br />
terminou sua estadia participando <strong>de</strong> uma lauta recepção na casa da rica<br />
viúva d. Maria <strong>de</strong> Nazaré Netto Leme on<strong>de</strong> recusou dançar a quadrilha,<br />
confessando que a última vez que tinha dançado tinha sido com o rei<br />
do Daomé, bons anos antes. Mas ceou e permaneceu na festa até as<br />
duas da manhã, se retirando quando ela ainda estava muito animada.<br />
Esteve com seu compatriota o, já citado, John Rose, inglês da região<br />
mineira da Cordoalha, pedreiro, carpinteiro e arquiteto, ex-empregado<br />
da Mina <strong>de</strong> Morro Velho e, como vimos, construtor do <strong>de</strong>corativo<br />
passadiço da rua da Glória e que, segundo Burton, vivia<br />
confortavelmente em Diamantina, por conta das cinco mil libras que<br />
tinha conseguido juntar no Brasil 219 .<br />
Depois <strong>de</strong> três dias, nosso bravo capitão voltou ao rio São<br />
Francisco, pegou a sua tosca canoa e, como Spix e Martius fizeram<br />
meio século antes, rumou para a Bahia; <strong>de</strong>ixando para sempre o país<br />
das minas e <strong>dos</strong> diamantes. Retornou a Santos on<strong>de</strong> reassumiu seu<br />
cargo <strong>de</strong> cônsul e concluiu o relato <strong>de</strong> sua viagem. O livro foi<br />
publicado em 1869, sob supervisão <strong>de</strong> Isabel Burton, enquanto o<br />
marido permanecia no Brasil. De Santos Burton foi transferido a<br />
Damasco e a Trieste on<strong>de</strong> morreu entediado em 1890, com sessenta e<br />
nove anos remoendo sauda<strong>de</strong>s das suas tantas aventuras pelo mundo.<br />
As Igrejas<br />
Cadastramos em Diamantina um total <strong>de</strong> oito templos: igreja<br />
<strong>de</strong> N. S. do Rosário <strong>dos</strong> Pretos, igreja <strong>de</strong> N. S. do Carmo, capela do<br />
Bonfim <strong>dos</strong> Militares, igreja <strong>de</strong> N. S. das Mercês, igreja <strong>de</strong> N. S. da Luz,<br />
219 Rose trabalhou para o bispo, d. João Antônio <strong>dos</strong> Santos, além do Passadiço da<br />
Glória construiu também a fábrica <strong>de</strong> teci<strong>dos</strong> <strong>de</strong> Biribiri.<br />
327
Capela Imperial do Amparo, igreja <strong>de</strong> S. Francisco <strong>de</strong> Assis, capela <strong>de</strong><br />
Santana do distrito <strong>de</strong> Inhaí. A igreja do Carmo foi tombada pelo<br />
IPHAN em 1940, as <strong>de</strong>mais foram tomadas em 1949. A igreja <strong>de</strong> Inhaí<br />
e a igreja <strong>de</strong> N. S. da Luz não são tombadas.<br />
Igreja <strong>de</strong> N. S. do Carmo – 1765<br />
Como se recorda, nos comentários feitos no princípio <strong>de</strong>ste<br />
livro dissemos que as <strong>igrejas</strong> da região <strong>de</strong> Diamantina seguem mo<strong>de</strong>los<br />
distintos <strong>dos</strong> adota<strong>dos</strong> na região do Ouro Preto, do Sabarabuçu e do<br />
Rio das Mortes e até mesmo da vizinha Serro. Aqui as <strong>igrejas</strong> são<br />
predominantemente barrocas, com poucos adornos tipicamente<br />
rococós, sem estruturas ou talhas em pedra, com fachadas simples e<br />
assimétricas, <strong>de</strong> torres únicas com telhado em quatro águas afila<strong>dos</strong> no<br />
centro e com as bases avançando sobre os beirais. Não há retábulos em<br />
arquivoltas mas sim predominantemente em <strong>dos</strong>sel. Os altares do<br />
transepto são muito simples, a nave é iluminada por quatro janelões e a<br />
capela mor por quatro aberturas retangulares. São comuns torres e<br />
frontões <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira. Em geral não são construídas em praças e sim em<br />
cantos <strong>de</strong> ruas do que lhes resulta, quase sempre, falta <strong>de</strong> espaço para<br />
um verda<strong>de</strong>iro adro. Comparando-as com as da região do ouro,<br />
po<strong>de</strong>riam ser tidas como um tanto retardatárias, não tendo chegado a<br />
alcançar, particularmente nas fachadas, a fase rococó que, aliás já estava<br />
madura quando a maioria das <strong>igrejas</strong> daqui começou a ser construída.<br />
Isso, em gran<strong>de</strong> parte, foi fruto do forte isolamento a que o distrito <strong>dos</strong><br />
diamantes foi submetido, até mea<strong>dos</strong> do século XIX, o que não livrou<br />
o rei do contrabando mas prejudicou o intercâmbio cultural com o<br />
restante da capitania. Assim, em certa medida, os artistas sacros<br />
setecentistas diamantinenses acabaram fecha<strong>dos</strong> num circulo, com os<br />
menos copiando os mais talentosos. 220 Não aportou na região, por<br />
exemplo, um Francisco Xavier <strong>de</strong> Brito, trazendo i<strong>de</strong>ias novas que,<br />
inclusive, pu<strong>de</strong>ssem ser enriquecidas e superadas por influentes geniais<br />
como Antônio Francisco Lisboa. Alias, o ponto mais setentrional que o<br />
Aleijadinho pisou foi a Jaguara, rio das Velhas abaixo. Assim, as torres<br />
220 Há um documento <strong>de</strong> contratação da reforma da igreja do Rosário <strong>de</strong> 1772<br />
impondo ao contratado a obrigação <strong>de</strong> copiar <strong>de</strong>talhes das <strong>igrejas</strong> do Carmo e <strong>de</strong> São<br />
Francisco.<br />
328
harmoniosas e portadas monumentais, em pedra sabão e cantaria<br />
passaram longe, mesmo porque esses materiais não eram tão comuns<br />
ou conheci<strong>dos</strong> na região. Até mesmo uma boa ma<strong>de</strong>ira não era tão<br />
abundante assim. E eis pois que também a falta <strong>de</strong> materiais aparece<br />
como certo empecilho ao <strong>de</strong>senvolvimento da arquitetura religiosa no<br />
distrito <strong>dos</strong> diamantes.<br />
Tudo isso não significa que as <strong>igrejas</strong> setecentista <strong>de</strong> Diamantina<br />
ou do Serro sejam <strong>de</strong>stituídas <strong>de</strong> valor ou mesmo inferiores àquelas<br />
erigidas mais ao sul. Ao contrário, a <strong>de</strong>speito do isolamento e talvez até<br />
por conta <strong>de</strong>le mesmo, aqui se <strong>de</strong>senvolveu um original estilo pictórico<br />
<strong>de</strong> boa qualida<strong>de</strong>, muito peculiar e até superior a muito do que se<br />
praticou, na mesma época, na região do ouro.<br />
No geral este é o quadro <strong>de</strong> referência da igreja do Carmo. Fica<br />
numa esquina da rua do Contrato, próximo ao Palácio Episcopal e,<br />
naturalmente, próximo da casa <strong>de</strong> Chica da Silva. Trata-se do famoso<br />
templo construído pelo contratador João Fernan<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Oliveira e que,<br />
para não incomodar sua mulata geniosa, mandou colocar a torre nos<br />
fun<strong>dos</strong>. Há uma segunda versão que acredita que o motivo era criar um<br />
subterfúgio para que ela pu<strong>de</strong>sse freqüentar a igreja já que segundo o<br />
costume, os negros jamais podiam passar além da torre <strong>dos</strong> templos.<br />
Com ela no fundo a Chica po<strong>de</strong>ria entrar até a capela mor já que, todo<br />
o corpo principal do templo fica antes da torre. É provável que o<br />
motivo seja outro pois sabe-se que houve briga entre os membros da<br />
Irmanda<strong>de</strong> do Carmo <strong>de</strong>vido ao local on<strong>de</strong> o templo <strong>de</strong>veria ser<br />
construído. É provável que a posição da torre seja conseqüência <strong>de</strong><br />
algum tipo <strong>de</strong> negociação por conta <strong>de</strong>ssa divergência. Depois <strong>de</strong><br />
pronto, o contratador doou o templo à Irmanda<strong>de</strong> <strong>de</strong> que ele fazia<br />
parte e que era também aqui tão elitista quanto em Vila Rica, Sabará,<br />
Mariana e São João <strong>de</strong>l Rei e que só admitia os gran<strong>de</strong>s nomes do lugar.<br />
Trabalhou neste templo outro notável pintor mineiro do século<br />
XVIII. O já citado guarda-mor José Soares <strong>de</strong> Araújo, tido por alguns<br />
como da mesma estatura <strong>de</strong> um Ataí<strong>de</strong>. 221 Trata-se sem dúvida do<br />
maior artista setecentista sacro do distrito, responsável por obras<br />
interessantes que muito valorizam as <strong>igrejas</strong> on<strong>de</strong> trabalhou. São suas as<br />
221 Na verda<strong>de</strong> ele nasceu em Portugal e sofreu influência <strong>de</strong> pintores que trabalharam<br />
em <strong>igrejas</strong> baianas.<br />
329
pinturas no teto da capela mor e da nave e douramentos nos altares<br />
laterais. Essas notáveis pinturas são em perspectiva ilusionista<br />
formando estruturas arquitetônicas que emolduram variadas cenas<br />
repletas <strong>de</strong> minuciosos <strong>de</strong>talhes. Destaque, pois, para as representações<br />
das imagens <strong>de</strong> veneração <strong>dos</strong> Terceiros do Monte do Carmo: na capela<br />
mor a Virgem entregando os escapulários a são Simão Stock e na nave<br />
o profeta Elias no carro <strong>de</strong> fogo arremetendo para o Céu.<br />
A fachada da igreja é absolutamente assimétrica. Externamente<br />
parece mais um casarão do que uma igreja. O adro é apenas um<br />
espaço lateral cercado <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira e a frente do templo está<br />
praticamente na beira da rua. Existem dois frontispícios. O primeiro é<br />
dividido em três partes <strong>de</strong>limitadas por pilastras <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira pintada. No<br />
centro está a porta principal, com portais simples em ma<strong>de</strong>ira e uma<br />
verga reforçada, encimada por um medalhão singelo que chega até um<br />
óculo irregular envidraçado. Nas partes laterais estão duas sacadas com<br />
cimalhinhas básicas e guarda-corpo <strong>de</strong> ferro. O segundo frontispício<br />
tem uma porta semelhante à primeira, porém menor e sem nenhum<br />
adorno sobre a verga. Funcionalmente é apenas um vestíbulo que dá<br />
acesso a nave por uma porta lateral. Acima está uma sacada idêntica <strong>às</strong><br />
outras duas. A cimalha, em forma <strong>de</strong> beiral coberto <strong>de</strong> telhas, corta os<br />
dois frontispícios, fazendo uma curva no primeiro para contornar o<br />
óculo. Existem também dois frontões: o primeiro é alto, forma um<br />
paredão <strong>de</strong> tábuas sobre o qual está uma minúscula empena com<br />
cobertura <strong>de</strong> telhas e sustentando uma cruz. Dos la<strong>dos</strong> <strong>de</strong>sse paredão<br />
há recortes <strong>de</strong> volutas e coruchéus nas pontas. Abaixo há um pequeno<br />
óculo envidraçado <strong>de</strong> forma ovalada. O segundo frontão é semelhante<br />
ao que se encontra acima do paredão, porém maior e se apoia<br />
diretamente na cimalha. No século XIX foi construída uma torre atrás<br />
<strong>de</strong>sse frontão em substituição a que havia <strong>de</strong>pois da capela mor e que<br />
estava em ruínas. Mais recentemente essa torre foi <strong>de</strong>molida, voltando a<br />
ser reerguida a original, no fundo do templo on<strong>de</strong> hoje se encontra, à<br />
distância do sono justo <strong>de</strong> Chica da Silva. É <strong>de</strong>lgada, com um telhado<br />
afilado em quatro águas avançando sobre o beiral e uma esfera armilar<br />
com pára-raios na grimpa. A distribuição arquitetônica interna é<br />
convencional, com sacristia e consistório nas laterais, por on<strong>de</strong> é<br />
possível se acessar um salão sobre o qual está erguida a torre.<br />
330
Quem examina a fachada <strong>de</strong>sta igreja e a acha um tanto<br />
<strong>de</strong>sengonçada, 222 se surpreen<strong>de</strong> com a harmonia e o equilíbrio do<br />
interior. É um barroco leve, com oportunas combinações <strong>de</strong> dourado<br />
com fundo <strong>de</strong> um cinza suave no melhor da terceira fase, já com a<br />
predominância do rococó. Os altares da nave encostam-se sobre o<br />
transepto do arco cruzeiro, quebrando o seu ângulo. O retábulo da<br />
capela mor é formado <strong>de</strong> quatro pilastras clássicas, retas, lisas e<br />
marmorizadas, com robustos capitéis. As internas sustentam um arco<br />
sóbrio e as externas sustentam um amplo <strong>dos</strong>sel. No alto do retábulo,<br />
entre o arco e o <strong>dos</strong>sel, há um medalhão concheado. O trono é sóbrio e<br />
alto. O camarim é espaçoso e está adornado com pintura figurativa no<br />
teto. Os altares da nave têm quase a mesma dimensão do da capela<br />
mor. São um pouco mais sóbrios. O retábulo tem duas colunas retas,<br />
semelhantes <strong>às</strong> do altar mor. Não há propriamente um <strong>dos</strong>sel mas sim<br />
um baldaquino franjado e acima <strong>de</strong>le está um alto espaldar reto que vai<br />
até a cornija. O arco cruzeiro apresenta fortes capitéis que sustentam a<br />
curva da cornija sobre a qual está uma tarja dourada bastante<br />
trabalhada, obra do entalhador Manuel Pinto. Há um único púlpito<br />
adornado <strong>de</strong> <strong>de</strong>licadas filigranas douradas. Pela riqueza e <strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za <strong>dos</strong><br />
<strong>de</strong>talhes merece ser trabalho <strong>de</strong> José Soares <strong>de</strong> Araújo. As pare<strong>de</strong>s da<br />
nave são imaculadas e coroam o aspecto suave <strong>de</strong> todo o interior do<br />
templo. A iluminação interna da nave é garantida pelos óculos e por<br />
janelões nas laterais. Nas pare<strong>de</strong>s da capela mor há aberturas<br />
irregulares <strong>de</strong> tendência retangular. Na frente do coro está um órgão,<br />
ali colocado em 1782 e que teve como organista contratado o genial<br />
compositor barroco mineiro Lobo <strong>de</strong> Mesquita, aqui homenageado<br />
com o nome da praça on<strong>de</strong> está a casa da Chica da Silva. O instrumento<br />
fecha quase que inteiramente o coro o que permitia ao gran<strong>de</strong> músico<br />
encantar os ouvi<strong>dos</strong>, sem ferir com sua mulatice as sensíveis retinas<br />
<strong>dos</strong> brancos do Carmo.<br />
Há que registrar, ainda, uma pintura no forro do consistório<br />
com um medalhão no centro e <strong>de</strong>talhes em volta e um oratório no<br />
fundo da sacristia que pega todo o espaço da pare<strong>de</strong> e mostra um Cristo<br />
crucificado. Há também pinturas figurativas no vestíbulo, sob o<br />
assoalho do coro.<br />
222 Desculpe-me o caro leitor politicamente correto em termos estéticos, mas eu<br />
continuo muito <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da harmonia das linhas simétricas ou, pelo menos,<br />
<strong>de</strong>ssimétricas.<br />
331
Estariam enterra<strong>dos</strong> aqui o padre Rolim e o próprio José Soares<br />
<strong>de</strong> Araújo, mas ninguém sabe exatamente aon<strong>de</strong>.<br />
Capela <strong>de</strong> N. S. do Amparo - 1773<br />
É uma igreja muito peculiar, mesmo se comparada com outros<br />
templos da região. No século XIX recebeu o título <strong>de</strong> imperial o que<br />
explica o brasão em sua fachada. Ergue-se na confluência da rua do<br />
Amparo com outra que, à partir daí, vira um beco, como tantos que há<br />
em Diamantina. Não tem propriamente um adro e se abre quase<br />
diretamente sobre a rua. Sua fachada é constituída basicamente <strong>de</strong> duas<br />
peças: o frontispício e a torre, cada um querendo aparecer mais do que<br />
o outro. No centro do frontispício há uma porta simples, almofadada,<br />
com portais <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira e uma verga arqueada e com as armas imperiais<br />
acima, pintada sobre um painel encostando num pequeno óculo<br />
cruciforme. Ao lado estão duas sacadas com balaustradas <strong>de</strong> ferro<br />
batido, bem próximas aos cunhais. A cimalha é em forma <strong>de</strong> beiral,<br />
com base saliente e com cobertura <strong>de</strong> telhas. Há ainda um frontão com<br />
frisos em volutas que, na verda<strong>de</strong>, é uma espécie <strong>de</strong> painel <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira<br />
pintado. Atrás está uma torre <strong>de</strong>spropositadamente larga e alta, com<br />
telhado em quatro águas e perfil irregular um tanto achinesado e um<br />
pequeno óculo na parte <strong>de</strong> baixo. Sabe-se que ela foi construída <strong>de</strong>pois,<br />
em substituição à original que teria ruído. No centro está a abertura do<br />
sino, meio perdido na robustez do conjunto.<br />
Há registros <strong>de</strong> contratos <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> pinturas neste templo,<br />
celebra<strong>dos</strong> com o competente pintor do Serro, Silvestre <strong>de</strong> Almeida<br />
Lopes; ao longo <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> quinze anos, bem como contratos diversos<br />
<strong>de</strong> obras até mea<strong>dos</strong> do século XIX. Não conseguimos conhecer o<br />
interior do templo que estava fechado para reforma quando o<br />
visitamos.<br />
Igreja <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Assis - 1768<br />
É outra igreja com fachada <strong>de</strong>sarmoniosa. Apresenta traços, em<br />
alguma medida pareci<strong>dos</strong> com os do templo <strong>dos</strong> Irmãos do Carmo, já<br />
<strong>de</strong>scrito.<br />
Fica no princípio da la<strong>de</strong>ira da Casa <strong>de</strong> J.K./ Bar do Nonô, para<br />
on<strong>de</strong> se abre a escadaria <strong>de</strong> acesso ao seu pequeno adro que é mesmo<br />
um passeio mais largo com uma cerca <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira. Há, porém, um<br />
espaço lateral para on<strong>de</strong> se abre uma segunda porta <strong>de</strong> acesso à nave e<br />
332
uma outra <strong>de</strong> acesso ao consistório. Também tem uma fachada<br />
assimétrica, conseqüência da torre única postada na lateral. O<br />
frontispício é quadrado, com pilastras <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira pintada, enquadrando<br />
a porta almofadada. Esta tem uma ombreira um pouco mais<br />
trabalhada, com uma verga mais saliente. Acima há um ornato <strong>de</strong>lgado<br />
em volutas, com o brasão da or<strong>de</strong>m no meio e que se alonga e sustenta<br />
um ornato volteado que se encosta num óculo irregular envidraçado.<br />
Ao lado há duas sacadas com guarda-corpo <strong>de</strong> ferro e cimalhinhas<br />
semelhantes à verga. Ao lado do frontispício está a base da torre única e<br />
entre elas um espaço esteticamente inútil, to<strong>dos</strong> enquadra<strong>dos</strong> por<br />
pilastras <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira pintada. Há também nesta base uma terceira sacada<br />
igual <strong>às</strong> outras do frontispício. A cimalha é do tipo beiral, <strong>de</strong> perfil<br />
saliente com cobertura <strong>de</strong> telhas. Circunda todo o telhado. Sobre o<br />
frontispício está um frontão singelo, quase reto mas com pequenas<br />
volutas nas bordas. Há um outro óculo envidraçado no tímpano e uma<br />
cruz no topo que, ao contrário da tradicional Cruz <strong>de</strong> Lorena preferida<br />
pelos Irmãos da Or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> São Francisco mineiras, é em resplendor. A<br />
torre única é reta, com pilastras na lateral e um relógio curiosamente<br />
encaixado na parte superior do vão do sino. É em quatro águas, afilada<br />
no centro e coberta <strong>de</strong> telhas. No topo há um pináculo sustentando um<br />
pára-raios.<br />
A distribuição do espaço interno é básica, com o consistório e a<br />
sacristia posiciona<strong>dos</strong> nas laterais da capela mor.<br />
O retábulo do altar mor é em <strong>dos</strong>sel com um medalhão no alto<br />
e um arco franjado na parte inferior. As colunas, em número <strong>de</strong> dois,<br />
são iguais, retas e <strong>de</strong> fuste estriado e nascem sobre medalhões<br />
doura<strong>dos</strong>. Entre elas estão nichos com baldaquinos. O trono é em<br />
<strong>de</strong>graus arredonda<strong>dos</strong> com o Crucificado no alto e são Francisco mais<br />
abaixo. Há uma pintura no camarim, representando nuvens e conchas.<br />
O douramento é <strong>de</strong>licado e apresenta arremates que buscam dar a<br />
ilusão <strong>de</strong> relevo. A mesa da comunhão integra o conjunto<br />
harmonicamente.<br />
No alto do arco cruzeiro há uma tarja dourada com<br />
simbolismos franciscanos.<br />
Os altares do transepto são simples e <strong>de</strong> pouca profundida<strong>de</strong>,<br />
com uma confusa e <strong>de</strong>sagradável mistura <strong>de</strong> estilos. Há um único<br />
púlpito, com base alargada e cujo acesso é obtido através <strong>de</strong> uma<br />
entrada lateral, guarnecida <strong>de</strong> uma porta bastante avantajada para sua<br />
singela função.<br />
333
No teto da capela mor há uma pintura <strong>de</strong> José Soares <strong>de</strong><br />
Araújo, um tanto mais simplificada do que as das <strong>igrejas</strong> do Carmo e do<br />
Rosário: não há as complexas perspectivas arquitetônica ilusionistas<br />
daquelas, mas apenas algumas pilastras enquadrando a Senhora da<br />
Conceição. Ainda mais simplificadas são as pinturas das laterais,<br />
imitando balaustradas com vasos <strong>de</strong> flores no centro. Segundo a lenda,<br />
Zé Soares teria pintado figuras caricatas <strong>dos</strong> membros da irmanda<strong>de</strong> no<br />
teto da nave, em reação ao <strong>de</strong>scumprimento do contrato assinado com<br />
ele. Essas figuras, representando-os com caras <strong>de</strong> ratos, foram<br />
evi<strong>de</strong>ntemente apagadas e hoje o forro se apresenta absolutamente<br />
branco.<br />
No forro do consistório está a interessante pintura atribuída a<br />
Silvestre Almeida Lopes, representando são Francisco <strong>de</strong>scendo o<br />
Crucificado, emoldurado por farta <strong>de</strong>coração. É uma pintura<br />
tipicamente rococó <strong>de</strong> excelente qualida<strong>de</strong> que, junto ao trabalho por<br />
ele feito na capela mor da igreja do Bom Jesus <strong>de</strong> Matosinhos do Serro,<br />
garante a fama <strong>de</strong> mestre Silvestre.<br />
Igreja do Bonfim <strong>dos</strong> Militares - 1771<br />
A igreja está construída em uma pequena plataforma <strong>de</strong><br />
calçamento irregular <strong>de</strong> lajes que lhe serve <strong>de</strong> adro e liga o seu acesso à<br />
rua do Bonfim, através <strong>de</strong> uma escadaria <strong>de</strong> pedras. O estilo da sua<br />
fachada é típico: assimétrico, com torre única e uma peça <strong>de</strong> ligação<br />
entre o frontispício e a base da torre, à semelhança da igreja <strong>de</strong> São<br />
Francisco. O frontispício, somado à tal peça <strong>de</strong> ligação, tem a forma<br />
quadrada, porém o frontão cobre apenas a sua parte principal. A porta<br />
também segue o padrão ou seja, é almofadada, tem um portal simples,<br />
com uma verga fiel ao estilo <strong>dos</strong> portais e um adorno singelo, com um<br />
medalhão <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira em cima. Há duas sacadas <strong>de</strong> cada lado da parte<br />
superior da porta, com cimalhinhas copiadas da verga e guarda-corpo<br />
<strong>de</strong> ferro. Uma segunda porta lateral permite o acesso à nave. O frontão<br />
é uma empena reta, com um óculo envidraçado em forma <strong>de</strong> janelinha,<br />
no centro do tímpano. A cimalha é múltipla, em forma <strong>de</strong> beiral, com<br />
cobertura <strong>de</strong> telhas que contorna toda a fachada e se vira nas pontas ao<br />
estilo chinês. O frontão também apresenta uma moldura <strong>de</strong> telhas tipo<br />
beiral. A torre única é simples, quadrada e tem uma cobertura <strong>de</strong> telha<br />
<strong>de</strong> quatro águas, afilada no centro e com pontas lembrando também<br />
telha<strong>dos</strong> chineses. Seu exterior é guarnecido <strong>de</strong> tábuas dispostas na<br />
vertical.<br />
334
A igreja <strong>dos</strong> militares tem dimensões internas bastante<br />
diminutas. Apesar disso tem o seu vestíbulo e o competente quebra<br />
vento.<br />
O altar mor mostra um arco franjado com um medalhão no<br />
centro. Não tem propriamente colunas mas sim uns consolos<br />
incompletos, entre os quais estão nichos encima<strong>dos</strong> por baldaquinos.<br />
Mostra uma agradável, incomum e harmoniosa pintura, combinando<br />
dourado com prateado. No teto da capela mor há uma pintura do<br />
Cristo <strong>de</strong>scendo da cruz, emoldurado por perspectivas arquitetônica<br />
ilusionista feita por um discípulo <strong>de</strong> José Soares <strong>de</strong> Araújo que buscou<br />
seguir fielmente o estilo do mestre.<br />
A nave é totalmente <strong>de</strong>spojada, salientando apenas uma figura<br />
<strong>de</strong> resplendor no alto do arco cruzeiro e um púlpito. Do lado da nave<br />
está a sacristia também bastante <strong>de</strong>spojada. Externamente há um pátio<br />
para on<strong>de</strong> se abre diretamente a porta <strong>de</strong> acesso ao púlpito.<br />
Naturalmente, no passado havia uma escada <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira para alcançá-lo.<br />
Hoje virou uma janela. Também para esse pátio se abre a porta <strong>de</strong><br />
acesso ao coro e ao topo da torre que é inteiramente <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira. De lá<br />
se po<strong>de</strong> avistar a praça do Rosário com seu respectivo templo e as<br />
serras, em planos e tons diversos <strong>de</strong> azul, no fundo. As nuvens baixas<br />
vistas em gran<strong>de</strong> extensão, acusam a elevada altitu<strong>de</strong> do platô on<strong>de</strong><br />
Diamantina está construída.<br />
Igreja <strong>de</strong> N. S. das Mercês – 1779<br />
Ao contrário das <strong>igrejas</strong> até agora <strong>de</strong>scritas, a igreja das Mercês<br />
possui uma fachada harmoniosa com sua única torre assentada no<br />
centro da fachada. Foi erigida pela Irmanda<strong>de</strong> <strong>dos</strong> Pretos Crioulos,<br />
dissi<strong>de</strong>ntes <strong>dos</strong> seus irmãos pretos africanos do Rosário.<br />
A origem <strong>de</strong>sta igreja tem uma história interessante. Consta que<br />
o irmão dr. Luiz José <strong>de</strong> Figueiredo se dispôs a fazer substanciosa<br />
doação para ereção e manutenção do templo em troca do privilégio <strong>de</strong><br />
ter uma tribuna cativa para assistir aos ofícios junto com a família.<br />
Porém, parece que o benemérito tentou enrolar a irmanda<strong>de</strong>, ce<strong>de</strong>ndo<br />
um terreno não tão nobre quanto o inicialmente prometido. Disto<br />
resultou um <strong>de</strong>sentendimento que acabou com sua saída da associação<br />
que assim, teve que se virar como pô<strong>de</strong> para erguer e manter o templo.<br />
A igreja se ergue na rua das Mercês, numa esquina que lhe<br />
permite ter praticamente duas portas nobres <strong>de</strong> entrada, sendo uma na<br />
lateral com uma escada que a liga ao nível da rua. Como acontece com a<br />
335
maioria das <strong>igrejas</strong> daqui, não tem adro. Dispõe somente <strong>de</strong> um<br />
pequeno espaço lateral e assim a porta principal está na rua. A fachada<br />
é constituída <strong>de</strong> três peças, sendo as laterais em plano um pouco mais<br />
baixo. Como o templo tem uma única torre central, o frontispício é na<br />
verda<strong>de</strong> a base <strong>de</strong>ssa torre. Assim ele sua largura é suficiente apenas<br />
para <strong>de</strong>limitar as linhas laterais da torre e abrigar a porta. Esta é simples,<br />
com portal e verga <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira. As pilastras e cunhais apresentam uma<br />
particularida<strong>de</strong> rara: têm a base em pedra <strong>de</strong> ardósia. Com certeza foi<br />
uma modificação executada recentemente. Acima da porta se abre um<br />
óculo cruciforme envidraçado. As peças maiores da fachada estão nas<br />
laterais do estreito frontispício e têm, cada uma, uma sacada no centro,<br />
com guarda-corpo <strong>de</strong> ferro e molduras semelhantes <strong>às</strong> da porta. A torre<br />
única é quadrada, com telhado em quatro águas afilado no centro. A<br />
cimalha é do tipo beiral com cobertura <strong>de</strong> telhas. Há um leve <strong>de</strong>clive<br />
do telhado entre o alinhamento das torres e o <strong>dos</strong> cunhais.<br />
A distribuição do espaço interno é muito peculiar. A nave é<br />
guarnecida <strong>de</strong> trifórios sobre os quais estão as tribunas. Toda a parte<br />
superior se comunica, ou seja as tribunas se comunicam com o coro e<br />
até com os púlpitos e é tudo estruturado em ma<strong>de</strong>ira. Há ainda uma<br />
série <strong>de</strong> cômo<strong>dos</strong> nas laterais e atrás da capela mor que fazem com que<br />
a construção tenha uma distribuição arquitetônica mais <strong>de</strong> um casarão<br />
do que <strong>de</strong> uma igreja.<br />
Manuel Pinto Bessa e o conhecidíssimo José da Silva<br />
trabalharam no retábulo e no arco cruzeiro. Há uma pintura, um tanto<br />
rococó, <strong>de</strong> Manuel Alves Passos, no forro da capela mor. Aires da Mata<br />
Machado Filho nos conta que Experidião Roiz da Cunha foi<br />
contratado, já no século XIX, para pintar o forro da nave, mas hoje ele<br />
se apresenta inteiramente branco.<br />
O retábulo do altar mor apresenta um arco com um medalhão<br />
na parte <strong>de</strong> cima, adornado por formas conchoi<strong>de</strong>s . É la<strong>de</strong>ado por<br />
pilastras retas e lisas, em pintura marmorizada. O trono é em <strong>de</strong>graus e<br />
sustenta imagens <strong>de</strong> roca, ina<strong>de</strong>quadamente vestidas.<br />
Os altares do transepto são simples, ao estilo <strong>dos</strong> das <strong>igrejas</strong> do<br />
Rosário e <strong>de</strong> São Francisco mas, ainda mais empobreci<strong>dos</strong>.<br />
Existe um guarda-corpo separando a nave da capela mor,<br />
inteiramente original, em ma<strong>de</strong>ira, imitando velhas gra<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ferro<br />
medievais.<br />
336
Quando visitamos a igreja fomos recebi<strong>dos</strong> pelo Paulo<br />
Francisco, um esperto guia <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> doze anos muito bem<br />
informado e perspicaz que, entusiasmando pelo nosso interesse, nos<br />
levou nos mais recônditos lugares, inclusive no camarim do altar mor<br />
que pu<strong>de</strong>mos visitar e ver as imagens cara-a-cara. Ele nos contou que<br />
quando os pretos com mais <strong>de</strong> sessenta anos foram alforria<strong>dos</strong>, eles não<br />
tinham para on<strong>de</strong> ir. Como foram repudia<strong>dos</strong> por seus irmãos do<br />
Rosário, vieram morar na igreja <strong>dos</strong> rivais mulatos. 223 Isso é<br />
inteiramente verossímil já que ela dispõe <strong>de</strong> vários cômo<strong>dos</strong><br />
distribuí<strong>dos</strong> no espaço em torno da capela mor. Ele nos contou ainda<br />
que Lobo <strong>de</strong> Mesquita tocou nessa igreja assim como na do Carmo<br />
on<strong>de</strong> tinha que chegar mais cedo e sair mais tar<strong>de</strong>, porque era mulato e<br />
não podia freqüentar o templo. 224 Arrematou sua explanação sobre a<br />
igreja informando que uma mulata da irmanda<strong>de</strong> foi morta e feita em<br />
picadinhos <strong>de</strong>vido ter arranjado um caso amoroso com um <strong>dos</strong> tais<br />
negros sexagenários aqui exila<strong>dos</strong>. Não <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> acentuar o horror do<br />
acontecimento salientando, porém, mais a ferrenha rivalida<strong>de</strong> entre<br />
negros e mulatos do que a ignomínia da tentação da tal mulata.<br />
Igreja <strong>de</strong> N. S. da Luz – 1793<br />
Esta igreja foi mandada construir pela madre Tereza <strong>de</strong> Jesus,<br />
filha <strong>de</strong> abastada família portuguesa e que acreditava ter sido salva do<br />
famoso terremoto que arrasou Lisboa em 1755, por graça <strong>de</strong> N. S. da<br />
Luz. Ergue-se naturalmente na rua da Luz mas está no canto <strong>de</strong> um<br />
alargamento da rua, coisa rara por aqui. No século XIX ela foi doada à<br />
irmanda<strong>de</strong> da Arquiconfraria do Cordão <strong>de</strong> São Francisco.<br />
223 Originalmente as irmanda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pretos africanos se distinguiam das <strong>dos</strong> crioulos<br />
brasileiros. Com a redução do tráfego negreiro essa coisa se misturou um pouco e no<br />
século XIX a distinção maior já era entre negros e mulatos.<br />
224 A gran<strong>de</strong> maioria <strong>dos</strong> músicos mineiros do século XVIII era formada <strong>de</strong> mulatos.<br />
Escreveu José João Teixeira Coelho em 1780 (Instrução para o Governo da Capitania<br />
<strong>de</strong> <strong>Minas</strong> Geras): “ Aqueles mulatos que não se fazem absolutamente ociosos se<br />
empregam no exercício <strong>de</strong> músicos, os quais são tantos na Capitania <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> que,<br />
certamente, exce<strong>de</strong>m o número <strong>dos</strong> que há em todo o Reino. (E arremata) Em que<br />
interessa ao Estado esta aluvião <strong>de</strong> músicos? “<br />
337
Assim como a igreja das Mercês, apresenta uma fachada<br />
simétrica, sem apêndices <strong>de</strong>sarmônicos. Tem um pequeno adro<br />
antigamente cercado mas hoje sem nenhuma proteção.<br />
Sua fachada é formada, basicamente, pela torre e pelo<br />
frontispício. Este é quadrado, tem uma porta no centro com portais<br />
retos e três sacadas com balaustradas <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira e com moldura<br />
semelhante ás da porta, porém com verga arqueada. O frontão, <strong>de</strong><br />
ma<strong>de</strong>ira, é apenas uma empena reta com cobertura tipo beiral com<br />
telhas e um óculo oitavado e envidraçado no tímpano. A cimalha, um<br />
pouco mais saliente, sustenta uma espécie <strong>de</strong> beiral que contorna todo o<br />
templo, sendo mais avançado nas partes laterais. A torre tem o sino em<br />
uma <strong>de</strong> suas aberturas e as <strong>de</strong>mais são fechadas por janelas com<br />
tabuinhas em veneziana. A cúpula hoje é uma pirâmi<strong>de</strong> coberta por<br />
folhas <strong>de</strong> flandres e com um friso rendado <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira contornando a<br />
saliência da junção com a torre.<br />
É um templo bastante <strong>de</strong>sprezado pelo circuito turístico<br />
convencional, seja pela sua localização, seja por não apresentar gran<strong>de</strong><br />
atrativo artístico, seja por não ser consi<strong>de</strong>rado por muitos como<br />
autenticamente setecentista. Permanece sistematicamente fechado e<br />
assim não pu<strong>de</strong>mos conhecê-lo internamente.<br />
Igreja do Rosário – 1728<br />
Esta igreja passou por reformas significativas por volta <strong>de</strong> 1772<br />
, sendo preservada, porém, a capela mor primitiva e o corpo principal<br />
da nave. Assim, a intervenção não chegou a <strong>de</strong>scaracterizar a condição<br />
da igreja do Rosário ser o templo mais antigo <strong>de</strong> Diamantina. É a igreja<br />
da famosa gameleira que cresceu a partir da base do cruzeiro que há em<br />
frente, abraçando-o <strong>de</strong> forma um tanto mística. É uma das poucas<br />
<strong>igrejas</strong> do Tijuco que dispõem <strong>de</strong> um espaço externo a que se possa<br />
chamar, confortavelmente, <strong>de</strong> adro. Nele está inclusive, um chafariz <strong>de</strong><br />
pedra sabão, mandado construir por Luiz da Cunha Menezes, o odiado<br />
governador <strong>dos</strong> inconfi<strong>de</strong>ntes que neste tempo andava perseguindo o<br />
padre Rolim, suspeitando-o <strong>de</strong> gostar <strong>de</strong> viajar com diamantes sob a<br />
batina.<br />
Aberta para a praça do Rosário, sua fachada mantem a<br />
característica <strong>de</strong>sarmoniosa típica do tempo e do lugar. Assim, ao<br />
quadrado do frontispício se agregam duas laterais inteiramente<br />
<strong>de</strong>siguais. A impressão que se tem é que essas laterais foram acrescidas<br />
338
<strong>de</strong>pois, sem prévia consulta aos responsáveis pelo projeto original. De<br />
fato, documentos da contratação da reforma <strong>de</strong> 1772 falam em<br />
acréscimos na fachada e isso po<strong>de</strong> ser facilmente percebido.<br />
O frontispício propriamente dito é correto, seguindo um<br />
quadrado perfeito entre pilastras e cunhais. No centro está uma porta<br />
singela ou seja, com portais simples <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira e uma verga arqueada e<br />
com uma gran<strong>de</strong> porta almofadada. Ao lado estão duas pequenas<br />
sacadas, com moldura como as da porta e guarda-corpo <strong>de</strong> ferro,<br />
melindrosamente rendado. O frontão <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira é imponente com um<br />
óculo envidraçado tocando a cimalha. Reproduções mais <strong>antigas</strong><br />
mostram um medalhão sobre o óculo que hoje não mais se vê, retirado<br />
que foi por alguma restauração mais recente. Nas laterais aparecem<br />
volutas e coruchéus e o topo apresenta uma cobertura em telhas, com<br />
uma cruz <strong>de</strong> singelos resplendores no centro e coruchéus menores nos<br />
la<strong>dos</strong>. A base da torre única apresenta uma sacada semelhante <strong>às</strong> duas<br />
sacadas centrais e se liga ao frontispício por um espaço, no centro do<br />
qual está uma porta menor com portais básicos. A torre é quadrada e<br />
coberta por um telhado em quatro águas, afilado no centro, com a base<br />
avançando sobre os beirais e com um imponente cata-vento sobre uma<br />
esfera armilar, no topo. Do lado oposto há uma segunda peça,<br />
seguramente acrescida <strong>de</strong>pois, com uma porta e uma janela retangular e<br />
com um telhado em meia água. A cimalha é do tipo beiral sobre uma<br />
base mais saliente em alvenaria. Há alguns anos havia um muro<br />
obstruindo a via pública que hoje está liberada à passagem <strong>de</strong> veículos e<br />
pe<strong>de</strong>stres, na lateral da igreja do lado da torre.<br />
O nosso caro José Soares <strong>de</strong> Araújo era tesoureiro da<br />
Irmanda<strong>de</strong> do Rosário e assim não <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> contribuir<br />
magnificamente para o embelezamento <strong>de</strong>ssa igreja com a gran<strong>de</strong>za da<br />
sua arte. São <strong>de</strong>le as pinturas e douramentos do arco cruzeiro e forro da<br />
capela mor, com especial <strong>de</strong>staque para a figuração da N. S. do Rosário<br />
cercada <strong>de</strong> anjinhos, emoldurada pelas melindrosas perspectivas<br />
arquitetônicas ilusionistas, ao seu inconfundível estilo.<br />
O altar mor é em <strong>dos</strong>sel, com uma espécie <strong>de</strong> baldaquino<br />
franjado e com um medalhão no alto. O trono apresenta dois <strong>de</strong>graus,<br />
acima <strong>dos</strong> quais há uma continuação <strong>de</strong> forma mais arredondada,<br />
sustentado a imagem da N. S. do Rosário. As colunas são mistas, retas<br />
na parte <strong>de</strong> cima e torsas na parte inferior e com nichos com<br />
baldaquinos entre elas. A pintura apresenta frisos doura<strong>dos</strong> sobre fundo<br />
marmorizado. Os altares do transepto são simples, ao estilo <strong>dos</strong> da<br />
igreja <strong>de</strong> São Francisco e das Mercês, ou pouco mais ricos.<br />
339
Não há pintura no teto da nave. Esta não tem maiores atrativos,<br />
com um coro simples e dois púlpitos <strong>de</strong> base alargada, parecido com os<br />
das <strong>de</strong>mais <strong>igrejas</strong> daqui. Os janelões <strong>de</strong> um <strong>dos</strong> la<strong>dos</strong> estão obstruí<strong>dos</strong><br />
pela obra <strong>de</strong> acréscimo da lateral que matou sua função e aleijou a<br />
harmonia do conjunto. Assim como acontece na igreja do Bonfim <strong>dos</strong><br />
Militares, o acesso a um <strong>dos</strong> púlpitos é feito por uma porta que se abre<br />
diretamente para o exterior. Hoje esse acesso é impossível pela falta da<br />
escada, o que também não faz diferença pois sermão em púlpito é coisa<br />
que não se vê já há muitos anos. Na sacristia há uma pintura <strong>de</strong> 1801,<br />
sobre a qual foi dado um caiamento asséptico que neste instante, esta<br />
sendo cuida<strong>dos</strong>amente retirado, para restauração das figuras originais.<br />
Fim da Nossa <strong>Viagem</strong><br />
Aqui, na comarca do Serro Frio, em Diamantina, na igreja do<br />
Rosário; encerramos nossa viagem que começou na comarca do rio das<br />
Velhas, em Sabará, na matriz <strong>de</strong> N. S. da Conceição. Embora essas<br />
<strong>igrejas</strong> sejam substancialmente diferentes, o início das suas construção<br />
difere em poucos anos. No geral, a história da ereção <strong>dos</strong> nossos<br />
templos setecentistas; <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as primeiras pare<strong>de</strong>s até os últimos<br />
adornos, cobre um período <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> cento e cinqüenta anos.<br />
Existem muitas diferenças entre eles e a cronologia não é base <strong>de</strong>cisiva<br />
<strong>de</strong>ssas diferenças. Mas as <strong>igrejas</strong> mineiras do século XVIII, têm uma<br />
profunda i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e ela é a razão da nossa história. E essa história<br />
<strong>de</strong>sprezou o tempo como as próprias <strong>igrejas</strong> têm feito. Em assim<br />
sendo, pu<strong>de</strong>mos nos fazer acompanhar <strong>de</strong> preciosos viajantes, que já<br />
morreram há mais <strong>de</strong> um século, mas que tiveram a feliz preocupação<br />
<strong>de</strong> registrar em livros as intimida<strong>de</strong>s do que viram e pensaram e por<br />
isso, como as <strong>igrejas</strong>, também ainda teimam em estar presentes. E aqui<br />
o tempo é vencido novamente.<br />
Ao todo, nossa jornada virtual terá durado então, perto <strong>de</strong><br />
duzentos anos. No real rodamos mais <strong>de</strong> três mil quilômetros, gastamos<br />
cerca <strong>de</strong> dois anos para percorrer to<strong>dos</strong> os trajetos e visitamos cerca <strong>de</strong><br />
cem <strong>igrejas</strong>. Não conseguimos visitar to<strong>dos</strong> os templos que gostaríamos<br />
<strong>de</strong> ter visitado. Muito menos conseguimos reparar na riqueza <strong>de</strong> to<strong>dos</strong><br />
os <strong>de</strong>talhes daqueles que visitamos. Assim, não estou, nem <strong>de</strong> longe,<br />
realizado. Continuo achando que cada igreja setecentista é em si um<br />
museu e mesmo a mais simples, é um presente para os olhos. A viagem<br />
<strong>às</strong> <strong>antigas</strong> <strong>igrejas</strong> mineiras é inesgotável e pretendo fazê-la outras vezes,<br />
340
quem sabe po<strong>de</strong>ndo enriquecer e corrigir falhas e imprecisões que<br />
certamente existem: enfim melhorar este trabalho em edições futuras.<br />
Mas o tempo é implacável e vencê-lo é um monumental <strong>de</strong>safio.<br />
Se o caro leitor se recorda, centenas <strong>de</strong> <strong>igrejas</strong> setecentistas ruíram ao<br />
longo <strong>dos</strong> anos e quem tiver oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ler o relatório <strong>de</strong> d. Frei<br />
José da Santíssima Trinda<strong>de</strong>, o zeloso bispo <strong>de</strong> Mariana, citado em<br />
muitas passagens <strong>de</strong>ste livro; po<strong>de</strong>rá comprovar como isso foi terrível e<br />
arrasador no século XIX. É triste admitir que, a <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> ter<br />
melhorando muito a conscientização da importância da preservação do<br />
nosso patrimônio histórico, outros templos correm sérios riscos <strong>de</strong> se<br />
per<strong>de</strong>rem em pleno século XXI. É preocupante o estado atual <strong>de</strong><br />
muitos <strong>de</strong>les. Creio que o que se faz hoje é muito pouco. Os templos<br />
não po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r só <strong>de</strong> verbas públicas para serem conserva<strong>dos</strong>.<br />
Essas são escassas e tortuosas. Muito menos po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r da<br />
arrecadação <strong>de</strong> contribuição <strong>de</strong> poucos visitantes ou da aflição <strong>de</strong><br />
alguns prefeitos <strong>de</strong>sviando verbas escassas para salvar uma pare<strong>de</strong> ou<br />
um telhado; ou mesmo da comunida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>safiando os órgãos públicos e<br />
restaurando os templos a seu modo. Também não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r<br />
do zelo e do amor da d. Nilda com sua capelinha <strong>de</strong> Pompéu ou da d.<br />
Marieta que quase per<strong>de</strong>u a vista <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo a sua igrejinha do<br />
Taquaral. Há muito espaço sobrando para a atuação da socieda<strong>de</strong><br />
organizada que certamente, tem estado muito ausente. É monumental o<br />
<strong>de</strong>scaso do cidadão comum, medianamente culto e viajado, para com<br />
nosso patrimônio histórico em geral. Não sei exatamente o que <strong>de</strong>ve ser<br />
feito mas o que quer que seja, terá que começar urgentemente.<br />
Vencer o tempo não é uma ilusão e é sempre possível adiar o<br />
seu triunfo, até porque, esta é a luta que lutamos todo dia e é ela que dá<br />
sentido ao futuro.<br />
341
ANEXO<br />
CADASTRO DAS IGREJAS SETECENTISTAS DE MINAS<br />
Comarca do Rio das Velhas<br />
Município <strong>de</strong> Santa Bárbara<br />
Matriz <strong>de</strong> Santo Antônio – 1724 (*) (**)<br />
Mercês<br />
Rosário<br />
Cordão <strong>de</strong> São Francisco<br />
Bonfim/Senhor <strong>de</strong> Matosinhos<br />
Santo Amaro <strong>de</strong> Brumal (distrito)<br />
Município <strong>de</strong> São Gonçalo do Rio Abaixo<br />
São Gonçalo – 1733<br />
Município <strong>de</strong> São Domingos do Prata<br />
São Domingos – 1766<br />
Município <strong>de</strong> Nova Era<br />
São José da Lagoa<br />
Município <strong>de</strong> Barão <strong>de</strong> Cocais<br />
Matriz <strong>de</strong> São João Batista – 1763 (**)<br />
N. S. do Rosário <strong>de</strong> Cocais (distrito) – 1769<br />
Santana <strong>de</strong> Cocais (distrito) – 1752<br />
São Gonçalo <strong>de</strong> São Gonçalo (localida<strong>de</strong>) - 1744<br />
Município <strong>de</strong> Catas Altas<br />
Matriz <strong>de</strong> N. S. da Conceição – 1738 (*) (**)<br />
Santa Quitéria- 1728<br />
Rosário<br />
Município <strong>de</strong> Caeté<br />
Matriz <strong>de</strong> N. S. do Bom Sucesso – 1752 (*) (**)<br />
N. S. do Rosário<br />
N. S. da Pieda<strong>de</strong> da Serra da Pieda<strong>de</strong> – 1767<br />
Madre <strong>de</strong> Deus <strong>de</strong> Roças Novas (distrito)<br />
Cordão <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Assis – 1808<br />
Matriz <strong>de</strong> N. S. <strong>de</strong> Nazaré <strong>de</strong> Morro Vermelho (distrito) – 1772<br />
Município <strong>de</strong> Nova Lima<br />
Rosário <strong>dos</strong> Pretos – 1789<br />
Bom Jesus do Bonfim – 1720<br />
São Sebastião <strong>de</strong> Águas Claras (localida<strong>de</strong>)<br />
Município <strong>de</strong> Santa Luzia<br />
342
Matriz Santuário <strong>de</strong> Santa Luzia – 1744<br />
Senhor do Bonfim<br />
Município <strong>de</strong> Itabira<br />
N. S. do Rosário <strong>dos</strong> Pretos<br />
Município <strong>de</strong> Sabará<br />
Matriz <strong>de</strong> N. S. da Conceição – 1714 (*)<br />
N. S. do Rosário <strong>dos</strong> Pretos – 1768<br />
N. S. das Mercês – 1781<br />
N. S. do Carmo – 1763<br />
N. S. do Ó – 1717<br />
São Francisco <strong>de</strong> Assis (N. S. <strong>dos</strong> Anjos) – 1761<br />
N. S. do Pilar – 1759<br />
Santana do Arraial Velho (localida<strong>de</strong>) – 1749<br />
Santa Cruz do Arraial Velho (localida<strong>de</strong>)<br />
Santo Antônio <strong>de</strong> Pompéu (localida<strong>de</strong>) – 1730<br />
N. S. do Rosário <strong>de</strong> Mestre Caetano (distrito)<br />
Santa Efigênia <strong>de</strong> Mestre Caetano (distrito)<br />
N.S da Lapa/Assunção <strong>de</strong> Ravena (distrito)<br />
Município <strong>de</strong> Raposos<br />
Matriz <strong>de</strong> N. S. da Conceição - !704 (*) (**)<br />
Município <strong>de</strong> Matosinhos<br />
São José<br />
Município <strong>de</strong> Mateus Leme<br />
Matriz <strong>de</strong> Santo Antônio – 1790<br />
Município <strong>de</strong> Pedro Leopoldo<br />
N. S. do Rosário <strong>de</strong> Fidalgo (localida<strong>de</strong>) – 1745<br />
Município <strong>de</strong> Taguaraçu<br />
Santíssimo – 1798<br />
Município <strong>de</strong> Brumadinho<br />
N. S. da Pieda<strong>de</strong> do Paraopeba (distrito)<br />
N. S. <strong>dos</strong> Prazeres <strong>de</strong> Conceição do Itaguá (distrito)<br />
Município <strong>de</strong> Belo Vale<br />
Santana do Paraopeba (distrito)<br />
São Gonçalo da Ponte do Paraopeba (localida<strong>de</strong>)<br />
Município <strong>de</strong> Itatiaiuçu<br />
São Sebastião – 1748<br />
Município <strong>de</strong> São Gonçalo do Pará<br />
São Gonçalo – 1754<br />
Município <strong>de</strong> Pará <strong>de</strong> <strong>Minas</strong><br />
N. S. da Pieda<strong>de</strong> do Patufo (localida<strong>de</strong>) - 1772<br />
343
Município <strong>de</strong> Itaúna<br />
Rosário<br />
Município <strong>de</strong> Paracatu<br />
Matriz <strong>de</strong> Santo Antônio – 1730<br />
Pilar – 1744<br />
Comarca <strong>de</strong> Vila Rica<br />
Município <strong>de</strong> Ouro Preto<br />
Matriz <strong>de</strong> N. S. da Conceição <strong>de</strong> Antônio Dias – 1727 (*) (**)<br />
Matriz <strong>de</strong> N. S. do Pilar – 1731 (*) (**)<br />
N. S. <strong>dos</strong> Par<strong>dos</strong> do Padre Faria – 1740<br />
São João Batista do Ouro Podre – 1743<br />
Santa Efigênia (N. S. <strong>dos</strong> Pretos do Alto Da Cruz) – 1733<br />
Bom Jesus das Flores do Taquaral – 1748<br />
São Miguel e Almas/Bom Jesus do Matosinhos – 1778<br />
N. S. do Carmo – 1766<br />
N. S. do Rosário <strong>dos</strong> Pretos – 1762<br />
N. S. das Mercês e Misericórdia – 1771<br />
N. S. das Mercês e Perdões – 1740<br />
São José – 1746<br />
Bonfim do Alto das Cabeças – 1791<br />
Santana – 1720<br />
São Francisco <strong>de</strong> Paula – 1808<br />
N. S. da Pieda<strong>de</strong> do Ouro Podre – 1720<br />
Matriz <strong>de</strong> N. S. <strong>de</strong> Nazaré da Cachoeira do Campo (distrito) 1725 (*)<br />
(**)<br />
N. S. das Dores <strong>de</strong> Cachoeira do Campo (distrito) – 1761<br />
Matriz <strong>de</strong> São Bartolomeu (distrito) – 1716 (*) (**)<br />
Matriz <strong>de</strong> Santo Antônio <strong>de</strong> Glaura (distrito) – 1757<br />
Matriz <strong>de</strong> N. S. <strong>dos</strong> Prazeres <strong>de</strong> Lavra Novas (distrito) – 1762<br />
São Gonçalo <strong>de</strong> Amarantina (localida<strong>de</strong>) – 1726<br />
Município <strong>de</strong> Itabirito<br />
Matriz <strong>de</strong> N. S. da Boa <strong>Viagem</strong> – 1710<br />
Bom Jesus <strong>de</strong> Matosinhos – 1765<br />
N. S. do Rosário – 1740<br />
Mercês<br />
São Gonçalo do Bação (distrito) – 1748<br />
N. S. do Rosário <strong>dos</strong> Pretos <strong>de</strong> Acuruí (distrito) – 1751<br />
Município <strong>de</strong> Mariana<br />
344
Matriz <strong>de</strong> N. S. Assunção (Basílica da Sé) – 1713 (*)<br />
Basílica Menor <strong>de</strong> São Pedro <strong>dos</strong> Clérigos – 1752<br />
N. S. Rainha <strong>dos</strong> Anjos – 1748<br />
São Francisco <strong>de</strong> Assis – 1763<br />
N. S. do Carmo – 1784<br />
N. S. do Rosário – 1752<br />
Santana – 1720<br />
N. S. da Boa Morte – 1750<br />
N. S. das Mercês<br />
Santo Antônio – 1696<br />
Matriz <strong>de</strong> N. S. do Rosário do Sumidouro (localida<strong>de</strong>) – 1740 (*) (**)<br />
Matriz <strong>de</strong> Bom Jesus do Monte <strong>de</strong> Furquim (distrito) 1746 (*) (**)<br />
N. S. da Conceição <strong>de</strong> Camargos (distrito) – 1738 (*)<br />
N. S. da Glória <strong>de</strong> Passagem (distrito) – 1740<br />
Matriz <strong>de</strong> São Sebastião <strong>de</strong> Ban<strong>de</strong>irantes (distrito) – 1748 (*) (**)<br />
N. S. da Conceição <strong>de</strong> Cachoeira do Brumado (distrito) – 1726<br />
Matriz <strong>de</strong> São Caetano <strong>de</strong> Monsenhor Horta (distrito) – 1730 (*) (**)<br />
Matriz <strong>de</strong> N. S. <strong>de</strong> Nazaré <strong>de</strong> Santa Rita Durão (distrito) – 1770<br />
Município <strong>de</strong> Barra Longa<br />
Matriz <strong>de</strong> São José – 1729<br />
Município <strong>de</strong> Catas Altas da Noruega<br />
Matriz <strong>de</strong> São Gonçalo – 1744<br />
N. S. da Conceição – 1726<br />
Município <strong>de</strong> Ouro Branco<br />
Matriz <strong>de</strong> Santo Antônio – 1717 (*)<br />
Santo Antônio <strong>de</strong> Itatiaia (localida<strong>de</strong>)<br />
Município <strong>de</strong> Congonhas<br />
Matriz <strong>de</strong> N. S. da Conceição – 1749 (**)<br />
Basílica do Senhor Bom Jesus <strong>de</strong> Matosinhos – 1757<br />
N. S. do Rosário – 1748<br />
N. S. da Soledad <strong>de</strong> Lobo Leite (distrito)<br />
N. S. da Ajuda <strong>de</strong> Alto Maranhão (distrito)<br />
Município <strong>de</strong> São Brás do Suaçui<br />
São Brás – 1728<br />
Município <strong>de</strong> Itaverava<br />
Santo Antônio – 1726 (**)<br />
Município <strong>de</strong> Conselheiro Lafaiete<br />
Matriz <strong>de</strong> N. S. da Conceição – 1733 (**)<br />
Santo Antônio – 1768<br />
Município <strong>de</strong> Santana <strong>dos</strong> Montes<br />
345
Santana do Morro do Chapéu (localida<strong>de</strong>) – 1749<br />
Município <strong>de</strong> Piranga<br />
Matriz <strong>de</strong> N. S. da Boa Morte – 1728 (*)<br />
Rosário <strong>dos</strong> Pretos – 1755<br />
N. S. da Conceição do Manja Légua (localida<strong>de</strong>) – 1729 (**)<br />
Santo Antônio <strong>de</strong> Santo Antônio do Pirapetinga (distrito) – 1725<br />
Comarca do Rio das Mortes<br />
Município <strong>de</strong> São João <strong>de</strong>l Rei<br />
Matriz <strong>de</strong> N. S. do Pilar – 1721 (*) (**)<br />
N. S. do Carmo – 1734<br />
São Francisco <strong>de</strong> Assis – 1774<br />
N. S. do Rosário – 1708<br />
São Gonçalo Garcia – 1759<br />
Bonfim – 1769<br />
N. S. das Mercês – 1751<br />
N. S. da Pieda<strong>de</strong> da Santa Casa – 1763<br />
Santo Antônio – 1765<br />
São Miguel do Cajuru (localida<strong>de</strong>)<br />
Município <strong>de</strong> Tira<strong>de</strong>ntes<br />
Matriz <strong>de</strong> Santo Antônio – 1733 (*) (**)<br />
São João Evangelista<br />
São Francisco <strong>de</strong> Paula – 1750<br />
N. S. das Mercês <strong>dos</strong> Pretos Crioulos – 1769<br />
Bom Jesus da Pobreza – 1771<br />
N. S. do Rosário <strong>dos</strong> Pretos – 1740<br />
Município <strong>de</strong> Pra<strong>dos</strong><br />
Matriz <strong>de</strong> N. S. da Conceição (**)<br />
Rosário – 1770<br />
N. S. da Penha do Bichinho (distrito) – 1771<br />
N. S. do Livramento (localida<strong>de</strong>) – 1754<br />
Município <strong>de</strong> Cel. Xavier Chaves<br />
Rosário – 1717<br />
Município <strong>de</strong> Resen<strong>de</strong> Costa<br />
N. S. da Penha <strong>de</strong> França 1749<br />
Município <strong>de</strong> São Tomé das Letras<br />
Matriz <strong>de</strong> São Tomé das Letras – 1785<br />
N. S. do Rosário – 1770<br />
Município <strong>de</strong> Carrancas<br />
346
Matriz <strong>de</strong> N. S. da Conceição – 1736 (**)<br />
N. S. da Conceição <strong>de</strong> Saco (localida<strong>de</strong>) – 1755<br />
Município <strong>de</strong> Campanha<br />
Matriz <strong>de</strong> Santo Antônio – 1787 (**)<br />
N. S. das Dores – 1799<br />
Município <strong>de</strong> Lavras<br />
N. S. do Rosário<br />
Município <strong>de</strong> Baependi<br />
Matriz <strong>de</strong> Santa Maria – 1770<br />
N. S. <strong>de</strong> Monte Serrat – 1754 (*)<br />
Município <strong>de</strong> Barbacena<br />
Matriz <strong>de</strong> N. S. da Pieda<strong>de</strong> – 1743 (**)<br />
N. S. da Boa Morte/Assunção – 1790<br />
N. S. do Rosário – 1774<br />
Município <strong>de</strong> Antônio Carlos<br />
N. S. da Pieda<strong>de</strong> da Borda do Campo (distrito)<br />
Município <strong>de</strong> Senhora <strong>dos</strong> Remédios<br />
N. S. <strong>dos</strong> Remédios - 1763<br />
Município <strong>de</strong> Juiz <strong>de</strong> Fora<br />
Matriz <strong>de</strong> N. S. da Assunção <strong>de</strong> Paula Lima (distrito)<br />
São Francisco <strong>de</strong> Paula <strong>de</strong> Torrões (localida<strong>de</strong>) – 1773<br />
Município <strong>de</strong> Formiga<br />
São Vicente – 1780<br />
Município <strong>de</strong> Matias Barbosa<br />
N. S. da Conceição <strong>de</strong> Registro Novo (localida<strong>de</strong>)<br />
Município <strong>de</strong> Bom Sucesso<br />
N. S. do Bom Sucesso – 1754<br />
Município <strong>de</strong> Ibertioga<br />
Santo Antônio – 1787<br />
Município <strong>de</strong> Andrelândia<br />
N. S. do Porto da Salvação do Turvo (localida<strong>de</strong>) 1755<br />
Município <strong>de</strong> Nazareno<br />
N. S. <strong>de</strong> Nazareno – 1734<br />
Município <strong>de</strong> Aiuruoca<br />
Santana <strong>de</strong> Guapiara (localida<strong>de</strong>) – 1749<br />
Município <strong>de</strong> Luminárias<br />
N. S. do Carmo – 1798<br />
Município <strong>de</strong> Cassiterita<br />
N. S. da Conceição da Barra – 1765<br />
Município <strong>de</strong> Pitangui<br />
347
N. S. da Pieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Pitangui<br />
Município <strong>de</strong> Itapecerica<br />
Matriz <strong>de</strong> São Bento – 1748<br />
N. S. do Desterro (localida<strong>de</strong>) – 1754<br />
Município <strong>de</strong> Pium-í<br />
Matriz <strong>de</strong> N. S. do Livramento – 1731<br />
Município <strong>de</strong> Oliveira<br />
N. S. da Oliveira – 1780<br />
Município <strong>de</strong> Santana do Jacaré<br />
Santana – 1770<br />
Município <strong>de</strong> Santana <strong>dos</strong> Montes<br />
Santana – 1749<br />
Município <strong>de</strong> Cristais<br />
N. S. da Ajuda<br />
Município <strong>de</strong> Coqueiral<br />
Espírito Santo – 1792<br />
Município <strong>de</strong> Ibitipoca<br />
N. S. da Conceição<br />
Município <strong>de</strong> Sacramento<br />
Matriz <strong>de</strong> N. S. do Desterro <strong>de</strong> Desemboque (distrito)<br />
N. S. do Rosário <strong>de</strong> Desemboque (distrito)<br />
Comarca do Serro do Frio/Distrito <strong>dos</strong> Diamantes<br />
Município <strong>de</strong> Diamantina<br />
N. S. das Mercês – 1779<br />
N. S. do Rosário <strong>dos</strong> Pretos – 1728<br />
N. S. do Carmo – 1765<br />
Bonfim <strong>dos</strong> Militares – 1771<br />
N. S. da Luz – 1793<br />
Imperial do Amparo – 1773<br />
São Francisco <strong>de</strong> Assis – 1768<br />
Santana do Inhaí (distrito)<br />
Município do Serro<br />
Matriz <strong>de</strong> N. S. da Conceição – 1724 (**)<br />
Santa Rita – 1745<br />
N. S. do Carmo – 1781<br />
N. S. do Rosário – 1752<br />
Senhor Bom Jesus <strong>de</strong> Matosinhos – 1785<br />
Matriz <strong>de</strong> São Gonçalo do Rio das Pedras (distrito) – 1783<br />
348
Matriz <strong>de</strong> N. S. <strong>dos</strong> Prazeres <strong>de</strong> Milho Ver<strong>de</strong> (distrito) – 1781<br />
Município <strong>de</strong> Conceição do Mato Dentro<br />
Matriz <strong>de</strong> N. S. da Conceição – 1721<br />
Bom Jesus <strong>de</strong> Matosinhos – 1745<br />
Santana – 1744<br />
São Francisco <strong>de</strong> Assis <strong>de</strong> Costa Sena (distrito)<br />
São Francisco da Paraúna <strong>de</strong> Costa Sena (distrito)<br />
Santo Antônio <strong>de</strong> Santo Antônio do Norte (distrito)<br />
Matriz <strong>de</strong> N. S. Aparecida <strong>de</strong> Córregos (distrito)<br />
Senhor <strong>dos</strong> Passos <strong>de</strong> Córregos (distrito)<br />
Santo Antônio da Tapera (localida<strong>de</strong>)<br />
Município <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> Novas<br />
São José<br />
São Francisco <strong>de</strong> Assis<br />
São Gonçalo<br />
Município <strong>de</strong> Berilo<br />
N. S. da Conceição<br />
N. S. do Rosário<br />
Município <strong>de</strong> Grão Mogol<br />
Santo Antônio<br />
Município <strong>de</strong> Januária<br />
Rosário <strong>de</strong> Brejo do Amparo (distrito)<br />
Município <strong>de</strong> Manga<br />
Matriz <strong>de</strong> N. S. da Conceição - 1760 (**)<br />
Município <strong>de</strong> Matias Car<strong>dos</strong>o<br />
São João Batista do Morro da Queimada – 1699<br />
Município <strong>de</strong> Itacambira<br />
Matriz <strong>de</strong> Santo Antônio (**)<br />
Município <strong>de</strong> Chapada do Norte<br />
N. S. da Saú<strong>de</strong><br />
Santa Cruz<br />
N. S. do Rosário<br />
Município <strong>de</strong> Alvorada <strong>de</strong> <strong>Minas</strong><br />
São José <strong>de</strong> Itapanhocanga (distrito) 1785<br />
Município <strong>de</strong> Couto <strong>de</strong> Magalhães<br />
Senhor <strong>de</strong> Matosinhos<br />
N. S. da Conceição – 1779<br />
Município <strong>de</strong> Congonhas do Norte<br />
Matriz <strong>de</strong> Santana – 1748<br />
349
(*) Primeiras freguesias colativas – 1725<br />
(**) Matrizes <strong>de</strong> paróquias dotadas <strong>de</strong> vigários cola<strong>dos</strong>, conforme<br />
registro <strong>de</strong> 1778<br />
350
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