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José Roberto de Amorim Vilas ricas, vilas pobres - Quintal dos Poetas

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<strong>Vilas</strong> <strong>ricas</strong>,<br />

<strong>Vilas</strong> <strong>pobres</strong><br />

<strong>José</strong> <strong>Roberto</strong> <strong>de</strong> <strong>Amorim</strong><br />

<strong>Quintal</strong> <strong>dos</strong> <strong>Poetas</strong><br />

2011<br />

1


<strong>José</strong> <strong>Roberto</strong> <strong>de</strong> <strong>Amorim</strong><br />

<strong>Vilas</strong> <strong>ricas</strong>, <strong>vilas</strong> <strong>pobres</strong><br />

(A propósito da or<strong>de</strong>nação política e econômica da<br />

capitania <strong>de</strong> Minas Gerais no século XVIII)<br />

Trilogia<br />

“Fábula <strong>de</strong> Ribeirão do Carmo”<br />

Parte III<br />

a<br />

<strong>Quintal</strong> <strong>dos</strong> <strong>Poetas</strong><br />

Oficina Literária<br />

2


Copyright 2011 by <strong>José</strong> <strong>Roberto</strong> <strong>de</strong> <strong>Amorim</strong><br />

Da<strong>dos</strong> <strong>de</strong> Catalogação na Publicação (CIP)<br />

A524v <strong>Amorim</strong>, <strong>José</strong> <strong>Roberto</strong> <strong>de</strong><br />

VILAS RICAS, VILAS POBRES / <strong>José</strong> <strong>Roberto</strong> <strong>de</strong> <strong>Amorim</strong> –<br />

Lagoa Santa: <strong>Quintal</strong> <strong>dos</strong> <strong>Poetas</strong> - Oficina Literária, 2011.<br />

ISBN 978-85-911866-2-4<br />

1. Minas Gerais. 2. Historia. 3. Economia. 4. Política. 5.<br />

Mineração. I. Título.<br />

CDD: 981.51<br />

Este exemplar foi produzido sob responsabilida<strong>de</strong> editorial do autor<br />

<strong>Quintal</strong> <strong>dos</strong> <strong>Poetas</strong><br />

Oficina Literária<br />

Lagoa Santa – 2011<br />

www.quintal<strong>dos</strong>poetas.com<br />

quintal<strong>dos</strong>poetas@quintal<strong>dos</strong>poetas.com<br />

3


<strong>José</strong> <strong>Roberto</strong> <strong>de</strong> <strong>Amorim</strong><br />

<strong>Vilas</strong> <strong>ricas</strong>, <strong>vilas</strong> <strong>pobres</strong><br />

4


Homenagem a <strong>José</strong> Pedro Xavier da Veiga,<br />

pai da memória mineira<br />

Para<br />

Olavo,<br />

Amália<br />

e Ivan,<br />

meus pais<br />

5


SUMÁRIO<br />

Introdução................................................................................. 8<br />

A terra......................................................................................14<br />

Os rios......................................................................................22<br />

As lagoas..................................................................................26<br />

A capitania................................................................................33<br />

A busca <strong>dos</strong> tesouros................................................................. 36<br />

A inquietação............................................................................80<br />

As <strong>vilas</strong> e arraiais.......................................................................88<br />

A or<strong>de</strong>m e a <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m.............................................................111<br />

O rei e seus prepostos..............................................................138<br />

Os bispos e os padres...............................................................161<br />

A riqueza e a pobreza...............................................................166<br />

Apêndice................................................................................ 193<br />

Cronologia básica.................................................................... 203<br />

Bibliografia............................................................................. 221<br />

6


O Capitão, quando eles vieram, estava sentado em uma<br />

ca<strong>de</strong>ira, bem vestido, com um colar <strong>de</strong> ouro mui gran<strong>de</strong> ao<br />

pescoço (***). Entraram mas não fizeram sinal <strong>de</strong> cortesia, nem<br />

<strong>de</strong> falar ao Capitão nem a ninguém, porém um <strong>de</strong>les pôs olho<br />

no colar do Capitão e começou <strong>de</strong> acenar com a mão para a<br />

terra e <strong>de</strong>pois para o colar, como que nos dizendo que ali havia<br />

ouro. Também olhou para um castiçal <strong>de</strong> prata e assim mesmo<br />

acenava para a terra e novamente para o castiçal como se lá<br />

também houvesse prata<br />

Carta <strong>de</strong> Pero Vaz <strong>de</strong> Caminha dando conta da <strong>de</strong>scoberta da Terra <strong>de</strong><br />

Vera Cruz<br />

7


Introdução<br />

O bom ânimo <strong>dos</strong> pesquisadores e o vigor editorial que<br />

estamos vivendo nos últimos anos, têm resultado numa produção<br />

incomum <strong>de</strong> obras sobre os primórdios do assentamento da capitania,<br />

<strong>de</strong>pois província, <strong>de</strong>pois estado <strong>de</strong> Minas Gerais. O acesso a<br />

documentos antigos foi facilitado, muitas verda<strong>de</strong>s foram resgatadas e<br />

muito conhecimento foi agregado à compreensão da dinâmica da nossa<br />

evolução histórica. Mas poucas <strong>de</strong>ssas obras e iniciativas chegaram a<br />

mostrar preocupação com os aspectos econômicos daquele interessante<br />

período da nossa história, cuja força, na sua fase áurea, chegou a<br />

impactar a economia mundial e a esquentar as cal<strong>de</strong>iras do processo <strong>de</strong><br />

industrialização nos países que tinham aprendido melhor suas lições<br />

histó<strong>ricas</strong>. Ainda não apareceu quem se dispusesse a <strong>de</strong>bruçar<br />

pacientemente sobre a “Coleção da Casa <strong>dos</strong> Contos” e tirar <strong>de</strong> lá uma<br />

radiografia das minúcias que to<strong>dos</strong> aqueles documentos <strong>de</strong> natureza<br />

contábil estão a prometer. Essa lacuna, <strong>de</strong> certa forma, prejudica o<br />

entendimento <strong>de</strong> muitas das razões <strong>dos</strong> acontecimentos políticos e<br />

sociais <strong>de</strong> então já que a vertente econômica sempre está fortemente<br />

presente no complexo <strong>de</strong> causas da evolução histórica. Nesse particular<br />

muita coisa há ainda a revelar e, certamente, muita coisa jamais o será.<br />

Pois que, sempre haverá gran<strong>de</strong> carência <strong>de</strong> informações sobre o mister<br />

<strong>de</strong> construção da riqueza nas “Minas <strong>de</strong> Taubaté”. Ainda mais se<br />

pensarmos que só no último quartel do século XVIII é que os<br />

economistas ingleses começaram a lançar as bases científicas do<br />

conhecimento econômico e explicar certas coisas que pareciam vir<br />

diretamente da vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus. A própria evolução das técnicas<br />

escriturárias estava então apenas tendo começo. 1 Mas, felizmente, é<br />

possível encontrar algumas raras peças na historiografia do setecentos<br />

1 Os primeiros profissionais que atuaram na área contábil em Portugal tiveram que ser<br />

recruta<strong>dos</strong> no estrangeiro e só <strong>de</strong>pois da reforma pombalina da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Coimbra é que os contadores portugueses começaram a ser forma<strong>dos</strong>.<br />

8


mineiro que se prestam como valiosa fonte <strong>de</strong> consulta para quem<br />

procura conhecer melhor a economia mineira daquela época crítica <strong>de</strong><br />

gestação da nossa história, mesmo que com preocupações <strong>de</strong> toque<br />

mais generalista. Falo especialmente das obras <strong>de</strong> <strong>José</strong> Joaquim da<br />

Rocha e <strong>José</strong> João Teixeira, escritas quase que ao mesmo tempo. O<br />

primeiro é o autor da Geografia Histórica da Capitania <strong>de</strong> Minas Gerais <strong>de</strong><br />

1781 e o segundo é autor da Instrução para o Governo da Capitania <strong>de</strong> Minas<br />

Gerais <strong>de</strong> 1780. Ambos, pelos cargos que exerciam na administração<br />

pública, tiveram acesso a preciosos documentos <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m contábil e<br />

pu<strong>de</strong>ram produzir suas obras com base em fontes respeitáveis.<br />

Especialmente Teixeira que, na condição <strong>de</strong> inten<strong>de</strong>nte do ouro <strong>de</strong> Vila<br />

Rica, conviveu cotidianamente, durante doze anos, com a contabilida<strong>de</strong><br />

da casa <strong>de</strong> fundição, órgão mor da administração econômica da Coroa<br />

Portuguesa em Minas. Existem diferenças nos números usa<strong>dos</strong> por<br />

cada um <strong>de</strong>sses autores, mas essas diferenças não chegam a ser<br />

significativas e, <strong>de</strong> nenhuma forma, prejudicam a utilida<strong>de</strong> das fontes<br />

como relevante referência historiográfica. 2<br />

Dentro do projeto global <strong>de</strong>ste livro a consulta às obras<br />

daqueles dois autores mereceu algum <strong>de</strong>staque ainda que esta,<br />

<strong>de</strong>finitivamente, não seja uma obra sobre economia colonial. Resolvi<br />

salpicar o resultado <strong>de</strong>ssa consulta em algumas partes <strong>de</strong>ste trabalho,<br />

especialmente no último capítulo. Mas, no geral, a preocupação com o<br />

foco econômico e financeiro predomina. O resultado <strong>de</strong>u neste terceiro<br />

trabalho consecutivo que trata <strong>de</strong> coisas mineiras do século XVIII e<br />

que, pela sina <strong>de</strong> terceiro, acabou, inexoravelmente, viabilizando a<br />

trilogia que ora se completa, a qual chamei <strong>de</strong> “Fábula <strong>de</strong> Ribeirão do<br />

Carmo”, em homenagem a Cláudio Manuel da Costa, trágico poeta que<br />

nasceu on<strong>de</strong> nasceu Minas, pelo menos as gerais, que <strong>de</strong>pois, pela<br />

gran<strong>de</strong>za a que foram fadadas, abraçaram o resto <strong>de</strong> nós.<br />

2 Na verda<strong>de</strong> os inventários numéricos antigos, gera<strong>dos</strong> por fontes diferentes,<br />

dificilmente coinci<strong>de</strong>m na sua totalida<strong>de</strong>.<br />

9


Embora, como dito, esse livro não trate apenas <strong>dos</strong> aspectos<br />

econômicos da formação <strong>de</strong> Minas Gerais, em essência, tentei insinuar<br />

que, genericamente, a nossa “ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ouro” talvez nunca tenha<br />

realmente existido e que o setecentos mineiro era muito mais <strong>de</strong> lendas<br />

do que <strong>de</strong> tesouros, muito mais <strong>de</strong> <strong>vilas</strong> <strong>pobres</strong> do que <strong>de</strong> <strong>vilas</strong> <strong>ricas</strong>,<br />

muito mais <strong>de</strong> agonias do que <strong>de</strong> êxtases; especialmente no último<br />

quarto do século quando as minas estavam exauridas à luz das<br />

tecnologias disponíveis e a economia periférica que foi criada em torno<br />

<strong>de</strong>las não tinha forças suficientes para tomar-lhes o lugar.<br />

Devo salientar que, embora lastreado em fontes supostamente<br />

eivadas <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> como é o caso <strong>de</strong> Rocha, Teixeira e outros<br />

autores antigos consulta<strong>dos</strong>, entre os quais Diogo Ribeiro Pereira <strong>de</strong><br />

Vasconcelos e Cláudio Manuel da Costa; continuo aqui praticando<br />

minha opção pela abordagem romântica da história, acreditando como<br />

o Brás Cubas <strong>de</strong> Machado <strong>de</strong> Assis, que “a História aceita tudo”. Vejo<br />

nela, em essência, a doce e sedutora serieda<strong>de</strong> das ninfas e das musas.<br />

Desta forma, meu caro leitor vai se dar conta facilmente, no <strong>de</strong>correr da<br />

leitura <strong>de</strong>ste livro, <strong>de</strong> que não sou <strong>dos</strong> mais entusiasma<strong>dos</strong> com as<br />

possibilida<strong>de</strong>s científicas do conhecimento histórico. Assim<br />

<strong>de</strong>sacorçoado, gosto <strong>de</strong> acentuar os aspectos essenciais da diferença<br />

entre a visão romântica e a visão tecnicista daqueles que se aventuram<br />

na busca do conhecimento histórico. Claro que admiro a preocupação<br />

com a judiciosida<strong>de</strong> <strong>dos</strong> registros históricos, com a qualida<strong>de</strong> das fontes<br />

e das conveniências do seu uso, com a autorida<strong>de</strong> <strong>dos</strong> caminhos para se<br />

obter o conhecimento histórico. Mas quando a historiografia exagera<br />

sua submissão à autorida<strong>de</strong> das fontes para legitimar a verda<strong>de</strong> histórica<br />

ela per<strong>de</strong> o próprio processo histórico <strong>de</strong> vista e se encolhe.<br />

Des<strong>de</strong>nhando o uso da simples <strong>de</strong>dução lógica e da razão objetiva na<br />

compreensão do fato, a abordagem histórica tecnicista <strong>de</strong>finha seu<br />

potencial <strong>de</strong> escrever a História mesma e passa apenas a <strong>de</strong>screver a<br />

forma como consegue acreditar que ela teria sido. Na realida<strong>de</strong>, o<br />

tecnicismo histórico não po<strong>de</strong> legitimar nenhum método verda<strong>de</strong>iro <strong>de</strong><br />

aquisição do conhecimento histórico, mesmo porque, tal método nem<br />

existe. Daí porque esse tecnicismo acaba reduzido a um inventário<br />

10


ibliográfico e documental, cuja extensão e meticulosida<strong>de</strong> não vai<br />

mesmo assegurar legitimida<strong>de</strong> à verda<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma assertiva. Claro que a<br />

qualida<strong>de</strong> das fontes tem tudo a ver com os resulta<strong>dos</strong> obti<strong>dos</strong>, mas isso<br />

não garante, por si só, a veracida<strong>de</strong> das narrativas histó<strong>ricas</strong>. Enquanto<br />

isso o historiador romântico segue mais livre e solto, se orientando pela<br />

dinâmica do próprio processo da história, confrontando as contradições<br />

e coerências <strong>de</strong>la e cotejando-as com seus mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> investigação,<br />

quer mais racionais, quer mais passionais. Está presente uma simbiose<br />

produtiva que não raro abate as convicções do historiador e o faz<br />

buscar novos mo<strong>de</strong>los e mais, até se sentir intelectualmente confortável<br />

por julgar-se honestamente capaz <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r verda<strong>de</strong>s fugidias<br />

que, <strong>de</strong> outra forma, não po<strong>de</strong>riam ser compreendidas. Com base nisso<br />

surgem as vitalizantes polêmicas sem as quais a História seria uma<br />

matéria insossa como tantas outras.<br />

Ao contrário do que pensam os tecnicistas radicais, não existe<br />

uma Ciência da História, assim como não existe uma Ciência do Direito<br />

e muito menos uma Ciência da Religião. Aliás, a rigor não existe ciência<br />

<strong>de</strong> nada. Quer dizer, não existe nenhuma coletânea <strong>de</strong> conhecimentos a<br />

que se possa chamar intrinsecamente <strong>de</strong> ciência. Por outro lado,<br />

qualquer conjunto <strong>de</strong> conhecimentos po<strong>de</strong> ser científico. É que o<br />

pessoal confun<strong>de</strong> “ciência” com “método científico”. Qualquer<br />

conhecimento obtido mediante a aplicação do método científico é um<br />

conhecimento científico. Parece simples, mas não é. Isso porque o<br />

objeto sob investigação tem que preencher certas condições. A<br />

principal <strong>de</strong>las exige que para se provar a verda<strong>de</strong> <strong>de</strong> algo é necessário<br />

também provar que aquele algo não é uma mentira. São processos<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes e não tem nenhum valor dizer que ao provar uma<br />

verda<strong>de</strong> estarei automaticamente provando que tudo que vai contra a<br />

“minha verda<strong>de</strong>” é uma mentira. Se a mentira não for <strong>de</strong>scartada a<br />

verda<strong>de</strong> não po<strong>de</strong> ser provada. Enfim, o que não po<strong>de</strong> ser<br />

<strong>de</strong>sprovado, não po<strong>de</strong> ser provado.<br />

Infelizmente, a maioria <strong>dos</strong> historiadores que se encantam<br />

facilmente com o po<strong>de</strong>r probatório das <strong>pobres</strong> técnicas <strong>de</strong> que<br />

dispomos para a investigação histórica, não tem a menor noção do que<br />

isso significa. Vai daí que ficam esgrimindo documentos antigos ou<br />

11


citando fontes consagradas, como se eles fossem atesta<strong>dos</strong> incontestes<br />

da veracida<strong>de</strong> daquilo que contêm. 3 Como nenhum <strong>dos</strong> contendores <strong>de</strong><br />

uma controvérsia histórica po<strong>de</strong> ser eliminado com tais armas, a coisa<br />

<strong>de</strong>scamba para a paixão e é aí que to<strong>dos</strong>, mesmo sem admitir, se tornam<br />

românticos como todo bom historiador precisa ser.<br />

Como eu procuro não ser muito submisso aos lastros<br />

historiográficos e me afino muito mais com os historiadores mais livres<br />

e passionais, não tive dúvida: assumi minha <strong>dos</strong>e <strong>de</strong> paixão <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />

começo. Não podia prescindir da companhia <strong>de</strong> pessoas tão ilustres<br />

como Diogo <strong>de</strong> Vasconcelos, Augusto <strong>de</strong> Lima Jr., Xavier da Veiga e<br />

tantos outros apaixona<strong>dos</strong>, assumi<strong>dos</strong> ou não. To<strong>dos</strong> eles acertam,<br />

to<strong>dos</strong> eles erram e... a História segue em frente. Quanto a mim, acho<br />

que eu não passo <strong>de</strong> um contador <strong>de</strong> histórias da História e aqui não<br />

<strong>de</strong>ixei <strong>de</strong> assumir isso mais uma vez.<br />

De qualquer forma, patente está que a gran<strong>de</strong> maioria <strong>dos</strong><br />

nossos historiadores/historiógrafos ou historiógrafos/historiadores não<br />

têm muita intimida<strong>de</strong> com a lógica <strong>de</strong>dutiva. 4 Golgher, 5 por exemplo,<br />

chegou a afirmar que o massacre do Capão da Traição não tinha<br />

acontecido porque ele jamais encontrou um documento que provasse<br />

isso. Na verda<strong>de</strong> o que ele tinha que procurar era um documento que<br />

<strong>de</strong>sprovasse isso. Foi como adotar uma linha <strong>de</strong> investigação que<br />

concluísse que o sol girava em torno da terra porque não havia nada<br />

que provasse o contrário. Era fácil provar essa tese antes <strong>de</strong> Copérnico<br />

3 E aqui não posso <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> me lembrar <strong>de</strong> Pedro Taques <strong>de</strong> Almeida Paes Leme, o<br />

mais notável historiador brasileiro do século XVIII. Ele sempre mostrou preocupação<br />

em lastrear suas narrativas em documentos. O problema é que a gran<strong>de</strong> maioria <strong>de</strong>sses<br />

documentos, ainda que oficiais, estava eivada <strong>de</strong> distorções políticas e vaida<strong>de</strong>s<br />

pessoais. Cabe aqui lembrar também o que Oliveira Lima disse a respeito <strong>dos</strong><br />

méto<strong>dos</strong> investigativos do viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Porto Seguro: <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>iro historiador tinha o<br />

extinto do documento mas não tinha a imparcialida<strong>de</strong> proveniente da ausência <strong>de</strong> paixão.<br />

4 Da lógica indutiva nem falo, pela razão já <strong>de</strong>clarada <strong>de</strong> achá-la inaplicável aos fatos<br />

históricos.<br />

5 To<strong>dos</strong> os autores e obras consultadas estão relaciona<strong>dos</strong> na bibliografia, no final do<br />

livro.<br />

12


já que o heliocentrismo simplesmente contrariava a lógica com que<br />

Deus tinha criado o universo. Tem até aquele caso <strong>de</strong> um historiador<br />

que pensou provar que Borba Gato era analfabeto porque nunca tinha<br />

recebido uma carta <strong>de</strong>le. 6 Enfim...<br />

6 Estou citando o historiador mineiro Wal<strong>de</strong>mar <strong>de</strong> Almeida Barbosa com certa <strong>dos</strong>e<br />

<strong>de</strong> exagero e <strong>de</strong> malda<strong>de</strong>. Na verda<strong>de</strong> o que o tal historiador (Zoroastro Passos) teria<br />

dito é que jamais tinha encontrado um documento assinado pelo velho Borba. Ao que<br />

Barbosa retrucou irado; “não achou porque procurou no lugar errado”.<br />

13


A terra<br />

Pedro Álvares Cabral, Senhor <strong>de</strong> Azurara, navegou no<br />

<strong>de</strong>snorteio do caminho das Índias. Largou o rumo da estrela do oriente,<br />

<strong>de</strong>sencontrou-se no fascínio do poente e, numa inesquecível terça-feira,<br />

foi dar na terra <strong>de</strong> Vera Cruz que <strong>de</strong>pois, no dizer <strong>de</strong> Pedro Taques, a<br />

ambição do comércio perverteu em Brasil. Terra muito formosa on<strong>de</strong>,<br />

em se plantando tudo podia dar. Mas quase meio século se passou antes<br />

que alguém se <strong>de</strong>sse ao trabalho <strong>de</strong> plantar qualquer coisa naquele lado<br />

perdido do mundo, extenso <strong>de</strong> feras, árvores e rios. Derrubar os matos<br />

para lançar sementes na terra nua parecia parvoíce, sendo os matos, eles<br />

mesmos, dadivosos, exuberantes, cheios <strong>de</strong> frutos e ricos das tintas<br />

encarnadas. Também tinha o lado exótico e durante algum tempo<br />

orquí<strong>de</strong>as, araras e papagaios foram encantando os reinos da Europa.<br />

Indolentes rarida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> uma terra sempre viva, sempre prenhe. Mas a<br />

Espanha saqueava os cofres naturais <strong>dos</strong> continentes e enchia os seus<br />

próprios <strong>de</strong> ouro e prata. Metais e pedras raras passavam a mover as<br />

engrenagens do mundo como nunca, pois a terra feudal estava ficando<br />

esgotada e o regime <strong>de</strong>corrente estava ficando ina<strong>de</strong>quado para<br />

absorver a expansão <strong>dos</strong> merca<strong>dos</strong>. O pequeno reino vizinho não podia<br />

cochilar. De sorte que d. João III, a Majesta<strong>de</strong> Lusitana <strong>de</strong> então,<br />

inconformada com o empobrecimento resultante da epopeia da<br />

conquista do oriente, fez saber da sua real vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> assumir a parte<br />

que lhe tocava da riqueza mineral no latifúndio do mundo, do lado<br />

on<strong>de</strong> o dia morria, todo dia. Afinal, havia tecnologia e legitimação para<br />

isso. Além do mais, os franceses já estavam seduzindo os selvagens da<br />

nova terra e assentando feitorias em Pernambuco, ameaçando a posse<br />

do <strong>de</strong>scoberto lusitano. Assim pois, o rei resolveu, finalmente, ocupar<br />

as terras que lhe eram <strong>de</strong> direito.<br />

Martim Afonso <strong>de</strong> Souza foi o primeiro que veio com sentido<br />

<strong>de</strong> se apossar do novo território e também o primeiro que tentou achar<br />

14


o rumo <strong>dos</strong> metais na colônia do oci<strong>de</strong>nte, mas foi para o lugar errado. 7<br />

Resultou pois que Brás Cubas, inda que pouco lembrado, parece ter<br />

sido quem primeiro a<strong>de</strong>ntrou o território das verda<strong>de</strong>iras minas, cujas<br />

riquezas <strong>de</strong>pois fariam a glória barroca <strong>de</strong> Portugal. Cubas, o fundador<br />

da vila <strong>de</strong> Santos e um <strong>dos</strong> primeiros povoadores do Brasil, aqui veio<br />

dar em 1532, acompanhando a expedição <strong>de</strong> Martim Afonso. Depois<br />

foi capitão-mor da capitania <strong>de</strong> São Vicente, entre outros cargos <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>staque nos primórdios da colonização. Assim que acabou o seu<br />

mandato burocrático recebeu or<strong>de</strong>ns <strong>de</strong> Mem <strong>de</strong> Sá para sair a cata <strong>de</strong><br />

ouro e pedras preciosas pois ficar extraindo pau para encarnar teci<strong>dos</strong><br />

era muito pouco para assegurar a posse <strong>de</strong> uma terra tão gran<strong>de</strong>. E<br />

assim fez Cubas: rumou para o norte, atravessou a Mantiqueira e rodou<br />

cerca <strong>de</strong> seiscentas léguas. Chegou até a barra do Guaicuí e voltou. Mas<br />

não foi muito feliz no quesito mineração. Voltou frustrado mas<br />

manteve o interesse <strong>de</strong> fiel vassalo, financiando explorações no litoral e<br />

no Pico do Jaraguá, on<strong>de</strong> o ouro nunca ultrapassou muito o estágio <strong>de</strong><br />

promessa. Brás Cubas passou boa parte do resto da sua vida<br />

combatendo os ferozes Tamoios, Tupiniquins e Tupinambás que, nos<br />

cinquenta anos <strong>de</strong>corri<strong>dos</strong> da <strong>de</strong>scoberta da Terra <strong>de</strong> Vera Cruz,<br />

teimavam em não entregar suas posses aos bárbaros invasores. Mas<br />

foram per<strong>de</strong>ndo e dando lugar para que fossem pipocando arraiais nas<br />

clareiras das florestas das onças e das araras: São Vicente, Santos, São<br />

Paulo do Piratininga, São Sebastião do Rio <strong>de</strong> Janeiro, Cabo Frio; em<br />

nome <strong>de</strong> Deus e <strong>de</strong> El-Rei, com o bravo Cubas à frente. Como todo<br />

homem <strong>de</strong> coragem verda<strong>de</strong>ira, morreu em avançadíssima ida<strong>de</strong>,<br />

marcado com as cicatrizes das flechas e picadas <strong>de</strong> peçonhentos, como<br />

era naquele tempo <strong>de</strong> agruras e penúrias. Enquanto isso, no meio do<br />

sertão ondulado <strong>de</strong> além Mantiqueira, os ferozes Goitacás e Botocu<strong>dos</strong><br />

iam vivendo sossega<strong>dos</strong> caçando nos campos gerais, nos caetés e<br />

7<br />

Em 1531 ele mandou quatro pe<strong>de</strong>stres explorar o interior, partindo da Baia da<br />

Guanabara. O quarteto rodou dois exaustivos meses e regressou sem resultado algum.<br />

Mas contaram ter ouvido <strong>de</strong> alguns índios que por ali havia um rio cheio <strong>de</strong> ouro e<br />

prata. Alguns autores acreditam que o pequeno grupo po<strong>de</strong> ter conseguido chegar até<br />

a região das minas gerais, outros duvidam <strong>de</strong>ssa possibilida<strong>de</strong> acreditando que eles<br />

apenas vagaram ao pé da Serra do Mar sem condições <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r atravessá-la.<br />

15


pescando nos riachos faisca<strong>dos</strong> <strong>de</strong> metais, como faziam já há milhares<br />

<strong>de</strong> anos. Como Cubas, apesar do esforço, não tinha conseguido<br />

<strong>de</strong>senhar a trilha das riquezas minerais, o rumo das minas continuou<br />

incerto e quase virgem e os selvagens da promissora região pu<strong>de</strong>ram<br />

viver mais um tempo na terra que Deus carinhosamente lhes reservou.<br />

Um século e meio mais se passou antes que essa terra fabulosa <strong>de</strong>sse<br />

suas preciosida<strong>de</strong>s ao sol, tempo em que a Coroa <strong>de</strong> Portugal guardou a<br />

mágoa sagrada <strong>de</strong> não enten<strong>de</strong>r por que Deus tinha posto tanta prata<br />

em Potossi para glória do reino <strong>de</strong> Espanha; repartindo mal o que, em<br />

Tor<strong>de</strong>silhas, tinha sido bendito pelo papa. Nada para a glória do reino<br />

lusitano, pelo menos não antes que d. João IV restaurasse o trono para<br />

a majesta<strong>de</strong> <strong>dos</strong> Bragança.<br />

O que era do rei estava guardado para ele, mas as verda<strong>de</strong>iras<br />

minas ficaram muitos anos intocadas, encerradas nos silêncios das<br />

terras penhascosas, ao norte da Mantiqueira, a oeste da serra <strong>dos</strong><br />

Órgãos e ao sul do rio Ver<strong>de</strong> e do Carinhanha. Muitas foram as<br />

tentativas frustradas <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> Cubas que não revelaram o que era tão<br />

ansiosamente buscado. Mas fizeram crescer, cada vez mais, as lendas e<br />

os sonhos do rei e <strong>dos</strong> seus súditos, ansiosos <strong>dos</strong> bons serviços que<br />

podiam prestar a ele.<br />

Mais ou menos na mesma época da expedição <strong>de</strong> Brás Cubas<br />

foi tentada uma outra incursão, <strong>de</strong>sta feita pelo lado oposto. Quem<br />

arrostou esse perigo foi Francisco Spinoza. Isso teria acontecido em<br />

1553, ou seja, cerca <strong>de</strong> vinte anos <strong>de</strong>pois do assentamento das sementes<br />

do Brasil na Bahia <strong>de</strong> São Vicente. Ele era espanhol e, ao contrário <strong>de</strong><br />

Cubas, tinha vivência no mister <strong>de</strong> farejar minas americanas. Partiu <strong>de</strong><br />

Porto Seguro, marchou resoluto para o sul margeando a costa. Deu<br />

com um gran<strong>de</strong> rio, mais tar<strong>de</strong> Jequitinhonha. Seguiu com sua gente na<br />

contramão da corrente, com o sol se pondo frontal <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> dias<br />

sempre estafantes. Após léguas e léguas <strong>de</strong> florestas e árvores mui<br />

grossas e altas, chegaram na serra <strong>de</strong> Grão Mogol. E foram mais, no<br />

mesmo rumo do poente, quer dizer, mesmo rumo do fabuloso Potossi<br />

nas alturas do Peru que Spinoza conhecia. Avistaram um rio<br />

excepcionalmente largo e caudal que os índios chamavam Pará e hoje é<br />

16


<strong>de</strong> São Francisco. Daí o bravo Spinoza <strong>de</strong>cidiu estancar a espinhosa<br />

viagem, tanto era o cansaço, as doenças e as mortes sucessivas. Voltou<br />

sem nada mas cheio <strong>de</strong> promissoras histórias da opulência da terra, que<br />

ouvira <strong>de</strong> selvagens, um tanto ou quanto embusteiros, pois quanto mais<br />

histórias contavam das pedras e <strong>dos</strong> metais, mais regalos ganhavam.<br />

A aventura <strong>de</strong> Spinoza foi levada ao ouvido do rei por<br />

mensageiros que tinham interesse em manter o encantamento <strong>de</strong> Sua<br />

Majesta<strong>de</strong> para que ela continuasse investindo naquele sonho. As<br />

promessas <strong>de</strong> prata e pedras raras ofuscavam as promessas <strong>de</strong> ouro,<br />

pois eram aquelas preciosida<strong>de</strong>s luminosas que Sua Majesta<strong>de</strong> mais<br />

queria, e era ele quem mais <strong>de</strong>lirava com as promessas minerais.<br />

A <strong>de</strong>speito do <strong>de</strong>lírio, a coisa era trabalhosa, os cofres exauri<strong>dos</strong><br />

e a vida na longínqua colônia corria <strong>de</strong>vagar. Eis então que só vinte<br />

anos <strong>de</strong>pois aconteceu outra exploração mais <strong>de</strong>cidida. Foi em 1572,<br />

quando Fernan<strong>de</strong>s Tourinho resolveu seguir com a empreitada <strong>dos</strong><br />

minérios. Partindo do Espírito Santo navegou o rio Doce até a altura<br />

das escadas das quedas d’água do doce rio. Dali saltou em terra e seguiu<br />

no rumo do oeste indo dar nas elevações do pico do Itambé. Voltou<br />

com o embornal cheio <strong>de</strong> pedras raras e coloridas. Catou-as aqui ali mas<br />

não conseguiu vislumbrar a fonte copiosa <strong>de</strong> on<strong>de</strong> teriam vindo. Quer<br />

dizer: um pouco <strong>de</strong> pedras que Deus cascalhou um tanto sem critério,<br />

mas nenhuma mina verda<strong>de</strong>ira.<br />

Depois <strong>de</strong> Tourinho entrou Adorno, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>le entrou Marcos<br />

<strong>de</strong> Azevedo, Diogo Cão, Gabriel Soares <strong>de</strong> Souza e muitos outros.<br />

Enfim foi a valentia <strong>de</strong>ssa gente toda que, aos poucos, entre a segunda<br />

meta<strong>de</strong> do século XVI e o final do século XVII, foram sendo<br />

conquistadas as terras, seus rios, lagos, serras e minas e foram sendo<br />

construídas as ruas, casas, <strong>vilas</strong> e arraiais, caminhos e <strong>de</strong>scaminhos do<br />

futuro estado das Minas Gerais.<br />

As minas foram custosas para se <strong>de</strong>scobrir e não começaram<br />

gerais. Mas sempre foram diversas, na diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tão dilatado país.<br />

Minas <strong>de</strong> São Paulo, Minas <strong>dos</strong> Goitacás, Minas do Sertão <strong>de</strong> Taubaté.<br />

17


Terras gerais <strong>dos</strong> rios e penedias, como nenhuma outra no achado <strong>de</strong><br />

Cabral.<br />

No século XVIII a região das chamadas Minas gerais 8<br />

compreendia basicamente os sítios do ouro da futura comarca <strong>de</strong> Vila<br />

Rica. Vale dizer a região do vale do Alto Rio Doce: Itaverava, Ouro<br />

Branco, Ouro Preto e Ribeirão do Carmo. Mas havia outras muitas, que<br />

a terra parecia dadivosa, ainda que em <strong>dos</strong>es diferenciadas. As Minas do<br />

Sabarabuçu, on<strong>de</strong> a esperança <strong>de</strong> que a serra escon<strong>de</strong>sse fabulosos veios<br />

<strong>de</strong> prata resultou frustrada mas que as margens do rio das Velhas<br />

compensou com folga, cascalhando com ouro puro o fundo <strong>dos</strong><br />

riachos tributários. As Minas do Rio das Mortes que cedo feneceram<br />

mas acabaram propiciando aos pioneiros se ocupar <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s mais<br />

duradouras, agrícolas e comerciais que garantiram a saú<strong>de</strong> e a primazia<br />

econômica da região sobre o país das minas, no princípio do século<br />

XIX. Minas do Serro Frio que também não se revelaram muito férteis<br />

mas que abriram o caminho para coisa mais abundante e rica: as<br />

maravilhosas pedrinhas brilhantes que agitaram reis, papas, mercadores<br />

e joalheiros, <strong>de</strong>itando uma ponte entre o Tijuco, Lisboa, Londres,<br />

Roma e Amsterdã. Minas do Pitangui, último reduto <strong>dos</strong> paulistas<br />

<strong>de</strong>scobridores, escorraça<strong>dos</strong> por hordas mais ambiciosas e organizadas<br />

– principalmente <strong>de</strong> portugueses - que vieram <strong>de</strong>pois mas que, com<br />

espírito menos aventureiro e menos irrequieto, foram os que<br />

efetivamente garantiram a posse e colonização da região evitando que,<br />

esgota<strong>dos</strong> os ricos aluviões iniciais, só restassem prematuros buracos<br />

miseráveis. Minas do Paracatu, cujos pioneiros esten<strong>de</strong>ram as Gerais<br />

sobre as terras <strong>de</strong> Goiás, dilatando o oeste <strong>dos</strong> mineiros. Minas do São<br />

Francisco, on<strong>de</strong> ouro não havia, senão o ver<strong>de</strong> <strong>dos</strong> pastos banha<strong>dos</strong><br />

pelo majestoso rio e favorecendo a criação do gado, suprindo <strong>de</strong> carne<br />

e couro as outras minas, a peso <strong>de</strong> ouro. Minas <strong>de</strong> paulistas, baianos,<br />

pretos, índios e reinóis, misturando suas carnes e se misturando à terra,<br />

fazendo tudo aquilo geral e muito peculiar.<br />

8 Usando a grafia da época.<br />

18


No farejamento das minas a terra foi ocupada em seus<br />

diferentes quadrantes e, no geral, per<strong>de</strong>ram pretos e índios, como é <strong>de</strong><br />

costume. Os primeiros vieram <strong>de</strong> longe para viver uma epopeia <strong>de</strong><br />

sofrimento e dor. Os índios a viram crescer por <strong>de</strong>baixo <strong>dos</strong> pés, na<br />

terra on<strong>de</strong> tinham nascido, subindo qual erva daninha. E não houve<br />

para on<strong>de</strong> escapar. Na verda<strong>de</strong>, quando Cabral pisou a Terra <strong>de</strong><br />

Pindorama, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> uma travessia muito bem urdida, pelo Atlântico<br />

Sul, lançava-se a epopeia da conquista <strong>de</strong> uma terra muito maior do que<br />

todo o continente <strong>de</strong> on<strong>de</strong> provinha o bravo navegante e sua gente.<br />

Nela habitavam várias tribos <strong>de</strong> índios, nus e saudáveis, perfeitamente<br />

adapta<strong>dos</strong> ao seu ambiente e nele aptos a viverem milhares <strong>de</strong> anos,<br />

<strong>de</strong>monstrando, afinal, a capacida<strong>de</strong> da sua raça e cultura na luta pela<br />

sobrevivência, em harmonia com a natureza irmana<strong>dos</strong> ao natural. No<br />

conjunto, todas aquelas variadas tribos espalhadas pelo extenso<br />

território virgem e exuberante faziam parte da gran<strong>de</strong> nação tupiguarani.<br />

Quer dizer, pertenciam a uma gran<strong>de</strong> matriz cultural que cobria<br />

milhões <strong>de</strong> quilômetros quadra<strong>dos</strong> e lhes fornecia os dois pilares<br />

principais <strong>de</strong> sustentação da sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>: uma religião e uma língua.<br />

A religião, os portugueses trataram <strong>de</strong> liquidar rapidamente pois não<br />

precisavam <strong>de</strong>la. Muito antes pelo contrário, ela atrapalhava a, digamos,<br />

inserção cultural e econômica do gentio. A língua, por outro lado, era<br />

fundamental para que esse mister fosse bem sucedido. Portanto, era<br />

preciso matar uma e engordar a outra. Quem se incumbiu <strong>de</strong> ambas as<br />

tarefas foram os padres jesuítas, solda<strong>dos</strong> da gran<strong>de</strong> Companhia <strong>de</strong><br />

Jesus, exatamente a mais competente organização multinacional <strong>de</strong><br />

to<strong>dos</strong> os tempos. Destaca-se, nesse dúbio trabalho, a laboriosa dupla<br />

Nóbrega e Anchieta. Executaram sua tarefa com extrema pertinência e<br />

sacrossanta <strong>de</strong>dicação. Do lado da religião trataram <strong>de</strong> assentar as<br />

ciclópicas pedras do Colégio <strong>de</strong> Piratininga. Esse epicentro garantiu a<br />

sustentação <strong>de</strong> várias células <strong>de</strong> catequização <strong>dos</strong> selvagens,<br />

19


domesticando-os para Deus e para as lavouras da Companhia. 9 Essa<br />

obra resultou ser bem mais duradoura do que a preservação da língua,<br />

muito embora o Colégio <strong>de</strong> Piratininga seja hoje um amontoado <strong>de</strong><br />

mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z milhões <strong>de</strong> pessoas, cada vez menos catequizadas. Da outra<br />

ponta da missão o padre Anchieta cuidou sozinho. Acontece que ele<br />

apren<strong>de</strong>u a língua <strong>dos</strong> índios com muita rapi<strong>de</strong>z e já em mea<strong>dos</strong> do<br />

século primeiro da história da terra brasileira publicava uma obra<br />

normalizando uma língua geral, baseada nas raízes da língua<br />

efetivamente falada pelos índios. Puxou daqui e dali e acabou<br />

produzindo algo inteligível, tanto para os índios quando para os<br />

portugueses. Essa veio a ser a nheengatu, ou língua boa, quer dizer,<br />

aquela que funciona, garantindo a comunicação e habilitando o<br />

intercâmbio. A obra se <strong>de</strong>stinava a orientar os próprios padres a se<br />

comunicarem com os índios. Mas, dada a sempre gran<strong>de</strong> influência <strong>dos</strong><br />

jesuítas na catequização e educação geral <strong>dos</strong> povos das suas missões,<br />

logo a língua se tornou mesmo geral, usada por to<strong>dos</strong> para a<br />

comunicação <strong>dos</strong> ditos civiliza<strong>dos</strong> com os ditos bárbaros. Claro que,<br />

com o passar <strong>dos</strong> tempos, os padrões sistematiza<strong>dos</strong> pelo padre<br />

Anchieta foram mudando. É que os ban<strong>de</strong>irantes eram os que mais<br />

usavam a língua geral, dada sua sempre intensa relação com os índios,<br />

às vezes os escravizando, às vezes fazendo <strong>de</strong>les seus alia<strong>dos</strong>, às vezes<br />

fornicando com eles. Conveniente lembrar que gran<strong>de</strong> parte <strong>dos</strong><br />

ban<strong>de</strong>irantes tinha sangue índio nas veias e foi a influência da cultura<br />

indígena sobre eles que os tornou tão aptos a arrostar os perigos do<br />

sertão, andando <strong>de</strong>scalços e dormindo <strong>de</strong>baixo <strong>dos</strong> temporais tão<br />

próprios da terra das minas. De sorte que, aos poucos, aqueles bravos<br />

paulistas iam mudando a língua geral e ela se tornou tão presente que,<br />

ali pelos mea<strong>dos</strong> do século XVII, o português e o nheengatu eram fala<strong>dos</strong><br />

indistintamente nas boas antigas casas paulistas. Enquanto isso, uma<br />

vertente da língua geral falada na região das gran<strong>de</strong>s florestas do norte<br />

9 Diga-se que, nada tenho contra essa prática mundana. Foi ela, afinal, que,<br />

controvérsias à parte, garantiu a bela obra inaciana pelo mundo à fora sem <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r<br />

do estado.<br />

20


se mantinha preservada, longe da saga <strong>dos</strong> paulistas, sendo falada até<br />

hoje. O nheengatu <strong>dos</strong> ban<strong>de</strong>irantes acabou morto por <strong>de</strong>creto do<br />

marquês <strong>de</strong> Pombal em mea<strong>dos</strong> do século XVIII. É que ele estava<br />

preocupado com a extensão com que a língua geral já estava sendo<br />

falada na colônia americana, ameaçando a língua portuguesa e as bocas<br />

limpas que a falavam. O esperto marquês já tinha percebido que isso<br />

po<strong>de</strong>ria precipitar a emancipação da colônia pela consolidação precoce<br />

<strong>de</strong> uma cultura genuinamente brasileira. Não fosse isso e o Brasil hoje já<br />

seria um país bilíngue, o que só vai acontecer amanhã, quando<br />

estaremos falando indistintamente português e inglês. Mas, com certeza,<br />

então estarão ainda vivos os tantos nomes da língua geral que nomeiam<br />

os rios, lagos, matos, campos, serras e montanhas e dão sentido às<br />

raízes da terra das minas e outros cantões da Terra <strong>de</strong> Vera Cruz, muito<br />

antes, Pindorama.<br />

21


Os rios<br />

A terra era rica, também em razão do caldal <strong>dos</strong> seus rios.<br />

Majestosas prendas, então puras, virgens e prenhes; talvez um dia tão<br />

preciosos quanto as esmeraldas. Mas eles não eram somente dádivas da<br />

natureza. Serviam <strong>de</strong> referência, davam peixes ao índio e ao<br />

ban<strong>de</strong>irante, facilitavam o transporte, matavam a se<strong>de</strong> e davam ouro;<br />

cheios <strong>de</strong> serventia. Sem falar nas Iaras, sensuais a seduzir, emersas nuas<br />

do ver<strong>de</strong> das águas brasílicas, ambas bentas e formosas. Os rios sempre<br />

aceitaram a solução <strong>dos</strong> apaixona<strong>dos</strong>, mas a culpa era <strong>de</strong>bitada às ditas<br />

Iaras e a lascívia <strong>dos</strong> seus cantos. Às suas margens surgiam os arraiais,<br />

as roças, as capelas. Suas águas moviam rodas e cavavam a terra,<br />

<strong>de</strong>smontando as catas e fazendo aflorar os veios mais profun<strong>dos</strong> das<br />

pedras duras e amarelas. Des<strong>de</strong> sempre os rios se fizeram<br />

indispensáveis, garantindo a vida e ligando os homens, pois suavizavam<br />

a travessia <strong>dos</strong> matos e <strong>dos</strong> montes.<br />

Alguns rios estão fortemente associa<strong>dos</strong> à formação histórica <strong>de</strong><br />

Minas. Canais que nutriram a gestação. Interessante notar que a maioria<br />

<strong>de</strong>sses rios <strong>de</strong> relevância histórica, liga<strong>dos</strong> à conquista do território e ao<br />

ciclo do ouro, nascem relativamente próximos uns <strong>dos</strong> outros, num<br />

capricho fraternal da natureza. Um círculo <strong>de</strong> pouco mais <strong>de</strong> duzentos<br />

quilômetros <strong>de</strong> raio em torno <strong>de</strong> Barbacena - antigo centro da Borda do<br />

Campo - é capaz <strong>de</strong> abranger quase todas essas nascentes.<br />

A <strong>de</strong>scoberta do rio São Francisco po<strong>de</strong> ser tida como o marco<br />

da conquista do território mineiro. Isso ocorreu em 1555 quando a dita<br />

expedição <strong>de</strong> Spinoza <strong>de</strong>u com o tal rio que os índios chamavam Pará.<br />

Claro que, para chegar até lá, cortaram ou navegaram vários rios<br />

notáveis, entre eles o Jequitinhonha. Mas a majesta<strong>de</strong> do São Francisco<br />

foi o que mereceu <strong>de</strong>slumbrado registro do padre Navarro, capelão e<br />

escrivão da aventura.<br />

Praticamente todas as bacias hidrográficas mineiras contêm rios<br />

históricos, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o Jequitinhonha com seu curto trajeto na direção do<br />

litoral do Espírito Santo, até o rio Gran<strong>de</strong>, com seu longo rolar até a<br />

Bacia do Prata, em terras <strong>de</strong> língua hispânica.<br />

22


Com certeza, a mais notável bacia <strong>dos</strong> rios históricos mineiros é<br />

a Bacia do Rio Doce. Bem nos seus altos está a antiga região <strong>dos</strong><br />

Cataguás, berço da conquista civilizada das Minas Gerais. Aqui aflorou<br />

o ouro com mais abundância do que em qualquer outro lugar. Muito<br />

provavelmente o primeiro ouro que se achou por aqui foi no<br />

Guarapiranga, ainda antes <strong>dos</strong> <strong>de</strong>scobertos <strong>dos</strong> riquíssimos ribeirão do<br />

Carmo e do Ouro Preto. Notícias nesse sentido já chegavam em<br />

Taubaté por volta <strong>de</strong> 1691. Aliás, o Piranga é tido como o berço do rio<br />

Doce. Na verda<strong>de</strong>, o Doce não nasce propriamente em lugar nenhum.<br />

É sim a soma da junção <strong>de</strong> vários rios menores que vão se fundindo até<br />

que essa união vai somando grossas águas que ali, um pouco acima <strong>de</strong><br />

Ponte Nova, passam a se chamar rio Doce. Os tais rios que se juntam<br />

são o Xopotó, o Turvo e o Piranga. Suas nascentes estão basicamente<br />

na mesma latitu<strong>de</strong>, sendo que o Xopotó nasce entre os dois e talvez até<br />

possa ser consi<strong>de</strong>rado a própria nascente do Rio Doce, pois os outros<br />

convergem para ele, obe<strong>de</strong>cendo sua topografia <strong>de</strong> rio que nasceu para<br />

ser gran<strong>de</strong>. Depois se encontra com o Turvo e logo adiante, os dois se<br />

fun<strong>de</strong>m com o Piranga, que vinha <strong>de</strong>scendo orgulhoso pela esquerda.<br />

Depois, a eles vem se juntar o in<strong>de</strong>ciso Turvo Limpo, engrossando<br />

ainda mais a veia das águas e preparando a exuberância do Doce. Essa<br />

era certamente a região da Casa da Casca, <strong>de</strong> muito ouro e índio bravo.<br />

O gentio daqui era verda<strong>de</strong>iramente aguerrido e disposto. Sua<br />

belicosida<strong>de</strong> retardou algum tempo o povoamento da região pois, <strong>de</strong><br />

tempos em tempos, teimavam em retomar o que era seu, botando fogo<br />

nas roças e palhoças <strong>dos</strong> ban<strong>de</strong>irantes, intrusos e cheios <strong>de</strong> uma<br />

ambição que os nativos não compreendiam.<br />

Um pouco abaixo <strong>de</strong> Ponte Nova o rio Doce recebe a relevante<br />

contribuição do Rio do Carmo e é aí que ele começa a se tornar, <strong>de</strong><br />

fato, o gran<strong>de</strong> rio que é, cortando o Vale do Aço <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> se juntar<br />

com o rio Piracicaba e buscar o litoral do Espírito Santo. O Piracicaba,<br />

também <strong>de</strong> <strong>de</strong>stacada produção aurífera, antes <strong>de</strong> se misturar ao Doce,<br />

recebe o tributo do Ribeirão <strong>de</strong> Santa Bárbara, que banha a cida<strong>de</strong> a que<br />

emprestou o nome e on<strong>de</strong> também havia algum ouro, no princípio do<br />

século XVIII. O nome do ribeirão, por sua vez, é um preito <strong>de</strong> pieda<strong>de</strong><br />

à santa protetora <strong>dos</strong> mineradores, <strong>de</strong> quem tanto <strong>de</strong>pendiam para<br />

23


enfrentar os perigos <strong>dos</strong> rios e acertar os veios ocultos da maravilhosa<br />

riqueza.<br />

O Rio do Carmo, por seu turno, é a junção do famosíssimo<br />

Ribeirão do Carmo com os rios Gualaxo do Sul e o Gualaxo do Norte.<br />

O ribeirão que banha a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Mariana tem origem em outro famoso<br />

ribeirão <strong>de</strong> ouro, o do Tripuí, que recebe as águas do outrora riquíssimo<br />

córrego do Ouro Preto 10 e forma o Ribeirão do Funil que, na sequência,<br />

vira o dito Ribeirão do Carmo. Toda essa toponímia i<strong>de</strong>ntifica áreas<br />

on<strong>de</strong> se extraiu gran<strong>de</strong> parte do ouro que as Minas Gerais conseguiram<br />

produzir ao longo do século XVIII.<br />

Outro <strong>de</strong>stacado rio histórico <strong>de</strong> Minas é o nosso Rio das<br />

Velhas. Corre história no leito das suas veias <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que Fernão Dias<br />

estacionou perto <strong>de</strong>le, um tanto <strong>de</strong>snorteado, caçando esmeraldas. Faz<br />

ele parte da bacia do São Francisco, mas também nasce na região das<br />

Gerais, próximo à serra <strong>de</strong> São Sebastião do Ouro Preto. Ainda perto<br />

da sua nascente recebe as águas do rio Itabirito que marca a região<br />

aurífera da antiga Itabira do Campo. Ao longo do Rio das Velhas estão<br />

povoações antigas como Acurui, Rio Acima, Raposos, Sabará e Santa<br />

Luzia. Aqui também havia muito ouro e era prenda das fazendas <strong>de</strong><br />

Borba Gato. Extraiu ele boa quantida<strong>de</strong> do metal que Deus espalhou<br />

nas cercanias do velho rio. Dizem alguns que Fernão Dias morreu às<br />

margens do Rio das Velhas e até que houve um aci<strong>de</strong>nte na travessia<br />

que resultou no naufrágio do corpo, só resgatado a duras penas, graças<br />

à perícia <strong>dos</strong> mergulhadores da sua tropa. Depois <strong>de</strong> passar por essa<br />

região histórica nosso antigo Guaicuí toma ares mais amenos, menos<br />

cobiçosos, recebe o rio Jaboticatubas, o rio Cipó o rio Santo Antônio e<br />

vai com eles até se per<strong>de</strong>r no magnífico São Francisco, o rio mar do<br />

sertão sem água.<br />

O terceiro rio histórico <strong>de</strong> que queremos lembrar é o Rio das<br />

Mortes. Também ele nasce aqui por perto <strong>de</strong> Barbacena, na serra da<br />

Mantiqueira; <strong>de</strong>pois recebe a contribuição do rio Elvas e mais outros<br />

10 Hoje, um esgotinho lamentável a emporcalhar as pontes do Cochicho e do Pilar <strong>de</strong><br />

Ouro Preto.<br />

24


gran<strong>de</strong>s e pequenos e vai <strong>de</strong>saguar no rio Gran<strong>de</strong>. Este nasce nas<br />

subflaldas do monte do Itatiaia e vem <strong>de</strong>scendo na contramão, quer<br />

dizer, sentido contrário do mar, se junta com o Paranaíba – meu rio<br />

pátrio - e o leva para a Bacia do Rio Paraná. Depois morrem no<br />

Estuário do Prata encarando o mar <strong>de</strong> igual para igual.<br />

A história do Rio das Mortes está ligada às glorias das <strong>vilas</strong> <strong>de</strong><br />

São João e São <strong>José</strong> <strong>de</strong>l Rei e à ignomínia da Chacina do Capão da<br />

Traição, o famoso episódio da Guerra <strong>dos</strong> Emboabas. Foi então que<br />

aqueles bravos mas arrogantes paulistas, foram mortos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />

entregarem suas armas, confiando na carida<strong>de</strong> <strong>de</strong>vida aos guerreiros<br />

venci<strong>dos</strong>. Ouro mesmo, por aqui, sempre foi pouco. Mas a pesca<br />

certamente era boa, na pureza das águas ver<strong>de</strong>s <strong>dos</strong> rios mineiros, em<br />

pleno século XVIII.<br />

Injusto seria esquecer tantos outros rios históricos como o<br />

Paraopeba que facilitou a entrada <strong>de</strong> Fernão Dias, o rio Pará que<br />

cumpriu indispensável papel na conquista da região <strong>de</strong> Pitangui e o<br />

Paracatu, lá pros la<strong>dos</strong> <strong>de</strong> Goiás.<br />

Hoje nossos rios se tornaram to<strong>dos</strong> iguais, não têm nem<br />

história, nem ouro, nem peixes.<br />

25


As lagoas<br />

As lagoas historicamente não têm a importância que tiveram os<br />

rios, mas suas lendas ajudaram na motivação geral <strong>dos</strong> tantos<br />

aventureiros, atraindo-os com quente sedução. Fernão Dias então, tinha<br />

fascinação por elas.<br />

Foi nas imediações <strong>de</strong> Lagoa Santa que sua ban<strong>de</strong>ira estacionou<br />

em 1675. Portanto, a região faz parte do núcleo on<strong>de</strong> a História <strong>de</strong><br />

Minas começou tendo o leito do Rio das Velhas como uma das<br />

principais rotas <strong>de</strong> penetração. O gran<strong>de</strong> ban<strong>de</strong>irante paulista assentou a<br />

sua quinta nas proximida<strong>de</strong>s, mais precisamente do lado da Lagoa do<br />

Sumidouro. Ali ficou quatro anos se preparando para a conquista das<br />

esmeraldas. Seu rumo <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iro era a região <strong>de</strong> Itacambira, seguindo a<br />

lendária trilha <strong>de</strong> Marcos <strong>de</strong> Azevedo em busca da Lagoa do Vupabuçu<br />

on<strong>de</strong> se teve notícia, pela primeira vez, da existência <strong>de</strong> abundantes e<br />

preciosas esmeraldas.<br />

O Sumidouro é hoje distrito do município <strong>de</strong> Pedro Leopoldo.<br />

Os índios chamavam a lagoa <strong>de</strong> Anhonhecanhuva, quer dizer, “água<br />

que some”. Por volta da virada do século XVIII para o XIX, a região<br />

do Sumidouro compunha o distrito <strong>de</strong> Quinta, daí ser muito comum<br />

encontrarmos, ainda hoje, a <strong>de</strong>nominação Quinta do Sumidouro.<br />

Segundo Wal<strong>de</strong>mar <strong>de</strong> Almeida Barbosa 11 a Quinta ficava no local on<strong>de</strong><br />

hoje está o arraial <strong>de</strong> Fidalgo em cujas proximida<strong>de</strong>s estava a casa <strong>de</strong><br />

Fernão Dias. Conta o historiador que o primitivo arraial <strong>de</strong> Borba Gato<br />

ficava ao norte <strong>de</strong> Lagoa Santa, talvez nas proximida<strong>de</strong>s da atual ponte<br />

do Rio das Velhas, na estrada que vai dar na serra do Cipó. Aqui ele<br />

morou até seu envolvimento com a morte <strong>de</strong> d. Rodrigo Castel Branco<br />

que vem a ser exatamente o Fidalgo que <strong>de</strong>u nome ao lugar. Dizem que<br />

Borba Gato, temeroso que o fidalgo pu<strong>de</strong>sse usurpar <strong>de</strong> Fernão Dias o<br />

título <strong>de</strong> Governador do Descoberto das Esmeraldas, armou uma cilada<br />

que resultou na morte do dito cujo. Borba teve que fugir para a região<br />

11 História <strong>de</strong> Minas Gerais.<br />

26


do Vale do Rio Doce on<strong>de</strong> ficou foragido por cerca <strong>de</strong> quinze anos.<br />

Quando voltou, indultado por Artur <strong>de</strong> Sá em 1701, foi se estabelecer<br />

na região do Sabará, fundando o arraial <strong>de</strong> Santo Antônio do Bom<br />

Retiro da Roça Gran<strong>de</strong>, na margem esquerda do Rio das Velhas.<br />

Certamente ele andou muito pela região e <strong>de</strong>via transitar habitualmente<br />

entre Sabará e a casa da Quinta do Sumidouro que po<strong>de</strong> ter herdado do<br />

sogro, já que sua mulher era filha <strong>de</strong> Fernão Dias. Eventualmente fazia<br />

o percurso <strong>de</strong>scendo <strong>de</strong> canoa pelo Rio das Velhas e <strong>de</strong>pois voltando a<br />

pé para evitar o esforço <strong>de</strong> ter que remar rio acima. Então <strong>de</strong>via passar<br />

por <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> Lagoa Santa em direitura à Quinta do Sumidouro.<br />

A atual cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Lagoa Santa está no meio <strong>de</strong> uma região <strong>de</strong><br />

formação calcária com muitas lagoas. A principal <strong>de</strong>las é a Lagoa<br />

Central, no centro da cida<strong>de</strong>. Relatos do século XVIII dão a ela<br />

proprieda<strong>de</strong>s medicinais. Isso teria sido constatado em 1749 pelo<br />

médico italiano Antônio Ciale, resi<strong>de</strong>nte em Sabará. De fato as lendas<br />

<strong>dos</strong> primeiros tempos <strong>de</strong> Lagoa Santa dão conta <strong>de</strong> muitas curas<br />

milagrosas e foi isso que atraiu a curiosida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ciali e induziu o<br />

princípio do povoamento da região. Mas parece que em 1733 Felipe<br />

Rodrigues e outros já estavam habitando as margens da lagoa e em<br />

Portugal já se tinha publicado uma notícia sobre as virtu<strong>de</strong>s das suas<br />

águas. Naquele tempo a lagoa chamava Lagoa Feia ou Lagoa Gran<strong>de</strong>.<br />

Mas à medida que as notícias <strong>de</strong> curas iam se multiplicando o nome<br />

primitivo ia sendo esquecido. Em 1750 o ouvidor <strong>de</strong> Sabará cuidava das<br />

primeiras providências para que o arraial pu<strong>de</strong>sse ser assentado com<br />

uma certa or<strong>de</strong>m, investindo o cel. Faustino Pereira da Silva, então seu<br />

mais importante morador, <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res para tal.<br />

Em 1837 o briga<strong>de</strong>iro Raimundo <strong>José</strong> da Cunha Matos 12 visitou<br />

o arraial e registrou que os insetos e os pássaros fugiam da lagoa, mas<br />

em suas águas podiam ser pescadas piabas, bicu<strong>dos</strong>, traíras, lambaris e<br />

perumbebas. Conta ainda Cunha Matos, que era possível observar<br />

12 Corografia Histórica da Província <strong>de</strong> Minas Gerais (1837).<br />

27


quatro olhos d’água que borbotavam do seu centro e que conservavam<br />

seu volume <strong>de</strong> água. De fato a lagoa mantém o nível da água<br />

praticamente estável durante todo o ano, mesmo no pico <strong>dos</strong> perío<strong>dos</strong><br />

mais secos.<br />

O padre Casal 13 conta que quando a lagoa ficava totalmente<br />

parada, vale dizer sem ondulações, era possível se perceber uma nata<br />

prateada em sua superfície e que quando as pessoas bebiam <strong>de</strong>ssa água<br />

ficavam com os lábios brilhantes. Há uma lenda do final do século XIX<br />

contando que no auge <strong>de</strong> seus po<strong>de</strong>res milagrosos, todas as tar<strong>de</strong>s, no<br />

meio da lagoa emergia um cruzeiro prateado, como que abençoando a<br />

santida<strong>de</strong> das águas. Arremata a lenda que <strong>de</strong>pois que o povo começou<br />

a se banhar na lagoa por pura diversão e sem nenhum respeito o<br />

cruzeiro parou <strong>de</strong> aparecer.<br />

Com a Lagoa do Sumidouro as lendas são diferentes: <strong>de</strong> vez em<br />

quando a água <strong>de</strong>saparecia. Dizem que Borba Gato quis testar as<br />

proprieda<strong>de</strong>s misteriosas da lagoa e mandou afundar umas toras <strong>de</strong><br />

ma<strong>de</strong>ira que <strong>de</strong> fato, em lugar <strong>de</strong> voltarem à tona, simplesmente<br />

sumiram. O mais fantástico é que <strong>de</strong>pois elas teriam sido encontradas<br />

boiando no Rio das Velhas, a uma meia légua da lagoa. O mais provável<br />

é que a referência ao <strong>de</strong>saparecimento das águas da lagoa fosse fruto<br />

das enchentes periódicas do rio que inundavam a região e se<br />

confundiam com a própria lagoa. Ao baixar a enchente, a água voltava<br />

ao leito do rio e sumia, intrigando os índios do lugar. Mas existe uma<br />

outra hipótese mais consistente calcada em bases científicas. É que essa<br />

região forma o Carst <strong>de</strong> Lagoa Santa. Isso que dizer que a formação<br />

geológica do terreno apresenta características especiais, com vários<br />

canais subterrâneos que se comunicam entre si e que permitem a<br />

passagem <strong>de</strong> água, interligando <strong>de</strong>pósitos subterrâneos ou <strong>de</strong> superfície.<br />

Assim, a Lagoa do Sumidouro, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> atingir um <strong>de</strong>terminado nível,<br />

per<strong>de</strong> água por canais existentes nos paredões rochosos que margeiam<br />

13 Corografia Brasílica.<br />

28


um <strong>dos</strong> la<strong>dos</strong> da lagoa. Foi na entrada <strong>de</strong> um <strong>de</strong>les que o famoso<br />

Homem <strong>de</strong> Lagoa Santa foi encontrado pelo dr. Peter Lund.<br />

Mas em matéria <strong>de</strong> lendas a Lagoa do Vupabuçu tem o lugar<br />

primeiro e foi pra lá que Fernão Dias se abalou, assim que teve<br />

condição. Claro que, embora hoje um ramal da “Estrada Real” passe<br />

perto do Sumidouro, não foi por ela que o velho ban<strong>de</strong>irante transitou.<br />

Mesmo porque, a chamada Estrada Real, na verda<strong>de</strong> nunca existiu, pois<br />

reais eram todas as estradas que não fossem meras picadas vicinais ou<br />

trilhas <strong>de</strong> contrabandistas escondidas no mato. O roteiro efetivamente<br />

usado nos séculos XVIII e XIX para ligar Vila Rica ou Sabará ao Serro<br />

e ao distrito diamantífero do Tijuco era um pouco diferente. Segundo o<br />

dr. <strong>José</strong> Viera Couto, 14 havia dois caminhos ligando essas regiões. Um<br />

era o chamado “Caminho do Mato” e o outro era o “Caminho do<br />

Campo”. O primeiro era o preferido para quem vinha <strong>de</strong> Vila Rica e<br />

Mariana. Seguia pelo lado <strong>de</strong> Cocais, Caeté e Morro do Pilar, evitando a<br />

serra do Cipó. O segundo passava por Santa Luzia e Macaúbas e<br />

cruzava a serra margeando o rio Cipó, evitando Conceição do Serro e<br />

buscando o rumo <strong>de</strong> Congonhas do Norte. Por outro lado, quem usava<br />

o Rio das Velhas para alcançar o Vale do São Francisco preferia usar o<br />

porto <strong>de</strong> Santa Luzia para pernoitar e fazer biscates. Foi mais ou menos<br />

pelo trajeto do Caminho do Campo que Fernão Dias, partindo da<br />

Lagoa do Sumidouro, foi em busca da Lagoa do Vupabuçu e suas<br />

esmeraldas. Marcos <strong>de</strong> Azevedo foi o primeiro que quis convencer ter<br />

<strong>de</strong>scoberto a tal lagoa e respectivas pedras raras. Ele foi um <strong>dos</strong> tantos<br />

que, seguindo trilhas antigas e tocado por lendas fabulosas, entrou na<br />

terra <strong>dos</strong> minerais em busca <strong>de</strong> fortuna e glória. Penetrou a região da<br />

Itacambira a partir do Espírito Santo, usando o rio Suaçui como rota<br />

principal. Navegando na direção do poente teria ido dar na Vupabuçu<br />

com suas preciosida<strong>de</strong>s ver<strong>de</strong>s espalhadas pelas margens. Os<br />

exemplares que chegaram ao rei fizeram-no pular <strong>de</strong> alegria e<br />

14 Memória Sobre as Minas da Capitania <strong>de</strong> Minas Gerais in Revista do Arquivo Público<br />

Mineiro / Volume 10 – 1905.<br />

29


compensar regiamente o tenaz <strong>de</strong>scobridor. Mas há quem acredite que,<br />

ao contrário, Marcos <strong>de</strong> Azevedo não conseguiu fazer um acordo<br />

<strong>de</strong>cente com as autorida<strong>de</strong>s reais para contar o segredo das esmeraldas<br />

e teria morrido no cárcere, selando o segredo. Segundo o historiador<br />

Diogo <strong>de</strong> Vasconcelos, essa versão trágica é a história <strong>de</strong> Robério Dias 15<br />

e não <strong>de</strong> Azevedo que terminou os seus dias cheio <strong>de</strong> glórias premiado<br />

com o Hábito <strong>de</strong> Cristo e uma boa tença anual. De fato, consta que<br />

Marcos <strong>de</strong> Azevedo chegou a ir para Portugal, mas como o rei <strong>de</strong>morou<br />

muito a <strong>de</strong>cidir investir na promissora empreitada, ele acabou morrendo<br />

por lá mesmo sem ter podido ensinar o caminho das esmeraldas.<br />

Consta também que seus filhos se propuseram a refazer o caminho,<br />

mas não obtiveram nenhum sucesso. Teria sido por isso mesmo que,<br />

anos mais tar<strong>de</strong>, a Coroa teve que pedir socorro ao velho Fernão Dias.<br />

É difícil precisar on<strong>de</strong> ficava exatamente a Lagoa do Vupabuçu,<br />

tão sonhada pelo velho ban<strong>de</strong>irante paulista. Alguns acreditavam que<br />

ela se constitui na nascente do rio Piauí que é um <strong>dos</strong> braços do rio<br />

Jequitinhonha.<br />

Marcos <strong>de</strong> Azevedo é mais lembrado como <strong>de</strong>scobridor da<br />

lagoa mágica, mas foi o velho Fernão Dias quem a mirou com mais<br />

<strong>de</strong>slumbramento e paixão. Quando foi convidado e aceitou <strong>de</strong>sbravar a<br />

região <strong>de</strong> Minas em busca <strong>de</strong> riquezas ele já tinha sessenta anos. Era<br />

então um abastado fazen<strong>de</strong>iro paulista e tinha empreendido várias<br />

ban<strong>de</strong>iras preadoras, andando milhares <strong>de</strong> quilômetros no<br />

<strong>de</strong>sbravamento do sul. Como gran<strong>de</strong> potentado exercia forte influência<br />

sobre a câmara da vila <strong>de</strong> São Paulo, tendo sido inclusive um <strong>dos</strong><br />

responsáveis pela restauração da permissão da presença <strong>dos</strong> jesuítas na<br />

vila, da qual, exatamente, tinham sido fundadores em mea<strong>dos</strong> do século<br />

XVI. Fernão Dias nasceu em 1608 na vila <strong>de</strong> São Paulo e morreu em<br />

1681, nas proximida<strong>de</strong>s do rio das Velhas, <strong>de</strong> retorno da <strong>de</strong>sastrada<br />

incursão à Lagoa do Vupabuçu.<br />

15 Vamos contar a sua história mais adiante.<br />

30


Por volta <strong>de</strong> 1637 vamos encontrá-lo nos primórdios da sua<br />

carreira <strong>de</strong> ban<strong>de</strong>irante, atravessando o sul do Brasil até os campos do<br />

Uruguai. Retornou <strong>de</strong>ssas excursões com um verda<strong>de</strong>iro exército <strong>de</strong><br />

índios cativos que botou para trabalhar em suas lavouras nas cercanias<br />

da vila <strong>de</strong> São Paulo e que faziam parte <strong>de</strong> uma espécie da força armada<br />

particular que mantinha à sua própria custa. Em 1640 Fernão Dias, à<br />

vista <strong>de</strong> uma ameaça <strong>de</strong> invasão <strong>de</strong> São Vicente por embarcações<br />

holan<strong>de</strong>sas, enviou cem <strong>de</strong>sses homens arma<strong>dos</strong> para guarnecer a vila<br />

litorânea. Em 1643 foi nomeado capitão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nanças da vila <strong>de</strong> São<br />

Paulo e cercanias, cargo <strong>de</strong> enorme prestígio e po<strong>de</strong>r. Três anos <strong>de</strong>pois<br />

os beneditinos recorreram à Câmara <strong>de</strong> São Paulo pedindo ajuda para<br />

melhorar o seu mosteiro. Mas a Câmara não tinha recursos e o próprio<br />

Fernão Dias se ofereceu para a empreitada, tomando o encargo <strong>de</strong><br />

construir uma capela mais ampla e mantê-la à sua custa, assim como<br />

melhorar os alojamentos <strong>dos</strong> fra<strong>de</strong>s entre outras benfeitorias.<br />

Em 1664 o rei pediu que Fernão Dias apoiasse o governador<br />

Agostinho Barbalho Bezerra na busca das minas. Ele chegou a montar<br />

uma tropa e juntar víveres, mas a empreitada acabou interrompida pela<br />

morte <strong>de</strong> Barbalho. Em 1671 vamos encontrá-lo <strong>de</strong> novo metendo a<br />

mão no bolso para ajudar o rei. Desta vez mandando tropas para<br />

sossegar o gentio do recôncavo baiano. Três anos <strong>de</strong>pois já estava o rei<br />

novamente batendo à sua porta e pedindo ajuda para conquistar as<br />

minas. Desta vez, apesar da ida<strong>de</strong>, ele resolveu radicalizar e assumir<br />

pessoalmente o cometimento. Postou-se à frente da sua gente, encarou<br />

os altos da Mantiqueira e partiu em busca do serro da prata e das<br />

esmeraldas. Era julho <strong>de</strong> 1674, começava sua aventura <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>ira.<br />

É possível que a ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Fernão Dias tenha sido a mais bem<br />

organizada e po<strong>de</strong>rosa <strong>de</strong> todas que penetraram na região central das<br />

futuras Minas Gerais no século XVIII. Dela participaram famosos<br />

capitães paulistas, to<strong>dos</strong> valentes e garbosos à frente <strong>dos</strong> seus<br />

estandartes pessoais, tal qual verda<strong>de</strong>iros senhores medievais. Apesar <strong>de</strong><br />

tudo isso a aventura não <strong>de</strong>u bons resulta<strong>dos</strong>, como bem se sabe. Aliás<br />

foi assim <strong>de</strong>ste o começo.<br />

Diferentemente do que se pensa, as turmalinas ver<strong>de</strong>s do<br />

Itacambira não foram as primeiras pedras que Fernão Dias Paes<br />

31


encaminhou a d. Pedro. Antes disso ele já havia enviado cristais e outras<br />

pedras <strong>de</strong> pouco valor. O príncipe regente agra<strong>de</strong>ceu as amostras em<br />

carta <strong>de</strong> 1677, mas sem muito entusiasmo, pois o que Sua Alteza queria<br />

mesmo era prata e pedras verda<strong>de</strong>iramente preciosas. Na verda<strong>de</strong> nunca<br />

se soube se as turmalinas foram colhidas às margens da Lagoa do<br />

Vupabuçu, na verda<strong>de</strong> nunca se soube se a tal lagoa existiu mesmo um<br />

dia. 16<br />

16 Não posso <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> dar uma nota sobre a fabulosa Lagoa da Piraquara. Talvez ela<br />

tenha sido o mais <strong>de</strong>slumbrante capricho natural que Minas Gerais já possuiu. Era<br />

uma extensa lagoa que se espalhava entre os atuais municípios mineiros <strong>de</strong> Bom<br />

Despacho e Dores do Indaiá. Provavelmente, suas principais fontes híd<strong>ricas</strong> proviam<br />

das vazantes exuberantes do alto Rio São Francisco. O naturalista <strong>José</strong> Viera Couto<br />

esteve na região em 1800 e fez uma embevecida <strong>de</strong>scrição da lagoa. Conta que ela era<br />

composta pela interligação <strong>de</strong> inúmeras lagoas <strong>de</strong> extensão e profundida<strong>de</strong> variadas.<br />

As águas eram cristalinas, variando do azul ao ver<strong>de</strong>, conforme a profundida<strong>de</strong>. Os<br />

peixes podiam ser captura<strong>dos</strong> com as mãos pela fartura e pela visibilida<strong>de</strong> da água. Daí<br />

o nome da lagoa (Ninho <strong>de</strong> Peixes). Devia ser o criatório natural <strong>de</strong> on<strong>de</strong> proviam os<br />

peixes que povoavam o longo curso do rio São Francisco. Em torno do extenso e<br />

irregular contorno da lagoa habitavam numerosos e varia<strong>dos</strong> pássaros, cerca<strong>dos</strong> <strong>de</strong><br />

uma exuberante flora lacustre. Não obstante esses notáveis atributos naturais, a lagoa<br />

nunca atraiu os ban<strong>de</strong>irantes pois a única riqueza que os homens conseguiam enxergar<br />

naqueles tempos era o ouro e as pedras preciosas e <strong>de</strong>sses a lagoa nunca teve fama <strong>de</strong><br />

ser dadivosa. Assim a Piraquara nunca chegou a ter interesse histórico, embora haja<br />

quem acredite que por volta <strong>de</strong> 1670 alguns paulistas já tinham assentado fazendas<br />

naquela região. Com o passar <strong>dos</strong> anos a lagoa foi sendo consumida pelo aterramento<br />

<strong>dos</strong> alaga<strong>dos</strong> com vistas à ocupação agrícola. Hoje o que resta daquele santuário<br />

ecológico é um ou outro pequeno poço, isolado e quase completamente estéril. Os<br />

esparsos buritis que ainda existem na região conseguem subsistir graças a umida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sses poços.<br />

32


A capitania<br />

O regime <strong>de</strong> capitanias no Brasil foi implantado já por volta <strong>de</strong><br />

1530, configurando o primeiro mo<strong>de</strong>lo adotado para a colonização da<br />

nova terra americana. No princípio d. João III não queria ter muita<br />

<strong>de</strong>spesa com sua possessão do oci<strong>de</strong>nte e assim resolveu reparti-la em<br />

capitanias e doá-las a alguns figurões da corte portuguesa. O presente<br />

era sedutor mas meio capcioso pois embutia o <strong>de</strong>ver <strong>dos</strong> donatários<br />

explorarem as terras recebidas, o que incluía a <strong>de</strong>fesa militar e o<br />

povoamento daquelas vastas regiões, maiores do que toda a velha<br />

Europa. A primeira a ser explorada foi a <strong>de</strong> São Vicente, por seu<br />

donatário Martin Afonso <strong>de</strong> Souza que ali fundou a primeira povoação<br />

da América Portuguesa. Mas a empreitada exigia tremenda quantida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> recursos e ciclópica disposição para o trabalho, no meio do mato<br />

infestado <strong>de</strong> feras, bugres e rastejantes. Assim, a maioria das capitanias<br />

não progrediu e, com o passar do tempo, a Coroa acabou readquirindo<br />

algumas <strong>de</strong>las. Foi o caso das capitanias <strong>de</strong> Santo Amaro e São Vicente<br />

que <strong>de</strong>ram origem às mais importantes capitanias da Coroa do século<br />

XVIII, quer dizer, Rio <strong>de</strong> Janeiro, São Paulo e Minas. O limite mais<br />

marcante entre elas era o canal que hoje dá entrada ao porto <strong>de</strong> Santos e<br />

que exatamente divi<strong>de</strong> as ilhas <strong>de</strong> São Vicente e Santo Amaro. No<br />

segundo quarto do século XVII o con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Monsanto, her<strong>de</strong>iro da<br />

capitania <strong>de</strong> Santo Amaro, conseguiu avançar seu domínio sobre a ilha<br />

<strong>de</strong> São Vicente, obrigando a her<strong>de</strong>ira <strong>de</strong>sta capitania, a con<strong>de</strong>ssa <strong>de</strong><br />

Vimeiro, a mudar sua se<strong>de</strong> para Itanhaém. Daí toda essa região acabou<br />

reconfigurada e <strong>de</strong> um modo meio confuso. A capitania da con<strong>de</strong>ssa<br />

tinha em Taubaté, serra acima, sua principal vila. A vila <strong>de</strong> São Paulo,<br />

também serra acima, era a principal da capitania do con<strong>de</strong>, não<br />

esquecendo ainda as importantes <strong>vilas</strong> <strong>de</strong> Santos e a <strong>de</strong> São Vicente.<br />

Em mea<strong>dos</strong> do século XVII a configuração do regime das capitanias da<br />

região <strong>de</strong> São Paulo foi muito retalhada, com cada vila, praticamente<br />

encabeçando sua própria capitania. Assim é que vamos ter as capitanias<br />

<strong>de</strong> São Vicente, São Paulo, Itanhaém, Paranaguá e Parnaíba. Mais tar<strong>de</strong><br />

haveria uma nova concentração ficando tudo sob a jurisdição da<br />

33


capitania do Rio <strong>de</strong> Janeiro, <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> da Coroa. Naquele tempo<br />

havia dois esta<strong>dos</strong>: o do Maranhão e Grão Pará e o do Brasil<br />

propriamente dito. A cabeça colonial da Coroa na repartição sul era a<br />

Bahia, mas com o <strong>de</strong>slocamento meridional do eixo econômico, o Rio<br />

<strong>de</strong> Janeiro foi ganhando importância passando à capitania real e<br />

incorporando as muitas léguas das capitanias do con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Monsanto e<br />

da con<strong>de</strong>ssa <strong>de</strong> Vimeiro. Ao raiar do século XVIII vamos encontrar<br />

Rio, São Paulo e Minas sob um único governador. Em 1710 São Paulo<br />

e suas Minas se separam do Rio e em 1720 São Paulo e Minas Gerais se<br />

tornam duas capitanias in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes. Claro que os limites eram muito<br />

diferentes do que são hoje. Tanto que, no século XVIII, o atual<br />

triângulo mineiro pertencia à capitania <strong>de</strong> Goiás e a capitania <strong>de</strong><br />

Pernambuco fazia divisa com Minas Gerais ao norte <strong>de</strong> Paracatu. Mas,<br />

em linhas gerais, as mesmas capitanias coloniais que em 1822 viraram<br />

províncias, são os esta<strong>dos</strong> brasileiros <strong>de</strong> hoje. As capitanias no ultramar<br />

<strong>de</strong>limitavam não só os quintais do rei mas também as jurisdições <strong>dos</strong><br />

áulicos, cortesãos, mercadores e banqueiros e os protegi<strong>dos</strong> menores,<br />

nobres e plebeus; agrega<strong>dos</strong> à Corte Portuguesa. Muitos eram os<br />

cargos, disponíveis na administração colonial, regularmente usa<strong>dos</strong> pela<br />

Coroa para trocar favores e angariar fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong>s. Alguns tinham<br />

conotação mais militar, outros mais administrativos e outros mesclavam<br />

as duas responsabilida<strong>de</strong>s. Também havia os títulos meramente<br />

honoríficos, porém muito cobiça<strong>dos</strong>. Entre eles o título <strong>de</strong> Fidalgo da<br />

Casa <strong>de</strong> Sua Majesta<strong>de</strong> e o hábito da Or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> Cristo. Este,<br />

especialmente, era muito <strong>de</strong>sejado pelo médio escalão, pois além da<br />

distinta honraria, ainda podia vir acompanhado do pagamento <strong>de</strong> uma<br />

tença, quer dizer, uma espécie <strong>de</strong> pensão anual. Especialmente no<br />

século XVIII essas honrarias foram muito usadas pela Coroa para<br />

estimular o pessoal a <strong>de</strong>scobrir minas <strong>de</strong> ouro, prata e pedras preciosas.<br />

Um <strong>dos</strong> cargos mais cobiça<strong>dos</strong> na administração colonial era o <strong>de</strong><br />

capitão-mor pois encerrava boa <strong>dos</strong>e <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e autorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mando.<br />

Contudo, ele não tinha conotação uniforme e era aplicado em<br />

circunstâncias variáveis, <strong>de</strong>pendo da abrangência da autorida<strong>de</strong><br />

concedida. Mas, <strong>de</strong> uma forma ou <strong>de</strong> outra, foram os capitães mores<br />

que encabeçaram o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> administração <strong>dos</strong> primeiros tempos,<br />

34


sossegando aquelas turbas <strong>de</strong> aventureiros belicosos. A autorida<strong>de</strong><br />

máxima do Brasil colonial, até a instalação <strong>dos</strong> vice-reis no Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro, era o governador geral, instalado na Bahia. Depois vinham os<br />

governadores das capitanias da Coroa e os capitães-mores das<br />

capitanias feudatárias. Assim, capitanias como Itanhaem e São Vicente<br />

eram governadas por capitães-mores subordina<strong>dos</strong> ao governo do Rio<br />

<strong>de</strong> Janeiro que até 1709 tinha jurisdição sobre toda a repartição sul. Mas<br />

o titulo também era empregado para nomear os comandantes <strong>de</strong><br />

empreendimentos exploradores que recebiam não só a missão presente<br />

<strong>de</strong> comandar a exploração como também a ocupação da terra<br />

conquistada, como sua autorida<strong>de</strong> máxima. Foi o caso do filho <strong>de</strong><br />

Fernão Dias, Garcia Rodrigues Paes, nomeado em 1683 capitão-mor do<br />

empreendimento para continuação da <strong>de</strong>scoberta das esmeraldas que<br />

seu pai tinha iniciado. Despen<strong>de</strong>u seis anos nessa missão e não obteve<br />

sucesso. Depois ele passaria a guarda-mor geral das Minas, cargo que<br />

tinha mais <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> e jurisdição e que o bravo filho <strong>de</strong><br />

Fernão Dias exerceu até o fim da vida. Pelo texto da carta patente que o<br />

nomeou esse cargo era hereditário até a terceira geração, ou seja,<br />

extensível até o neto <strong>de</strong> Garcia Paes.<br />

No princípio do século XVIII os capitães-mores também<br />

estavam entre as primeiras autorida<strong>de</strong>s administrativas das <strong>vilas</strong> e, como<br />

dito, conferia muito prestígio e autorida<strong>de</strong>. Assim é que quando o<br />

taubateano Carlos Pedroso da Silveira foi ao Rio <strong>de</strong> Janeiro dar parte do<br />

primeiro ouro que se teve notícia, <strong>de</strong>scoberto nos riachos do Itaverava,<br />

o governador o premiou exatamente com o cargo <strong>de</strong> capitão-mor da<br />

vila <strong>de</strong> Taubaté. Por volta <strong>de</strong> mea<strong>dos</strong> <strong>dos</strong> setecentos, no entanto, o<br />

capitão-mor já não era assim tão gran<strong>de</strong> coisa. Tinha mais uma função<br />

policial e os provi<strong>dos</strong> eram indica<strong>dos</strong> pelas próprias câmaras das <strong>vilas</strong>,<br />

sujeitos, claro, à confirmação da Coroa. No tempo do império o cargo<br />

<strong>de</strong> capitão-mor nem existia mais e todo mundo queria mesmo é ser<br />

coronel na guarda nacional. Aí o tempo das capitanias já tinha passado<br />

e elas tinham virado províncias. Foi então que, a capitania <strong>de</strong> Minas<br />

Gerais, a mais rica da América Portuguesa, <strong>de</strong>finitivamente perdia essa<br />

gloriosa condição, salpicada <strong>de</strong> <strong>vilas</strong> cada vez mais <strong>pobres</strong>.<br />

35


A busca <strong>dos</strong> tesouros<br />

Riquezas e lendas andam juntas e a conquista das minas gerais<br />

foi, enfim, fortemente instigada por muitas histórias fascinantes sobre<br />

fabulosos tesouros <strong>de</strong> prata, esmeraldas e ouro. A mais antiga <strong>de</strong>las foi<br />

a lenda das minas <strong>de</strong> prata do Serro do Sabarabuçu. A origem e<br />

evolução <strong>de</strong>sta lenda é um pouco obscura, mas parece ter princípio no<br />

século XVI e, provavelmente, foi inspirada pelas <strong>de</strong>scobertas das minas<br />

<strong>de</strong> prata na América espanhola no tempo em que as colônias <strong>de</strong><br />

Portugal e Castela penavam sob o cetro do mesmo rei. Na verda<strong>de</strong> a<br />

lenda já existia <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1570 17 e foi se fortalecendo naquele tempo <strong>de</strong><br />

inquietação aventureira.<br />

Sabe-se que em 1601 o governador geral Francisco <strong>de</strong> Souza<br />

chegou em São Paulo com fragmentos <strong>de</strong> rochas contendo prata. As<br />

amostras tinham sido passadas a ele por um aventureiro que as teria<br />

encontrado na serra do Sabarabuçu. O governador encarregou André<br />

<strong>de</strong> Leão <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrir esta serra. Desta expedição fez parte o holandês<br />

Wilhem Glimmer que foi quem registrou a história e <strong>de</strong>u mais força a<br />

lenda.<br />

Na sequência vem a história <strong>de</strong> Robério Dias, acontecida por<br />

volta <strong>de</strong> 1595, e que também muito concorreu para o fortalecimento na<br />

crença <strong>de</strong> que Serro <strong>de</strong> Prata era uma realida<strong>de</strong> ao alcance da mão.<br />

Desta vez os palpites <strong>de</strong>slocaram o local provável das maravilhosas<br />

minas mais para o norte. Contavam que Dias, em pleno interior da<br />

Bahia, ostentava uma corte <strong>de</strong> riqueza on<strong>de</strong> to<strong>dos</strong> os utensílios usa<strong>dos</strong><br />

no cotidiano eram feitos da mais pura prata. O rei ficou morto <strong>de</strong> inveja<br />

e quis saber <strong>de</strong> on<strong>de</strong> vinha toda aquela riqueza mal contada. Dias era<br />

um bom mestiço baiano e prometeu revelar o segredo e mais: <strong>de</strong>scobrir<br />

minas novas pois se dizia esperto nesse mister. O rei se animou e<br />

17 Pero <strong>de</strong> Magalhães Gandavo escreveu um tratado sobre o Brasil em 1570 e nele já<br />

falava sobre a lenda da “serra resplan<strong>de</strong>cente”. Alguns anos <strong>de</strong>pois sir Walter Raleigh<br />

espalhava a lenda do El Dorado, excitando os reis da Europa e contaminando seus<br />

súditos do sul da América.<br />

36


colocou um contingente <strong>de</strong> aventureiros sob seu comando. Mas ele não<br />

<strong>de</strong>volveu a confiança e tudo ficou só na promessa. Rodou pra baixo e<br />

pra cima, mas nada <strong>de</strong> mina <strong>de</strong> prata. Sua Majesta<strong>de</strong> não gostou do<br />

resultado, per<strong>de</strong>u a paciência e mandou arrancar o segredo do pobre<br />

Robério a qualquer custo. Mas ele morreu antes, sem revelar o mapa do<br />

seu suposto tesouro. Daí então todo mundo ficou atrás das minas <strong>de</strong><br />

Robério Dias. 18 O perímetro da busca aumentou e foi aí que o eixo da<br />

esperança veio dar no Sabarabuçu. Mas inutilmente, pelo menos quanto<br />

à prata. A lenda prosperou até mea<strong>dos</strong> do século seguinte, mas prata<br />

não havia mesmo e é assim até hoje. 19<br />

Não é <strong>de</strong> todo improvável que alguma incursão aventureira<br />

meio <strong>de</strong>snorteada tenha partido da Bahia e ido dar na Lagoa Santa<br />

achando que toda aquela região é que era a fabulosa mina <strong>de</strong> prata da<br />

lenda <strong>de</strong> Robério Dias. Isso po<strong>de</strong> ter a ver com aquela história que<br />

contei <strong>de</strong> que antigamente a superfície da lagoa era coberta <strong>de</strong> uma nata<br />

prateada capaz <strong>de</strong> refletir a lua intensamente e maravilhar os olhos e a<br />

ambição. Este fenômeno não está muito bem explicado mas, enfim,<br />

consta daqueles relatos <strong>de</strong> viajantes que estiveram na região nos séculos<br />

XVII e XIX, como vimos. Po<strong>de</strong> até ser que alguém tenha subido no<br />

pico do Serro do Sabarabuçu e numa noite <strong>de</strong> lua cheia tenha avistado<br />

um intenso brilho prateando refletindo a lua, uma autêntica lagoa <strong>de</strong><br />

prata. Sim, é que o Serro do Sabarabuçu é exatamente a atual serra da<br />

Pieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> on<strong>de</strong> se po<strong>de</strong> avistar a Lagoa Santa, com facilida<strong>de</strong>. Po<strong>de</strong> até<br />

ser que Fernão Dias e sua tropa tenham estacionado nesta região<br />

18 Hoje se sabe que a história <strong>de</strong> Robério Dias não tem nenhum fundamento<br />

histórico. Na verda<strong>de</strong> sua história <strong>de</strong>corre <strong>de</strong> uma confusão com fatos ocorri<strong>dos</strong> não<br />

com ele e sim com seu pai Belchior Dias Moreia. Esse sim é que, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> oito anos<br />

embrenhado no sertão voltou contando maravilhas sobre minas <strong>de</strong> prata. Foi até o<br />

reino pedir ajuda mas quem acabou enrolando foi o rei. De sorte que <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />

esperar seis anos pelas mercês da Sua Majesta<strong>de</strong> <strong>de</strong>cidiu voltar ao Brasil. Aqui<br />

chegando teria sido intimado a fazer parte <strong>de</strong> uma expedição que, sob o comando do<br />

governador, partiu para re<strong>de</strong>scobrir as tais minas <strong>de</strong> prata. Parece que ele não<br />

colaborou muito, acabou preso e a prata continuou por se <strong>de</strong>scobrir.<br />

19 Quanto a André <strong>de</strong> Leão e aquela missão precípua <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrir a prata do Serro do<br />

Sabarabuçu, ele não encontrou nada e ainda confundiu o lugar do serro, imaginando<br />

que tinha dado com ele nas imediações da serra <strong>de</strong> Pitangui.<br />

37


exatamente <strong>de</strong>vido à lenda, mesmo que não tivessem na prata o seu<br />

foco principal. De fato, nem ele, nem seu filho Garcia Rodrigues Paes,<br />

nem Borba Gato, <strong>de</strong>ram muita bola para esta lenda e ela acabou<br />

sufocada pela lenda da Lagoa do Vupabuçu e suas esmeraldas. Esta não<br />

durou muito e também não passou <strong>de</strong> uma grossa ilusão. No final<br />

Fernão Paes morreu sem <strong>de</strong>scobrir nada <strong>de</strong> muito valor. O mesmo não<br />

se po<strong>de</strong> dizer <strong>de</strong> seu filho e <strong>de</strong> seu genro que encheram as burras <strong>de</strong><br />

ouro, riqueza que até então não <strong>de</strong>spertava muito interesse pois a febre<br />

era <strong>de</strong> prata e das pedras ver<strong>de</strong>s brilhantes.<br />

O Sabarabuçu, na verda<strong>de</strong>, sempre foi mesmo muito mais uma<br />

lenda do que um ponto geográfico <strong>de</strong>finido. Mas se quisermos situá-lo<br />

em algum lugar, este há <strong>de</strong> ser a ampla região do médio Rio das Velhas,<br />

tendo por referência a serra da Pieda<strong>de</strong> ou o rio Sabará, se esten<strong>de</strong>ndo<br />

pelo menos até o rio São Francisco. O significado do nome, como<br />

sempre acontece com nomes indígenas, é muito controvertido. Para<br />

Cláudio Manuel da Costa 20 o termo correto seria Sobrabuçu o que<br />

po<strong>de</strong>ria significar algo como “gran<strong>de</strong> coisa felpuda”. E aqui é<br />

interessante observar que a serra da Pieda<strong>de</strong> frequentemente está<br />

tomada por amplas nuvens <strong>de</strong> neblina, especialmente no período da<br />

manhã e com toda a proprieda<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ser i<strong>de</strong>ntificada como a “serra da<br />

gran<strong>de</strong> coisa felpuda”, hoje tal qual há trezentos anos.<br />

Diogo <strong>de</strong> Vasconcelos agrega à discussão uma observação um<br />

tanto fantasiosa como é <strong>de</strong> seu estilo. Segundo ele, para os indígenas, os<br />

rios maiores eram ti<strong>dos</strong> como pais <strong>dos</strong> rios menores. Assim, mais<br />

precisamente, a <strong>de</strong>nominação se aplicaria ao local da confluência<br />

daquele rio menor, hoje <strong>de</strong>nominado Sabará, com o Rio das Velhas.<br />

Assim, o Sabarabuçu seria o próprio Rio das Velhas, aqui então<br />

chamado <strong>de</strong> “Pai Gran<strong>de</strong>”. Este ponto é, exatamente, on<strong>de</strong> hoje está<br />

localizada a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Sabará. Dali o nome teria se espalhado a toda<br />

uma vasta região, tendo como farol, como dito, a serra da Pieda<strong>de</strong>,<br />

cujamente a serra do Sabarabuçu. Para Wal<strong>de</strong>mar <strong>de</strong> Almeida Barbosa,<br />

20 Fundamento Histórico do Poema Vila Rica.<br />

38


o nome caracterizaria qualquer região vasta, <strong>de</strong>sconhecida e com limites<br />

imprecisos. Daí porque fosse usado para <strong>de</strong>signar o sertão entre a serra<br />

e o vale do São Francisco, cujo potencial mineral permaneceu incerto,<br />

pelo menos até a incursão da ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Fernão Dias, alimentando<br />

histórias <strong>de</strong> eldora<strong>dos</strong> e riquezas. Como prata não havia, até po<strong>de</strong> ser<br />

que a lenda é que tenha dado nome à serra e à região, e não o contrário.<br />

Uma outra lenda antiga que tirava as noites <strong>de</strong> sono <strong>de</strong><br />

mineradores e aventureiros é a Lenda do Ouro da Casa da Casca, esta<br />

sim, cheia <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>s. Não sabemos exatamente on<strong>de</strong> era este lugar,<br />

embora possamos <strong>de</strong>duzir, com um grau aceitável <strong>de</strong> precisão, que<br />

<strong>de</strong>vesse ficar ali entre as atuais cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Itaverava, Piranga e Viçosa.<br />

Portanto, não era exatamente o epicentro das minas gerais. Essa região<br />

foi exaustivamente minerada, embora sem sucesso significativo. Isso<br />

nos permite afirmar que a Casa da Casca foi encontrada, o que não foi<br />

encontrado foi o abundante ouro que lendariamente ela prometia. Mas<br />

com certeza aí <strong>de</strong>ve ter sido um <strong>dos</strong> primeiros lugares das minas gerais<br />

– Rio das Velhas à parte - on<strong>de</strong> o metal foi <strong>de</strong>scoberto, ainda que em<br />

<strong>de</strong>cepcionante quantida<strong>de</strong>. Foi ali que Antônio Rodrigues Arzão, em<br />

1794, <strong>de</strong>scobriu umas pitadas do metal. Ele, em geral, é tido como o<br />

primeiro <strong>de</strong>scobridor do ouro mineiro, com o que não concordamos,<br />

como se verá adiante. É <strong>de</strong> se lembrar também que Antônio Pires<br />

Rodovalho <strong>de</strong>scobriu ouro no rio Guarapiranga por volta <strong>de</strong> 1692, ou<br />

seja antes <strong>de</strong> Arzão e, nesse tempo, a região já era chamada <strong>de</strong> Casa da<br />

Casca.<br />

É provável que a lenda tenha sido estabelecida também pelo<br />

fato <strong>de</strong>ssa região, além <strong>de</strong> pobre em alimentos, ser povoada <strong>de</strong> um<br />

gentio muito bravo que dificultava a penetração. Isso <strong>de</strong>via exacerbar<br />

muito o espírito aventureiro <strong>dos</strong> paulistas, certamente convenci<strong>dos</strong> <strong>de</strong><br />

que o embate <strong>de</strong>via valer a pena, pois atrás <strong>de</strong> bugre bravo tem ouro. E<br />

assim, com paciência, foram conquistando a região, achando algum<br />

ouro e fazendo a lenda crescer nas rodas <strong>de</strong> Taubaté. Mas ali por volta<br />

<strong>de</strong> 1710 a turma já tinha percebido que o bom mesmo era o Ribeirão<br />

do Carmo e a serra do Ouro Preto e a lenda ficou na sauda<strong>de</strong> <strong>dos</strong><br />

primeiros conquistadores. Foi daí que passou à História.<br />

39


Para Salomão <strong>de</strong> Vasconcelos o ponto mais aproximado do<br />

local em que Arzão achou as suas pepitas <strong>de</strong> ouro – a “Casa da Casca” -<br />

é a atual cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Araponga. Ela fica a cerca <strong>de</strong> vinte quilômetros do<br />

rio Casca e essa po<strong>de</strong> ter sido a base para tal afirmação. Esse até<br />

po<strong>de</strong>ria ser o lugar do <strong>de</strong>scoberto <strong>de</strong> Arzão mas não necessariamente<br />

seria a localização da lendária Casa da Casca. Creio que, naqueles<br />

tempos, “Casca” i<strong>de</strong>ntificava toda a região e não apenas o rio. Na<br />

verda<strong>de</strong> a região é que <strong>de</strong>ve ter dado nome ao rio e não o contrário.<br />

Mas mestre Vasconcelos faz parte daquela brilhante geração <strong>de</strong><br />

historiadores mineiros que morreu frustrada por não ter <strong>de</strong>scoberto a<br />

Casa da Casca.<br />

Fora do escopo da lenda, a região só foi efetivamente ocupada<br />

por volta <strong>de</strong> 1780, já no governo <strong>de</strong> d. Rodrigo <strong>José</strong> <strong>de</strong> Menezes,<br />

quando o ciclo do ouro já estava terminal. Foi aí que o governador<br />

mandou explorar a serra <strong>dos</strong> Arrepia<strong>dos</strong> aten<strong>de</strong>ndo a um apelo da<br />

Coroa que queria mais minas <strong>de</strong> ouro <strong>de</strong>scobertas pois as finanças do<br />

reino agonizavam, vítima das malversações, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os tempos <strong>de</strong> d. João<br />

V e suas extravagâncias erótico-pie<strong>dos</strong>as. Diante das supostas boas<br />

perspectivas <strong>de</strong> mineração na região, choveu gente requerendo<br />

sesmarias, do que resultou a fundação do Arraial <strong>dos</strong> Arrepia<strong>dos</strong>. Mas o<br />

ouro se mostrou mínimo, como alias já era <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os tempos <strong>de</strong> Arzão.<br />

De sorte que o arraial <strong>de</strong>caiu rapidamente e só em 1826 viria a ser<br />

criada a freguesia <strong>de</strong> São Miguel e Almas. Em 1938 e velho Arraial <strong>dos</strong><br />

Arrepia<strong>dos</strong> viraria Araponga e vinte quatro anos <strong>de</strong>pois chegaria à<br />

condição <strong>de</strong> cida<strong>de</strong>.<br />

As lendas excitaram os cometimentos <strong>dos</strong> bravos aventureiros,<br />

mas a conquista efetiva do território só se <strong>de</strong>u após penoso e paciente<br />

trabalho, coberto <strong>de</strong> canseiras extenuantes. Primeiro vieram os<br />

exploradores, <strong>de</strong>pois os ban<strong>de</strong>irantes, <strong>de</strong>pois os mineradores e<br />

sesmeiros. Uns passando relatos aos outros, não raro agregando umas<br />

pitadas <strong>de</strong> exagero. Mas, à medida que a conquista ia sendo perpetrada a<br />

dura realida<strong>de</strong> das asperezas da terra ia dissolvendo as lendas. Mas os<br />

homens seguiram sonhando e isso ajudou muito.<br />

40


É difícil alinhar cronologicamente a sequência das primeiras<br />

entradas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o século XVI. Lembramos <strong>de</strong> Brás Cubas e Francisco<br />

Spinoza, mas Antônio Dias Adorno também está entre os primeiros.<br />

Sua entrada se <strong>de</strong>u no longínquo ano <strong>de</strong> 1574. Nasceu na Bahia e era<br />

bisneto do famoso Caramuru. A pedido do governador Luis <strong>de</strong> Brito,<br />

juntou um po<strong>de</strong>roso bando <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> quinhentas pessoas e, a partir da<br />

foz do rio Caravelas, penetrou nas terras <strong>de</strong>sconhecidas na esperança <strong>de</strong><br />

dar com a lendária serra prateada do Sabarabuçu que já então, e por<br />

mais <strong>de</strong> cem anos, atiçaria a ambição <strong>dos</strong> aventureiros, com o rei à<br />

frente; morrendo <strong>de</strong> inveja da prata que os espanhóis tiravam aos<br />

montes no vice-reino do Peru. Andou pela bacia do rio Araçuaí e do<br />

Jequitinhonha. Ali passou pelo vexame <strong>de</strong> assistir a uma <strong>de</strong>serção <strong>de</strong><br />

parte da sua tropa que já andava <strong>de</strong>scrente da sua competência<br />

sertanista. Não teve remédio senão <strong>de</strong>sistir da empreitada e tomar o<br />

rumo <strong>de</strong> casa. Rompeu o norte e foi dar nas terras <strong>de</strong> João Coelho <strong>de</strong><br />

Souza e seu irmão Gabriel Soares <strong>de</strong> Souza on<strong>de</strong> chegou muito doente,<br />

abatido pelas agruras da viagem. Mas, mesmo assim, estava animado<br />

pois trazia notícias <strong>de</strong> indícios <strong>de</strong> ouro e pedras preciosas. Morreu na<br />

Bahia em 1583, sem ter podido voltar para conferir os indícios. Mas as<br />

histórias que contou acabaram seduzindo outros que lhe seguiriam os<br />

rumos pouco <strong>de</strong>pois, inclusive João Coelho <strong>de</strong> Souza que foi quem<br />

primeiro se maravilhou com a história <strong>de</strong> Adorno. Impulsionado por<br />

ela montou uma expedição, tomou o rumo do sul, andou léguas<br />

penosas <strong>de</strong> campos e matos. Cortou rios e serras e, no final, também<br />

voltou doente. Nem teve a sorte <strong>de</strong> conseguir chegar ao seu sítio do<br />

Jequiriçá, morrendo antes. Mas conseguiu mandar um recado a Gabriel<br />

Soares <strong>de</strong> Souza exortando-o a passar a Lisboa e pedir ajuda ao rei para<br />

nova expedição pois aquelas terras maravilhosas prometiam muitas<br />

riquezas, tal qual Adorno tinha contado. Gabriel, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> muito, já estava<br />

interessado no caminho das preciosida<strong>de</strong>s, tanto que estava rabiscando<br />

um livro sobre o assunto. De sorte que sacudiu todo o seu entusiasmo e<br />

aí começa uma outra história <strong>de</strong> frustrações e dor. Gabriel chegou ao<br />

reino em 1585 e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> muita paciência acabou obtendo do rei<br />

algum apoio físico e promessas <strong>de</strong> glória. Justo esclarecer que, nesse<br />

tempo <strong>de</strong> espera, ele não se quedou melancólico, só olhando as<br />

41


embarcações entrar e sair da boca do Tejo. Ao contrário, aproveitou o<br />

tempo da espera para dar uns toques finais no seu Tratado Descritivo do<br />

Brasil. Este era o livro que ele já vinha produzindo há muito tempo,<br />

on<strong>de</strong> contava histórias <strong>de</strong> incursões mineradores <strong>de</strong> alguns aventureiros<br />

que o tinham precedido. Aproveitou para oferecer a obra a um<br />

influente nobre da corte, buscando obter um pouco mais <strong>de</strong> simpatia e<br />

ajuda que pu<strong>de</strong>ssem agilizar aquela lenta tramitação. Resultou <strong>de</strong> tudo<br />

isso que, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> cinco anos <strong>de</strong> espera, pô<strong>de</strong> ele voltar ao Brasil<br />

escorado numa tropa <strong>de</strong> quase quatrocentas pessoas, com a missão <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>scobrir as tais minas que ele garantia estarem ali mesmo, na bacia do<br />

Jequitinhonha. Mas foram muito os contratempos, entre os quais o<br />

naufrágio da frota <strong>de</strong> Soares nas costas da Bahia. Ele só conseguiu se<br />

mover efetivamente, rumo ao sertão, em 1592. Coitado, também não<br />

conseguiria muito progresso, morrendo pouco tempo <strong>de</strong>pois, no meio<br />

do cometimento. 21 Enfim, as expedições em busca das minas <strong>de</strong> ouro,<br />

prata e pedras preciosas no século XVI pareciam verda<strong>de</strong>iras<br />

carnificinas da natureza contra aqueles aventureiros <strong>de</strong>stemi<strong>dos</strong> e<br />

sonhadores.<br />

No século XVII a febre pelas conquistas das minas recru<strong>de</strong>sceu<br />

e atacou o brio <strong>dos</strong> paulistas. Foi aí que vieram os ban<strong>de</strong>irantes<br />

calça<strong>dos</strong> na sua absurda habilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dominar os matos como se índios<br />

fossem. Entre eles, Lourenço Castanho Taques, foi sem embargo, um<br />

<strong>dos</strong> primeiros ban<strong>de</strong>irantes a a<strong>de</strong>ntrar o território mineiro. Foi no<br />

tempo <strong>de</strong>le e <strong>de</strong> Fernão Dias que teve início a ocupação da região <strong>de</strong><br />

forma mais sistemática, vencida a época das entradas <strong>de</strong> cunho mais<br />

exploratório do que empreen<strong>de</strong>dor. Isso teria sido por volta <strong>de</strong> 1668.<br />

Seus relatos às autorida<strong>de</strong>s, quanto ao potencial mineral da região, é que<br />

teria reacendido o interesse da Coroa por aquele negócio. De sorte que<br />

logo <strong>de</strong>pois das viagens <strong>de</strong> Taques é que o rei d. Afonso VI incumbiu o<br />

governador Agostinho Barbalho <strong>de</strong> partir atrás das rotas da promitente<br />

21 O Tratado Descritivo do Brasil, no entanto, foi um notável legado <strong>de</strong> Gabriel Soares<br />

Souza e mereceu edições no século XIX em Portugal e no Brasil.<br />

42


iqueza o que acabaria lhe custando a vida, como era <strong>de</strong> costume. Foi aí<br />

que apelaram para Fernão Dias que entrou para a empreitada também<br />

com muita disposição e, assim como Barbalho, pagaria com a vida as<br />

terríveis agruras daquela aventura.<br />

Contam ter sido Lourenço Castanho Taques quem expulsou os<br />

Cataguás do oeste compelindo-os a se confinarem na região da<br />

Itaverava on<strong>de</strong> o princípio do surto da mineração do ouro veio<br />

encontrá-los. O sítio das suas vitórias passou a se chamar Conquista,<br />

nome que <strong>de</strong>signaria a região entre a margem direita do rio Gran<strong>de</strong> e<br />

esquerda do Paranaíba. Foi ele que assumiu o lugar <strong>de</strong> Amador Bueno<br />

na direção da Vila <strong>de</strong> São Paulo, quando este resolveu se afastar,<br />

temeroso das consequências <strong>de</strong> ter aceito ser aclamado “Rei <strong>de</strong> São<br />

Paulo”, pela turba entusiasmada em 1640. Castanho Taques faleceu em<br />

São Paulo em 1677. Quatro anos <strong>de</strong>pois vamos encontrar seu filho<br />

homônimo na função <strong>de</strong> juiz ordinário da câmara <strong>de</strong> São Paulo, cargo<br />

que o velho Taques ganhou em caráter vitalício e transferiu ao filho por<br />

herança. Junto com Lourenço Taques, Fernão Dias e seus her<strong>de</strong>iros<br />

forma o grupo raro <strong>dos</strong> verda<strong>de</strong>iros ban<strong>de</strong>irantes que fundaram as<br />

Minas. Sesmeiros e mineradores lhes seguiram na conquista. 22 Juntos<br />

escreveram a história da fundação da capitania das minas. Foram os<br />

tantos Garcia, Paes, Prado, Bueno, Rodrigues, Car<strong>dos</strong>o, Siqueira,<br />

Furtado e tantos outros representantes <strong>de</strong> ilustres famílias paulistas que<br />

assentaram as bases coloniais no território <strong>dos</strong> serra<strong>dos</strong> e campos<br />

gerais. Vale a pena conhecer as histórias <strong>de</strong> alguns <strong>de</strong>les.<br />

22 A gran<strong>de</strong> diferença entre os ban<strong>de</strong>irantes e os mineradores e sesmeiros é que eles<br />

não vinham propriamente com intuito <strong>de</strong> ocupar a terra. Não tinham vocação <strong>de</strong><br />

colonos como aqueles. Seu negócio era a<strong>de</strong>ntrar os ermos para colher riquezas e<br />

voltar com elas para seu lugar <strong>de</strong> origem, <strong>de</strong>sfrutando das honras, glórias e,<br />

principalmente, do incremento <strong>dos</strong> seus cabedais. Claro que, muitos ban<strong>de</strong>irantes<br />

fincaram raízes em suas conquistas, se tornaram mineradores e sesmeiros e nunca<br />

mais voltaram para São Paulo. Borba Gato e Garcia Paes são exemplos clássicos <strong>de</strong>sse<br />

tipo híbrido.<br />

43


Manuel <strong>de</strong> Borba Gato é um <strong>dos</strong> primeiros nomes a ser<br />

lembrado. Ao lado do cunhado Garcia Rodrigues Paes, está entre os<br />

principais ban<strong>de</strong>irantes que foram os pais da pátria mineira. Nasceu na<br />

Vila <strong>de</strong> São Paulo em 1628 e viveu até os noventa anos, numa vida<br />

cheia <strong>de</strong> aventuras e glórias. Foi um <strong>dos</strong> homens que mais achou ouro<br />

no Sabarabuçu e, apesar disso, morreu cheio <strong>de</strong> simplicida<strong>de</strong>. Sobre ele<br />

caem aquelas pesadas acusações <strong>de</strong> homicídio, mas também boas<br />

lembranças <strong>de</strong> justiça e fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong>. De ban<strong>de</strong>irante, passou a foragido,<br />

<strong>de</strong> foragido a tenente-general e superinten<strong>de</strong>nte geral das Minas do Rio<br />

das Velhas, responsável pela or<strong>de</strong>m e a justiça na região do Sabarabuçu.<br />

Acumulou muito mais glórias que fracassos e por isso, passou à<br />

história; ainda que numa memória, hoje, muitíssimo discreta. Pouca<br />

gente se lembra <strong>de</strong>le fora <strong>de</strong> Sabará on<strong>de</strong> hoje tem uma rua, uma “Casa<br />

Borba Gato” e um Museu e já teve um cinema. 23 Este, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />

restaurado, voltou a ser o notável teatrinho elisabetano da cida<strong>de</strong>,<br />

construído na segunda meta<strong>de</strong> do século XVIII. Seus conterrâneos<br />

paulistas lhe foram mais gratos e lhe erigiram uma imponente estátua <strong>de</strong><br />

bronze, que hoje está no Museu do Ipiranga. Seus contemporâneos lhe<br />

foram mais gratos ainda e além <strong>de</strong> ocupar os cargos já cita<strong>dos</strong>, foi<br />

também juiz ordinário da vila <strong>de</strong> Sabará, provedor <strong>dos</strong> <strong>de</strong>funtos e<br />

ausentes e administrador das estradas do Rio das Velhas. Como<br />

reconhecimento pelos corretos serviços que prestou à Coroa ganhou<br />

sesmarias na serra do Itatiaia, em Caeté, Sabará e em Paraopeba, on<strong>de</strong><br />

teria morrido. Mas a sua casa, o chamado Arraial do Borba, como<br />

vimos, era mesmo ali pertinho <strong>de</strong> Sabará e se chamava oficialmente<br />

Santo Antônio do Bom Retiro <strong>de</strong> Roça Gran<strong>de</strong>. Era mais ou menos o<br />

centro <strong>dos</strong> domínios do velho ban<strong>de</strong>irante.<br />

A carreira <strong>de</strong> Borba foi brilhante e tumultuada. Depois das<br />

aventuras ban<strong>de</strong>irantes ao lado do sogro e do cunhado, ele tratou <strong>de</strong><br />

usufruir das suas conquistas, assentar prósperos negócios e assumir<br />

to<strong>dos</strong> os cargos públicos ao seu alcance. O último cargo que ocupou foi<br />

o <strong>de</strong> Juiz Ordinário <strong>de</strong> Sabará, que exerceu no fim da vida, com nove<br />

décadas <strong>de</strong> existência sobre as costas, sempre ativo e altivo.<br />

Mas, apesar <strong>de</strong> toda a sua trajetória gloriosa, a vida <strong>de</strong> Borba<br />

Gato sempre esteve pejada, através <strong>dos</strong> séculos, pelo assassinato <strong>de</strong> d.<br />

23 Estou falando do Cine Teatro Borba Gato, batizado em sua homenagem.<br />

44


Rodrigo Castel Branco. Ao contrário do que usualmente se pensa,<br />

Borba não matou d. Rodrigo Branco porque queria <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r o sogro <strong>de</strong><br />

uma possível usurpação por parte do fidalgo espanhol a serviço <strong>de</strong> d.<br />

Pedro. Na verda<strong>de</strong> nunca chegou a haver um conflito entre Fernão<br />

Dias e d. Rodrigo. Tanto que quando o velho ban<strong>de</strong>irante <strong>de</strong>ixou<br />

Itacambira e retornou ao sumidouro ele o fez apenas para receber o<br />

fidalgo <strong>de</strong> cuja vinda Sua Majesta<strong>de</strong> já o havia avisado. Fernão Dias<br />

tinha sido nomeado o governador da região que ocupasse com sua<br />

gente e d. Rodrigo era o administrador das minas da colônia com<br />

função mais técnica, especialmente em relação ao <strong>de</strong>scobrimento <strong>de</strong><br />

minas <strong>de</strong> prata, suposto ter ele acumulado gran<strong>de</strong> experiência em<br />

ativida<strong>de</strong>s nas minas do Peru. Pelo menos foi o que fez Sua Majesta<strong>de</strong><br />

acreditar. Portanto, provavelmente, o entrevero entre d. Rodrigo e<br />

Borba Gato que resultou na morte do primeiro, não <strong>de</strong>ve ter sido por<br />

conflito <strong>de</strong> jurisdição do lugar tenente <strong>de</strong> Fernão Dias com o fidalgo. A<br />

causa <strong>de</strong>ve ter tido origem em algum interesse íntimo do próprio Borba<br />

que, agravado por problemas <strong>de</strong> antipatia entre os dois, esquentou e<br />

chegou a extremos. É preciso lembrar que Borba e d. Rodrigo<br />

conviveram, ali nas imediações do sumidouro, por mais <strong>de</strong> um ano e é<br />

pertinente imaginar que, nesse período, o fidalgo tivesse mandado<br />

espionar as pesquisas minerarias do <strong>de</strong>sconfiado paulista que sempre foi<br />

muito discreto em relação a essas suas ativida<strong>de</strong>s. Vai daí, o Borba po<strong>de</strong><br />

ter querido se ver livre daquelas ingerências.<br />

Sabe-se que na sua volta da expedição à Lagoa do Vupabuçu,<br />

Fernão Dias foi espalhando sua gente pelo caminho, reforçando a<br />

estrutura logística <strong>de</strong> que precisava para explorar as minas <strong>de</strong> forma<br />

mais organizada. Portanto seu retorno não significava o fim da busca<br />

das esmeraldas. O que <strong>de</strong>smantelou o esquema não foi a ilusão <strong>de</strong> que a<br />

missão estava cumprida mas sim a morte do gran<strong>de</strong> ban<strong>de</strong>irante,<br />

seguida do assassinato <strong>de</strong> d. Rodrigo e da fuga <strong>de</strong> Borba Gato. Foi esse<br />

rosário <strong>de</strong> tragédias que induziu o retorno <strong>de</strong> Garcia Rodrigues Paes<br />

para São Paulo e o fim daquele ciclo glorioso da primeira fase da<br />

conquista das minas – verda<strong>de</strong>ira Era <strong>dos</strong> Ban<strong>de</strong>irantes. O filho <strong>de</strong><br />

Fernão Dias ainda voltaria à peleja <strong>de</strong> revelar mais <strong>de</strong>scobertos, mas<br />

não passaria da região <strong>dos</strong> Cataguás e do Sabarabuçu, não se tendo<br />

45


notícias <strong>de</strong> que tenha tentado refazer o roteiro do Sumidouro até a<br />

Lagoa do Vupabuçu. De qualquer forma, algumas das feitorias<br />

estabelecidas por Fernão Dias <strong>de</strong>vem ter sobrevivido e até po<strong>de</strong>m ter<br />

sido a base <strong>dos</strong> primeiros focos <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> gado no vale do médio<br />

São Francisco. Borba, porém, nunca quis se meter no São Francisco e<br />

pelejar com gado. Sua vocação sempre foi romper matos atrás <strong>de</strong><br />

riquezas minerais. Como os matos já estavam rompi<strong>dos</strong> ele passou o<br />

resto <strong>dos</strong> seus dias administrando a justiça <strong>de</strong> Sua Majesta<strong>de</strong>, catando<br />

ouro e plantando roças em torno do seu arraial. Enfim, ele está entre as<br />

poucas personagens da história da formação da capitania <strong>de</strong> Minas<br />

Gerais que foi ban<strong>de</strong>irante, minerador, sesmeiro e burocrata.<br />

Aproveitou bem os seus noventa anos <strong>de</strong> vida e, apesar do crime contra<br />

d. Rodrigo Castel Branco, morreu em estado <strong>de</strong> graça. 24<br />

24<br />

Não obstante, suas glórias são muito pouco lembradas hoje em dia. Na capital<br />

mineira, por exemplo, não existe nenhum logradouro <strong>de</strong>cente com o nome <strong>de</strong> Borba<br />

Gato. O mesmo com o <strong>de</strong> Fernão Dias. Na verda<strong>de</strong>, o velho Borba até que tem uma<br />

rua no Bairro da Lagoinha com o seu nome. Fernão Dias tem um bairro e um parque<br />

mas, fora isso, têm que se contentar com um ou outro logradouro da periferia. O<br />

bairro é mo<strong>de</strong>sto e o parque é distante e mal cuidado. Que me <strong>de</strong>sculpe a gente que<br />

mora nessas ruas e que, com certeza, têm orgulho <strong>de</strong>las e do nome que têm, mas acho<br />

que nossos bravos ban<strong>de</strong>irantes mereciam lugares <strong>de</strong> maior <strong>de</strong>staque. Mesmo porque,<br />

tem muita gente obscura tomando os ensolara<strong>dos</strong> lugares que outros merecem. Talvez<br />

quem tenha dado mais sorte seja Matias Car<strong>dos</strong>o que tem uma rua <strong>de</strong> certo prestígio<br />

no elegante bairro <strong>de</strong> Santo Agostinho. Borba Gato até que tinha uma ruazinha no<br />

fundo do palácio da Liberda<strong>de</strong> mas ela foi engolida por uma expansão <strong>de</strong>stinada a<br />

mo<strong>de</strong>rnizar a máquina administrativa do estado, décadas atrás. Do outro lado estaria o<br />

Levindo Lopes com melhores cre<strong>de</strong>nciais, e o velho ban<strong>de</strong>irante teve que fugir mais<br />

uma vez pros matos, on<strong>de</strong> sua alma vaga sem <strong>de</strong>scanso, à espera <strong>de</strong> um<br />

reconhecimento mais justo. Dizem que seu corpo jaz na Igrejinha <strong>de</strong> Santana em<br />

Sabará, mas ninguém sabe com certeza. Bento Fernan<strong>de</strong>s Furtado, testemunha ocular<br />

da história mineira antiga, conta que ele teria se retirado para um sítio que tinha à<br />

margem do rio Paraopeba on<strong>de</strong>, em 1734, morreu mo<strong>de</strong>stamente. Teria se dado por<br />

contente <strong>de</strong> <strong>de</strong>scansar em paz às margens do rio das Velhas ou do Paraopeba, velho<br />

pai e velho irmão, mas não seria justo. Inútil o meu pesar, quase ninguém se lembra<br />

mais <strong>de</strong>le.<br />

Mas nossos historiadores tiveram melhor sorte. O Barão Homem <strong>de</strong> Melo<br />

ganhou uma importante avenida que corta cinco bairros. Diogo <strong>de</strong> Vasconcelos é<br />

praça em pleno bairro Savassi. Abílio Barreto tem um museu só seu e Pandiá<br />

Calógeras tem um grupo tradicional, também no bairro do Santo Agostinho. Claro<br />

46


E aqui aproveito para falar um pouco mais do indigitado fidalgo<br />

morto no meio da sua missão pelo <strong>de</strong>scontrole do Borba. D. Rodrigo<br />

não foi o primeiro administrador das minas a ludibriar a boa fé <strong>de</strong> Sua<br />

Majesta<strong>de</strong> com convencimento <strong>de</strong> que era um profundo conhecedor do<br />

segredo <strong>de</strong> encontrar metais nobres e pedras preciosas, ostentando as<br />

cre<strong>de</strong>nciais <strong>de</strong> veterano das minas espanholas do Peru. A história parece<br />

um pouco com a lenda <strong>de</strong> Robério Dias que também teria conseguido<br />

convencer el rei Felipe II <strong>de</strong> que era perito em mineralogia. Como<br />

vimos, quando o rei percebeu que estava sendo enganado e quis puni-lo<br />

já era tar<strong>de</strong>, Dias morreu antes, vitima <strong>dos</strong> cansaços e tensões do seu<br />

urdido e fatal engano. Penso que teria acontecido o mesmo com d.<br />

Rodrigo Castel Branco se Borba Gato não tivesse se antecipado.<br />

D. Pedro II, então príncipe regente, estava muito empenhado<br />

em encontrar metais e pedras preciosas no Brasil. Não se conformava<br />

com o fato <strong>dos</strong> espanhóis estarem encontrando ouro e prata em<br />

profusão em outras partes da América e ele não conseguir nada em sua<br />

colônia tropical, além <strong>de</strong> pau vermelho e cana <strong>de</strong> açúcar. De sorte que<br />

viu em d. Rodrigo sua gran<strong>de</strong> esperança. Em 1673 nomeou-o<br />

Administrador Geral das Minas da Repartição Sul e o encheu <strong>de</strong><br />

confiança e recursos para cumprir bem sua missão. O príncipe também<br />

teve muita paciência pois ficou quase <strong>de</strong>z anos observando o espanhol<br />

no seu mister <strong>de</strong> caçar ouro inutilmente em Itabaiana e perambulando<br />

por Iguape, Cananéia, Paranaguá e Curitiba. Quando estava indo para<br />

on<strong>de</strong> realmente havia ouro pra valer, ou seja, na serra do Sabarabuçu, 25<br />

encontrou o seu trágico <strong>de</strong>stino. A essa altura o rei já tinha finalmente<br />

perdido a paciência e <strong>de</strong>mitido d. Rodrigo. Ele até já havia morrido mas<br />

sua majesta<strong>de</strong> ainda não sabia e <strong>de</strong>mitiu o morto assim mesmo.<br />

que há muitos esqueci<strong>dos</strong>, mas alguns podiam até pensar que, por aqui, os<br />

historiadores são mais importantes do que a própria História.<br />

25 Indispensável lembrar que uma das maiores minas <strong>de</strong> ouro em ativida<strong>de</strong> no Brasil<br />

hoje está situada na região (Cuiabá).<br />

47


Da memória do infeliz d. Rodrigo ficou apenas o distrito <strong>de</strong><br />

Fidalgo que hoje, como dito, leva o nome em homenagem a ele. É o<br />

antigo arraial <strong>de</strong> São João, fundado por Fernão Dias à margem da<br />

Lagoa do Sumidouro. Mas não foi lá que d. Rodrigo morreu e sim nas<br />

proximida<strong>de</strong>s, exatamente no lugar hoje chamado <strong>de</strong> Fazenda do<br />

Fidalgo, no município <strong>de</strong> Lagoa Santa. Contam que Borba Gato armou<br />

uma cilada para ele e que ele acabou varado por três projeteis<br />

dispara<strong>dos</strong> do fundo <strong>de</strong> um grotão, no caminho do Sumidouro. Era 28<br />

<strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1682. Um cruzeiro <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira carcomida hoje marca o<br />

lugar on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>u o fatídico acontecimento.<br />

O máximo que o frustrado Administrador Geral das Minas<br />

conseguiu foi criar o primeiro regimento <strong>de</strong> mineração específico para o<br />

Brasil. Isso foi em 1679 e o dito regimento foi baseado nos<br />

regulamento minerais do reino <strong>de</strong> Castela.<br />

É interessante observar que o artigo primeiro do regimento<br />

obrigava quem fosse para o sertão em busca <strong>de</strong> ouro, a plantar roças <strong>de</strong><br />

on<strong>de</strong> pu<strong>de</strong>sse tirar seus mantimentos. Isso reforça minha crença <strong>de</strong> que<br />

a alimentação <strong>dos</strong> mineradores sempre foi objeto <strong>de</strong> preocupação e<br />

regulamentação real e que a gran<strong>de</strong> migração ocorrida nas minas gerais<br />

na virada do século XVIII não foi só pela escassez <strong>de</strong> alimentos mas<br />

muito também pelo esgotamento <strong>dos</strong> <strong>de</strong>scobertos do ouro <strong>de</strong> lavagem,<br />

<strong>de</strong> exploração mais fácil, ao gosto aventureiro <strong>dos</strong> paulistas.<br />

Ao lado <strong>de</strong> Borba Gato, seu cunhado Garcia Rodrigues Paes,<br />

foi outro <strong>dos</strong> ban<strong>de</strong>irantes fundadores da terra mineira. O filho <strong>de</strong><br />

Fernão Dias e neto paterno <strong>de</strong> Garcia Rodrigues Velho veio para minas<br />

acompanhado o pai em 1674. Logo após a morte do velho Fernão,<br />

Garcia Rodrigues voltou para São Paulo e, ali por volta <strong>de</strong> 1683,<br />

embarcou para Portugal em companhia do padre João Leite da Silva,<br />

seu tio. O motivo principal da sua viagem não foi levar amostras das<br />

pedras ver<strong>de</strong>s a Sua Majesta<strong>de</strong>. Antes disso, vinha era em empenho <strong>de</strong><br />

pedir mercês pelos relevantes serviços presta<strong>dos</strong> por ele e seu pai na<br />

exploração das minas das esmeraldas. O rei d. Pedro até lhe conce<strong>de</strong>u<br />

algumas prendas mas ele recusou polidamente, provavelmente por<br />

achá-las poucas. Deixou o tio em Lisboa com a função <strong>de</strong> arrancar<br />

48


algumas benesses a mais para a família toda, voltou ao Brasil e, em<br />

seguida, passou às minas do Sabarabuçu e <strong>dos</strong> Cataguás.<br />

Garcia Rodrigues Paes voltaria à região uma segunda vez e teria<br />

ficado perambulando entre a serra do Sabarabuçu e da Itaverava por<br />

mais seis anos faiscando e procurando as custosas pedras preciosas e as<br />

minas <strong>de</strong> prata que continuavam teimosamente escondidas atrás das<br />

brumas das lendas. Por ocasião da chegada <strong>dos</strong> taubateanos no<br />

Guarapiranga, Ouro Preto e no Ribeirão do Carmo ele já tinha voltado<br />

para São Paulo novamente. É interessante observar que naquele<br />

processo em que Garcia Rodrigues Paes buscava obter algumas mercês<br />

da Coroa Portuguesa, ele apresentava entre suas cre<strong>de</strong>nciais para tal, ter<br />

sido <strong>de</strong>scobridor das Minas <strong>dos</strong> Cataguás. 26 Isso reforça a tese <strong>de</strong> que o<br />

pessoal da tropa <strong>de</strong> Fernão Dias po<strong>de</strong> ter sido o que primeiro <strong>de</strong>scobriu<br />

ouro no solo mineiro. Vale dizer, não só no Sabarabuçu mas também<br />

na região <strong>de</strong> Itaverava, Ouro Preto e do Ribeirão do Carmo. Assim<br />

eram os verda<strong>de</strong>iros ban<strong>de</strong>irantes, essencialmente inquietos.<br />

Em 1694 vamos encontrar Garcia Rodrigues exercendo o alto<br />

cargo <strong>de</strong> Juiz Ordinário da Câmara da Vila <strong>de</strong> São Paulo. Em 1698<br />

recebeu a missão <strong>de</strong> abrir o caminho novo e resolveu virar empreiteiro.<br />

A obra acabou exaurindo seus cabedais e fazendo com que ele<br />

recorresse ao cunhado Domingos Rodrigues da Fonseca Leme para<br />

concluir o cometimento. Mas muita gente andou se queixando do<br />

traçado e da conservação do caminho o que exigiu muitas intervenções<br />

<strong>de</strong> melhoria no primeiro quarto do século XVIII. Mas, no geral, o<br />

ponto <strong>de</strong> partida era o Cais <strong>dos</strong> Mineiros no Rio <strong>de</strong> Janeiro e o fim era<br />

a Borda do Campo e daí numa segunda etapa até os altos das cabeças<br />

em Vila Rica.<br />

Garcia Rodrigues ocupou muito cargo <strong>de</strong> relevo na<br />

administração da capitania. Acabou que em 1702 foi feito guarda-mor<br />

das minas, cargo que exerceu até a sua morte e ainda <strong>de</strong>ixou como<br />

legado honorífico para um filho e um neto. Recebeu direitos <strong>de</strong> cobrar<br />

as travessias <strong>dos</strong> rios Paraibuna e Paraíba e muitas glebas <strong>de</strong> terras ao<br />

26 Antonil registra que ele teria <strong>de</strong>scoberto minas <strong>de</strong> ouro também no Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />

quando estava abrindo o caminho novo. Mas isso não tem muito fundamento.<br />

49


lado do caminho novo, entre Paraibuna e Juiz <strong>de</strong> Fora, on<strong>de</strong> assentou a<br />

se<strong>de</strong> <strong>dos</strong> seus domínios. Quando foi nomeado guarda-mor geral ainda<br />

estava ocupado com a abertura do caminho novo. Devido a essa<br />

duplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> função teve o privilégio <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r nomear guardas-mores<br />

auxiliares que pu<strong>de</strong>ssem representá-lo nas minas <strong>de</strong> forma mais<br />

presente. Foi aí que a coisa melhorou verda<strong>de</strong>iramente para ele.<br />

Em 1722 o rei ainda continuava sonhando com esmeraldas e<br />

sempre que acontecia isso se lembrava <strong>de</strong> Garcia. De sorte que naquele<br />

ano mandou d. Lourenço <strong>de</strong> Almeida procurá-lo no Paraibuna para lhe<br />

oferecer novamente o <strong>de</strong>safio <strong>de</strong> sair a cata das pedras ver<strong>de</strong>s. Mas ele<br />

escapou mais uma vez do incômodo convite alegando que já estava<br />

velho, havia enviuvado recentemente e tinha três filhas solteiras para<br />

tomar conta. Ficou quieto no seu canto on<strong>de</strong> viveu folgadamente até<br />

1738. Mas houve muita fofoca quanto a probida<strong>de</strong> da sua gestão na<br />

distribuição <strong>de</strong> datas, como veremos adiante. Ao contrário <strong>de</strong> Borba<br />

Gato, Rodrigues Paes não chegou a ser um gran<strong>de</strong> minerador. Mas foi<br />

também muito bem sucedido nas suas aventuras.<br />

No século XVII os paulistas já tinham aprendido plenamente os<br />

segre<strong>dos</strong> das selvas e suas ban<strong>de</strong>iras eram organizadas não só com<br />

espírito aventureiro mas também com boa <strong>dos</strong>e <strong>de</strong> racionalida<strong>de</strong><br />

logística. 27 Assim é que quando Fernão Dias resolveu partir para a<br />

<strong>de</strong>scoberta das minas <strong>de</strong> prata e esmeraldas no extremo setentrional da<br />

capitania, a primeira coisa que fez foi recrutar um sertanista experiente<br />

nas picadas daquelas paragens para ser o seu lugar tenente. Não havia<br />

ninguém mais indicado para o posto do que Matias Car<strong>dos</strong>o <strong>de</strong><br />

Almeida. Ele já tinha cruzado aquela rota e conhecia bem o rumo que<br />

Fernão Dias queria seguir. De sorte que subiu com ele até a região do<br />

Sumidouro. Não se sabe bem o motivo, mas os dois acabaram se<br />

27 Dizem que assimilaram a cultura da selva com tal i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> que preferiam<br />

caminhar <strong>de</strong>scalços, em lugar <strong>de</strong> usar pesadas botas que retardavam a viagem. Seria<br />

um tanto falsa, portanto, aquela imagem estereotipada <strong>dos</strong> ban<strong>de</strong>irantes calça<strong>dos</strong> com<br />

compridas botas batendo no meio das coxas. Esse talvez fosse o traje a<strong>de</strong>quado para<br />

assistir a missa do domingo e não para se embrenhar no mato.<br />

50


<strong>de</strong>senten<strong>de</strong>ndo e Car<strong>dos</strong>o voltou para São Paulo. Mas não ficou quieto<br />

muito tempo: eis que d. Rodrigo Castel Branco precisou ir ao encontro<br />

<strong>de</strong> Fernão Dias para ver o que ele andava aprontado, e lá estava<br />

Car<strong>dos</strong>o <strong>de</strong> novo, convocado para a missão. 28 Aquela jornada foi<br />

especialmente trágica. O velho ban<strong>de</strong>irante já tinha sido abatido pelas<br />

febres e o cansaço, reinava certa <strong>de</strong>sconfiança e d. Rodrigo acabou<br />

morto por Borba Gato, como vimos. Car<strong>dos</strong>o, receoso <strong>de</strong> ser acusado<br />

<strong>de</strong> cumplicida<strong>de</strong> no temerário episódio, pegou a sua turma e se mandou<br />

para a Bahia. Logo que chegou a Salvador o governador ficou sabendo<br />

e mais uma vez recorreu aos bons préstimos do intrépido paulista<br />

nomeando-o administrador das al<strong>de</strong>ias indígenas daquela região. 29 Na<br />

verda<strong>de</strong> sua missão não era propriamente administrar a questão<br />

indígena, mesmo porque, naquele tempo não havia nenhum<br />

constrangimento com a submissão do índio e, portanto, nem havia<br />

questão. O que ele tinha que fazer era manter os silvícolas sossega<strong>dos</strong>,<br />

conforma<strong>dos</strong> com uma jornada <strong>de</strong> trabalho um tanto ou quanto cruel,<br />

longe da caça e da pesca, suas ocupações mais prezadas no paraíso da<br />

selva.<br />

Car<strong>dos</strong>o assumiu o comando geral da missão e, pelo período <strong>de</strong><br />

uns cinco anos, não fez outra coisa que não fosse pelejar com os índios,<br />

da Bahia até o Rio Gran<strong>de</strong> do Norte. Cumprida enfim sua missão<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> muito sangue <strong>de</strong>rramado, inclusive <strong>de</strong> seu próprio filho;<br />

Car<strong>dos</strong>o <strong>de</strong>sceu novamente o rio São Francisco e sossegou um pouco,<br />

criando gado <strong>de</strong> corte naquela região.<br />

28 Parece que Car<strong>dos</strong>o não gostava muito do ritmo meio indolente <strong>de</strong> trabalho do<br />

fidalgo, tanto que ficou impaciente com a <strong>de</strong>mora <strong>de</strong> d. Rodrigo em partir para a<br />

missão <strong>de</strong> que <strong>de</strong>via fazer parte e foi se queixar publicamente <strong>de</strong>le numa reunião da<br />

câmara <strong>de</strong> Vila <strong>de</strong> São Paulo.<br />

29 Basílio <strong>de</strong> Magalhães conta que ele voltou para São Paulo e lá é que foram buscá-lo<br />

para enfrentar os índios. Isso teria sido em 1698 e sua missão seguiu margeando o rio<br />

São Francisco até o sertão do Ceará. Taunay completa a história, contando que<br />

quando Matias Car<strong>dos</strong>o foi convocado ele já estava instalado no sertão do São<br />

Francisco e só foi a São Paulo juntar uma tropa e arregimentar tenentes e cabos <strong>de</strong><br />

guerra experimenta<strong>dos</strong> que pu<strong>de</strong>ssem garantir o sucesso da missão.<br />

51


Por volta <strong>de</strong> 1701, interessado em ficar rico mais facilmente e<br />

mais <strong>de</strong>pressa rumou com a família para a região das Minas Gerais <strong>dos</strong><br />

Goitacás, ver se dava sorte na cata do ouro. Mas ali se envolveu com a<br />

morte <strong>de</strong> um coletor da Coroa e, não obstante os relevantes serviços<br />

que tinha prestado a Sua Majesta<strong>de</strong>, teve que se escon<strong>de</strong>r mais uma vez.<br />

Voltou para a região do São Francisco on<strong>de</strong> veio a fundar o arraial <strong>de</strong><br />

Morrinhos e ali ficar até o fim <strong>de</strong> seus dias, o que se <strong>de</strong>u ali pelos i<strong>dos</strong><br />

<strong>de</strong> 1708. Há os que acreditam que o arraial <strong>de</strong> Matias Car<strong>dos</strong>o tenha<br />

sido criado um pouco antes, ou seja, logo <strong>de</strong>pois da morte do fidalgo d.<br />

Rodrigo. O que ninguém duvida é que o valente sertanista, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />

seis anos combatendo índios no nor<strong>de</strong>ste, tenha sido o maior mestre <strong>de</strong><br />

campo que habitou as minas gerais do século XVIII. Um verda<strong>de</strong>iro<br />

marechal <strong>de</strong> batalhas. Se ele estivesse vivo no tempo da Guerra <strong>dos</strong><br />

Emboabas, com certeza seria o lí<strong>de</strong>r que os paulistas não tiveram. Essa<br />

lacuna foi a causa da <strong>de</strong>sorganização da campanha e da inevitável<br />

<strong>de</strong>rrota <strong>dos</strong> inventores das minas.<br />

Po<strong>de</strong>-se dizer que a saga <strong>dos</strong> verda<strong>de</strong>iros ban<strong>de</strong>irantes, como<br />

Castanho Taques, Fernão Dias e sua gente, terminou por volta <strong>de</strong> 1685.<br />

Com toda a certeza, daí até 1695, os aventureiros paulistas não mais<br />

dobravam o pico do Itaverava por causa <strong>de</strong> prata e pedras preciosas.<br />

Nesse intervalo se tornam essencialmente preadores <strong>de</strong> selvagens, sua<br />

mais ignóbil tradição. Mas, na sequência, a riqueza mineral voltou a<br />

exortá-los e a febre reincidiu. Foi aí que se <strong>de</strong>u a passagem da era das<br />

lendas para a era das <strong>de</strong>scobertas efetivas das riquezas possíveis<br />

Somente <strong>de</strong>pois que Manuel Garcia Velho – e antes <strong>de</strong>le Duarte Lopes<br />

e Antônio Rodrigues Arzão – chegaram a Taubaté com alguns parcos<br />

exemplares <strong>de</strong> ouro, é que o interesse pelo reluzente metal <strong>de</strong>spertou<br />

mais entusiasmo. Isso reforça minha convicção <strong>de</strong> que Borba Gato<br />

<strong>de</strong>ve ter sido quem primeiro <strong>de</strong>scobriu ouro em Minas Gerais,<br />

antecipando o interesse geral. Muito provavelmente por volta <strong>de</strong> 1683,<br />

ou seja, mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos antes <strong>dos</strong> registros oficiais das primeiras<br />

<strong>de</strong>scobertas. Não que os aventureiros que vieram <strong>de</strong>pois da era <strong>dos</strong><br />

ban<strong>de</strong>irantes não tivessem nenhum interesse pelo metal, é que não<br />

tinham conhecimentos para empreen<strong>de</strong>rem lavras mais lucrativas.<br />

52


Assim, tinham que se contentar com algumas pepitas que conseguiam<br />

raspar do fundo das gamelas. Foi assim na Casa da Casca, no Itaverava<br />

e com o ouro escuro do Tripuí. Não valia a pena <strong>de</strong>ixar São Paulo ou<br />

Taubaté, subir a Mantiqueira e andar cerca <strong>de</strong> um mês, por tão pouco.<br />

Relatos da época mencionam a precarieda<strong>de</strong> com que o ouro podia ser<br />

explorado pelos pioneiros, tolhi<strong>dos</strong> pela carência <strong>de</strong> experiência e <strong>de</strong><br />

ferramentas <strong>de</strong> ferro apropriadas. Assim, o que os bravos paulistas, via<br />

<strong>de</strong> regra, procuravam entre 1685 e 1695 como ativida<strong>de</strong> econômica<br />

primordial, era conquistar o gentio e escravizá-lo, visando o trabalho<br />

agrícola em São Paulo. O próprio Fernão Dias, antes <strong>de</strong> aceitar o<br />

<strong>de</strong>safio das esmeraldas tinha enriquecido buscando selvagens no sul<br />

para incorporá-los às suas fazendas e seu exército particular.<br />

Provavelmente é muita romântica aquela visão <strong>de</strong> ouro farto<br />

brilhando no fundo <strong>dos</strong> córregos mineiros, resplan<strong>de</strong>cendo à luz do sol<br />

nas manhãs frescas do final do século XVII, à mão <strong>de</strong> quem quisesse<br />

catá-lo e encher as respectivas burras sem muito trabalho. Essas<br />

experiências pontuais <strong>de</strong>ram resultado pífio e serviram muito mais para<br />

alimentar as tais lendas do que para sustentar empreendimentos<br />

lucrativos.<br />

É razoável afirmar que, tirando a turma <strong>de</strong> mineradores<br />

pragmáticos da ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Fernão Dias, a primeira turma que <strong>de</strong>ixou<br />

São Paulo visando primordialmente o ouro foi mesmo a <strong>de</strong> Bartolomeu<br />

Bueno <strong>de</strong> Siqueira. Mesmo assim estava <strong>de</strong>saparelhada e parece que no<br />

princípio toda a produção que a mesma conseguiu foram doze oitavas<br />

que Manuel Garcia Velho levou para Taubaté e que acabaram nas mãos<br />

do rei em Portugal, alguns meses <strong>de</strong>pois.<br />

Mas os empreendimentos do ouro só começaram mesmo a<br />

enriquecer o pessoal foi quando se <strong>de</strong>scobriu metal no entorno <strong>dos</strong><br />

ribeirões do Carmo e do Ouro Preto, ou seja, nas ditas Minas Gerais. Aí<br />

apareceu gente como Miguel Garcia, Salvador Fernan<strong>de</strong>s Furtado, João<br />

Lopes <strong>de</strong> Lima, <strong>José</strong> <strong>de</strong> Camargo Pimentel, Antônio Dias e o Padre<br />

Faria; esses eram mineradores <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>, um tanto <strong>de</strong>sinteressa<strong>dos</strong> da<br />

preação do gentio. Começava um novo ciclo, esse sim, o verda<strong>de</strong>iro<br />

ciclo do ouro. Mas ainda eles dispunham <strong>de</strong> ru<strong>de</strong>s instrumentos e<br />

parcos conhecimentos. Isso acabou fazendo com que também o ouro<br />

53


fácil das bateias não tardasse a acabar. Deve ter sido muito mais isso do<br />

que a falta <strong>de</strong> mantimentos que <strong>de</strong>spovoou a região por volta da virada<br />

do setecentos.<br />

Os mineradores buscaram inicialmente a região do Ouro Preto<br />

e Ribeirão do Carmo. Depois o Serro, o Rio das Velhas, Pitangui e, por<br />

último, Paracatu. Mas muitos acreditam que tudo começou mesmo foi<br />

na Casa da Casca com Antônio Rodrigues Arzão que, aliás, nem era um<br />

verda<strong>de</strong>iro minerador. Acredito que é um equívoco atribuir a ele a<br />

glória <strong>de</strong> ter sido o <strong>de</strong>scobridor do ouro mineiro. Segundo Cláudio<br />

Manuel da Costa – cuja fonte <strong>de</strong> consulta foi o relato do minerador<br />

paulista Bento Fernan<strong>de</strong>s Furtado, testemunha ocular <strong>dos</strong> pioneiros<br />

<strong>de</strong>scobrimentos do ouro - Arzão a<strong>de</strong>ntrou Minas em 1693 com uma<br />

comitiva <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> cinquenta homens, rumando para os sertões da<br />

Casa da Casca on<strong>de</strong> andou bateando alguns riachos.<br />

Cláudio Manuel da Costa conta que Arzão estacionou alguns<br />

anos na região, submetendo o gentio. Mas também aproveitou para<br />

pesquisar os regatos da cercania em busca <strong>de</strong> ouro pois tinha algum<br />

conhecimento por ter andando pelas minas <strong>de</strong> São Paulo, Curitiba e<br />

Paranaguá. Conta Bento Furtado que Arzão não tinha ferramentas<br />

apropriadas e o máximo que conseguiu recolher foram três oitavas <strong>de</strong><br />

ouro. 30 Daí seguiu para o Espírito Santo on<strong>de</strong> exibiu os resulta<strong>dos</strong><br />

daquelas aventuras mineradoras a que se tinha dado ao trabalho: as tais<br />

pífias três oitavas. 31 Das pepitas se mandou fundir dois anéis para<br />

marcar a memória do singelo <strong>de</strong>scobrimento ficando Arzão com uma<br />

<strong>de</strong>las e a outra com o capitão-mor da Vila. Cláudio assegura ser essa<br />

memória a primeira dando conta da <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> ouro nas Minas. 32<br />

30 O que evi<strong>de</strong>ncia que o objetivo da viagem não era mesmo catar ouro mas sim<br />

escravizar selvagens para ven<strong>de</strong>r em São Paulo.<br />

31 Valiam 4$500 ou cerca <strong>de</strong> US$ 236,00 no ano <strong>de</strong> 2007. (vi<strong>de</strong> o Apêndice)<br />

32 Note-se que Cláudio não disse que Arzão foi quem primeiro <strong>de</strong>scobriu o ouro e sim<br />

que o metal por ele <strong>de</strong>scoberto foi o primeiro <strong>de</strong> que se <strong>de</strong>u notícia. Disse ele,<br />

54


Quis Arzão juntar gente na Vila do Espírito Santo para voltar ao seu<br />

<strong>de</strong>scoberto. Não conseguindo retornou a Taubaté on<strong>de</strong>, segundo<br />

Cláudio, veio a falecer logo <strong>de</strong>pois, vítima <strong>dos</strong> cansaços da sua aventura.<br />

Na verda<strong>de</strong>, nosso caro poeta inconfi<strong>de</strong>nte po<strong>de</strong> ter interpretado mal o<br />

relato <strong>de</strong> Bento Furtado, pois não fica claro se ele disse que Arzão tinha<br />

morrido ou apenas que ele estava <strong>de</strong>bilitado por suas enfermida<strong>de</strong>s e<br />

sem condições <strong>de</strong> voltar ao seu <strong>de</strong>scoberto. 33 O entendimento do<br />

respeitado poeta contaminou muitos autores nos anos subsequentes e<br />

durante muito tempo se acreditou, inquestionavelmente, que Arzão<br />

tinha falecido logo após seu retorno a Taubaté. Mas há quem acredite<br />

que ele estava vivo em 1720, pois existe um documento emitido em<br />

Parati com esta data, o envolvendo em dívidas <strong>de</strong> jogo contraídas em<br />

São João <strong>de</strong>l Rei. Hoje se admite que ele possa ter voltado a Minas em<br />

missões mineradoras, por volta <strong>de</strong> 1718. Seu nome estaria associado à<br />

história <strong>dos</strong> primeiros moradores do Serro, on<strong>de</strong> teria morado e<br />

<strong>de</strong>ixado <strong>de</strong>scendência. Depois regressou a São Paulo, on<strong>de</strong> finalmente<br />

teria morrido. 34<br />

textualmente: A <strong>de</strong>núncia <strong>de</strong>ssa limitada porção foi sem dúvida a primeira que se fez <strong>de</strong> ouro que<br />

se <strong>de</strong>scobria nas Minas Gerais (...).<br />

33 A dúvida existe porque há diferença nos textos do relato <strong>de</strong> Bento Fernan<strong>de</strong>s<br />

Furtado que chegaram até nossos dias. No texto compilado por Afonso <strong>de</strong> Taunay no<br />

seu Relatos Sertanistas lê-se : Chegado que fosse, se lhe alterou a enfermida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sorte que se pôs em<br />

perigo <strong>de</strong> morte, que se lhe seguiu <strong>de</strong>sesperado da empresa (que) já não podia conseguir, <strong>de</strong>u conta <strong>de</strong>la<br />

a um cunhado seu (...). Ou seja, pelo agravamento da doença, Arzão <strong>de</strong>sanimou da<br />

aventura <strong>de</strong> voltar a Casa da Casca e passou a empreitada ao seu cunhado Bartolomeu<br />

Bueno <strong>de</strong> Siqueira. O Texto publicado pela Fundação João Pinheiro recentemente<br />

(Códice Costa Matoso) adota uma pontuação que respalda o entendimento <strong>de</strong><br />

Cláudio. Registra o texto Chegado que fosse, se lhe alterou a enfermida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> sorte que o pôs em<br />

perigo <strong>de</strong> morte – que se lhe seguiu -, e <strong>de</strong>sesperado da empresa que já não podia conseguir <strong>de</strong>u conta<br />

<strong>de</strong>la a um cunhado seu (...). Desta forma Cláudio Manuel da Costa enten<strong>de</strong>u que o que se<br />

seguiu ao agravamento da doença fora a morte quando, também po<strong>de</strong> ter sido o<br />

<strong>de</strong>sânimo <strong>de</strong> refazer tão <strong>de</strong>sgastante jornada, outra vez.<br />

34 Claro que não está afastada a hipótese <strong>de</strong> que o Arzão, que se fez presente em<br />

Minas <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong>pois da aventura da Casa da Casca, possa ser um homônimo,<br />

eventualmente até filho do primeiro. Em sendo assim, razão teria que ser dada a<br />

Cláudio Manuel da Costa quanto a morte <strong>de</strong> Arzão logo <strong>de</strong>pois do seu regresso da<br />

Casa da Casca. Na verda<strong>de</strong>, é difícil saber como era o conteúdo do texto <strong>de</strong> Bento<br />

55


Oficialmente, conforme Carta Régia <strong>de</strong> 1787, o primeiro<br />

<strong>de</strong>scobridor <strong>de</strong> ouro no sertão <strong>de</strong> Minas Gerais teria sido Garcia<br />

Rodrigues Paes. É possível que ele tenha reivindicado esse privilégio<br />

<strong>de</strong>pois que outros <strong>de</strong>scobrimentos estavam vindo à tona na mesma<br />

ocasião e ele tivesse se sentido um tanto enciumado <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r o<br />

honroso título. Isso dá força a outro relato antigo. Falo da memória <strong>de</strong><br />

<strong>José</strong> Rebelo Perdigão 35 dando conta <strong>de</strong> que, ao tempo da chegada a São<br />

Paulo da notícia da <strong>de</strong>scoberta das esmeraldas <strong>de</strong> Fernão Dias, chegava<br />

também um certo Duarte Lopes, carregado <strong>de</strong> boa quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ouro,<br />

fruto <strong>de</strong> umas pesquisas que tinha feito num afluente do Guarapiranga,<br />

exatamente na tal região conhecida como Casa da Casca. Isso teria<br />

acontecido ali por volta <strong>de</strong> 1784 o que daria a ele a glória do primeiro<br />

<strong>de</strong>scobrimento. Essa notícia estourou em Taubaté mas parece ter ficado<br />

<strong>de</strong>z anos meio adormecida, tempo em que os taubateanos continuaram<br />

a a<strong>de</strong>ntrar o sertão mineiro ainda no seu velho mister <strong>de</strong> caçar índios,<br />

sem especial interesse pelo precioso metal. Exatamente numa <strong>de</strong>ssas<br />

excursões preadoras – novamente na Casca da Casca, porém mais ao<br />

norte - é que Arzão obteve aquele mo<strong>de</strong>stíssimo resultado, conseguindo<br />

juntar as tais três oitavas <strong>de</strong> ouro. Mas, apesar disso, a notícia causou<br />

impacto em Taubaté pois, somada à memória do achado <strong>de</strong> Duarte<br />

Lopes, <strong>de</strong>z anos antes; já eram dois os relatos noticiando a existência <strong>de</strong><br />

ouro na Casa da Casca.<br />

Para tumultuar ainda mais a certeza sobre quem realmente<br />

encontrou primeiro o ouro das minas gerais ainda tem a versão <strong>de</strong><br />

Antonil. Afirma ele que o privilégio coube a um mulato que ao tentar<br />

recolher água em uma gamela no Ribeirão do Tripuí encontrou umas<br />

pepitas escurecidas e que vinham a ser exatamente o tal ouro preto. Mas<br />

como po<strong>de</strong>mos verificar em testemunho <strong>de</strong> <strong>José</strong> Rebelo Perdigão, a<br />

<strong>de</strong>scoberta do ouro preto é posterior a <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> ouro no Gualaxo<br />

do Sul por Miguel Garcia. Com certeza, o achado do ouro do riacho do<br />

Ouro Preto aconteceu um pouco antes do tempo em que o padre Faria<br />

Gonçalves que o poeta consultou. Infelizmente divergências <strong>de</strong> versões <strong>de</strong> compilação<br />

<strong>de</strong> textos antigos é muito comum. Isso nos <strong>de</strong>snorteia, mas como pacientes<br />

historiadores românticos que somos, vamos em frente assim mesmo.<br />

35 Códice Costa Matoso.<br />

56


e Antônio Dias fundaram seus arraiais que hoje são bairros da gloriosa<br />

cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ouro Preto, vale dizer, finalzinho do século XVII.<br />

Pessoalmente reforço minha opção por Borba Gato para<br />

<strong>de</strong>sfrutar da glória <strong>de</strong> ter sido o primeiro <strong>de</strong>scobridor do ouro. Sua<br />

reação irada que acabou com a xeretagem <strong>de</strong> d. Rodrigo, varado por<br />

três balaços, não po<strong>de</strong> ter sido só um conflito <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> ou<br />

antipatia. E isso em 1682, dois anos antes que Duarte Lopes <strong>de</strong>sse<br />

muita sorte vasculhando a região do rio Casca e <strong>de</strong>z anos antes que os<br />

taubateanos <strong>de</strong>scessem em massa para as terras <strong>dos</strong> Cataguás. De<br />

qualquer forma, sabemos que o velho Borba foi um <strong>dos</strong> homens que<br />

mais juntou ouro na vida embora tivesse morrido mo<strong>de</strong>stamente em<br />

seu sítio do Paraopeba como já <strong>de</strong>mos notícia. De Garcia Rodrigues<br />

Paes, que também se alinha entre os primeiros <strong>de</strong>scobridores, não<br />

temos notícia <strong>de</strong> muito sucesso como minerador.<br />

Diz a lenda – na versão <strong>dos</strong> que acreditam que Antônio<br />

Rodrigues Arzão tenha morrido logo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> voltar à sua terra – que<br />

quando ele já estava terminal na vila <strong>de</strong> Taubaté, esgotado das canseiras<br />

<strong>de</strong> suas aventuras no Alto Rio Doce, Bartolomeu Bueno <strong>de</strong> Siqueira foi<br />

visitá-lo. Apesar <strong>de</strong> serem parentes, o motivo da visita não foi<br />

propriamente <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong>. É que Siqueira, assim como toda a gente<br />

da vila <strong>de</strong> Taubaté, tinha tido notícia que Arzão tinha voltado das Minas<br />

com evidências <strong>de</strong> que sabia a localização <strong>de</strong> alguns regatos auríferos.<br />

Assim, pegou na mão do parente moribundo e rogou que ele lhe<br />

contasse o local exato <strong>dos</strong> tais riachos pois não tinha nenhum sentido<br />

levar para o túmulo notícia tão interessante. Além disso, Siqueira estava<br />

cheio <strong>de</strong> dívidas <strong>de</strong> jogo e precisava <strong>de</strong> ajuda da família. Resultou que<br />

Arzão, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> muita <strong>de</strong>sconfiança e muita pressão do resto da<br />

parentalha, acabou contando o lugar <strong>dos</strong> promitentes tesouros, pouco<br />

antes <strong>de</strong> finar-se. Daí a vila entrou em ebulição e formou-se nova<br />

ban<strong>de</strong>ira para retomar a empreitada e com muito melhor expectativa <strong>de</strong><br />

retorno do que a caça aos índios da região que eram exageradamente<br />

enfeza<strong>dos</strong> e não entendiam muito bem a intenção <strong>dos</strong> paulistas <strong>de</strong> os<br />

tirarem das matas e os por no cabo da enxada.<br />

57


Depois <strong>de</strong> alguns meses <strong>de</strong> cuida<strong>dos</strong>os preparativos finalmente<br />

partiu a gente <strong>de</strong> Taubaté levando a bússola <strong>de</strong> Arzão cuida<strong>dos</strong>amente<br />

guardada. Ao lado <strong>de</strong> Bartolomeu Bueno <strong>de</strong> Siqueira seguiu Miguel <strong>de</strong><br />

Almeida Cunha, na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sócio.<br />

O caminho era muito pior do que tinham imaginado. Além<br />

disso, Arzão não tinha sido muito preciso nas suas indicações. Assim, a<br />

ban<strong>de</strong>ira, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> duras brenhas, incultas penhas e inóspitos<br />

penhascos daquele dilatadíssimo país, achou por bem estacionar para<br />

repor suas forças e seus víveres. Ainda não tinham passado nem o pico<br />

<strong>de</strong> Itaverava, longe da região do Cuité, da Casa da Casca e das pepitas<br />

<strong>de</strong> Arzão. Mas, resolveram faiscar por ali mesmo. Depois <strong>de</strong> algum<br />

tempo <strong>de</strong> maus resulta<strong>dos</strong> em ambos os misteres fizeram uma<br />

combinação e Siqueira seguiu em frente enquanto Miguel <strong>de</strong> Almeida<br />

Cunha continuou por ali bateando regatos e comendo carne <strong>de</strong><br />

maritaca. Achou uma faísca aqui e outra ali e não muito mais do que<br />

isso. De sorte que a associação <strong>de</strong>le com Bartolomeu Bueno <strong>de</strong> Siqueira<br />

acabou não sendo das mais lucrativas. Este acabou se dando mal numa<br />

escaramuça <strong>de</strong> índios e morrendo <strong>dos</strong> ferimentos que os bugres lhe<br />

infligiram.<br />

Naquela mesma ocasião, andava por ali o coronel Salvador<br />

Fernan<strong>de</strong>s Furtado metido com a velha ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> caçar índios. Nem<br />

estava pensando em ouro mas, por força do <strong>de</strong>stino, acabaria sendo um<br />

<strong>dos</strong> pioneiros na conquista do Ribeirão do Carmo. Sua patente vinha do<br />

fato <strong>de</strong>le ser coronel da companhia <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nanças <strong>de</strong> Taubaté, posto<br />

que conservou mesmo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> se mudar <strong>de</strong>finitivamente para o<br />

carmopolitano ribeirão. Des<strong>de</strong> 1687 ele já gostava <strong>de</strong> entrar na região<br />

do Cuité para prear índios. Em 1695 ele e seu sócio, o capitão Manuel<br />

Garcia Velho, vinham voltando do dito sertão em busca da vila <strong>de</strong><br />

Taubaté e passaram em Itaverava, parada obrigatória daquela longa<br />

viagem. Ali arrancharam no sítio <strong>de</strong> seu conterrâneo Miguel <strong>de</strong> Almeida<br />

Cunha que lá estava esperando as sementeiras madurarem para repor<br />

mantimentos e seguir para a Casa da Casca, ao lado <strong>de</strong> seu sócio<br />

Bartolomeu Bueno <strong>de</strong> Siqueira que estava então no Rio das Velhas<br />

buscando campos <strong>de</strong> caça mais abundante. Furtado vinha bem <strong>de</strong><br />

armas e ostentava uma clavina e uma catana que encheram os olhos <strong>de</strong><br />

58


Almeida, um tanto aborrecido com sua velha garrucha e seu punhal<br />

meio carcomido por uma ferrugem voraz. De tudo resultou que<br />

entraram em negociação e as armas reluzentes acabaram trocadas por<br />

doze oitavas <strong>de</strong> ouro que era tudo que Miguel tinha conseguido juntar<br />

até então. Fecharam o negócio mas as faíscas do ouro nem chegaram a<br />

entrar no embornal do coronel Furtado. É que seu sócio estava <strong>de</strong> olho<br />

nas pepitas reluzentes e acabaram acertando uma nova barganha.<br />

Furtado aceitou passar o metal a troco <strong>de</strong> duas índias que muito lhe<br />

agradavam pela índole e <strong>de</strong>voção. Os sócios voltaram para São Paulo<br />

alegres em suas posses. Mas foi Manuel Garcia Velho quem conheceu o<br />

sucesso. Agiu com sabedoria como vinha planejando: passou as faíscas<br />

<strong>de</strong> ouro a Carlos Pedroso da Silveira que as levou ao governador<br />

Sebastião <strong>de</strong> Castro Caldas no Rio <strong>de</strong> Janeiro. O ouro, claro, acabou em<br />

Portugal. Foi esse ouro o primeiro exemplar que o rei viu <strong>de</strong> fato. A<br />

partir daí se acabaria o sossego <strong>dos</strong> mineradores que até então vinham<br />

cochichando sobre as suas <strong>de</strong>scobertas, preferindo ficar anônimos a<br />

terem que pagar impostos. Manuel Garcia acabaria se acomodando em<br />

São Paulo, mas o coronel Salvador Fernan<strong>de</strong>s Furtado acabou tendo<br />

que voltar para Minas e tentar uma nova empreitada mas agora, nada <strong>de</strong><br />

índios, queria o caminho do ouro. Mas logo conseguiu um emprego<br />

interessante <strong>de</strong> escrivão auxiliar da repartição das datas <strong>dos</strong> novos<br />

<strong>de</strong>scobertos auríferos.<br />

Por volta <strong>de</strong> 1699 Furtado mandou seu filho Bento explorar as<br />

potencialida<strong>de</strong>s do Ribeirão do Bom Sucesso e <strong>de</strong> fato ele encontrou ali<br />

alguma concentração interessante do metal, capaz <strong>de</strong> suportar uma<br />

partilha <strong>de</strong> datas. Claro que o escrivão repartiu o sítio aurífero,<br />

<strong>de</strong>scoberto pelo filho, com justiça e sabedoria e ficou com a melhor<br />

parte, como lhe era <strong>de</strong> direito. De sorte que pô<strong>de</strong> engrossar seu cabedal<br />

e <strong>de</strong>cidir ficar ali para sempre. Foi se fixar no Morro Gran<strong>de</strong> on<strong>de</strong><br />

comprou umas glebas e fundou o arraial <strong>de</strong> São Caetano. Concentrou<br />

seus negócios naquela região, morrendo em 1725 numa fazenda que<br />

tinha a margem do Rio do Peixe sendo sepultado na Matriz <strong>de</strong> São<br />

Caetano, <strong>de</strong> que era gran<strong>de</strong> benfeitor.<br />

Mas também tinha casa no Ribeirão do Carmo, localizada no<br />

Arraial <strong>de</strong> Cima on<strong>de</strong> <strong>de</strong>via passar os fins <strong>de</strong> semana em maior conforto<br />

59


e ambiente mais animado. Ali ergueu a primeira capela do lugar:<br />

mo<strong>de</strong>sta, coberta <strong>de</strong> sapé e com um oratório itinerante servindo <strong>de</strong> altar<br />

mas que muito bem atendia àquela gente <strong>de</strong>vota. Por conta <strong>de</strong>sse<br />

pioneirismo o eminente historiador mineiro cônego Raimundo<br />

Trinda<strong>de</strong>, lastreado em Diogo <strong>de</strong> Vasconcelos, dá o coronel Salvador<br />

Furtado como o fundador do arraial do Ribeirão do Carmo. A data do<br />

marcante acontecimento teria sido 16 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1696, data oficial da<br />

fundação da hoje cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Mariana. Mas com base no <strong>de</strong>poimento do<br />

próprio filho do cel. Salvador, somos leva<strong>dos</strong> a incluir, no rol <strong>dos</strong><br />

fundadores <strong>de</strong> Mariana, o minerador João Lopes <strong>de</strong> Lima pois foi ele<br />

que explorou o <strong>de</strong>scoberto abaixo da boca do Ribeirão do Bom<br />

Sucesso, que é on<strong>de</strong> o volume <strong>de</strong> água engrossa com a junção <strong>dos</strong><br />

ribeiros tributários e nasce propriamente o Ribeirão do Carmo, naquele<br />

tempo, escarpado, caudaloso e frio. Segundo Bento, a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Mariana foi erigida no lugar da “maior capacida<strong>de</strong>” aurífera que,<br />

certamente, foi a data reservada ao <strong>de</strong>scobridor.<br />

O coronel Furtado, tal qual Fernão Dias, veio ter no filho Bento<br />

Fernan<strong>de</strong>z Furtado um tenaz e obediente colaborador. Acresce ter sido<br />

ele o famoso autor das Notícias <strong>dos</strong> primeiros <strong>de</strong>scobridores das primeiras minas<br />

do ouro pertencentes a estas Minas Gerais, pessoas mais assinaladas nesses empregos<br />

e <strong>dos</strong> mais memoráveis casos aconteci<strong>dos</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os seus princípios, <strong>de</strong> que se serviu<br />

Cláudio Manuel da Costa, como vimos, para escrever os fundamentos<br />

históricos do poema Vila Rica. Junto com os irmãos chegou na região<br />

do Ribeirão do Carmo por volta do final do século XVII. Minerou ali e<br />

também na região da Campanha do Rio Ver<strong>de</strong> e no Serro, para on<strong>de</strong> se<br />

mudou logo após se casar e on<strong>de</strong> permaneceu até morrer em 1765. O<br />

Ribeirão do Bom Sucesso, on<strong>de</strong> <strong>de</strong>scobriu ouro a mando do pai é, na<br />

verda<strong>de</strong>, a continuação do Ribeirão do Funil e que mais adiante vai<br />

virar o Ribeirão do Carmo. O nome foi em homenagem à padroeira da<br />

matriz <strong>de</strong> Pindamonhangaba, <strong>de</strong> quem a família Furtado era <strong>de</strong>vota.<br />

Também a mando do pai andou faiscando no Baixo Ribeirão do Carmo<br />

e no Guarapiranga, mas com resulta<strong>dos</strong> pouco expressivos. Mas não foi<br />

como minerador que Bento passou à posterida<strong>de</strong> e sim como autor<br />

daquela memória sobre as primeiras <strong>de</strong>scobertas do ouro e que foi<br />

60


produzida por iniciativa do ouvidor <strong>de</strong> Vila Rica Caetano da Costa<br />

Matoso, integrante da documentação do famoso Códice Costa Matoso.<br />

Francisco Bueno da Silva, o neto <strong>de</strong> Bartolomeu Bueno da Silva<br />

– o Anhaquera -, também estava entre os primeiros taubateanos que<br />

aportaram nas minas (1698). Ficou pouco tempo naquelas paragens<br />

inóspitas mas o suficiente para <strong>de</strong>scobrir boa quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ouro na<br />

região do Rio <strong>de</strong> Pedras, cabeceira do Rio das Velhas. 36 Precisando <strong>de</strong><br />

braços chamou os parentes e entre eles <strong>José</strong> <strong>de</strong> Camargo Pimentel que<br />

até então andava muito aflito sem ter o que fazer pois acabara <strong>de</strong> ser<br />

<strong>de</strong>mitido do seu cargo <strong>de</strong> guarda-mor, encarregado da repartição das<br />

minas <strong>dos</strong> Cataguás. 37 Mas a socieda<strong>de</strong> não andou muito bem, pois<br />

Bueno implicava com a generosida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Camargo, acostumado a<br />

encher <strong>de</strong> ouro a algibeira <strong>de</strong> um ou outro pedinte que ia lhe bater à<br />

porta. De sorte que este acabou voltando para São Paulo quando da<br />

gran<strong>de</strong> fome que assolou os mineiros no finalzinho do século XVII.<br />

Parece que o afastamento <strong>de</strong> Pimentel do cargo <strong>de</strong> guarda-mor tinha<br />

sido por intriga <strong>de</strong> pessoas <strong>de</strong>scontentes com seu juízo na repartição<br />

das minas, tanto que em 1699 Artur <strong>de</strong> Sá o reabilitou nomeando-o<br />

alcai<strong>de</strong>-mor da capitania feudatária <strong>de</strong> São Vicente. Mas lá não ficou<br />

muito tempo. Em 1701, quando o abastecimento das minas se<br />

normalizou, voltou e <strong>de</strong>scobriu sozinho muito mais ouro do que antes,<br />

num ribeirão que chamou <strong>de</strong> Camargos, próximo das minas das Catas<br />

Altas e do Gualaxo do Norte que hoje leva seu nome e é distrito <strong>de</strong><br />

Mariana. Como era um minerador da gema, não se aquietou nos seus<br />

<strong>de</strong>scobertos. Continuou andando e passou à região do vale do<br />

36 Parece que ele se envolveu em algum tipo <strong>de</strong> tramoia que acabou afastando-o do<br />

seu <strong>de</strong>scoberto. Passou o resto <strong>dos</strong> seus dias tentando reaver a sua posse e acabou<br />

morrendo nessa tentativa em Lisboa, buscando as mercês do rei nesse sentido.<br />

37 A <strong>de</strong>missão se <strong>de</strong>u por conta do governador Artur <strong>de</strong> Sá que, a esse respeito,<br />

escrevia no dia 20 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1698 ao rei d. Pedro II: (...) e como este provimento foi sem<br />

conhecer o sujeito, o qual era incapaz <strong>de</strong> tal cargo, pelo seu mau procedimento e tiranias que usava e<br />

<strong>de</strong>mais não dando contas nenhumas do que tocava a V. M. roubando tudo para si, o man<strong>de</strong>i <strong>de</strong>por<br />

do ofício (...).<br />

61


Piracicaba on<strong>de</strong> viveu mais alguns anos e ganhou fama <strong>de</strong> reto e<br />

respeitável, reabilitando para sempre sua memória. Morreu em 1706<br />

<strong>de</strong>ixando cinco filhos, prole exígua para a época.<br />

Bento Fernan<strong>de</strong>s Furtado relata <strong>de</strong>talhes interessantes da sua<br />

morte. Conta que quando o coronel Pimentel adoeceu, o capelão o<br />

aconselhou a fazer seu testamento sem <strong>de</strong>mora e cuidar para que todas<br />

as encomendações da boa morte pu<strong>de</strong>ssem ser cumpridas sem<br />

problema. Ele, contudo, se recusou dizendo que sua hora não era<br />

chegada e que não lhe enchessem o saco com tal assunto mórbido.<br />

Como ele piorava a cada dia, volta e meia o bom capelão voltava à<br />

matéria, aborrecendo o velho que rebatia o conselho dizendo que<br />

quando fosse a hora o mandaria chamar. Até que num belo sábado <strong>José</strong><br />

<strong>de</strong> Camargo Pimentel acordou muito bem disposto e achou que aquele<br />

era um ótimo dia para morrer. Assim, levantou-se, vestiu sua melhor<br />

roupa, meteu a peruca, embainhou a catana, calçou suas botas <strong>de</strong><br />

ban<strong>de</strong>irante e mandou chamar o capelão. Este chegou, espavorido mas<br />

todo feliz pois, finalmente, ia po<strong>de</strong>r garantir o céu ao seu gran<strong>de</strong><br />

benfeitor. O coronel Pimentel se confessou, ouviu a missa, <strong>de</strong>spediu-se<br />

da família, <strong>de</strong>itou-se na cama patriarcal, fez pose <strong>de</strong> morto e morreu,<br />

com toda a dignida<strong>de</strong>. Deixou na história o panegírico <strong>de</strong> Bento<br />

Fernan<strong>de</strong>s: homem caritativo, <strong>de</strong> bom ânimo, liberal e <strong>de</strong> bem fazer, isento <strong>de</strong><br />

soberanias a que inclina a riqueza, e respeito que sempre logrou na sua vida.<br />

Muitos outros <strong>de</strong> Taubaté vieram no rastro <strong>dos</strong> Fernan<strong>de</strong>z<br />

Furtado. João <strong>de</strong> Siqueira Afonso, natural <strong>de</strong> Taubaté, veio ao lado. Foi<br />

ele um <strong>dos</strong> primeiros <strong>de</strong>scobridores <strong>de</strong> ouro no Ribeirão do Carmo, na<br />

parte do Sumidouro e ainda no rio Guarapiranga. Contam que ele teria<br />

sido um <strong>dos</strong> fundadores do arraial do Guarapiranga que, mais tar<strong>de</strong>,<br />

viraria a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Piranga. Mas há quem acredite que quando ele foi<br />

minerar no rio Guarapiranga lá já exista um arraial fundado por<br />

Francisco Rodrigues <strong>de</strong> Siqueira e Manuel Pires Rodovalho. João <strong>de</strong><br />

Siqueira Afonso também andou pelas bordas <strong>dos</strong> campos gerais do<br />

oeste, on<strong>de</strong> <strong>de</strong>scobriu ouro na Ponta do Morro, vale dizer São <strong>José</strong> <strong>de</strong>l<br />

Rei e também mais ao sul, em Aiuruoca. Isso tudo ali por volta <strong>de</strong> 1704.<br />

Portanto, fazia parte do clã <strong>dos</strong> primeiros mineradores <strong>de</strong>sbravadores<br />

62


<strong>dos</strong> sertões das gerais, rasgando catas nos regatos e morros da bacia do<br />

rio Doce e do Rio das Mortes.<br />

Antônio Dias <strong>de</strong> Oliveira é outro famoso minerador oriundo <strong>de</strong><br />

Taubaté. Fundou o arraial que levou o seu nome e que hoje é um <strong>dos</strong><br />

bairros <strong>de</strong> Ouro Preto. Na verda<strong>de</strong>, a antiga povoação era constituída<br />

<strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> arraiais que foram sendo engoli<strong>dos</strong> pelos dois principais<br />

que são o arraial <strong>de</strong> Antônio Dias e o arraial do Ouro Preto. Dizem que<br />

nos primórdios, o morro <strong>de</strong> Santa Quitéria, no centro do qual está hoje<br />

a Praça Tira<strong>de</strong>ntes, era coberto <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>nsíssima floresta. Tanto que<br />

um arraial nem sabia da existência do outro. Aconteceu que houve uma<br />

festa religiosa do lado do arraial do Ouro Preto e o espocar <strong>dos</strong> rojões<br />

teria chamado a atenção <strong>dos</strong> moradores do Antônio Dias que, assim<br />

tomaram conhecimento <strong>de</strong> que tinham vizinhos do outro lado do<br />

morro. A partir daí abriram uma picada para facilitar as transações.<br />

Deve haver um certo exagero nessa história. Mas certamente a<br />

comunicação entre os dois la<strong>dos</strong> do morro não <strong>de</strong>via ter sido mesmo<br />

muito intensa naqueles tempos. Tanto que os dois arraiais sempre<br />

mantiveram suas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s, chegando a se constituir em freguesias<br />

distintas, o que se mantém até hoje.<br />

Mas voltando ao Antônio Dias, apesar <strong>de</strong> ter seu nome<br />

perpetuado pelo arraial que fundou, sabemos pouco sobre a sua<br />

história. Dizem que ficou pouco tempo no seu arraial, passando em<br />

seguida a explorar as possibilida<strong>de</strong>s auríferas da região do rio Piracicaba.<br />

Em 1711 Antônio <strong>de</strong> Albuquerque o nomeou capitão-mor daquela<br />

região. Ali fundou mais um arraial <strong>de</strong> Antônio Dias, on<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve ter se<br />

finado, sem ter tido a ventura <strong>de</strong> encontrar tanto ouro quanto<br />

encontrou em Ouro Preto.<br />

O padre Faria é um <strong>dos</strong> mineradores seiscentistas mais<br />

conheci<strong>dos</strong> já que seu nome, assim como o <strong>de</strong> Antônio Dias, virou<br />

bairro e capela <strong>de</strong> Ouro Preto. O bairro antigamente era cortado por<br />

um ribeiro e lá o padre <strong>de</strong>scobriu uma compensadora quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

ouro, suficiente para atrair levas <strong>de</strong> aventureiros e fazer surgir um<br />

arraial. Sabemos muito pouco sobre o padre João <strong>de</strong> Faria Fialho. Teria<br />

63


nascido na ilha <strong>de</strong> São Sebastião no litoral paulista. Acredita-se que<br />

antes <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrir ouro no seu ribeirão, ele já tinha estado na região da<br />

Campanha do Rio Ver<strong>de</strong> on<strong>de</strong> teria <strong>de</strong>scoberto algum minério, já por<br />

volta <strong>de</strong> 1694. Mas o que to<strong>dos</strong> sabem é que, com certeza, por volta <strong>de</strong><br />

1699, ele foi para a região do Ouro Preto como capelão da tropa <strong>de</strong><br />

Francisco Bueno da Silva. Este teria sido quem primeiro achou ouro no<br />

morro <strong>de</strong> São Sebastião no lugar on<strong>de</strong>, poucos anos <strong>de</strong>pois, Paschoal da<br />

Silva Guimarães viria a enriquecer. O padre <strong>de</strong>ve ter dito uma meia<br />

dúzia <strong>de</strong> missas para a tropa - só para justificar o custo da sua passagem<br />

para a região das Minas - e <strong>de</strong>pois resolveu batear por conta própria, no<br />

que se <strong>de</strong>u muito bem; pois já tinha certa experiência. É o único<br />

capelão <strong>dos</strong> primeiros tempos que temos noticiais <strong>de</strong> ter dado sorte<br />

catando ouro. Mas parece que ficou muito pouco tempo. Temos<br />

notícias que ele retornou para São Paulo pouco tempo <strong>de</strong>pois, vindo a<br />

falecer em Guaratinguetá.<br />

Além do bairro, tem a Capela do Padre Faria, ali bem no centro<br />

do que <strong>de</strong>veria ser o arraial do padre, na virada do século XVII para o<br />

século XVIII. Mas é bem provável que o padre Faria não tenha tido<br />

nada a ver com a fundação da magnífica capela que hoje lá está. No<br />

máximo terá levantado uma choupana <strong>de</strong> folha <strong>de</strong> palmito para abrigar<br />

um mo<strong>de</strong>sto altar portátil que até po<strong>de</strong> ter retirado do templo quando<br />

voltou para casa. Quem sabe surgiu daí a iniciativa do povo do arraial<br />

em construir uma capela mais perene que teria dado na atual capela do<br />

padre Faria, joia cintilante da primeira fase do barroco mineiro.<br />

O coronel Salvador <strong>de</strong> Faria Albernaz também merece ter lugar<br />

na memória da conquista das primeiras minas do entorno do Itaverava<br />

e do Itacolomi. Foi ele uma das maiores vítimas da perseguição <strong>dos</strong><br />

reinóis, <strong>de</strong>pois do fim da Guerra <strong>dos</strong> Emboabas. Já era um potentado<br />

<strong>de</strong> Taubaté e tinha vindo para as minas logo na primeira hora. Andou<br />

minerando em companhia do coronel Salvador Furtado <strong>de</strong> Mendonça e<br />

<strong>dos</strong> irmãos Camargo no Ribeirão do Carmo. Depois <strong>de</strong>scobriu <strong>ricas</strong><br />

pintas no Infeccionado. Além do mais era muito querido pelos seus<br />

pois, conhecedor do segredo das raízes, era competente curan<strong>de</strong>iro.<br />

Mas suas <strong>ricas</strong> lavras <strong>de</strong>spertaram a cobiça <strong>dos</strong> Emboabas retardatários<br />

64


que intrigaram o coronel e conseguiram que ele fosse preso e remetido<br />

ao Rio <strong>de</strong> Janeiro. Na prisão, o controle epi<strong>de</strong>miológico era um tanto<br />

<strong>de</strong>ficiente e ele contraiu a doença das bexigas e, longe das suas raízes,<br />

nada pô<strong>de</strong> fazer por si mesmo, e se finou. Não sabemos qual era a<br />

grave acusação contra ele, mas era injusta. Assim conta Bento<br />

Fernan<strong>de</strong>s Furtado em sua versão paulista da epopeia das Minas. 38<br />

Alguns mineradores paulistas passaram à esquerda do Itaverava,<br />

seguindo reto o rumo das rotas primitivas do norte, mais antigas ainda<br />

do que as do Itaverava, mas menos procuradas posto que menos<br />

promissoras. Antônio Soares Ferreira foi um <strong>de</strong>les e escreveu seu nome<br />

no pioneirismo da conquista do Serro do Frio. É que em 1700 ele e a<br />

sua turma acharam que as datas do Caeté já estavam muito disputadas e<br />

resolveram refazer a trilha <strong>de</strong> Fernão Dias, rumo a serra da Itacambira.<br />

Pegaram uma reta na direção <strong>de</strong> Santa Luzia, passaram no Sumidouro,<br />

cortaram o Guaicuí e subiram a serra do Cipó.<br />

Da comitiva fazia parte Gaspar Soares, filho <strong>de</strong> Antônio Soares<br />

Ferreira. A certa altura da serra ele se afastou um pouco do grosso da<br />

tropa, quebrou à direita e no alto <strong>de</strong> um morro <strong>de</strong>scobriu algum ouro.<br />

E por lá ficou, dando nome ao dito morro. Aquele morro era forrado<br />

<strong>de</strong> ferro, mas eles não ligavam muito pra aquele metal banal. Só quase<br />

cem anos <strong>de</strong>pois é que alguém se importou pelo potencial ferrífero da<br />

região, e foi aí que o inten<strong>de</strong>nte Câmara instalou a sua forja para<br />

manufaturar o metal. Mas essa pioneira fábrica <strong>de</strong> ferro foi efêmera<br />

como o ouro e os ventos do passar <strong>dos</strong> anos apagaram o rastro <strong>de</strong>ssas<br />

histórias todas. Até o morro abandonou o nome do seu <strong>de</strong>scobridor e<br />

passou a se chamar Morro do Pilar.<br />

Mas naquele tempo ninguém estava muito preocupado em<br />

passar para a História, <strong>de</strong> sorte que a turma <strong>de</strong> Antônio Ferreira <strong>de</strong>ixou<br />

Gaspar Soares pra trás, seguiu em frente, <strong>de</strong>scobriu várias catas <strong>de</strong> ouro<br />

e veio a povoar toda aquela região. Somando os primeiros <strong>de</strong>scobertos,<br />

a produção do ouro parecia interessante, prometendo uma nova frente,<br />

38 Códice Costa Matoso.<br />

65


capaz <strong>de</strong> rivalizar com as minas gerais do Ouro Preto e do Ribeirão do<br />

Carmo. Assim, o governador Artur <strong>de</strong> Sá resolveu partir pra garantir a<br />

parte que, por vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus, cabia a Sua Majesta<strong>de</strong>. Então criou o<br />

distrito <strong>de</strong> Itacambira e nomeou guarda-mor ao próprio Antônio<br />

Soares. Mais tar<strong>de</strong> ele passou a capitão-mor e se quedou ali pelo espaço<br />

<strong>de</strong> quase vinte anos, minerando e ficando rico. Mas por volta <strong>de</strong> 1720, o<br />

con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Assumar achou que ele estava legislando muito em causa<br />

própria e andou <strong>de</strong>sapropriando algumas das suas datas, <strong>de</strong>terminando<br />

que fossem adota<strong>dos</strong> novos critérios <strong>de</strong> distribuição. Ele, claro, não<br />

gostou nem um pouco daquela arbitrarieda<strong>de</strong>, típica do peitudo<br />

Assumar. O fim foi trágico. Acontece que Antônio Soares Ferreira<br />

simplesmente ignorou o <strong>de</strong>creto do governador. O con<strong>de</strong>, que não<br />

tolerava um pingo <strong>de</strong> indisciplina, <strong>de</strong>spachou-lhe uma or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> prisão.<br />

Resultado final: houve conflito armado e Soares tombou numa <strong>de</strong>ssas<br />

refregas. Parece que Assumar não aprovou o <strong>de</strong>sfecho e repreen<strong>de</strong>u<br />

duramente a execução <strong>de</strong>sastrada do mandado <strong>de</strong> prisão. Como nossos<br />

historiadores, na massiva maioria, não gostam do dito con<strong>de</strong>, dizem que<br />

a tal indignação foi pura hipocrisia. Po<strong>de</strong> ser, mas o con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Assumar<br />

sempre admirou os paulistas, uma raça corajosa com a veia das<br />

conquistas. E assim era Antônio Soares Ferreira.<br />

Domingos Rodrigues do Prado fazia parte do grupo <strong>de</strong><br />

mineradores, um tanto tardios, que preferiu procurar ouro na região<br />

além <strong>dos</strong> Campos Gerais, ou seja, mais ao leste das primeiras minas.<br />

Famoso pela sua rebeldia, sempre <strong>de</strong> arma na mão, chefiando gente<br />

como ele. Em 1709 estava assistindo na região do Sabará mas se achava<br />

incomodado com tanta gente se aventurando por ali. De sorte que<br />

chamou os irmãos <strong>José</strong> e Bernardo Campos Bicudo e seguindo<br />

indicações incertas partiu para <strong>de</strong>scobrir as minas do Paracatu, naquele<br />

tempo ainda ocultas mas já <strong>de</strong>spertando a cobiça <strong>dos</strong> aventureiros, pois<br />

corriam certas notícias <strong>de</strong> indícios do metal naquela região. Partiu para<br />

lá, mas no meio do caminho já foi dando com ouro no leito <strong>de</strong> uns<br />

regatos até então não fala<strong>dos</strong>. Era a região <strong>de</strong> Pitangui e foi aí que<br />

começou a corrida àquelas plagas. Seis anos <strong>de</strong>pois o povoamento já<br />

estava consolidado pois foi rápida a ocupação da região. Então ele foi<br />

nomeado capitão-mor. Mas era muito encrenqueiro, se recusou anos<br />

segui<strong>dos</strong> a pagar os quintos da forma <strong>de</strong>terminada, pegando em armas e<br />

66


ameaçando as autorida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Vila Rica e seus agentes em Pitangui,<br />

entre eles os irmãos Pedroso, um <strong>dos</strong> quais – Valentim - acabou morto<br />

com vários tiros <strong>de</strong> bacamarte <strong>de</strong>sferi<strong>dos</strong> pelos asseclas <strong>de</strong> Prado. E foi<br />

aí que ele teve que enfrentar a ira do con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Assumar, acabando por<br />

ter que fugir <strong>de</strong> Pitangui. Dizem que o ouvidor enviado para enquadrálo<br />

na lei, instalou <strong>de</strong>vassa e, mesmo com ele fugido, o julgou e<br />

con<strong>de</strong>nou , enforcando-o em efígie, qual um Judas <strong>de</strong>rrotado. Mas<br />

Assumar arrefeceu quanto a punição real <strong>dos</strong> rebel<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Pitangui, nos<br />

mol<strong>de</strong>s que gostava <strong>de</strong> seguir. Assim o caudilho regressou, expulsou o<br />

capitão-mor nomeado pelo feroz con<strong>de</strong> governador e retomou o seu<br />

lugar. Aí Assumar enfezou <strong>de</strong> vez e mandou o ouvidor <strong>de</strong> Sabará<br />

Bernardo Pereira <strong>de</strong> Gusmão para Pitangui escoltado pelo capitão <strong>José</strong><br />

Rodrigues <strong>de</strong> Oliveira, à frente <strong>de</strong> vinte dragões valentes e bem<br />

treina<strong>dos</strong>, para justiçar o rebel<strong>de</strong>. Houve briga e Bueno acabou<br />

<strong>de</strong>rrotado e obrigado a fugir novamente. Mas não chegou a ser<br />

perseguido, nem julgado e con<strong>de</strong>nado, sendo o seu exílio mais ou<br />

menos tolerado pelo con<strong>de</strong> e o rei. Ele nunca sossegou contudo. Viveu<br />

o resto <strong>dos</strong> seus anos em Goiás <strong>de</strong>scobrindo ouro, sonegando impostos<br />

e fazendo uma guerrinha aqui e outra ali contra as autorida<strong>de</strong>s da<br />

Coroa. No fim da vida quis voltar para São Paulo, mas já não <strong>de</strong>u,<br />

estava muito velho e doente e morreu pelo caminho.<br />

Mesmo rumo <strong>de</strong> Domingos Bueno do Prado seguiram os<br />

irmãos Pedroso <strong>de</strong> Barros, Jerônimo e Valentim. Estas <strong>de</strong>stacadas<br />

personagens da história antiga <strong>de</strong> Minas eram sobrinhos <strong>de</strong> Borba<br />

Gato, tendo também sido pioneiros da conquista das minas, sendo<br />

povoadores tanto <strong>de</strong> Caeté quanto <strong>de</strong> Pitangui. Juntos, os irmãos<br />

Pedroso – ou “po<strong>de</strong>rosos” como eram chama<strong>dos</strong> no seu tempo –<br />

estiveram à frente da Guerra <strong>dos</strong> Emboabas, se alinhando entre os<br />

causadores da eclosão do conflito. Em 1712 os irmãos Valentim,<br />

cansa<strong>dos</strong> das perseguições e sequelas da dita Guerra, regressaram a vila<br />

<strong>de</strong> São Paulo. Mas não aguentaram muito tempo e dois anos <strong>de</strong>pois já<br />

estavam <strong>de</strong> volta às minas, se estabelecendo em Pitangui, então reduto<br />

<strong>dos</strong> paulistas mais enfeza<strong>dos</strong>. Tanto que, distante <strong>de</strong> seus inimigos<br />

emboabas, logo os próprios paulistas acabaram brigando entre si e<br />

67


Valentim resultou morto por seu cunhado Suplício Pedroso Xavier.<br />

Jerônimo então resolveu se mudar para a vila do Ribeirão do Carmo<br />

on<strong>de</strong> prestou relevantes serviços ao con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Assumar, sendo um <strong>dos</strong><br />

paulistas que estavam ao lado do con<strong>de</strong> nas repressões aos portugueses<br />

da rebelião <strong>de</strong> Vila Rica <strong>de</strong> 1720. Depois, Minas e São Paulo passaram a<br />

ser capitanias in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes e ele preferiu voltar a sua legítima pátria,<br />

on<strong>de</strong> morreu em 1758. Morreu <strong>de</strong> velhice, mas nos seus 65 anos <strong>de</strong> vida<br />

foram incontáveis as violências <strong>de</strong> que participou. Mas Assumar gostava<br />

<strong>de</strong>le, pela sua lealda<strong>de</strong> e valentia. Aliás, o con<strong>de</strong> sempre admirou essa<br />

qualida<strong>de</strong> <strong>dos</strong> paulistas, o que <strong>de</strong>spertava muitos ciúmes em seus<br />

compatriotas portugueses. Talvez tenha sido ele o paulista que mais<br />

odiou e foi odiado pelos emboabas, tanto que quando se mudou para<br />

Vila Rica, cerca <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> encerrada a Guerra, ele ainda<br />

arrancava <strong>de</strong>savenças com seus antigos inimigos, o que obrigou seu<br />

amigo Assumar a <strong>de</strong>stacar uma guarda para protegê-lo pois ameaças<br />

nunca lhe faltavam.<br />

Na conquista das minas teve minerador que parece nem ter<br />

pisado o território, pelo menos não no tempo das incertezas. Eram<br />

mais investidores do que mineradores e se dispunham a arriscar seus<br />

cabedais na aventura <strong>de</strong> outros mas não se dispunham, eles próprios, a<br />

arrostar os perigos. É o caso <strong>de</strong> Carlos Pedroso da Silveira. Trata-se <strong>de</strong><br />

uma das mais citadas figuras da epopeia da <strong>de</strong>scoberta das Minas <strong>dos</strong><br />

Goitacás, embora não tenha propriamente andado por lá. 39 Era sócio <strong>de</strong><br />

Bartolomeu Bueno <strong>de</strong> Siqueira naquele empreendimento que resultou<br />

na revelação oficial da existência do ouro que Sebastião <strong>de</strong> Castro<br />

Caldas participou a El-Rei <strong>de</strong>pois que Carlos Pedroso foi ao Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro mostrar-lhe o cobiçado metal. Gran<strong>de</strong> parte <strong>dos</strong> autores afiança<br />

que o ouro que ele entregou ao governador tinha sido levado para<br />

Taubaté por Manuel Garcia Velho, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> havê-lo na troca por duas<br />

índias no sertão do Itaverava, como vimos. Essa história não me parece<br />

39 Para alguns, Pedroso nunca veio à região das Minas e para outros ele andou muito<br />

por aqui e teria acompanhado Siqueira ao cometimento <strong>de</strong> Itaverava.<br />

68


muito correta pois o governador <strong>de</strong>clarou que a <strong>de</strong>scoberta se <strong>de</strong>via a<br />

Carlos Pedroso e Bartolomeu Bueno <strong>de</strong> Siqueira, não fazendo menção a<br />

Velho. Sabemos que Siqueira nem estava em Itaverava quando a troca<br />

foi efetuada, aliás, até reprovada por ele quando soube. Assim é bem<br />

possível que Pedroso já tivesse recebido algum metal antes, diretamente<br />

do sócio e foi esse o ouro que levou a Caldas. De qualquer forma<br />

Carlos Pedroso ganhou bons empregos por conta da auspiciosa<br />

revelação. Começou como capitão-mor da capitania <strong>de</strong> Itanhaem, foi<br />

provedor <strong>dos</strong> quintos da Casa <strong>de</strong> Fundição <strong>de</strong> Taubaté e procurador da<br />

Coroa. Quando a casa <strong>de</strong> fundição foi transferida para Parati ele foi<br />

junto. Em 1707 ganhou uma sesmaria na região do rio Ver<strong>de</strong>, on<strong>de</strong><br />

implantou a fazenda Caxambu. Era tido como <strong>de</strong>dicadíssimo e leal à<br />

Coroa e perseguidor implacável <strong>dos</strong> tantos sonegadores que queriam<br />

fraudar os quintos. Isso lhe valeu um cordão <strong>de</strong> inimigos. Tanto que<br />

acabou morto numa emboscada nas cercanias <strong>de</strong> Taubaté. Dizem que o<br />

mandante foi Domingos Rodrigues do Prado e que o executor da<br />

bárbara encomenda foi seu próprio irmão. Depois da sua morte a viúva<br />

e toda a família se retiraram para a fazenda do rio Ver<strong>de</strong>, estando aí<br />

uma das raízes do povoamento da região <strong>de</strong> Caxambu, Campanha e<br />

adjacências.<br />

Os paulistas inventaram as minas, mas claro, não podiam<br />

guardá-las só para si. Muita gente veio <strong>de</strong> to<strong>dos</strong> os lugares e até novas<br />

levas <strong>de</strong> Portugueses da região do d’Ouro e do Minho, <strong>de</strong> tradição<br />

mineradora. Manuel Nunes Viana foi um <strong>de</strong>les. É ele uma das figuras<br />

mais agitadas e po<strong>de</strong>rosas da história das Minas Gerais, no princípio do<br />

século XVIII. Sua vida é assaz incomum. Nasceu pobre, foi aclamado<br />

governador em 1708 pelos emboabas revolta<strong>dos</strong>, enfrentou o con<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Assumar e acabou laureado pelo rei d. João V a quem, não obstante,<br />

parece ter sonegado quantida<strong>de</strong>s absurdas <strong>de</strong> impostos sobre ouro e<br />

mercadorias que contraban<strong>de</strong>ou pelos sertões do São Francisco. Sua<br />

boa estrela começou a brilhar realmente quando ele assumiu a condição<br />

<strong>de</strong> procurador da riquíssima her<strong>de</strong>ira d. Isabel Gue<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Brito.<br />

Juntando as terras que já possuía com as da portentosa her<strong>de</strong>ira<br />

conseguiu formar um latifúndio ao longo do rio, numa extensão muito<br />

69


maior do que Portugal e muitos reinos europeus da época. Ali pôs para<br />

engordar milhares <strong>de</strong> cabeças <strong>de</strong> gado e monopolizou o comércio <strong>de</strong><br />

carne para abastecer o pessoal das minas. Questões ligadas ao<br />

monopólio <strong>de</strong>sse comercio tem muito a ver com seu envolvimento na<br />

Guerra <strong>dos</strong> Emboabas. Sabemos que ao término do conflito ele foi<br />

perdoado por Antônio <strong>de</strong> Albuquerque a <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> ter cometido um<br />

crime <strong>de</strong> lesa majesta<strong>de</strong> ao aceitar ser proclamado governador <strong>de</strong> Minas<br />

à revelia do rei e à testa <strong>de</strong> um exercito ilegal. O indulto permitiu que<br />

ele se retirasse para o seu latifúndio. Lá ficou quieto uns tempos, mas<br />

sempre dando uma <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>, baixando leis, mandando pren<strong>de</strong>r,<br />

soltar e açoitar e pagando impostos como e quando queria. Enfim,<br />

dirigia sua enorme gleba como se fosse ela uma capitania in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte.<br />

Assim dava corpo ao seu antigo sonho <strong>de</strong> ser governador.<br />

Por volta <strong>de</strong> 1717 vamos encontrá-lo às voltas com o con<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Assumar que, como sabemos, não era muito dado a engolir umas<br />

insolências. Mas como Nunes Viana era muito po<strong>de</strong>roso, Assumar teve<br />

que ir com muito mais tato do que era seu estilo habitual. Chegou a<br />

precisar da ajuda do governo geral na Bahia e até do rei, culminado<br />

tudo isso com a expedição <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> prisão contra o atrevido<br />

caudilho. Mas ele nem chegou a ser preso, esperto como era, antecipouse<br />

à or<strong>de</strong>m e foi apresentar-se à Corte em Lisboa. Ali comprou as<br />

graças do irmão do rei o famigerado infante d. Francisco. Este era<br />

famoso pela baixeza <strong>dos</strong> seus valores, mas tinha muita influência sobre<br />

o real irmão, resultado final: Manuel Nunes Viana ganhou o cobiçado<br />

hábito <strong>de</strong> Cristo e uma tença para ele e um <strong>dos</strong> filhos. Ganhou ainda o<br />

cargo <strong>de</strong> escrivão da ouvidoria <strong>de</strong> Sabará. Voltou ao Brasil, reassumiu<br />

suas fazendas, tomou posse do cargo por procuração para não ter<br />

muito trabalho e viveu muito quieto e feliz até 1738, contando histórias<br />

sobre suas incríveis façanhas.<br />

Para alguns historiadores paulistófobos, Nunes Viana foi o<br />

gran<strong>de</strong> lí<strong>de</strong>r da primeira guerra civil das Amé<strong>ricas</strong>. 40 Assim, ao contrário<br />

40 Entre eles se <strong>de</strong>staca Isaias Golgher. Ele trava uma insensata e emocionada batalha<br />

contra a versão <strong>dos</strong> historiadores paulistas sobre a guerra, com Taunay à frente. Para<br />

ele os ban<strong>de</strong>irantes representavam a perpetuação do regime feudal, obstando um<br />

70


do que registra a historiografia mais consagrada sobre a Guerra <strong>dos</strong><br />

Emboabas, tratava-se <strong>de</strong> um herói com to<strong>dos</strong> os requisitos subjacentes<br />

e não um aventureiro velhaco e venal. Buscam assim resgatar uma<br />

imagem que teria passado à história distorcida por conta do<br />

maniqueísmo <strong>dos</strong> historiadores “paulistas”.<br />

Pascoal da Silva Guimarães, assim como Nunes Viana, também<br />

nasceu em Portugal e quando chegou ao Brasil se estabeleceu no Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro, se ocupando <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>stas ativida<strong>de</strong>s comerciais como<br />

empregado <strong>de</strong> Francisco do Amaral Gurgel. Veio para a região das<br />

Minas logo em 1704 e andou faiscando aqui e ali, até que resolveu se<br />

estabelecer no morro <strong>de</strong> São Sebastião, fazendo fé em faisqueiras que<br />

os primeiros mineradores tinham abandonado, logo que as dificulda<strong>de</strong>s<br />

para alcance do ouro começaram a <strong>de</strong>sanimar os paulistas mais<br />

inquietos. 41<br />

Acontece que os portugueses que chegaram nas minas logo<br />

<strong>de</strong>pois <strong>dos</strong> paulistas trouxeram técnicas mais apuradas. Adotando essas<br />

práticas, Paschoal se <strong>de</strong>u muito bem, <strong>de</strong>scobrindo o tal “ouro podre”<br />

que, muitos antes <strong>de</strong> ser podre, era riquíssimo ouro <strong>de</strong> alto quilate. 42 Ali<br />

cresceu o Arraial do Ouro Podre ou <strong>de</strong> São Sebastião. Todo o morro<br />

era conhecido como Morro do Pascoal. Parece que ele não se envolveu<br />

projeto emboaba <strong>de</strong> viabilização <strong>de</strong> um doce e precoce capitalismo na região das<br />

minas, no remoto alvorecer do século XVIII. Diz ele: A mineração era implacável<br />

niveladora no sentido <strong>de</strong>mocrático. O ban<strong>de</strong>irante não foi o tipo i<strong>de</strong>al para essa ativida<strong>de</strong>. Embora<br />

um elemento insubstituível na penetração, na exploração pacífica era completamente falho e <strong>de</strong>ficiente,<br />

estorvante mesmo. (Guerra <strong>dos</strong> Emboabas).<br />

41 Há quem diga que as minas ocupadas por Pascoal não estavam propriamente<br />

abandonadas e ele teve que se envolver numa disputa com a família <strong>de</strong> <strong>José</strong> <strong>de</strong><br />

Camargo Pimentel para havê-las.<br />

42 Muitos dizem que o ouro se chamava podre porque se esfarelava com facilida<strong>de</strong> e<br />

virava pó. Mas não é bem assim. Na realida<strong>de</strong> o ouro do Morro do Paschoal tinha<br />

certas características que tornavam sua superfície irregular e quebradiça <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />

fundido. Daí o nome. Certamente os fundidores <strong>de</strong> Vila Rica, naqueles primevos<br />

tempos, ainda não dominavam a técnica <strong>de</strong> fundição para metal excessivamente puro.<br />

71


muito com a Guerra <strong>dos</strong> Emboabas e quando Antônio <strong>de</strong> Albuquerque<br />

quis ser equitativo nas nomeações que fez em 1711 para acomodar<br />

paulistas e forasteiros, o governador não teve nenhuma dúvida em<br />

ascendê-lo à condição <strong>de</strong> mestre <strong>de</strong> campo do terço da região do Ouro<br />

Preto. Mas, poucos anos <strong>de</strong>pois, em 1720, o dito Paschoal acabou<br />

sendo um <strong>dos</strong> cabeças da Rebelião <strong>de</strong> Vila Rica e resultou que o con<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Assumar, logo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> <strong>de</strong>sarmar os revoltosos com promessas<br />

ardilosas, subiu o morro e queimou o arraial do Paschoal, casa por casa.<br />

Daí resultou o morro virar o Morro da Queimada como até hoje é<br />

conhecido. Atualmente é um bairro <strong>de</strong> Ouro Preto. Fica á esquerda <strong>de</strong><br />

quem vai para o Taquaral e Mariana e po<strong>de</strong> ser acessado após o palacete<br />

do Barão <strong>de</strong> Saramenha que é aquela construção suntuosa atravancando<br />

a passagem, em estado <strong>de</strong> quase completa ruína apesar da sua<br />

majesta<strong>de</strong>.<br />

O fato <strong>de</strong> Paschoal da Silva Guimarães não se envolver muito<br />

com os emboabas, talvez explique porque Mariana, ali pertinho, tenha<br />

sido o mais forte reduto <strong>dos</strong> paulistas, por ocasião do conflito. 43 Mas<br />

pelo seu envolvimento na rebelião <strong>de</strong> 1720, resultou preso pelo con<strong>de</strong><br />

governador e acabou seus dias em Lisboa, em condições <strong>de</strong> que não<br />

tenho notícias.<br />

Também a boa gente da Bahia não podia <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> almejar as<br />

Minas e suas riquezas. Foi assim que aqui veio dar Sebastião Pereira <strong>de</strong><br />

Aguilar. Era um bom baiano que em 1703 podia ser encontrado<br />

minerando em Caeté. Nada mais natural, portanto, que fosse amigo <strong>de</strong><br />

Manuel Nunes Viana e tivesse tomado parte ativa na Guerra <strong>dos</strong><br />

Emboabas. Dizem que ele, inclusive, costumava conter os excessos<br />

ditatoriais do caudilho Viana. Consta ser ele o fundador do arraial da<br />

Contagem, on<strong>de</strong> tinha currais para estocar o gado vindo da Bahia e<br />

43 Alguns autores, ao contrário do que acabamos <strong>de</strong> afirmar, dão o morro do Paschoal<br />

como reduto Emboaba, talvez exagerando a extensão da concentração que fizeram na<br />

Cachoeira do Campo <strong>de</strong> on<strong>de</strong> espantaram o governador do Rio <strong>de</strong> Janeiro que tinha<br />

vindo tomar satisfações a respeito daquela história <strong>de</strong> terem proclamado Manuel<br />

Nines Viana governador das Minas à sua revelia.<br />

72


<strong>de</strong>stinado a abastecer <strong>de</strong> carne o cobiçado mercado das minas <strong>dos</strong><br />

Cataguás. Ou seja, como baiano e atravessador do mercado da carne,<br />

tinha todas as razões do mundo para se meter na guerra, pois questões<br />

ligadas ao monopólio <strong>de</strong>ste comércio é que foram um <strong>dos</strong> pivôs <strong>de</strong><br />

motivação da dita guerra. Em 1711, passado o conflito, o governador<br />

Antônio <strong>de</strong> Albuquerque Coelho o nomeou mestre <strong>de</strong> campo do<br />

distrito do Rio das Velhas. Foi então que ele, como a gran<strong>de</strong> maioria<br />

<strong>dos</strong> potenta<strong>dos</strong> mineiros <strong>de</strong> então, aten<strong>de</strong>ndo ao chamado do<br />

governador, partiu para enfrentar a ameaça francesa sobre o Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro. Armou um topa <strong>de</strong> quatrocentos homens à sua própria custa,<br />

enfileirou a sua turma com as <strong>de</strong> muitos outros mineiros resolutos e<br />

<strong>de</strong>sceu o caminho novo, naquela famosa marcha forçada, sem<br />

<strong>de</strong>scanso, capitaneada pelo bravo Antônio <strong>de</strong> Albuquerque rumo à vila<br />

sitiada. Chegaram tar<strong>de</strong>, como veremos adiante. Morreu em 1719, rico e<br />

com cre<strong>de</strong>nciais para entrar para a História.<br />

Do Rio <strong>de</strong> Janeiro também subiu gente para as minas, entre eles<br />

Francisco do Amaral Gurgel. Contam que ele foi um <strong>dos</strong> que mais<br />

juntou ouro na vida, ao lado <strong>de</strong> Borba Gato, Manuel Nunes Viana e<br />

Paschoal da Silva Guimarães. Mas ele veio para as minas meio que<br />

fugido, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> perambular pelos sertões <strong>de</strong> São Paulo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1687,<br />

quando teria assassinado um certo Pedro <strong>de</strong> Souza Pereira, funcionário<br />

da Coroa. Estabeleceu-se no Ouro Preto on<strong>de</strong> arrematou o contrato<br />

das carnes <strong>de</strong> 1701 a 1706. Tentou a renovação em socieda<strong>de</strong> com o<br />

famigerado fra<strong>de</strong> Francisco <strong>de</strong> Menezes mas foi pressionado pelos<br />

paulistas que temiam as consequências <strong>de</strong>ssa socieda<strong>de</strong>. Criou-se aí uma<br />

animosida<strong>de</strong> que também acabaria contribuindo para a eclosão da<br />

Guerra <strong>dos</strong> Emboabas, poucos anos <strong>de</strong>pois. Gurgel e Menezes estariam<br />

entre as principais li<strong>de</strong>ranças do lado <strong>dos</strong> emboabas. Depois da guerra<br />

ele acabou voltando ao Rio <strong>de</strong> Janeiro, on<strong>de</strong> tinha gran<strong>de</strong>s proprieda<strong>de</strong>s<br />

na região <strong>de</strong> Parati. Ali, ao lado <strong>de</strong> seu irmão e também lí<strong>de</strong>r emboaba –<br />

Bento do Amaral Coutinho – acabaria tendo gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>staque na<br />

resistência contra a invasão francesa, sendo nomeado provedor da Real<br />

Fazenda em reconhecimento a esses relevantes serviços. Era sempre<br />

muito violento e por conta disso teve <strong>de</strong>vassa levantada e muita carta<br />

73


das autorida<strong>de</strong>s para o reino se queixando da sua rebeldia. Tinha fama<br />

<strong>de</strong> ser um “terrível capador <strong>de</strong> homens” e era um exemplo para toda a<br />

sua família repleta <strong>de</strong> notórios assassinos, segundo conta a História.<br />

Mineradores <strong>de</strong> ouro eram muitos, pois os próprios caprichos<br />

da terra favoreciam a socialização do acesso ao metal. Com o diamante<br />

era diferente. Parece que Deus preferiu espalhar essa joia mineral <strong>de</strong><br />

forma mais concentrada e custosa. Claro que era possível catar<br />

pedrinhas espalhadas parcamente na beira <strong>dos</strong> riachos, mas minerar<br />

verda<strong>de</strong>iramente a preciosíssima pedra foi privilégio <strong>de</strong> poucos. Mesmo<br />

porque, era ilegal aquela catação miúda <strong>dos</strong> garimpos. Era preciso ter<br />

grosso cabedal e fazer um contrato com o rei, explorando o diamante<br />

<strong>de</strong> forma mais organizada. Felisberto Cal<strong>de</strong>ira Brant foi um <strong>de</strong>sses<br />

poucos escolhi<strong>dos</strong>. Seu nome está muito ligado à história do Arraial do<br />

Tijuco, mas ele teve presença mais abrangente na história antiga <strong>de</strong><br />

Minas, sendo um <strong>dos</strong> fundadores <strong>de</strong> Paracatu. Mineiro nascido na vila<br />

<strong>de</strong> São João <strong>de</strong>l Rei, ali por volta da virada do século XVII. Sempre<br />

esteve meio enredado com a justiça, mas parece que muito disso era<br />

pura inveja ou perseguição política <strong>de</strong> seus inimigos. Em 1730 houve<br />

um atentado contra a vida do ouvidor <strong>de</strong> São João <strong>de</strong>l Rei, alvejado<br />

com alguns tiros misteriosos. Como o dito ouvidor o estava<br />

aporrinhando por questões <strong>de</strong> dívidas, Felisberto e seu irmão Joaquim<br />

foram consi<strong>de</strong>ra<strong>dos</strong> os principais suspeitos. Foram presos e envia<strong>dos</strong> à<br />

Bahia para serem julga<strong>dos</strong>. Acabaram inocenta<strong>dos</strong>. Livre e feliz<br />

Felisberto resolveu se mudar para as bandas <strong>de</strong> Goiás on<strong>de</strong> <strong>de</strong>scobriu<br />

diamantes e ouro e também se envolveu em confusão, rebelando-se<br />

contra os quintos. Fixou-se nas cercanias do Córrego Rico on<strong>de</strong><br />

colaborou para o assentamento do arraial <strong>de</strong> Paracatu. Em 1747<br />

arranjou um sócio, arrematou o contrato <strong>de</strong> administração da extração<br />

<strong>dos</strong> diamantes do Tijuco e para lá se mudou. Mais uma vez acabou se<br />

envolvendo com a justiça: foi acusado pelo inten<strong>de</strong>nte <strong>dos</strong> diamantes<br />

<strong>de</strong> frau<strong>de</strong>s na gestão do seu contrato, lesando os interesses da Real<br />

Fazenda. Mais uma vez acabou havendo uma tentativa <strong>de</strong> homicídio<br />

contra a peça chave da acusação, nesse caso, o inten<strong>de</strong>nte <strong>dos</strong><br />

diamantes. Dizem que quem praticou a tentativa foi o sócio <strong>de</strong><br />

74


Felisberto, mas como ele já tinha antece<strong>de</strong>ntes, não escapou <strong>de</strong><br />

envolvimento. Para alguns a questão da frau<strong>de</strong> foi calúnia do ouvidor<br />

<strong>José</strong> Pinto <strong>de</strong> Morais Bacelar, ressentido por ter tomado umas<br />

estocadas <strong>de</strong> Brant. É que o ouvidor se engraçou com uma sobrinha do<br />

contratador e ele, como já tinha uma certa ojeriza <strong>de</strong> ouvidores, tentou<br />

respon<strong>de</strong>r com uma afiada punhalada. 44 Aí já era <strong>de</strong>mais, o ouvidor e o<br />

inten<strong>de</strong>nte – po<strong>de</strong>rosas vítimas <strong>dos</strong> <strong>de</strong>stemperos <strong>de</strong> Cal<strong>de</strong>ira e seu sócio<br />

- se juntaram contra Brant e não <strong>de</strong>u outra: sopraram no ouvido do rei<br />

que o contratador era notório fraudador e ele acabou preso, arruinado e<br />

remetido para Portugal.<br />

O final da sua história é surpreen<strong>de</strong>nte. Acontece que no tempo<br />

em que ele estava cumprindo a dita pena, aconteceu o terrível<br />

terremoto <strong>de</strong> Lisboa que arrasou com a cida<strong>de</strong> em pouco tempo. 45 A<br />

prisão em que Felisberto estava ruiu e ele nada sofreu. Agraciado com a<br />

súbita e inesperada liberda<strong>de</strong>, bem que ele po<strong>de</strong>ria ter se unido à turba<br />

ignara que, ato seguinte ao terremoto, passou a saquear a cida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>struída. Mas não. Foi candidamente se apresentar às autorida<strong>de</strong>s para<br />

ser novamente trancafiado. Contam que o marques <strong>de</strong> Pombal ficou tão<br />

impressionado com o gesto, que libertou o brasileiro e permitiu seu<br />

retorno à pátria, ao tempo em que <strong>de</strong>terminava a revisão do sequestro<br />

<strong>de</strong> seus bens. Livre, Felisberto Cal<strong>de</strong>ira Brant foi para a estação<br />

balneária <strong>de</strong> Caldas da Rainha, em temporada <strong>de</strong> repouso, para tentar se<br />

recuperar <strong>de</strong> tanto sofrimento. Mas não conseguiu, morreu logo <strong>de</strong>pois.<br />

Também não conseguiu reaver os bens sequestra<strong>dos</strong> pela Coroa. Mas<br />

sua <strong>de</strong>scendência continuou honrando o nome da família. Entre os<br />

ramos da sua ilustre árvore genealógica estão os viscon<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

Barbacena e <strong>de</strong> Gerincinó, nobres brasileiros do império.<br />

44 Deve ter sido só para assustar pois a tal punhalada apenas resvalou num botão <strong>de</strong><br />

metal da casaca do ouvidor.<br />

45 1º <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1755.<br />

75


Além <strong>de</strong> Cal<strong>de</strong>ira Brant só João Fernan<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Oliveira teve o<br />

privilégio <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r minerar legalmente os diamantes. Eles eram dois:<br />

pai e filho. O primeiro foi quem arrematou os contratos <strong>dos</strong> diamantes<br />

por cinco vezes. Mas quem se tornou famoso foi o filho,<br />

principalmente por ter sido – como direi – amancebado com Chica da<br />

Silva. Nasceu ele em Mariana em 1727 e, como acontecia com to<strong>dos</strong> os<br />

bem-nascido da época, foi estudar em Coimbra <strong>de</strong> on<strong>de</strong> voltou em<br />

1753, <strong>de</strong>sembargador e cavalheiro da Or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> Cristo e cheio <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias<br />

mo<strong>de</strong>rnizantes aplicáveis aos negócios do pai. Este vinha fazendo má<br />

gestão com os diamantes <strong>de</strong> Sua Majesta<strong>de</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1740, mas isso não<br />

impediu que, então, ele conseguisse arrematar o contrato pela terceira<br />

vez. Dizem que <strong>José</strong> Alvarez Maciel, procurador <strong>de</strong> João Fernan<strong>de</strong>s,<br />

tocou muito mal o primeiro ano do contrato renovado. Assim o filho<br />

assumiu a frente <strong>dos</strong> negócios. Dos cinco contratos arremata<strong>dos</strong> pelo<br />

pai, três foram firma<strong>dos</strong> <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> 1747, quando ele já tinha voltado<br />

para Portugal. Apenas o quinto contrato foi arrematado em socieda<strong>de</strong><br />

entre pai e filho, cabendo a este individualmente o arremate do sexto,<br />

último e mais longo contrato para extração das maravilhosas pedrinhas<br />

do Tijuco. Contam alguns que o velho morreu louco e endividado, mas<br />

isso não é verda<strong>de</strong> pois, enquanto viveu, gozou <strong>dos</strong> bons rendimentos<br />

do trabalho do filho no Tijuco. Vivia bem e convivia com os nobres da<br />

corte, entre eles o marques <strong>de</strong> Pombal. O regime <strong>dos</strong> contratos durou<br />

até 1771, quando o dito marquês achou que a Coroa <strong>de</strong>via assumir ela<br />

própria a administração <strong>dos</strong> diamantes. Foram quase vinte anos <strong>dos</strong><br />

Fernan<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Oliveira à frente da gestão <strong>dos</strong> diamantes do Tijuco.<br />

Por disputa da herança com a madrasta, o filho acabou forçado<br />

a se mudar para Portugal on<strong>de</strong> morreu, cercado <strong>de</strong> respeito e <strong>de</strong> uma<br />

fabulosa fortuna. 46 No Tijuco <strong>de</strong>ixou Chica da Silva, cercada <strong>de</strong> onze<br />

filhos e fadada a uma maldita herança, passando à Histórica como negra<br />

46 A indigitada madrasta sofreu o diabo na disputa da fortuna com o enteado, tendo<br />

inclusive sido encerrada num convento contra sua vonta<strong>de</strong>. Mais trágica parece ainda<br />

a história se lembrarmos que foi o dote da pobre senhora que salvou o Fernan<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

Oliveira pai <strong>de</strong> uma eminente bancarrota e o permitiu ter fôlego para arrematar os<br />

cobiça<strong>dos</strong> contratos.<br />

76


ignorante, escrava orgulhosa e rameira caprichosa. Para essa fantasiosa<br />

imagem contribuíram <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a levianda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Joaquim Felício <strong>dos</strong><br />

Santos, 47 passando pela ingenuida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Cecília Meireles até a<br />

imbecilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> diretores <strong>de</strong> filmetes e novelas <strong>de</strong> televisão. Acredito<br />

que Francisca da Silva não era negra, nem ignorante e, talvez, nem<br />

mesmo caprichosa. 48<br />

Quando João Fernan<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Oliveira conheceu Chica, ela era escrava e<br />

concubina <strong>de</strong> Manuel Pires Sardinha com quem tinha um filho <strong>de</strong> dois<br />

anos. O contratador comprou Chica, viveu com ela muitos anos e criou<br />

seu primeiro filho, propiciando-lhe a mais esmerada educação. 49<br />

Quando acabou sua aventura <strong>de</strong> princesa, a maior preocupação<br />

que Chica da Silva <strong>de</strong>monstrou foi com a educação e dignida<strong>de</strong> <strong>dos</strong><br />

filhos investindo nisso tudo do que lhe restou. On<strong>de</strong> a negra mandona<br />

e boçal teria aprendido isso?<br />

É muito pouco provável que ela fosse uma pessoa típica da dita<br />

“raça negra” pois seu pai era branco e sua mãe mulata. Seu filho mais<br />

velho – o ilustre professor universitário, dr. Simão Pires Sardinha -<br />

<strong>de</strong>via se passar por branco com uma certa comodida<strong>de</strong>, pois foi<br />

47 Diz ele textualmente: Francisca da Silva era uma mulata <strong>de</strong> baixo nascimento. Fora escrava<br />

<strong>de</strong> <strong>José</strong> da Silva e Oliveira Rolim, que a libertou a pedido <strong>de</strong> João Fernan<strong>de</strong>s. Tinha as feições<br />

grosseiras, alta, corpulenta, trazia a cabeça rapada e coberta com uma cabeleira anelada em cachos<br />

pen<strong>de</strong>ntes, como então se usava; não possuía graça, não possuía beleza, não possuía espírito, não<br />

tivera educação, enfim não possuía atrativo algum, que pu<strong>de</strong>sse justificar uma forte paixão.<br />

Alega Felício <strong>dos</strong> Santos ter traçado essa <strong>de</strong>scrição ouvindo pessoas que foram<br />

contemporâneas da Chica e a conheceram pessoalmente. Esse raro recurso<br />

investigativo, porém, não conce<strong>de</strong> especial autorida<strong>de</strong> ao retrato traçado pelo ilustre<br />

autor, pois muitas <strong>de</strong>sses <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong> testemunhas oculares da história do Tijuco,<br />

que ele disse ter coletado para produzir suas afirmações, hoje são cabalmente<br />

<strong>de</strong>smenti<strong>dos</strong>.<br />

48 Acaba se somando aí um rosário <strong>de</strong> preconceitos: por ser negra, <strong>de</strong>via ser ignorante<br />

e <strong>de</strong>vassa e por ser rica, <strong>de</strong>via ser caprichosa. Se tivesse passado a história como<br />

branca - ou quase – teria sido esperta e excêntrica.<br />

49 Equivoca-se, portanto, nosso Joaquim Felício <strong>dos</strong> Santos também quando diz que<br />

Chica era escrava do pai do padre Rolim.<br />

77


agraciado com o mérito da or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> Cristo. Uma das condições para<br />

essa suprema honraria exigia do candidato ser <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> mais pura<br />

estirpe europeia, tanto física como culturalmente. 50 Um outro forte<br />

indício <strong>de</strong> que Chica não <strong>de</strong>veria ser negra está no fato <strong>de</strong> que ela<br />

pertencia às irmanda<strong>de</strong>s do Carmo e <strong>de</strong> São Francisco, condição muito<br />

difícil a uma pessoa <strong>de</strong> cor, mesmo no Tijuco, on<strong>de</strong> havia uma certa<br />

tolerância com este tipo <strong>de</strong> coisa. Quando muito, a mui digna d.<br />

Francisca da Silva Oliveira <strong>de</strong>via ser uma confundível mulata, altiva e<br />

sestrosa. Certamente muito interessante, em to<strong>dos</strong> os senti<strong>dos</strong>. João<br />

Fernan<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Oliveira não <strong>de</strong>ve ter tido do que se queixar nos quase<br />

vinte anos em que esteve ao lado da famosa personagem, trocando<br />

favores e vonta<strong>de</strong>s.<br />

Também, Chica da Silva não <strong>de</strong>via ser assim tão mandante e<br />

geniosa. Até que o casal vivia uma vida mo<strong>de</strong>sta se consi<strong>de</strong>rarmos que<br />

ele talvez fosse o homem mais rico do mundo em sua época. Quando<br />

Pombal o obrigou a voltar para Portugal, aplicou-lhe uma multa <strong>de</strong><br />

onze milhões <strong>de</strong> cruza<strong>dos</strong>, 51 por conta <strong>de</strong> supostas irregularida<strong>de</strong>s<br />

praticadas na extração das magníficas pedrinhas. 52 Apesar <strong>de</strong>ssa<br />

tremenda sangria ele ainda legou ao seu morgado uma fortuna fabulosa<br />

constituída <strong>de</strong> palácios e fazendas no Brasil e Portugal. Deixou casas em<br />

Lisboa, Rio <strong>de</strong> Janeiro, Tijuco, Vila Rica e Pitangui, além <strong>de</strong> gran<strong>de</strong><br />

quantia em dinheiro e bens para usufruto das filhas no Brasil. Disso<br />

tudo, a única coisa que a Chica da Silva usufruía, nos bons tempos do<br />

contrato, era o sítio que o contratador mantinha nos arredores do<br />

Tijuco para as suas fabulosas horas <strong>de</strong> lazer, <strong>de</strong>baixo da maior reserva.<br />

E ali não era um antro <strong>de</strong> orgias como pensam muitos. Muito antes<br />

50 Dizem que a admissão <strong>de</strong> Pires Sardinha foi ajudada pela influência do padrasto e<br />

por umas pequenas mentiras sob sua genealogia, consignadas no relatório enviado do<br />

Tijuco a Lisboa para instruir o processo.<br />

51 Quantia equivalente a 230 milhões <strong>de</strong> dólares em 2007 (vi<strong>de</strong> o Apêndice)<br />

52 Muitos duvidam <strong>de</strong>ssa história, acreditando que eles eram amigos, tal qual o pai<br />

tinha sido.<br />

78


pelo contrário. Era moda as boas famílias se casarem ou batizarem seus<br />

filhos na capela do sitio e o casal tinha prazer em ce<strong>de</strong>r o templo aos<br />

amigos que pediam, inclusive pessoas humil<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cor.<br />

No arraial, Chica morava mesmo era numa mo<strong>de</strong>sta casa em<br />

frente à Igreja do Carmo e que hoje ainda está lá para quem quiser<br />

confirmar. E João Fernan<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Oliveira passava boa parte do seu<br />

tempo trabalhando na Casa do Contrato com toda a compostura que<br />

seu cargo exigia. Ou seja, tudo indica que, além <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>sto, o casal<br />

também era bastante discreto. Mas a Chica da Silva que a gran<strong>de</strong><br />

maioria <strong>dos</strong> brasileiros conhece é aquela figura boçal <strong>dos</strong> filmes e<br />

novelas.<br />

79


A inquietação<br />

Há duas versões para o termo “emboaba”. Para alguns<br />

significaria “galinha (ou pinto) calçudo” e para outros significaria<br />

“estrangeiro ou inimigo”. Enfim, era assim que o paulista vale dizer, a<br />

gente das <strong>vilas</strong> <strong>de</strong> São Paulo, Taubaté e adjacências tratavam os nãopaulistas;<br />

vale dizer os baianos, fluminenses e portugueses. O termo<br />

i<strong>de</strong>ntifica o conflito que agitou a região das minas do ouro em 1708 e<br />

1709 a que se chamou, com certo exagero, <strong>de</strong> Guerra <strong>dos</strong> Emboabas.<br />

Parece que guerra mesmo não chegou a haver. 53 Mas houve muito bate<br />

boca, escaramuças e insolência. Mas batalhas? Não mais que três ou<br />

quatro, on<strong>de</strong> somadas não <strong>de</strong>ve ter sucumbido mais do que uma<br />

centena <strong>de</strong> valentes guerreiros na sua maioria mulatos e índios bem<br />

manda<strong>dos</strong>.<br />

O conflito começou em Caeté com <strong>de</strong>spautérios e <strong>de</strong>saforos<br />

troca<strong>dos</strong> entre os irmãos Jerônimo e Valentin Pedroso e Manuel Nunes<br />

Viana, tempera<strong>dos</strong> com um ou outro assassinato isolado. 54 Tanto<br />

paulistas como emboabas e respectivos simpatizantes, contaram<br />

apaixonadas versões da história. Para os primeiros a origem <strong>de</strong> tudo foi<br />

o fato <strong>de</strong> Valentin Pedroso ter emprestado uma catana a um protegido<br />

<strong>de</strong> Nunes Viana que a per<strong>de</strong>u ou não a quis <strong>de</strong>volver. Para os<br />

Emboabas o que aconteceu foi que o paulista simplesmente quis tomar<br />

a tal arma <strong>de</strong> seu legítimo dono e este foi se queixar a Viana que acabou<br />

tomando as dores facilmente pois estava louco para tomar espaço aos<br />

paulistas. Mas o causa era mais abrangente e houve conflitos<br />

simultâneos em outros pontos da capitania que resultaram em uma<br />

53 Há quem, com notável exagero, acredita que o movimento tenha sido uma<br />

verda<strong>de</strong>ira guerra civil, contrapondo a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> <strong>dos</strong> emboabas ao autoritarismo<br />

retrógrado <strong>dos</strong> paulistas.<br />

54 Mas o receio <strong>dos</strong> paulistas <strong>de</strong> que os forasteiros lhes pu<strong>de</strong>ssem tomar as minas era<br />

antigo. Temos notícias <strong>de</strong> que no dia 16 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1700 o povo da vila <strong>de</strong> São Paulo<br />

comparecia à Câmara e exigia que os vereadores pedissem ao governador Artur <strong>de</strong> Sá<br />

que <strong>de</strong>clarasse que as minas <strong>dos</strong> Cataguás lhes pertenciam.<br />

80


meia dúzia <strong>de</strong> homicídios <strong>de</strong> paulistas e emboabas. Também havia o<br />

fra<strong>de</strong> Francisco <strong>de</strong> Menezes que ficava instigando o pessoal o tempo<br />

todo e chegou a ungir o caudilho Viana como governador da capitania<br />

das Minas, quando Minas, São Paulo e Rio ainda se constituíam num<br />

único território administrativo. A raiz <strong>dos</strong> motivos parece clara e nada<br />

tinha a ver com diferenças pessoais. É que os paulistas, com razão, não<br />

viam com simpatia os pintos calçu<strong>dos</strong> irem se apossando das minas que<br />

eles tão duramente tinham <strong>de</strong>scoberto. Além disso, temiam que<br />

monopólios pretendi<strong>dos</strong> por baianos e portugueses, sobre o comércio<br />

do gado e do fumo, encarecessem ainda mais esses produtos vitais. 55<br />

Do outro lado, os forasteiros achavam que os paulistas já tinham tido<br />

suas vantagens e estava na hora <strong>de</strong> uma certa abertura <strong>de</strong>mocrática,<br />

com oportunida<strong>de</strong>s para to<strong>dos</strong>. De sorte que fermentação havia e,<br />

sevado por ela, o conflito estourou por um motivo banal que foi um<br />

<strong>de</strong>stempero verbal à porta da matriz <strong>de</strong> Caeté, por causa da tal catana.<br />

Mas antes disso já tinha havido alguns homicídios na comarca do Rio<br />

das Mortes on<strong>de</strong>, parece, tudo realmente começou.<br />

A mais famosa batalha da Guerra, como se recorda, foi o<br />

massacre do Capão da Traição. Dizem que Bento do Amaral Coutinho<br />

- emboaba <strong>de</strong> Caeté, carioca <strong>de</strong> nascimento – à frente <strong>de</strong> uma força <strong>de</strong><br />

duzentos homens massacrou um bando <strong>de</strong> paulistas rendi<strong>dos</strong> e<br />

<strong>de</strong>sarma<strong>dos</strong>, ali perto do Rio das Mortes. Não se sabe ao certo o<br />

número <strong>de</strong> vítimas. Taunay, 56 acha que não passou <strong>de</strong> cinquenta.<br />

Provavelmente foi muito menos pois dificilmente um grupo <strong>de</strong><br />

duzentos homens teria condição <strong>de</strong> chacinar outros cinquenta, mesmo<br />

<strong>de</strong>sarma<strong>dos</strong>. Talvez cinquenta fosse o efetivo total da tropa paulista e<br />

55 Certamente a questão do “estanco <strong>dos</strong> açougues” teve muito peso na eclosão do<br />

movimento. Dizia respeito ao monopólio da comercialização <strong>de</strong> carnes que permitia<br />

ao dono do monopólio estabelecer o preço que quisesse para ven<strong>de</strong>r o precioso<br />

produto. Este monopólio pertencia ao emboaba Francisco do Amaral Gurgel, tendo<br />

como sócio ou procurador o frei Francisco <strong>de</strong> Menezes. Os paulistas reclamaram e o<br />

governador <strong>de</strong>terminou que o capitão Borba Gato estancasse os abusos. Contam que<br />

o frei jurou vingança e, <strong>de</strong> fato, foi o maior instigador do conflito.<br />

56 História das Ban<strong>de</strong>iras Paulistas.<br />

81


que os efetivamente mortos sejam bem menos do que isso. De qualquer<br />

forma, parece ter sido um episódio lamentável que indignou os paulistas<br />

por muito tempo.<br />

Em <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1708, os emboabas tomaram conta <strong>de</strong> Caeté e<br />

proclamaram Viana governador do pedaço. Borba Gato então tentou<br />

expulsá-lo das Minas por <strong>de</strong>creto, mas como não tinha força militar<br />

capaz <strong>de</strong> garantir isso, teve que ficar meio quieto torcendo para que sua<br />

autorida<strong>de</strong> funcionasse. Houve escaramuças, arruaças e <strong>de</strong>predações<br />

aqui e ali, com a turma <strong>dos</strong> emboabas se entusiasmando com o caudilho<br />

à frente, <strong>de</strong>scendo sobre Sabará e seguindo o Rio das Velhas acima, ver<br />

se expandiam os domínios da rebel<strong>de</strong> governança.<br />

Mas a primeira batalha <strong>de</strong> maior vulto teria acontecido quando<br />

Manuel Nunes Viana tentou que a região do Carmo se ren<strong>de</strong>sse a sua<br />

autorida<strong>de</strong> usurpada <strong>de</strong> governador. Ali era um reduto <strong>de</strong> resolutos<br />

paulistas. De sorte que, em resposta, mandaram uma banana ao<br />

caudilho Emboaba. Sentindo-se ofendido Viana mandou uma tropa<br />

para subjugar a região mas essa acabou vencida por Pedro Frazão <strong>de</strong><br />

Brito no Ribeirão do Carmo e em Guarapiranga.<br />

Em abril <strong>de</strong> 1709, como a coisa começava a ficar fora <strong>de</strong><br />

controle, o governador d. Fernando <strong>de</strong> Lencastre, resolveu vir a região<br />

tentar restabelecer a or<strong>de</strong>m. Manuel Nunes Viana foi ao seu encontro<br />

sondar a sua força. Como o governador não mostrou disposição, o<br />

caudilho simplesmente o mandou voltar pra casa e ele, humil<strong>de</strong>mente,<br />

obe<strong>de</strong>ceu. Governo até então não havia e governo continuou não<br />

havendo, pois os emboabas também não tinham forças para instalar<br />

um, conseguindo, no máximo, baixar umas nomeações <strong>de</strong> apadrinha<strong>dos</strong><br />

na área conquistada.<br />

Durante cerca <strong>de</strong> um ano o pessoal ficou enfezado, olhando uns<br />

para a cara <strong>dos</strong> outros e ninguém com coragem <strong>de</strong> assaltar os<br />

respectivos redutos. Esses eram mais ou menos bem <strong>de</strong>fini<strong>dos</strong>:<br />

emboabas em Caeté, nos morros do Ouro Preto e no Rio das Velhas e<br />

Paulistas em Sabará, no Ribeirão do Carmo e em Pitangui.<br />

A terceira e <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>ira batalha ocorreu mais ou menos no<br />

mesmo lugar do massacre da Traição e tomou ares <strong>de</strong> vingança. Por ali<br />

82


os Emboabas tinham construído um fortim para garantir sua vantagem<br />

militar à entrada das Minas, à partir <strong>de</strong> São Paulo. A 14 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong><br />

1709 uma tropa paulista chegou ao local com o firme propósito <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>volver a <strong>de</strong>sfeita. Tinha dois comandantes: Amador Bueno da Veiga e<br />

Luis Pedroso <strong>de</strong> Barros. Estes brigaram muito mais entre si do que com<br />

o <strong>de</strong>clarado inimigo. Resultado: embora estivessem em superiorida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

forças e houvessem levantado um competente cerco ao fortim<br />

emboaba, acabaram <strong>de</strong>sistindo do assalto final e voltaram para casa. 57<br />

Ao final as baixas <strong>de</strong> toda a famosa Guerra <strong>dos</strong> Emboabas <strong>de</strong>vem ter<br />

chegado, no máximo, a uma centena. Morria-se muito mais nos becos<br />

escuros <strong>dos</strong> arraiais mineiros, por on<strong>de</strong> passavam os mineradores<br />

portando na cinta cobiçadas bolsinhas <strong>de</strong> couro recheadas <strong>de</strong> pepitas.<br />

Mas a dita guerra, com certeza minou a ascendência <strong>dos</strong><br />

paulistas e contribuiu para que as minas <strong>de</strong>ixassem <strong>de</strong> ser “<strong>de</strong> Taubaté”<br />

e passassem a ser verda<strong>de</strong>iramente gerais.<br />

A história <strong>de</strong> rebeldia <strong>dos</strong> mineiros antigos é longa – atravessa<br />

praticamente todo o século XVIII - mas, felizmente não é muito<br />

sanguinária pois normalmente os conflitos não tardavam em acabar em<br />

algum recuo ou acordo. Certamente as <strong>de</strong>savenças pessoais ou entre<br />

famílias faziam muito mais vítimas, naqueles tempos <strong>de</strong> valentia em que<br />

o po<strong>de</strong>r do estado <strong>de</strong>pendia muito da fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> <strong>dos</strong> vassalos ricos e<br />

seus exércitos particulares. Consta que as primeiras <strong>de</strong>savenças<br />

colocaram paulistas contra taubateanos, levando para as minas as<br />

diferenças que durante muitos anos arranharam as gentes das <strong>vilas</strong> <strong>de</strong><br />

Taubaté e <strong>de</strong> São Paulo do Piratininga. Eram as brigas <strong>de</strong>correntes das<br />

repartições <strong>dos</strong> <strong>de</strong>scobertos quando os <strong>de</strong>scobridores, claro,<br />

procuravam favorecer vizinhos e parentes, normalmente to<strong>dos</strong><br />

membros da mesma ban<strong>de</strong>ira, oriunda <strong>de</strong> uma ou <strong>de</strong> outra vila. Mas<br />

esse conflito era surdo e nunca chegou a incomodar as autorida<strong>de</strong>s<br />

mesmo porque, naqueles tempos primevos nem autorida<strong>de</strong> por aqui<br />

havia. Assim, tirando a Guerra <strong>dos</strong> Emboabas, o primeiro conflito<br />

57 Na verda<strong>de</strong>, muito provavelmente, eles se retiraram frente à notícia <strong>de</strong> que uma<br />

gran<strong>de</strong> força <strong>de</strong> emboabas <strong>de</strong>scia da região do Ouro Preto, para socorrer os sitia<strong>dos</strong>.<br />

83


explícito <strong>de</strong> vulto que se tem notícia foi a revolta do povo <strong>de</strong> Sabará e<br />

do Rio Vermelho quando d. Brás da Silveira quis mudar a forma <strong>de</strong><br />

arrecadação das trinta arrobas <strong>de</strong> ouro acertadas como imposto a ser<br />

recolhido anualmente à Fazenda Real. Quando o governador foi<br />

participar a <strong>de</strong>terminação do rei, levou uma raivosa vaia <strong>dos</strong> sabarenses<br />

e teve que escapar, Rio das Velhas abaixo e se acoitar no arraial <strong>dos</strong><br />

Raposos. Mas o povo foi atrás, armado e irritado e d. Brás teve que<br />

escapar por uma janela e ir se escon<strong>de</strong>r no mato. Acabou que <strong>de</strong>sistiu<br />

da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> mudar o sistema <strong>de</strong> arrecadação e manteve a cobrança como<br />

até então estava acertado, fingindo que nada tinha acontecido e, assim,<br />

não tendo que punir ninguém e correr o risco <strong>de</strong> uma nova amotinação.<br />

A segunda rebeldia <strong>de</strong> que damos notícia aqui, aconteceu no<br />

ano seguinte em Ribeirão do Carmo. É que o pessoal andava<br />

minerando <strong>de</strong> forma um tanto irregular, explorando ouro sem respeitar<br />

as regras <strong>de</strong> uso das águas, como era exigido. Essa era uma questão vital<br />

pois era com a força das ditas cujas que os mineradores lavavam a terra<br />

à cata do raro metal. Alguém foi se queixar ao ouvidor <strong>de</strong> Vila Rica,<br />

Manuel da Costa <strong>Amorim</strong>. Acontece que havia um padre muito amigo<br />

do ouvidor que tinha ficado <strong>de</strong> fora da repartição daquelas datas<br />

auríferas. Ao ver o ouvidor envolvido naquela confusão o padre sentiu<br />

pintar uma chance <strong>de</strong> reverter a sua situação. Foi cochichar no ouvido<br />

do amigo e não <strong>de</strong>u outra. Este maquinou um plano imoral <strong>de</strong> fazer<br />

nova repartição em benefício do padre. Foram os dois inspecionar a<br />

região e só faltou o padre marcar os pedaços <strong>de</strong> terra que queria, na<br />

maior sem cerimônia. Os legítimos donos das datas já repartidas, ao<br />

perceber o acinte, puxaram os seus trabucos e puseram o ouvidor, o<br />

padre e o escrivão para correr. Mas a coisa, claro não parou aí, o<br />

ouvidor <strong>Amorim</strong> foi buscar socorro em Vila Rica. Ao saber da situação,<br />

o povo do Ribeirão do Carmo tomou as dores <strong>dos</strong> seus mineradores e<br />

chegou a ser montada uma barricada no adro da Igreja do Rosário. Mas<br />

no final o conflito acabou não ocorrendo e os rebel<strong>de</strong>s preferiram se<br />

dispersar, tomando rumo incerto. Apenas um <strong>dos</strong> lí<strong>de</strong>res – apelidado o<br />

Coira – resolveu ficar para ver o que acontecia. Coitado, sozinho,<br />

acabou preso e sentenciado à forca. Foi indultado, mas resultou<br />

emboscado pelo escrivão do ouvidor <strong>Amorim</strong>, que estava entre aqueles<br />

84


que os rebel<strong>de</strong>s botaram para correr. Depois o dito escrivão, num<br />

acesso <strong>de</strong> fúria <strong>de</strong>smedida caçou e matou mais meia dúzia <strong>dos</strong> rebel<strong>de</strong>s.<br />

Queria até mais, mas a notícia foi dar nos ouvi<strong>dos</strong> <strong>de</strong> Assumar que, não<br />

tolerando aquele tipo <strong>de</strong> coisa, mandou pren<strong>de</strong>r o ressentido escrivão,<br />

pondo fim à chacina.<br />

A próxima rebeldia <strong>de</strong> que damos notícia foi aquela <strong>de</strong> Pitangui<br />

com Domingos Bueno do Prado e seus sequazes se recusando a pagar<br />

os quintos e enfrentando os envia<strong>dos</strong> <strong>de</strong> Assumar. Houve bem uma<br />

dúzia <strong>de</strong> mortes.<br />

A quarta rebeldia que merece registro, foi um tanto mais séria.<br />

Falo da famosa rebelião <strong>de</strong> Vila Rica. Sua motivação teria sido a<br />

implantação das casas <strong>de</strong> fundição pelo con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Assumar em 1720. O<br />

povo se rebelou, forçou o ouvidor a fugir e <strong>de</strong>pois foi ao Ribeirão do<br />

Carmo afrontar o con<strong>de</strong> governador. A historia é sobejamente<br />

conhecida, mas um <strong>de</strong>talhe é interessante <strong>de</strong> se observar: os revoltosos<br />

eram em sua maioria portugueses e quem garantiu o con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Assumar<br />

foram antigos paulistas pioneiros <strong>dos</strong> <strong>de</strong>scobertos da virada do século.<br />

Assim teria se reacendido então velhos ressentimentos do tempo da<br />

Guerra <strong>dos</strong> Emboabas. Acabou que o con<strong>de</strong> pren<strong>de</strong>u os cabeças,<br />

executou Felipe <strong>dos</strong> Santos sumariamente e exilou Pascoal da Silva<br />

Guimarães e Sebastião da Veiga Cabral em Lisboa.<br />

E finalmente tem a trágica inconfidência mineira <strong>de</strong> 1789. Essa<br />

ocupou um livro inteiro <strong>de</strong>sta nossa trilogia.<br />

Mas foi no século seguinte, quer dizer em 1842, que teve lugar o<br />

maior movimento militar da história <strong>de</strong> Minas Gerais, que <strong>de</strong>ixou a<br />

Guerra <strong>dos</strong> Emboabas no chinelo. Falo da famosa Revolução Liberal<br />

que sacudiu a província numa onda <strong>de</strong> rebeldia sem prece<strong>de</strong>ntes,<br />

eletrizando as elites mineiras, dispostas a tais coisas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o princípio<br />

do século anterior. Foi um movimento curto mas muito intenso e<br />

corajoso que vale a pena acompanhar pelas minúcias da sua cronologia.<br />

Tudo começou com <strong>de</strong>sentendimentos e muito ressentimento<br />

entre liberais e conservadores em disputa calorosa pelo controle do<br />

gabinete do inexperiente imperador d. Pedro II que através <strong>de</strong> duas<br />

famigeradas leis acabou com a legalida<strong>de</strong> do processo eleitoral e cassou<br />

85


mandatos. Tamanha tirania do gabinete imperial agitou o país e levou<br />

os paulistas a pegarem em armas em 17 <strong>de</strong> maio e convidarem os<br />

mineiros a fazer o mesmo. Na província vizinha a revolta não passou <strong>de</strong><br />

um arroubo inconsistente facilmente vencido pelo general Caxias já a<br />

20 <strong>de</strong> junho em Venda Gran<strong>de</strong>, próximo a Sorocaba, reduto <strong>dos</strong><br />

rebel<strong>de</strong>s paulistas. Mas em Minas a coisa foi um pouco mais pesada.<br />

Começou no dia 10 <strong>de</strong> junho em Barbacena com o coronel <strong>José</strong><br />

Feliciano Pinto Coelho da Cunha (futuro barão <strong>de</strong> Cocais) e Teófilo<br />

Otoni à frente. Não havia exército, nem oficiais, nem armas, nem<br />

munição e nem dinheiro, mas sobrava valentia. De sorte que a turma<br />

seguiu em frente, reuniu a guarda nacional da cida<strong>de</strong>, repicou os sinos,<br />

<strong>de</strong>scarregou as garruchas <strong>de</strong> matar gambá numa salva <strong>de</strong> tiros, reuniu os<br />

quatro vereadores cassa<strong>dos</strong> da câmara <strong>de</strong> Barbacena e proclamou o<br />

coronel Feliciano presi<strong>de</strong>nte interino da província. A notícia da rebeldia<br />

se espalhou com rapi<strong>de</strong>z e uma semana <strong>de</strong>pois quase meta<strong>de</strong> das<br />

principais <strong>vilas</strong> da província já tinham a<strong>de</strong>rido ao movimento o que<br />

assustou <strong>de</strong> fato o presi<strong>de</strong>nte legal Bernardo Jacinto da Veiga em seu<br />

palácio <strong>de</strong> Ouro Preto. O passo seguinte <strong>de</strong>veria ser a tomada da capital<br />

e a realização <strong>de</strong> uma assembleia geral. Mas, a partir daí, já começou a<br />

haver <strong>de</strong>savenças entre os lí<strong>de</strong>res e nenhuma das duas coisas aconteceu.<br />

O que se seguiu foi uma série <strong>de</strong> batalhas heroicas e inúteis <strong>de</strong> norte a<br />

sul da província, que fizeram a glória e a ruína da ousadia liberal. Em 12<br />

<strong>de</strong> agosto o movimento estava quente mas já se aproximava do seu fim.<br />

Os insurgentes se agrupam entre Sabará e Santa Luzia com um<br />

contingente <strong>de</strong> 3.300 homens e o barão <strong>de</strong> Caxias ao seu encalço, com<br />

cerca <strong>de</strong> 2.500 solda<strong>dos</strong>, muito mais qualifica<strong>dos</strong> no mister das batalhas<br />

e ainda escora<strong>dos</strong> por quatro po<strong>de</strong>rosas peças <strong>de</strong> artilharia. O embate<br />

final aconteceu em 20 <strong>de</strong> agosto nas cercanias <strong>de</strong> Santa Luzia, durou<br />

seis horas e quase foi vencido pelos rebel<strong>de</strong>s. Teófilo Otoni se refugiou<br />

na Vila, houve uma tímida resistência final e ele acabou preso. No final,<br />

valeu enfim, a astúcia militar <strong>de</strong> Caxias, o que salvou o gabinete<br />

conservador <strong>de</strong> d. Pedro por uns poucos tempos e abriu ao general o<br />

título <strong>de</strong> duque, consolidado na subjugação <strong>dos</strong> Farroupilhas e na<br />

Guerra do Paraguai. Depois nem os próprios lí<strong>de</strong>res da revolta <strong>de</strong>ram<br />

86


muito importância ao episódio reconcilia<strong>dos</strong> com o imperador e<br />

agasalha<strong>dos</strong> novamente ao lado do po<strong>de</strong>r, sempre que possível. 58<br />

58 Mas Teófilo Otoni levaria uma certa mágoa para o túmulo pois nunca conseguiria<br />

que o imperador o nomeasse para o senado, a <strong>de</strong>speito das inúmeras tentativas que<br />

fez.<br />

87


As <strong>vilas</strong> e arraiais<br />

No século XVIII as <strong>vilas</strong> eram as principais células da<br />

or<strong>de</strong>nação urbana e administrativa pois nelas é que assistiam as<br />

autorida<strong>de</strong>s, distribuindo a justiça, punindo os criminosos e achacando<br />

o povo. Até a in<strong>de</strong>pendência, proclamada por d. Pedro I em 1822,<br />

apenas Mariana ostentava a condição <strong>de</strong> cida<strong>de</strong> em toda a vasta<br />

capitania das minas. Mas isso por ser se<strong>de</strong> <strong>de</strong> bispado e não tanto pela<br />

sua importância urbana e administrativa. Vila Rica viraria a Imperial<br />

Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ouro Preto, logo após a in<strong>de</strong>pendência. Mas no século<br />

antece<strong>de</strong>nte predominavam os arraiais que, mesmo quando serviam<br />

como “cabeças <strong>de</strong> julga<strong>dos</strong>” podiam ter câmaras, mas continuavam na<br />

condição estacionária <strong>de</strong> meros arraiais. Ascen<strong>de</strong>r à posição <strong>de</strong> vila era<br />

um gran<strong>de</strong> privilégio, mesmo porque, a essa condição se agregava a<br />

oferta <strong>de</strong> disputadíssimos empregos públicos. Claro que as diversas<br />

<strong>vilas</strong> tinham importância diferenciada <strong>de</strong> acordo com a posição da<br />

região geoeconômica em que estivessem localizadas. Um exercício<br />

interessante, que permite, <strong>de</strong> certa forma, aferir a importância<br />

econômica das <strong>vilas</strong> mineiras do setecentos é examinar os rendimentos<br />

das câmaras e sua capacida<strong>de</strong> em arrecadar seus tributos. 59 Como regra,<br />

as câmaras não arrecadavam impostos, o que estava reservado à Junta<br />

da Fazenda e às Intendências do Ouro. Mas podiam cobrar certas taxas<br />

para prover fun<strong>dos</strong> com que pu<strong>de</strong>ssem fazer frente às suas próprias<br />

<strong>de</strong>spesas, inclusive com obras públicas. A principal fonte <strong>de</strong><br />

arrecadação das câmaras provinha da aferição <strong>dos</strong> pesos e medidas,<br />

utiliza<strong>dos</strong> no comércio em geral. A segunda principal fonte <strong>de</strong> rendas<br />

provinha das taxas relativas ao abate <strong>de</strong> gado para abastecimento <strong>dos</strong><br />

açougues. Havia rendas secundárias, inclusive provenientes <strong>dos</strong> serviços<br />

<strong>de</strong> carceragem, já que cabia às câmaras administrar as ca<strong>de</strong>ias e cuidar<br />

da segurança pública. Também cabia a elas a gran<strong>de</strong> maioria das<br />

59 A comparação do rendimento global das diversas câmaras <strong>de</strong>ve ser feita com<br />

alguma restrição pois as fontes <strong>de</strong> arrecadação não eram exatamente as mesmas.<br />

88


atribuições <strong>de</strong> administração e obras públicas que hoje competem às<br />

prefeituras municipais, tais como conservar vias e pontes. Também<br />

havia a parte social e eram as câmaras que cuidavam da criação <strong>dos</strong><br />

expostos ou enjeita<strong>dos</strong>. 60<br />

As <strong>vilas</strong> eram constantemente achacadas pela Coroa que sempre<br />

recorria a elas em seus apertos financeiros ou para acudir emergências<br />

militares. Da<strong>dos</strong> a esse respeito po<strong>de</strong>m ser obti<strong>dos</strong> num relatório que a<br />

câmara <strong>de</strong> Mariana mandou ao viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Barbacena em 1792,<br />

precavendo-se <strong>de</strong> possíveis sequelas da suspensão do lançamento da<br />

<strong>de</strong>rrama, após o esmagamento do movimento da Inconfidência<br />

Mineira. Nesse relatório ficamos sabendo <strong>de</strong> inúmeros donativos feitos<br />

pelo povo <strong>de</strong> Mariana e Vila Rica, ao longo do tempo, aos mais<br />

diversos propósitos, sejam ou não <strong>de</strong> seu interesse direto.<br />

Por exemplo:<br />

30:000$000 para Antônio <strong>de</strong> Albuquerque enfrentar os franceses no Rio<br />

<strong>de</strong> Janeiro em 1712,<br />

8:864$000 para construção do palácio do governador e quartel em<br />

Mariana em 1718 e 1720,<br />

16:000$000 para a folha <strong>de</strong> or<strong>de</strong>na<strong>dos</strong> <strong>dos</strong> funcionários das fundições<br />

em 1721,<br />

80:000$000 para a campanha da Colônia do Sacramento e Montevidéu<br />

em 1722,<br />

600:000$000 para o casamento <strong>de</strong> d. Catarina em 1727,<br />

4:000$000 para a construção do quartel <strong>de</strong> Vila Rica,<br />

1:440$000 para a abertura da picada <strong>de</strong> Minas Novas,<br />

86:560$296 em 1800 para cobrir o déficit do tesouro português,<br />

252:000$000 em 1804 para fazer frente às <strong>de</strong>spesas da aliança militar<br />

contra Napoleão.<br />

É escandaloso saber que o povo <strong>de</strong> Vila Rica e Mariana teve que<br />

contribuir para cobrir déficits da malversação portuguesa e participar do<br />

financiamento da guerra contra a França, mas assim era. Chama especial<br />

60 Em geral os <strong>pobres</strong> bastar<strong>dos</strong> eram <strong>de</strong>ixa<strong>dos</strong> na porta da câmara on<strong>de</strong> ficavam à<br />

espera <strong>de</strong> serem recolhi<strong>dos</strong>, Por isso mesmo eram chama<strong>dos</strong> <strong>de</strong> “expostos”.<br />

89


atenção a fabulosa quantia doada para as <strong>de</strong>spesas do casamento da<br />

infanta portuguesa d. Catarina. Nada menos do que 600 contos <strong>de</strong> reis,<br />

o equivalente a 98 arrobas <strong>de</strong> ouro. Para se ter i<strong>de</strong>ia do significado <strong>de</strong>ssa<br />

quantia, basta lembrar que naquele ano <strong>de</strong> 1727 toda a arrecadação do<br />

quinto foi <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> 72 arrobas.<br />

Os casamentos reais eram, <strong>de</strong> fato, muito dispendiosos pois a<br />

Coroa tinha que pagar propinas a todo funcionário graduado para que<br />

ele pu<strong>de</strong>sse fazer frente as <strong>de</strong>spesas <strong>de</strong> sua representação nos festejos.<br />

Fazia parte das mesmas ordinariamente os “três dias <strong>de</strong> luminária”, quer<br />

dizer, da iluminação das sacadas das casas com copiosas cascatas <strong>de</strong><br />

velas. Sem esquecer os “Te Deum” e procissões, sempre a requerer<br />

condignas indumentárias daquelas garbosas autorida<strong>de</strong>s e belos jaezes<br />

das suas não menos garbosas cavalgaduras.<br />

As <strong>vilas</strong> <strong>de</strong> Mariana, Vila Rica e Sabará eram sempre as mais<br />

exigidas na passagem do chapéu do adjutório real. Claro, pois eram as<br />

mais opulentas, como mostra o quadro a seguir:<br />

RENDIMENTO DAS CÂMARAS<br />

CÂMARAS RENDIMENTOS<br />

JJR/ 1778 JJT/ 1777 TOTAL MÉDIA<br />

VILA RICA 5:950$536 4:619$200 10:569$736 5:284$868<br />

MARIANA 4:900$000 5:744$987 10:644$987 5:322$495<br />

SABARÁ 3:200$000 4:942$925 8:142$925 4:071$462<br />

VILA NOVA<br />

RAINHA 3:060$000 3:060$000<br />

PITANGUI 800$000 800$000<br />

JULGADO<br />

PARACATU 850$000 850$000<br />

SÃO JOÃO 2:640$000 2:772$600 5:412$600 2:706$300<br />

SÃO JOSÉ 2:160$000 2:160$000 4:320$000 2:160$000<br />

VILA<br />

PRINCIPE 2:877$200 2:659$800 5:537$000 2:768$500<br />

MINAS<br />

NOVAS 600$000 441$900 1:041$900 520$950<br />

Fontes: <strong>José</strong> Joaquim da Rocha (JJR) e <strong>José</strong> João Teixeira (JJT)<br />

90


Embora o quadro apresente da<strong>dos</strong> <strong>de</strong> apenas dois anos, ele é<br />

representativo da distribuição da riqueza em todo o século com<br />

significativa concentração nas Gerais e no Sabarabuçu. Mas as câmaras,<br />

especialmente na segunda meta<strong>de</strong> do século, não <strong>de</strong>viam ostentar maior<br />

conforto em suas contas pois à maior receita correspondia maior<br />

<strong>de</strong>spesa. Apesar <strong>dos</strong> salários pagos aos camaristas e seus servidores<br />

serem relativamente baixos, com certeza a maioria das câmaras era<br />

<strong>de</strong>ficitária, tal a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> serviços públicos que Sua Majesta<strong>de</strong><br />

passava espertamente para elas, sem qualquer contrapartida. Mas as<br />

doações extraordinárias, posto que frequentes, não eram propriamente<br />

assumidas pelos cofres das câmaras e sim feitas pelo povo que,<br />

supostamente, acorria com gran<strong>de</strong> entusiasmo para fazer frente às<br />

necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> seus ama<strong>dos</strong> soberanos.<br />

As câmaras, <strong>de</strong> certa forma, eram os baluartes da vida civil e o<br />

laço mais estreito entre o povo e a majesta<strong>de</strong>. Há até quem diga que a<br />

atuação <strong>de</strong>las na tradição colonial portuguesa estava garantida por uma<br />

boa <strong>dos</strong>e <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> e que elas assumiam com <strong>de</strong>dicação verda<strong>de</strong>ira o<br />

seu papel à frente do interesse público. De fato, não se po<strong>de</strong> negar que<br />

elas nunca <strong>de</strong>ixavam <strong>de</strong> reportar diretamente ao rei todas as aflições<br />

maiores ouvidas do povo e que, justiça seja feita, Sua majesta<strong>de</strong> nunca<br />

<strong>de</strong>ixava sem resposta. Normalmente não atendia, mas pelo menos<br />

mostrava atenção. Aliás, a Coroa sempre tinha preocupação com a<br />

autorida<strong>de</strong> das representações camaristas, mesmo porque era a ela que o<br />

rei recorria primeiro quando precisava serenar ânimos mais exalta<strong>dos</strong>.<br />

Uma portaria <strong>de</strong> Freire <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> <strong>de</strong> 1752, por exemplo, nos dá<br />

notícia do zelo daquele governador para com os sinais exteriores da<br />

autorida<strong>de</strong> das câmaras. Foi quando ele exigiu que os camaristas <strong>de</strong> Vila<br />

Rica tivessem mais <strong>de</strong>coro parlamentar e parassem <strong>de</strong> sair em cortejo<br />

para participar <strong>de</strong> solenida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> forma um tanto quanto <strong>de</strong>sleixada.<br />

Mandou que eles só saíssem com suas varas e capas e o estandarte da<br />

Câmara <strong>de</strong>vidamente emplumado, anunciando solenemente sua<br />

autorida<strong>de</strong> pelas ruas <strong>de</strong> Vila Rica. Na mesma ocasião <strong>de</strong>terminou que<br />

os senhores membros das honoríficas or<strong>de</strong>ns militares só participassem<br />

das procissões <strong>de</strong> Corpus Christie portando seus mantos característicos.<br />

91


É interessante observar que o cargo <strong>de</strong> membro das câmaras<br />

das <strong>vilas</strong> setecentistas era particularmente cobiçado não só pelo seu<br />

po<strong>de</strong>r mas especialmente pela sua autorida<strong>de</strong> extrínseca,<br />

pomposamente proclamada em toda solenida<strong>de</strong> pública. Nas missas<br />

solenes o vigário <strong>de</strong>via prestar honras especiais aos camaristas<br />

buscando-os e levando-os à porta da igreja ao término da cerimônia.<br />

Esse ritual era floreado rui<strong>dos</strong>amente pelo repicar festivo <strong>dos</strong> sinos.<br />

Nas solenida<strong>de</strong>s em que o governador estivesse presente eles tinham o<br />

privilégio <strong>de</strong> ocupar as tribunas à direita do mesmo.<br />

Enfim, as <strong>vilas</strong> daquele tempo <strong>de</strong>viam ser uma vistosa passarela,<br />

com grupos circunspetos cheios <strong>de</strong> galões e estandartes para baixo e<br />

para cima. Em ocasiões especiais <strong>de</strong>via haver até música e toque <strong>de</strong><br />

caixa. Certamente isso acontecia em toda a colônia e tem a ver com o<br />

caráter exterior típico do respeito português pela autorida<strong>de</strong>. Viria daí<br />

nossa compulsão carnavalesca?<br />

Os costumes antigos eram muito marca<strong>dos</strong> pelos ritos <strong>de</strong><br />

autorida<strong>de</strong>. Se as posturas públicas <strong>dos</strong> camaristas eram indispensáveis<br />

aos emblemas da dignida<strong>de</strong> do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>legado pelo rei, os ritos<br />

religiosos também o eram pelas graças emanadas do Senhor Deus, que<br />

legitimavam o próprio po<strong>de</strong>r do rei e que <strong>de</strong>veriam ser celebradas com<br />

pompa e solenida<strong>de</strong>. E aí tinha especial <strong>de</strong>staque as cerimônias <strong>dos</strong> “Te<br />

Deum”. Os Te Deum eram basicamente as cerimônias escoradas em<br />

cânticos entoa<strong>dos</strong> nas igrejas em ação <strong>de</strong> graça por algum gran<strong>de</strong><br />

acontecimento, geralmente <strong>de</strong> motivação política. O que os<br />

caracterizava era basicamente a recorrência à expressão latina que abria<br />

e sustentava a cantoria: “te Deum laudamus”. Era assim nos<br />

casamentos <strong>dos</strong> nobres, nos nascimentos, nas coroações. Havia <strong>de</strong> se<br />

agra<strong>de</strong>cer pelos triunfos <strong>dos</strong> po<strong>de</strong>rosos pois, afinal, todas as glórias<br />

provinham da glória maior <strong>de</strong> Deus. Havia os hinos mais tradicionais e<br />

conheci<strong>dos</strong> que se repetiam com certa regularida<strong>de</strong> nos júbilos<br />

menores. Mas nos gran<strong>de</strong>s eventos o cuidado era maior. As igrejas eram<br />

fartamente iluminadas com centenas <strong>de</strong> velas e o Te Deum era<br />

composto especialmente para a ocasião. Havia até licitação pública para<br />

92


encomendação do hino. A morte <strong>de</strong> Tira<strong>de</strong>ntes, por exemplo, mereceu<br />

magníficos Te Deum aqui e ali. Temos notícia que a Igreja do Carmo<br />

do Rio <strong>de</strong> Janeiro foi palco <strong>de</strong> esplêndida comemoração e estava<br />

iluminada com profusão <strong>de</strong> velas, coisa muito especial se lembrarmos<br />

que elas eram caríssimas no século XVIII, mesmo se constituindo em<br />

gênero <strong>de</strong> primeira necessida<strong>de</strong>, sem o que a proteção divina podia ficar<br />

ameaçada 61 . Em Vila Rica não foi diferente e foi entoado durante<br />

muitos dias um Te Deum composto sob encomenda para festejar o<br />

suplício <strong>de</strong> Tira<strong>de</strong>ntes e escolhido por licitação pública. Aberto o<br />

pregão a melhor proposta foi apresentada por Manuel Pereira, que no<br />

rito da arrematação teve sacramentado seu triunfo recebendo um ramo<br />

ver<strong>de</strong> das mãos do porteiro do pregão. Quer dizer, já aí começava o<br />

ritual. Compôs uma peça para três vozes, dois clarins, duas flautas,<br />

quatro rebecas e dois rabecões. Verda<strong>de</strong>ira orquestra para agra<strong>de</strong>cer a<br />

Deus a ajuda na <strong>de</strong>belação do horrendo crime <strong>de</strong> Joaquim <strong>José</strong> da Silva<br />

Xavier e seus parceiros. A câmara <strong>de</strong> Vila Rica <strong>de</strong>spen<strong>de</strong>u <strong>de</strong>zoito<br />

oitavas <strong>de</strong> ouro pela peça. Não sabemos da sua qualida<strong>de</strong> intrínseca,<br />

mas também a câmara não teve outra opção pois ninguém mais quis<br />

cobrir a proposta <strong>de</strong> Manuel Pereira e sua orquestra.<br />

As primeiras <strong>vilas</strong> mineiras e suas câmaras nasceram em 1711 e<br />

foi uma epopeia <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s conquistas, com uma suposta guerra civil<br />

bem no meio da história, como vimos. Os matos foram sendo<br />

venci<strong>dos</strong>, os rios transpostos, as terras rasgadas. Paus finca<strong>dos</strong> cobertos<br />

<strong>de</strong> palmeiras foram o arremedo do primeiro abrigo. Daí surgiram os<br />

arraiais, alguns conseguiram virar vila, mas a gran<strong>de</strong> maioria não<br />

conseguiu passar da condição primeva <strong>de</strong> arraial. Muitas povoações<br />

simplesmente sumiram, outros mantêm essa condição até hoje. É que<br />

Deus distribuiu a riqueza da terra <strong>de</strong> forma irregular e, assim, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />

princípio <strong>dos</strong> tempos, marcou o <strong>de</strong>stino das <strong>vilas</strong> <strong>ricas</strong> e das <strong>vilas</strong><br />

<strong>pobres</strong> do setecentos mineiro, tempo em que o povo era dado a achar<br />

que o Senhor tinha repartido a riqueza <strong>de</strong> forma inexorável e poucos<br />

61 Vi<strong>de</strong> o Apêndice.<br />

93


eram os meios para se mudar isso. E Ele foi especialmente generoso<br />

com o Ribeirão do Carmo, que pela abundância <strong>de</strong> ouro, foi fracionado<br />

preciosamente entre os primeiros mineradores e ali cresceram muitos<br />

<strong>dos</strong> primitivos arraiais que encabeçaram a conquista com seus caudilhos<br />

à frente, atuando como verda<strong>de</strong>iros senhores medievais. Assim também<br />

aconteceu com o Médio Rio das Velhas que, embora mais antigo do<br />

que a região <strong>de</strong> Mariana, teve seu crescimento urbano ocorrido <strong>de</strong><br />

forma mais lenta. Lá a conquista muito girou em torno do arraial <strong>de</strong><br />

Santo Antônio do Bom Retiro da Roça Gran<strong>de</strong>. É o tal arraial do Borba<br />

Gato, implantado à margem esquerda do Rio das Velhas, próximo a<br />

Sabará e tão antiga quanto. Era aí que o ban<strong>de</strong>irante vivia, a meio<br />

caminho entre o Sumidouro e Caeté, on<strong>de</strong> também tinha fazenda. Para<br />

Diogo <strong>de</strong> Vasconcelos esse não era propriamente o arraial do Borba e o<br />

fundador do Santo Antônio do Bom Retiro da Roça Gran<strong>de</strong> teria sido<br />

Francisco Rodrigues Penteado. Sabe-se, contudo, que foi o ban<strong>de</strong>irante<br />

paulista que doou o patrimônio da freguesia, em 1707; por isso a<br />

<strong>de</strong>nominação não é nem um pouco imprópria. Mas em mea<strong>dos</strong> do<br />

século a se<strong>de</strong> da freguesia foi transferida para Santa Luzia. O vigário<br />

resistiu a essa transferência durante vinte e cinco anos, mas <strong>de</strong>pois<br />

cansou, <strong>de</strong>sistiu e a transferência foi confirmada. É provável que Borba<br />

Gato morasse ali mas fosse a Sabará com frequência <strong>de</strong>spachar os<br />

encargos do seu alto cargo <strong>de</strong> Superinten<strong>de</strong>nte das Minas do Rio das<br />

Velhas.<br />

Santo Antônio do Bom Retiro da Roça Gran<strong>de</strong>, hoje é distrito<br />

<strong>de</strong> Sabará, postado na margem oposta do Rio das Velhas e sem nenhum<br />

traço remanescente da sua história.<br />

No Códice Matoso existe um documento datado <strong>de</strong> 1737,<br />

elaborado por dois reais matemáticos jesuítas que talvez se constitua no<br />

primeiro inventário das povoações mineiras da primeira meta<strong>de</strong> do<br />

século XVIII. Seguindo a tendência usual, muitas <strong>de</strong>las não<br />

prosperaram em nada e não passaram da sua condição inicial <strong>de</strong> meros<br />

postos <strong>de</strong> coleta <strong>de</strong> impostos, passagens <strong>de</strong> rios ou vendas e fazendas.<br />

Outras <strong>de</strong>ram origem a muitas das gran<strong>de</strong>s cida<strong>de</strong>s mineiras do nosso<br />

tempo. No inventário produzido pelos doutos religiosos, os lugarejos<br />

94


estão enfileira<strong>dos</strong>, mais ou menos na sequência do caminho antigo que<br />

os ligavam.<br />

O passeio começa na entrada da comarca <strong>de</strong> Vila Rica. Assim, o<br />

primeiro arraial das Minas Gerais citado é o do Suaçuí que vem a ser a<br />

atual cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Brás do Suaçuí. Depois vem o arraial das<br />

Congonhas, quer dizer nossa atual Congonhas do Campo. Aparecem<br />

ainda o arraial <strong>de</strong> Ouro Branco que, portanto, mantém sua<br />

<strong>de</strong>nominação original até os dias <strong>de</strong> hoje. Depois vem o arraial <strong>de</strong><br />

Soledad que, nos nossos dias, é distrito <strong>de</strong> Ouro Branco e tem o nome<br />

<strong>de</strong> Lobo Leite. Na sequência vem Vila Rica e mais uma série <strong>de</strong> arraiais<br />

que atualmente são distritos <strong>de</strong> Ouro Preto e ainda não conseguiram<br />

virar cida<strong>de</strong>: Lavras Novas, Cachoeira do Campo e São Bartolomeu.<br />

Dentre esses se <strong>de</strong>staca a gloriosa Cachoeira – local <strong>de</strong> veraneio <strong>dos</strong><br />

antigos governadores - que embora tenha uma população bem maior<br />

do que a <strong>de</strong> muitas se<strong>de</strong>s municipais mineiras atuais, continua distrito.<br />

Na região <strong>de</strong> Mariana o inventário das antigas povoações mineiras,<br />

confeccionado pelos religiosos <strong>de</strong> Santo Inácio, cita a própria, ou seja, a<br />

antiga Vila do Ribeirão do Carmo e os arraiais do Inficcionado – atual<br />

Santa Rita Durão -, Guarapiranga – atual Piranga – Catas Altas e mais<br />

to<strong>dos</strong> aqueles arraiais que atualmente são distritos <strong>de</strong> Mariana. Pela<br />

significativa concentração <strong>de</strong> arraiais, verificamos que, por volta da<br />

meta<strong>de</strong> do século XVIII, consoante sua gran<strong>de</strong> riqueza aurífera, a<br />

região do Ribeirão do Carmo era a mais <strong>de</strong>nsamente povoada da<br />

capitania, daí porque Mariana veio a ser a primeira capital, primeira<br />

cida<strong>de</strong> e primeiro bispado da capitania.<br />

Nas cercanias da vila <strong>de</strong> Caeté, o inventário <strong>dos</strong> padres, lista os<br />

arraiais <strong>de</strong> Santa Bárbara e Brumado. Este é hoje distrito com o nome<br />

<strong>de</strong> Brumal e está à margem da estrada que vai para a serra do Caraça.<br />

O inventário está agrupado em comarcas e assim, em<br />

continuação vem a vila <strong>de</strong> Sabará e os arraiais <strong>de</strong> Roça Gran<strong>de</strong> – já<br />

lembrado - e mais os arraiais <strong>de</strong> Raposos e Congonhas do Sabará. Esta<br />

vem a ser nossa atual Nova Lima. Aparece ainda, o arraial <strong>de</strong> Santa<br />

Luzia.<br />

Virando mais para oeste surge a vila <strong>de</strong> Pitangui, isolada no<br />

serrado, sem nenhum povoamento nas cercanias digno <strong>de</strong> ser arraial.<br />

95


Na direção da comarca do Serro do Frio aparecem o arraial do<br />

Milho Ver<strong>de</strong>, o arraial do Tijuco, a vila <strong>de</strong> N. S. do Bom Sucesso do<br />

Fanado , a Vila do Príncipe, o arraial <strong>de</strong> N. S. da Conceição, o arraial <strong>de</strong><br />

Córregos e o arraial do Morro <strong>de</strong> Gaspar Soares. Hoje Milho Ver<strong>de</strong><br />

ainda continua arraial, distrito <strong>de</strong> Diamantina, nossa antiga Tijuco. A<br />

vila do Fanado vem a ser a Minas Novas <strong>de</strong> hoje e a vila do Príncipe<br />

virou a ilustre cida<strong>de</strong> do Serro, como to<strong>dos</strong> sabem. O arraial <strong>de</strong> N. S. da<br />

Conceição é hoje nossa distinta cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Conceição do Mato Dentro.<br />

O arraial <strong>de</strong> Córregos continua arraial <strong>de</strong> Córregos, distrito <strong>de</strong><br />

Conceição e o arraial do Morro <strong>de</strong> Gaspar Soares virou a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Morro do Pilar.<br />

Seguindo ainda o critério <strong>de</strong> agrupamento por comarcas, na<br />

sequência nossos sábios jesuítas alinharam a comarca do Rio das Velhas<br />

e aí surgem o arraial da Itaverava, a vila <strong>de</strong> São <strong>José</strong>, a vila <strong>de</strong> São João<br />

<strong>de</strong>l Rei, o arraial <strong>de</strong> Aiuruoca e o arraial do Baependi. To<strong>dos</strong> hoje<br />

respeitáveis cida<strong>de</strong>s com a respeitabilida<strong>de</strong> extra <strong>de</strong> terem conserva<strong>dos</strong><br />

seus primitivos nomes.<br />

Enfim, como se observa, no princípio do segundo quarto do<br />

século XVIII, na capitania <strong>de</strong> Minas Gerais havia alguns arraiais e<br />

poucas <strong>vilas</strong> quais sejam: Vila Rica, vila do Ribeirão do Carmo, vila <strong>de</strong><br />

Pitangui, vila <strong>de</strong> São <strong>José</strong>, vila <strong>de</strong> São João <strong>de</strong>l Rei, vila <strong>de</strong> Caeté, vila do<br />

Príncipe, vila do Fanado e vila <strong>de</strong> Sabará.<br />

Um exercício interessante para acompanhar a evolução urbana<br />

do estado <strong>de</strong> Minas Gerais entre os séculos XVIII e XIX, seria<br />

comparar o inventário <strong>dos</strong> matemáticos jesuítas, feito em 1737 com um<br />

outro feito pelo padre Aires <strong>de</strong> Casal, ali por volta <strong>de</strong> 1815, ou seja,<br />

oitenta anos <strong>de</strong>pois. Então aparece um número significativo <strong>de</strong> novas<br />

<strong>vilas</strong>. Nessa época já temos guindadas a honrosa posição <strong>de</strong> vila, ou seja<br />

dotadas <strong>de</strong> câmara e pelourinho: a vila <strong>de</strong> Queluz - que viria a ser<br />

Conselheiro Lafaiete -, a vila <strong>de</strong> Barbacena, a vila <strong>de</strong> Tamanduá – atual<br />

Itapecerica -, a vila da Campanha da Princesa que <strong>de</strong>pois viria a per<strong>de</strong>r<br />

seu real apêndice. Tinham assumido também a condição <strong>de</strong> vila a este<br />

tempo: a vila <strong>de</strong> Baependi, a vila <strong>de</strong> São Carlos do Jacuí – hoje Cida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Jacuí e a vila <strong>de</strong> Paracatu.<br />

96


Exatos cem anos <strong>de</strong>pois <strong>dos</strong> padres Jesuítas, o general<br />

Raimundo <strong>José</strong> da Cunha Matos 62 , fez outro inventário, on<strong>de</strong><br />

constatamos que nos vinte anos seguintes ao inventário do padre Casal,<br />

a situação não tinha mudado, exceto em relação à capital Ouro Preto,<br />

que então já tinha virado cida<strong>de</strong>, se igualando ao privilégio da vizinha<br />

Mariana que já era cida<strong>de</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1745.<br />

Mas, nos quarenta anos subsequentes, o quadro urbano da<br />

província <strong>de</strong> Minas Gerais, mudou significativamente. Consultando a<br />

obra <strong>de</strong> <strong>José</strong> Joaquim da Silva <strong>de</strong> 1877 63 ficamos sabendo que já então,<br />

além <strong>de</strong> Mariana e Ouro Preto, a província <strong>de</strong> Minas contava com um<br />

número significativo <strong>de</strong> cida<strong>de</strong>s: Diamantina, São João <strong>de</strong>l Rei, Juiz <strong>de</strong><br />

Fora, Sabará, Serro do Frio, Pitangui, Campanha, Barbacena, Passos,<br />

Bagagem, Uberaba, Paracatu, Januária, Itabira do Mato Dentro, Santa<br />

Bárbara, Pouso Alegre, Formiga, Oliveira, Araxá, Caldas, Pomba, Minas<br />

Novas, Montes Claros das Formigas, Grão-Mogol, Araçuaí, Conceição<br />

do Mato Dentro, Tamanduá, São <strong>José</strong> <strong>de</strong>l Rei, São Sebastião do<br />

Paraíso, Baependi, Airuoca, Lavras do Funil, Caeté, Queluz, Ubá, São<br />

Paulo <strong>de</strong> Muriaé, Mar <strong>de</strong> Espanha, Leopoldina, Bonfim, Santa Luzia,<br />

Alfenas, Três Pontas, Jaguari, Boa Esperança, Turvo, Cristina, Itajubá,<br />

Pium-í, Piranga, Ponte Nova, Rio Novo, Rio Preto, Bom Sucesso, São<br />

João Batista, Viçosa <strong>de</strong> Santa Rita, Curvelo, Patrocínio, Rio Pardo e<br />

Prata. Nada Menos do que sessenta e uma cida<strong>de</strong>s. Havia ainda naquela<br />

época vária <strong>vilas</strong>, algumas das quais não evoluíram e outras até<br />

ultrapassaram núcleos que então já eram cida<strong>de</strong>. Falo <strong>de</strong> Brumado do<br />

Suaçui – hoje Entre Rios <strong>de</strong> Minas -, Campo Belo, Cataguases, Cabo<br />

Ver<strong>de</strong>, Santo Antônio do Monte, Santo Antônio <strong>dos</strong> Patos – hoje Patos<br />

<strong>de</strong> Minas -, Sete Lagoas, Prata, São <strong>José</strong> do Paraíso, Ouro Fino, Pedra<br />

<strong>dos</strong> Angicos, Pará, Abaeté, Pouso Alto, Jequitaí, Monte Alegre, São<br />

Francisco das Chagas do Campo Gran<strong>de</strong>, Carmo do Rio Claro,<br />

Guanhãs e Rio Doce.<br />

62 Corografia Histórica da Província <strong>de</strong> Minas Gerais, já citada.<br />

63 Tratado <strong>de</strong> Geografia Descritiva Especial da Província <strong>de</strong> Minas Gerais.<br />

97


Mas cida<strong>de</strong>s em profusão só mesmo no século vinte, quando<br />

muito arraial e vila ganhou o cobiçado status e mais o direito <strong>de</strong><br />

sustentar prefeitos e câmaras, muitas vezes sem terem a menor<br />

condição para tal. Hoje estão espalhadas pelo estado <strong>de</strong> Minas Gerais<br />

quase novecentas cida<strong>de</strong>s, recor<strong>de</strong> brasileiro absoluto.<br />

Claro que a dinâmica do crescimento urbano variou muito ao<br />

longo <strong>dos</strong> séculos, tocada <strong>de</strong> forma inconstante pelas peculiarida<strong>de</strong>s do<br />

ritmo do vigor econômico das regiões on<strong>de</strong> os arraiais e <strong>vilas</strong> foram<br />

assenta<strong>dos</strong>. Deus salpicou a terra <strong>de</strong> diferenças e assim também fez<br />

com as regiões e as oportunida<strong>de</strong>s que ofereciam ao labor <strong>dos</strong> homens.<br />

Na linha <strong>de</strong>ssas diferenças o Serro do Frio foi aquinhoado com variadas<br />

riquezas, mas não foi propriamente assim com as suas cercanias.<br />

Contudo, foi num sítio vizinho que Fernão Dias, finalmente, teria<br />

encontrado as turmalinas ver<strong>de</strong>s por volta <strong>de</strong> 1680, ocasião em que<br />

fundou o povoado da Itacambira <strong>de</strong>ixando nele seu cabo <strong>José</strong> <strong>de</strong><br />

Castilhos e uma pequena tropa, encarregada <strong>de</strong> proteger o distrito das<br />

esmeraldas. Em 1698 também por aqui andou outro minerador <strong>de</strong><br />

nome Miguel Domingues, tentando refazer o caminho. Mas quem<br />

começou mesmo a povoar a região foi o já nosso conhecido capitão<br />

Antônio Soares Ferreira que em 1702 veio em busca do ouro e foi<br />

também um <strong>dos</strong> povoadores do Serro e <strong>de</strong> Conceição.<br />

No século XVIII o arraial <strong>de</strong> Santo Antônio do Itacambira<br />

pertencia ao termo <strong>de</strong> Minas Novas e tinha cerca <strong>de</strong> 1600 habitantes.<br />

Depois passou a distrito <strong>de</strong> Grão Mogol. Em 1923 teve o nome<br />

simplificado para Itacambira e em 1962 virou município.<br />

Fernão Dias passou antes por Itamarandiba, mas estava com a<br />

cabeça muito voltada para as tais pedras ver<strong>de</strong>s e nem chegou a pensar<br />

em fundar um povoado. Na verda<strong>de</strong> é uma ingenuida<strong>de</strong> pensarmos que<br />

os ban<strong>de</strong>irantes iam plantando arraiais em todo lugar por on<strong>de</strong><br />

passavam. As ban<strong>de</strong>iras costumavam ter não mais do que cem pessoas<br />

e assim não sobrava gente que pu<strong>de</strong>sse ser distribuída pelos caminhos.<br />

Os povoa<strong>dos</strong> surgiam quando a comitiva precisava parar para plantar<br />

roças e repor os mantimentos, na ida e na volta. Mas é certo que vez ou<br />

outra alguém gostava <strong>de</strong> um lugar, <strong>de</strong>cidia ficar e com um par <strong>de</strong> índias<br />

98


e muita competência acabava povoando toda uma região. Os<br />

ban<strong>de</strong>irantes abriram os caminhos, mas quem povoou mesmo as minas<br />

gerais foram os mineradores e os sesmeiros.<br />

Cláudio Manuel da Costa, nos fundamentos históricos do<br />

poema Vila Rica, dá a passagem <strong>de</strong> Fernão Dias por Itamarandiba<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> já ter passado por Itacambira. Em sendo assim ele já estaria<br />

voltando para o Sumidouro. 64 Isso gerou a crença <strong>de</strong> que a lagoa do<br />

Vupabuçu fica na Serra Negra, junto à cabeceira do rio Itamarandiba.<br />

O povoado propriamente dito só surgiu em mea<strong>dos</strong> do século<br />

XVIII às margens do Ribeirão <strong>de</strong> São João. Nunca chegou a ser um<br />

centro minerador e o que garantiu mesmo o povoamento da região foi<br />

a bacia do rio Itamarandiba com seu farto elenco <strong>de</strong> rios e ribeirões que<br />

acabou atraindo agricultores e criadores. O povoamento se <strong>de</strong>u em<br />

torno da capela <strong>de</strong> São João Batista erigida por Faustino Pires Chaves<br />

por volta <strong>de</strong> 1770. O nome primitivo do arraial, como não po<strong>de</strong>ria<br />

<strong>de</strong>ixar se ser, era o do padroeiro.<br />

Devido a abundância <strong>de</strong> ferro nas serras da cercania, por volta<br />

<strong>de</strong> 1780 no arraial <strong>de</strong> São João chegaram a ser construídas algumas<br />

forjas para fundir o metal e fabricar ferramentas, prece<strong>de</strong>ndo assim a<br />

fundição do inten<strong>de</strong>nte Câmara no Morro <strong>de</strong> Gaspar Soares. Mas isso<br />

<strong>de</strong>ve ter durado pouco pois sabemos que em 1785 d. Maria I baixou<br />

uma carta régia proibindo ativida<strong>de</strong>s manufatureiras no Brasil. Assim, se<br />

as tais fundições sobreviveram a essa perversa <strong>de</strong>terminação, foi na<br />

clan<strong>de</strong>stinida<strong>de</strong>. Em 1862 o distrito se <strong>de</strong>smembrava <strong>de</strong> Minas Novas e<br />

virava vila e em 1923 trocava seu nome <strong>de</strong> São João para Itamarandiba,<br />

tomando o topônimo do generoso rio responsável pelo povoamento da<br />

região. Em 1871, virava cida<strong>de</strong>. O nome significa “pedras miúdas”, ou<br />

seja, cascalho. A cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> hoje ainda preserva alguns marcos do<br />

64 Diogo <strong>de</strong> Vasconcelos contesta Cláudio e acredita que Fernão Dias passou em<br />

Itamarandiba na ida e não na volta da sua viagem.<br />

99


passado, inclusive casarões e o próprio arranjo urbano que em essência,<br />

<strong>de</strong>ve ser o mesmo do século XVIII.<br />

A escassez <strong>de</strong> minas também alcançava os la<strong>dos</strong> <strong>de</strong> Minas<br />

Novas. É o antigo arraial do Fanado. A região on<strong>de</strong> está localizada, pela<br />

distância do centro administrativo <strong>de</strong> Vila Rica, foi tida como parte da<br />

capitania da Bahia até mea<strong>dos</strong> do século XVIII. Essa região, contudo, a<br />

exemplo do restante das minas gerais, foi conquistada pelos paulistas.<br />

Isso se <strong>de</strong>u ao redor <strong>de</strong> 1720 quando aqui veio dar Sebastião Leme do<br />

Prado e os seus agrega<strong>dos</strong>, buscando ouro no rio Fanado e seus regatos<br />

tributários. Gostou <strong>dos</strong> primeiros resulta<strong>dos</strong> e foi logo apregoando que<br />

tinha tido o bom sucesso <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrir novas minas. A notícia se<br />

espalhou rapidamente e o crescimento do arraial foi explosivo, fazendo<br />

com que, em apenas dois anos, o núcleo urbano inicial já chegasse a<br />

categoria <strong>de</strong> vila. O arraial passou então a ser a Vila do Bom Sucesso do<br />

Fanado <strong>de</strong> Minas Novas. O fundador tinha sido enviado àquela região<br />

por comissão do governador da capitania <strong>de</strong> Minas Gerais, mas achou<br />

que levaria mais vantagem se as suas minas ficassem sob mando da<br />

capitania da Bahia. Assim também pensavam uns primos <strong>de</strong> Sebastião<br />

Leme do Prado que tinham lavras na região <strong>de</strong> Itacambira. Era uma<br />

i<strong>de</strong>ia absurda já que o con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Assumar já tinha resolvido a questão da<br />

fixação <strong>dos</strong> limites <strong>de</strong> Minas e da Bahia. O que os Leme do Prado<br />

queriam mesmo é ter mais facilida<strong>de</strong>s para sonegar os quintos já que a<br />

capitania da Bahia não tinha nenhuma experiência em lidar com a<br />

refinada arte da sonegação. De sorte que os primos se uniram e<br />

procuraram o governador <strong>dos</strong> baianos levando a i<strong>de</strong>ia da incorporação.<br />

Este adorou a sugestão pois achou que aquele negócio <strong>de</strong> produzir ouro<br />

em seus domínios ia dar muito mais charme à sua administração. Mas o<br />

Conselho Ultramarino <strong>de</strong>sfez rapidamente essa tola vaida<strong>de</strong> mandando<br />

que a vila do Fanado fosse integrada à comarca do Serro, seu vizinho<br />

natural. E assim, Minas Novas nasceu mineira e assim permanece até<br />

hoje.<br />

Quem não tinha ouro acreditou no ferro, e havia muito <strong>de</strong>le no<br />

Morro <strong>de</strong> Gaspar Soares. Hoje o morro é o do Pilar, preferindo<br />

100


homenagear sua padroeira – Nossa Senhora do Pilar - do que<br />

homenagear um <strong>de</strong> seus fundadores. De fato uma <strong>de</strong> suas atrações são<br />

as festas religiosas, ainda comemoradas com a mais contrita <strong>de</strong>voção.<br />

Sua fundação, como não podia <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser, contou com a ajuda <strong>de</strong><br />

Antônio Soares Ferreira que junto com o próprio Gaspar Soares andou<br />

semeando arraiais por toda essa região no princípio do século XVIII,<br />

viabilizando um caminho <strong>de</strong> Sabará até as minas do norte da capitania.<br />

A primeira vocação do arraial foi realmente a exploração do ouro no<br />

fundo do Ribeirão do Picão e do Córrego do Cal<strong>de</strong>irão. Esgotadas as<br />

chances <strong>de</strong> cata do precioso metal o arraial mergulhou na mais<br />

lamentável penúria. Até que no princípio do século XIX instalou-se<br />

aqui, sob comando do inten<strong>de</strong>nte do distrito <strong>dos</strong> diamantes Manuel<br />

Ferreira da Câmara Bittencourt – o famoso inten<strong>de</strong>nte Câmara – uma<br />

usina <strong>de</strong> ferro. Funcionou <strong>de</strong> 1809 até 1830, quando fechou suas portas<br />

atirando o arraial numa condição <strong>de</strong> inviabilida<strong>de</strong> econômica que, <strong>de</strong><br />

certa forma, permanece até hoje. 65 Foi distrito <strong>de</strong> Conceição do Mato<br />

Dentro até 1953, quando adquiriu a condição <strong>de</strong> município. Em 1837<br />

contava com 1.800 habitantes. Hoje não passam <strong>de</strong> 3.000 almas<br />

<strong>de</strong>dicadas a pequenas ativida<strong>de</strong>s agropecuárias.<br />

O pouco patrimônio cultural que a cida<strong>de</strong> oferece atualmente<br />

está em ruínas ou muito <strong>de</strong>scaracterizado. Da antiga fábrica <strong>de</strong> ferro<br />

restam vestígios, em agonia final.<br />

Vale a pena falar um pouco mais da fábrica <strong>de</strong> ferro <strong>de</strong> Gaspar<br />

Soares, obra do pioneirismo do inten<strong>de</strong>nte Câmara. Ele assumiu a<br />

intendência do distrito <strong>dos</strong> diamantes do Tijuco em 1807 e logo no ano<br />

seguinte obteve autorização para investir uma parte das rendas <strong>dos</strong><br />

diamantes na empreitada <strong>de</strong> implantação das forjas <strong>de</strong> fundição <strong>de</strong> ferro<br />

do Morro <strong>de</strong> Gaspar Soares. Câmara tinha fama <strong>de</strong> inteligente e<br />

perspicaz e <strong>de</strong> fato quis aproveitar as abundantes jazidas da região. Mas<br />

infelizmente <strong>de</strong>scuidou-se <strong>de</strong> um <strong>de</strong>talhe crucial: precisava <strong>de</strong> muita<br />

água para funcionar as engenhocas mecânicas que auxiliavam nas<br />

65 Tenho notícias <strong>de</strong> que gran<strong>de</strong>s grupos econômicos preten<strong>de</strong>m retomar a exploração<br />

das minas <strong>de</strong> ferro da região.<br />

101


operações <strong>dos</strong> martelos e fornalhas e aquela região não era muito<br />

abundante <strong>de</strong>sse pródigo mineral. Resultado: a fundição tinha que parar<br />

na estação das secas e essa intermitência acabou por inviabilizar a<br />

ativida<strong>de</strong>, retardando a explosão do parque si<strong>de</strong>rúrgico mineiro por<br />

mais <strong>de</strong> um século. Mas foi ele o gran<strong>de</strong> precursor, homem <strong>de</strong> visão e<br />

sonhos. A fábrica operou <strong>de</strong> 1815 a 1831, cheia <strong>de</strong> altos e baixos.<br />

Concorreu para o fracasso também a falta <strong>de</strong> trabalhadores qualifica<strong>dos</strong>.<br />

Até que a Coroa recrutou uns prussianos e os mandou para ajudar o<br />

Inten<strong>de</strong>nte Câmara, mas quando esse os pôs a trabalhar percebeu que<br />

eles não entendiam nada do riscado.<br />

Os paulistas costumam contestar o pioneirismo <strong>de</strong> Câmara na<br />

produção <strong>de</strong> ferro no Brasil, atribuindo tal mérito à fábrica sorocabana<br />

<strong>de</strong> Ipanema, entregue à gestão <strong>de</strong> Fre<strong>de</strong>rico Guilherme <strong>de</strong> Varnhagen<br />

em 1808. 66 Mas parece que ele só teria conseguido produzir as primeiras<br />

barras <strong>de</strong> ferro em 1819. 67 Contudo, foi mais produtiva e regular,<br />

conseguindo operar até 1860. Mas, tudo indica, que por volta <strong>de</strong> 1828<br />

havia muitas pequenas fáb<strong>ricas</strong> <strong>de</strong> ferro na região do Morro <strong>de</strong> Gaspar<br />

Soares, Conceição do Serro e Itabira do Mato Dentro, inclusive a<br />

fábrica <strong>de</strong> Jean–Antoine Felix <strong>de</strong> Monleva<strong>de</strong>, o João Monleva<strong>de</strong> que<br />

atualmente é cida<strong>de</strong> do Vale do Aço. Pelo menos foi o que contou o<br />

66 Resultava ser ele pai do Varnhagem historiador que <strong>de</strong>dicou páginas e mais páginas<br />

da sua famosa história do Brasil para fazer crer que seu pai conseguiu produzir ferro<br />

antes <strong>de</strong> Câmara o que seduziu muito historiador paulista mas que, como dito, parece<br />

não ter sido verda<strong>de</strong>. Atesta isso o relato <strong>de</strong> Spix e Martius que na sua viagem pelo<br />

Brasil no princípio do século XIX passaram por Ipanema e Morro do Pilar e<br />

informam que a fábrica <strong>de</strong> Varnhagem não tinha ainda conseguido produzir ferro ao<br />

contrário da fábrica <strong>de</strong> Câmara que já tinha alcançado esse sucesso quando por lá<br />

passaram (1818).<br />

67 Segundo Hélio Vianna quem primeiro produziu ferro no Brasil foi o Barão <strong>de</strong><br />

Eschewege na usina “O Patriota”, estabelecida na região <strong>de</strong> Itabira do Campo. O<br />

produto porém não tinha qualida<strong>de</strong> comercial.<br />

102


irmão do Inten<strong>de</strong>nte Câmara numa memória que escreveu sobre o<br />

assunto. 68<br />

A antiga Conceição do Serro ostenta um passado glorioso. Aqui<br />

viveu por alguns anos o poeta Alphonsus <strong>de</strong> Guimarães, às voltas com<br />

seu precário cargo <strong>de</strong> juiz substituto e tendo que produzir um<br />

jornalzinho para escorar o orçamento familiar. O indigitado poeta não<br />

<strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> escrever versos <strong>de</strong> amor para a Conceição que o acolheu por<br />

alguns anos e cujo amanhecer envolto em brumas, comparou a uma<br />

sertaneja que <strong>de</strong>sperta aos poucos.<br />

O aci<strong>de</strong>nte geográfico mais marcante da região é o rio Santo<br />

Antônio que vai colhendo riachos outrora ricos em ouro e os leva para<br />

o rio Doce.<br />

Tal qual acontece nas imediações <strong>de</strong> Lagoa Santa aqui também é<br />

possível se encontrar algumas inscrições rupestres muito antigas,<br />

sugerindo que toda essa extensa região pu<strong>de</strong>sse ter tido alguma<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> cultural abrigando uma antiga tribo no alvorecer da história<br />

do homem da América. 69<br />

O povoador <strong>de</strong>ssa região foi o já conhecido coronel Antônio<br />

Soares Ferreira que também está ligado às histórias do Serro e <strong>de</strong><br />

Itacambira, como vimos à pouco. É que por volta <strong>de</strong> 1700 ele juntou<br />

uma turma em Sabará e a trouxe para explorar essa região. Até<br />

obtiveram relativo sucesso <strong>de</strong>scobrindo um pouco <strong>de</strong> ouro aqui e ali.<br />

Fazia parte do grupo Gabriel Ponce <strong>de</strong> Leon que teria sido o construtor<br />

da capelinha <strong>de</strong> Nossa Senhora da Conceição em torno da qual cresceu<br />

o povoado. Mas só conseguiu obter a condição <strong>de</strong> vila em 1840 e<br />

cida<strong>de</strong> em 1851.<br />

68 Falo <strong>de</strong> <strong>José</strong> <strong>de</strong> Sá Bitencourt Câmara que escreveu uma memória en<strong>de</strong>reçada a <strong>José</strong><br />

Bonifácio <strong>de</strong> Andrada e Silva, dando conta do gran<strong>de</strong> potencial mineral que ainda<br />

havia em Minas no primeiro quarto do século XIX.<br />

69 Sabe-se que essa região já era habitada pelo homem à cerca <strong>de</strong> 11.000 anos.<br />

103


Escassas minas também tinha a região <strong>de</strong> Pitangui, embora se<br />

tenha chegado a acreditar que lá o ouro po<strong>de</strong>ria ser colhido como se<br />

colhem batatas. Pelo menos foi o que contaram os primeiros moradores<br />

que até chamaram <strong>de</strong> Morro do Batatal a um promissor sítio aurífero na<br />

borda <strong>de</strong> Pitangui. O arraial foi erigido no lado esquerdo do rio Pará.<br />

Consta como seu fundador Domingos Rodrigues do Prado, em 1701. A<br />

região, porém, teria sido conquistada por Bartolomeu Bueno <strong>de</strong><br />

Siqueira em 1696 quando, partindo do arraial <strong>de</strong> Santana do Paraopeba,<br />

subiu ao norte na expectativa <strong>de</strong> topar com ouro, indo ter no rio<br />

Pitangui. Em 1715 o povoado já ganhava o honroso título <strong>de</strong> Vila Nova<br />

do Infante, passando a compor o seleto grupo <strong>de</strong> <strong>vilas</strong> com que os<br />

governadores <strong>de</strong> então contemplaram a família real, vale dizer, Vila<br />

Nova da Rainha e Vila do Príncipe (Serro).<br />

Parece que logo <strong>de</strong>pois da Guerra <strong>dos</strong> Emboabas, muitos<br />

paulistas resolveram escapar para Pitangui e fincar ali uma cida<strong>de</strong>la,<br />

receosos <strong>de</strong> que acabassem expulsos serra acima. Para lá foi gente<br />

muito mal-encarada, <strong>de</strong> que resultou a vila acabar se tornando um<br />

reduto <strong>de</strong> rebel<strong>de</strong>s, recalcitrantes aos ban<strong>dos</strong> do governo, como já<br />

<strong>de</strong>mos notícia. Entre esses aparece o próprio fundador e mais os irmãos<br />

Jerônimo e Valentim Pedroso <strong>de</strong> Barros que são exatamente aqueles<br />

que estavam à frente das confrontações <strong>de</strong> Caeté entre paulistas,<br />

baianos e reinóis e que <strong>de</strong>ram partida ao conflito <strong>dos</strong> emboabas.<br />

Formavam uma turma cheia <strong>de</strong> crimes sobre as costas, gran<strong>de</strong>s e<br />

pequenos: <strong>de</strong>s<strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s usurpações <strong>de</strong> posses até um ou outro<br />

homicídio. Lembro que sobre Domingos Rodrigues do Prado pesa<br />

inclusive a acusação <strong>de</strong> ter mandado matar o ilustre taubateano Carlos<br />

Pedroso da Silveira.<br />

Alguns potenta<strong>dos</strong> <strong>de</strong> Pitangui, com Domingos Prado à frente,<br />

infernizaram muito a vida do con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Assumar, até que o valente<br />

fidalgo, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> alguns anos sem que a vila se <strong>de</strong>sse ao incômodo <strong>de</strong><br />

recolher nenhuma arroba do quinto que <strong>de</strong>via à fazenda real, resolveu<br />

aplicar um corretivo naquela turma. Acabou que tiveram que fugir,<br />

passando a vila <strong>de</strong> Pitangui a uma fase mais tranquila e progressista.<br />

Mas antes disso, o povo <strong>de</strong>u muito trabalho a Assumar. Chegou a<br />

nomear um capitão-mor para a vila – Manoel Dias da Silva – e exigir<br />

104


que a câmara lhe <strong>de</strong>sse posse. O con<strong>de</strong> contra-atacou e mandou o<br />

ouvidor <strong>de</strong>stituir Silva e instalar Lobo <strong>de</strong> Macedo como regente da vila<br />

até regularizar a situação. Mas Macedo traiu a confiança do governador<br />

e ficou mais do lado do povo do que <strong>de</strong>le. Fez uma administração<br />

caótica o que obrigou Assumar a <strong>de</strong>miti-lo e, o que é mais irônico, sob<br />

protestos da gente <strong>de</strong> Pitangui que até estava gostando do jeito<br />

irresponsável do regente tocar a vila. Foi aí que o con<strong>de</strong> mandou uma<br />

tropa resoluta e espantou <strong>de</strong> vez aquele pessoal arruaceiro.<br />

Apesar do entusiasmo inicial com as promessas do Morro do<br />

Batatal o ouro sempre foi pouco. Tanto que a prometida contribuição<br />

da câmara <strong>de</strong> Pitangui para completar as arrobas <strong>de</strong> ouro ajustadas para<br />

pagamento do quinto, sempre foi a menor entre todas as comarcas.<br />

Mesmo assim, a turma sonegava.<br />

A <strong>de</strong>cadência foi rápida e em 1837 a vila contava com apenas<br />

1.000 habitantes, sendo uma das menores <strong>vilas</strong> mineiras daquele tempo,<br />

superada até por alguns <strong>dos</strong> arraiais que eram seus distritos. Mas<br />

mesmo assim, uma lei imperial <strong>de</strong> 1855 a elevaria a condição <strong>de</strong> cida<strong>de</strong>.<br />

A escassez das minas <strong>de</strong> Pitangui era extensa e contaminava os<br />

morros e riachos mais ao sul. E foi assim com a região do rio Ver<strong>de</strong>,<br />

com a vila <strong>de</strong> Campanha como cabeça. Sua origem se <strong>de</strong>ve à exploração<br />

das suas minas <strong>de</strong> ouro pouco generosas. Consta que, pelo menos até<br />

1737 essas minas ainda eram exploradas por aventureiros <strong>de</strong> forma um<br />

tanto <strong>de</strong>sorganizada o que dava margem a um extraordinário <strong>de</strong>svio <strong>dos</strong><br />

quintos. Foi ai que o ouvidor do Rio das Mortes partiu para a região<br />

para regularizar a situação e fundou o arraial que daria origem à cida<strong>de</strong>.<br />

O nome <strong>de</strong> batismo do arraial foi São Cipriano mas a <strong>de</strong>nominação não<br />

prosperou. Consta que em 1743 o governador <strong>de</strong> São Paulo tentou<br />

incorporar o arraial à sua capitania, nomeando um guarda-mor e<br />

mandando-o tomar posse do povoado. Isso ren<strong>de</strong>u pronta reação do<br />

ouvidor <strong>de</strong> São João <strong>de</strong>l Rei que expulsou o intruso. Nova tentativa foi<br />

feita quatro anos <strong>de</strong>pois quando o bispo <strong>de</strong> São Paulo mandou o<br />

vigário <strong>de</strong> Guaratinguetá tomar posse da paróquia. Desta vez foi o<br />

bispo <strong>de</strong> Mariana que reagiu restabelecendo sua jurisdição. Para botar<br />

certa or<strong>de</strong>m nessa confusão, em 1752 foi criada a freguesia <strong>de</strong> Santo<br />

105


Antônio da Campanha, parte inequívoca da capitania <strong>de</strong> Minas Gerais.<br />

O arraial só foi elevado a vila em 1798, mas em 1849 já era cida<strong>de</strong> e em<br />

1907 seria criado o bispado <strong>de</strong> Campanha. Aqui nasceu em 1846 <strong>José</strong><br />

Pedro Xavier da Veiga, o pai da memória mineira.<br />

Consta que por volta <strong>de</strong> 1870 a biblioteca da cida<strong>de</strong> já somava<br />

cerca <strong>de</strong> 2.500 volumes, sendo uma das maiores da província.<br />

Campanha contava então com três tipografias e jornais e uma escola<br />

normal, ou seja, era uma terra <strong>de</strong> gente letrada. Nesse tempo era uma<br />

das cida<strong>de</strong>s mais industrializadas da região, contando com uma<br />

fundição <strong>de</strong> ferro, uma fábrica <strong>de</strong> peças para máquinas e uma<br />

manufatura <strong>de</strong> chapéus, item requisitadíssimo da indumentária<br />

masculina até mea<strong>dos</strong> do século seguinte.<br />

Embora em <strong>dos</strong>es diferentes ouro havia em muitos lugares, nas<br />

mais diversas formas e dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> acesso e foi ele que instigou a<br />

ocupação <strong>dos</strong> quadrantes e o povoamento da terra, salpicada <strong>de</strong> arraiais,<br />

<strong>de</strong>pois <strong>vilas</strong> e cida<strong>de</strong>s. O diamante, ao contrário, foi distribuído com um<br />

pouco mais <strong>de</strong> avareza. Tijuco e Abaeté foram os únicos lugares<br />

escolhi<strong>dos</strong>. Pouco se fala sobre o distrito diamantífero do Abaeté,<br />

ofuscado que foi durante todo o século XVIII pela produção muito<br />

mais opulenta do distrito do Tijuco. Mas se aqui a produção era pouco<br />

expressiva, os diamantes eram muito mais preciosos. Volta e meia<br />

aparecia uma pedra especial que reanimava a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> uma exploração<br />

mais sistemática daqueles cascalhos incertos. Mas a região <strong>de</strong> Abaeté<br />

passaria à História tal qual se mostra hoje, ou seja, um lugar <strong>de</strong><br />

pequenos garimpos espalha<strong>dos</strong> ao longo do rio Abaeté e seus<br />

afluentes. 70<br />

O povoamento da região teve lugar por volta da meta<strong>de</strong> do<br />

século XVIII, aparecendo como seu primeiro povoador o obscuro sr.<br />

70 Parece que a exploração industrial do diamante do Abaeté vem tomando gran<strong>de</strong><br />

impulso nos dias <strong>de</strong> hoje, com tendência a se tornar uma gran<strong>de</strong> região produtora<br />

com base em tecnologia <strong>de</strong> ponta. É a mesma situação atual <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> ouro no<br />

estado <strong>de</strong> Minas Gerais, como veremos adiante.<br />

106


Manoel Moreira, secundado por <strong>José</strong> <strong>de</strong> Faria Pereira, Joaquim <strong>de</strong><br />

Oliveira e Tomé Rodrigues da Fonseca, não menos obscuros. Mas esses<br />

eram sesmeiros estabeleci<strong>dos</strong> na região e nunca foram propriamente<br />

mineradores.<br />

As possibilida<strong>de</strong>s diamantíferas <strong>dos</strong> rios Indaiá e Abaeté já eram<br />

conhecidas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> mea<strong>dos</strong> <strong>dos</strong> setecentos. Mas só em 1786, sendo<br />

Cunha Menezes o governador da capitania, é que partiu uma expedição<br />

<strong>de</strong> entendi<strong>dos</strong> do Tijuco para dar impulso à extração na região. Mas<br />

essa primeira tentativa não prosperou, dizem que <strong>de</strong>vido ao fato das<br />

condições ambientais dali serem muito diferentes das condições da<br />

região do Jequitinhonha, do que resultou um tanto inaplicável a<br />

experiência adquirida no “case” tijucano, mesmo naqueles tempos<br />

pragmáticos. Mas, pouco tempo <strong>de</strong>pois, a coisa voltou a interessar aos<br />

conselheiros da Coroa. É que no ano <strong>de</strong> 1791, em pleno mandato do<br />

viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Barbacena, os garimpeiros Manuel Assunção Ferraz<br />

Sarmento, Manuel Gomes Batista e João Vicente Pereira, encontraram<br />

no rio Abaeté junto à mina <strong>de</strong> Galena, um diamante extraordinário.<br />

Tinha ele 138 quilates e, pela avaliação oficial que sempre era feita por<br />

valores muito abaixo das cotações <strong>de</strong> mercado, <strong>de</strong>veria valer algo em<br />

torno <strong>de</strong> 15:000$000. 71 A pedra foi doada a Coroa, por sugestão do<br />

padre Anastácio Gonçalves Pimentel. 72 Anos mais tar<strong>de</strong>, o príncipe<br />

regente d. João VI, magnânimo como era, retribuiu aos <strong>de</strong>scobridores e<br />

coadjuvantes distribuindo nada menos do que 10:400$000 em prêmios.<br />

Além disso, arranjou emprego pra todo mundo. Ao padre que tinha<br />

71 Cunha Matos, com gran<strong>de</strong> exagero, noticiou que o diamante era o maior do mundo,<br />

tinha 1.680 quilates e valia 5,6 milhões <strong>de</strong> libra esterlinas. (Vi<strong>de</strong> bibliografia).<br />

72 Era <strong>de</strong> bom alvitre que os gran<strong>de</strong>s diamantes fossem simplesmente entregues à<br />

majesta<strong>de</strong> que, em troca, tinha por costume premiar os doadores. É o caso também <strong>de</strong><br />

Manuel Fernan<strong>de</strong>s Lopes que doou à Coroa um diamante <strong>de</strong> 73 quilates no valor <strong>de</strong><br />

8:000$000, recebendo como prêmio 1000 oitavas <strong>de</strong> ouro, quer dizer 1:500$000. A<br />

subavaliação do valor <strong>dos</strong> diamantes era uma esperteza do governo português, não só<br />

para pagar menos pelas pedras adquiridas como também para fazer acreditar que os<br />

prêmios que pagava aos abnega<strong>dos</strong> doadores eram muito próximos do valor real das<br />

gemas. Assim pensava convencer que não valia a pena extraviar diamantes para vendêlos<br />

nos merca<strong>dos</strong> da Europa.<br />

107


tido a i<strong>de</strong>ia da patriótica doação foi prometida a vigararia da vila <strong>de</strong><br />

Pitangui, assim que ela vagasse. 73 Teve aí início as tantas histórias que<br />

ouvimos por aqui <strong>de</strong> afortunadas <strong>de</strong>scobertas que não fizeram a fortuna<br />

<strong>dos</strong> seus <strong>de</strong>scobridores. No caso do achado que acabamos <strong>de</strong> contar,<br />

quem <strong>de</strong>scobriu mesmo a pedra foi um pobre escravo havido em<br />

socieda<strong>de</strong> pelos três garimpeiros. Ele continuou tão pobre como era<br />

antes, mas pelos menos ganhou a liberda<strong>de</strong>, juntamente com treze <strong>dos</strong><br />

seus companheiros que também garimpavam no Abaeté. Esse foi um<br />

<strong>dos</strong> quesitos <strong>de</strong>termina<strong>dos</strong> na carta régia da premiação.<br />

Aqui pelo Abaeté andou em 1789 o capitão da tropa paga <strong>de</strong><br />

Minas Maximiano <strong>de</strong> Oliveira Leite, com receio <strong>de</strong> ser preso como<br />

inconfi<strong>de</strong>nte. Ele era simpatizante <strong>de</strong> Tira<strong>de</strong>ntes e andou gostando do<br />

discurso do Alferes. Per<strong>de</strong>u seu posto <strong>de</strong> comandante da guarnição do<br />

Abaeté, responsável pela segurança <strong>dos</strong> garimpos, mas acabou se<br />

livrando da prisão. Mais tar<strong>de</strong>, como to<strong>dos</strong> os militares suspeitos, seu<br />

evi<strong>de</strong>nte envolvimento foi esquecido e em 1807 vamos encontrá-lo no<br />

alto posto <strong>de</strong> sargento mor da cavalaria <strong>de</strong> Vila Rica.<br />

No princípio, apesar da crise econômica em que estavam<br />

mergulha<strong>dos</strong> Brasil e Portugal, o reino não <strong>de</strong>u muita importância às<br />

minas do Abaeté e o povo podia minerar com uma certa liberda<strong>de</strong>,<br />

coisa que absolutamente não acontecia no Tijuco. Depois daquele<br />

sucesso casual <strong>de</strong> 1791 teve começo uma exploração mais<br />

entusiasmada, organizada pela Coroa com o emprego <strong>de</strong> duzentos<br />

trabalhadores. Mas o empreendimento também não prosperou e foi<br />

abandonado quatro anos <strong>de</strong>pois por ser julgado muito pouco ren<strong>dos</strong>o.<br />

Nova tentativa ocorreria em 1800, quando o governador Bernardo <strong>José</strong><br />

<strong>de</strong> Lorena encarregou o dr. <strong>José</strong> Vieira Couto – já nosso conhecido –<br />

73 Wal<strong>de</strong>mar <strong>de</strong> Almeida Barbosa conta uma história um pouco diferente (História <strong>de</strong><br />

Minas). Para ele, quem <strong>de</strong>scobriu o diamante foi Manuel Gomes Batista, que era sócio<br />

do pe. Anastácio Gonçalves Pimentel. Os dois acabaram brigando e Batista resultou<br />

preso por <strong>de</strong>núncia do padre que o acusou <strong>de</strong> querer escon<strong>de</strong>r a pedra e vendê-la,<br />

sonegando a parte <strong>de</strong> Sua Majesta<strong>de</strong>.<br />

108


<strong>de</strong> uma nova investida na tentativa <strong>de</strong> arrancar pedras daquelas minas<br />

teimosas. A primeira coisa que ele fez foi puxar o saco do governador<br />

rebatizando a região, chamando-a <strong>de</strong> Nova Lorena. O dr. Couto levou<br />

cerca <strong>de</strong> um mês para chegar ao Ribeirão da Galena, garimpou durante<br />

cerca <strong>de</strong> seis meses e andou achando uma ou outra pedra nos rios<br />

Abaeté e Indaiá e seus ribeiros. Em novembro <strong>de</strong> 1800, perante o<br />

governador e a junta da Fazenda <strong>de</strong> Vila Rica, exibiu o resultado do seu<br />

esforço. Encontrou setenta e cinco pedrinhas que somaram 97 quilates.<br />

O governador achou que o resultado, mais uma vez, não tinha<br />

compensado o esforço. Assim, no geral, o fracasso se repetiu e a Nova<br />

Lorena foi rapidamente esquecida. Mas a novela continuou ainda e em<br />

1808 haveria nova tentativa. Foi nomeado comandante da mesma o<br />

ilustre dr. Diogo Ribeiro Pereira <strong>de</strong> Vasconcelos que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sua<br />

misteriosa participação na inconfidência mineira, vinha trilhando<br />

brilhante carreira burocrática já tendo sido procurador da fazenda <strong>de</strong><br />

Sua Majesta<strong>de</strong>, tesoureiro vitalício da intendência do ouro e agora<br />

estava nomeado caixa da extração do Abaeté. Sua administração foi a<br />

mais <strong>de</strong>cepcionante <strong>de</strong> todas, durou pouco mais <strong>de</strong> um ano 74 e<br />

convenceu que à Fazenda Real não compensava se envolver naquele<br />

negócio <strong>de</strong> muita <strong>de</strong>spesa e pouca receita. Assim resolveu <strong>de</strong>sistir <strong>de</strong><br />

vez <strong>dos</strong> diamantes e <strong>de</strong>ixar a ativida<strong>de</strong> para pequenos catadores. Em<br />

resumo, no Abaeté nunca chegou a haver uma exploração em alta<br />

escala, como aconteceu em Diamantina. Já estavam instala<strong>dos</strong> os<br />

tempos <strong>de</strong> grossa penúria.<br />

A <strong>de</strong>marcação do distrito diamantífero do Abaeté, traçada no<br />

século XVIII, ligava o rio São Francisco ao rio Paranaíba e o rio<br />

Bambui ao rio Paracatu, com a serra da Mata da Corda no meio. Muita<br />

terra para pouca gema. Mas, mesmo assim, a Coroa não <strong>de</strong>sistia <strong>de</strong><br />

explorar as entranhas <strong>de</strong> Abaeté e até em 1815 temos notícia do barão<br />

74 Depois disso, parece que a Coroa ficou <strong>de</strong>cepcionada com o dr. Diogo e o nomeou<br />

juiz da comarca <strong>de</strong> São <strong>José</strong> na capitania do Rio <strong>de</strong> Janeiro, on<strong>de</strong> veio encerrar sua<br />

carreira <strong>de</strong> forma um tanto melancólica.<br />

109


<strong>de</strong> Eschewege, o famoso mineralogista alemão a serviço <strong>de</strong> Portugal,<br />

tentando viabilizar minas na região, <strong>de</strong>sta vez <strong>de</strong> cobre e outros metais<br />

menos nobres. Mais ou menos por essa época o engenheiro francês<br />

monsieur <strong>de</strong> Monleva<strong>de</strong> andou sondando a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> obter prata<br />

a partir do chumbo da Mina da Galena, mas isso nem passou da fase <strong>de</strong><br />

projeto.<br />

E assim eram as <strong>vilas</strong> e arraiais antigos <strong>de</strong> Minas Gerais,<br />

algumas <strong>ricas</strong> e outras <strong>pobres</strong>. Ao final do século XVIII já estava mais<br />

difícil distingui-las. Caminhavam para uma melancólica irmanda<strong>de</strong>, sem<br />

nenhum esplendor. Voltaremos a esse ponto no capítulo final.<br />

110


A or<strong>de</strong>m e a <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m<br />

O ser humano sempre gostou <strong>de</strong> aventuras. Compõe o escopo<br />

<strong>dos</strong> horizontes <strong>dos</strong> aventureiros uma certa visão romântica a respeito<br />

<strong>dos</strong> tesouros. Ten<strong>de</strong>mos a agregar ao fascínio <strong>dos</strong> tesouros a noção do<br />

direito a possuí-los e gastá-los como bem enten<strong>de</strong>mos pelo simples fato<br />

<strong>de</strong> os termos encontrado. Afinal, Deus nos conce<strong>de</strong>u o louvor <strong>de</strong><br />

termos chegado primeiro ao recôndito lugar on<strong>de</strong> estavam escondi<strong>dos</strong> e<br />

os trouxemos à luz. Mas os tesouros sempre pertenceram a alguém<br />

antes <strong>de</strong> os termos encontrado ou, antecipadamente, já mudavam <strong>de</strong><br />

dono mesmo antes <strong>de</strong> terem sido localiza<strong>dos</strong> por nós. Assim, claro,<br />

também era com o ouro que os primeiros mineradores localizavam no<br />

fundo <strong>dos</strong> riachos ou nos veios <strong>dos</strong> penhascos. O <strong>de</strong>scobridor tinha a<br />

honra <strong>de</strong> dar seu nome ao <strong>de</strong>scoberto e tinha privilégios na repartição<br />

das preciosas terras respingadas <strong>de</strong> metal, mas tinham que dividi-las<br />

com outros. A rigor todo o metal e as pedras preciosas <strong>de</strong>scobertos<br />

pertenciam à Coroa. Mas ela, em geral, se contentava com 20% (o<br />

quinto) do total <strong>de</strong>scoberto sem se dar ao trabalho e aos riscos da<br />

exploração que ficava entregue a terceiros.<br />

O processo funcionava mais ou menos assim: 75 o <strong>de</strong>scobridor<br />

participava o <strong>de</strong>scoberto ao guarda-mor que, por sua vez, <strong>de</strong>terminava<br />

ao escrivão das datas que fizesse e registrasse as repartições aos<br />

interessa<strong>dos</strong>, respeita<strong>dos</strong> certos critérios e, certamente, muito<br />

apadrinhamento. 76 A exploração mais racional da data <strong>de</strong>pendia <strong>de</strong><br />

recursos custosos como eram o escravo negro e as ferramentas <strong>de</strong><br />

ferro. Vai daí que muitos aventureiros aquinhoavam um pedaço <strong>de</strong><br />

terreno mineral promissor com o simples propósito <strong>de</strong> vendê-lo a<br />

75 O regimento mineral mudou várias vezes durante o ciclo do ouro, o mo<strong>de</strong>lo a que<br />

fazemos referência representa o que <strong>de</strong> mais comum foi praticado.<br />

76 Isso só acontecia se o <strong>de</strong>scoberto apresentasse um certo potencial. Caso a<br />

perspectiva <strong>de</strong> produção aurífera fosse pouco significativa a distribuição <strong>de</strong> datas nem<br />

acontecia e se instalava uma faisqueira meio que familiar. Mas o quinto tinha que ser<br />

pago do mesmo jeito. Nada <strong>de</strong> incentivos fiscais para os pequenos produtores.<br />

111


alguém mais abonado. Bastava o proprietário alegar que não tinha<br />

recursos para a exploração que lhe era permitido passar sua posse à<br />

frente. 77<br />

O <strong>de</strong>scoberto era dividido em datas medindo sessenta braças<br />

quadradas, ou seja perto <strong>de</strong> 4.400 m2. Como critério <strong>de</strong> posse do<br />

<strong>de</strong>scoberto seu <strong>de</strong>scobridor tinha direito a duas datas e sua Majesta<strong>de</strong><br />

tinha direito a uma data entre as melhores e que era levada a leilão pois<br />

a Coroa não tinha interesses mineradores. O restante era dividido entre<br />

os mineiros interessa<strong>dos</strong>, na base do sorteio. Certamente um critério<br />

muito justo, caso fosse conduzido com lisura. Disso, contudo<br />

duvidamos, naquele tempo em que o ultimo tribunal <strong>de</strong> apelação eram<br />

os ouvi<strong>dos</strong> do rei que, embora recebesse as queixas, só ouviam mesmo<br />

era o que seus áulicos lhe levavam. Fato é que muitas brigas ocorreram<br />

por conta das repartições, algumas repletas <strong>de</strong> violências com prisões,<br />

mortes e <strong>de</strong>missões <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>s régias por conta <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong> ou<br />

intriga.<br />

No princípio, o regimento das minas proibia as autorida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

minerar. Elas <strong>de</strong>viam viver <strong>de</strong> seus respectivos or<strong>de</strong>na<strong>dos</strong> e evitar<br />

conflitos <strong>de</strong> interesse. Mas <strong>de</strong>pois o rei estava tendo dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

pagar esses proventos e achou melhor suspendê-los e permitir que seus<br />

servidores tentassem a sorte lavrando as datas a que passaram a ter<br />

direito no ato das repartições <strong>dos</strong> <strong>de</strong>scobertos. Às vezes Sua Majesta<strong>de</strong>,<br />

como prêmio, até permitia que os servidores que tivessem se <strong>de</strong>stacado<br />

no real serviço, pu<strong>de</strong>ssem minerar e ainda manter os seus or<strong>de</strong>na<strong>dos</strong>.<br />

Foi o caso do governador Antônio <strong>de</strong> Albuquerque, aliás fiel e<br />

inestimável servidor do rei.<br />

Graças aos <strong>de</strong>poimentos toma<strong>dos</strong> pelo ouvidor <strong>de</strong> Vila Rica<br />

Caetano da Costa Matoso, 78 e muitas outras fontes <strong>de</strong> testemunhos<br />

oculares, hoje conhecemos uma gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobridores e<br />

donos <strong>de</strong> datas, muitos <strong>dos</strong> quais já mencionamos:<br />

77 Em certa época o número <strong>de</strong> escravo que um minerador possuía contava entre os<br />

critérios <strong>de</strong> concessão das datas.<br />

78 Enfeixa<strong>dos</strong> no Códice Matoso.<br />

112


Borba Gato no Rio das Velhas,<br />

Duarte Lopes no Guarapiranga,<br />

Antônio Rodrigues Arzão na Casa do Casca,<br />

João Lopes <strong>de</strong> Lima no Ribeirão do Carmo,<br />

Miguel <strong>de</strong> Almeida Cunha no Itaverava,<br />

Miguel Garcia no ribeirão que levou seu nome (Gualaxo do Sul),<br />

Antônio Pereira nas cabeceiras do Gualaxo do Norte,<br />

Sebastião Rodrigues da Gama no médio Gualaxo do Norte,<br />

Antônio Dias e Padre João <strong>de</strong> Faria Fialho no Ouro Preto e em seus<br />

respectivos ribeirões;<br />

Francisco Bueno da Silva no córrego Bueno, cercanias da atual Acuruí –<br />

Itabirito,<br />

Francisco Bueno <strong>de</strong> Camargo na barra do Guarapiranga,<br />

<strong>José</strong> <strong>de</strong> Camargo Pimentel no córrego Camargos e nas proximida<strong>de</strong>s do<br />

rio Piracicaba;<br />

João Pedroso no Brumado e no Sumidouro,<br />

Tomás Lopes <strong>de</strong> Camargos no Morro <strong>de</strong> São Sebastião, hoje Morro da<br />

Queimada;<br />

Bento Rodrigues, João <strong>de</strong> Resen<strong>de</strong> Fraga e o capitão João Favacho, no<br />

mesmo Morro, mais ao poente, cada um com sua respectiva data;<br />

Salvador <strong>de</strong> Faria Albernaz no Infeccionado, hoje Santa Rira Durão;<br />

Domingos Borges em Catas Altas;<br />

Antônio Bueno no ribeirão <strong>de</strong> Brumado, hoje Brumal e em Santa<br />

Bárbara;<br />

Pedro Camargos na região do Cuité, bacia do rio Doce;<br />

Bento Fernan<strong>de</strong>s Furtado no ribeirão do Bom Sucesso, cercanias <strong>de</strong><br />

Mariana;<br />

Salvador Fernan<strong>de</strong>s Furtado em São Caetano, perto <strong>de</strong> Mariana;<br />

João <strong>de</strong> Siqueira Afonso, no Sumidouro, distrito <strong>de</strong> Mariana, na Ponta<br />

do Morro - próximo a São <strong>José</strong> <strong>de</strong>l Rei e em Aiuruoca;<br />

Antônio Soares Ferreira, no Serro do Frio;<br />

Domingos Rodrigues da Fonseca, na região do Rio das Velhas;<br />

Leonardo Nar<strong>de</strong>s e os irmãos Antônio e João Leme da Guerra em<br />

Caeté.<br />

113


Notem que a maioria <strong>dos</strong> <strong>de</strong>scobertos e datas se situava nas<br />

cercanias <strong>de</strong> Mariana e Ouro Preto. Por isso é que as minas ali eram<br />

gerais e ali as <strong>vilas</strong> eram mais <strong>ricas</strong>.<br />

A or<strong>de</strong>nação das minas e <strong>dos</strong> <strong>de</strong>scobertos começou com Artur<br />

<strong>de</strong> Sá e Menezes. Foi ele o primeiro governador que botou os pés nas<br />

Minas <strong>de</strong> São Paulo. Até então aquelas cobiçadas paragens eram um<br />

rico antro <strong>de</strong> aventureiros sem lei, sem or<strong>de</strong>m e um tanto esqueci<strong>dos</strong> <strong>de</strong><br />

Deus. Mesmo porque, a palavra do Senhor tinha sido trazida por<br />

capelães <strong>de</strong> tropas sertanistas que em nada diferiam das suas ovelhas em<br />

termos <strong>de</strong> ambição e concupiscência. Assim que chegou, o governador<br />

tentou lançar um arremedo <strong>de</strong> administração que pu<strong>de</strong>sse garantir a<br />

efetiva posse da terra pela Coroa Portuguesa com um mínimo <strong>de</strong><br />

distribuição <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m e justiça e o máximo <strong>de</strong> retorno na coleta <strong>de</strong><br />

tributos. A primeira providência que tomou foi criar a<br />

Superintendência Geral, cuja atribuição principal era garantir a aplicação<br />

do regimento mineral, sem o que, a ativida<strong>de</strong> da mineração não<br />

conseguiria sair do caos. Entregou a empreitada ao <strong>de</strong>sembargador <strong>José</strong><br />

Vaz Pinto que teve que <strong>de</strong>ixar as comodida<strong>de</strong>s do Rio <strong>de</strong> Janeiro para<br />

se instalar nas frialda<strong>de</strong>s da serra do Ouro Preto. Antes <strong>de</strong>ssa tosca<br />

providência havia apenas os guardas-mores e seus escrivães, cuidando<br />

<strong>de</strong> regularizar a distribuição das datas para que os aventureiros<br />

pu<strong>de</strong>ssem minerar sem ter que se matar uns aos outras todas as manhãs<br />

quando a dura jornada começava e cada um se via compulsivamente<br />

atraído pela melhor produção da data do vizinho. Mas, a pressão <strong>dos</strong><br />

potenta<strong>dos</strong> escora<strong>dos</strong> em suas hordas armadas sobre o estado mínimo<br />

<strong>de</strong> or<strong>de</strong>m estabelecida por Artur <strong>de</strong> Sá, foi gran<strong>de</strong> e o primeiro<br />

superinten<strong>de</strong>nte geral não aguentou muito tempo e voltou para o Rio<br />

fugindo <strong>de</strong> uma meia dúzia <strong>de</strong> trabucos. Com sua saída, apenas três<br />

anos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter assumido, a superintendência passou para as mãos<br />

<strong>de</strong> Borba Gato, mas logo acabou sendo fragmentada e regionalizada e<br />

passou a concentrar como incumbência principal as questões legais<br />

envolvendo aqueles esquenta<strong>dos</strong> mineradores, sequiosos <strong>de</strong><br />

enriquecimento rápido, on<strong>de</strong> a lei era um entrave. Paralelamente foram<br />

114


cria<strong>dos</strong> os cargos <strong>de</strong> capitão mor cuja atribuição principal, naquela<br />

época, era cuidar da administração geral <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado distrito e<br />

comandar um regimento <strong>de</strong> milícias. Como militar <strong>de</strong> patente superior<br />

havia o mestre <strong>de</strong> campo que era o comandante <strong>de</strong> um terço <strong>de</strong> milícias,<br />

reunindo as forças do seu distrito. Essa estrutura precária subsistiu até<br />

os tempos <strong>de</strong> Antônio <strong>de</strong> Albuquerque que <strong>de</strong>u uma melhorada nas<br />

coisas criando as <strong>vilas</strong> e as comarcas e aí sim, implantado um estado<br />

português na versão colonial. Mas essa situação primitiva admitia as<br />

mais peculiares variações, pois uma das práticas mais utilizadas pela<br />

Coroa para premiar os súditos <strong>de</strong>dica<strong>dos</strong> aos seus serviços, era nomeálos<br />

para algum cargo público, quase sempre sem remuneração e sem<br />

atribuição muito bem <strong>de</strong>finida, mas sempre muito honroso. Assim é<br />

que Manuel da Borba Gato, entre muitos outros cargos <strong>de</strong> peso, acabou<br />

tenente-general, patente que ninguém mais teve a chance <strong>de</strong> usar, nem<br />

antes nem <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>le. O título era sonoro e garboso mas não lhe<br />

conferia nenhum <strong>de</strong>staque militar. De sorte que, quando o velho Borba<br />

era chamado para resolver alguma querela, tinha que se valer da sua fala<br />

grossa e da memória do terrível corretivo que aplicou em d. Rodrigo<br />

Castel Branco, nos tempos do Sumidouro. Mas ninguém se preocupava<br />

muito com a efetivida<strong>de</strong> do exercício <strong>de</strong> seus cargos. Salvador<br />

Fernan<strong>de</strong>s Furtado era Coronel das Milícias <strong>de</strong> Taubaté embora<br />

morasse no Ribeirão do Carmo. Garcia Rodrigues Velho também<br />

recebeu uma nomeação um tanto inócua. Foi feito capitão-mor do<br />

novo <strong>de</strong>scobrimento das esmeraldas. Era mais ou menos a mesma<br />

situação <strong>de</strong> Fernão Dias que, quarenta anos antes, também tinha sido<br />

nomeado para exercer jurisdição sobre algo que nem existia, pois o<br />

sonhado distrito das esmeraldas nunca foi efetivamente <strong>de</strong>scoberto.<br />

Mas medidas <strong>de</strong>ssa natureza tinham um certo sentido. Na verda<strong>de</strong> a<br />

nomeação <strong>de</strong> governadores ou capitães-mores para futuros <strong>de</strong>scobertos<br />

tinha por objetivo prover os chefes das expedições <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> plena<br />

para justiçar os indisciplina<strong>dos</strong> e resolver as controvérsias pois<br />

disciplina férrea era indispensável para o sucesso daquelas expedições<br />

cheias <strong>de</strong> aventureiros.<br />

115


Com a implantação das primeiras <strong>vilas</strong> e comarcas, a fase épica<br />

teve fim e a organização administrativa da região das minas passou a ser<br />

obra das câmaras, intendências, ouvidorias e quartéis. Era inclusive<br />

uma boa chance da Coroa arranjar emprego para a turma <strong>de</strong> Coimbra e<br />

para os <strong>de</strong>socupa<strong>dos</strong> da corte. A maioria <strong>dos</strong> pioneiros, no entanto, não<br />

ficou <strong>de</strong> fora da nova or<strong>de</strong>m. E nem podia ser diferente, não só pela<br />

autorida<strong>de</strong> natural daqueles homens, como também pela necessida<strong>de</strong> da<br />

Coroa <strong>de</strong> criar incentivo para que seus inquietos súditos <strong>de</strong> São Paulo<br />

continuassem cultivando seu talento natural para embrenhar nos matos,<br />

no meio do gentio bravo, em busca das preciosida<strong>de</strong>s da terra. E foi<br />

assim que as Minas Gerais foram se organizando para enfrentar um<br />

século cheio <strong>de</strong> glórias e riquezas, mas também pleno <strong>de</strong> lutas e<br />

misérias.<br />

As primeiras medidas administrativas que foram impostas na<br />

região das minas estavam voltadas exclusivamente para colocar uma<br />

certa or<strong>de</strong>m à ativida<strong>de</strong> mineradora. A autorida<strong>de</strong> máxima era o tal<br />

superinten<strong>de</strong>nte das minas que, como dito, governava contando com a<br />

ajuda <strong>de</strong> guardas-mores e escrivães das datas. Se precisasse usar a força<br />

tinha que contar com a ajuda <strong>dos</strong> compadres, pois não havia<br />

propriamente uma organização militar. Esse estado inicial começou a<br />

mudar <strong>de</strong>pois da Guerra <strong>dos</strong> Emboabas. A Coroa percebeu que o<br />

conflito tinha muito a ver com a tênue presença do estado naqueles<br />

ermos cheios <strong>de</strong> caudilhos e asseclas sem lei e sem alma. Foi aí que se<br />

<strong>de</strong>u a criação da capitania <strong>de</strong> São Paulo e suas Minas e instaladas as<br />

primeiras <strong>vilas</strong> do distrito minerador. Mas ao longo do restante do<br />

século a estrutura do estado foi basicamente a mesma, projetada à luz<br />

do absolutismo lusitano. Embora não <strong>de</strong>vesse ser assim, o po<strong>de</strong>r<br />

colonial era promíscuo e exercido basicamente por três entida<strong>de</strong>s que se<br />

misturavam: os governadores, os ouvidores e os camaristas e havia uma<br />

promíscua troca <strong>de</strong> favores entre eles. Os primeiros eram os<br />

representantes diretos da Coroa e administrativamente prestavam<br />

contas ao po<strong>de</strong>roso Ministério Ultramarino. Na época da Inconfidência<br />

Mineira vigorava a estrutura imposta pela reforma pombalina. Então o<br />

governador era o gerente geral da capitania e presidia duas entida<strong>de</strong>s<br />

116


auxiliares que eram a Junta da Fazenda e a Junta <strong>de</strong> Justiça, com<br />

jurisdição sobre toda a capitania. A primeira suce<strong>de</strong>u à antiga<br />

Provedoria da Fazenda que vigorou no tempo <strong>de</strong> d. João V. A junta<br />

contava com a participação do Inten<strong>de</strong>nte do Ouro que era também o<br />

procurador da fazenda, <strong>de</strong> um tesoureiro, <strong>de</strong> um escrivão e do Ouvidor<br />

<strong>de</strong> Vila Rica que era também o Juiz <strong>dos</strong> Feitos. A Junta <strong>de</strong> Justiça<br />

julgava certos feitos especiais e funcionava também como uma espécie<br />

<strong>de</strong> tribunal <strong>de</strong> apelação e contava com a participação <strong>dos</strong> ouvidores das<br />

comarcas, do provedor da fazenda e do Juiz <strong>de</strong> Fora <strong>de</strong> Mariana. Para lá<br />

eram remetidas as contestações das <strong>de</strong>cisões <strong>dos</strong> juízes das <strong>vilas</strong> e<br />

comarcas. Acima <strong>de</strong>ssa instância vinha o Tribunal da Relação do Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro e, finalmente, o Tribunal <strong>de</strong> Suplicação <strong>de</strong> Lisboa ou<br />

Desembargo do Paço. Quando julgado necessário eram instala<strong>dos</strong><br />

tribunais especiais como foi o caso Tribunal <strong>de</strong> Alçada criado para<br />

julgar a Inconfidência Mineira. A consciência <strong>de</strong> tudo era o código das<br />

Or<strong>de</strong>nações Filipinas. Era comum as câmaras enviarem representações<br />

e apelações diretamente a Sua Majesta<strong>de</strong>, quebrando a estrutura jurídica<br />

formal. Nenhum problema pois, afinal, o estado era o rei. O mais<br />

interessante é que o soberano geralmente não <strong>de</strong>ixava tais apelações<br />

sem respostas, algumas vezes até <strong>de</strong>cidindo a favor do povo. Mas o<br />

tráfego <strong>de</strong> influência existia e era pesado.<br />

A intendência do Ouro <strong>de</strong> Vila Rica centralizava a<br />

administração <strong>dos</strong> negócios fazendários e dispunha <strong>de</strong> vários<br />

servidores, incluindo oficiais, fiéis <strong>dos</strong> registros, escrivães das guias e<br />

guardas-mores. Estava sujeita à fiscalização da contadoria geral que<br />

dispunha <strong>de</strong> seis contadores, <strong>de</strong>z ajudantes, um porteiro, 79 um contínuo,<br />

um solicitador, um meirinho e um escrivão. Os registros, on<strong>de</strong> se<br />

coletavam os direitos <strong>de</strong> passagem e se fiscalizava a circulação do ouro<br />

e <strong>dos</strong> diamantes eram subordina<strong>dos</strong> às intendências e eram guarneci<strong>dos</strong><br />

79 O porteiro, na verda<strong>de</strong>, era o administrador <strong>dos</strong> serviços da respectiva repartição<br />

pública a que pertencia e que, naquele tempo, era chamada <strong>de</strong> “auditório”. Assim<br />

“porteiro <strong>de</strong> auditório” no século XVIII não era propriamente um coletor <strong>de</strong><br />

ingressos em casas <strong>de</strong> espetáculos .<br />

117


<strong>de</strong> pequeno contingente militar para garantir a atuação <strong>dos</strong> fiscais.<br />

Intendências com jurisdição regional havia nas <strong>vilas</strong> cabeças das<br />

comarcas, quer dizer Sabará, São João <strong>de</strong>l Rei e <strong>de</strong>mais. Elas foram<br />

criadas em 1736 para administrar o regime da captação criado para<br />

substituir a arrecadação do quinto através das casas <strong>de</strong> fundição.<br />

As câmaras eram compostas <strong>de</strong> dois juízes ordinários que se<br />

revezavam na presidência ou <strong>de</strong> um juiz <strong>de</strong> fora. Os primeiros não<br />

tinham qualquer formação jurídica, sendo recruta<strong>dos</strong> entre os cidadãos<br />

ilustres. Eram compostas ainda <strong>de</strong> três vereadores, um procurador e um<br />

escrivão. On<strong>de</strong> não havia ouvidor, o juiz <strong>de</strong> fora fazia as vezes <strong>de</strong><br />

provedor <strong>de</strong> <strong>de</strong>funtos e ausentes, capelas e resíduos. 80 Para ser membro<br />

das câmaras os vassalos tinham que ser “limpos <strong>de</strong> raça”, equivale dizer,<br />

cristãos velhos europeus e seus <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes. Novos cristãos, ou seja,<br />

ju<strong>de</strong>us converti<strong>dos</strong> ao cristianismo não eram bem-vin<strong>dos</strong>. 81 Havia ainda<br />

uma estrutura <strong>de</strong> apoio administrativo, com tabeliães, escrivães,<br />

meirinhos, etc. Ao contrário do que usualmente se pensa as câmaras<br />

não eram privativas das <strong>vilas</strong>. Também certos arraiais cabeças <strong>de</strong><br />

julga<strong>dos</strong> tinham as suas câmaras. Essas, porém, não tinham juízes<br />

toga<strong>dos</strong> e, portanto, não podiam <strong>de</strong>cidir certas contendas. Por isso não<br />

tinham direito <strong>de</strong> ostentar o ícone supremo da justiça e do po<strong>de</strong>r do<br />

estado monárquico português que era o pelourinho, privilégio<br />

reservado somente às <strong>vilas</strong>.<br />

Claro que <strong>de</strong>ntro da complexa or<strong>de</strong>m da organização colonial,<br />

havia hierarquia, posições <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e <strong>de</strong> prestígio. Tal qual hoje, uma<br />

80 Quer dizer, era uma espécie <strong>de</strong> curador <strong>de</strong> órfãos, irmanda<strong>de</strong>s, patrimônios e<br />

heranças.<br />

81 Muita gente, conhecendo a força do sionismo mo<strong>de</strong>rno, não consegue enten<strong>de</strong>r<br />

como pu<strong>de</strong>ssem existir “ju<strong>de</strong>us converti<strong>dos</strong> ao cristianismo” com tanta facilida<strong>de</strong>,<br />

como se tem notícia naquele tempo. A explicação é simples: é que então era<br />

inadmissível a existência <strong>de</strong> qualquer templo ou prática religiosa que não fosse a<br />

católica. Além disso, ainda havia resquício da Inquisição, mesmo no Brasil. A exceção<br />

eram os rituais africanos que os negros escravos teimavam em praticar e que<br />

repugnava os bons cristãos mas que eles tiveram que tolerar em seus terreiros. No<br />

fundo acho que os senhores <strong>de</strong> escravos sempre gostaram muito daqueles batuques<br />

interessantes.<br />

118


forma <strong>de</strong> avaliar o peso <strong>de</strong>ssas posições é através <strong>dos</strong> salários pagos ou<br />

<strong>dos</strong>, como se dizia com muita proprieda<strong>de</strong> até recentemente,<br />

“or<strong>de</strong>na<strong>dos</strong>”. Como não po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser, a melhor remuneração<br />

era a do governador que, como se dizia no século XVIII “vencia”<br />

4:800$000 reais/ano. Esses valores representavam o soldo que ele<br />

recebia como capitão general e era provisionado pela folha militar. Mas,<br />

além do soldo, Sua Excelência recebia propinas sobre os contratos <strong>de</strong><br />

entradas, dízimos e passagens <strong>dos</strong> rios que somavam cerca <strong>de</strong><br />

2:000$000. Ou seja, o governador recebia uma bela remuneração que<br />

hoje representaria algo como US$ 21.000,00 mensais. O segundo cargo<br />

mais bem remunerado era o <strong>de</strong> inten<strong>de</strong>nte do ouro <strong>de</strong> Vila Rica que,<br />

entre or<strong>de</strong>na<strong>dos</strong>, emolumentos e propinas <strong>de</strong> contratos percebia cerca<br />

<strong>de</strong> 3:800$000. Em seguida vinham ouvidor <strong>de</strong> Vila Rica com cerca <strong>de</strong><br />

3:400$000 e o po<strong>de</strong>roso inten<strong>de</strong>nte <strong>dos</strong> diamantes que abocanhava<br />

3:200$000 reais/ano. Os caixas ou diretores da extração <strong>dos</strong> diamantes<br />

recebiam em média 2:000$000 reais/ano. O bispo não ficava longe<br />

vencendo 2:300$000 reais/ano. Os cônegos do cabido <strong>de</strong> Mariana<br />

ganhavam o expressivo salário <strong>de</strong> 400$000 reais/ano.<br />

Os vencimentos lista<strong>dos</strong> acima são, na verda<strong>de</strong>, valores<br />

aproxima<strong>dos</strong> pois o que auferiam os ocupantes <strong>de</strong> cargos públicos era<br />

uma soma <strong>de</strong> rendas <strong>de</strong> fontes diversas e que podiam variar. Curioso<br />

observar que, para certos cargos chave para a arrecadação pública, havia<br />

uma espécie <strong>de</strong> política salarial, com parte <strong>dos</strong> rendimentos baseada na<br />

produtivida<strong>de</strong>. Por exemplo, o governador, o ouvidor <strong>de</strong> Vila Rica e o<br />

procurador da fazenda tinham parte <strong>dos</strong> seus salários provido pelos<br />

contratos das entradas, da extração <strong>dos</strong> diamantes, <strong>dos</strong> dízimos e <strong>dos</strong><br />

direitos <strong>de</strong> passagem <strong>dos</strong> rios.<br />

Também chama atenção o belo rendimento <strong>dos</strong> vigários, quer<br />

dizer, 200$000 reais/anos, fora as cobranças <strong>dos</strong> serviços paroquiais,<br />

indispensáveis naquele tempo e que eram uma prodigiosa fonte <strong>de</strong><br />

rendimento. 82 Para se ter i<strong>de</strong>ia, um vereador ganhava quase a meta<strong>de</strong> do<br />

82 Uma comunhão custava $300, uma encomendação custava 3$300. Missas, batiza<strong>dos</strong><br />

e festas que o paroquiano quisesse promover lhe custariam 4$800. Quando morria um<br />

119


que ganhava um vigário colado. 83 Era por tudo isso que os paroquianos<br />

eram chama<strong>dos</strong> <strong>de</strong> fregueses e tinha tanta gente querendo ser padre.<br />

Bela carreira para os <strong>de</strong>serda<strong>dos</strong> e pecadores em geral.<br />

Mas não só <strong>dos</strong> relevantes serviços presta<strong>dos</strong> por governadores,<br />

inten<strong>de</strong>ntes e ouvidores <strong>de</strong>pendia a Coroa para manter seus domínios<br />

sobre a capitania das riquezas minerais. Também <strong>de</strong>pendia da or<strong>de</strong>m e<br />

disposição das tropas <strong>de</strong> dragões e milicianos.<br />

A implantação da organização militar da capitania <strong>de</strong> Minas<br />

Gerais foi lenta e curiosa. Deveria começar em 1709, dando respaldo<br />

para Antônio <strong>de</strong> Albuquerque botar or<strong>de</strong>m na conturbada região. Foi<br />

então que o rei autorizou a instalação <strong>de</strong> um regimento <strong>de</strong> infantaria<br />

com quinhentos praças. 84 Mas como o governador havia conseguido<br />

pacificar as Minas só com a força da sua autorida<strong>de</strong>, o rei, sovina como<br />

costumava ser, adiou um pouquinho a implementação da resolução. De<br />

sorte que em 1712 é que se implantou a primeira unida<strong>de</strong> militar<br />

mineira. Tratava-se <strong>de</strong> uma companhia ou terço <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nanças sem<br />

muito traquejo militar, armada com os velhos trabucos <strong>de</strong> caça <strong>dos</strong><br />

próprios milicianos. O comando geral foi dado ao ex guarda-mor geral<br />

Domingos da Silva Bueno, com a patente <strong>de</strong> mestre <strong>de</strong> campo. Só em<br />

1719 é que foram efetivamente criadas tropas com formação militar. Na<br />

verda<strong>de</strong> duas diminutas “companhias <strong>de</strong> cavalo” com apenas trinta<br />

integrantes, mais tar<strong>de</strong> elevada para um contingente total <strong>de</strong> sessenta<br />

cavaleiros, cada uma. Os coman<strong>dos</strong> foram entregues a capitães,<br />

militares <strong>de</strong> carreira, <strong>de</strong>vidamente prepara<strong>dos</strong> que chegaram à vila do<br />

pie<strong>dos</strong>o abastado, era comum ele fazer constar no seu testamento a obrigação <strong>dos</strong><br />

her<strong>de</strong>iros mandarem rezar até quatro mil missas pelo <strong>de</strong>scanso da sua alma.<br />

83 A rigor os camaristas daquele tempo nem chegavam a ser remunera<strong>dos</strong> pelos seus<br />

serviços pois o que eles recebiam eram propinas <strong>de</strong>stinadas a ajuda <strong>de</strong> custo pelas<br />

<strong>de</strong>spesas <strong>de</strong> representação em ofícios religiosos e celebrações reais.<br />

84 Os paulistas foram impedi<strong>dos</strong> <strong>de</strong> fazer parte <strong>de</strong>sse contingente pois a Coroa temia<br />

que com os armamentos que lhes seriam forneci<strong>dos</strong> pu<strong>de</strong>ssem eles se meter em<br />

<strong>de</strong>sor<strong>de</strong>ns e motins.<br />

120


Ribeirão do Carmo no final daquele ano, <strong>de</strong>vidamente guarneci<strong>dos</strong> <strong>de</strong><br />

cavalos e armamentos <strong>de</strong> combate. Foi com parte <strong>de</strong>sse efetivo mais o<br />

apoio <strong>de</strong>cidido <strong>dos</strong> velhos paulistas <strong>de</strong> Mariana que o con<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Assumar puniu muita <strong>de</strong>sobediência, inclusive a Rebelião <strong>de</strong> Vila Rica,<br />

quando, antes <strong>de</strong> usar a força, engabelou os revoltosos com certas falsas<br />

promessas. Augusto <strong>de</strong> Lima Júnior 85 conta que a instalação daquelas<br />

duas companhias <strong>de</strong> cavalaria no Ribeirão do Carmo trouxe enorme<br />

transtorno para a população pois, como não havia quartel, os<br />

moradores tiveram que hospedar os militares em suas casas, com cavalo<br />

e tudo. E o que é pior: tiveram que alimentar ambos, sob promessa <strong>de</strong><br />

ressarcimento da <strong>de</strong>spesa por parte da câmara da vila, se Deus quisesse<br />

um dia. Também tiveram que engolir um ou outro pequeno estupro no<br />

quartinho <strong>dos</strong> fun<strong>dos</strong>. Quer dizer, o povo acabou achando que no<br />

tempo da Guerra <strong>dos</strong> Emboabas a vida era muito mais segura. Essa<br />

promiscuida<strong>de</strong> durou até 1726 quando foram construí<strong>dos</strong> os quartéis <strong>de</strong><br />

Vila Rica e do Ribeirão do Carmo e a população pô<strong>de</strong> se ver livre<br />

daquele incômodo <strong>de</strong> botas. Mas quem pagou a construção <strong>dos</strong> quartéis<br />

foi mesmo o povo. Até <strong>de</strong>ve ter achado que o investimento<br />

compensou.<br />

No ano <strong>de</strong> 1733 o con<strong>de</strong> das Galveias foi incumbido <strong>de</strong> instalar<br />

uma terceira companhia <strong>de</strong> cavalaria. Esta condição durou apenas seis<br />

anos, quando então foi extinta uma das companhias e criado o famoso<br />

Regimento <strong>dos</strong> Dragões propriamente dito.<br />

Em 1764 foi criada a primeira turma <strong>de</strong> infantaria, <strong>de</strong>stacada<br />

para formar a guarda do Tijuco, com oitenta integrantes. Em 1757<br />

houve um incremento no efetivo da cavalaria com inserção <strong>de</strong> uma<br />

nova companhia estacionada em Minas Novas que até então fazia parte<br />

da capitania da Bahia.<br />

A cavalaria sempre foi a tropa <strong>de</strong> elite e havia certo <strong>de</strong>sprezo<br />

pela infantaria, então chamada <strong>de</strong> companhia <strong>de</strong> pe<strong>de</strong>stres, composta<br />

normalmente por par<strong>dos</strong> e pretos marchando <strong>de</strong>scalços. Artilharia nem<br />

pensar. Só na revolução liberal <strong>de</strong> 1842 é que tivemos notícia do uso <strong>de</strong><br />

85 Crônica Militar.<br />

121


canhões na província <strong>de</strong> Minas, na famosa Batalha <strong>de</strong> Santa Luzia<br />

quando os bravos parciais <strong>de</strong> Teófilo Otoni tiveram que enfrentar uma<br />

“fogo <strong>de</strong> boca” do futuro duque <strong>de</strong> Caxias.<br />

Só no governo <strong>de</strong> d. Antônio <strong>de</strong> Noronha, já em 1775 é que foi<br />

efetivamente consolidada uma verda<strong>de</strong>ira força militar na capitania,<br />

com cavalaria, infantaria, comando centralizado, a<strong>de</strong>stramento<br />

sistemático, quartel e tudo o mais. Na verda<strong>de</strong> essa medida fazia parte<br />

<strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> reestruturação da organização militar portuguesa,<br />

encomendada pelo marquês <strong>de</strong> Pombal ao con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Lippe. Foi aí que<br />

Tira<strong>de</strong>ntes se incorporou à tropa, já na condição <strong>de</strong> alferes.<br />

Com o título <strong>de</strong> capitão-general o governador era a autorida<strong>de</strong><br />

militar máxima com po<strong>de</strong>res para nomear ou indicar as <strong>de</strong>mais patentes<br />

militares, ainda que sujeitas a ratificação superior. O comandante<br />

efetivo das forças militares regulares ostentava a patente <strong>de</strong> tenentecoronel.<br />

Mas, além da tropa regular, profissional e remunerada havia<br />

duas outras colunas sustentando a estrutura militar da capitania <strong>de</strong><br />

Minas Gerais naqueles tempos. Uma <strong>de</strong>las era composta <strong>dos</strong> milicianos<br />

ou or<strong>de</strong>nanças, formando tanto na cavalaria quanto na infantaria. O<br />

comandante supremo <strong>de</strong>ssas forças era o capitão-mor. No princípio<br />

seus oficiais eram eleitos. Mas houve tantos <strong>de</strong>sman<strong>dos</strong> nessas eleições<br />

que a Coroa <strong>de</strong>terminou que o capitão-mor passasse a nomear os<br />

membros da oficialida<strong>de</strong> <strong>dos</strong> or<strong>de</strong>nanças sendo esse, por sua vez,<br />

nomeado pelo governador. Havia forte componente <strong>de</strong> discriminação<br />

social nesses contingentes e a marca que os distinguia era a suposta raça<br />

ou cor da pele. Assim havia milícias <strong>de</strong> par<strong>dos</strong>, <strong>de</strong> pretos e <strong>de</strong> brancos.<br />

Durante um certo tempo chegou a haver até mesmo as milícias “da<br />

nobreza”. Não é difícil imaginar qual seria a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> preferência na<br />

linha <strong>de</strong> fogo, num assalto frontal contra o inimigo.<br />

Mais tar<strong>de</strong>, em 1766, foram cria<strong>dos</strong> os regimentos auxiliares,<br />

assumindo a função <strong>dos</strong> or<strong>de</strong>nanças, <strong>de</strong> servirem <strong>de</strong> contingentes<br />

reserva<strong>dos</strong> para as ameaças <strong>de</strong> guerra. Esses contingentes eram<br />

sustenta<strong>dos</strong> pelos potenta<strong>dos</strong> <strong>de</strong> cada vila ou freguesia que assumiam<br />

esse encargo pela honra <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r ostentar o cobiçadíssimo título <strong>de</strong><br />

coronel. Não havia fazen<strong>de</strong>iro ou comerciante abastado que não<br />

122


quisesse agregar a patente adiante do prenome. Parece que ela era<br />

vendida irregularmente pelos governadores o que levou a Coroa a coibir<br />

a prática e reduzir o número <strong>de</strong> regimentos que, pelos interesses<br />

pecuniários do governador, haviam proliferado extraordinariamente.<br />

Com a criação <strong>de</strong>sses regimentos, os or<strong>de</strong>nanças passaram a atuar<br />

apenas como braço armado das câmaras, em nome das quais, exerciam<br />

o direito <strong>de</strong> polícia, garantido a or<strong>de</strong>m pública, trancafiando arruaceiros<br />

e valentões contumazes.<br />

Foram os regimentos <strong>de</strong> auxiliares que <strong>de</strong>ram origem à guarda<br />

nacional e aos coronéis do tempo do império e da república velha.<br />

Claro que todas as forças militares auxiliares, no geral, estavam<br />

sujeitas ao comando das forças regulares, quer dizer ao tenente-coronel<br />

da cavalaria e, acima <strong>de</strong>le, ao capitão-general governador da capitania.<br />

Também as ativida<strong>de</strong>s, digamos, “técnicas” das forças auxiliares<br />

ficavam a cargo <strong>de</strong> militares profissionais remunera<strong>dos</strong> pela Coroa. Era<br />

o caso <strong>dos</strong> instrutores do a<strong>de</strong>stramento militar e <strong>dos</strong> músicos das<br />

bandas. Enfim, as tropas <strong>de</strong> auxiliares não chegavam a ser puramente<br />

alegó<strong>ricas</strong>, embora o que mais atraísse os voluntários fossem os vistosos<br />

uniformes, a chance <strong>de</strong> ostentar os títulos das patentes do dia-a-dia civil<br />

e, principalmente, os <strong>de</strong>sfiles militares. Mas, com exceção da marcha<br />

forçada <strong>de</strong> Antônio <strong>de</strong> Albuquerque contra os piratas franceses que<br />

haviam tomado o Rio <strong>de</strong> Janeiro em 1712 e do <strong>de</strong>slocamento <strong>de</strong> tropas<br />

para enfrentar uma nova ameaça <strong>dos</strong> espanhóis na Colônia do<br />

Sacramento algumas décadas <strong>de</strong>pois, as forças auxiliares nunca foram<br />

verda<strong>de</strong>iramente exigidas. 86<br />

Toda a or<strong>de</strong>nação colonial <strong>de</strong> Portugal estava centrada em<br />

garantir que a Coroa recebesse <strong>de</strong> seus súditos os direitos sobre a<br />

exploração da riqueza que Deus tinha colocado nas terras do rei, com<br />

um mínimo <strong>de</strong> <strong>de</strong>svio e um mínimo <strong>de</strong> custo operacional. O ministério<br />

86 Diogo <strong>de</strong> Vasconcelos conta que as tropas auxiliares enviadas em socorro do Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro por d. Antônio <strong>de</strong> Noronha em 1775, foram mobilizadas com muita lentidão e<br />

estavam maltrapilhas e mal armadas. Ainda bem que não chegou a haver confronto.<br />

123


<strong>de</strong> sua majesta<strong>de</strong> geria seus negócios como se fosse um bando <strong>de</strong> fiéis<br />

administradores gerindo um armazém. No centro <strong>de</strong> tudo estava o<br />

edifício tributário construído para garantir o fluxo da riqueza até os<br />

cofres <strong>de</strong> Lisboa. A distribuição da justiça, a segurança e a assistência<br />

eram secundárias e, nesses aspectos, as Câmaras até tinham uma certa<br />

liberda<strong>de</strong>.<br />

O regime <strong>de</strong> tributação que vigorou nas minas gerais no século<br />

XVIII, sempre foi muito confuso e estranho ao observador mo<strong>de</strong>rno.<br />

Até consagra<strong>dos</strong> autores, especializa<strong>dos</strong> nas generalida<strong>de</strong>s da história<br />

mineira setecentista, costumam se per<strong>de</strong>r nessa matéria. A questão é<br />

que o mo<strong>de</strong>lo da época era muito diferente <strong>de</strong> tudo que se pratica hoje.<br />

Basicamente o regime tributário mo<strong>de</strong>rno se baseia em quatro pontos<br />

absolutamente distintos: o objeto da tributação, a alíquota aplicável, o<br />

momento da aplicação e a forma <strong>de</strong> arrecadação. Naquele tempo essa<br />

segmentação não era muita nítida. Além disso, a própria legislação<br />

tributária era flexível. O ponto <strong>de</strong> referência eram as cartas régias on<strong>de</strong><br />

Sua Majesta<strong>de</strong> impunha alguns princípios e seus prepostos tinham uma<br />

certa liberda<strong>de</strong> para negociar. Liberda<strong>de</strong> essa sujeita, evi<strong>de</strong>ntemente, a<br />

posterior confirmação real. Tinha muito <strong>de</strong> negociação comercial,<br />

sendo o rei o dono absoluto do negócio. Sempre que ele se sentia<br />

lesado, mudava as regras do jogo. Afinal todas as riquezas da terra, por<br />

direito natural, pertenciam às majesta<strong>de</strong>s. A base, digamos legal, <strong>de</strong> toda<br />

a legitimação da cobrança do imposto era um regimento introduzido<br />

por Felipe III nas Or<strong>de</strong>nações do Reino no ano <strong>de</strong> 1603 e que começou<br />

a vigorar em 1618. Mas parece que a <strong>de</strong>terminação da cobrança do<br />

imposto no Brasil é antece<strong>de</strong>nte a esse regimento pois há notícias <strong>de</strong><br />

que em 1601 o governador geral d. Francisco <strong>de</strong> Souza mandava que o<br />

ouro extraído em São Paulo fosse fundido e quintado.<br />

Nas Or<strong>de</strong>nações do Reino estava dito que as riquezas minerais<br />

pertenciam ao rei por concessão divina e foi estabelecido que o<br />

populacho po<strong>de</strong>ria explorá-las mediante o pagamento <strong>de</strong> um imposto.<br />

Foi aí que se implantou a primeira forma <strong>de</strong> arrecadação do tributo<br />

sobre a extração mineral no Brasil e que consistia na ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um<br />

tesoureiro e um escrivão, basea<strong>dos</strong> em São Paulo, ocupa<strong>dos</strong> em<br />

registrar o bem e coletar o imposto <strong>de</strong>vido. A coleta era feita por<br />

124


prepostos instala<strong>dos</strong> nos registros espalha<strong>dos</strong> pelos caminhos. Esse<br />

sistema permaneceu até 1710. Com certeza, entre 1700 e 1709, tivemos<br />

o período <strong>de</strong> maior sonegação da história da colônia portuguesa da<br />

América. Nesse período, entre pagamento espontâneo <strong>dos</strong> mineradores<br />

e confisco, tivemos a arrecadação <strong>de</strong> pífias 6 arrobas <strong>de</strong> ouro. Como se<br />

recorda, na mesma época, só Borba Gato sozinho conseguiu ajuntar<br />

cerca <strong>de</strong> 50 arrobas. Antonil calcula que nesse período a produção foi<br />

<strong>de</strong> mil arrobas, o que daria uma média anual <strong>de</strong> cem arrobas “fora o que<br />

se tirava e tira escondidamente”. Mesmo assim, <strong>de</strong>duzidas as <strong>de</strong>spesas<br />

da casa da moeda, segundo ele, a coroa teria lucrado seiscentos mil<br />

cruza<strong>dos</strong>. 87<br />

A rigor o quinto, era a quinta parte, ou seja, 20% do valor sobre<br />

o qual incidiria a tributação. Portanto era a alíquota a ser praticada no<br />

cálculo do imposto. Mas também i<strong>de</strong>ntificava o objeto da tributação, ou<br />

seja, especialmente o ouro. Assim “quinto do ouro” chegava a ser um<br />

pleonasmo. 88 Também tinha a “quintagem”, ou seja, o processo <strong>de</strong><br />

coleta do imposto mediante a retenção <strong>de</strong> parte do metal fundido em<br />

barras e emissão do respectivo comprovante, liberando o metal para<br />

87 Antonil <strong>de</strong>dica o maior capítulo da seção do seu livro que trata da mineração para<br />

justificar o direito do rei <strong>de</strong> cobrar o imposto mineral e do <strong>de</strong>ver do minerador <strong>de</strong><br />

pagá-lo. Para isso se <strong>de</strong>bruça com zelo na matéria, inundando o texto com citações <strong>de</strong><br />

doutos jurisconsultos e teólogos. Diz a boa lição do jesuíta:”E <strong>de</strong>ste fundamento<br />

certíssimo se infere também certamente que os quintos do ouro que se tira das minas<br />

do Brasil se <strong>de</strong>vem a el-Rey em consciência e que a lei feita para assegurar a cobrança<br />

<strong>de</strong>les, não é meramente penal, ainda que traga anexa a cominação <strong>de</strong> pena contra os<br />

transgressores, mas que é lei dispositiva e moral e que obriga, antes da sentença do<br />

juiz, em consciência.”<br />

88 Na verda<strong>de</strong>, o quinto era um imposto <strong>de</strong> mineração, portanto, inci<strong>de</strong>nte sobre toda<br />

a produção mineral e não somente sobre o ouro. Contudo, nunca foi aplicado à<br />

produção <strong>de</strong> diamantes, para a qual sempre se adotou o sistema da capitação, baseado<br />

num valor fixo pelo número <strong>de</strong> escravos emprega<strong>dos</strong> na produção. Mesmo na época<br />

<strong>dos</strong> contratos monopolistas a referência era o número <strong>de</strong> escravos.<br />

125


comercialização. Outras duas formas diferentes <strong>de</strong> coleta foram<br />

adotadas: a capitação e a avença ou ajuste. 89<br />

A única coisa estável <strong>de</strong>ssa composição toda foi o próprio<br />

quinto, ou seja, o imposto incidindo especificamente sobre o ouro. 90<br />

Mesmo assim, em alguns momentos, outros impostos foram agrega<strong>dos</strong><br />

ao do ouro gerando um tributo único. Quanto ao resto, suce<strong>de</strong>ram as<br />

mais variadas combinações. O próprio quinto, ou seja, a alíquota <strong>de</strong><br />

20% chegou a ser reduzida para 12%, ao tempo <strong>de</strong> d. Lourenço <strong>de</strong><br />

Almeida, quando as casas <strong>de</strong> fundição estavam operando pela primeira<br />

vez e a coroa queria estimular a tributação. Foi uma espécie <strong>de</strong><br />

promoção mas que teve vida efêmera.<br />

A história começou <strong>de</strong> fato em 1700 quando Artur <strong>de</strong> Sá e<br />

Menezes introduziu o sistema <strong>de</strong> tributação sobre a circulação do metal,<br />

coletando o imposto em registros estabeleci<strong>dos</strong> nos caminhos por on<strong>de</strong><br />

o ouro passava buscando os merca<strong>dos</strong> externos. A quinta parte do ouro<br />

era coletada e o proprietário recebia um certificado autorizando-o a<br />

transitar com o metal até a casa <strong>de</strong> fundição mais próxima para ser<br />

transformado em barras e quintado. O sistema era basicamente o<br />

mesmo <strong>de</strong> 1618, com alguns ajustes para melhorar o controle. Dez anos<br />

<strong>de</strong>pois da implantação se percebeu que esse sistema <strong>de</strong> arrecadação era<br />

extremamente precário porque não tributava o ouro que circulava<br />

89 Alguns autores confun<strong>de</strong>m o “ajuste” com a “finta”. Esta na verda<strong>de</strong> era praticada<br />

pelas câmaras junto ao povo para arrecadar a quantia necessária ao pagamento do<br />

ajuste. Note-se que o ajuste foi a única forma <strong>de</strong> pagamento do quinto que nunca<br />

falhou. Ou seja, o imposto nunca <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser pago na exata quantida<strong>de</strong> que havia<br />

sido avençada. A finta também não se confun<strong>de</strong> com a <strong>de</strong>rrama que era a cobrança<br />

lançada sobre o povo para completar a cota mínima estipulada para a arrecadação das<br />

casas <strong>de</strong> fundição.<br />

90 A base moral sobre a cobrança do imposto era o direito do rei sobre todas as<br />

riquezas das terras do seu reino, incluso aí as águas. O rei não cobrava pelo uso das<br />

águas mas não abria mão <strong>de</strong> cobrar pedágio pela travessia <strong>dos</strong> rios, mesmo não<br />

gastando um centavo com as <strong>de</strong>spesas do serviço, que eram cedi<strong>dos</strong> a terceiros.<br />

126


internamente na região das minas e não alcançava aquele que escapava<br />

pelos caminhos do contrabando.<br />

A partir <strong>de</strong> 1710, a alíquota sumiu e o imposto começou a ser<br />

calculado <strong>de</strong> outra forma. Foi quando Antônio <strong>de</strong> Albuquerque Coelho<br />

resolveu mudar o sistema. Antecipou o momento <strong>de</strong> cobrança do<br />

imposto, do ponto da circulação para o ponto <strong>de</strong> produção e introduziu<br />

a cobrança pelo sistema <strong>de</strong> capitação por bateias, vale dizer pelo<br />

número <strong>de</strong> pessoas empregadas na mineração. Esse sistema gerou<br />

muitas e inflamadas queixas. De fato a lógica do sistema era absurda.<br />

Isso porque o imposto era cobrado não propriamente sobre a produção<br />

e sim sobre o investimento ou o esforço produtivo. Assim, quanto mais<br />

pessoas tivessem sido empregadas numa mineração maior seria o<br />

imposto, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da mina ser produtiva ou não. Por conta disso a<br />

operação do sistema era muito vexatória e não <strong>de</strong>u certo. A arrecadação<br />

caiu e o sistema durou apenas alguns meses, voltando a forma anterior.<br />

Em 1714 houve uma mudança radical e a alíquota sumiu <strong>de</strong> vez. Então<br />

d. Brás Baltasar da Silveira e as câmaras, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> muita negociação,<br />

inauguraram o sistema da coleta por ajuste. Ou seja, ajustaram que ao<br />

rei tocaria trinta arrobas anuais <strong>de</strong> ouro fixas. Na verda<strong>de</strong> era um<br />

sistema híbrido pois o imposto passaria a ser arrecadado pelas câmaras<br />

das <strong>vilas</strong> e a contribuição do povo seria em razão da quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

escravos que cada um tivesse, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da ativida<strong>de</strong>. Desta<br />

forma o imposto se tornou geral mas o metal circularia livremente, o<br />

que interessava a to<strong>dos</strong> pois todo mundo tinha o seu saquinho <strong>de</strong> ouro<br />

guardado. Para completar a cota, as câmaras po<strong>de</strong>riam cobrar impostos<br />

sobre as entradas <strong>de</strong> mercadorias. Assim acertaram, mas o rei não<br />

gostou do acerto e <strong>de</strong>terminou que a arrecadação se processasse pelo<br />

regime <strong>de</strong> capitação por bateias, acertado com Antônio <strong>de</strong><br />

Albuquerque. Mas aí quem não gostou foram os mineradores pois não<br />

toleravam a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> introdução daquela irracionalida<strong>de</strong> tributária. D.<br />

Brás Baltasar então quis dar uma <strong>de</strong> esperto dizendo às câmaras <strong>de</strong><br />

umas <strong>vilas</strong> que seus colegas <strong>de</strong> outras <strong>vilas</strong> já haviam aceito o regime da<br />

capitação, o que não era verda<strong>de</strong>. O povo percebeu a manobra e quis<br />

dar um susto no governador que teve que fugir e prometer que<br />

127


manteria o regime acordado. O rei acabou tendo que engolir a situação<br />

e ratificar o acordo <strong>de</strong> d. Brás com as câmaras, recuando no seu intento<br />

e <strong>de</strong>ixando tudo como tinha sido acertado.<br />

Suce<strong>de</strong>u a d. Brás, o con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Assumar e o sistema do ajuste foi<br />

mantido por uns tempos, inclusive com uma pequena majoração da<br />

cota mínima. Mas logo o con<strong>de</strong> percebeu que os impostos sobre as<br />

entradas <strong>de</strong> mercadorias que eram administra<strong>dos</strong> pelas câmaras,<br />

estavam ren<strong>de</strong>ndo bom dinheiro para elas. Assim, quis melhorar a cota<br />

do patrão. Até concordou em reduzir a parte fixa do rei para 25 arrobas<br />

mas <strong>de</strong>terminou que a própria Coroa assumisse o encargo da<br />

arrecadação do imposto <strong>de</strong> entrada <strong>de</strong> mercadorias, afastando as<br />

Câmaras <strong>de</strong>sse belo mister coletor. Mas em 1720 Assumar, recebeu<br />

or<strong>de</strong>ns do rei para introduzir a quintagem através das casas <strong>de</strong> fundição.<br />

Assim quis Sua Majesta<strong>de</strong> voltar à alíquota original <strong>de</strong> 20%, mudar o<br />

sistema <strong>de</strong> arrecadação e focar a cobrança do imposto sobre a<br />

circulação total do ouro, que era a moeda da época. Mas, como era <strong>de</strong><br />

costume, encontrou ferrenha resistência e o máximo com que o povo<br />

concordou foi elevar a conta avençada para trinta e sete arrobas, o que<br />

se <strong>de</strong>u em outubro <strong>de</strong> 1722. A proposta da implantação das casas <strong>de</strong><br />

fundição ficou congelada até 1725 quando d. Lourenço <strong>de</strong> Almeida a<br />

conseguiu implantar. Como naquele tempo tinha ouro até nas raízes do<br />

capim, combinaram também que a parte mínima que caberia ao rei seria<br />

cem arrobas anuais. Depois o con<strong>de</strong> das Galveias até melhorou essa<br />

quantia, garantido que o exce<strong>de</strong>nte ficasse para o rei. Até então ele<br />

ficava para as câmaras, numa espécie <strong>de</strong> poupança para garantir o<br />

pagamento da cota do ano seguinte, se houvesse queda. A arrecadação<br />

<strong>dos</strong> quintos através da casa <strong>de</strong> fundição <strong>de</strong> Vila Rica durou onze anos e<br />

registrou um rendimento médio anual <strong>de</strong> 106 arrobas. Terminou em<br />

1735 quando então Freire <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, ajudado por Martinho <strong>de</strong><br />

Mendonça <strong>de</strong> Pinho e Proença finalmente conseguiu introduzir a<br />

capitação geral por escravo, ofícios e estabelecimentos, mantidas,<br />

porém, as cem arrobas mínimas <strong>de</strong> garantia. Assim o foco da tributação<br />

<strong>de</strong> um suposto imposto <strong>de</strong> mineração passava a incidir sobre a<br />

produção geral e não apenas sobre a produção do ouro e a alíquota<br />

128


<strong>de</strong>ixava <strong>de</strong> ser os 20%. Mais uma vez o povo quis chiar, mantendo sua<br />

resistência <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> vinte anos. Mas os tempos <strong>dos</strong> motins populares<br />

já tinham passado. Desta vez o rei tinha mandado Martinho <strong>de</strong><br />

Mendonça com a missão precípua <strong>de</strong> implantar o sistema. Ele usou a<br />

sua mão <strong>de</strong> ferro, mandou pren<strong>de</strong>r e arrebentar e conseguiu implantar<br />

um clima <strong>de</strong> terror, no rastro do qual, a plebe teve que engolir a<br />

mudança. Esta registrou uma boa arrecadação, com média <strong>de</strong> 155<br />

arrobas por ano, o melhor período da história. O povo <strong>de</strong>testava o<br />

regime, mesmo porque, as autorida<strong>de</strong>s da fazenda costumavam<br />

antecipar o vencimento do imposto. Este <strong>de</strong>veria ser coletado a cada<br />

seis meses, mas a partir do terceiro mês os contribuintes já estavam<br />

sendo cobra<strong>dos</strong> com multa e muita truculência. Além disso, os<br />

<strong>de</strong>vedores ativos tinham sequestra<strong>dos</strong> to<strong>dos</strong> os seus escravos para<br />

pagamento da dívida, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do seu valor. Isso fazia com<br />

que o minerador tivesse que paralisar sua ativida<strong>de</strong> ao tempo da<br />

liquidação da dívida, con<strong>de</strong>nando seu negócio a uma ruína irreversível.<br />

Mas em 1750 a Coroa resolveu voltar novamente às casas <strong>de</strong><br />

fundição, garantidas, mais uma vez, as cem arrobas mínimas. Caso não<br />

fossem alcançadas teriam que ser completadas através da famosa<br />

<strong>de</strong>rrama. Mais uma vez o povo não gostou e as Câmaras andaram<br />

propondo alternativas que, no entanto, não foram aceitas pelo rei. Aí já<br />

eram os tempos <strong>de</strong> d. <strong>José</strong> I e do marquês <strong>de</strong> Pombal e não havia muito<br />

diálogo. Foi esse regime que alcançou a Inconfidência Mineira, quarenta<br />

anos <strong>de</strong>pois. Da sua implantação até 1787 registrou uma arrecadação<br />

média <strong>de</strong> 92 arrobas mas com queda crescente do rendimento.<br />

Interessante observar que a <strong>de</strong>rrama só chegou a ser executada em duas<br />

ocasiões - 1763 e 1771 - e ren<strong>de</strong>ram apenas 23 arrobas. Ocorria que a<br />

sua execução era muito complicada, quase inexequível, pois <strong>de</strong>mandava<br />

confiscos e leilões em massa o que estava além da capacida<strong>de</strong> do<br />

sistema administrativo da capitania e causaria o total <strong>de</strong>smanche da<br />

or<strong>de</strong>m econômica.<br />

O imposto sobre a extração <strong>dos</strong> diamantes, pela própria<br />

natureza do mineral, não po<strong>de</strong>ria ser estabelecido sobre uma porção<br />

coletável do mesmo como acontecia com o quinto do ouro. Assim, nos<br />

tempos em que as pedras eram extraídas pelos particulares, a parte da<br />

129


Coroa sempre foi sob a forma <strong>de</strong> arrendamento, com pagamento <strong>de</strong><br />

uma conta fixa e o estabelecimento <strong>de</strong> um limite máximo <strong>de</strong> escravos<br />

que podiam ser emprega<strong>dos</strong> na exploração.<br />

Cabe observar também que, embora o quinto fosse o principal<br />

imposto, havia ainda os subsídios voluntários, os direitos <strong>de</strong> entradas,<br />

os ofícios <strong>de</strong> justiça, os direitos <strong>de</strong> passagem <strong>dos</strong> rios, a arrecadação da<br />

extração <strong>dos</strong> diamantes integrada aos quintos, o subsídio literário e os<br />

donativos. Apenas o quinto, os subsídios voluntários e os donativos<br />

eram remeti<strong>dos</strong> para o fundo do tesouro real em Lisboa. Os <strong>de</strong>mais<br />

custeavam as <strong>de</strong>spesas da administração colonial, em geral <strong>de</strong>ficitária.<br />

O subsídio voluntário que <strong>de</strong> voluntário só tinha a vonta<strong>de</strong> do<br />

rei, foi criado em 1755 para subsidiar a reconstrução <strong>de</strong> Lisboa, arrasada<br />

pelo famoso terremoto <strong>de</strong> 1º <strong>de</strong> novembro. Era para durar <strong>de</strong>z anos,<br />

mas quando a Câmara <strong>de</strong> Vila Rica o extinguiu automaticamente<br />

vencido o prazo <strong>de</strong>cenal, o governador protestou e ele foi prorrogado<br />

por mais <strong>de</strong>z anos. Acabou sendo extinto somente em 1778, após vinte<br />

e três anos da sua criação. Mas, acreditem, acabou sendo restabelecido<br />

pelo viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Barbacena, <strong>de</strong>sta vez sob o pretexto da reconstrução<br />

do Palácio da Ajuda, <strong>de</strong>struído por um incêndio. Des<strong>de</strong> então o povo<br />

mineiro passou a rezar todo dia para Deus proteger Lisboa e seus<br />

palácios. Tenho notícias <strong>de</strong> que até 1808 o longevo imposto ainda<br />

subsistia. Estava então com cinquenta e três anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>. Mas os<br />

donativos também não ficavam atrás em matéria <strong>de</strong> absurdo tributário.<br />

Eles eram lança<strong>dos</strong> sempre que as contas da Coroa apontavam algum<br />

<strong>de</strong>sequilíbrio entre receita e <strong>de</strong>spesa. Aí o rei mandava um recado às<br />

câmaras para que passassem o pires entre seus fieis vassalos. Eles, claro,<br />

adoravam ajudar Sua Majesta<strong>de</strong>. Pelo menos é o que diziam os<br />

governadores nas cartas que remetiam a Lisboa, acompanhando os<br />

famigera<strong>dos</strong> encargos públicos.<br />

Os donativos eram as taxas pagas pelo privilégio <strong>de</strong> exploração<br />

das chamadas “serventias <strong>de</strong> ofício” quer dizer os serviços <strong>de</strong> escrivães,<br />

meirinhos, tabeliães e assemelha<strong>dos</strong>. Os serviços eram arremata<strong>dos</strong><br />

através da oferta <strong>de</strong> donativos, pagos semestralmente. Além disso havia<br />

uma espécie <strong>de</strong> “imposto <strong>de</strong> renda” que agravava os donativos com<br />

<strong>de</strong>stinação <strong>de</strong> um terço da arrecadação anual do ofício para os cofres da<br />

130


fazenda real. A arrematação <strong>dos</strong> serviços <strong>de</strong> ofício duravam pelo<br />

período <strong>de</strong> três anos e podia ser exercido pelos her<strong>de</strong>iros caso o titular<br />

falecesse ao tempo da duração do contrato. Caso houvesse alguma<br />

dificulda<strong>de</strong> na provisão <strong>dos</strong> oficiais os mesmo podiam ser nomea<strong>dos</strong><br />

pelo governador ou ouvidor o que parece que dava margem a certas<br />

manobras pouco honestas permitindo a arrematação do serviço por<br />

valores subestipula<strong>dos</strong>.<br />

O subsídio literário também tinha os seus <strong>de</strong>sman<strong>dos</strong>. Criado<br />

por Pombal originalmente para custear o ensino fundamental tornandoo<br />

mais pragmático à luz da reforma iluminista, acabou sendo <strong>de</strong>sviado e<br />

mandado a Lisboa para sustentar a Aca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> Ciências, o Colégio<br />

<strong>dos</strong> Nobres e a Aca<strong>de</strong>mia da Marinha. Resultado: um mestre escola se<br />

esforçando para ensinar latim e aritmética numa vila mineira, passava<br />

até cinco anos sem receber seus vencimentos. Ainda bem que o pessoal<br />

não se importava muito em ven<strong>de</strong>r fiado, ainda mais para a respeitosa<br />

classe <strong>dos</strong> mestre-escola daquele tempo. Eles até que ganhavam bem,<br />

ou seja 400$000/ano, o dobro do que ganhava um vigário. Duro era ver<br />

a cor do dinheiro. Sabemos que em 1778, apenas três mestres<br />

receberam seus salários em toda a capitania. Naquele ano o subsídio<br />

literário havia rendido 4:477$621, <strong>de</strong> sorte que sua majesta<strong>de</strong> teve um<br />

belíssimo lucro que logo foi enviado aos cofres reais em Lisboa.<br />

Fraterna contribuição para esmerar a educação <strong>dos</strong> irmãos lusitanos.<br />

Os autores que tratam da história mineira do século XVIII<br />

falam muito no regime tributário inci<strong>de</strong>nte sobre a riqueza mineral, mas<br />

muito pouco falam sobre o regime monetário. A crença geral é <strong>de</strong> que<br />

o ouro circulava como moeda e fim. Mas não era bem assim. Como não<br />

po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser, havia uma articulação entre o regime tributário e<br />

o regime monetário e a política <strong>de</strong> circulação <strong>de</strong> moedas tinha a ver<br />

com a forma com que o quinto do ouro estava sendo arrecadado.<br />

Também não há <strong>de</strong> se acreditar que todas as casas <strong>de</strong> fundição também<br />

eram casas da moeda. Tratavam-se <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s operacionalmente afins<br />

porém com propósitos inteiramente diversos. No primeiro quarto do<br />

século XVIII, casas da moeda só havia na Bahia e no Rio, enquanto que<br />

casas <strong>de</strong> fundição havia também em São Paulo, Taubaté e Parati. Há<br />

131


notícias <strong>de</strong> que houve uma casa <strong>de</strong> “moeda, minas e quintos reais”<br />

instalada na vila <strong>de</strong> São Paulo em 1645, mas esta teve vida efêmera, já<br />

que as minas propriamente paulistas, já no século XVII, não se<br />

revelaram muito produtivas.<br />

Embora o centro da produção <strong>de</strong> ouro colonial fosse nas minas<br />

gerais, a casa da moeda <strong>de</strong> Vila Rica só foi instalada em 1725, quando o<br />

quinto <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser arrecadado por avença e passou a ser cobrado<br />

sobre as barras fundidas <strong>de</strong> ouro. As casas <strong>de</strong> fundição tinham por<br />

propósito formatar barras <strong>de</strong> ouro transformando-as em mercadorias<br />

livres para comercialização, claro que <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> <strong>de</strong>vidamente taxadas e<br />

autenticadas com o selo real e mais um conjunto <strong>de</strong> registros e<br />

lançamento. É que o rei tinha medo não só da sonegação do povo mas<br />

também da probida<strong>de</strong> <strong>dos</strong> seus funcionários das distantes colônias. As<br />

barras quintadas eram usadas mais como mercadoria para transações<br />

fora da capitania. Internamente o meio circulante eram as moedas e o<br />

ouro em pó. Para quintar o seu metal o minerador entregava o ouro em<br />

pó, grãos ou lamelas e o recebia <strong>de</strong> volta sob a forma <strong>de</strong> barras, com<br />

peso total correspon<strong>de</strong>nte a oitenta por cento do que tinha entregue.<br />

Os vinte por cento subtraí<strong>dos</strong> eram o quinto. Desse metal retido é que,<br />

via <strong>de</strong> regra, era retirada a matéria prima <strong>de</strong>stinada a confecção das<br />

moedas <strong>de</strong> ouro nas respectivas casas <strong>de</strong> fundição.<br />

Oficialmente o ouro em barras valia 1$:500 (um mil e<br />

quinhentos reis) a oitava. O ouro natural, ou seja, ainda não quintado,<br />

podia circular com função <strong>de</strong> moeda mas valia apenas 1$:200 a oitava.<br />

Com essa diferenciação <strong>de</strong> valor a Coroa queria estimular a quintagem<br />

ou tributação do ouro, já que o valor <strong>de</strong> troca acabaria sendo o mesmo.<br />

Na primeira fase das casas <strong>de</strong> fundição, ou seja <strong>de</strong> 1725 a 1735, não<br />

havia restrições quanto a circulação <strong>de</strong> moedas <strong>de</strong> ouro. Na segunda<br />

fase, a partir <strong>de</strong> 1750, a circulação da moeda foi proibida.<br />

O tabelamento do valor do ouro era a regra geral, mas na<br />

prática, o ouro, como qualquer mercadoria, sofria a influência das leis<br />

do mercado e as cotações no Rio <strong>de</strong> Janeiro e na Bahia podiam diferir e<br />

132


oscilar. Conta Antonil que uma arroba <strong>de</strong> ouro quintado valia <strong>de</strong>zesseis<br />

mil, trezentos e oitenta e quatro cruza<strong>dos</strong> na Bahia e quinze mil,<br />

trezentos e sessenta cruza<strong>dos</strong> no Rio <strong>de</strong> Janeiro, quer dizer, 6:553$600 e<br />

6:144$000 respectivamente.<br />

Nos perío<strong>dos</strong> em que o imposto era arrecadado por avença ou<br />

capitação, o valor do ouro natural circulante era fixado em 1$:500 visto<br />

que, teoricamente, todo ele já estava tributado. Nesses perío<strong>dos</strong> podia<br />

haver restrições ao uso <strong>de</strong> moeda, mesmo porque elas eram escassas, já<br />

que as casas <strong>de</strong> moeda e fundição ficavam praticamente inoperantes. De<br />

qualquer forma, em pleno auge do mercantilismo, a confusão entre<br />

riqueza, moeda e minerais preciosos já vinha da cabeça <strong>dos</strong> reis e assim,<br />

o ouro e a prata circulavam livremente em todo o mundo fazendo o<br />

papel <strong>de</strong> moeda e pagando a diferença entre o valor do que se<br />

comprava e o valor do que se vendia. Tanto que as tabelas <strong>de</strong> pesos e<br />

valores também estavam presentes no dia a dia das transações<br />

comerciais e ninguém ignorava que eram necessárias oito oitavas para<br />

formar uma onça, oito onças para formar um marco e sessenta e quatro<br />

marcos para formar uma arroba. Também na venda <strong>de</strong> cada esquina era<br />

possível se encontrar uma balança <strong>de</strong> precisão para viabilizar alguma<br />

troca. As câmaras das <strong>vilas</strong> até ofereciam um serviço <strong>de</strong> calibração para<br />

manter o <strong>de</strong>sempenho das balanças confiável e legalizado. Esse era o<br />

serviço <strong>dos</strong> chama<strong>dos</strong> “almotacés”. Aliás, a tomada compulsória <strong>de</strong>sse<br />

serviço era uma das principais fontes <strong>de</strong> renda das câmaras. Os outros<br />

eram os serviços <strong>de</strong> abate <strong>de</strong> gado nos matadouros públicos e a<br />

cobrança das taxas <strong>dos</strong> documentos burocráticos.<br />

A unida<strong>de</strong> monetária era o “real” mas havia apeli<strong>dos</strong> para seus<br />

múltiplos. Assim, 400 reais era chamado <strong>de</strong> um “cruzado”. Um milhão<br />

<strong>de</strong> reis, (1.000$:000) era o famoso “conto <strong>de</strong> reis”. Esse apelido<br />

continua vivo até hoje nos grotões mineiros. Entra moeda e sai moeda<br />

e, para muita gente, mil partes juntas <strong>de</strong>la ainda é um sonoro conto <strong>de</strong><br />

reis !<br />

133


O edifício da lei e da or<strong>de</strong>m zelavam pelas coisas do rei, mas o<br />

foco principal era o reles sonegador <strong>de</strong> impostos vivendo para tocar o<br />

seu pobre negócio. Enquanto isso havia uma certa tolerância para com<br />

a malversação e os <strong>de</strong>sman<strong>dos</strong> com a coisa pública. É farta a<br />

documentação gerada a respeito da corrupção que grassava na capitania<br />

<strong>de</strong> Minas Gerais no século XVIII. Mas a corrupção naquela tempo<br />

tinha uma conotação diferente, principalmente olhando pelo lado<br />

moral. O estado pertencia a Sua Majesta<strong>de</strong>. Portanto, o que ocorria<br />

quando alguém lesava a fazenda real, era simplesmente roubar à pessoa<br />

do rei. Mas essa ilicitu<strong>de</strong> não chegava para formar um crime hediondo.<br />

Essa chancela ficava reservada para as conspirações que quisessem<br />

apear o rei do trono. Este sim, era um crime <strong>de</strong> lesa majesta<strong>de</strong> punível<br />

com a pena capital. Para o resto havia muita tolerância e o rei adorava<br />

ser chamado <strong>de</strong> magnânimo. Mas, além do roubo <strong>de</strong> bens públicos<br />

havia também o roubo <strong>de</strong> heranças. Sem falar nos padres<br />

contrabandistas e fornicadores, quer dizer a safa<strong>de</strong>za era geral. Mas o<br />

que as autorida<strong>de</strong>s e homens <strong>de</strong> bem gostavam mesmo era do furto<br />

praticado à sombra da lei. Quer dizer, esses crimes limpos e elegantes a<br />

que alguns burocratas e magistra<strong>dos</strong> <strong>de</strong> to<strong>dos</strong> os tempos se dão com<br />

uma certa frequência. As maracutaias contra os cofres reais, em geral<br />

eram punidas com confisco <strong>de</strong> bens e, nos casos mais graves, exílio por<br />

<strong>de</strong>z anos em terras africanas. Mas são raros os casos <strong>de</strong> punição <strong>dos</strong><br />

agentes públicos pouco probos. O mais comum era a con<strong>de</strong>nação <strong>de</strong><br />

um ou outro contrabandista <strong>de</strong> ouro ou diamante surpreendido nas<br />

picadas clan<strong>de</strong>stinas.<br />

Ao consultarmos documentos antigos que tratam da<br />

malversação e <strong>de</strong>svio <strong>de</strong> dinheiro público e privado, precisamos ter uma<br />

certa cautela pois eram gran<strong>de</strong>s as rivalida<strong>de</strong>s e conflitos entre<br />

ouvidores, prela<strong>dos</strong>, camaristas, parentes e concubinas; to<strong>dos</strong> querendo<br />

comer na mesa farta <strong>de</strong> Sua Majesta<strong>de</strong>, mesmo sem terem sido<br />

convida<strong>dos</strong>. Acusações infundadas eram comuns no maquiavélico jogo<br />

político da época, tal qual hoje. Mas algumas epi<strong>de</strong>mias <strong>de</strong> porcas<br />

<strong>de</strong>sonestida<strong>de</strong>s <strong>dos</strong> agentes públicos coloniais ressoaram fortemente<br />

pelos anos à fora. Certas <strong>de</strong>núncias persistentes encheram o gabinete do<br />

ministério ultramarino. Devassas foram tiradas, mas se não era comum<br />

134


os inquéritos acabarem em pizza é porque ela ainda não havia sido<br />

inventada. De qualquer forma o resultado era o mesmo. Bastava<br />

vomitar arrependimento no confessionário e o céu continuava<br />

garantido. Entre as práticas habitualmente <strong>de</strong>nunciadas havia, por<br />

exemplo, os casos das irregularida<strong>de</strong>s na distribuição das datas minerais<br />

e das sesmarias. Pelo Regimento das Terras e Águas Minerais, cabia ao<br />

guarda-mor regularizar a distribuição das datas <strong>de</strong>stinadas aos<br />

mineradores. No início não havia muita or<strong>de</strong>m na ocupação das lavras.<br />

Foi aí que se criou o cargo <strong>de</strong> guarda-mor geral, sendo Garcia<br />

Rodrigues Paes seu primeiro ocupante. Como era impossível ele<br />

controlar a distribuição <strong>de</strong> datas em todas as minas, foi-lhe facultado o<br />

direito <strong>de</strong> nomear guardas-mores substitutos. Parece que no princípio a<br />

coisa correu com uma certa lisura. Mas em 1734 vamos encontrar o<br />

ouvidor do Rio das Mortes acusando o velho ban<strong>de</strong>irante <strong>de</strong> ven<strong>de</strong>r os<br />

cargos <strong>de</strong> seus auxiliares e, o que é pior, à pessoas sem nenhum<br />

escrúpulo. Os interessa<strong>dos</strong> compravam os cargos a bom dinheiro, mas<br />

o investimento garantia um belo retorno pois o guarda-mor substituto,<br />

em lugar <strong>de</strong> distribuir as datas por sorteio como mandava a lei,<br />

simplesmente as vendias a quem mais <strong>de</strong>sse. O ouvidor interceptou<br />

uma patente <strong>de</strong> nomeação assinada pelo filho <strong>de</strong> Fernão Dias com o<br />

nome do nomeado por preencher. Ou seja, as patentes eram emitidas<br />

sem que se soubesse sequer quem seria o nomeado. Sabe-se que o rei<br />

mandou estancar aqueles abusos. Mas a única coisa resultante foi a<br />

introdução da obrigatorieda<strong>de</strong> do superinten<strong>de</strong>nte e o governador<br />

confirmarem as nomeações. O fato é que Garcia Rodrigues Paes,<br />

morreria quatro anos <strong>de</strong>pois, em avançada ida<strong>de</strong> e ainda como guardamor<br />

geral, cargo que exerceu durante mais <strong>de</strong> trinta anos. Em 1780, ou<br />

seja, mais <strong>de</strong> meio século <strong>de</strong>pois da morte <strong>de</strong> Garcia, temos notícias que<br />

a prática ainda estava viva. 91 Para agravar ainda mais a questão da<br />

corrupção na regulamentação da mineração, parece que os ouvidores<br />

91 Escrevia <strong>José</strong> João Teixeira Coelho, na ocasião : “Não há coisa mais inútil do que o<br />

emprego <strong>de</strong> guarda-mor geral: ele nunca está em Minas e só vai a elas para fazer<br />

nomeação <strong>de</strong> substitutos por avultadas quantias <strong>de</strong> ouro, ven<strong>de</strong>ndo-as publicamente”.<br />

135


também tinham comportamento altamente repreensível. Logo eles que,<br />

na condição <strong>de</strong> superinten<strong>de</strong>ntes das minas, <strong>de</strong>viam zelar pelo correto e<br />

probo uso <strong>dos</strong> regulamentos. Acontece que os ouvidores ganhavam<br />

“salários” pelos serviços presta<strong>dos</strong> ao longo das etapas do processo.<br />

Assim, tinham especial empenho em retardar e complicar o andamento<br />

<strong>dos</strong> mesmos, sendo comum uma pen<strong>de</strong>nga mineral durar vinte ou mais<br />

anos. Enquanto isso a ativida<strong>de</strong> da mina controversa ficava embargada,<br />

ocasião em que costumava ser explorada irregularmente, sob a<br />

aquiescência do ouvidor.<br />

No caso da distribuição <strong>de</strong> sesmarias o dolo envolvia também<br />

os governadores. Como se recorda, todas as terras pertenciam ao rei,<br />

mas ele tinha por salutar política distribuí-las aos seus vassalos, mesmo<br />

porque não ficava bem à sua alta majesta<strong>de</strong> se meter a fazen<strong>de</strong>iro. 92 Por<br />

incrível que pareça a política agrária do rei era distributiva e agradaria<br />

muito socialista <strong>de</strong> hoje. Ela era frontalmente contra o latifúndio<br />

improdutivo. Assim, a regra é que as sesmarias fossem <strong>de</strong> pequeno<br />

porte (para a época) e que os beneficiários <strong>de</strong>monstrassem condições <strong>de</strong><br />

po<strong>de</strong>r explorar a terra, fazendo-a produtiva. Além disso, ninguém podia<br />

ter mais do que uma sesmaria. Quem <strong>de</strong>veria avaliar se o candidato<br />

preenchia os requisitos eram as câmaras <strong>de</strong> cada vila. Mas nada disso<br />

era observado. Na verda<strong>de</strong>, quem passava atestado <strong>de</strong> capacida<strong>de</strong> aos<br />

requerentes <strong>de</strong> terras era o ouvidor <strong>de</strong> Vila Rica. Ele não tinha a mínima<br />

condição <strong>de</strong> avaliar a qualificação do preten<strong>de</strong>nte, pois permanecia<br />

<strong>de</strong>spachando na capital, distante do sertão. Mesmo assim era pródigo<br />

na concessão do benefício. O resultado é que na capitania <strong>de</strong> Minas<br />

Gerais, no século XVIII, havia enormes latifúndios improdutivos, sem<br />

contar as fazendas <strong>de</strong> gado on<strong>de</strong> se criava um rebanho <strong>de</strong> alguns<br />

milhares <strong>de</strong> cabeça em terras muito maiores do que Portugal.<br />

92 No século XIX isso já não incomodava muito, tanto que Spix e Martius nos dão<br />

notícia da magnífica e produtiva fazenda que d. João VI tinha nas cercanias do Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro.<br />

136


Também era comum a prática <strong>de</strong> usufruto irregular <strong>de</strong> bens<br />

sequestra<strong>dos</strong> ou embarga<strong>dos</strong>. Os juízes <strong>de</strong> órfãos, por exemplo, tinham<br />

o hábito <strong>de</strong> emprestar dinheiro <strong>dos</strong> tutela<strong>dos</strong> e embolsar os juros<br />

resultantes. Também não era incomum os oficiais <strong>dos</strong> juízos <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>funtos e ausentes sonegar no inventário <strong>de</strong> sequestro <strong>de</strong> bens, coisas<br />

miúdas como móveis, baixelas e alfaias, <strong>de</strong>stinando-as ao conforto <strong>de</strong><br />

seus próprios lares ou para melhorar o dote das suas filhas. Escravos<br />

sequestra<strong>dos</strong> eram postos a trabalhar para juízes e escrivães em suas<br />

ativida<strong>de</strong>s econômicas particulares ou aluga<strong>dos</strong> a terceiros. Enfim, no<br />

austero e carola século XVIII em Minas Gerais, os maus costumes<br />

quanto ao respeito <strong>de</strong>vido à proprieda<strong>de</strong> alheia eram tão generaliza<strong>dos</strong><br />

que era muito comum os testamenteiros sumirem com os bens<br />

submeti<strong>dos</strong> à sua guarda. O mais interessante é que essa honrosa<br />

condição <strong>de</strong> fiel <strong>de</strong>positário só era dada aos homens <strong>de</strong> bem, que dizer<br />

<strong>de</strong> reputação ilibada. Enfim corrupção não é propriamente uma<br />

invenção <strong>dos</strong> homens públicos do nosso tempo e também contribuiu<br />

para a <strong>de</strong>cadência geral e o empobrecimento da capitania ao longo do<br />

século XVIII.<br />

137


Os reis e seus prepostos<br />

Quando se instaurou a dinastia <strong>dos</strong> duques <strong>de</strong> Bragança, o<br />

Brasil já estava <strong>de</strong>scoberto há quase um século e meio, mas foi durante<br />

o reinado <strong>de</strong>ssa família que se consolidou a colonização da América<br />

Portuguesa. E foi durante ela que o êxtase e a agonia do reino<br />

português se fizeram mais agu<strong>dos</strong>, da glória <strong>de</strong> d. João IV, passando<br />

pela insolvência <strong>de</strong> seu filho e sua neta e culminando com a perda da<br />

colônia da América por obra <strong>de</strong> seu trineto d. Pedro IV <strong>de</strong> Portugal e I<br />

do Brasil.<br />

Tudo começou em 1640, assim meio por acaso. É que a<br />

aristocracia portuguesa já andava meio enfarada da história da Espanha<br />

governar Portugal. De fato, naquela ocasião os tronos ibéricos estavam<br />

unifica<strong>dos</strong> pois, <strong>de</strong>vido aqueles intrinca<strong>dos</strong> laços <strong>de</strong> parentesco entre os<br />

nobres da época, o rei <strong>de</strong> Castela também estava na linha <strong>de</strong> sucessão<br />

do trono português e este acabou caindo no seu colo. Então os nobres<br />

portugueses resolveram se rebelar e recolocar um monarca patrício no<br />

trono lusitano. A escolha recaiu sobre d. João, o duque <strong>de</strong> Bragança.<br />

No princípio ele recusou o privilégio. Ficou dois anos in<strong>de</strong>ciso, mas sua<br />

mulher estava louca para virar rainha e <strong>de</strong>ve ter-lhe dado alguns<br />

estímulos, pois ele acabou aceitando o encargo. De sorte que no dia 16<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1640 foi aclamado rei. Um <strong>dos</strong> seus primeiros atos foi<br />

buscar uma aliança po<strong>de</strong>rosa, embora causando enorme <strong>de</strong>cepção em<br />

sua ambiciosa mulher. Acontece que ele escolheu como companheira<br />

<strong>de</strong> trono a Nossa Senhora da Conceição, coroando-a com toda a<br />

pompa como rainha perpétua <strong>de</strong> Portugal, cargo que ela ocupa até hoje<br />

e retribui protegendo, com todo zelo, a boa gente lusitana. D. João veio<br />

a ser o IV rei com este nome e governou até sua morte em 1656.<br />

Suce<strong>de</strong>u-o seu filho <strong>de</strong> nome Afonso que veio a ser o VI. Como ele<br />

ainda era adolescente quando o pai morreu, sua mãe Luisa <strong>de</strong> Gusmão<br />

assumiu a regência e governou até a maiorida<strong>de</strong> em 1662. Ninguém<br />

queria que ele assumisse o trono pois era meio débil mental e tinha uma<br />

queda incontrolável por prazeres rasteiros, indignos <strong>de</strong> um rei. Acabou<br />

assumindo o trono assim mesmo, mas como não tinha nenhuma<br />

138


majesta<strong>de</strong>, governou somente cinco anos, após o que se instaurou uma<br />

nova regência, agora <strong>de</strong>baixo do cetro <strong>de</strong> seu irmão d. Pedro. É que o<br />

seu <strong>de</strong>sequilíbrio mental dificultava seu <strong>de</strong>sempenho nas tarefas mais<br />

banais e disso se aproveitaram sua própria mulher d. Maria <strong>de</strong> Sabóia e<br />

seu irmão, forçando seu afastamento e exílio nos Açores. D. Afonso<br />

ainda pô<strong>de</strong> voltar para Portugal, mas nunca mais conseguiu reaver o<br />

trono, falecendo em Sintra em 1683, mais débil ainda <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> tanta<br />

traição. Sua piora começou assim que ele foi afastado do trono, pois d.<br />

Pedro não só assumiu o po<strong>de</strong>r como ainda acabaria casando com a<br />

viúva do irmão, regularizando uma paixão avassaladora que o<br />

<strong>de</strong>slumbrou aos <strong>de</strong>zoito anos e <strong>de</strong>u muito que falar. Mas também quem<br />

iria resistir a uma cunhada francesa cheia <strong>de</strong> malícia. Dessa relação<br />

nasceu outro d. João. Este veio a assumir o trono exatamente no dia 1º<br />

<strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1707 com o título <strong>de</strong> d. João V, o rei sol português. Seu<br />

reinado foi glorioso com boa contribuição do ouro do Brasil.<br />

Empregou o vil metal em profusão para melhorar suas relações com a<br />

igreja. Mas não era propriamente um carola rezador com medo das<br />

chamas do inferno. Dois favores o atraiam <strong>de</strong> modo particular: o das<br />

freiras e o do papa. Para <strong>de</strong>slumbrar o padroado construiu o convento<br />

<strong>de</strong> Mafra. Era um verda<strong>de</strong>iro palácio, on<strong>de</strong> habitavam trezentos fra<strong>de</strong>s<br />

franciscanos, curtindo seus votos <strong>de</strong> pobreza <strong>de</strong>baixo do maior luxo.<br />

Na frente ficava a ala do rei, no fundo ficava a clausura e a magnífica<br />

biblioteca com seus 30 mil volumes e no meio ficava a não menos<br />

magnífica capela, com seu duomo e suas laterais cheias <strong>de</strong> belas estátuas<br />

<strong>de</strong> santos, competentemente esculpidas em mármore. 93<br />

O rei gostava muito <strong>dos</strong> prazeres <strong>dos</strong> catres do claustro,<br />

especialmente do <strong>de</strong> madre Paula sua doce concubina. Seus muitos<br />

filhos freiráticos povoaram o Castelo <strong>de</strong> Palhavã e foram chama<strong>dos</strong>,<br />

cujamente e com todo o respeito, “Os Meninos <strong>de</strong> Palhavã”. Ao papa<br />

Bento XIV encheu <strong>de</strong> presentes preciosos que, soma<strong>dos</strong>, atingiram a<br />

93 Tudo isso ainda está lá para quem quiser ver, mas os próprios portugueses parecem<br />

não ter muito apreço pelo palácio e não o colocam entre suas principais atrações<br />

turísticas <strong>dos</strong> dias <strong>de</strong> hoje.<br />

139


fabulosa quantia <strong>de</strong> duzentos milhões <strong>de</strong> cruza<strong>dos</strong>. 94 Mas em troca, d.<br />

João recebeu muito mais do que santinhos e indulgências. Aliás,<br />

recebeu a honrosíssima comenda <strong>de</strong> Majesta<strong>de</strong> Fi<strong>de</strong>líssima, título que o<br />

<strong>de</strong>ixou com a impagável sensação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r rivalizar com os reis <strong>de</strong><br />

França e Espanha, as duas maiores potências católicas da Europa. Teve<br />

ainda o gozo <strong>de</strong> ver Lisboa elevada a condição <strong>de</strong> patriarcado, privilégio<br />

que naquela época só tinha sido concedido a Roma e Veneza. 95 Do<br />

outro lado, o papa Bento se aproveitou como po<strong>de</strong> da <strong>de</strong>voção meio<br />

torta do rei.Tão <strong>de</strong>slumbrado ficou S. Santida<strong>de</strong> com o ouro <strong>de</strong> Minas<br />

que resolveu botar um pé por aqui. Foi assim que elevou Mariana a<br />

insigne condição <strong>de</strong> diocese, igualando a vila do Ribeirão do Carmo a<br />

Olinda, Salvador, Rio e São Paulo. Foi então que nasceu o maravilhoso<br />

templo da Sé <strong>de</strong> Mariana, on<strong>de</strong> até hoje ainda está em ativida<strong>de</strong> o não<br />

menos maravilhoso órgão doado exatamente pelo rei sol português para<br />

dignificar os ritos da diocese.<br />

D. João V morreu em 1750 e foi sucedido por seu filho d. <strong>José</strong> I<br />

e pelo marques <strong>de</strong> Pombal. Este era quem efetivamente governava,<br />

enquanto Sua Majesta<strong>de</strong> andava pelos campos, caçando e vivendo em<br />

luxuosas tendas árabes. É que ele tinha ficado muito estressado com o<br />

terremoto <strong>de</strong> Lisboa e vivia morto <strong>de</strong> medo <strong>de</strong> algum teto barroco<br />

<strong>de</strong>sabar sobre sua cabeça. Enquanto isso, Pombal se incumbia <strong>de</strong><br />

reconstruir Lisboa, arrasada pelo formidável abalo, um <strong>dos</strong> maiores que<br />

se tem notícia em to<strong>dos</strong> os tempos. 96<br />

94 Essa quantia, aceita por alguns cronistas, com certeza está absurdamente exagerada.<br />

Equivale a 80.000 contos <strong>de</strong> reis. Para se ter uma i<strong>de</strong>ia, na época da Inconfidência<br />

Mineira a Coroa Portuguesa não conseguia arrecadar anualmente em Minas mais do<br />

que 500 contos <strong>de</strong> reis.<br />

95 Na verda<strong>de</strong> as relações <strong>de</strong> d. João com Roma não foram tão pacíficas como parece<br />

e ele andou se <strong>de</strong>senten<strong>de</strong>ndo com um ou outro papa, durante seu longo reinado.<br />

96 O mais interessante é que o marques <strong>de</strong> Pombal instituiu o tal imposto “voluntário”<br />

para a reconstrução e mandava dizer ao povo que a contribuição era absolutamente<br />

justificada pois o pobre rei estava vivendo numa simples tenda.<br />

140


A d. <strong>José</strong> suce<strong>de</strong>u sua filha d. Maria I, oficialmente conhecida<br />

como A Pie<strong>dos</strong>a e extra oficialmente como A Louca. Como ela, <strong>de</strong> fato,<br />

enlouqueceu em 1792, assumiu o governo seu filho d. João, que mais<br />

tar<strong>de</strong> viria a ser o VI. Bisneto <strong>de</strong> d. João V, era uma figura<br />

controvertida; muito marcada pelo episódio da invasão <strong>de</strong> seu país<br />

pelos franceses e consequente fuga para o Brasil. Para muitos ele era<br />

um político habili<strong>dos</strong>o que achou uma saída inteligente para as pressões<br />

terríveis que sofria por parte <strong>de</strong> ingleses, franceses e espanhóis. Para<br />

outros não passava <strong>de</strong> um balofo meio lerdo que fugiu<br />

humilhantemente sem oferecer qualquer resistência para proteger seu<br />

país <strong>dos</strong> estrangeiros: franceses ou ingleses. A maioria gosta <strong>de</strong> retratar<br />

d. João escapando espavorido rumo a América, numa operação<br />

<strong>de</strong>sajeitada. Mas, a verda<strong>de</strong> é que a i<strong>de</strong>ia da transferência da corte<br />

portuguesa para sua gran<strong>de</strong> colônia além Atlântico sul, era muita antiga.<br />

Pombal já tinha esse plano na gaveta e, muito antes disso, d. João IV, já<br />

tinha pensado em <strong>de</strong>volver seu reino à Espanha e fundar um novo<br />

reino no Brasil, mais distante e mais seguro. Des<strong>de</strong> então, to<strong>dos</strong> os seus<br />

<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes mantiveram a i<strong>de</strong>ia viva, até que um dia a necessida<strong>de</strong><br />

exigiu que ela saísse da gaveta. Po<strong>de</strong>mos dizer que ela até que foi bem<br />

executado, se levarmos em conta a magnitu<strong>de</strong> da operação e o exíguo<br />

tempo para colocá-la em marcha.<br />

Acho que nós, brasileiros, não temos muito a nos queixar <strong>de</strong> sua<br />

alteza que, vindo para o Brasil, inaugurou uma nova era em nossa<br />

história, abrindo as portas do vestíbulo da in<strong>de</strong>pendência. Muitos o<br />

preferem como comilão e ocioso, alheio às coisas <strong>de</strong> estado. Com<br />

certeza muito menos do que seu avô d. <strong>José</strong> I que, assustado com o<br />

terremoto <strong>de</strong> Lisboa, entregou as ré<strong>de</strong>as do governo ao marques <strong>de</strong><br />

Pombal e tratou <strong>de</strong> viver meio que à sombra, encantado com a vida<br />

campestre, muito mais saudável e distante da ira <strong>dos</strong> <strong>de</strong>uses. E coitado<br />

<strong>de</strong> d. João, tinha que conviver com duas loucas em casa: a mãe e a<br />

mulher. A primeira – d. Maria I – não aguentou a morte do marido e do<br />

primogênito e foi per<strong>de</strong>ndo o juízo. Acabou <strong>de</strong> ficar doida quando não<br />

conseguiu ser a pie<strong>dos</strong>a que tinha fama <strong>de</strong> ser e mandou matar<br />

Tira<strong>de</strong>ntes. Veio para o Brasil amarrada e aqui morreu, à pouca<br />

141


distância do patíbulo do alferes. A outra – d. Carlota Joaquina – já<br />

nasceu louca. Sua diversão favorita era conspirar contra o marido. O rei<br />

vivia permanentemente assustado com medo <strong>de</strong> encontrar uma bomba<br />

<strong>de</strong>baixo da cama. Talvez por isso, preferisse outras camas, apartado da<br />

consorte. Eles nem moravam juntos, pois a infanta <strong>de</strong> Espanha que<br />

<strong>de</strong>stinaram para sua mulher era realmente difícil <strong>de</strong> aguentar. A certa<br />

altura, <strong>de</strong>pois do retorno a Portugal, aliada ao filho d. Miguel, Carlota<br />

tentou tomar a coroa do marido e tornar a península ibérica a um único<br />

reino, novamente; mas, claro, sob o cetro <strong>de</strong> Espanha, sua pátria<br />

querida. Não <strong>de</strong>u certo e a rainha acabou merecendo um <strong>de</strong>creto <strong>de</strong><br />

expulsão <strong>de</strong> Portugal, que nunca se cumpriu. D. João morreu meio<br />

repentinamente e há gente mal<strong>dos</strong>a que suspeita que tenha sido por<br />

causa <strong>de</strong> alguma poção perigosa que d. Carlota e d. Miguel mandaram<br />

ministrar-lhe.<br />

D João VI foi o primeiro rei do Brasil e teve na neta brasileira,<br />

d. Maria II, a última rainha <strong>de</strong> Portugal. Na verda<strong>de</strong> ele nem teve muito<br />

como ser um gran<strong>de</strong> monarca, as monarquias já estavam no fim.<br />

Ao pai d. João VI, suce<strong>de</strong>u d. Pedro I nosso primeiro<br />

imperador. Ele é uma das mais <strong>de</strong>sconcertantes figuras da história<br />

mundial, autor <strong>de</strong> façanhas absolutamente inusitadas. Morreu com<br />

apenas trinta e seis anos mas, antes disso, foi monarca <strong>de</strong> dois países e,<br />

o que é mais extraordinário, abdicou aos dois tronos e ainda teve que<br />

guerrear com o irmão para restaurar o direito da filha ao trono<br />

português, <strong>de</strong>vendo ser caso único na história das monarquias pela<br />

exuberância <strong>dos</strong> seus direitos, renuncia<strong>dos</strong> contudo. E mais: teve dois<br />

filhos que se tornaram monarcas e tiveram marcantes reina<strong>dos</strong>: d.<br />

Pedro II – Imperador do Brasil e d. Maria II – Rainha <strong>de</strong> Portugal. No<br />

Brasil, rompeu com sua própria dinastia, <strong>de</strong>clarando a in<strong>de</strong>pendência do<br />

país em <strong>de</strong>trimento da corte <strong>de</strong> Portugal, <strong>de</strong> que ele próprio seria rei.<br />

Em Portugal pegou em armas e garantiu a vitória <strong>dos</strong> liberais,<br />

enfraquecendo a própria monarquia. Muitos <strong>de</strong> nós gostamos <strong>de</strong> ver na<br />

proclamação da nossa in<strong>de</strong>pendência um <strong>de</strong>satino com jeito <strong>de</strong> piada.<br />

Mas ao contrário, po<strong>de</strong> ser um gesto <strong>de</strong> refinada argúcia. Talvez d.<br />

142


Pedro tenha simplesmente percebido que estavam em curso forças<br />

inexoráveis que, em lugar <strong>de</strong> confrontar, <strong>de</strong>veria absorver. Teria<br />

percebido que o absolutismo estava no fim e tratou <strong>de</strong> ser um liberal.<br />

Percebeu que a in<strong>de</strong>pendência do Brasil era inevitável e tratou <strong>de</strong><br />

garantir o seu lugar e preservar seus reinos, quase sem guerras e<br />

intactos. Foi assim que conseguiu ser rei por duas vezes, foi assim que<br />

garantiu reina<strong>dos</strong> para os filhos, num extraordinário legado.<br />

Muitos, ao contrário <strong>de</strong> enxergarem sua refinada veia liberal, exageram<br />

o peso do seu gesto <strong>de</strong> ter dissolvido a primeira assembleia nacional<br />

constituinte brasileira, logo <strong>de</strong>pois da in<strong>de</strong>pendência. É que a<br />

constituição em gestação queria fazer <strong>de</strong>le um fantoche. Ele até que<br />

aguentou um pouco. Mas quando pensaram em inserir na nova<br />

constituição uma cláusula que o proibia <strong>de</strong> dissolver o parlamento, ele<br />

não teve dúvida: foi lá e dissolveu o dito cujo. Era uma notável audácia<br />

<strong>dos</strong> constituintes brasileiros, recém libertos <strong>de</strong> Portugal mas um tanto<br />

indigesto para um monarca do princípio do século XIX, mesmo liberal.<br />

Mas, objetivamente, estavam querendo fazer <strong>de</strong>le um frouxo, coisa que<br />

<strong>de</strong>cididamente ele não era. Nem como príncipe do Brasil; nem como d.<br />

Pedro I, imperador do Brasil, nem como d. Pedro IV, rei <strong>de</strong> Portugal,<br />

nem como duque <strong>de</strong> Bragança; condição em que morreu <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />

vencer a guerra civil portuguesa e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter recusado o trono<br />

português pela segunda vez e ter preferido ser duque a ser duplamente<br />

rei. Nosso d. Pedro literalmente andou na contramão da história pois,<br />

enquanto d. João IV passou <strong>de</strong> duque <strong>de</strong> Bragança a rei <strong>de</strong> Portugal, ele<br />

fez exatamente o contrário.<br />

Mas, voltemos ao marquês <strong>de</strong> Pombal. É impossível falar da<br />

história da monarquia portuguesa sem falar <strong>de</strong>le. Não há meias paixões<br />

em relação a ele. Quem gosta da sua obra o chama <strong>de</strong> estadista e o<br />

consi<strong>de</strong>ra uma das maiores personalida<strong>de</strong>s do seu tempo. Quem não<br />

gosta o chama <strong>de</strong> déspota sanguinário. É provável que ele tenha sido<br />

um pouco <strong>de</strong> cada coisa. Cometeu excessos no seu zelo <strong>de</strong> governo e<br />

foi escasso em algumas indispensáveis virtu<strong>de</strong>s pessoais. Mas também<br />

foi tenaz e <strong>de</strong>dicado ao seu rei e sonhava que Portugal pu<strong>de</strong>sse voltar a<br />

ser um gran<strong>de</strong> reino europeu; rico e imperial, como já tinha sido muito<br />

143


antes da dinastia <strong>dos</strong> Bragança. Sua atuação frente ao <strong>de</strong>sastre do<br />

terremoto que arrasou Lisboa numa bela manhã, impressionou<br />

vivamente d. <strong>José</strong> I livrando-o da beira do pânico. Foi preciso erguer<br />

forcas nas esquinas em ruínas para executar sumariamente os<br />

saqueadores do rescaldo <strong>de</strong> Lisboa. E ele o fez com frieza e rapi<strong>de</strong>z.<br />

Depois reconstruiu a cida<strong>de</strong> com <strong>de</strong>terminação e elegância. O rei jamais<br />

po<strong>de</strong>ria esquecer esses serviços.<br />

Nascido na baixa fidalguia, chamou-se Sebastião <strong>José</strong> <strong>de</strong><br />

Carvalho e Melo, ficou no po<strong>de</strong>r vinte e sete anos brandindo sua mão<br />

<strong>de</strong> ferro e morreu como marquês. Mas passou os últimos anos da sua<br />

vida atormentado enfrentando <strong>de</strong>vassas e processos por crimes<br />

diversos, pois to<strong>dos</strong> queriam se vingar <strong>de</strong>le. Só não foi pior porque ele<br />

insinuou que tudo tinha sido feito em nome do rei e a nova rainha não<br />

queria comprometer a memória <strong>de</strong> seu pai. Morreu coberto <strong>de</strong> tumores<br />

cutâneos que muitos associavam a castigos divinos. Pombal foi pródigo<br />

em colocar em prática i<strong>de</strong>ias que, acreditava, pu<strong>de</strong>ssem mo<strong>de</strong>rnizar a<br />

economia portuguesa. Claro que, essas i<strong>de</strong>ias muito impactaram suas<br />

colônias e, <strong>de</strong> modo muito direto, a capitania <strong>de</strong> Minas Gerais, foco<br />

permanente da sua atenção. Mas sua obra, pelo menos no campo<br />

econômico, não <strong>de</strong>ixou raízes duradouras. As companhias que criou<br />

para explorar as riquezas do Maranhão e Pará, Pernambuco e Paraíba e<br />

mo<strong>de</strong>rnizar o cultivo e exportação do vinho português não<br />

sobreviveram ao seu governo e encerraram suas ativida<strong>de</strong>s com gran<strong>de</strong>s<br />

prejuízos aos acionistas. Embora admirador do jeito <strong>dos</strong> ingleses<br />

organizarem sua economia e espalhar seus tentáculos sobre o mundo<br />

nunca <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ver a administração colonial como meras feitorias<br />

coletoras <strong>de</strong> riquezas para a Coroa. Por razões <strong>de</strong> estado não hesitou<br />

em usar <strong>de</strong> cruelda<strong>de</strong> com propósitos disfarça<strong>dos</strong>. Há quem diga que<br />

foi por motivos essencialmente econômicos que perseguiu os jesuítas,<br />

os nobres das velhas casas portuguesas e até os pequenos comerciantes<br />

do seu país. Aos primeiros confiscou to<strong>dos</strong> os bens, como sobejamente<br />

144


sabido. 97 Aos últimos tratou com não menos dureza enchendo as<br />

prisões <strong>de</strong> miseráveis <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> uma singela agitação <strong>de</strong> rua em que uma<br />

turba eclética e acéfala protestava contra o monopólio do vinho que o<br />

marquês tinha jogado nas mãos da Companhia <strong>de</strong> Vinho do Médio<br />

Douro. Aos nobres perseguiu <strong>de</strong> várias formas. Mas a pior <strong>de</strong>las foi a<br />

urdidura contra o duque <strong>de</strong> Aveiro e a família Távora que acabaram<br />

executa<strong>dos</strong> com requintes <strong>de</strong> extrema cruelda<strong>de</strong> sob acusação <strong>de</strong><br />

atentarem contra a vida <strong>de</strong> d. <strong>José</strong> I. Ao martírio da execução cruel se<br />

seguiu o sequestro <strong>dos</strong> bens <strong>dos</strong> acusa<strong>dos</strong> sendo, não por acaso, o<br />

duque <strong>de</strong> Aveiro , um <strong>dos</strong> homens mais ricos do reino.<br />

Contam os admiradores <strong>de</strong> Pombal que ele encerrou o seu<br />

longo governo <strong>de</strong>ixando o tesouro português em boa situação,<br />

corrigindo uma malversação que d. <strong>José</strong> I tinha herdado <strong>de</strong> d. João V.<br />

Para os críticos do marquês aconteceu exatamente o inverso e o déficit<br />

das contas da Coroa foi ainda mais agravado. Na opinião mo<strong>de</strong>rna do<br />

viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Carnaxi<strong>de</strong>, 98 o marquês <strong>de</strong> Pombal teria sangrado o tesouro<br />

português através <strong>de</strong> três veias expostas. A primeira teria sido a<br />

reconstrução <strong>de</strong> Lisboa, <strong>de</strong>struída pelo apocalíptico terremoto. Pombal<br />

teria exagerado na reconstrução criando uma nova Lisboa à sombra da<br />

sua própria megalomania querendo inseri-la no clube das gran<strong>de</strong>s<br />

capitais da Europa. A segunda veia teria vindo das enormes <strong>de</strong>spesas<br />

feitas para fixar as fronteiras do Brasil <strong>de</strong>pois do Tratado <strong>de</strong> Limites<br />

firmado com a Espanha, incluindo a campanha <strong>de</strong> absorção <strong>dos</strong><br />

guaranis reduzi<strong>dos</strong> às missões Jesuítas do Prata. Gastou-se muito<br />

dinheiro para sossegar os <strong>pobres</strong> índios que pegaram em armas quando<br />

lhes foi comunicado que por força da revisão do velho Tratado <strong>de</strong><br />

Tor<strong>de</strong>silhas eles passariam a fazer parte do Brasil, orgulhosa colônia <strong>de</strong><br />

97 Na verda<strong>de</strong>, ele visava não só os bens <strong>dos</strong> inacianos mas, sobretudo, tentava<br />

<strong>de</strong>smantelar a organização produtiva multinacional que eles montaram e que eram<br />

uma concorrência temerosa às companhias que o marquês pensava em criar. Nisso ele<br />

estava coberto <strong>de</strong> razão. Mas, mais do que odiar os jesuítas, Pombal <strong>de</strong>via admirá-los.<br />

98 O Brasil na Administração Pombalina.<br />

145


Portugal, on<strong>de</strong> Jesuítas não eram bem vin<strong>dos</strong>. A terceira fonte da<br />

sangria teria sido a guerra com a Espanha, dispendiosíssima campanha<br />

contra os eternos <strong>de</strong>safetos da península. De sorte que nosso caro<br />

marquês, sombra, braço e consciência <strong>de</strong> d. <strong>José</strong> I, costuma ser muito<br />

lembrado, mas sempre num cenário polêmico e cheio <strong>de</strong> paixões. Para<br />

Minas e o Brasil talvez a era pombalina não tenha feito muita diferença<br />

pois do que precisávamos mesmo era <strong>de</strong> um projeto colonizador<br />

duradouro e sustentável, coisa que nunca existiu nem <strong>de</strong> fato nem na<br />

cabeça <strong>de</strong> nenhum rei ou ministro português. Basta lembrarmos que<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> Pombal a política portuguesa para as colônias passou ao<br />

controle absoluto <strong>de</strong> Martinho <strong>de</strong> Melo e Castro, tão obstinado como o<br />

próprio marquês e que vivia cada vez mais convencido <strong>de</strong> que a penúria<br />

tributária da fazenda real na rica capitania das minas <strong>de</strong>corria <strong>dos</strong><br />

mineiros terem conseguido levar a arte da sonegação ao nível da<br />

perfeição. Morreu em ida<strong>de</strong> avançada muito frustrado por não ter<br />

conseguido corrigir isso.<br />

Os reis reinam e seus prepostos governam. Alguns exageram no<br />

papel, como tinha feito nosso amigo Pombal. Mas a maioria não tinha<br />

pretensão <strong>de</strong> estadista e se contentava em ser fiel servidor.<br />

Especialmente nas colônias on<strong>de</strong>, longe <strong>dos</strong> ministros, podiam<br />

enriquecer com certa tranquilida<strong>de</strong>. O governo, na colônia do Brasil, era<br />

o Ministério da Marinha e Ultramar e os governadores a ele liga<strong>dos</strong>,<br />

geral e das capitanias da Coroa. As capitanias feudatárias, como se<br />

recorda, eram governadas por capitães-mores.<br />

A história <strong>dos</strong> governadores em Minas começa com Antônio<br />

Paes <strong>de</strong> Sen<strong>de</strong>. Era ele o governador da Capitania do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

quando foi <strong>de</strong>scoberto o ouro <strong>de</strong> Itaverava. Mas ele adoeceu e veio a<br />

morrer pouco <strong>de</strong>pois. Assim, quem teve a glória <strong>de</strong> remeter as amostras<br />

do metal a Sua Majesta<strong>de</strong> anunciando oficialmente a alvissareira<br />

<strong>de</strong>scoberta na região <strong>dos</strong> Cataguás, foi seu sucessor Sebastião <strong>de</strong> Castro<br />

Caldas. Este governou <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1695 a abril <strong>de</strong> 1697 um tanto<br />

preguiçosamente e nem chegou a visitar a região das prometidas minas.<br />

O primeiro a fazer isso foi o seu sucessor Artur <strong>de</strong> Sá. E não se<br />

146


arrepen<strong>de</strong>u pois, ajudado por Borba Gato, pô<strong>de</strong> coletar boa quantida<strong>de</strong><br />

do metal para si próprio.<br />

Artur <strong>de</strong> Sá e Menezes foi o primeiro governador que cuidou <strong>de</strong><br />

organizar a corrida do ouro. Aliás, ele foi a primeira autorida<strong>de</strong><br />

verda<strong>de</strong>ira que botou os pés no sertão das minas. Tinha ele ido para São<br />

Paulo em 1697 para resolver a questão das patacas castelhanas. Falo da<br />

insatisfação <strong>dos</strong> paulistas quando um <strong>de</strong>creto real <strong>de</strong>terminou que as<br />

tais patacas passassem a valer pelo que pesavam e não pelo valor <strong>de</strong><br />

face estampado que era <strong>de</strong> 750 reis. Acontece que os mais espertos<br />

vinham raspando as laterais das moedas para retirar e ven<strong>de</strong>r o metal<br />

pelo peso. Com isso as moedas passaram a conter muito menos metal<br />

do que quando foram cunhadas. 99 Por isso o rei <strong>de</strong>terminou que o valor<br />

<strong>de</strong> cada moeda fosse reavaliado pelo seu peso real. Essa <strong>de</strong>cisão<br />

indignou os paulistas e o governador teve que ir lá botar panos quentes.<br />

Nessa ocasião, Borba Gato que se encontrava fugitivo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que fora<br />

acusado da morte <strong>de</strong> d. Rodrigo Castel Branco, sabendo da estada do<br />

governador em sua vila natal, veio se apresentar humil<strong>de</strong>mente e pedir<br />

perdão. Em troca prometia mostrar o segredo das minas do Sabarabuçu<br />

<strong>de</strong> que era <strong>de</strong>scobridor. O governador prontamente aceitou. E não se<br />

arrepen<strong>de</strong>u. Três anos <strong>de</strong>pois lá foi ele para o Rio das Velhas para<br />

cobrar a promessa. Tinha vindo do Rio <strong>de</strong> Janeiro pelo caminho novo,<br />

inaugurado por ele, mesmo estando inacabado. Para Borba trazia uma<br />

boa notícia: acabava <strong>de</strong> promovê-lo a guarda-mor geral da Repartição<br />

do Rio das Velhas, cargo que acabava <strong>de</strong> criar sob medida para ele.<br />

Borba, por sua vez, cumpriu sua parte no trato: mostrou seu lendário<br />

<strong>de</strong>scoberto e o governador reservou para si próprio a melhor data. Em<br />

poucos dias Artur <strong>de</strong> Sá retirou a fabulosa quantia <strong>de</strong> trinta arrobas <strong>de</strong><br />

ouro da mina que o Borba lhe reservara. A turma do governador cavava<br />

um buraco, ia <strong>de</strong>scansar e quando voltava o dito cujo estava cheio <strong>de</strong><br />

ouro. Nunca mais se viu uma mina tão produtiva assim, tanto que Artur<br />

<strong>de</strong> Sá voltou para Portugal garantido numa vida faustosa até o último<br />

99 Para valer <strong>de</strong> fato 750 reis elas <strong>de</strong>viam pesar meia oitava.<br />

147


<strong>dos</strong> seus dias. Mas antes cuidou <strong>de</strong> organizar um pouco a <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m<br />

imperante nomeando as autorida<strong>de</strong>s locais como era sua obrigação. A<br />

pena do governador funcionou febril e foram muitas as nomeações. Em<br />

janeiro <strong>de</strong> 1698, ou seja, antes mesmo <strong>de</strong> visitar a região pela vez<br />

primeira, <strong>de</strong>stituiu <strong>José</strong> <strong>de</strong> Camargo Pimentel do cargo <strong>de</strong> Guarda-mor<br />

e nomeou em seu lugar, Garcia Rodrigues Velho. Em outubro do<br />

mesmo ano nomeou Borba Gato tenente-general das Minas do<br />

Sabarabuçu. No ano seguinte <strong>José</strong> <strong>de</strong> Camargo Pimentel foi reabilitado<br />

por Artur <strong>de</strong> Sá e nomeado alcai<strong>de</strong> mor da capitania feudatária <strong>de</strong> São<br />

Paulo. Ele porém não assumiu e voltou para as Minas Gerais. Em 1699<br />

Garcia Rodrigues Velho <strong>de</strong>ixou o cargo <strong>de</strong> Guarda-mor geral e foi<br />

substituído por Manuel Lopes <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>iros. Em 1700, <strong>de</strong>vido ao gran<strong>de</strong><br />

número <strong>de</strong> gente catando ouro, Artur <strong>de</strong> Sá resolveu dividir a região em<br />

duas repartições. Entregou a repartição das Minas <strong>dos</strong> Cataguás a<br />

Manuel Lopes <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>iros e nomeou Borba Gato guarda-mor da<br />

repartição do Rio das Velhas, como vimos. Pouco <strong>de</strong>pois Me<strong>de</strong>iros foi<br />

substituído por Domingos da Silva Bueno e se manteve no cargo até<br />

1708.<br />

Quando veio ao encontro <strong>de</strong> Borba Gato em 1700, trouxe<br />

também o regulamento das minas, que ele tinha criado e foi com ele<br />

que os guardas-mores, recém nomea<strong>dos</strong>, pu<strong>de</strong>ram trabalhar, impondo<br />

alguma or<strong>de</strong>m. Interessante notar que só então a repartição das datas<br />

pô<strong>de</strong> ser regulamentada e as repartições feitas antes tiveram que ser<br />

ratificadas. Com certeza muita gente <strong>de</strong>ve ter sido fintada nessa<br />

transição. O governador permaneceu nas minas até 1701 cuidando da<br />

implementação do seu regulamento. Ainda no seu governo foi criada a<br />

Superintendências das Minas, sendo nomeado o ouvidor da comarca do<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro - Dr. <strong>José</strong> Vaz Pinto - como superinten<strong>de</strong>nte, com a<br />

principal missão <strong>de</strong> implantar o Regimento das Minas. 100 Nessa mesma<br />

100 Pinto ficou no cargo pouco mais <strong>de</strong> dois anos. É que ele se <strong>de</strong>senten<strong>de</strong>u com<br />

Valentim Pedroso, quando ameaçou abrir <strong>de</strong>vassa para apurar um crime em que o<br />

voluntarioso paulista estava metido. Foi preciso a intervenção <strong>de</strong> Borba Gato para<br />

apaziguar os ânimos. Mas, <strong>de</strong> toda forma, o superinten<strong>de</strong>nte achou melhor se mandar<br />

das Minas. Naquele tempo, os irmãos Pedroso costumavam meter o <strong>de</strong>do na cara <strong>de</strong><br />

148


Garcia Rodrigues Paes foi nomeado Guarda-mor Geral perpétuo das<br />

Minas Gerais, com direito a nomear guardas-mores auxiliares. Cuidou<br />

ainda <strong>de</strong> estabelecer os registros on<strong>de</strong> o quinto do ouro era coletado,<br />

sendo essa a primeira forma estabelecida para tributação do metal.<br />

Po<strong>de</strong> até ser que Artur <strong>de</strong> Sá e Meneses tenha levado muita<br />

vantagem pessoal junto aos primeiros mineradores, mas seria injusto<br />

não reconhecer nele o homem que começou a organizar aquele caos.<br />

Deixou o cargo no dia 15 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1702. Daí pra frente os<br />

governadores acharam que não tinham muito que fazer e foram<br />

empurrando com a barriga. Só com a posse <strong>de</strong> Antônio <strong>de</strong><br />

Albuquerque Coelho em 1709 é que a obra <strong>de</strong> organização das Minas<br />

Gerais teve continuida<strong>de</strong>. Enquanto isso o povo se aproveitou da falta<br />

<strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> e partiu para um arremedo <strong>de</strong> Guerra Civil, aquele<br />

<strong>de</strong>sentendimento entre paulistas e emboabas.<br />

Antônio <strong>de</strong> Albuquerque botou or<strong>de</strong>m nas minas do ouro,<br />

chamando paulistas e emboabas ao juízo e encerrando o conflito. Isso<br />

aconteceu <strong>de</strong>pois que Manuel Nunes Viana escorraçou o governador d.<br />

Fernando <strong>de</strong> Lencastre fazendo-o voltar envergonhado para o Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> uma frustrada tentativa <strong>de</strong> apaziguar os ânimos e<br />

retomar o controle da situação, no pico da Guerra <strong>dos</strong> Emboabas. Por<br />

conta <strong>de</strong>ssa e outras molezas, Lencastre foi substituído por Antônio <strong>de</strong><br />

Albuquerque que tomou posse à 11 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1709 como governador<br />

da capitania do Rio <strong>de</strong> Janeiro, São Paulo e Minas. Antes já tinha<br />

prestado bons serviços à Coroa no Pará e Maranhão e espantado os<br />

franceses das Guianas. Assim, chegava cheio <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>. Tanto que<br />

partiu para a região conflagrada com uma escolta <strong>de</strong> apenas doze<br />

homens e logo que chegou, foi para o Caeté, chamou Nunes Viana<br />

<strong>de</strong>baixo da sua autorida<strong>de</strong> e o exilou na fazenda da Taboa que o<br />

todo mundo e esse foi um <strong>dos</strong> estopins da Guerra <strong>dos</strong> Emboabas. Depois que o<br />

superinten<strong>de</strong>nte se foi o próprio Borba Gato assumiu o lugar <strong>de</strong>le e não teve nenhum<br />

problema já que era tio querido <strong>dos</strong> leva<strong>dos</strong> irmãos Pedroso.<br />

149


caudilho conservava lá pros lado da Bahia 101 e que resultava ser seu<br />

quartel general, reduto <strong>de</strong> crimes impuníveis. Em seguida reconduziu<br />

Borba Gato ao posto <strong>de</strong> Superinten<strong>de</strong>nte das Minas do Rio das Velhas<br />

<strong>de</strong> que o velho ban<strong>de</strong>irante tinha sido <strong>de</strong>posto por Viana.<br />

Mas entre os paulistas em geral ele não foi assim tão respeitado<br />

pois ao tentar obstar-lhes a passagem para o Rio das Mortes, on<strong>de</strong>, sob<br />

o comando <strong>de</strong> Amador Bueno da Veiga, pretendiam <strong>de</strong>volver o<br />

massacre do Capão da Traição, ouviu se referirem a ele como um<br />

“puto emboaba”. 102 O xingamento foi na língua brasílica e um fra<strong>de</strong> que<br />

acompanhava Antônio <strong>de</strong> Albuquerque teve que traduzir a incômoda<br />

referência, mas não sabemos se ele foi fiel às intenções do xingador. De<br />

qualquer forma o governador resolveu <strong>de</strong>sistir da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> barrar os<br />

paulistas e se mandou pra Parati. Mas mandou avisar aos emboabas em<br />

São João <strong>de</strong>l Rei que os paulistas estavam subindo com o estandarte da<br />

vingança.<br />

Logo a 9 <strong>de</strong> novembro, para facilitar a administração, el rei<br />

separou São Paulo e Minas do Rio <strong>de</strong> Janeiro e <strong>de</strong>u a nova capitania<br />

para Albuquerque tomar conta. Aí ele implantou a primeira estrutura<br />

efetiva para administrar a região do ouro. Em 1711 constituía as <strong>vilas</strong><br />

do Ribeirão do Carmo, Vila Rica e Sabará, com suas respectivas<br />

câmaras, constituídas <strong>de</strong> moradores notáveis escolhi<strong>dos</strong> entre os<br />

chama<strong>dos</strong> “homens bons” do lugar. Logo em seguida ele teve que<br />

<strong>de</strong>scer correndo para o Rio <strong>de</strong> Janeiro, a chamado do novo governador,<br />

pois os franceses, capitanea<strong>dos</strong> pelo pirata Duguay-Trouin, ameaçavam<br />

invadir a povoação. Mobilizou rapidamente os potenta<strong>dos</strong> locais,<br />

conseguiu formar uma tropa resoluta e bem armada com paulistas e<br />

emboabas lado a lado, uni<strong>dos</strong> contra o inimigo comum. Em apenas 11<br />

101 Essa solução parece um pouco estranha pois Nunes Viana, ao se <strong>de</strong>clarar<br />

governador <strong>de</strong> uma região em armas, tinha <strong>de</strong>safiado a autorida<strong>de</strong> do rei. Assim havia<br />

cometido um crime <strong>de</strong> lesa-majesta<strong>de</strong> punível com a pena <strong>de</strong> morte. O próprio rei<br />

andou fazendo vista grossa como vimos.<br />

102 Isso foi em outubro <strong>de</strong> 1709 quando Albuquerque voltava para o Rio <strong>de</strong> Janeiro e<br />

encontrou a tropa acampada em Guaratinguetá.<br />

150


dias <strong>de</strong>sceu pelo caminho novo e cercou o Rio <strong>de</strong> Janeiro. Mas já era<br />

tar<strong>de</strong>, o governador tinha se rendido ao pirata francês, com preguiça <strong>de</strong><br />

lutar. Mesmo assim houve muito ato <strong>de</strong> bravura da parte do povo das<br />

minas e entre eles, muito especialmente, Bento do Amaral Coutinho, o<br />

mesmo morador <strong>de</strong> Caeté que comandou o massacre do Capão da<br />

Traição, no famoso episódio da Guerra <strong>dos</strong> Emboabas. Dizem que ele<br />

teria migrado para Minas em 1706, para fugir das penas <strong>de</strong> um<br />

assassinato. Mas, <strong>de</strong> qualquer forma, morreu em combate, esbanjando<br />

provas <strong>de</strong> coragem e valentia. Era carioca e não aceitou <strong>de</strong> forma<br />

alguma que os franceses pu<strong>de</strong>ssem transformar a futura cida<strong>de</strong><br />

maravilhosa numa doce riviera.<br />

Mas voltando a Antônio <strong>de</strong> Albuquerque, ele não era brasileiro<br />

como pensam muitos autores e sim português nascido em Lisboa e<br />

batizado em 14 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1671. Contam que quando ele terminou<br />

seus serviços no Brasil e voltava a Portugal, a nau em que viajava foi<br />

assaltada por piratas mouros. Foram dias <strong>de</strong> escaramuças e atos <strong>de</strong><br />

heroísmo <strong>dos</strong> portugueses e brasileiros embarca<strong>dos</strong>. Albuquerque era a<br />

maior autorida<strong>de</strong> a bordo, mas recusou o comando da <strong>de</strong>fesa alegando<br />

que no mar quem comanda é o capitão do navio e, isso dito, passou a<br />

combater como um simples soldado <strong>de</strong> espada e trabuco na mão, na<br />

linha <strong>de</strong> frente da <strong>de</strong>fesa. Tão convincente foi o seu exemplo que os<br />

piratas <strong>de</strong>sistiram <strong>de</strong> prosseguir no atentado e a nau pô<strong>de</strong> chegar a salvo<br />

ao seu <strong>de</strong>stino. Era <strong>de</strong> fato um autêntico general, temperado nos<br />

campos <strong>de</strong> batalha. Morreu em 1725 em Luanda, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter sido<br />

governador ali por quatro anos. Viveu até aos setenta anos, sempre<br />

prestando relevantes serviços à sua Majesta<strong>de</strong>. Certamente não teve<br />

porque se queixar da monotonia da vida.<br />

Ao lado <strong>de</strong> Arthur <strong>de</strong> Sá e <strong>de</strong> Antônio <strong>de</strong> Albuquerque, d. Brás<br />

Baltazar da Silveira foi um <strong>dos</strong> organizadores da ocupação da região das<br />

Minas. Tomou posse como governador da Capitania <strong>de</strong> São Paulo e<br />

Minas em 1713. Uma das suas primeiras providências foi elevar os<br />

principais arraiais em <strong>vilas</strong>, completando o que Antônio <strong>de</strong><br />

Albuquerque já tinha iniciado. Assim fez com Caeté que virou Vila<br />

Nova da Rainha, o Serro que virou Vila do Príncipe e a Vila <strong>de</strong><br />

151


Pitangui. Em seguida criou as comarcas <strong>de</strong> Vila Rica, Sabará e Serro,<br />

introduzindo as ouvidorias e consolidando a estrutura jurídica que<br />

Portugal tinha <strong>de</strong>senhado para seu domínio colonial da América. Para<br />

arrematar, cumprindo or<strong>de</strong>ns <strong>de</strong> Sua Majesta<strong>de</strong>, baixou <strong>de</strong>creto <strong>de</strong><br />

expulsão das or<strong>de</strong>ns religiosas <strong>de</strong> Minas, inibindo a ação <strong>dos</strong> fra<strong>de</strong>s que<br />

gostavam muito <strong>de</strong> criar caso, instigando ba<strong>de</strong>rnas e motins, como<br />

tinha acontecido no conflito <strong>dos</strong> emboabas. Mas pesa sobre ele o<br />

escárnio <strong>de</strong> ter tentado jogar sujo com as câmaras das <strong>vilas</strong> em 1715. É<br />

aquela história <strong>de</strong> que Sua Majesta<strong>de</strong> havia <strong>de</strong>terminado que o sistema<br />

<strong>de</strong> arrecadação passasse a ser por bateias e ele, com receio <strong>de</strong> encontrar<br />

dificulda<strong>de</strong>s no convencimento, começou a jogar uma câmara contra<br />

outra dizendo a uma que a outra já havia aceito o sistema, o que não era<br />

verda<strong>de</strong>. A manobra era ingênua, o povo percebeu e pegou em armas.<br />

Dias <strong>de</strong>pois d. Brás baixava uma portaria confirmando a continuida<strong>de</strong><br />

do sistema vigente. Depois teve que se explicar com o rei, mas acabou<br />

convencendo-o <strong>de</strong> que não dava pra ficar atiçando aquela gente<br />

embirrada.<br />

D. Pedro Miguel <strong>de</strong> Almeida Portugal, o famoso con<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Assumar, costuma ser muito mal lembrado pelos mineiros. Associa-se a<br />

ele, antes <strong>de</strong> mais nada, a cruel execução <strong>de</strong> Felipe <strong>dos</strong> Santos, um <strong>dos</strong><br />

cabeças da “Rebelião <strong>de</strong> Vila Rica” <strong>de</strong> 1720. Agrava isso o fato <strong>de</strong>le ter<br />

que fazer falsas promessas para sufocar a rebelião, usando <strong>de</strong> um truque<br />

um tanto vil. 103 Hoje se questiona muito o peso <strong>de</strong>sse movimento. Para<br />

Afonso <strong>de</strong> Taunay a tal rebelião não passou <strong>de</strong> um <strong>de</strong>sentendimento<br />

entre portugueses e que se restringia a questões fiscais pontuais que<br />

nada tiveram a ver com intenções nacionalistas <strong>de</strong> libertação da<br />

América Portuguesa. No entanto, Felipe <strong>dos</strong> Santos costuma ser<br />

lembrado como um autêntico precursor da Inconfidência Mineira. Mas<br />

103 Como se recorda, Assumar, acossado e in<strong>de</strong>feso no palácio do Ribeirão do Carmo,<br />

teve que prometer cumprir todas as exigências da turba enfurecida. Sossega<strong>dos</strong> os<br />

ânimos, porém, juntou uma turma <strong>de</strong> velhos ban<strong>de</strong>irantes paulistas – <strong>de</strong> quem tinha<br />

muita admiração – e marchou sobre o reduto <strong>de</strong> antigos emboabas no morro <strong>de</strong><br />

Paschoal da Silva em Vila Rica on<strong>de</strong> reverteu a situação, restaurando a sua or<strong>de</strong>m.<br />

152


sufocar essa rebelião foi apenas um <strong>dos</strong> episódios em que o con<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Assumar mostrou sua autorida<strong>de</strong>. Assim, como já vimos, também fez<br />

com o po<strong>de</strong>roso potentado Manuel Nunes Viana e outro não menos<br />

po<strong>de</strong>roso, o caudilho <strong>de</strong> Pitangui Domingos Rodrigues do Prado.<br />

Graças à coragem do con<strong>de</strong> é que a obra <strong>de</strong> consolidação da<br />

autorida<strong>de</strong> da Coroa Portuguesa na região das minas pô<strong>de</strong> ser<br />

concluída. Para isso <strong>de</strong>ve que enfrentar, expulsar, pren<strong>de</strong>r ou executar<br />

magnatas atrevi<strong>dos</strong>, magistra<strong>dos</strong> corruptos, fra<strong>de</strong>s mercenários,<br />

salteadores vulgares e valentões em geral. Assim completou a obra <strong>de</strong><br />

dotar Minas <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> e justiça. 104 Assim o pessoal pô<strong>de</strong> viver um<br />

pouquinho mais em paz, sem ter que caminhar olhando para trás o<br />

tempo todo.<br />

D. Pedro foi o terceiro con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Assumar e, graças a sua<br />

coragem e talentos militares, aos <strong>de</strong>zessete anos já era coronel e aos<br />

vinte e um já era general. Quando botou or<strong>de</strong>m nas minas tinha pouco<br />

mais <strong>de</strong> trinta anos. Interessante notar que o con<strong>de</strong>, além <strong>de</strong> estrategista<br />

militar e político habili<strong>dos</strong>o, tinha fama <strong>de</strong> estar entre os quatro nobres<br />

portugueses mais bem educa<strong>dos</strong> da sua época e seus escritos<br />

certamente atestam mais esse talento inusitado <strong>de</strong> tão <strong>de</strong>preciada figura.<br />

Depois que voltou a Portugal, pelos belos serviços presta<strong>dos</strong> ao<br />

rei na América, d. Pedro <strong>de</strong> Almeida ganhou o título <strong>de</strong> Marques <strong>de</strong><br />

Castelo Novo e foi nomeado vice-rei da Índia. Partiu imediatamente<br />

para o Oriente e sua primeira missão foi exatamente fazer o que mais<br />

gostava, ou seja, sossegar rebel<strong>de</strong>s <strong>de</strong>scontentes com a dominação<br />

portuguesa. É que o Rajá <strong>de</strong> Bounsoló andou esnobando sua autorida<strong>de</strong><br />

logo que ele chegou, não lhe prestando as homenagens que ele julgava<br />

merecedor, dada sua condição <strong>de</strong> vice-rei.<br />

Assumar entestou a sua armada, tomou as cinco fortalezas on<strong>de</strong><br />

a turma do rajá estava aquartelada e restabeleceu a or<strong>de</strong>m, como lhe era<br />

<strong>de</strong> costume. Por mais esse serviço ganhou o título <strong>de</strong> marquês <strong>de</strong><br />

Alorna. Depois regressou a Portugal e foi gozar <strong>de</strong> merecida e precoce<br />

104 Nos mol<strong>de</strong>s do tempo e no interesse da coroa Portuguesa, claro.<br />

153


aposentadoria como mordomo mor da rainha d. Maria Ana da Áustria.<br />

Foi por conta <strong>de</strong> gente como d. Pedro Miguel <strong>de</strong> Almeida Portugal, 3º<br />

con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Assumar, marquês <strong>de</strong> Castelo Novo, 44º vice-rei da Índia<br />

Portuguesa e 1º marquês <strong>de</strong> Alorna; que o pequeno reino da Europa se<br />

tornou uma gran<strong>de</strong> potência mundial, durante quase três séculos. Mas<br />

apesar <strong>de</strong> tudo, nosso con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Assumar morreu muito atormentado<br />

sob suspeita <strong>de</strong> ter sido excessivamente corrupto na sua administração<br />

do vice-reino da Índia. Mas muita gente jura que tais acusações foram<br />

simples perseguição do marques <strong>de</strong> Pombal. É que o filho do con<strong>de</strong><br />

tinha sido acusado <strong>de</strong> participar do complô para assassinar o rei d. <strong>José</strong><br />

I, por conta do que passou <strong>de</strong>zoito anos na prisão. Quando saiu, até<br />

tentou resgatar a imagem do pai como era seu <strong>de</strong>sejo, mas não houve<br />

mais tempo. Assumar teve que esperar o julgamento da história: virou<br />

herói português, mas por aqui ainda se fala muito mal <strong>de</strong>le até hoje.<br />

D. Lourenço <strong>de</strong> Almeida foi o primeiro governador da capitania<br />

autônoma <strong>de</strong> Minas Gerais, vale dizer, <strong>de</strong>pois que São Paulo se separou<br />

das suas minas para sempre. Isso ocorreu em 1720. Antes ele havia sido<br />

governador <strong>de</strong> Pernambuco por dois anos e, antes ainda, havia servido<br />

Sua Majesta<strong>de</strong> nas possessões da Ásia.<br />

D. Lourenço <strong>de</strong> Almeida assumiu o governo da capitania no<br />

lugar do con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Assumar em 1721 e permaneceu até 1731. Sua<br />

principal incumbência no princípio do mandato era instalar as Casas <strong>de</strong><br />

Fundição. O povo negociou e propôs manter o sistema <strong>de</strong> arrecadação<br />

por cotas fixas, porém, elevando a cota anual para 37 arrobas. Ele<br />

aceitou, mas a Coroa não ratificou o trato, insistindo nas Casas <strong>de</strong><br />

Fundição. Em fevereiro <strong>de</strong> 1725, finalmente, foi instalada a fundição <strong>de</strong><br />

Vila Rica. Cinco anos <strong>de</strong>pois, d Lourenço chegou a baixar a alíquota do<br />

quinto para 12% o que durou dois anos, voltando aos regulares 20% em<br />

1732, logo após a sua saída.<br />

Parece que d. Lourenço teve especial preocupação em, digamos,<br />

civilizar os maus costumes <strong>dos</strong> <strong>de</strong>serda<strong>dos</strong>. Vai daí proibiu que mulatos,<br />

negros, basta<strong>dos</strong> e carijós andassem arma<strong>dos</strong> e que as pretas fossem<br />

154


ven<strong>de</strong>r quitandas na boca das minas. Também recomendou ao rei que<br />

proibisse que os mulatos pu<strong>de</strong>ssem receber a herança <strong>de</strong> seus pais. 105<br />

Quer dizer ele era literalmente a favor da perpetuação da condição <strong>dos</strong><br />

<strong>de</strong>serda<strong>dos</strong>.<br />

No seu governo <strong>de</strong>u-se o famoso episódio da emissão <strong>de</strong><br />

moedas falsas que chegaram a circular pela capitania durante algum<br />

tempo. É que por volta <strong>de</strong> 1730 Inácio <strong>de</strong> Souza Ferreira, Antônio<br />

Pereira <strong>dos</strong> Santos e outros implantaram uma fundição com esse<br />

propósito na serra do Paraopeba que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então, passou a se chamar<br />

serra da Moeda.<br />

Mas, antes disso, seu mandato passou por episódio bem mais<br />

auspicioso. Foi em 1729 quando d. Lourenço, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> muita<br />

protelação, finalmente resolveu participar à Coroa a <strong>de</strong>scoberta <strong>dos</strong><br />

diamantes do Tijuco. Remeteu seis pedrinhas a Lisboa para avaliação e<br />

foi então que se confirmou o que to<strong>dos</strong> já sabiam, menos o rei.<br />

Tratavam-se <strong>de</strong> pedras <strong>de</strong> diamante da mais fina lavra. D. Lourenço até<br />

tomou uma chamada <strong>de</strong> Sua Majesta<strong>de</strong> por ter <strong>de</strong>morado tempo <strong>de</strong>mais<br />

para trazer a <strong>de</strong>scoberta à luz. Dizem que, do governador ao ouvidor,<br />

todo mundo andou botando algum empenho nesse retardo,<br />

aproveitando para embolsar alguns lotes das pedrinhas, enquanto o rei<br />

não se dava conta da parte que lhe tocava. Mas d. João acabou se<br />

esquecendo <strong>de</strong> tudo e d. Lourenço ainda pô<strong>de</strong> <strong>de</strong>sfrutar <strong>de</strong> bons cargos<br />

em Portugal, falecendo em Lisboa em 1750, confortavelmente instalado<br />

na fortuna que tinha levado do Brasil.<br />

Em 1730 d. Lourenço baixava o primeiro regimento da extração<br />

<strong>dos</strong> diamantes. Foi então que se cancelaram as concessões para extração<br />

do ouro e se redistribuíram as datas visando a produção <strong>de</strong> diamantes.<br />

Foi introduzida uma novida<strong>de</strong> tributária com o imposto sendo cobrado<br />

antecipadamente, sob a forma <strong>de</strong> capitação com pagamento <strong>de</strong> uma<br />

taxa fixa por data concedida. No ano seguinte a Coroa apertou o<br />

105 Alegava ele que os mulatos ricos eram muito insolentes.<br />

155


egime, restringindo a produção e aumentado drasticamente o valor da<br />

cota <strong>de</strong> arrendamento.<br />

Em 1734, já sob o governo <strong>de</strong> Gomes Freire <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, a<br />

Coroa resolveu restringir ainda mais a produção e estabeleceu gran<strong>de</strong>s<br />

dificulda<strong>de</strong>s para a presença <strong>de</strong> escravos na região. Foi criada a<br />

intendência <strong>dos</strong> diamantes, figurando como primeiro inten<strong>de</strong>nte Rafael<br />

Pires Pardinho sob a supervisão direta do famoso d. Martinho <strong>de</strong><br />

Mendonça <strong>de</strong> Pina e <strong>de</strong> Proença, enviado da Coroa para observar o que<br />

se passava na região <strong>dos</strong> diamantes. Em 1740 foi introduzido o regime<br />

<strong>dos</strong> contratos <strong>de</strong> arrendamento sendo o primeiro contratador João<br />

Fernan<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Oliveira – pai e seu sócio Francisco Ferreira da Silva. Este<br />

regime, monopolizado quase que integralmente pelos Fernan<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

Oliveira, duraria até 1771 quando foi criada a Real Extração sob<br />

responsabilida<strong>de</strong> direta <strong>de</strong> um inten<strong>de</strong>nte nomeado pela Coroa.<br />

Gomes Freire <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> foi um <strong>dos</strong> mais <strong>de</strong>staca<strong>dos</strong> políticos<br />

da América Portuguesa no século XVIII, leal e competente servidor da<br />

Coroa <strong>de</strong> d. João V e d. <strong>José</strong> I. Em 1733 assumiu o lugar <strong>de</strong> governador<br />

da capitania do Rio <strong>de</strong> Janeiro, cargo que exerceu com <strong>de</strong>staque por<br />

mais <strong>de</strong> trinta anos, inclusive com jurisdição sobre as capitanias <strong>de</strong> São<br />

Paulo e Minas Gerais, retomando a organização política da virada do<br />

século XVII, quando as três capitanias se integravam sob um mesmo<br />

governo. Quando foi escalado para vir ao Brasil Freire <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> não<br />

estava muito bem <strong>de</strong> finanças e teve que contrair uma dívida <strong>de</strong> cinco<br />

mil cruza<strong>dos</strong> com o Conselho Ultramarinho para as <strong>de</strong>spesas <strong>de</strong><br />

traslado. Três anos <strong>de</strong>pois ele ainda não tinha conseguido pagar a dívida<br />

e estava recebendo insistentes cobranças do Conselho. Foi aí que o seu<br />

gran<strong>de</strong> prestígio veio à prova: o rei interce<strong>de</strong>u a seu favor e não só<br />

mandou suspen<strong>de</strong>r a dívida como ainda mandou que lhe fossem<br />

repassa<strong>dos</strong> mais cinco mil cruzado para que ele bem pu<strong>de</strong>sse se<br />

<strong>de</strong>sincumbir <strong>de</strong> seus encargos sem ser mais molestado. Tamanha era a<br />

sua competência que acabou esten<strong>de</strong>ndo sua jurisdição sobre toda a<br />

repartição sul, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o Mato Grosso até a colônia do Sacramento. Foi<br />

no seu governo que se <strong>de</strong>u a <strong>de</strong>scoberta das minas <strong>de</strong> Paracatu que<br />

156


trouxeram um pouco mais <strong>de</strong> alento à Coroa, já então muito<br />

<strong>de</strong>sconfiada <strong>de</strong> que não era a produção do metal que <strong>de</strong>caia e sim a<br />

sonegação que aumentava. Por conta disso também é que Freire <strong>de</strong><br />

Andra<strong>de</strong> mudou o regime <strong>de</strong> arrecadação <strong>dos</strong> quintos introduzindo as<br />

casas <strong>de</strong> Fundição, pela segunda vez em 1750. Também foi ele que<br />

estabeleceu o regime <strong>dos</strong> contratos para exploração <strong>dos</strong> diamantes do<br />

Tijuco, pelo regime <strong>de</strong> capitação. Durante o seu longo e profícuo<br />

mandato teve muitos encargos o que exigia <strong>de</strong>le viagens constantes,<br />

além <strong>de</strong> perío<strong>dos</strong> obrigatórios <strong>de</strong> permanência no Rio <strong>de</strong> Janeiro. Isso o<br />

obrigou a nomear dois governadores interinos para Minas: seu irmão<br />

<strong>José</strong> Antônio (1752 a 1758) e Martinho <strong>de</strong> Mendonça (1736 e 1737).<br />

Pelos seus bons serviços mereceu do rei o título <strong>de</strong> con<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Boba<strong>de</strong>la. Morreu em 1763 no Rio <strong>de</strong> Janeiro e, como não <strong>de</strong>ixou<br />

her<strong>de</strong>iros, o título passou a seu irmão <strong>José</strong> Antônio Freire <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>.<br />

O próximo con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Boba<strong>de</strong>la seria herdado pelo futuro inconfi<strong>de</strong>nte<br />

Francisco <strong>de</strong> Paula Freire <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, mas como ele era bastardo o<br />

título passou para seu irmão mais novo, também chamado Gomes<br />

Freire <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, como seu tio. Este sim, nascido com toda a nobreza<br />

do ventre da con<strong>de</strong>ssa Antônia Xavier <strong>de</strong> Almeida Bourbon, legítima<br />

mulher do Zé Antônio.<br />

Hoje os ilustres con<strong>de</strong>s são lembra<strong>dos</strong> por nós como nome da<br />

principal rua <strong>de</strong> Ouro Preto. Mas o povo parece não ter gostado muito<br />

da i<strong>de</strong>ia e muitos ainda preferem i<strong>de</strong>ntificar a rua pelo seu antigo nome:<br />

Rua Direita.<br />

Muitos cargos importantes havia na administração das<br />

capitanias abaixo do governador. Os principais <strong>de</strong>les compunham as<br />

juntas da fazenda e <strong>de</strong> justiça. Lá estavam os ouvidores em posição <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>staque. Eram eles as autorida<strong>de</strong>s máximas do po<strong>de</strong>r judiciário no<br />

Brasil setecentista, secunda<strong>dos</strong> pelo juiz <strong>de</strong> fora e o juiz ordinário.<br />

Usualmente acumulavam o cargo <strong>de</strong> Juiz <strong>de</strong> Órfãos, Ausentes, Capelas<br />

e Resíduos e <strong>de</strong> Superinten<strong>de</strong>ntes das Terras e Águas Minerais. Como<br />

se recorda, as primeiras comarcas criadas em Minas foram as <strong>de</strong> Vila<br />

157


Rica, do Rio das Velhas e do Rio das Mortes, criadas por d. Brás<br />

Baltasar da Silveira em 1714. 106 Seus primeiros ouvidores foram<br />

respectivamente Manuel da Costa <strong>Amorim</strong>, João <strong>de</strong> Morais Sarmento e<br />

Gonçalo <strong>de</strong> Freitas Baracho. Sarmento morreu antes <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r assumir<br />

e Baracho foi <strong>de</strong>sviado para o seu lugar, pois Antônio <strong>de</strong> Albuquerque<br />

não queria que aquela comarca encrenqueira ficasse sem ouvidor. As<br />

primeiras memórias que temos da atuação <strong>de</strong>sses ilustres<br />

<strong>de</strong>sembargadores não são das mais lisonjeiras. <strong>Amorim</strong>, como já <strong>de</strong>mos<br />

notícia, andou cometendo arbitrarieda<strong>de</strong>s com o pessoal do Ribeirão do<br />

Carmo, o que custou uma ameaça <strong>de</strong> revolta armada e que, no<br />

<strong>de</strong>sdobramento, acabou causando algumas mortes. Mas o ouvidor<br />

propriamente terminou bem sua carreira como <strong>de</strong>sembargador da Casa<br />

<strong>de</strong> Suplicação do reino. Baracho não foi tão feliz, andou, como dizia um<br />

cronista anônimo da época“ pondo os olhos mais na conveniência do<br />

que na lei” e acabou exonerado pelo rei. Parece que assim terminou sua<br />

carreira. Suce<strong>de</strong>-o na ouvidoria do Rio das Velhas o <strong>de</strong>sembargador<br />

Luis Botelho <strong>de</strong> Queiroz, que morreu no cargo logo <strong>de</strong>pois e foi<br />

enterrado na Igreja Gran<strong>de</strong>, vale dizer a nova matriz <strong>de</strong> Nossa Senhora<br />

da Conceição <strong>de</strong> Sabará. Mas antes <strong>de</strong> morrer foi até o Serro Frio on<strong>de</strong><br />

repartiu datas nos ribeiros <strong>de</strong> São Francisco e Santo Antônio, vale dizer<br />

os rios que cortavam o arraial do Tijuco. Suas concessões valeriam até a<br />

<strong>de</strong>scoberta <strong>dos</strong> diamantes quando todas as datas distribuídas para<br />

extração do ouro foram canceladas. D. Lourenço da Almeida não se<br />

dava muito bem com ele, mesmo porque ele se meteu a mudar o regime<br />

da tributação <strong>dos</strong> quintos coisa que, absolutamente, não era da sua<br />

alçada.<br />

O <strong>de</strong>sembargador <strong>Amorim</strong>, por sua vez, foi substituído pelo<br />

ouvidor Manuel Mosqueira da Rosa, à frente da comarca <strong>de</strong> Vila Rica.<br />

Este era tido como um corrupto contumaz que recebia propinas <strong>de</strong><br />

contratadores <strong>de</strong> carne, entre outras sujeiras. Suas <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong> interesse<br />

<strong>dos</strong> tais contratadores eram tão danosas ao povo que um dia estourou<br />

um violento protesto a sua porta, obrigando-o a voltar atrás. O <strong>de</strong>sgaste<br />

106 Na verda<strong>de</strong> a ouvidoria <strong>de</strong> Ouro Preto já existia <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1710.<br />

158


foi tão gran<strong>de</strong> que ele acabou tendo que <strong>de</strong>ixar a ouvidoria. Mas não foi<br />

embora e mais tar<strong>de</strong> se envolveu na chamada rebelião <strong>de</strong> Vila Rica,<br />

quando tentaram <strong>de</strong>por o con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Assumar. Com o golpe sonhava<br />

Mosqueira voltar a ser ouvidor. Em 1722 d. Lourenço <strong>de</strong> Almeida<br />

escrevia ao rei contando que Mosqueira recebeu uma casa <strong>de</strong> presente<br />

do seu antecessor Manoel da Costa <strong>Amorim</strong> para não revelar<br />

irregularida<strong>de</strong> da sua gestão e que o próprio Mosqueira tinha feito o<br />

mesmo com seu sucessor Martinho Vieira. Na mesma carta d.<br />

Lourenço se queixava das brigas do ouvidor <strong>de</strong> Sabará Joseph <strong>de</strong> Souza<br />

Val<strong>de</strong>s com seu antecessor Bernardo Pereira <strong>de</strong> Gusmão que, inclusive,<br />

era <strong>de</strong> ter mandado matá-lo. Era difícil encontrar um ouvidor que não<br />

estivesse envolvido com arbitrarieda<strong>de</strong>s e corrupção.<br />

Uma notável exceção foi o ouvidor <strong>de</strong> Vila Rica Lucas Antônio<br />

Monteiro <strong>de</strong> Barros, futuro viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Congonhas do Campo. 107 Tem<br />

ele uma das mais empolgantes biografias entre os tantos mineiros<br />

singulares do século XVIII, pois foi <strong>de</strong>s<strong>de</strong> inconfi<strong>de</strong>nte até presi<strong>de</strong>nte<br />

da província <strong>de</strong> São Paulo, entre muito outros expressivos cargos que<br />

ocupou. Antes <strong>de</strong> ser o primeiro presi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> São Paulo ele tinha sido<br />

<strong>de</strong>putado constituinte por Minas Gerais em 1823. No ano anterior<br />

havia sido nomeado para as Cortes <strong>de</strong> Lisboa junto com o colega<br />

inconfi<strong>de</strong>nte <strong>José</strong> <strong>de</strong> Resen<strong>de</strong> Costa e mais onze companheiros. Eles,<br />

no entanto, se recusaram a tomar posse diante das tendências das ditas<br />

Cortes em retornar o Brasil a condição <strong>de</strong> colônia <strong>de</strong> que tinha sido<br />

<strong>de</strong>sobrigado por d. João VI em 1815. O <strong>de</strong>sembargador Barros também<br />

foi senador por São Paulo em 1826.<br />

Era muito amigo do vice-rei Luiz <strong>de</strong> Vasconcelos e foi isso,<br />

com certeza, que o livrou <strong>de</strong> ser réu inconfi<strong>de</strong>nte não bastassem seus<br />

evi<strong>de</strong>ntes esforços em favor <strong>de</strong> Tira<strong>de</strong>ntes quando ele se encontrava<br />

encantoado no Rio <strong>de</strong> Janeiro no fatídico maio <strong>de</strong> 1789. Antes disso ele<br />

tinha sido visto falando mal do governo junto com Alvarenga Peixoto<br />

pelas ruas <strong>de</strong> Vila Rica. Mas o vice-rei fez vista grossa e permitiu que ele<br />

fugisse para Lisboa em pleno calor das prisões. Lá só teve que enfrentar<br />

107 De Tomás Antônio Gonzaga e Ignácio <strong>José</strong> <strong>de</strong> Alvarenga Peixoto já falei muito no<br />

segundo livro <strong>de</strong>ssa Trilogia.<br />

159


um interrogatoriozinho nem um pouco constrangedor, selando sua<br />

liberda<strong>de</strong>. Mas não era amigo do vice-rei Vasconcelos só pelos seus<br />

belos predica<strong>dos</strong> <strong>de</strong> ser filho <strong>de</strong> Congonhas do Campo que, diga-se <strong>de</strong><br />

passagem, naquele tempo já era santuário, mas nem tinha ainda tido o<br />

privilégio <strong>de</strong> ter Antônio Francisco Lisboa imortalizando o seu<br />

maravilhoso setecentismo. É que ele era realmente uma pessoa<br />

interessante e era presença imprescindível nas rodas cultas do Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro, daquele tempo.<br />

Antes <strong>de</strong> iniciar sua carreira política o futuro viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Congonhas<br />

trilhou ainda uma brilhante carreira pública. Isso começou assim que ele<br />

se livrou <strong>dos</strong> incômo<strong>dos</strong> daquele interrogatório <strong>de</strong> Lisboa quando<br />

tratou <strong>de</strong> dar um impulso em sua carreira <strong>de</strong> servidor da coroa. Assim<br />

habilitou-se no Desembargo do Passo e foi ser juiz <strong>de</strong> fora nos Açores<br />

on<strong>de</strong> ficou até 1793, longe <strong>dos</strong> trágicos efeitos da Inconfidência<br />

Mineira. De volta ao Brasil foi ouvidor <strong>de</strong> Vila Rica, Inten<strong>de</strong>nte do<br />

Ouro no Rio <strong>de</strong> Janeiro e Ministro do Tribunal da Relação da Bahia. A<br />

partir daí foi que iniciou propriamente sua carreira política.<br />

O viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Congonhas do Campo morreu em 1851 no Rio<br />

<strong>de</strong> Janeiro com 86 anos vividíssimos.<br />

160


Os bispos e padres<br />

No tempo do padroado o estado e a Igreja se confundiam.<br />

Vai daí que o bispo era a segunda autorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma capitania e <strong>de</strong>via<br />

assumir o lugar do governador em sua ausência.<br />

D. frei Manuel da Cruz foi o primeiro bispo <strong>de</strong> Mariana. Era<br />

monge cisterciense, graduado em teologia e direito canônico. Fez<br />

brilhante carreira como professor antes <strong>de</strong> ser mandado para o Brasil,<br />

inicialmente como bispo do Maranhão, cargo que exerceu <strong>de</strong> 1739 até<br />

1745. Depois foi nomeado para assumir o recém criado bispado <strong>de</strong><br />

Mariana. Parece que d. Manuel não era <strong>dos</strong> mais ativos e gastou quase<br />

dois anos para por o pé na estrada rumo a sua nova diocese. Assim, só<br />

partiu no dia 03 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1747. Andou vinte indolentes dias até<br />

chegar ao aprazível Sítio da Canavieira no Piauí. Gostou tanto que<br />

resolveu parar para <strong>de</strong>scansar pois se sentia um tanto adoentando. Por<br />

conta disso e <strong>de</strong> uma certa preguiça, lá ficou por nada menos do que<br />

sete meses. Só resolveu se mexer <strong>de</strong>pois que um enviado do povo <strong>de</strong><br />

Mariana lhe entregou uma mensagem dizendo que todo mundo estava<br />

estranhando muito a <strong>de</strong>mora. Mesmo assim a viagem continuou numa<br />

toada meio lerda, com o bispo pastoreando calmamente pelo caminho,<br />

benzendo e crismando seu rebanho. Quando finalmente chegou a<br />

Mariana, ainda continuou sem pressa e passou dois meses esperando os<br />

preparativos para sua gloriosa posse o que só ocorreu no dia 28 <strong>de</strong><br />

novembro <strong>de</strong> 1748, <strong>de</strong>baixo <strong>de</strong> festas que duraram vários dias, pois<br />

então o povo <strong>de</strong> Mariana é que estava sem pressa para ver o reinado do<br />

bispo começar. D. frei Manuel da Cruz foi o fundador do seminário e<br />

governou até a sua morte em 1764. Dizem que sua notória preguiça se<br />

acentuou após a posse sendo o governo efetivo da diocese exercido por<br />

seus diletos sobrinhos. Após sua morte seguiu-se um longo período em<br />

que o bispado ficou sem bispo, governado pelo vigário geral, o que<br />

durou até 1771. Naquele ano d. Joaquim Borges <strong>de</strong> Figueroa foi<br />

indicado bispo, mas, a exemplo do seu pre<strong>de</strong>cessor, protelou a posse e<br />

acabou preferindo trocar Mariana pela Bahia. Seu sucessor, d. frei<br />

Bartolomeu Men<strong>de</strong>s <strong>dos</strong> Reis também não foi para Mariana e governou<br />

161


através <strong>de</strong> procuradores sucessivos, até que foi dispensado em 1779 por<br />

falta <strong>de</strong> interesse em assumir efetivamente o seu rebanho. Só no ano<br />

seguinte é que tomaria posse o segundo bispo efetivo <strong>de</strong> Mariana d. frei<br />

Domingos da Encarnação Pontevel que governou até 1793. Dizem que<br />

ele era muito humil<strong>de</strong>, mas preferia morar em Vila Rica e não em<br />

Mariana. Parece que era meio submisso pois contam que uma vez o<br />

governador Cunha Menezes, após uma solenida<strong>de</strong> em que ambos<br />

participavam como autorida<strong>de</strong>s maiores, lhe ofereceu carona mas o fez<br />

viajar na boleia, ao lado do cocheiro, humilhação que ele sofreu calado,<br />

no alto da sua humilda<strong>de</strong>. O século XVIII ainda assistiria a posse <strong>de</strong> d.<br />

Frei Cipriano <strong>de</strong> São <strong>José</strong>, <strong>de</strong> apagada memória.<br />

Bispos indolentes, padres relaxa<strong>dos</strong>. De fato, a atuação do clero<br />

em Minas Gerais, no período colonial, foi muito peculiar e o traço<br />

dominante da sua presença naquele tempo foi um mundanismo<br />

exagerado em que fra<strong>de</strong>s e padres faziam <strong>de</strong> tudo, menos pastorear o<br />

seu rebanho. Parece que o que mais os atraia era mesmo a ambição <strong>de</strong><br />

engrossar os cabedais. Muitos <strong>de</strong>les enriqueceram <strong>de</strong> fato e vale lembrar<br />

das fortunas do padre Faria e do padre Toledo, aventureiros paulistas<br />

da melhor estirpe. Como se recorda, no século XVIII a Coroa fazia <strong>de</strong><br />

tudo para dificultar a entrada do clero na capitania, especialmente os<br />

fra<strong>de</strong>s das or<strong>de</strong>ns primeiras. A <strong>de</strong>cisão foi bem sucedida em impedir a<br />

instalação <strong>de</strong> mosteiros e colégios, mas obteve pouco sucesso quanto à<br />

entrada das pessoas físicas e o exercício meio irregular das suas<br />

ativida<strong>de</strong>s, inclusive rezar missas a preços extorsivos. O motivo da<br />

preocupação real, claro, não era impedir o progresso do catolicismo,<br />

mas sim enquadrar a marginalida<strong>de</strong> com que aquela turma abençoava<br />

suas ativida<strong>de</strong>s, especialmente no que diz respeito ao envolvimento<br />

com o contrabando e a <strong>de</strong>sobediência às autorida<strong>de</strong>s, particularmente as<br />

civis, pois a notória indolência <strong>dos</strong> bispos daquele tempo não lhes<br />

criava muito entrave.<br />

No Códice Matoso encontramos três interessantes documentos<br />

que tratam da vigilância da Coroa sobre a atuação do clero, pedindo<br />

i<strong>de</strong>ntificação e expulsão <strong>de</strong> todo religioso que não estivesse estritamente<br />

ligado às ativida<strong>de</strong>s eclesiásticas. Ou seja: servir a Deus, podia; roubar o<br />

162


ei, não. O primeiro documento data <strong>de</strong> 1705 e trata <strong>de</strong> uma or<strong>de</strong>m <strong>de</strong><br />

d. João V ao governador Antônio <strong>de</strong> Albuquerque para que expulsasse<br />

“todo clérigo que não tivesse ministério <strong>de</strong> pároco”. E justificava sua<br />

or<strong>de</strong>m queixando-se que o bispo do Rio <strong>de</strong> Janeiro tinha relaxado no<br />

controle das licenças para entrada <strong>dos</strong> padres na região das Minas, pois<br />

“havia concedido licença sem exceção <strong>de</strong> sujeitos, sendo muitos <strong>de</strong>les<br />

fra<strong>de</strong>s e clérigos <strong>de</strong> ruim procedimento.” Não adiantou muito, vinte<br />

anos <strong>de</strong>pois d. Lourenço <strong>de</strong> Almeida escrevia ao rei se queixando “da<br />

gran<strong>de</strong> perturbação que os clérigos fazem nessas Minas” e informando<br />

que o bispo não tinha dado muita bola ao pedido <strong>de</strong> que houvesse<br />

restrições e critérios à autorizações <strong>de</strong> entrada. Em resposta o rei<br />

mandou o bispo escolher os padres mais capazes para o serviço das<br />

igrejas e autorizou d. Lourenço a <strong>de</strong>spejar os <strong>de</strong>mais. Mas <strong>de</strong>sta vez o<br />

rei foi um pouco mais cauteloso e <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong>pois escrevia a Gomes<br />

Freire <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> perguntando se o bispo tinha cumprido a or<strong>de</strong>m<br />

pretérita. Arrematava <strong>de</strong>terminando que o governador fizesse, ele<br />

mesmo, um inventário das igrejas e do plantel eclesiástico da capitania<br />

naquele tempo. Ou seja, pelo menos durante quarenta anos aquela<br />

turma <strong>de</strong> arruaceiros <strong>de</strong> sotaina ficou atazanando o rei, sob as vistas<br />

complacentes do bispo do Rio <strong>de</strong> Janeiro. O rei <strong>de</strong>ve ter se queixado ao<br />

papa e essa, também, terá sido uma das causas da criação do bispado <strong>de</strong><br />

Mariana. A situação melhorou um pouco <strong>de</strong>pois que os bispos<br />

passaram a visitar as paróquias mais amiú<strong>de</strong> e <strong>de</strong>pois que os vigários das<br />

varas passaram a tirar suas <strong>de</strong>vassas com frequência. Instalou-se um<br />

certo clima <strong>de</strong> inquisição que, no entanto, não conseguiu eliminar<br />

muitos peca<strong>dos</strong> contumazes, especialmente os <strong>dos</strong> padres fornicadores.<br />

Permitam-me nomear alguns <strong>de</strong>sses famosos padres diabólicos.<br />

Pela or<strong>de</strong>m cronológica, o <strong>de</strong> primeira lembrança é o fra<strong>de</strong> trino frei<br />

Francisco <strong>de</strong> Menezes. Foi ele um <strong>dos</strong> instigadores da guerra <strong>dos</strong><br />

emboabas, o que fez por interesses puramente pessoais, interessado que<br />

estava em obter o monopólio da carne nas Gerais, como vimos. Era <strong>de</strong><br />

um maquiavelismo exemplar e serviu <strong>de</strong> embaixador <strong>de</strong> Manuel Nunes<br />

Viana para comprar o perdão aos revoltosos, levando boa carga <strong>de</strong> ouro<br />

para o rei em Portugal. Para <strong>de</strong>ixar Sua Majesta<strong>de</strong> mais à vonta<strong>de</strong>,<br />

163


otulou a propina <strong>de</strong> “pagamento antecipado <strong>dos</strong> quintos”. O rei não se<br />

fez <strong>de</strong> rogado, aceitou o ouro, perdoou todo mundo, mas não <strong>de</strong>ixou<br />

que frei Menezes regressasse ao Brasil.<br />

O segundo fra<strong>de</strong> da lista foi frei Vicente Botelho. Este teve<br />

papel proeminente na formação <strong>de</strong> um motim. Estamos falando<br />

novamente da revolta <strong>de</strong> Vila Rica <strong>de</strong> 1720. Foi aí que o frei se juntou a<br />

gente como Sebastião da Veiga Cabral e o ex-ouvidor Mosqueira da<br />

Rosa. To<strong>dos</strong> ambicionando <strong>de</strong>rrubar o con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Assumar para ficar à<br />

vonta<strong>de</strong>, sonegando os quintos e distribuindo os or<strong>de</strong>na<strong>dos</strong> para a<br />

turma mais chegada. Deu no que <strong>de</strong>u: Assumar reagiu ao motim com<br />

uma certa violência.<br />

Daqui pulamos para 1733 e para a confraria <strong>dos</strong> padres<br />

concupiscentes. A primeira, entre tantas lembranças é a do padre<br />

Henrique Pereira da paróquia <strong>de</strong> Caeté. Em <strong>de</strong>zembro daquele ano o<br />

padre visitador da diocese, dr. Lourenço Coimbra, o andou advertindo<br />

a “não molestar mais uma certa moça”. E aqui cabe arrematar uma<br />

história que contei, <strong>de</strong> passagem, quando falei da matriz <strong>de</strong> Caeté, no<br />

primeiro livro da minha trilogia. Reza a lenda que o padre tinha sido<br />

acusado daquele vicio maldito injustamente. Mas sua inocência acabaria<br />

por ser provada, confirmando sua santida<strong>de</strong> <strong>de</strong> berço. 108 Parece que não<br />

foi bem assim, mas o povo preferiu enxergar a simples advertência do<br />

padre visitador como uma prova <strong>de</strong> inocência. O melhor é que o padre<br />

Pereira, em agra<strong>de</strong>cimento à “prova” da sua inocência, mandou erguer a<br />

matriz da Senhora do Bom Sucesso que é a origem da esplendida matriz<br />

<strong>de</strong> Caeté, como hoje lá está. Está certo que ele continuou a molestar a<br />

tal moça, mas o resultado final foi feliz, mesmo porque, foi naquela<br />

matriz que Aleijadinho <strong>de</strong>sabrochou o seu talento. Por conta disso,<br />

apesar <strong>dos</strong> maus costumes em vida, po<strong>de</strong> até ser que o padre hoje esteja<br />

108 Dizia a dita lenda que a moça tinha acusado o padre <strong>de</strong> tentar seduzi-la porque ele<br />

tinha se recusado a absolvê-la <strong>de</strong> alguns peca<strong>dos</strong> da carne. Mais tar<strong>de</strong>, à beira da<br />

morte, a moça com medo <strong>de</strong> ir para o inferno, revelou a malda<strong>de</strong> que tinha feito ao<br />

padre, reabilitando-o aos olhos da rainha e do povo <strong>de</strong> Caeté. Claro que a história está<br />

recheada com um ou dois milagres, mas não cabe contá-los agora.<br />

164


no Céu, perdoado finalmente, por quem tem a <strong>de</strong>vida autorida<strong>de</strong> para<br />

tal.<br />

165


A riqueza e a pobreza<br />

A riqueza não era só o ouro mas também a economia<br />

agropastoril que girava para viabilizar o cotidiano da extração do metal.<br />

O comércio ganhava para ajudar a suprir os molha<strong>dos</strong> da mesa<br />

comensal e diminuir as agruras da vida do mineiro com os secos e as<br />

bujiarias importadas d’além mar. E isso também podia ser um bom<br />

negócio. De fato, no último quarto do século XVIII as ativida<strong>de</strong>s<br />

agropastoris já contribuíam com perto da meta<strong>de</strong> da riqueza gerada na<br />

capitania. Os diamantes, mesmo preciosos, não traziam nenhuma<br />

vantagem local, pois eram monopólio da Coroa e <strong>dos</strong> arrematadores<br />

<strong>dos</strong> contratos para sua exploração. O povo, se quisesse laborar as<br />

pedrinhas preciosas, tinha que se escon<strong>de</strong>r nos garimpos, correndo<br />

riscos <strong>de</strong> toda sorte.<br />

A dinâmica do mo<strong>de</strong>lo econômico corria no moto da tecnologia<br />

necessária para trazer o nobre metal ao sol. À medida que o<br />

<strong>de</strong>scompasso entre a disposição do ouro sobre a terra e os meios para<br />

alcançá-lo se acentuava, também se acentuava a <strong>de</strong>cadência. No último<br />

quarto do setecentos já se dava a exaustão. Não do ouro, mas da<br />

tecnologia e do rendimento que podiam imprimir à ativida<strong>de</strong><br />

mineradora. Essa tecnologia sempre foi ru<strong>de</strong> e retardatária e, com base<br />

nela, po<strong>de</strong>-se dizer que a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> exploração do ouro mineiro<br />

abrangeu quatro fases distintas. Certo pensar que tais fases se<br />

superpuseram teimosamente, sendo mais fácil marcar o começo do que<br />

o fim <strong>de</strong> cada uma <strong>de</strong>las. A primeira fase foi a <strong>dos</strong> tempos aventureiros<br />

<strong>de</strong> Fernão Dias e girou em torno da serra do Sabarabuçu e cercanias do<br />

médio Rio das Velhas, tendo em Borba Gato seu maior e quase único<br />

empreen<strong>de</strong>dor. Era o tempo <strong>de</strong> catação do ouro que se revelava em<br />

sítios <strong>de</strong> concentração <strong>de</strong> pequenos grãos, quer dizer, <strong>de</strong>pósitos <strong>de</strong><br />

aluviões forma<strong>dos</strong> no próprio leito <strong>dos</strong> rios e riachos. Naquele tempo<br />

as técnicas <strong>de</strong> mineração eram tremendamente rudimentares e é<br />

possível que esse ouro estivesse quase ao alcance da mão ou, senão,<br />

requerendo apenas pequeno trabalho <strong>de</strong> revirar pedras e cavar valas <strong>de</strong><br />

pouca profundida<strong>de</strong>. Não eram emprega<strong>dos</strong> sequer instrumentos <strong>de</strong><br />

166


ferro, mas apenas <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira como as gamelas e as toras cortadas das<br />

árvores e afiladas nas pontas, <strong>de</strong>stinadas às escavações superficiais.<br />

Então, basicamente o único conhecimento <strong>de</strong> mineração que se tinha é<br />

que o ouro estava associado ao cascalho miúdo sobre o qual corria o<br />

movimento maior das águas. Assim a técnica da mineração consistia em<br />

coletar o cascalho e separar <strong>de</strong>le as pepitas e lamelas <strong>de</strong> ouro,<br />

<strong>de</strong>volvendo o cascalho ao rio. O ouro foi explorado meio na surdina,<br />

mas com certeza não era pouco. Tempo das lendas e <strong>dos</strong> aventureiros.<br />

Relevante lembrar, mais uma vez, que quando Borba Gato obteve o<br />

perdão <strong>de</strong> Artur <strong>de</strong> Sá e foi com ele até o Sabará mostrar os seus<br />

<strong>de</strong>scobertos, em poucos dias o governador conseguiu juntar cerca <strong>de</strong><br />

trinta arrobas e foi com elas para Portugal. 109 Mas, oficialmente, a<br />

produção <strong>de</strong> ouro no princípio da primeira fase foi pífia e , segundo<br />

Taunay, <strong>de</strong> 1672 a 1679 a Coroa arrecadou apenas 2,2 kg <strong>de</strong> ouro pelo<br />

pagamento <strong>dos</strong> quintos em todo o país. Claro que, nesse período o<br />

ouro <strong>de</strong> Minas ainda nem existia e o quinto refletia a incipiente<br />

produção do Jaraguá e do Paranaguá levada à casa da Moeda da vila <strong>de</strong><br />

São Paulo para ser tributado. A arrecadação não pagava as <strong>de</strong>spesas da<br />

Coroa.<br />

A segunda fase da historia do ouro teve seu período mais<br />

marcante entre 1695 e 1710. O <strong>de</strong>sempenho tributário não melhorou<br />

muito já que, entre 1700 e 1709, o rendimento médio anual do quinto<br />

não passou <strong>de</strong> 40 marcos, ou seja, perto <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>stos 9 kg. Aqui o<br />

grosso da ativida<strong>de</strong> da mineração se <strong>de</strong>sloca para o vale do Ouro Preto<br />

e do Ribeirão do Carmo, rumo das minas gerais. As técnicas primitivas<br />

da primeira fase ainda eram intensamente empregadas, mas, na virada<br />

do século, começa a introdução <strong>de</strong> instrumentos <strong>de</strong> ferro como<br />

carumbés e almocafres e a própria bateia que teria sido trazida pelos<br />

primeiros escravos africanos. Esse singelo instrumento permitiu o<br />

aproveitamento <strong>dos</strong> pequenos grãos <strong>de</strong> ouro que eram <strong>de</strong>spreza<strong>dos</strong><br />

pelos primeiros exploradores. Corajosos mergulhos nas frias correntes<br />

<strong>dos</strong> regatos ainda faziam parte da rotina do minerador. Conta Bento<br />

109 Teria sido a paga do Borba para obter o perdão <strong>de</strong> el rei, em negociação<br />

previamente acertada ?<br />

167


Fernan<strong>de</strong>s Furtado que as águas do Ribeirão do Carmo eram tão frias<br />

que os mergulhos só podiam ser feitos entre as <strong>de</strong>z horas da manhã e<br />

três horas da tar<strong>de</strong>, O foco da exploração passa a ser as pepitas<br />

aninhadas nos tabuleiros, vale dizer nos barrancos ribeirinhos. O ouro<br />

está incrustado nas piçarras argilosas requerendo maior trabalho para<br />

alcançá-lo. A ativida<strong>de</strong> mineradora toma um caráter mais empreen<strong>de</strong>dor<br />

exigindo o emprego <strong>de</strong> uma dúzia <strong>de</strong> escravos. Nessa fase se <strong>de</strong>stacam<br />

as figuras <strong>dos</strong> muitos paulistanos e taubateanos que conquistaram<br />

aquelas plagas e que, quando o alcance do metal foi se tornando mais<br />

difícil, migraram ou se ocuparam <strong>de</strong> outras coisas, abrindo a primeira<br />

fresta da janela da pobreza quando a riqueza nem tinha ainda<br />

começado. Mas, no geral, <strong>de</strong>ve ter sido uma fase <strong>de</strong> boa produção e, o<br />

que é melhor, quase sem nenhuma tributação pois a máquina da Real<br />

Fazenda ainda não tinha sido montada. Foi então que a Coroa, além <strong>de</strong><br />

tratar <strong>de</strong> melhorar o sistema da arrecadação, também mostrou<br />

preocupação com o aperfeiçoamento <strong>dos</strong> processos <strong>de</strong> <strong>de</strong>scoberta e<br />

exploração do metal. Tanto que o governador Antônio Paes <strong>de</strong> San<strong>de</strong><br />

escreveu ao rei d. Pedro II sobre a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> melhoria <strong>dos</strong><br />

méto<strong>dos</strong> <strong>de</strong> trabalho na mineração. Mas somente no final <strong>de</strong>ssa fase é<br />

que se começa a utilizar a força do arraste das águas para <strong>de</strong>smontagem<br />

<strong>de</strong> barrancos. Segundo Bento Furtado isso começou a ser feito em<br />

1707.<br />

Quando vamos consultar documentos antigos sobre os<br />

<strong>de</strong>scobertos <strong>de</strong> ouro e seus <strong>de</strong>scobridores, ficamos surpresos e<br />

confusos com a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> áreas <strong>de</strong> exploração e respectivos donos,<br />

existentes entre o Ribeirão do Ouro Preto e o Ribeirão do Carmo, duas<br />

léguas abaixo. Isso faz com que fique muito confusa a i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong><br />

quem foi o real fundador <strong>dos</strong> arraiais que <strong>de</strong>ram origem, por exemplo,<br />

às atuais cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Ouro Preto e Mariana. Na verda<strong>de</strong> essas cida<strong>de</strong>s<br />

acabaram sendo formadas pela junção <strong>de</strong> vários arraiais, cada um<br />

surgido em torno <strong>de</strong> uma data, ou seja, uma área <strong>de</strong>limitada para<br />

exploração do ouro. Se nos lembrarmos que essas datas tinha cerca <strong>de</strong><br />

4.400 m2, vamos enten<strong>de</strong>r porque tinha tanto minerador em tão pouco<br />

168


espaço e tantos nomes liga<strong>dos</strong> à história <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> um mesmo<br />

lugar.<br />

A terceira fase <strong>de</strong> exploração do ouro mineiro é a mais<br />

característica e cobre quase todo o resto do século XVIII. É o fim da<br />

era da aventura. Aqui a pulverização das áreas <strong>de</strong> exploração diminui e<br />

o rendimento melhora sensivelmente. O investimento exigido para a<br />

exploração é maior, as técnicas melhoraram um pouco e há uso intenso<br />

da força motriz das águas não só para o <strong>de</strong>smonte <strong>de</strong> barrancos na<br />

busca <strong>de</strong> veios mais profun<strong>dos</strong> mas também para movimentar<br />

arreme<strong>dos</strong> <strong>de</strong> máquinas. A exploração está focada nas grupiaras, ou<br />

seja, nas encostas das montanhas. O ouro está incrustado nas rochas. O<br />

uso do trabalho africano se torna mais intensivo com o emprego <strong>de</strong><br />

equipes na escavação das catas, quer dizer, uma escavação em forma <strong>de</strong><br />

funil <strong>de</strong> uma certa profundida<strong>de</strong>. Também começam a ser abertas<br />

galerias subterrâneas em forma <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>iras minas. Consta que em<br />

1711 d. João V, mandou técnicos à região das minas <strong>de</strong> ouro e eles<br />

introduziram umas espécies <strong>de</strong> dragas primitivas chamadas “rosários”.<br />

A riqueza nem tinha ainda chegado verda<strong>de</strong>iramente e a pobreza geral<br />

já estava sedimentada pois, pela exigência <strong>de</strong> mais tecnologia e capital, o<br />

acesso à ativida<strong>de</strong> se afunila. No princípio <strong>de</strong>ssa fase, a mineração passa<br />

a ser dominada por potenta<strong>dos</strong> portugueses como Pascoal da Silva<br />

Guimarães e Manuel Nunes Viana, que, alem <strong>de</strong> mineradores, eram<br />

abasta<strong>dos</strong> comerciantes e fazen<strong>de</strong>iros. A exploração toma um caráter<br />

mais empresarial e vai aumentando as hordas <strong>de</strong> <strong>de</strong>serda<strong>dos</strong>, então cada<br />

vez mais distantes das oportunida<strong>de</strong>s <strong>dos</strong> primeiros <strong>de</strong>scobertos. A era<br />

da aventura já tinha se encerrado e com ela os bons tempos em que um<br />

pobre coitado podia se apossar <strong>de</strong> um bom par <strong>de</strong> datas das minas que<br />

tivesse <strong>de</strong>scoberto, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> dispor <strong>de</strong> qualquer recurso. Então<br />

os “<strong>de</strong>scobertos” já eram raros pois o ouro já não se dava à mão com a<br />

facilida<strong>de</strong> <strong>dos</strong> primeiros tempos. Depois <strong>de</strong> 1720 já não há minas <strong>ricas</strong><br />

por <strong>de</strong>scobrir contando apenas com a sorte <strong>dos</strong> aventureiros.<br />

A quarta fase já avança além do setecentos e nela a figura do<br />

pequeno minerador <strong>de</strong>saparece <strong>de</strong> vez. Então ele já tinha virado roceiro<br />

169


ou pedinte nos becos e caminhos. Os mais sonhadores seguem<br />

faiscando inutilmente, toca<strong>dos</strong> pela esperança <strong>de</strong> uma ou outra pepita<br />

esquecida pelos que passaram antes. Os que tinham se dado melhor nas<br />

fazendas e no comércio é que arrastariam a economia mineira, numa<br />

letargia que duraria pelo menos até mea<strong>dos</strong> do século XX. A mineração<br />

do século XIX já seria a das minas profundas exploradas<br />

principalmente pelas companhias inglesas. É a fase das gran<strong>de</strong>s minas<br />

<strong>de</strong> subsolo. A tecnologia empregada ainda se mostra tímida para<br />

aparelhar convenientemente o mineiro, colocando-o em condições <strong>de</strong><br />

vencer a dureza das rochas, a rarefação do ar e as águas querendo tomar<br />

as galerias.<br />

Temos notícias 110 <strong>de</strong> que no século XIX várias companhias <strong>de</strong><br />

origem inglesa, francesa ou nacional operaram minas <strong>de</strong> ouro em Minas<br />

Gerais: no Congo Soco, Cata Preta e Antônio Pereira (Imperial<br />

Brasilian Mining Association), em Morro Velho e Cuiabá (Sait-Jonh d’el<br />

Rei Mining Company), na Cata Branca (Brazilian Company), em Cocais<br />

(National Brazilian Mining Association), em Sabará (East Del Rey<br />

Mining Company), em Mariana e Maquiné (Don Pedro North Del Rey<br />

Gold Mining Company), no Pari (Saint-Barbara Mining Company), em<br />

Mariana (Anglo Brasilian Gold Mining Company e Brazilian Consols<br />

Gold Mining Company), em Itabira (Associação Brasileira <strong>de</strong><br />

Mineração), em Pitangui (Pitangui Gold Mining Company), em<br />

Tira<strong>de</strong>ntes (Empreza <strong>de</strong> Mineração do Município <strong>de</strong> Tira<strong>de</strong>ntes), em<br />

Caeté (Brazilian Gold Mining Company) em Passagem <strong>de</strong> Mariana<br />

(Ouro Preto Gold Mines of Brazil), em Congonhas do Sabará (Societé<br />

<strong>de</strong>s Mines d’Or <strong>de</strong> Faria), no rio Sapucaí (Companhia <strong>de</strong> Minas <strong>de</strong><br />

Ouro-falla), em Ouro Preto e Mariana (Companhia Mineralúrgica<br />

Brasileira e em Caeté (Empresa <strong>de</strong> Mineração <strong>de</strong> Caethé).<br />

Algumas companhias tiveram vida efêmera, outras foram<br />

fundidas ou absorvidas mas a maioria simplesmente foi extinta. De<br />

110 O Ouro em Minas Gerais .<br />

170


sorte que, no último quarto do século, apenas nove minas ainda<br />

estavam em operação. Mas ao longo do século XIX algumas <strong>de</strong>ssas<br />

minas chegaram a ter rendimento extraordinário. A mina <strong>de</strong> Congo<br />

Seco, por exemplo, nos anos <strong>de</strong> 1829 a 1833 chegou a produzir uma<br />

média <strong>de</strong> aproximadamente 1300 quilos <strong>de</strong> ouro por ano (perto <strong>de</strong> 88<br />

arrobas). 111 Mas a produção, a partir <strong>de</strong> 1847, entrou num <strong>de</strong>clínio<br />

acentuado. No período <strong>de</strong> 1826 a 1856 a mina produziu um total <strong>de</strong><br />

12.887 quilos <strong>de</strong> ouro, ou seja, 877 arrobas com média <strong>de</strong> 29 arrobas<br />

por ano. Em 1856, com muito esforço e <strong>de</strong>spesa, só foi possível a<br />

obtenção <strong>de</strong> perto <strong>de</strong> 2 arrobas, do que resultou o fechamento da mina.<br />

No geral, as companhias mineradoras do século XIX não foram muito<br />

produtivas. A mina <strong>de</strong> passagem <strong>de</strong> Mariana apesar do gran<strong>de</strong> esforço<br />

empreen<strong>de</strong>dor para dinamizá-la, <strong>de</strong> 1864 a 1873, só conseguiu produzir<br />

51 arrobas <strong>de</strong> ouro, com média anual <strong>de</strong> 5,1 arrobas por ano. No último<br />

ano <strong>de</strong>sse período foi produzida apenas uma singela arroba <strong>de</strong> ouro.<br />

Depois das felizes <strong>de</strong>scobertas e da consolidação do mapa da<br />

terra das minas, El Rei tratou logo <strong>de</strong> estabelecer a or<strong>de</strong>m tributária e<br />

seria esse ponto unicamente que tiraria o sono do ministério <strong>de</strong><br />

ultramar até o fim do período colonial. Implantada a re<strong>de</strong> coletora da<br />

Coroa, as principais <strong>vilas</strong> passaram a sediar as intendências do ouro. Os<br />

rendimentos <strong>de</strong>las também se constituem numa fonte interessante <strong>de</strong><br />

consulta com vista ao mapeamento da distribuição da riqueza nas <strong>vilas</strong><br />

mineiras do século XVIII. As intendências, como dissemos em capítulo<br />

anterior, eram responsáveis pela arrecadação <strong>dos</strong> impostos<br />

propriamente ditos, incluindo os quintos. Para traçar o mapa da<br />

distribuição das <strong>vilas</strong> <strong>ricas</strong> e <strong>vilas</strong> <strong>pobres</strong> nada mais apropriado do que o<br />

exame <strong>dos</strong> da<strong>dos</strong> que cobrem o período <strong>de</strong> 1735 a 1751. Isso porque<br />

eles dizem respeito ao intervalo <strong>de</strong> <strong>de</strong>zesseis anos em que a arrecadação<br />

<strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser feita através das casas <strong>de</strong> fundição e passou a ser feito<br />

pelo regime da capitação e inci<strong>de</strong>nte sobre a ativida<strong>de</strong> econômica como<br />

111 Essa produção seria insignificante para os padrões atuais.<br />

171


um todo. Portanto, eles não se limitam a espelhar a situação da<br />

mineração mas, ao contrário, refletem a dinâmica da economia do<br />

período com muita proprieda<strong>de</strong>. Aliás, esse parece ser o período áureo<br />

da economia colonial mineira quando o quinto ren<strong>de</strong>u cerca <strong>de</strong> 2.328<br />

arrobas <strong>de</strong> ouro e a arrecadação <strong>dos</strong> dízimos e <strong>dos</strong> direitos <strong>de</strong> entrada<br />

tiveram sua melhor história. A memorável média anual <strong>de</strong> rendimento<br />

do quinto, no período, foi <strong>de</strong> 155 arrobas.<br />

O quadro abaixo, elaborado a partir <strong>de</strong> da<strong>dos</strong> coligi<strong>dos</strong> por <strong>José</strong><br />

João Teixeira, é muito útil para ilustrar o mapa da distribuição da<br />

riqueza na capitania <strong>de</strong> Minas Gerais em mea<strong>dos</strong> do século XVIII.<br />

ARRECADAÇÃO DOS QUINTOS 1735/1751<br />

SUPERINTENDÊNCIA TOTAL ARRECADADO<br />

OITAVAS ARROBAS<br />

MARIANA 2.123.055 518<br />

SABARA 2.469.900 603<br />

VILA RICA 1.874.188 458<br />

RIO DAS MORTES 1.277.173 312<br />

SERRO 693.162 169<br />

Está facilmente confirmado que a comarca mais rica da<br />

capitania era mesmo a <strong>de</strong> Ouro Preto. Compreendia as duas <strong>vilas</strong><br />

realmente mais abastadas e que, no período, arrecadaram juntas, 976<br />

arrobas <strong>de</strong> ouro, que correspon<strong>de</strong>m a 47% do total. Cabe salientar que<br />

Mariana superou Vila Rica na arrecadação do quinto o que <strong>de</strong>monstra<br />

que, pelo menos até mea<strong>dos</strong> do século XVIII, o Ribeirão do Carmo<br />

continuava sendo o mais profícuo produtor das gerais, como tinha sido<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o começo. E aqui surpreen<strong>de</strong> também a posição da comarca <strong>de</strong><br />

Sabará que arrecadou 603 arrobas <strong>de</strong> ouro. Fato é que a comarca era<br />

muito extensa e por essa dimensão, acabava sendo uma das mais <strong>ricas</strong><br />

da capitania. Aqui estão inclusos os rendimentos das minas <strong>de</strong> Paracatu,<br />

Caeté, Pitangui, São Romão e Papagaio (Curvelo).<br />

172


Em seguida se posicionaram as intendências do Rio das Mortes<br />

e do Serro on<strong>de</strong>, como já vimos, o ouro era realmente mais escasso e<br />

on<strong>de</strong> a <strong>de</strong>cadência chegou primeiro. Mas em mea<strong>dos</strong> do século a<br />

posição relativa se mantinha.<br />

Um outro indicador da importância <strong>de</strong> cada vila no cenário da<br />

vida econômica da capitania <strong>de</strong> Minas no século XVIII é a renda<br />

proveniente <strong>dos</strong> ofícios <strong>de</strong> justiça. Elas <strong>de</strong> certa forma refletem a<br />

dinâmica da tramitação <strong>de</strong> negócios e transferência <strong>de</strong> patrimônio. São<br />

da<strong>dos</strong> <strong>de</strong> 1778 e a fonte <strong>de</strong> consulta é o inventário <strong>de</strong> <strong>José</strong> Joaquim da<br />

Rocha. Mostra ele que naquele ano os oficias da vila <strong>de</strong> Sabará<br />

recolheram aos cofres reais a expressiva quantia <strong>de</strong> 14:206$792, quase o<br />

mesmo que recolheram seus colegas <strong>de</strong> Vila Rica e Mariana juntos. Em<br />

segundo lugar veio a vila <strong>de</strong> São João <strong>de</strong>l Rei com 10:462$228. Vila Rica<br />

e Mariana, tomadas separadamente, aparecem em terceiro e quarto<br />

lugares segui<strong>dos</strong> da Vila do Príncipe, da Vila Nova da Rainha e da vila<br />

<strong>de</strong> São <strong>José</strong> <strong>de</strong>l Rei. Arraiais como São Romão, Papagaio, Jacuí,<br />

Aiuruoca, Barra do Rio das Velhas juntos não arrecadaram mais do que<br />

1:600$000. Ou seja, <strong>vilas</strong> <strong>ricas</strong> havia mais <strong>de</strong> uma e estavam<br />

concentradas nas imediações do Itaverava até as imediações da serra do<br />

Sabarabuçu. Mas o que predominava mesmo eram paupérrimos arraiais,<br />

espalha<strong>dos</strong> nos campos gerais, no mato <strong>de</strong>ntro e no sertão. O quadro<br />

geral não se alteraria ao longo <strong>de</strong> todo o século XVIII e somente no<br />

século XIX é que a região do Rio das Mortes, sempre pobre <strong>de</strong> metais,<br />

tomaria uma posição mais relevante, dada sua localização muito<br />

favorável ao comércio do caminho novo e do caminho velho <strong>de</strong> que, a<br />

boa gente <strong>de</strong> São João e São <strong>José</strong> sempre soube se aproveitar, tirando e<br />

circulando a riqueza das plantas e <strong>dos</strong> couros.<br />

Ao longo da segunda meta<strong>de</strong> do século do ouro a <strong>de</strong>cadência<br />

era clara, crescente e parecia irreversível. A Coroa Portuguesa, contudo,<br />

continuaria como sempre tinha sido: aflita com a arrecadação e omissa<br />

com a produção. De fato, nunca chegou a haver uma política<br />

consistente que convergisse os recursos <strong>de</strong>manda<strong>dos</strong> e a riqueza<br />

existente num projeto racional e sustentável, seja em relação à riqueza<br />

173


mineral, seja em relação a tantos outros abundantes recursos, inclusive<br />

humanos pois as minas recebiam imigrantes <strong>de</strong> toda a qualida<strong>de</strong>. Hoje<br />

ainda buscamos resposta para uma pergunta simples mas crucial:<br />

porque a Coroa Portuguesa gastou tanto empenho na procura efêmera<br />

<strong>de</strong> ouro, prata e pedras preciosas e tanta <strong>de</strong>dicação em transferir as<br />

rendas <strong>de</strong>correntes para a metrópole sem mostrar nenhuma<br />

preocupação em colonizar o Brasil <strong>de</strong> forma mais estruturada? Mesmo<br />

Sebastião <strong>José</strong> <strong>de</strong> Carvalho – nosso marquês <strong>de</strong> Pombal – não tinha um<br />

projeto colonizador para o Brasil. 112 As companhias que fundou para<br />

explorar o Maranhão e o Grão Pará, Pernambuco e Paraíba eram meras<br />

feitorias mercantis <strong>de</strong>stinadas a abastecer a Europa. Duraram vinte anos<br />

e não foram bom negócio nem para o Brasil nem para Portugal. Claro<br />

que, para tentar respon<strong>de</strong>r a pergunta sobre o <strong>de</strong>sleixo português para<br />

com sua riquíssima colônia, cabem algumas consi<strong>de</strong>rações sobre as<br />

i<strong>de</strong>ias econômicas vigentes no século XVIII. Então estavam em pleno<br />

vigor as i<strong>de</strong>ias mercantilistas. A famosa obra <strong>de</strong> Adam Smith, que muito<br />

contribuiria para o fim <strong>de</strong>sse sistema <strong>de</strong> abordagem econômica, só viria<br />

a lume em 1776. Para que sua obra começasse a fazer efeito em<br />

Portugal, ainda seria necessário mais algum tempo. De sorte que o<br />

mercantilismo pautou toda a política econômica lusa, e <strong>de</strong> quase toda a<br />

Europa, durante todo o século XVIII. Então se acreditava que a posse<br />

<strong>de</strong> ouro, prata e pedras preciosas era o melhor indicativo <strong>de</strong> riqueza<br />

pois era o bendito fruto proveniente do saldo da conta daquilo que se<br />

vendia contra a conta daquilo que se comprava. Para ficarem <strong>ricas</strong>, as<br />

nações que não tinham a sorte <strong>de</strong> possuírem tais preciosida<strong>de</strong>s minerais,<br />

tinham que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r não só da sua laboriosida<strong>de</strong> industrial e da sua<br />

habilida<strong>de</strong> comercial mas também da sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> transformar<br />

isso em ouro e prata, pois era aí que estava a riqueza. As nações, porém,<br />

112 Os críticos do marquês <strong>de</strong> Pombal – e os há aos montes – dizem que, na verda<strong>de</strong>,<br />

ele não tinha um projeto global e persistente para Portugal. Tinha mania <strong>de</strong> começar<br />

várias coisas ao mesmo tempo e abandonar outras tantas na mesma velocida<strong>de</strong>.<br />

Muitas das obras em que ele enterrou fundo os cabedais do reino, nem pareciam ter<br />

conexão entre si. Em essência parece que o marquês queria mo<strong>de</strong>rnizar Portugal mas<br />

não sabia exatamente como, pois o mo<strong>de</strong>lo inglês que ele tanto admirava não cabia no<br />

seu pequeno reino.<br />

174


que tinham tido a felicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> encontrar ouro, prata e pedras preciosas<br />

em seu solo ou <strong>de</strong> suas colônias, nem precisavam ser muito laboriosas.<br />

Para enriquecerem bastava cavar as suas minas. Foi assim especialmente<br />

com Portugal e a Espanha e era por isso que eles não tinham<br />

propriamente projetos <strong>de</strong> colonização para os seus domínios <strong>de</strong><br />

ultramar. Antes pelo contrário, economias coloniais muito dinâmicas<br />

eram vistas como concorrentes perigosas para a economia do reino,<br />

competindo em seus merca<strong>dos</strong>. Belos nichos, cativos e absurdamente<br />

regula<strong>dos</strong> e protegi<strong>dos</strong> por normas medievais, ferozmente <strong>de</strong>fendidas<br />

por guildas e corporações. Enfim, o reino produzia e a colônia<br />

comprava, <strong>de</strong> preferência pagando em ouro. Essa política afrontou<br />

especialmente a economia da capitania <strong>de</strong> Minas Gerais on<strong>de</strong> qualquer<br />

ativida<strong>de</strong> que pu<strong>de</strong>sse tirar o mineiro do buraco da mina era proibida.<br />

Assim, só restava aos <strong>pobres</strong> mortais serem mineradores ou burocratas.<br />

Fora, claro, ativida<strong>de</strong>s essenciais à sobrevivência física e espiritual. E era<br />

ai que sobrava uma boca para fazen<strong>de</strong>iros e padres. Mas tudo, enfim,<br />

gravitava em torno da mineração.<br />

Para muitos a política mercantilista portuguesa, especialmente<br />

aquela exacerbada por Pombal teria sido causa da ruína não só do Brasil<br />

mas também do próprio Portugal. Isso na medida em que os ricos veios<br />

que corriam para Lisboa nunca foram usa<strong>dos</strong> para construir as bases <strong>de</strong><br />

uma economia industrial. Ao contrário serviram para cobrir os sal<strong>dos</strong><br />

negativos <strong>de</strong> uma balança comercial consumista e pagar dívidas<br />

crescentes com guerras equivocadas e com a ineficiência civil e militar<br />

da máquina burocrática. Quem acabou usando a riqueza do Brasil para<br />

investir na mo<strong>de</strong>rnização econômica foi a amiga Inglaterra.<br />

Falar em “política econômica” no século XVIII talvez seja um<br />

pouco exagerado, mas havia algumas i<strong>de</strong>ias que norteavam as cartas<br />

régias e instruções ministeriais <strong>de</strong>stinadas a disciplinar a questão<br />

econômica na capitania <strong>de</strong> Minas Gerais. Às vezes é difícil enten<strong>de</strong>r a<br />

lógica da concatenação das estratégias mas, nunca é muito lembrar, o<br />

tratamento da economia como conhecimento racional ainda estava<br />

engatinhando naquele tempo e muita coisa não faz mesmo sentido para<br />

o observador mo<strong>de</strong>rno. Contudo, i<strong>de</strong>ias existiam e nutriam diretrizes<br />

175


para disciplinar os tributos e as ativida<strong>de</strong>s econômicas. Em geral tais<br />

i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong>rivavam das observações <strong>de</strong> embaixadores estrangeiros<br />

acredita<strong>dos</strong> nas cortes da Espanha, Inglaterra e França, posta<strong>dos</strong> a<br />

acompanhar o que acontecia na economia daqueles ricos países e a<br />

observar como se dava sua interação com as <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong> governo. Daí<br />

todo mundo se punha a avaliar o que podia ser aplicado em seus<br />

respectivos reinos. O próprio futuro marquês <strong>de</strong> Pombal se prestou a<br />

esse papel em Londres, alias com a competência que lhe era peculiar.<br />

Ninguém tentou mais do que ele copiar o mo<strong>de</strong>lo econômico inglês<br />

mas o resultado acabou se mostrando <strong>de</strong>sproporcional à truculência das<br />

razões <strong>de</strong> estado do ministro.<br />

A capitania <strong>de</strong> Minas Gerais sempre foi objeto <strong>de</strong> preocupação<br />

especial e sempre teve diretrizes diferenciadas em relação às outras<br />

capitanias do vice-reino do Brasil. O tratamento diferenciado não podia<br />

ser <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rado dadas as peculiarida<strong>de</strong>s da ativida<strong>de</strong> econômica, o<br />

peso da população e o tamanho da economia mineira. Para se ter uma<br />

i<strong>de</strong>ia da relevância da economia da capitania no século XVIII no<br />

cenário colonial, pelo menos na Repartição Sul, basta lembrar que<br />

quando João Rodrigues <strong>de</strong> Macedo arrematou os “contratos <strong>de</strong><br />

entradas” <strong>de</strong> várias capitanias em 1776, <strong>de</strong>u um lance <strong>de</strong> 754:953$082<br />

pelo contrato <strong>de</strong> Minas e um total <strong>de</strong> apenas 189:046$918 pelos<br />

contratos das capitanias <strong>de</strong> Goiás, Cuiabá e São Paulo juntas.<br />

Mas, enfim, quais eram as diretrizes com que a Coroa<br />

portuguesa tocava o seu negócio na capitania do ouro e <strong>dos</strong> diamantes?<br />

Claro que as diretrizes não foram as mesmas ao longo <strong>de</strong> todo o século<br />

XVIII, mesmo porque, aquele foi um século <strong>de</strong> sucessivas mudanças<br />

que foram afetando profundamente as relações políticas e econômicas<br />

mundiais ao longo do período. Mas alguns pontos são marcantes e<br />

característicos do que se possa chamar <strong>de</strong> economia colonial mineira.<br />

Em primeiro lugar estava o horror à sonegação. Este era o insonífero<br />

principal das autorida<strong>de</strong>s em relação aos mineiros. A coluna vertebral<br />

<strong>de</strong> to<strong>dos</strong> os conflitos havi<strong>dos</strong> naquele tempo <strong>de</strong>rivava do mo<strong>de</strong>lo<br />

estabelecido para coibir o extravio do ouro e do diamante. Aqui merece<br />

176


negrito a questão da moeda. As casas <strong>de</strong> fundição e moeda funcionaram<br />

<strong>de</strong> 1725 a 1735 e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> 1750 a 1808. Qualquer estudante <strong>de</strong><br />

economia <strong>de</strong> hoje ficaria perplexo com a lógica monetária do sistema.<br />

Isso porque a lógica não era monetária e sim tributária. Ou seja, a<br />

preocupação era estimular que o minerador levasse o ouro para ser<br />

quintado, ocasião em que o imposto <strong>de</strong> vinte por cento era alegremente<br />

recolhido pela Intendência do Ouro. Vai daí que circulavam três<br />

moedas ao mesmo tempo. Duas <strong>de</strong>las eram o próprio ouro que,<br />

inclusive, tinha seu valor intrínseco diferenciado. Explico-me melhor. A<br />

moeda <strong>de</strong> mais ampla circulação era o próprio ouro em pó. Na meta<strong>de</strong><br />

da primeira fase das casas da moeda sua circulação acabou oficialmente<br />

proibida pois a Coroa queria forçar que ele fosse encaminhado<br />

inexoravelmente às casas <strong>de</strong> fundição para ser transformado em barras<br />

e quintado. Mas as próprias autorida<strong>de</strong>s sabiam que era inevitável a<br />

circulação do ouro em pó como meio <strong>de</strong> pagamento mesmo porque era<br />

impossível fornecer o estoque <strong>de</strong> moedas necessário, principalmente<br />

para as pequenas transações. Daí, durante algum tempo permitiu o uso<br />

do ouro em pó como moeda. Mas, e aí está a criativida<strong>de</strong> da solução<br />

lusitana, tabelou o valor da oitava do ouro em pó, 20% (ou um quinto),<br />

abaixo do valor do ouro em barras. Assim, uma oitava <strong>de</strong> ouro<br />

quintado valia 1$500, enquanto uma oitava <strong>de</strong> ouro em pó valia 1$200.<br />

Quer dizer, o minerador levava, por exemplo, <strong>de</strong>z oitavas <strong>de</strong> ouro em<br />

pó na casa <strong>de</strong> fundição para ser quintado, valendo 12$000. Depois <strong>de</strong><br />

algum tempo voltava para buscar o seu metal transformado em barras e<br />

recebia <strong>de</strong> volta apenas oito oitavas <strong>de</strong> ouro em barras. As outras duas<br />

oitavas, ou um quinto do total, ficavam retidas sob a forma do imposto.<br />

Mas como a oitava <strong>de</strong> ouro em barras valia 1$500, ele saia com os<br />

mesmos 12$000 <strong>de</strong> antes. No final do processo, portanto, o ouro perdia<br />

o seu valor intrínseco <strong>de</strong> mercadoria, mas não perdia o seu valor<br />

monetário. Claro que essa dúbia valorização só valia no âmbito da<br />

capitania e para fins monetários pois, como mercadoria, o ouro sempre<br />

foi cotado segundo variáveis internacionais controladas pela bolsa <strong>de</strong><br />

metais <strong>de</strong> Londres. Não era diferente naquela época. Mas, como num<br />

toque <strong>de</strong> mágica, ficava parecendo que o imposto até nem tinha sido<br />

pago. O mineiro não pensava assim e nunca se conformou com a<br />

177


perda do valor intrínseco do seu metal e isso apareceria em algum<br />

ponto do ciclo econômico.<br />

Mas quais eram as consequências internas <strong>de</strong>ssa prática<br />

monetária? Em primeiro lugar resultava que o ouro em barra fosse<br />

pouco usado como moeda nas transações internas, <strong>de</strong>ixando o mineiro<br />

para quintar o seu ouro somente quando precisasse efetuar pagamentos<br />

fora da capitania. Devia ser por isso que os produtos importa<strong>dos</strong> eram<br />

tão caros. Ou seja, o comerciante que os vendia no interior da capitania<br />

tinha que compensar a perda do valor intrínseco da sua moeda <strong>de</strong><br />

importação corroída pelo imposto. E aqui cabe lembrar, mais uma vez,<br />

a figura do maior empreen<strong>de</strong>dor da economia colonial mineira, nosso<br />

João Rodrigues <strong>de</strong> Macedo. Ele estava presente e dominava todo o<br />

complexo econômico com que estava envolvido esten<strong>de</strong>ndo seu raio <strong>de</strong><br />

ação até Portugal. Além <strong>de</strong> financista era gran<strong>de</strong> comerciante e, ao<br />

mesmo tempo, <strong>de</strong>tentor do direito <strong>de</strong> cobrança do imposto <strong>de</strong> entrada.<br />

Quer dizer, importava a mercadoria, pagava um alto imposto para si<br />

mesmo e <strong>de</strong>pois vendia seus secos e molha<strong>dos</strong> a preços abusivos.<br />

Enfim, não era só a Coroa que empurrava o povo pro buraco. Para o<br />

pobre mineiro bom mesmo era sonegar, vale dizer, ven<strong>de</strong>r seu ouro em<br />

pó fora da capitania a 1$500 a oitava.<br />

Ainda há um aspecto esdrúxulo nessa história do duplo valor<br />

monetário do ouro. Falo do fato <strong>de</strong> que certas dignida<strong>de</strong>s como oficias<br />

<strong>de</strong> justiça e eclesiásticos tinham o divino privilégio <strong>de</strong> não ter que pagar<br />

imposto. Só que, para colocar essa vantagem em prática, era utilizada<br />

uma fórmula marota que acabava mandando a conta para o povo.<br />

Funcionava assim: quando o pobre contribuinte tinha que pagar<br />

serviços cartoriais ou as conhecenças <strong>dos</strong> serviços divinos da igreja, os<br />

oficiais e padres tinham direito <strong>de</strong> receber a oitava <strong>de</strong> ouro em pó já<br />

compensando o imposto, ou seja, com a oitava valendo 1$500. Vai daí<br />

que o pobre contribuinte metia a mão no seu saquinho <strong>de</strong> ouro para<br />

fazer o pagamento por esses relevantes serviços e seu precioso metal<br />

era acometido <strong>de</strong> uma súbita <strong>de</strong>svalorização, o que o obrigava a gastar<br />

mais 20% <strong>de</strong> metal. O procedimento era absurdo mas tinha lógica. É<br />

178


que a isenção só valia internamente e se os oficiais e padres pu<strong>de</strong>ssem<br />

simplesmente quintar o seu ouro sem retenção do quinto a vantagem<br />

seria externa e, o que se queria evitar, paga pela Coroa.<br />

O segundo aspecto relevante a ser <strong>de</strong>stacado no conjunto <strong>de</strong><br />

diretrizes que nortearam a or<strong>de</strong>m econômica da capitania das minas diz<br />

respeito a questão fiscal, ou seja, diz respeito a gestão das receitas e<br />

<strong>de</strong>spesas da administração da Coroa. A rigor o soberano português só<br />

gastava com um único propósito, qual seja, garantir a vassalagem. Esse<br />

foco, na verda<strong>de</strong>, apresentava duas vertentes. A primeira continha a<br />

preocupação em manter a autorida<strong>de</strong> da Coroa na sua distante e rebel<strong>de</strong><br />

colônia. A segunda, principal e <strong>de</strong>corrente da primeira, continha a<br />

histérica preocupação com a eficácia do sistema <strong>de</strong> arrecadação <strong>de</strong><br />

impostos. Se esses dois pilares funcionavam o rei estava feliz e nem<br />

chegava a se aborrecer muito com um pouquinho <strong>de</strong> corrupção. Com<br />

exceção da educação, que se tornou pública após a reforma pombalina,<br />

o rei não mostrava o menor interesse em prestar serviços aos seus fiéis<br />

vassalos. Na verda<strong>de</strong> o papel social do estado só foi mesmo <strong>de</strong>finido<br />

<strong>de</strong>pois que as i<strong>de</strong>ias iluministas começaram a influenciar governos o que<br />

só foi mais contun<strong>de</strong>nte no século XIX. De sorte que os serviços<br />

públicos e assistenciais ficavam entregues às câmaras e às irmanda<strong>de</strong>s,<br />

inclusive os investimentos em infraestrutura. Claro que a assistência<br />

religiosa era assumida pelo estado já que, naqueles tempos <strong>de</strong> padroado,<br />

o estado e a igreja se confundiam. Mas, <strong>de</strong> certa forma, essa <strong>de</strong>spesa<br />

podia ser <strong>de</strong>bitada à conta <strong>dos</strong> gastos com a boa manutenção da<br />

vassalagem. Assim, a gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>spesa da Coroa era com as folhas <strong>de</strong><br />

pagamento <strong>dos</strong> seus servidores, civis, militares e eclesiásticos.<br />

Investimentos não havia e, até com a construção <strong>de</strong> prédios públicos da<br />

administração da Coroa, o rei evitava gastar, recorrendo às câmaras<br />

sempre que possível.<br />

O exame do balanço das contas públicas da capitania <strong>de</strong> 1778,<br />

resumido a seguir, nos permite observar o peso da cada <strong>de</strong>spesa e cada<br />

receita.<br />

179


BALANÇO DE 1778<br />

RECEITAS EM $ (reais) %<br />

QUINTOS DO OURO 448.021.060 63,00345099<br />

CONTRATO DE<br />

ENTRADAS 127.787.768 17,97029447<br />

DÍZIMOS 65.435.347 9,201917155<br />

PASSAGENS 4.545.057 0,639153606<br />

OFÍCIOS 61.055.412 8,585984011<br />

DIVERSOS 2.583.045 0,363243525<br />

RENDIMENTOS DO<br />

TIJUCO 1.677.898 0,235956239<br />

TOTAL 711.105.587 100,00<br />

DESPESAS<br />

FOLHA<br />

ECLESIÁSTICA 12.766.500 6,5847355<br />

FOLHA MILITAR 84.655.521 43,6638242<br />

FOLHA CIVIL 17.637.500 9,0971113<br />

FUNDIÇÃO VILA<br />

RICA 16.137.132 8,3232480<br />

FUNDIÇÃO SABARÁ 17.428.346 8,9892334<br />

FUNDIÇÃO RIO DAS<br />

MORTES 14.493.014 7,4752409<br />

FUNDIÇÃO SERRO 12.903.471 6,6553827<br />

OUTROS 17.858.742 9,2112240<br />

TOTAL 193.880.226 100,00<br />

SALDO TOTAL 517.225.361<br />

SALDO FORA<br />

QUINTO 69.204.301<br />

FONTE: JOSÉ JOAQUIM DA ROCHA<br />

Como se observa, o rendimento do quinto representava mais da<br />

meta<strong>de</strong> das receitas da Coroa, seguido do rendimento <strong>dos</strong> contratos <strong>de</strong><br />

entradas. Provavelmente, no segundo quarto do século, o peso da<br />

ativida<strong>de</strong> mineradora na economia mineira como um todo fosse muito<br />

maior, mas à medida que o século foi avançando as ativida<strong>de</strong>s<br />

agropastoris e comerciais foram tomando o lugar do ouro. A partir <strong>de</strong><br />

1780, as autorida<strong>de</strong>s portuguesas começavam a mostrar mais<br />

preocupação com as rendas <strong>de</strong>ssas outras ativida<strong>de</strong>s. É o que<br />

<strong>de</strong>monstra o governador d. Rodrigo <strong>José</strong> <strong>de</strong> Menezes e o ministro<br />

Martinho <strong>de</strong> Melo e Castro em relatórios e notícias que elaboraram.<br />

180


O balanço das contas públicas <strong>de</strong> 1778 mostra que a <strong>de</strong>spesa se<br />

resumia às folhas <strong>de</strong> pagamento <strong>dos</strong> servidores e às <strong>de</strong>spesas <strong>de</strong><br />

operação das casas <strong>de</strong> fundição. Chama atenção o gran<strong>de</strong> peso da folha<br />

militar que representou, naquele ano, cerca <strong>de</strong> 44% <strong>de</strong> toda a pauta <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>spesas. Mas a constatação mais graciosa diz respeito ao lucro auferido<br />

por sua majesta<strong>de</strong> que, mesmo <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rado o rendimento do quinto,<br />

alcançou em 1778, a boa quantia <strong>de</strong> 69:204$301. Convertido esse valor<br />

em ouro, consi<strong>de</strong>rando a oitava a 1$500, teríamos cerca <strong>de</strong> 11 arrobas<br />

<strong>de</strong> ouro. Mesmo assim, sempre que aparecia uma <strong>de</strong>spesa imprevista, o<br />

rei vexava o povo com os tais donativos extraordinários. Quer dizer o<br />

rei não se preocupava nem um pouco em investir na sua capitania mais<br />

rica, levando sua galinha <strong>dos</strong> ovos <strong>de</strong> ouro a sua inexorável inanição.<br />

Mas, na verda<strong>de</strong>, parece que ao longo do século XVIII, as<br />

contas da coroa portuguesa, no geral, não eram tranquilas e<br />

predominava a situação <strong>dos</strong> “cofres exaustos”. Dizem que mesmo o Rei<br />

Sol Português – d. João V – quando morreu <strong>de</strong>ixou um déficit que se<br />

arrastaria pelo resto da sua <strong>de</strong>scendência. No reinado <strong>de</strong> d. <strong>José</strong> I - com<br />

o marquês <strong>de</strong> Pombal à frente <strong>dos</strong> negócios - a coisa piorou ainda mais<br />

e sua filha d. Maria I, logo que assumiu teve que cortar <strong>de</strong>spesas. Uma<br />

das primeiras medidas que a nova rainha adotou foi ven<strong>de</strong>r 2000<br />

cavalos da cavalariça real e <strong>de</strong>mitir 600 servidores do palácio. A<br />

economia obtida foi pífia mas muito educativa. Assumia o governo uma<br />

plêia<strong>de</strong> <strong>de</strong> velhos e austeros ministros que, avessos à política<br />

megalomaníaca <strong>de</strong> Pombal, iriam conseguir imprimir um pouco mais <strong>de</strong><br />

modéstia nos negócios da Coroa Portuguesa. Mas <strong>de</strong> qualquer forma,<br />

assim que o novo ministério tomou assento a primeira providência foi<br />

buscar um empréstimo para custear os funerais do rei. É que naquele<br />

tempo tanto os funerais quanto os casamentos eram extremamente<br />

dispendiosos pois a coroa pagava propina a to<strong>dos</strong> os seus funcionários<br />

para que pu<strong>de</strong>ssem fazer frente às <strong>de</strong>spesas pessoais das pomposas<br />

celebrações que se arrastavam por todo o reino.<br />

Segundo o viscon<strong>de</strong> da Carnaxi<strong>de</strong>, o déficit acumulado das<br />

contas públicas do reinado <strong>de</strong> d. <strong>José</strong> I, foi <strong>de</strong> 1.289 contos <strong>de</strong> reis , ou<br />

181


seja, 3,2 milhões <strong>de</strong> cruza<strong>dos</strong>. Tudo isso levou a que em 1796 a coroa<br />

tivesse que contrair uma dívida <strong>de</strong> 14.293 contos <strong>de</strong> reis ou 35,7<br />

milhões <strong>de</strong> cruza<strong>dos</strong>. Não é uma quantia <strong>de</strong>sprezível se lembrarmos<br />

que as rendas provenientes da capitania <strong>de</strong> Minas, naquela época,<br />

giravam em torno <strong>de</strong> 500 contos por ano, portanto o empréstimo<br />

contraído representava algo em torno <strong>de</strong> trinta anos <strong>de</strong> boa<br />

arrecadação.<br />

O terceiro aspecto a ser consi<strong>de</strong>rado a respeito das diretrizes da<br />

economia colonial mineira se refere à regulamentação da ativida<strong>de</strong><br />

econômica. E aqui a história é curta e grossa. Com mais ou menos<br />

ênfase, a política adotada ao longo <strong>de</strong> todo o século XVIII -<br />

especialmente até o terceiro quarto do século - foi transformar a<br />

capitania numa mina geral. Quer dizer, tudo que pu<strong>de</strong>sse tirar o mineiro<br />

<strong>de</strong> um buraco <strong>de</strong> mineração era dificultado. Claro que tinham que ser<br />

permitidas as ativida<strong>de</strong>s e serviços que pu<strong>de</strong>ssem garantir a satisfação<br />

das necessida<strong>de</strong>s básicas <strong>dos</strong> conglomera<strong>dos</strong> urbanos e<br />

estabelecimentos rurais que se formaram e abrigavam uma população<br />

<strong>de</strong> certa magnitu<strong>de</strong>, aliás a maior do Brasil colonial. Mas aí o espaço se<br />

abria apenas para a produção <strong>de</strong> alimentos e <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que não<br />

competissem com os produtos do reino e seus alia<strong>dos</strong>. As ativida<strong>de</strong>s<br />

manufatureiras então, foram tenazmente proibidas e só foram liberadas<br />

no século XIX. Como se recorda, Portugal fez <strong>de</strong> tudo para obstruir a<br />

industrialização da sua colônia americana, sobretudo em Minas Gerais.<br />

Temia prejuízos na taxação do ouro e proibiu sistematicamente que o<br />

eixo econômico, não obstante a notória <strong>de</strong>cadência da ativida<strong>de</strong><br />

mineradora, se <strong>de</strong>sviasse para outra ativida<strong>de</strong>. A miséria crescia<br />

assustadoramente, mas sua majesta<strong>de</strong> d. Maria I, por influência da<br />

limitada visão econômica do seu ministério, achou por bem baixar o<br />

famigerado alvará <strong>de</strong> 5 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1785, extinguindo todas as fáb<strong>ricas</strong><br />

existentes na colônia e estabelecendo penas rigorosas para os<br />

transgressores. Isso duraria até abril <strong>de</strong> 1808 quando seu filho, o<br />

príncipe regente João, revogou o nefando alvará. A herança foram vinte<br />

e três anos mais <strong>de</strong> estagnação com consequências <strong>de</strong> que, até hoje não<br />

nos livramos. De sorte que, à medida que a ativida<strong>de</strong> mineradora ia<br />

182


<strong>de</strong>caindo, a falta <strong>de</strong> alternativas ia se acentuando e as <strong>vilas</strong> iam ficando<br />

cada vez mais <strong>pobres</strong>.<br />

Muita gente se indigna até hoje com a tal pilhagem das riquezas<br />

do Brasil colônia, atribuindo a ela nossa eterna miséria. Mas, a bem da<br />

verda<strong>de</strong>, parece haver algum exagero anticolonialista nessa crença. Por<br />

conta <strong>de</strong>sses exageros, teria sido nossa riqueza mineral que levou d.<br />

João V a querer dar aquela <strong>de</strong> “Rei Sol” e construir palácios suntuosos,<br />

como foi o caso do Palácio <strong>de</strong> Mafra. Mas não é bem assim, o fausto do<br />

reinado joanino <strong>de</strong>ixou uma dívida pesada para Portugal que a riqueza<br />

das colônias não foi capaz <strong>de</strong> cobrir. Dizem que o projeto inicial do<br />

Soberano era erguer um convento mo<strong>de</strong>sto, mas à medida que o ouro<br />

ia chegando do Brasil, d. João ia se entusiasmando, extrapolando,<br />

puxando daqui e dali e caprichando no acabamento. De sorte que,<br />

quando a construção terminou o sonho do rei tinha resultado num belo<br />

palácio, on<strong>de</strong> estava instalada uma das maiores bibliotecas da Europa,<br />

além <strong>de</strong> belíssimas capelas barrocas, uma basílica e confortáveis<br />

aposentos para trezentos monges. Na verda<strong>de</strong>, o projeto acabou<br />

resultando num complexo que misturava o profano e o religioso, bem<br />

ao gosto <strong>de</strong> d. João V. Parece que os monges dali viviam um gran<strong>de</strong><br />

conflito moral entre a humilda<strong>de</strong> e a riqueza, o recolhimento e a<br />

ostentação. Tanto que costumavam aplacar essas inquietações com<br />

animadas seções <strong>de</strong> autoflagelação. Dizem também que, quando d. João<br />

VI fugiu para o Brasil, trouxe parte <strong>dos</strong> livros e móveis do palácio do<br />

bisavô para instalar-se nessas quentes e bárbaras terras tropicais com<br />

um pouco mais <strong>de</strong> conforto e ilustração. Teria sido um pífio retorno <strong>de</strong><br />

parte da riqueza que, ao longo <strong>de</strong> cem anos, daqui tinha saído para os<br />

cofres <strong>de</strong> Lisboa. Mas, mesmo assim, o povo português protestou. No<br />

final da história, d. Pedro I até teve que in<strong>de</strong>nizar o patrimônio que seu<br />

pai <strong>de</strong>ixou no Brasil quando voltou para a Europa. Quer dizer, o custo<br />

do projeto colonizador <strong>de</strong> Portugal para o Brasil foi sem promoção,<br />

sem <strong>de</strong>sconto, sem cheque pré-datado e, com certeza, superfaturado.<br />

Mas a moral da época era a moral da igreja e do rei e ele tinha legítimo<br />

direito <strong>de</strong> fazer isso, já que Deus tinha dito pra todo mundo que a terra<br />

183


e todas as suas riquezas pertenciam à majesta<strong>de</strong> e quem quisesse usá-las<br />

teria que pagar por isso. 113<br />

Mas, fora o Palácio <strong>de</strong> Mafra, não há muito que apresentar em<br />

Portugal como indicador <strong>de</strong> como a riqueza do Brasil foi investida no<br />

país. Para muitos historiadores portugueses essa riqueza passou quase<br />

sem <strong>de</strong>ixar vestígio, especialmente para a parte mais humil<strong>de</strong> do povo.<br />

Na verda<strong>de</strong>, parece que d. João V gastava muito mesmo era com as<br />

levianda<strong>de</strong>s importadas do fausto da sua corte, com a pesadíssima folha<br />

da sua administração e, claro, com a manutenção da máquina militar<br />

que tinha que garantir o reconhecimento da sua magnificência junto às<br />

cortes europeias. Também gostava muito <strong>de</strong> presentear a santida<strong>de</strong> do<br />

Papa com preciosida<strong>de</strong>s do Brasil. 114 Mas, do outro lado, até para<br />

construir o indispensável aqueduto <strong>de</strong> Lisboa, o rei não quis botar a<br />

mão no bolso e criou um imposto específico lançado sobre a população<br />

se<strong>de</strong>nta e que precisava viabilizar a obra, pois apesar <strong>de</strong> estar localizada<br />

no estuário <strong>de</strong> um rio, Lisboa nunca teve água boa para consumo<br />

humano.<br />

Mas a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que as riquezas que a coroa <strong>de</strong> d. João V levou do Brasil<br />

para Portugal foram verda<strong>de</strong>iramente fabulosos, sempre foi<br />

pacificamente aceita, até mesmo na historiografia portuguesa em geral.<br />

Cabe não esquecer, também, que a parte que tocou aos cofres<br />

reais não <strong>de</strong>ve ter ultrapassado 10% do montante da riqueza gerada<br />

pelos que efetivamente trabalhavam: mineradores, fazen<strong>de</strong>iros e<br />

comerciantes. Mas o bolo que girou em mãos privadas também não<br />

pô<strong>de</strong> fazer a felicida<strong>de</strong> do povo português pois acabava mesmo era nas<br />

mãos amigas <strong>dos</strong> comerciantes ingleses encrava<strong>dos</strong> no Porto e em<br />

113 Observem que na parte do seu livro - escrito por volta <strong>de</strong> 1710 - Antonil gasta<br />

gran<strong>de</strong> parte do espaço do capítulo que trata das riquezas minerais do Brasil, para<br />

justificar esse direito. É que tinha gente <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo a tese <strong>de</strong> que o que Deus tinha<br />

dado aos reis lusitanos era aquele pedacinho <strong>de</strong> terra que Portugal dividia com a<br />

Espanha na acanhada Península Ibérica e não propriamente aquelas extensas e<br />

exuberantes terras do Sul da América, por sinal, já ocupadas quando a turma <strong>de</strong> Cabral<br />

aqui botou os pés.<br />

114 Porém não com o exagero que apregoam.<br />

184


Lisboa tocando a feitoria britânica criada para facilitar a absorção <strong>dos</strong><br />

sal<strong>dos</strong> negativos da balança comercial luso-britânica, repleta <strong>de</strong><br />

manufaturas inglesas e algum bom vinho português.<br />

Mas, afinal qual foi mesmo o montante <strong>de</strong> riquezas que o Brasil<br />

mandou para Portugal no período colonial? É quase impossível<br />

respon<strong>de</strong>r a essa pergunta, mesmo em relação ao ouro, cuja<br />

contabilida<strong>de</strong> foi muito mais organizada e controlada do que a das<br />

<strong>de</strong>mais rendas. Os autores que trataram da matéria divergem mas é<br />

possível se criar uma tábua razoavelmente confiável a respeito do<br />

arrecadação do quinto (vi<strong>de</strong> tabelas do Apêndice). Por ela observamos<br />

que <strong>de</strong> 1700 até 1709 o quinto do ouro ren<strong>de</strong>u 6 arrobas, 22 marcos, 1<br />

onça e 1 oitava. Isso equivaleria a 38:989$500 que converti<strong>dos</strong> em<br />

dólares pelos critérios menciona<strong>dos</strong> no Apêndice, equivaleriam a cerca<br />

<strong>de</strong> 2,1 milhões <strong>de</strong> dólares. Observem que esse período cobre o sistema<br />

<strong>de</strong> arrecadação implantado por Artur <strong>de</strong> Sá e que veio a ser a primeira<br />

das muitas tentativas <strong>de</strong> dotar a capitania <strong>de</strong> um sistema imune à<br />

sonegação, supremo sonho <strong>dos</strong> governos. Com certeza o sistema era<br />

precário pois o total coletado sob a forma <strong>de</strong> confisco <strong>de</strong> metal em<br />

tentativas <strong>de</strong> extravio foi quase igual ao total recolhido<br />

espontaneamente pelo contribuinte. O rendimento médio da<br />

arrecadação do período foi <strong>de</strong> apenas 40 marcos/ano. Isso equivaleria a<br />

singelos US$ 203.000,00 <strong>de</strong> referência, aproximadamente. Realmente,<br />

com base nesse valor, mesmo como mera referência, d. João não podia<br />

estar pensando em mais do que um mo<strong>de</strong>sto mosteiro nas paragens <strong>de</strong><br />

Mafra. 115 Mesmo porque, naquele tempo o Tijuco ainda não dava<br />

diamantes. A contabilida<strong>de</strong> seguinte alcança o período <strong>de</strong> quatro anos<br />

115 Quando d. João VI se instalou no Brasil em 1808 chegou a se cogitar <strong>de</strong> construir<br />

um novo palácio para a família real no Rio <strong>de</strong> Janeiro. A obra foi orçada em 17<br />

milhões <strong>de</strong> cruza<strong>dos</strong>, quantia que correspon<strong>de</strong>ria a cerca <strong>de</strong> 1.100 arrobas <strong>de</strong> ouro ou<br />

350 milhões <strong>de</strong> dólares <strong>de</strong> referência. Claro que a i<strong>de</strong>ia não foi para frente pois,<br />

naquele época, o ouro <strong>de</strong> Minas já era doce recordação do passado. Embora a quantia<br />

citada para construção do palácio carioca do príncipe regente pareça muito exagerada<br />

é <strong>de</strong> se concluir que o palácio <strong>de</strong> Mafra, mesmo tendo sido construído cerca <strong>de</strong> oitenta<br />

anos antes, <strong>de</strong>ve ter custado mais do que o ouro do Brasil era capaz <strong>de</strong> suportar.<br />

185


que cobre o governo <strong>de</strong> Antônio <strong>de</strong> Albuquerque. Nesse período a<br />

arrecadação total foi <strong>de</strong> 5 arrobas, 48 marcos e 3 oitavas equivalentes a<br />

35:331$000 ou 1,9 milhões <strong>de</strong> dólares. A média anual foi <strong>de</strong> 1 arroba,<br />

28 marcos e uma oitava ou US$ 467.000,00, representando uma certa<br />

melhora na arrecadação. Durante o período da avença por cotas fixas,<br />

ou seja <strong>de</strong> 1714 a 1724 a arrecadação total foi <strong>de</strong> 312 arrobas e 32<br />

marcos, valendo 1:920:000$000 ou 101,6 milhões <strong>de</strong> dólares. A média<br />

anual foi <strong>de</strong> 28 arrobas, 26 marcos, 1 onça e 4 oitavas o que equivaleria<br />

aproximadamente a US$ 9.2 milhões <strong>de</strong> dólares <strong>de</strong> referência. Quer<br />

dizer, nesse período a arrecadação média anual do quinto cresceu<br />

espetacularmente vinte vezes, ou seja, 1.900%. Mas <strong>de</strong> qualquer forma,<br />

parece não ser ainda verda<strong>de</strong>iramente uma fortuna. Mas foi o tempo<br />

áureo da dinâmica <strong>de</strong> construção do Palácio <strong>de</strong> Mafra. O período que se<br />

segue é o da arrecadação através das casas <strong>de</strong> fundição que vai até 1735<br />

e cobre o período <strong>de</strong> onze anos. Nesse intervalo foram quinta<strong>dos</strong> 1068<br />

arrobas, 4 marcos, 4 onças e 5 oitavas <strong>de</strong> ouro com valor aproximado<br />

6:562:234$500 ou cerca <strong>de</strong> 347 milhões <strong>de</strong> dólares <strong>de</strong> referência. A<br />

média anual foi <strong>de</strong> 106 arrobas, 51 marcos, 5 onças e 2 oitavas, com<br />

valor <strong>de</strong> 656:223$450 ou 34,7 milhões <strong>de</strong> dólares. Houve um<br />

incremento bem menos espetacular <strong>de</strong> 276%, mas mesmo assim,<br />

expressivos, embora não chegasse a ser uma fortuna. De qualquer<br />

forma, <strong>de</strong>ve ter sido nessa época que d. João equipou e <strong>de</strong>corou o<br />

palácio <strong>de</strong> Mafra. O período seguinte cobre <strong>de</strong>zesseis anos e foi<br />

cobrado pelo regime <strong>de</strong> capitação sobre a ativida<strong>de</strong> econômica em<br />

geral, implantado por Gomes Freire <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> e Martinho <strong>de</strong><br />

Mendonça entre 1735 e 1751. Foi o melhor <strong>de</strong> to<strong>dos</strong> os perío<strong>dos</strong> com a<br />

arrecadação atingindo a média anual <strong>de</strong> 155 arrobas, 42 marcos e 8<br />

onças equivalentes a 956.399$600, cerca <strong>de</strong> US$ 51 milhões. Contudo, o<br />

crescimento <strong>de</strong>ssa vez foi menos expressivo, ou seja 46%. A quantida<strong>de</strong><br />

total <strong>de</strong> ouro arrecadado nesse período chegou a 2.328 arrobas, 41<br />

marcos, 3 onças e 4 oitavas no valor <strong>de</strong> 1:434:599$400 ou cerca <strong>de</strong> 76<br />

milhões <strong>de</strong> dólares. Em 1752 o rei d. <strong>José</strong> I, tendo Pombal como<br />

ministro regente, mandou voltar o sistema das casas <strong>de</strong> fundição,<br />

garantidas, porém, 100 arrobas como arrecadação mínima. Daí até 1779<br />

foram arrecada<strong>dos</strong> 2.506 arrobas, 11 marcos, 3 onças e 6 oitavas,<br />

186


epresentando <strong>de</strong> 15:556:261$500 ou 823 milhões <strong>de</strong> dólares. A média<br />

ano caiu para 92 arrobas, 26 marcos e 2 arrobas, equivalentes a<br />

567:768$536 ou cerca <strong>de</strong> 30 milhões <strong>de</strong> dólares anuais. Aí a coisa já<br />

começava verda<strong>de</strong>iramente a piorar e <strong>de</strong> forma irreversível. Então d.<br />

João V e seu filho d. <strong>José</strong> I já estavam mortos e o bisneto do Rei Sol<br />

português, que viria a ser d. João VI, já estava pronto a assumir o trono,<br />

assim que sua mãe acabasse <strong>de</strong> ficar louca.<br />

De 1780 a 1787, ou seja, no período imediato que antece<strong>de</strong> a<br />

Inconfidência Mineira a média anual caiu para 58 arrobas, 6 marcos, 2<br />

onças e 3 oitavas, valendo 362:331$750 ou cerca <strong>de</strong> 19,2 milhões <strong>de</strong><br />

dólares <strong>de</strong> arrecadação anual. Dispomos <strong>de</strong> da<strong>dos</strong> ainda do período <strong>de</strong><br />

1794 a 1796 que mostram que a arrecadação do quinto continuou a sua<br />

inexorável marcha <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte. Naquele período a média anual da<br />

arrecadação tinha representado apenas 42 arrobas, 49 marcos, 1 onça e<br />

4 oitavas que valeriam cerca <strong>de</strong> 13,9 milhões <strong>de</strong> dólares <strong>de</strong> referência.<br />

Portanto, com base na amostragem <strong>de</strong> que dispomos, <strong>de</strong> 1714 a<br />

1796 a média da arrecadação do quinto representou cerca <strong>de</strong> 78 arrobas<br />

por ano o que valeria a cerca <strong>de</strong> 25 milhões <strong>de</strong> dólares <strong>de</strong> referência o<br />

que, mesmo levando em conta a inconveniência <strong>de</strong> comparar valores<br />

em perío<strong>dos</strong> históricos tão distancia<strong>dos</strong>, parece não chega a ser uma<br />

fortuna. Claro que numa economia mercantilista do século XVIII, 78<br />

arrobas <strong>de</strong> ouro podiam comprar infinitamente mais coisas do que 26<br />

milhões <strong>de</strong> dólares numa economia mo<strong>de</strong>rna pós-industrial como hoje.<br />

Mas, <strong>de</strong> qualquer forma, parece inconveniente se dizer que foi ouro<br />

mineiro que construiu Portugal. Mesmo porque, como dissemos, a<br />

riqueza acabou mesmo foi na mão <strong>dos</strong> ingleses. Tanto Portugal como o<br />

Brasil continuariam a ser economias essencialmente agropastoris e<br />

extrativistas por cerca <strong>de</strong> dois séculos mais. Claro que a capacida<strong>de</strong><br />

fabril lusitana, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> tanto boicote real, estava muito a frente da do<br />

Brasil, mas era pouco expressiva no contexto europeu.<br />

Com certeza, o problema foi muito mais da aplicação da riqueza<br />

do que do significado do seu montante pois toda riqueza é, na verda<strong>de</strong>,<br />

o que se consegue extrair <strong>de</strong>la. Assim, as quase 80 mil arrobas <strong>de</strong> ouro<br />

que estimo tenham saído do solo mineiro ao longo do século XVIII<br />

187


po<strong>de</strong>riam ter tido aplicação mais preciosa, à altura da dignida<strong>de</strong> do<br />

metal. 116<br />

Está certo que, como dito exaustivamente, é temerário<br />

comparar valores que estão separa<strong>dos</strong> por uma trinca <strong>de</strong> séculos, mas é<br />

interessante observar que em 2004 o estado <strong>de</strong> Minas Gerais, com toda<br />

a discrição possível produziu 15.760 kg <strong>de</strong> ouro, no valor <strong>de</strong> US$ 365<br />

milhões. 117 Essa produção, no século XVIII, representaria nada menos<br />

do que 214 arrobas <strong>de</strong> arrecadação <strong>dos</strong> quintos para sua majesta<strong>de</strong>.<br />

Quer dizer, extravios a parte, Minas Gerais produz nos nossos dias mais<br />

ouro do que nos tempos gloriosos do ciclo do ouro. Mesmo assim, o<br />

máximo que conseguimos hoje, foi restaurar o Palácio da Liberda<strong>de</strong>, a<br />

se<strong>de</strong> do governo mineiro, <strong>de</strong> duvi<strong>dos</strong>o gosto neoclássico.<br />

Infelizmente não temos informações suficientes para saber<br />

quanto <strong>de</strong> diamantes e outras pedras preciosas brasileiras foram parar<br />

em Portugal pois essas informações sempre foram guardadas <strong>de</strong>baixo<br />

<strong>de</strong> muito segredo. 118<br />

D. João V só tomou conhecimento da existência <strong>dos</strong> diamantes<br />

do Tijuco por volta <strong>de</strong> 1729. Assim, durante cerca <strong>de</strong> cinco anos ele foi<br />

escandalosamente roubado. Mas, logo que teve a confirmação da<br />

maravilhosa notícia esqueceu que há algum tenho vinha sendo passado<br />

para trás. Entrou em <strong>de</strong>lírio e se sentiu um verda<strong>de</strong>iro Luiz XIV <strong>de</strong><br />

França. Espalhou a notícia trombeteramente pela Europa toda e tratou<br />

<strong>de</strong> enviar as primeiras amostras ao Papa para ver se garantia o cobiçado<br />

116 Pedro Calmon fala em 65.000 arrobas e Pandiá Calógeras fala em 51.500 arrobas.<br />

117 Anuário Mineral Brasileiro, publicado pelo Departamento <strong>de</strong> Produção Mineral.<br />

118 Tenho notícia <strong>de</strong> que quando o marques <strong>de</strong> Pombal <strong>de</strong>ixou o governo, os<br />

ministros que assumiram fizeram um inventário <strong>dos</strong> diamantes <strong>de</strong>posita<strong>dos</strong> no<br />

tesouro e <strong>de</strong>scobriram que gran<strong>de</strong> parte das pedras tinham valor comercial pouco<br />

significativo.<br />

188


título <strong>de</strong> Rei Fi<strong>de</strong>líssimo da corte romana. 119 Ainda mais sendo ele um<br />

notório carola posto que, muito chegado a certos rituais <strong>de</strong> luxúria em<br />

seu luxuoso convento.<br />

Portugal esteve em festa por vários meses e houve muito Te<br />

Deum para louvar o criador por ele, afinal, não ter se esquecido <strong>de</strong><br />

botar tanta riqueza sob as terras do reino luso, perdidas na América,<br />

assim como tinha feito com a prata do Potossi <strong>dos</strong> espanhóis. Mas<br />

assim que passou o <strong>de</strong>lírio, El rei se assustou com o que po<strong>de</strong>riam estar<br />

fazendo com sua riqueza distante. Não <strong>de</strong>morou nada e um verda<strong>de</strong>iro<br />

regime <strong>de</strong> terror se abateu sobre os mineradores do Tijuco. Duraria por<br />

quase um século. Primeiro todas as concessões <strong>de</strong> lavras que tinham<br />

sido repartidas para a mineração do ouro, foram canceladas. Houve<br />

novas repartições, com áreas menores e as melhores lavras sendo<br />

empossadas pelo próprio rei. Criou-se um imposto coletado pelo<br />

regime <strong>de</strong> capitação por escravo empregado. A produção subiu<br />

significativamente e o rei se assustou novamente mas agora com a<br />

possibilida<strong>de</strong> das pedras se <strong>de</strong>svalorizarem no mercado europeu.<br />

Determinou que as minas fossem mais uma vez tomadas <strong>dos</strong><br />

mineradores e, em seguida, as levou a leilão por preços absur<strong>dos</strong>.<br />

Ninguém tinha condições <strong>de</strong> pagar aqueles preços, assim to<strong>dos</strong><br />

tiveram que sair das terras que já eram suas e ficar perambulando sem<br />

ter o que fazer. Isso condoeu o governador que resolveu, por conta<br />

própria, atenuar a <strong>de</strong>sgraça e permitir que o pessoal voltasse ao seu<br />

mister, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que pagasse um imposto <strong>de</strong> capitação que, embora<br />

majorado em 300%, acenava com alguma esperança. De sorte que o<br />

povo voltou a minerar, mas sob rigorosíssimas regras, baixadas sobre a<br />

comercialização das pedras que só podia ser feita para ou sob as vistas<br />

do rei. Mas o terror continuou. A ativida<strong>de</strong> era sempre incerta pois a<br />

vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua majesta<strong>de</strong> mudava toda hora e nunca se tinha certeza<br />

sobre o tributo <strong>de</strong>vido. Até que em 1734 o rei resolveu dar outra freada<br />

na produção tornando ainda mais rigorosas as regras da exploração.<br />

119 Segundo Joaquim Felício <strong>dos</strong> Santos o título custou ao monarca português<br />

quatrocentos e cinquenta milhões <strong>de</strong> cruza<strong>dos</strong>, o que não tem o menor cabimento.<br />

189


Criou o distrito <strong>dos</strong> diamantes e o entregou às or<strong>de</strong>ns <strong>de</strong> um<br />

inten<strong>de</strong>nte, separado da jurisdição do ouvidor do Serro. A produção foi<br />

praticamente paralisada. Em 1739, Gomes Freire <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> recebeu a<br />

incumbência <strong>de</strong> restabelecer a produção através do regime <strong>dos</strong><br />

contratos. Por ele a exploração era franqueada a um único minerador<br />

que pelo direito da exploração, recorrendo à penosa labuta <strong>de</strong><br />

seiscentos escravos sara<strong>dos</strong>, pagava um imposto anual por cada um<br />

<strong>de</strong>les. É o tempo <strong>dos</strong> famosos contratadores: os felizes João Fernan<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> Oliveira pai e filho e o indigitado Felisberto Cal<strong>de</strong>ia Brant. Tempo<br />

também, claro, da Chica da Silva.<br />

Em 1772 o marques <strong>de</strong> Pombal, cansado das <strong>de</strong>núncias <strong>de</strong><br />

extravio e aborrecido com o resultado final do mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> gestão da<br />

produção <strong>de</strong> diamantes, resolveu extinguir o regime <strong>dos</strong> contratos e<br />

colocou a extração diretamente sob a gestão da Coroa. Nunca mais a<br />

produção do Tijuco alcançaria o esplendor <strong>de</strong> outrora. Não porque o<br />

mo<strong>de</strong>lo estava ina<strong>de</strong>quado e sim porque já não havia muita coisa que<br />

catar <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> meio século <strong>de</strong> exploração.<br />

Hoje, ao contrário do que acontece com o ouro, não se fala em<br />

perspectivas verda<strong>de</strong>iramente promissoras <strong>de</strong> um novo ciclo <strong>de</strong><br />

produção <strong>de</strong> diamantes em Minas Gerais. Com certeza, tal qual hoje, as<br />

minas gerais eram muito mais <strong>de</strong> metais do que <strong>de</strong> gemas e o minério<br />

<strong>de</strong> ferro acabou tomando o lugar das maravilhosas pedrinhas.<br />

A ilusão <strong>de</strong> que os diamantes do Abaeté pu<strong>de</strong>ssem ser tão<br />

copiosos quanto os do Tijuco, encerrou <strong>de</strong> forma um tanto<br />

melancólica, a epopeia da busca da riqueza fácil <strong>de</strong> uma terra dadivosa.<br />

Passou o ouro e os diamantes e a prata não havia. No princípio do<br />

século XIX a capitania <strong>de</strong> Minas Gerais já estava reduzida ao mais<br />

chocante estado <strong>de</strong> miséria. Dizia então um habitante <strong>de</strong> Sabará 120 numa<br />

lúcida carta testemunho escrita em 1805:<br />

120 Basílio Teixeira <strong>de</strong> Sá Vedra – Publicada na Revista do Arquivo Público Mineiro –<br />

volume II – 1897.<br />

190


A capitania <strong>de</strong> Minas Gerais que fez as gran<strong>de</strong>s riquezas <strong>dos</strong> felizes<br />

reina<strong>dos</strong> <strong>de</strong> d. João V e do sr. d. <strong>José</strong> I, <strong>de</strong> feliz memória, se acha em<br />

estado <strong>de</strong> pobreza e <strong>de</strong> miséria (***). O real quinto tem diminuído<br />

progressivamente. É povoada <strong>de</strong> negociantes, mineiros e fazen<strong>de</strong>iros<br />

fali<strong>dos</strong> ou quase a falir, conserva<strong>dos</strong> por indústria ou manha. É uma<br />

multidão <strong>de</strong> povo <strong>de</strong> mulatos e pretos forros sem ofício e sem<br />

aplicação, vadios e mais vícios a que são uni<strong>dos</strong>. Que malda<strong>de</strong>s, que<br />

misérias ! As causas <strong>de</strong>sse mal são assaz conhecidas: uma riqueza<br />

achada <strong>de</strong> repente e com facilida<strong>de</strong> não nascida da indústria ou <strong>de</strong><br />

trabalho, fará sempre o mesmo dano, tanto mais violentamente<br />

quanto for a abundância <strong>de</strong> ouro e <strong>de</strong>pois a sua falta. Porém, a essa<br />

tendência natural se tem juntado alguns motivos particulares para<br />

acelerar a <strong>de</strong>cadência da capitania (***). Os casamentos e mais ainda<br />

as mancebias <strong>dos</strong> proprietários com mulheres pretas e mulatas têm<br />

feito mais <strong>de</strong> três partes do povo, <strong>de</strong> gente liberta, sem criação, sem<br />

meios <strong>de</strong> alimentar-se, sem costumes e com a louca opinião <strong>de</strong> que a<br />

gente forra não <strong>de</strong>ve trabalhar. (***). A extensão <strong>de</strong> terras que muitos<br />

têm acumulado, impe<strong>de</strong> a outras que possam minerar ou cultivar um<br />

bocado <strong>de</strong>la. (***) Os emprega<strong>dos</strong> no governo civil e militar que têm<br />

havido ou são faltos <strong>de</strong> conhecimento ou <strong>de</strong> caráter ou ambiciosos,<br />

têm <strong>de</strong>ixado crescer a <strong>de</strong>vassidão que tem sobrepassado os limites que<br />

outros hábeis e zelosos lhes tem querido impor. (***) São mais<br />

difíceis <strong>de</strong> indicar os remédios para uma tão extraordinária moléstia<br />

política. Porém (***) direi o que penso sobre esse assunto. É o<br />

primeiro passo <strong>de</strong>struir os <strong>de</strong>feitos que tem concorrido para a<br />

<strong>de</strong>sgraça <strong>de</strong>ssa infeliz capitania e como o principal <strong>de</strong>feito é falta <strong>de</strong><br />

indústria, vícios da plebe, luxo sem meios e bazófia mesmo da maior<br />

parte <strong>dos</strong> particulares, torná-los laboriosos, verda<strong>de</strong>iros e com virtu<strong>de</strong><br />

é o principal objeto <strong>de</strong> reforma. (***).<br />

Quer dizer, muita preguiça e outros maus-costumes escorando a<br />

miséria e a pobreza em uma terra dadivosa.<br />

Para encerrar essa história, indispensável lembrar, mais uma vez<br />

que, <strong>de</strong>sconta<strong>dos</strong> os obscuros extravios, a produção <strong>de</strong> ouro em Minas<br />

Gerais é hoje muito maior do que foi no século XVIII. Por refinada<br />

ironia do passar <strong>dos</strong> tempos, a maior mina <strong>de</strong> ouro do Brasil nos dias<br />

191


<strong>de</strong> hoje é a velha mina <strong>de</strong> Cuiabá, em exploração <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o princípio do<br />

século XIX. Fica a pouco mais <strong>de</strong> uma légua <strong>de</strong> Sabará, on<strong>de</strong> o nosso<br />

angustiado missivista escreveu as amargas linhas que há pouco lemos.<br />

Hoje as galerias da mina já estão a novecentos metros <strong>de</strong> profundida<strong>de</strong><br />

e produzem <strong>de</strong>z toneladas <strong>de</strong> ouro anualmente. A produção da mina <strong>de</strong><br />

Morro do Ouro em Paracatu, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> pouco tempo <strong>de</strong>verá<br />

ultrapassar a produção <strong>de</strong> Cuiabá, com quinze toneladas/ano. A<br />

produção somente <strong>de</strong>ssas duas minas, vai equivaler a cerca <strong>de</strong> 1700<br />

arrobas anuais que dariam <strong>de</strong> rendimento do quinto, nada menos do<br />

que 340 arrobas num único ano. Bela soma com a qual a Coroa<br />

Portuguesa jamais ousou sonhar, nem nos melhores anos da melhor<br />

fase da produção no século XVIII.<br />

Po<strong>de</strong> ser que a ida<strong>de</strong> do ouro <strong>de</strong> Minas Gerais nunca tenha<br />

existido, mas também po<strong>de</strong> ser que ela nunca tenha <strong>de</strong>ixado <strong>de</strong> existir.<br />

A terra é hoje como já era no tempo em que Adão foi expulso do<br />

paraíso: há <strong>de</strong> se fazê-la produzir com esforço, segundo o engenho <strong>de</strong><br />

cada época. O ouro fácil se esgotou rápido, no seu lugar ficaram<br />

montanhas <strong>de</strong> ferro, ao lado <strong>de</strong> recônditos profun<strong>dos</strong> e ditosos veios<br />

do precioso metal dourado, à espera <strong>de</strong> se fazer ao sol mais uma vez.<br />

192


APÊNDICE<br />

I - Cunhando uma Moeda Histórica<br />

Alguns autores mo<strong>de</strong>rnos, para ilustrar com mais contundência<br />

o valor <strong>de</strong> bens materiais antigos nos tempos <strong>de</strong> hoje, recorrem, <strong>de</strong><br />

forma um tanto simplória, ao expediente <strong>de</strong> atualizar os valores <strong>de</strong>sses<br />

bens, corrigindo-os monetariamente. Em geral, essa operação é feita<br />

lançando-se mão <strong>de</strong> tabelas <strong>de</strong> atualização monetária do dólar ou da<br />

libra esterlina. Aplicam-se os fatores <strong>de</strong> atualização constantes das<br />

mesmas sobre o valor do bem que se quer inflacionar e eis quanto<br />

custaria esse bem nos dias <strong>de</strong> hoje. Essa é uma prática que <strong>de</strong>ve ser<br />

usada com muita cautela. Isso porque, quando projetamos fatores <strong>de</strong><br />

atualização monetária em perío<strong>dos</strong> mais longos, ficamos sujeitos a uma<br />

série ampliada <strong>de</strong> distorções. A principal <strong>de</strong>las é o valor relativo <strong>de</strong><br />

certos bens que po<strong>de</strong> variar significativamente tangido por fatores <strong>de</strong><br />

or<strong>de</strong>m cultural que costumam atuar fortemente ao longo da história,<br />

anulando a força das variáveis <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m estritamente monetária. Além<br />

disso, também atua a velha força das leis <strong>de</strong> mercado, fazendo subir e<br />

<strong>de</strong>scer o valor das coisas no tempo e dificultando as comparações. Um<br />

exemplo contun<strong>de</strong>nte do que eu estou querendo dizer é o preço da<br />

vela. Até finais do século XIX o preço <strong>de</strong>sse, hoje acanhado meio <strong>de</strong><br />

iluminação, era extremamente alto. Isso acontecia não só <strong>de</strong>vido as<br />

dificulda<strong>de</strong>s da sua fabricação, mas sobretudo <strong>de</strong>vido ao seu amplo<br />

consumo nas cerimônias religiosas on<strong>de</strong> componentes <strong>de</strong> prestígio<br />

também se faziam presentes. Era um bem tão valioso que certas<br />

autorida<strong>de</strong>s recebiam ajuda <strong>de</strong> custo em velas pois eram<br />

frequentemente requisitadas para cerimônias, quando por força da sua<br />

própria posição, tinham que contribuir ce<strong>de</strong>ndo o precioso bem para o<br />

ato cerimonioso. Quanto mais importante uma cerimônia mais velas<br />

<strong>de</strong>veriam ar<strong>de</strong>r agregando mais magnificência a preces e louvações. Para<br />

se ter uma i<strong>de</strong>ia, por volta <strong>de</strong> 1817, 1 kg <strong>de</strong> velas custava o mesmo que<br />

20 frangos. No século XVIII mais ainda.<br />

193


Também fatores <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m estritamente econômica, liga<strong>dos</strong> a<br />

oferta e a procura e as condições <strong>de</strong> produção po<strong>de</strong>m se comportar <strong>de</strong><br />

forma extraordinariamente anômala em certos momentos históricos.<br />

Um exemplo dramático disso foi a carestia assombrosa que assolou as<br />

minas gerais por volta <strong>de</strong> 1700, na fase mais febril da corrida do ouro<br />

na região do Ouro Preto e do Ribeirão do Carmo. Nessa ocasião, 1 kg<br />

<strong>de</strong> açúcar custava 3$330. Por volta <strong>de</strong> 1817 o preço havia caído para<br />

$261, ou seja, queda <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 1100%. O preço <strong>de</strong> uma vaca, no<br />

mesmo período caiu <strong>de</strong> 120$000 para 9$000, ou seja, queda <strong>de</strong> 1200%.<br />

O preço do queijo caiu <strong>de</strong> 6$000 para $150, queda espetacular <strong>de</strong><br />

3900%. Enfim, a história está cheia <strong>de</strong>ssas distorções monetárias.<br />

Não obstante essas dificulda<strong>de</strong>s, temos uma certa compulsão<br />

para comparar o valor <strong>de</strong> bens ao longo do tempo, principalmente para<br />

enten<strong>de</strong>rmos melhor certas motivações histó<strong>ricas</strong>. Acho que nunca<br />

vamos alcançar um bom grau <strong>de</strong> confiança nesse mistér mas,<br />

certamente, existem formas melhores e piores <strong>de</strong> se fazer tais<br />

comparações. Afinal, seria possível criarmos uma moeda histórica? Até<br />

po<strong>de</strong> ser que sim, porém ela terá utilida<strong>de</strong> essencialmente referencial e<br />

nunca po<strong>de</strong>ria ser usada para lastrear discussões minimamente<br />

acaloradas. De qualquer forma há alternativas melhores do que a<br />

simples atualização <strong>de</strong> valores baseando em quanto um bem custava<br />

num <strong>de</strong>terminado ano e quanto custaria algum tempo <strong>de</strong>pois.<br />

Na verda<strong>de</strong> existe uma moeda muito forte e que sempre foi<br />

muito bem aceita ao longo <strong>dos</strong> séculos, no oriente e no oci<strong>de</strong>nte. Estou<br />

falando do ouro, claro. Forçoso não esquecer que ele é o lastro <strong>de</strong> todas<br />

as riquezas transformadas em papel. Antes circulava sob a forma <strong>de</strong><br />

moeda e valia basicamente o valor intrínseco do metal que continha.<br />

Claro que havia muita intervenção do rei e políticas monetárias<br />

equivocadas, tal qual hoje em dia. Mas o ouro é o mais estável <strong>dos</strong> bens<br />

e sempre teve basicamente a mesma utilida<strong>de</strong> e preciosida<strong>de</strong> ao longo<br />

da história. Mas, mesmo assim, também aqui se aplica gran<strong>de</strong> parte do<br />

que foi comentado linhas acima. Não obstante, achamos que o valor do<br />

ouro ao longo do tempo ainda é o melhor padrão <strong>de</strong> referência para a<br />

comparação histórica <strong>de</strong> valores.<br />

194


O preço do ouro não variou muito <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o século XVIII até<br />

mea<strong>dos</strong> do século XX. Tendo como fonte uma citação <strong>de</strong> sir Isaac<br />

Newton, sabemos que em 1717 uma onça <strong>de</strong> ouro valia 3 libras e 17<br />

shillings ou US$18.93 e esse preço permaneceu praticamente estável até<br />

1833. A partir daí houve pequenas variações baseadas nas cotações <strong>de</strong><br />

mercado, porém sob controle <strong>dos</strong> governos. De 1841 até 1932 o valor<br />

da onça <strong>de</strong> ouro permaneceu estável em US$20.67. Somente em 1968 é<br />

que o preço do metal passou a flutuar livremente, mas a variação<br />

continuou pequena. Apenas em 1972 é que o preço do ouro passou a<br />

flutuar <strong>de</strong> forma mais dinâmica. Se formos cunhar uma referência<br />

histórica <strong>de</strong> valores baseada apenas na flutuação do valor do ouro,<br />

ficaríamos sujeitos a uma das distorções apontadas acima quando<br />

trouxemos o exemplo do preço da vela e da explosão da carestia em<br />

Minas Gerais no princípio do século XVIII. O mesmo aconteceria se<br />

fôssemos recorrer apenas à inflação do dólar ou da libra pois isso não<br />

refletiria a valorização positiva ou negativa <strong>de</strong> bens específicos ao longo<br />

do tempo. Quem sabe a sabedoria está no meio e possamos conciliar as<br />

duas alternativas? Partindo <strong>de</strong>ste princípio, em 2007 uma onça <strong>de</strong> ouro<br />

teria como referência histórica o valor <strong>de</strong> US$ 635.10. O valor <strong>de</strong><br />

cotação <strong>de</strong> mercado no fechamento daquele ano foi <strong>de</strong> US$836.50 e o<br />

valor corrigido pela inflação do dólar <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1792 seria US$433.70. 121 O<br />

valor <strong>de</strong> referência histórica seria a média <strong>dos</strong> dois. Foi esse o valor que<br />

usamos nas conversões <strong>de</strong> valores em US dólares que fizemos ao longo<br />

do texto e nas tabelas utilizadas. Chamamos o resultado obtido <strong>de</strong> “US$<br />

<strong>de</strong> referência”. Deixamos a critério do leitor julgar a pertinência<br />

analítica do resultado, mesmo porque, não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> causar surpresa o<br />

resultado <strong>de</strong> certos valores atualiza<strong>dos</strong> para os dias <strong>de</strong> hoje. Algumas<br />

coisas parecem excessivamente valorizadas enquanto outros valores<br />

parecem insignificantes. Com certeza isso se <strong>de</strong>ve também a total<br />

impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se comparar o tamanho das economias do século<br />

XVIII com as do século XXI. Naqueles tempos seria inimaginável a<br />

121 Inflação medida pelo Consumer Price In<strong>de</strong>x obtido no site<br />

www.mensuringworth.com.<br />

195


medição da riqueza <strong>de</strong> um país em trilhões <strong>de</strong> libras ou dólares. Enfim,<br />

como dissemos, trata-se apenas <strong>de</strong> uma referência.<br />

II - TABELAS<br />

TABELA 1<br />

ARRECADAÇÃO DO QUINTO<br />

PESO EM OURO REGIME<br />

ANO ARROBAS MARCOS ONÇAS OITAVAS TOTAL EM VALOR TRIBUTÁRIO<br />

OITAVAS<br />

1700 0 14 5 4 940 1:410$000<br />

1701 1 30 6 0 6064 9:096$000<br />

1702 0 0 3 4 28 42$000 TRIBUTAÇÃO NAS<br />

1703 0 25 6 0 1640 2:460$000 PASSAGENS DOS<br />

1704 0 45 5 6 2926 4:389$000 REGISTROS<br />

1705 0 25 4 5 1637 2:455$500 (ARTUR DE SÁ)<br />

1706 1 12 3 2 4890 7:335:000<br />

1707 0 33 4 7 2151 3:226$500<br />

1708 0 18 1 3 1163 1:744:500<br />

1709 1 7 0 2 4546 6:819$000<br />

TOTAL 6 22 0 2 25985 38:977$500<br />

MÉDIA 0 40 4 6 2560 3:840$000<br />

1710 1 24 6 2 5682 8:523$000<br />

1711 2 25 2 4 9748 14:622$000 CAPITAÇÃO POR<br />

1712 0 56 3 1 3604 5:406$000 BATEIAIS<br />

1713 1 5 4 3 4451 6:676$500 (ANTÔNIO DE<br />

TOTAL 5 46 7 5 23485 35:227$500 ALBUQUERQUE)<br />

MÉDIA 1 26 6 3 5871 8:806$500<br />

1714 30 0 0 0 122880 184:320$000<br />

1715 30 0 0 0 122880 184:320$000<br />

1716 30 0 0 0 122880 184:320$000<br />

1717 30 0 0 0 122880 184:320$000 AVENÇA POR<br />

1718 25 0 0 0 102400 153:600$000 COTA FIXA<br />

1719 25 0 0 0 102400 153:600$000 (D. BRÁS DA<br />

1720 25 0 0 0 102400 153:600$000 SILVEIRA, CONDE DE<br />

1721 25 0 0 0 102400 153:600$000 ASSUMAR E<br />

1722 37 0 0 0 151552 227:328$000 D. LOURENÇO DE<br />

1723 37 0 0 0 151552 227:328$000 ALMEIDA)<br />

1724 18 32 0 0 75776 113:664$000<br />

TOTAL 312 32 0 0 1280000 1:920:000$000<br />

196


MÉDIA 28 26 1 4 116364 174:545$454<br />

1725 132 54 0 7 544135 816:202$500<br />

1726 90 29 4 7 370535 555:802$500<br />

1727 73 41 3 2 301657 452:485$500<br />

1728 78 55 0 2 323009 484:513$500 CASAS DE FUNDIÇÃO<br />

1729 35 4 7 4 143676 215:514$000 (D. LOURENÇO DE<br />

ALMEIDA E CONDE<br />

1730 92 5 7 3 377211 565:816$500 DAS<br />

1731 GALVEAS)<br />

1732 148 55 6 3 609779 914:668$500<br />

1733 88 16 1 7 361487 542:230$500<br />

1734 238 39 6 0 977392 1:466:088:000<br />

1735 89 21 6 4 365940 548:910$000<br />

TOTAL 1068 4 4 5 4374821 6:562:231$500<br />

MÉDIA 106 51 5 2 437482 656:223$000<br />

1736 194 34 5 7 796847 1:195:270$500<br />

1737 134 5 4 0 549216 823:824$000<br />

1738 237 14 7 7 971711 1:457:566$500<br />

1739 291 11 4 4 1192676 1:789:014$000<br />

1740 234 4 5 3 958763 1438144500 CAPITAÇÃO POR<br />

1741 ESCRAVO, LOJAS<br />

1742 98 54 3 2 404890 607:335$000 E VENDAS<br />

1743 100 2 4 6 409766 614:649$000 (FREIRE DE ANDRADE<br />

1744 280 58 1 3 1150603 1:725:904$500 E MARTINHO<br />

1745 122 56 6 3 503347 755:020$500 DE MENDONÇA)<br />

1746 127 4 0 5 520453 780:679$500<br />

1747 130 42 7 2 535226 802:839$000<br />

1748 5 27 1 2 20938 31:407$000<br />

1749 128 32 0 0 526336 789:504$000<br />

1750 124 64 6 7 512055 768:082$500<br />

1751 124 31 0 1 509889 764:833$500<br />

TOTAL 2334 41 3 4 9562716 14:344:074$000<br />

MÉDIA 155 41 0 2 637514 956:271$000<br />

1752 55 34 6 1 227505 341:257$500<br />

1753 107 50 6 7 441527 662:290$500<br />

1754 118 29 4 3 485219 727:828$500<br />

1755 117 57 0 5 483525 725:287$500<br />

1756 114 57 5 1 470633 705:949$500<br />

1757 110 53 5 5 453993 680:989$500<br />

1758 89 41 2 7 367191 550:786$500<br />

1759 117 15 1 4 480204 720:306$000<br />

197


1760 98 12 0 2 402178 603:267$000<br />

1761 111 59 4 4 458468 687:702$000<br />

1762 102 56 7 6 421438 632:157$000<br />

1763 82 18 2 1 337041 505:561$500<br />

1764 100 9 7 4 410236 615:354$000<br />

1765 94 12 3 2 385818 578:727$000<br />

1766 132 57 4 3 544355 816:532$500<br />

1767 87 33 3 7 358495 537:742$500 CASAS DE FUNDIÇÃO<br />

1768 84 63 0 6 348102 522:153$000<br />

1769 84 33 1 0 346184 519:276$000<br />

1770 92 19 4 4 378084 567:126$000<br />

1771 81 2 7 7 331975 497:962$500<br />

1772 82 17 2 7 336983 505:474$500<br />

1773 78 23 3 6 320990 481:485$000<br />

1774 75 37 3 6 309598 464:397$000<br />

1775 75 1 0 7 307271 460:906$500<br />

1776 76 23 2 6 312790 469:185$000<br />

1777 70 7 2 1 287185 430:777$500<br />

1778 72 51 5 4 292220 438:330$000<br />

1779 71 46 2 6 293782 440:673$000<br />

TOTAL 2586 11 3 6 10592990 15:889:485$000<br />

MÉDIA 92 23 2 1 378321 567:481$607<br />

1780 65 49 6 5 269429 404:143$500<br />

1781 72 12 5 5 295725 443:587$500<br />

1782 65 36 7 2 268602 402:903$000<br />

1783 62 44 2 6 256790 385:185$000 CASAS DE FUNDIÇÃO<br />

1784 58 6 5 6 237998 356:997$000<br />

1785 54 50 5 5 224429 336:643$500<br />

1786 49 29 7 1 202617 303:925$500<br />

1787 43 11 1 6 176846 265:269$000<br />

TOTAL 471 50 2 4 1932436 2:898:654$000<br />

MÉDIA 58 62 2 2 241554 362:331$750<br />

1794 47 2 6 6 192694 289:041$000<br />

1795 39 26 5 5 161449 242:173$500<br />

1796 42 8 6 0 172592 258:888$000 CASAS DE FUNDIÇÃO<br />

TOTAL 128 38 1 7 526735 790:102$500<br />

MÉDIA 42 55 3 2 175578 263:367$500<br />

FONTE: JOSÉ JOÃO TEIXEIRA<br />

OS DADOS DE 1736 E 1737 SÃO DO OUVIDOR COSTA MATOSO E OS DE 1794 A 1796 FORAM PUBLICADOS NA REVISTA DO<br />

ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO DE FONTE NÃO IDENTIFICADA (ANO DE 1898 - VOL. 3)<br />

198


TABELA 2<br />

RENDIMENTO DAS CÂMARAS<br />

CÂMARAS RENDIMENTOS<br />

JJR / 1778 JJTC/ 1777 TOTAL MÉDIA<br />

VILA RICA 5:950$536 4:619$200 10:569$736 5:284$868<br />

MARIANA 4:900$000 5:744$987 10:644$987 5:322$495<br />

SABARÁ 3:200$000 4:942$925 8:142$925 4:071$462<br />

VILA NOVA RAINHA 3:060$000 3:060$000<br />

PITANGUI 800$000 800$000<br />

JULGADO PARACATU 850$000 850$000<br />

SÃO JOÃO 2:640$000 2:772$600 5:412$600 2:706$300<br />

SÃO JOSÉ 2:160$000 2:160$000 4:320$000 2:160$000<br />

VILA PRINCIPE 2:877$200 2:659$800 5:537$000 2:768$500<br />

MINAS NOVAS 600$000 441$900 1:041$900 520$950<br />

TABELA 3<br />

PREÇO DA CARNE NO SÉCULO XVIII - MINAS GERAIS<br />

ANO CUSTO QUANTID. PREÇO/UNIT.<br />

1705 1 OITAVA 1$500 6 LIBRAS 250 REIS 100<br />

VARIAÇÃO<br />

ACUMULADA<br />

1713 1 OITAVA 1$500 10 LIBRAS 150 REIS 60 -67%<br />

1715 1 OITAVA 1$500 26 LIBRAS 58 REIS 23,2 -331%<br />

1728 1 OITAVA 1$500 30 LIBRAS 50 REIS 20 -400%<br />

1735 1 OITAVA<br />

1<br />

1$500 40 LIBRAS 37,5 REIS 15 -567%<br />

1771 OITAVA 1$500 64 LIBRAS 19,5 REIS 7,8 -1182%<br />

FONTES: ANTONIL (CULTURA E OPULÊNCIA DO BRASIL) E CÂMARA DE MARIANA (<br />

CRONOLOGIA<br />

DA CIDADE MARIANA / RAPM - VOL. 06 - 1901)<br />

OBS. EM 1728 E 1735 A OITAVA DE OURO VALIA 1$200 PORÉM MANTIVEMOS SEU VALOR<br />

DE 1$500 PARA VIABILIZAR A COMPARAÇÃO<br />

199


ARROBA<br />

QUILO<br />

MARCO<br />

ONÇA<br />

OITAVA<br />

GRAMA<br />

GRÃO<br />

QUILATE<br />

ARROBA<br />

MARCO<br />

ONÇA<br />

OITAVA<br />

GRAMA<br />

GRÃO<br />

CORRESPONDÊNCIA DE PESOS<br />

ARROBA QUILO MARCO ONÇA OITAVA GRAMA GRÃO QUILATE<br />

1,00<br />

0, 0681<br />

0,0156<br />

0,0019<br />

0,0002<br />

< 0,0002<br />


TABELA 5<br />

VALORES DE REFERÊNCIA DE ALGUNS BENS<br />

VALORES CITADOS POR ANTONIL (1708)<br />

UNIDADE BEM VALOR<br />

OITAVAS REAIS DÓLARES*<br />

1 VACA 80 120$000 6,352<br />

1 BOI 100 150$000 7,939<br />

1 CAVALO 100 150$000 7,939<br />

1 CAVALO MARCHADOR 128 192$000 10,163<br />

1 ESCRAVO FORTE E LADINO 300 450$000 23,818<br />

1 ESCRAVO-FORTE ADOLECENTE 250 375$000 19,849<br />

1 ESCRAVO CRIANÇA 120 180$000 9,527<br />

1 MULATO COM PROFISSÃO 500 750$000 39,697<br />

1 MULATA HABILIDOSA 600 900$000 47,637<br />

1 ESCRAVA-LADINA COZINHEIRA 350 525$000 27,788<br />

1 kg FARINHA DE MANDIOCA 4,35 6$525 345<br />

6 BOLO DE FARINHA DE MILHO 3 4$500 238<br />

1 PAIO 3 4$500 238<br />

1 kg PRESUNTO 4,36 6$540 346<br />

1 PASTEL 1 1$500 79<br />

1 kg MANTEIGA 4,36 6$540 346<br />

1 GALINHA 4 6$000 317<br />

1 QUEIJO 4 6$000 317<br />

1 CX. MARMELADA 3 4$500 238<br />

1 kg ACUÇAR 2,2 3$300 175<br />

1 kg CIDRA 6,5 9$750 516<br />

1 CASACO DE PANO SIMPLES 12 18$000 953<br />

1 CASACA DE PANO FINO 20 30$000 1,588<br />

1 VESTE DE SEDA 16 24$000 1,270<br />

1 CALÇÃO DE PANO FINO 9 13$500 714<br />

1 CALÇÃO DE SEDA 12 18$000 953<br />

1 CAMISA DE LINHO 4 6$000 317<br />

1 CEROULA DE LINHO 3 4$500 238<br />

1 PAR DE MEIA DE SEDA 8 12$000 635<br />

1 PAR DE SAPATOS 5 7$500 397<br />

1 CHAPEU DE CASTOR 12 18$000 953<br />

1 CHAPÉU COMUM 6 9$00 476<br />

1 CARAPUÇA DE SEDA 5 7$500 397<br />

1 ESPINGARDA SEM ADORNO 16 24$000 1270<br />

1 ESPINGARDA C/ ADORNO DE PRATA 120 180$000 9,527<br />

201


1 PISTOLA SIMPLES 10 15$000 794<br />

1 PISTOLA ADORNADA 40 60&000 3,176<br />

FACA DE PONTA C/ CABO<br />

1 TRABALHADO 6 9$000 476<br />

1 CANIVETE 2 3$000 159<br />

1 TESOURA 2 3$000 159<br />

VALORES DE AVALIAÇÃO DOS BENS DE ALVARENGA PEIXOTO (1790)<br />

REAIS DÓLARES*<br />

50 BOIS DE CARRO 270$000 14,291<br />

40 PORCOS 18$000 953<br />

1 ESCRAVO OFICAL SAPATEIRO 210$000 11,115<br />

1 ESCRAVO COZINHEIRO 120$000 6,352<br />

1 ESCRAVO CARREIRO 80$000 4,234<br />

1 ESCRAVA 100$000 5,293<br />

1 ESCRAVO CARREIRO 140$000 7,410<br />

1 ESCRAVO PEDREIRO 160$000 8,469<br />

1 ESCRAVO FERREIRO 120$000 6,352<br />

1 ESCRAVO CARPINTEIRO 180$000 9,527<br />

1 CAVALO CASTANHO 30$000 1,588<br />

1 MULA CASTANHA 20$000 1,059<br />

1 CAMISA DE LINHO 1$200 63<br />

1 MEIA DE SEDA $900 48<br />

VALORES ANOTADOS POR SAINT-HILAIRE (1818)<br />

1 VACA 9$000<br />

10$000/P<br />

476<br />

1 SALÁRIO TOCADOR DE TROPA<br />

MÊS 529<br />

1 QUEIJO $150 8<br />

1 FRANGO $080 4<br />

1 GARRAFINHA DE VINHO $400 21<br />

1 kg CHOCOLATE $870 46<br />

1 kg VELAS 1$600 85<br />

1 kg MILHO $079 4<br />

1 GARRAFA AGUARDENTE $050 2,6<br />

1 kg TOUCINHO $152 8<br />

1 RAPADURA $040 2<br />

1 kg ACUÇAR $261 14<br />

1 GRAVATA 1$280 68<br />

1 PAR DE BOTAS 2$880 152<br />

*US$ em 2007<br />

202


Cronologia básica da história antiga <strong>de</strong> Minas<br />

1534 – Martin Afonso <strong>de</strong> Souza faz as primeiras tentativas <strong>de</strong> encontrar<br />

metais e pedras preciosas no Brasil.<br />

1549 – Fundação da cida<strong>de</strong> da Bahia por Tomé <strong>de</strong> Souza.<br />

1554 – Fundação <strong>de</strong> São Paulo pelos jesuítas.<br />

1573 – Fernan<strong>de</strong>s Tourinho faz expedição ao norte <strong>de</strong> Minas Gerais e dá<br />

notícia da existência <strong>de</strong> pedras preciosas.<br />

1601 – O ban<strong>de</strong>irante paulista André Leão penetra na região do Rio das<br />

Velhas usando parte do caminho que <strong>de</strong>pois seria trilhado por Fernão Dias.<br />

1611 – Marcos <strong>de</strong> Azevedo teria encontrado esmeraldas na lagoa do<br />

Vupabuçu.<br />

1621 – A colônia portuguesa da América é dividida em estado do Brasil e<br />

estado do Maranhão, situação que duraria até 1763.<br />

1640 – D. João, duque <strong>de</strong> Bragança restabelece a autonomia <strong>de</strong> Portugal em<br />

relação ao domínio da monarquia espanhola sobre o trono português e funda<br />

a dinastia <strong>de</strong> Bragança. Seu reinado duraria até 1656.<br />

1641 – Os paulistas expulsam os jesuítas por eles estarem criando obstáculos a<br />

escravização <strong>de</strong> índios.<br />

1643 – Implantadas as or<strong>de</strong>nações filipinas, código <strong>de</strong> leis que vigorariam no<br />

Brasil até 1917 quando foi criado o código civil.<br />

1656 – Morre d. João IV e assume d. Afonso VI. Como, porém, ele ainda era<br />

menor o governo foi exercido por sua mãe, como regente até 1662. D. Afonso<br />

governaria até 1668 quando foi afastado e exilado por seu irmão d. Pedro.<br />

1664 – El rei d. Afonso VI escreve aos magnatas paulistas pedindo empenho<br />

na busca das minas.<br />

1667 – Nasce o futuro governador Antônio <strong>de</strong> Albuquerque Coelho em<br />

Lisboa.<br />

203


1668 – D. Pedro assume o governo <strong>de</strong> Portugal como regente com a<br />

<strong>de</strong>posição <strong>de</strong> seu irmão d. Afonso VI. Em 1683. com a morte do irmão,<br />

assumiria o trono como d. Pedro II e governaria até 1706.<br />

1671 – espanhol Rodrigo Castel Branco convence o regente <strong>de</strong> que é perito<br />

em mineralogia e é nomeado fidalgo da casa real.<br />

1671 – D. Afonso Furtado <strong>de</strong> Castro do Rio e Mendonça – viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Barbacena – assume o governo na Bahia e manda carta a Fernão Dias<br />

exortando-o a sair em busca das riquezas minerais.<br />

1672 (30/04) – O governador Afonso Furtado <strong>de</strong> Mendonça expe<strong>de</strong> carta<br />

patente a Fernão Dias nomeando-o comandante das <strong>de</strong>scobertas das pedras<br />

preciosas.<br />

1672 – Os paulistas mandam carta ao príncipe regente se <strong>de</strong>clarando dispostos<br />

a partir em busca das minas em vista <strong>dos</strong> fracassos do governador Agostinho<br />

Barbalho Bezerra nesse mister.<br />

1672 a 1679 – As minas paulistas produzem quantida<strong>de</strong>s insignificantes <strong>de</strong><br />

ouro do que resulta o recolhimento <strong>de</strong> quantia irrisória do metal à Fazenda<br />

Real, a título <strong>dos</strong> quintos<br />

1673 (28/06) – D. Rodrigo Castel Branco é nomeado administrador geral das<br />

minas e parte para o Brasil<br />

1674 (23/02) – O regente d. Pedro escreve aos potenta<strong>dos</strong> <strong>de</strong> São Paulo<br />

pedindo empenho na <strong>de</strong>scoberta das minas.<br />

1674 (21/07) - Fernão Dias parte em busca das esmeraldas do Vupabuçu.<br />

1674 – D. Rodrigo está em Itabaiana, em sua missão mineradora.<br />

1675 – Lourenço Castanho Taques penetra no território mineiro na região <strong>de</strong><br />

Araxá e Paracatu.<br />

1677 – O príncipe Regente, insatisfeito com os resulta<strong>dos</strong> da busca das minas<br />

em Itabaiana, manda d. Rodrigo Castel Branco assumir o comando das<br />

explorações e ir para o sul.<br />

1680 – Matias Car<strong>dos</strong>o <strong>de</strong> Almeida encontra d. Rodrigo numa reunião na<br />

Câmara <strong>de</strong> São Paulo e este o recruta para acompanhá-lo à região das minas.<br />

204


1681 (12/03) – D. Rodrigo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> <strong>de</strong>mora<strong>dos</strong> preparativos e <strong>de</strong> andar por<br />

Paranaguá e Curitiba, finalmente parte para o Sabarabuçu em companhia <strong>de</strong><br />

Matias Car<strong>dos</strong>o <strong>de</strong> Almeida.<br />

1681 (maio) – Fernão Dias morre às margens do Rio das Velhas já próximo ao<br />

Sumidouro.<br />

1681 (26/06) – Garcia Rodrigues Paes vai ao encontro <strong>de</strong> d. Rodrigo na vila<br />

<strong>de</strong> São Pedro <strong>de</strong> Paraopeba e entrega parte das pedras encontradas por seu<br />

pai.<br />

1681 (01/09) - A Câmara <strong>de</strong> São Paulo recebe um lote das pedras <strong>de</strong>scobertas<br />

por Fernão Dias e que foram enviadas por d. Rodrigo Castel Branco.<br />

1681 (11/12) – Garcia Rodrigues Paes, <strong>de</strong> volta a São Paulo entrega o resto<br />

das pedras ver<strong>de</strong>s à Câmara da vila.<br />

1682 (06/01) - D. Rodrigo escreve carta à Câmara <strong>de</strong> São Paulo revelando se<br />

encontrar no arraial <strong>de</strong> São João do Sumidouro on<strong>de</strong> assume as benfeitorias<br />

implantadas por Fernão Dias.<br />

1682 (28/08) – Morte <strong>de</strong> d. Rodrigo por Borba Gato, próximo ao arraial do<br />

Sumidouro.<br />

1682 (23/12) O príncipe regente, ainda ignorante da morte <strong>de</strong> d. Rodrigo, o<br />

<strong>de</strong>stitui do comando da busca das minas em função das gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong>spesas e<br />

pífios resulta<strong>dos</strong> da sua missão.<br />

1683 – Com a morte <strong>de</strong> d. Afonso VI – já <strong>de</strong>posto <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1668 – o príncipe<br />

regente d. Pedro assume o trono <strong>de</strong> Portugal com o nome <strong>de</strong> d. Pedro II.<br />

Governaria até 1706<br />

1683 – Garcia Rodrigues Paes é nomeado capitão-mor <strong>dos</strong> futuros<br />

<strong>de</strong>scobrimentos <strong>de</strong> pedras preciosas.<br />

1687 (20/09) – Francisco do Amaral Gurgel se envolve com o assassinato <strong>de</strong><br />

Pedro <strong>de</strong> Souza Pereira, procurador da Coroa no Rio <strong>de</strong> Janeiro e foge para a<br />

região das minas.<br />

1689 – Nasce o infante João, o futuro rei <strong>de</strong> Portugal d. João V.<br />

1692 – Matias Car<strong>dos</strong>o parte para o Ceará para combater índios.<br />

205


1694 - Duarte Lopes, remanescente da ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Fernão Dias teria<br />

encontrado ouro em Itaverava<br />

1693 – Antônio Rodrigues Arzão parte para a região do Cuité e encontra ouro<br />

na Casa do Casca.<br />

1693 (23/03) – Antonio Paes <strong>de</strong> San<strong>de</strong> toma posse como governador da<br />

capitania do Rio <strong>de</strong> Janeiro e governaria até julho <strong>de</strong> 1694.<br />

1693 (25/03) – O governador Antônio Paes <strong>de</strong> San<strong>de</strong> envia um relatório ao<br />

rei com comentários sobre méto<strong>dos</strong> para a exploração do ouro. Envia<br />

também certa quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ouro mas o rei não dá muita importância<br />

achando a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sprezível.<br />

1694 – Carlos Pedroso da Silveira é nomeado guarda-mor da vila <strong>de</strong> Taubaté<br />

por Martin Garcia Lumbria, capitão mor da capitania feudatária <strong>de</strong> Itanhaém.<br />

1694 – Bartolomeu Bueno <strong>de</strong> Siqueira, Miguel <strong>de</strong> Almeida Cunha e Salvador<br />

Furtado estão na região das minas.<br />

1694 – Garcia Rodrigues Paes se encontra em São Paulo on<strong>de</strong> é empossado<br />

no cargo <strong>de</strong> almotacé pelo juiz ordinário Garcia Rodrigues Velho.<br />

1694 – Criada uma nova política monetária para a América Portuguesa<br />

1694 - O padre João <strong>de</strong> Faria Fialho se encontra no Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />

1694 (08/03) - Criada a Casa da Moeda do Brasil, na Bahia.<br />

1694 (06/10) – Antônio Paes <strong>de</strong> San<strong>de</strong> sofre um <strong>de</strong>rrame e é substituído<br />

interinamente por André Cussaco.<br />

1695 - (janeiro) - Fundada a Casa <strong>de</strong> Fundição <strong>de</strong> Taubaté com Carlos<br />

Pedroso da Silveira sendo nomeado provedor <strong>dos</strong> quintos.<br />

1695 (04/02) - Sebastião <strong>de</strong> Castro Caldas assume a capitania do Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro e governaria até julho <strong>de</strong> 1697.<br />

1695 (01/03) - As faíscas <strong>de</strong> ouro <strong>de</strong>scobertas por Miguel <strong>de</strong> Almeida Cunha<br />

em Itaverava, vendidas a Salvador Fernan<strong>de</strong>s Furtado <strong>de</strong> Mendonça e <strong>de</strong>pois a<br />

Manuel Garcia Velho são entregues ao governador por Carlos Pedroso da<br />

Silveira.<br />

206


1695 (16/06) - Sebastião <strong>de</strong> Castro Caldas remete as amostras <strong>de</strong> ouro ao rei<br />

d. Pedro II.<br />

1695 – Garcia Rodrigues Paes está em Sabarabuçu faiscando.<br />

1695 – Os irmãos Camargo partem para a região das minas e chegam ao<br />

morro <strong>de</strong> São Sebastião em janeiro do ano seguinte.<br />

1696 (16/12) – O rei escreve a Castro Caldas agra<strong>de</strong>cendo o ouro enviado por<br />

Carlos Pedroso da Silveira e manda-o dinamizar os <strong>de</strong>scobrimentos das minas.<br />

1696 – Bartolomeu Bueno <strong>de</strong> Siqueira morre em conflito com índios na região<br />

<strong>de</strong> Pitangui.<br />

1696 (16/07) - Segundo o cônego Raimundo Trinda<strong>de</strong>, Salvador Fernan<strong>de</strong>s<br />

Furtado teria fundado o arraial do Carmo, futura cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Mariana.<br />

1696 – <strong>José</strong> <strong>de</strong> Camargo Pimentel é nomeado guarda-mor das Minas <strong>de</strong><br />

Cataguases por Sebastião <strong>de</strong> Castro Caldas mas é <strong>de</strong>mitido por Artur <strong>de</strong> Sá,<br />

dois anos <strong>de</strong>pois.<br />

1696 (<strong>de</strong>zembro) - Artur <strong>de</strong> Sá manifesta o interesse <strong>de</strong> construir um caminho<br />

novo para envio do ouro para o Rio <strong>de</strong> Janeiro, evitando a perigosa travessia<br />

por mar <strong>de</strong> Parati até Guaratiba.<br />

1697 (01/03) - Sebastião <strong>de</strong> Castro Caldas escreve ao rei dando conta <strong>de</strong><br />

vários <strong>de</strong>scobertos nas Minas <strong>de</strong> Taubaté.<br />

1697 (02/04) – Artur <strong>de</strong> Sá toma posse como governador da capitania<br />

Rio/São Paulo/Minas e governaria até julho <strong>de</strong> 1702.<br />

1697 (24/10) – Artur <strong>de</strong> Sá parte para São Paulo frente a iminência <strong>de</strong> uma<br />

revolta <strong>de</strong>vida a questão da “baixa da moeda”. Lá permaneceria até março do<br />

ano seguinte.<br />

1697 (19/11) - Carta régia elogia os bons serviços presta<strong>dos</strong> por Garcia<br />

Rodrigues Paes e reconhece ter sido ele o primeiro <strong>de</strong>scobridor <strong>de</strong> ouro no<br />

Sabarabuçu.<br />

1697 (<strong>de</strong>zembro) – O governador Artur <strong>de</strong> Sá e Menezes dá conta ao rei da<br />

sua intenção <strong>de</strong> mandar abrir o caminho novo e informa que Garcia<br />

Rodrigues Paes se ofereceu para o empreendimento.<br />

207


1698 (13/01) - Artur <strong>de</strong> Sá nomeia Garcia Rodrigues Velho guarda mor do<br />

sertão <strong>dos</strong> Cataguases no lugar <strong>de</strong> Jose <strong>de</strong> Camargo Pimentel. Ficaria no cargo<br />

até o ano seguinte.<br />

1698 (29/04) - Artur <strong>de</strong> Sá escreve ao rei dando conta da <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> vários<br />

outros ribeiros auríferos na região das “Minas <strong>dos</strong> Cataguases”.<br />

1698 (11/05) – Artur <strong>de</strong> Sá noticia ao rei d. Pedro II a carência <strong>de</strong> alimentos<br />

na região da mineração bem como a falta <strong>de</strong> peritos mineradores para orientar<br />

a exploração das minas. Um surto <strong>de</strong> fome flagelaria a região e duraria até o<br />

ano <strong>de</strong> 1701.<br />

1698 (20/05) - Artur <strong>de</strong> Sá noticia ao rei <strong>de</strong> que a mineração estava<br />

prejudicada pela falta <strong>de</strong> alimentos, tendo os mineradores se <strong>de</strong>slocado para o<br />

mato em busca do que comer.<br />

1698 (junho) - Antônio Dias <strong>de</strong> Oliveira e o padre Faria chegam ao morro <strong>de</strong><br />

São João em Ouro Preto.<br />

1698 (15/10) - Artur <strong>de</strong> Sá nomeia Borba Gato tenente general <strong>dos</strong><br />

<strong>de</strong>scobrimentos das Minas <strong>de</strong> Prata do Sabarabuçu e <strong>de</strong>termina que ele se<br />

empenhe nesses <strong>de</strong>scobertos.<br />

1698 (22/10) O rei manda carta a Artur <strong>de</strong> Sá aprovando a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> construção<br />

do caminho novo.<br />

1698 – Torna-se <strong>de</strong> amplo domínio público a notícia da <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> ouro<br />

nas minas <strong>dos</strong> Cataguases.<br />

1699 (23/05) – Artur <strong>de</strong> Sá nomeia Carlos Pedroso da Silveira capitão mor da<br />

capitania feudatária <strong>de</strong> Itanhaém.<br />

1699 (09/12) - <strong>José</strong> <strong>de</strong> Camargo Pimentel é reabilitado por Artur <strong>de</strong> Sá e<br />

nomeado alcai<strong>de</strong> mor da capitania feudatária <strong>de</strong> São Vicente e São Paulo.<br />

1699 – Salvador Fernan<strong>de</strong>s Furtado volta a região das minas se estabelecendo<br />

no Ribeirão do Carmo.<br />

1699 – Manuel Lopes <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>iros é nomeado guarda-mor da região das<br />

minas no lugar <strong>de</strong> Garcia Rodrigues Velho.<br />

1700 – Borba Gato vai a São Paulo dar conta ao governador das pesquisas que<br />

fez em busca <strong>de</strong> ouro no Sabarabuçu. Nesse mesmo ano voltaria em <strong>de</strong>finitivo<br />

para a região das minas.<br />

208


1700 – Artur <strong>de</strong> Sá divi<strong>de</strong> a região das minas em duas repartições mantendo<br />

Manuel Lopes <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>iros como guarda-mor das Minas <strong>de</strong> Cataguás (23/02)<br />

e nomeando Manuel da Borba Gato como guarda-mor da repartição do Rio<br />

das Velhas (06/03). Me<strong>de</strong>iros foi pouco <strong>de</strong>pois substituído por Domingos da<br />

Silva Bueno (17/11) que permaneceria no cargo até 1708.<br />

1700 – (10/02) – Artur <strong>de</strong> Sá segue para o rio com a intenção <strong>de</strong> seguir para<br />

minas pelo caminho novo.<br />

1700 (03/03) - Artur <strong>de</strong> Sá expe<strong>de</strong> o regulamento das minas e cria o cargo <strong>de</strong><br />

guarda-mor, responsável pela distribuição das datas minerais.<br />

1700 (abril) - A Câmara <strong>de</strong> São Paulo, preocupada com os fluxos migratórios<br />

<strong>de</strong> baianos, cariocas e reinóis, pe<strong>de</strong> ao governo garantia <strong>de</strong> posse das minas<br />

pelos paulistas, seus <strong>de</strong>scobridores.<br />

1700 (23/08) - Artur <strong>de</strong> Sá parte para a região das minas pela primeira vez<br />

on<strong>de</strong> permanece ate 01/07/1701.<br />

1700 (15/08) – Oficializada a primeira repartição <strong>de</strong> datas no ribeirão do<br />

Carmo por Manuel Lopes <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>iros.<br />

1700 (22/09) – João <strong>de</strong> Lencastre escreve a Artur <strong>de</strong> Sá comentando que<br />

muitos mineiros haviam se retirado para montaria por falta <strong>de</strong> alimentos,<br />

preten<strong>de</strong>ndo voltar em março para colher as roças que tinham plantado.<br />

1700 – A abertura do caminho novo por Garcia Rodrigues Paes atinge a<br />

região da Ressaca on<strong>de</strong> começavam os Campos Gerais.<br />

1701 - (18/01) – Extinta a Casa da Moeda da Bahia e criada a Casa Moeda do<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro, que só começou a operar em 1703.<br />

1701 (07/02) - Sua Majesta<strong>de</strong> instrui Artur <strong>de</strong> Sá para não permitir a entrada<br />

<strong>de</strong> novos moradores nas minas, punindo os transgressores com prisões e<br />

sequestros.<br />

1701 (13/02) – Artur <strong>de</strong> Sá cria a repartição <strong>de</strong> Itacambira e nomeia seu<br />

guarda-mor a Antônio Soares Ferreira.<br />

1701 – A Coroa <strong>de</strong>creta que a cota máxima <strong>de</strong> escravos negros <strong>de</strong>stinada à<br />

região das minas ficasse limitada a duzentos escravos.<br />

209


1701 – Artur <strong>de</strong> Sá implanta centros <strong>de</strong> inspeção nos caminhos on<strong>de</strong> o ouro<br />

que era levado às casas <strong>de</strong> fundição <strong>de</strong>veria receber a taxação do quinto.<br />

1701 (09/12) - El rei <strong>de</strong>termina que seja proibido o comércio entre a Bahia e<br />

Minas, buscando com isso dificultar o contrabando do ouro.<br />

1702 (02/04) - Criado o regimento das terras e águas minerais pela coroa,<br />

sendo criado o cargo <strong>de</strong> superinten<strong>de</strong>nte das terras e águas minerais e alterada<br />

a estrutura geral da administração da ativida<strong>de</strong> da mineração.<br />

1702 (19/04) Artur <strong>de</strong> Sá nomeia <strong>José</strong> Vaz Pinto a superinten<strong>de</strong>nte geral das<br />

minas com função <strong>de</strong> juiz.<br />

1702 (19/04) – El rei d. Pedro II nomeia Garcia Rodrigues Paes guarda-mor<br />

geral das “minas <strong>de</strong> São Paulo”, a <strong>de</strong>speito <strong>de</strong>le já estar ocupado com a<br />

abertura do caminho novo, residindo na Fazenda do Paraibuna. A posse do<br />

cargo ocorre no dia 02 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro do mesmo ano. Na mesma ocasião<br />

nomeia Borba Gato como superinten<strong>de</strong>nte das Minas do Rio das Velhas.<br />

1702 (15/07) – Toma posse como governador da Capitania do Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro/São Paulo e Minas d. Álvaro da Silveira que governaria até janeiro <strong>de</strong><br />

1705.<br />

1702 (07/09) - O governador d. Álvaro da Silveira escreve ao rei dizendo que<br />

o caminho novo não se prestava ao tráfego <strong>de</strong> cavalgaduras.<br />

1702 – Antônio pereira <strong>de</strong>scobre ouro no ribeirão que levaria seu nome e mais<br />

tar<strong>de</strong> seria o Gualaxo do Norte.<br />

1703 (janeiro) – Instalada a Casa <strong>de</strong> Fundição e Quintagem do Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />

1703 (05/03) – O rei relaxa a proibição <strong>de</strong> entrada <strong>de</strong> novos moradores nas<br />

minas, admitindo permitir isso mediante pedido <strong>de</strong> licença <strong>dos</strong> interessa<strong>dos</strong>.<br />

1703 (20/4) - Garcia Rodrigues Paes ganha a vila <strong>de</strong> Paraíba do Sul pelo seu<br />

esforço na construção do caminho novo.<br />

1703 (02/05) - El rei conce<strong>de</strong> a Garcia Rodrigues Paes a prerrogativa <strong>de</strong><br />

nomear guardas-mores substitutos para atuarem nas diversas regiões da<br />

mineração.<br />

210


1703 – Antonil registra os altos preços cobra<strong>dos</strong> pelos alimentos em Minas.<br />

Para sanar essa situação Artur <strong>de</strong> Sá conce<strong>de</strong> a Amaral Gurgel o estanco <strong>dos</strong><br />

açougues e o monopólio da aguar<strong>de</strong>nte e do fumo vin<strong>dos</strong> da Bahia.<br />

1703 (14/07) – Garcia Rodrigues Paes justifica ao governador porque ainda<br />

não havia acabado efetivamente o caminho novo, alegando falta <strong>de</strong> recursos.<br />

1704 – Amador Bueno da Veiga notícia ao governador que o caminho novo<br />

era intransitável e se oferece para fazer um caminho melhor renovando<br />

proposta feita em 1698.<br />

1704 – Domingos Rodrigues da Fonseca Leme presta ajuda a Garcia<br />

Rodrigues Paes para melhorar as condições do caminho novo.<br />

1704 – Primeira repartição <strong>de</strong> datas no Rio das Mortes.<br />

1704 – A casa <strong>de</strong> fundição <strong>de</strong> Taubaté é extinta e criada outra em Paraty.<br />

1705 (01/08) – D. Fernando Martins <strong>de</strong> Lencastre toma posse como<br />

governador do Rio/São Paulo e Minas e governaria até junho <strong>de</strong> 1709.<br />

1705 – Bento Fernan<strong>de</strong>s Furtado muda-se <strong>de</strong> São Caetano para o serro do<br />

frio.<br />

1706 – Morre o rei d. Pedro II.<br />

1707 (27/06) – Um português é assassinado por um paulista no Arraial Novo<br />

(São João <strong>de</strong>l Rei) dando início às violências que culminariam com a “Guerra<br />

<strong>dos</strong> Emboabas”.<br />

1707 – Frei Francisco <strong>de</strong> Menezes vai para Minas, fixando-se em Sabará.<br />

1707 – D. João V, filho <strong>de</strong> d. Pedro II, assume o trono <strong>de</strong> Portugal.<br />

1707 – A Câmara <strong>de</strong> São Paulo registra em ata a animosida<strong>de</strong> já então<br />

existente entre paulistas e emboabas tendo havido no dia 27 <strong>de</strong> junho daquele<br />

ano o linchamento <strong>de</strong> dois paulistas envolvi<strong>dos</strong> na agressão a um emboaba, no<br />

Arraial Novo do Rio das Velhas.<br />

1708 (outubro) - Primeiros conflitos emboabas em Caeté envolvendo<br />

Jerônimo Pedroso e um protegido <strong>de</strong> Manuel Nunes Viana.<br />

1708 (12/10) - Borba Gato publica bando expulsando Manuel Nunes Viana<br />

da região das minas.<br />

211


1708 (novembro) - Borba Gato escreve ao governador d. Fernando dizendo<br />

que sem força militar não tem condições <strong>de</strong> conter os conflitos entre paulistas<br />

e emboabas.<br />

1708 (<strong>de</strong>zembro) – Os emboabas proclamam Manuel Nunes Viana<br />

Governador das Minas.<br />

1709 (janeiro) – O governador d. Fernando Martins Mascarenhas <strong>de</strong><br />

Lencastre, à vista <strong>dos</strong> relatos <strong>de</strong> Borba Gato, <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> ir para Minas pacificar<br />

paulistas e emboabas chegando na região do Rio das Mortes em abril.<br />

1709 (15/02) – Bento do Amaral Coutinho massacra os paulistas rendi<strong>dos</strong><br />

num capão perto <strong>de</strong> São João <strong>de</strong>l Rei.<br />

1709 (fevereiro) – A Câmara <strong>de</strong> São Paulo resolve montar um exército para ir<br />

a Minas enfrentar os emboabas.<br />

1709 (abril) - Os emboabas se fortificam em São João <strong>de</strong>l rei temendo uma<br />

revanche <strong>dos</strong> paulistas pelo massacre <strong>de</strong> fevereiro.<br />

1709 (abril) - D. Fernando <strong>de</strong> Lencastre chega ao Rio das Mortes on<strong>de</strong> obtém<br />

relativo sucesso na tentativa <strong>de</strong> pacificação do conflito, mas no Ro<strong>de</strong>iro do<br />

Itatiaia é hostilizado por Manuel Nunes Viana e tem que voltar para o Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro.<br />

1709 (11/06) – Toma posse Antônio <strong>de</strong> Albuquerque Coelho como<br />

governador do Rio <strong>de</strong> Janeiro, São Paulo e Minas e governaria até o ano<br />

seguinte quando São Paulo e Minas se separam do Rio. Parte imediatamente<br />

para Minas e <strong>de</strong>termina a expulsão <strong>de</strong> Manuel Nunes Viana para a Bahia.<br />

1709 (03/08) – O rei toma conhecimento do conflito <strong>dos</strong> emboabas.<br />

1709 (outubro) - Antônio <strong>de</strong> Albuquerque, <strong>de</strong> volta das minas, é tratado com<br />

hostilida<strong>de</strong> em Guaratinguetá pelos paulistas que iam para o região do Rio das<br />

Mortes retomar o domínio sobre a região.<br />

1709 (novembro) – Frei Francisco <strong>de</strong> Menezes vai à Corte como emissário<br />

<strong>dos</strong> emboabas tentar a anistia para os revoltosos.<br />

1709 (09/11) – Criada a Capitania <strong>de</strong> São Paulo e Minas do Ouro separada da<br />

Capitania do Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />

212


1709 (novembro) - Os paulistas, sob o comando <strong>de</strong> Amador Bueno da Veiga,<br />

tentam atacar os emboabas em são João <strong>de</strong>l Rei para vingar o massacre do<br />

Capão da Traição, mas sem sucesso.<br />

1709 – Proibido o embarque <strong>de</strong> religiosos ao Brasil sem prévia licença.<br />

1709 – Criado o cargo <strong>de</strong> Ouvidor das Minas do Ouro, sendo provido no<br />

mesmo o <strong>de</strong>sembargador Manuel da Costa <strong>Amorim</strong>.<br />

1709 – Domingos Rodrigues do Prado e os irmãos <strong>José</strong> e Bernardo Campos<br />

Bicudo, partindo <strong>de</strong> Sabará <strong>de</strong>scobrem ouro em Pitangui.<br />

1710 (23/02) - Temendo a belicosida<strong>de</strong> <strong>dos</strong> paulistas, Antônio <strong>de</strong><br />

Albuquerque Coelho escreve à Câmara <strong>de</strong> São Paulo com elogios e promessas<br />

<strong>de</strong> favores.<br />

1710 (03/04) - O rei consulta Antônio <strong>de</strong> Albuquerque sobre a conveniência<br />

<strong>de</strong> autorizar a volta <strong>de</strong> frei Francisco <strong>de</strong> Meneses à Minas, sendo<br />

<strong>de</strong>saconselhado por ele.<br />

1710 (30/04) - Antônio <strong>de</strong> Albuquerque Coelho assume a Capitania <strong>de</strong> São<br />

Paulo e Minas recém separada do Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />

1710 (17/08) – Jean François Duclerc ataca o Rio <strong>de</strong> Janeiro, é vencido e<br />

acaba assassinado.<br />

1710 (10/11) – Estipulada a cobrança <strong>dos</strong> quintos por bateias por Antônio <strong>de</strong><br />

Albuquerque com a Câmara <strong>de</strong> Vila Rica, sistema que duraria apenas três<br />

anos.<br />

1711 – São introduzidas na exploração das minas umas máquinas parecidas<br />

com dragas chamadas “rosários”.<br />

1711 (19/02) Criado o cargo <strong>de</strong> Ouvidor do Rio das Mortes e provido nele o<br />

dr. Gonçalo <strong>de</strong> Freitas Baracho.<br />

1711 (08/04) - O arraial do Ribeirão do Carmo passa a condição <strong>de</strong> vila.<br />

1711 (junho) - D. João V <strong>de</strong>termina a expulsão <strong>dos</strong> fra<strong>de</strong>s giróvagos da região<br />

das minas.<br />

213


1711 (08/07) - Vila Rica elevada a condição <strong>de</strong> vila por Antônio <strong>de</strong><br />

Albuquerque. Tem-se notícia que nesse tempo a vila tinha uma única<br />

construção coberta <strong>de</strong> telhas.<br />

1711 (11/07) – A vila <strong>de</strong> São Paulo do Piratininga é elevada a condição <strong>de</strong><br />

cida<strong>de</strong>.<br />

1711 (14/09) – Rene Duguay-Trouin <strong>de</strong>sembarca próximo ao Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

dando início ao ataque que resultaria na tomada da cida<strong>de</strong>.<br />

1711 (28/10) – Antônio <strong>de</strong> Albuquerque parte do ribeirão do Carmo em<br />

socorro ao Rio <strong>de</strong> Janeiro já sob domínio <strong>dos</strong> franceses. Eles se retiram antes<br />

da sua chegada, após saquear a cida<strong>de</strong> e cobrar um resgate para se retirarem.<br />

1711 (17/07) - Sabará elevada a condição <strong>de</strong> vila.<br />

1712 – O número <strong>de</strong> escravos ocupa<strong>dos</strong> na mineração na região do ribeirão<br />

do Carmo atinge cerca <strong>de</strong> 11.000.<br />

1713 (31/08) – Toma posse d. Brás Baltasar da Silveira como governador <strong>de</strong><br />

São Paulo e Minas do Ouro.<br />

1713 (08/12) - D. Brás Baltasar da Silveira eleva o arraial do Rio das Mortes à<br />

vila <strong>de</strong> São João <strong>de</strong>l Rei.<br />

1714 – Suspensa a <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> que a entrada <strong>de</strong> escravos negros na região<br />

das minas ficasse contida na cota anual <strong>de</strong> 200 cabeças.<br />

1714 (07/01) - D. Brás ajusta com as câmaras o pagamento <strong>dos</strong> quintos à<br />

razão <strong>de</strong> 30 arrobas anuais, sistema que duraria até 1725.<br />

1714 (29/01) - D. Brás Baltasar da Silveira eleva o arraial do Caeté a Vila<br />

Nova da Rainha e o serro do frio à mesma condição com o nome <strong>de</strong> Vila do<br />

Príncipe.<br />

1714 (agosto) - Jerônimo Pedroso, um <strong>dos</strong> pivôs da Guerra <strong>dos</strong> Emboabas é<br />

nomeado coronel do terço <strong>de</strong> Pitangui para on<strong>de</strong> se mudara <strong>de</strong>pois do<br />

conflito. Também participam da administração do arraial Bartolomeu Bueno<br />

da Silva, Francisco Jorge da Silva e Domingos Rodrigues do Prado.<br />

1714 – Restabelecida a Casa da Moeda do Rio <strong>de</strong> Janeiro que tinha sido<br />

transferida para a Bahia.<br />

214


1715 (15/01) – Manuel Mosqueira da Rosa provido no cargo <strong>de</strong> Ouvidor <strong>de</strong><br />

Ouro Preto.<br />

1715 (06/02) - D. Brás Baltasar da Silveira eleva Pitangui à condição <strong>de</strong> Vila<br />

<strong>de</strong> N. S. da Pieda<strong>de</strong> do Pitangui e cria as comarcas do Rio das Velhas, do Rio<br />

das Mortes e <strong>de</strong> Vila Rica.<br />

1717 (03/03) – D. Pedro <strong>de</strong> Almeida Portugal – o con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Assumar – é<br />

nomeado por d. João V, Capitão General <strong>de</strong> São Paulo e das Minas do Ouro.<br />

1717 (14/09) - A Câmara <strong>de</strong> São Paulo empossa o con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Assumar no<br />

governo da capitania.<br />

1717 - (01/12) - O con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Assumar chega pela primeira vez em Vila Rica.<br />

1717 – Manuel Nunes Viana se torna procurador <strong>de</strong> d. Isabel Maria Gue<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> Brito e se torna o administrador <strong>de</strong> extensas terras às margens do São<br />

Francisco que governa com certa autonomia.<br />

1718 – A população <strong>de</strong> escravos ocupa<strong>dos</strong> na mineração na zona do ribeirão<br />

do Carmo sobe a 34.000.<br />

1718 (03/03) – O con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Assumar convoca pela primeira vez a Câmara <strong>de</strong><br />

Vila Rica e acerta a quantia <strong>de</strong> vinte e cinco arrobas anuais <strong>de</strong> ouro para<br />

pagamento do quinto mais um imposto <strong>de</strong> entradas sobre escravos e<br />

mercadorias.<br />

1718 (18/10) – Manuel Nunes Viana aten<strong>de</strong> ao chamado <strong>de</strong> Assumar na vila<br />

do Carmo e promete não mais obstar as or<strong>de</strong>ns do governador.<br />

1719 (12/01) - O arraial <strong>de</strong> São <strong>José</strong> do Rio das Mortes é elevado a vila pelo<br />

con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Assumar apesar <strong>dos</strong> protestos da vila vizinha <strong>de</strong> São João.<br />

1719 (11/02) - D. João V <strong>de</strong>termina a instalação das Casas <strong>de</strong> Fundição em<br />

Minas.<br />

1719 (09/12) - O con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Assumar escreve ao rei <strong>de</strong>nunciando que há dois<br />

anos a vila <strong>de</strong> Pitangui não paga sua cota <strong>dos</strong> quintos.<br />

1719 - (<strong>de</strong>zembro) – Assumar manda tropas a Pitangui tendo à frente, como<br />

comandante <strong>dos</strong> dragões, <strong>José</strong> Rodrigues <strong>de</strong> Oliveira.<br />

1720 (17/02) – Antônio Rodrigues Banha provido como primeiro ouvidor do<br />

Serro.<br />

215


1720 (10/05) O con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Assumar escreve a d. João V, comentando a<br />

inimiza<strong>de</strong> entre paulistanos e taubateanos nascida <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os tempos da<br />

<strong>de</strong>scoberta do ouro.<br />

1720 (23/06) - Rebenta a Rebelião <strong>de</strong> Vila Rica.<br />

1720 (23/07) - Data estipulada pelo con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Assumar para as casas <strong>de</strong><br />

fundição começarem a operar.<br />

1720 (02/12) - Desmembradas as capitanias <strong>de</strong> São Paulo e Minas.<br />

1721 (26/03) – O rei perdoa ao con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Assumar os excessos que cometeu<br />

ao sufocar a Rebelião <strong>de</strong> Vila Rica.<br />

1721 (26/04) - O con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Assumar estabelece os limites entre a Comarca do<br />

Rio das Velhas e a Capitania da Bahia, buscando com isso enfraquecer as<br />

confrontações <strong>de</strong> Manuel Nunes Viana sobre a área <strong>de</strong> sua jurisdição.<br />

1721 (18/08) – D. Lourenço <strong>de</strong> Almeida nomeado primeiro governador da<br />

Capitania Autônoma das Minas Gerais governando até setembro <strong>de</strong> 1732.<br />

1722 (25/10) – D. Lourenço <strong>de</strong> Almeida acerta com a Junta <strong>de</strong> Vila Rica uma<br />

avença <strong>de</strong> 37 arrobas anuais, enquanto as casas <strong>de</strong> fundição não são instaladas.<br />

1724 (01/10) - Entra em operação a primeira casa <strong>de</strong> fundição em Minas e até<br />

12 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1725 a fundição não é taxada pelo quinto o que só<br />

começou em fevereiro <strong>de</strong> 1725 e duraria até 1735.<br />

1725 (06/07) - O rei agra<strong>de</strong>ce a Bernardo Soares <strong>de</strong> Proença a conclusão do<br />

caminho novo com uma variante que encurtaria a jornada em três dias.<br />

1725 (11/07) - Manuel Nunes Viana obtém autorização para ir a Portugal se<br />

explicar sobre suas confrontações com as autorida<strong>de</strong>s reais.<br />

1725 – Morre Salvador Fernan<strong>de</strong>s Furtado <strong>de</strong> Mendonça no arraial <strong>de</strong> São<br />

Caetano, <strong>de</strong> que era fundador.<br />

1726 (18/06) - D. Lourenço <strong>de</strong> Almeida transfere sua residência para Vila<br />

Rica.<br />

1729 (22/06) – O governador d. Lourenço <strong>de</strong> Almeida envia seis pedras <strong>de</strong><br />

diamante para Lisboa para avaliação.<br />

216


1730 (maio) – D. Lourenço <strong>de</strong> Almeida reduz a alíquota do quinto para 12%.<br />

Esta situação se mantém até setembro <strong>de</strong> 1732.<br />

1730 (26/06) – O governador baixa a primeiro regimento da extração <strong>dos</strong><br />

diamantes, redistribuindo as datas e introduzindo a taxa <strong>de</strong> capitação. No ano<br />

seguinte a taxa seria substancialmente majorada e introduzidas gran<strong>de</strong>s<br />

restrições à mineração.<br />

1730 – o falsário Ignácio <strong>de</strong> Souza Ferreira é preso pelo ouvidor <strong>de</strong> Sabará<br />

Diogo Cotrim <strong>de</strong> Souza por estar cunhando moedas falsas no Paraopeba.<br />

1731 – O ouvidor do Rio das Mortes acusa Garcia Rodrigues Paes <strong>de</strong><br />

irregularida<strong>de</strong>s na nomeação <strong>de</strong> guardas-mores substitutos.<br />

1732 (01/09) – Assume o governo <strong>de</strong> Minas d. André <strong>de</strong> Melo e Castro o<br />

con<strong>de</strong> das Galveas. Governaria até março <strong>de</strong> 1735.<br />

1732 (30/10) – O rei <strong>de</strong>creta a implantação do regime da capitação para a<br />

taxação do ouro e encarrega Martinho <strong>de</strong> Mendonça <strong>de</strong> Pina e <strong>de</strong> Proença <strong>de</strong><br />

implantá-lo.<br />

1734 (10/03) – As câmaras se queixam do regime da capitação e propõem a<br />

manutenção das casas <strong>de</strong> fundição garantindo a arrecadação <strong>de</strong> uma cota<br />

mínima <strong>de</strong> 100 arrobas anuais.<br />

1734 (julho) – Implantadas as fundições <strong>de</strong> Sabará e São João <strong>de</strong>l rei que, no<br />

entanto, tiveram pouca ativida<strong>de</strong> pois o sistema foi extinto no ano seguinte.<br />

1734 (18/07) – O rei recusa a proposta das câmaras <strong>de</strong> manutenção das casas<br />

<strong>de</strong> fundição e insiste na implantação do regime da capitação.<br />

1734 – A Coroa resolve restringir a produção <strong>de</strong> diamantes temendo a<br />

<strong>de</strong>svalorização das pedras no mercado internacional.<br />

1735 (26/03) – Assume o governo da capitania Gomes Freire <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>.<br />

Em 1735 se transfere para o Rio <strong>de</strong> Janeiro <strong>de</strong>ixando interinamente no cargo<br />

Martinho <strong>de</strong> Mendonça <strong>de</strong> Pina e Proença (<strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1736 a <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong><br />

1737) e seu irmão <strong>José</strong> Antônio Freire <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> (<strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1752 a<br />

janeiro <strong>de</strong> 1763).<br />

1735 (01/07) - Extinta a Casa <strong>de</strong> Fundição <strong>de</strong> Vila Rica e introduzida a<br />

arrecadação do quinto pelo sistema da capitação por escravos, ofícios e<br />

estabelecimentos criado por Martinho <strong>de</strong> Mendonça. O sistema <strong>de</strong> capitação<br />

duraria até 1751.<br />

217


1738 - Morre Garcia Rodrigues Paes, ainda no cargo <strong>de</strong> Guarda-mor Geral da<br />

região das minas.<br />

1740 (1/01) - João Fernan<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Oliveira e Francisco Ferreira da Silva<br />

arrematam o primeiro contrato <strong>de</strong> extração <strong>dos</strong> diamantes do Tijuco. O<br />

contrato seria prorrogado até 31 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1748.<br />

1745 (23/04) – A vila do Ribeirão do Carmo é elevada a Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Mariana.<br />

1748 (1/01) Felisberto Cal<strong>de</strong>ira Brant arremata o terceiro contrato <strong>de</strong> extração<br />

<strong>dos</strong> diamantes que duraria até 31/12/1752.<br />

1750 – Com a morte <strong>de</strong> d. João V, seu filho d. <strong>José</strong> I assume o trono <strong>de</strong><br />

Portugal que governaria até 1777.<br />

1751 – Restabelecidas as casas <strong>de</strong> fundição, porém com garantia da<br />

arrecadação mínima <strong>de</strong> 100 arrobas anuais.<br />

1753 (1/01) - João Fernan<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Oliveira arremata novamente o contrato <strong>de</strong><br />

extração <strong>dos</strong> diamantes pelo prazo <strong>de</strong> seis anos. Este foi renovado em<br />

1/07/1759, afasta<strong>dos</strong> os outros sócios anteriores ficando apenas os Fernan<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> Oliveira pai e filho até 31/12 <strong>de</strong> 1762. A partir daí o contrato seria<br />

prorrogado sucessivamente até 31 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1771, tendo a frente<br />

apenas o <strong>de</strong>sembargador João Fernan<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Oliveira, o filho.<br />

1754 – Instalado o Tribunal da Relação do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

1755 (02/11) – Um terremoto arrasa Lisboa.<br />

1756 – Criado o subsídio voluntário para custear a reconstrução <strong>de</strong> Lisboa.<br />

Duraria até 1778.<br />

1763 (16/10) – Assume o governo <strong>de</strong> Minas d. Antônio Álvares da Cunha,<br />

con<strong>de</strong> da Cunha – vice-rei do Brasil e em 28 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro assume Luiz Diogo<br />

Lobo da Silva que governa até julho <strong>de</strong> 1768.<br />

1768 (16/07) – Assume o governo <strong>de</strong> Minas d. <strong>José</strong> Luiz <strong>de</strong> Meneses – con<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Valadares que governaria até maio <strong>de</strong> 1773.<br />

1771 – Pedro Taques, aten<strong>de</strong>ndo pedido <strong>de</strong> Cláudio Manuel da Costa, lhe<br />

envia informações para subsidiar a elaboração <strong>dos</strong> fundamentos históricos do<br />

poema Vila Rica.<br />

218


1772 (01/01) – Extinto o regime <strong>de</strong> arrematação do contrato da extração <strong>dos</strong><br />

diamantes passando a exploração a ser feita por conta da Fazenda Real sob<br />

administração direta <strong>de</strong> um inten<strong>de</strong>nte. Esse regime duraria até 1845.<br />

1772 (28/10) - Reabertura da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Coimbra com a reforma<br />

iluminista do marques <strong>de</strong> Pombal, livrando a universida<strong>de</strong> da influência <strong>dos</strong><br />

jesuítas.<br />

1772 – Estabelecido o subsídio literário para custear o ensino público, tributo<br />

que duraria mais <strong>de</strong> 50 anos.<br />

1773 (22/05) – Antônio Carlos Furtado <strong>de</strong> Mendonça assume o governo <strong>de</strong><br />

Minas e governaria até maio <strong>de</strong> 1775.<br />

1775 (29/05) – Assume o governo <strong>de</strong> Minas d. Antônio <strong>de</strong> Noronha que<br />

governaria até fevereiro <strong>de</strong> 1780.<br />

1777 – Com a morte <strong>de</strong> d. <strong>José</strong> I, assume o trono <strong>de</strong> Portugal sua filha d.<br />

Maria I que governaria até 1792.<br />

1780 (20/02) - D. Rodrigo <strong>José</strong> <strong>de</strong> Meneses, assume o governo <strong>de</strong> Minas e<br />

governaria até outubro <strong>de</strong> 1783.<br />

1783 (10/10) – O “Fanfarrão Minésio”, Luiz da Cunha Menezes, assume o<br />

governo <strong>de</strong> Minas e governaria até julho <strong>de</strong> 1788.<br />

1788 (11/07) – O viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Barbacena toma posse do governo <strong>de</strong> Minas e<br />

governaria até agosto <strong>de</strong> 1797.<br />

1792 – D. João assume a regência <strong>de</strong> Portugal e permanece até 1816 quando<br />

sobe ao trono e governa como rei até 1826.<br />

1797 (09/08) – Assume o governo <strong>de</strong> Minas Bernardo <strong>José</strong> <strong>de</strong> Lorena – o<br />

con<strong>de</strong> das Sarzedas - que governaria até julho <strong>de</strong> 1803.<br />

1803 (21/07) – Pedro Maria Xavier <strong>de</strong> Ataí<strong>de</strong> assume como governador <strong>de</strong><br />

Minas, cargo que mantém até fevereiro <strong>de</strong> 1810.<br />

1810 (05/02) – O con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Palma – d. Francisco <strong>de</strong> Assis Mascarenhas,<br />

assume o governo <strong>de</strong> Minas e permanece até abril <strong>de</strong> 1814.<br />

1814 (11/04) – Assume o último governador da Capitania <strong>de</strong> Minas Gerais –<br />

d. Manuel <strong>de</strong> Portugal e Castro e permanece no po<strong>de</strong>r até maio <strong>de</strong> 1822<br />

quando renuncia.<br />

219


1822 (07/09) – D. Pedro promove a in<strong>de</strong>pendência do Brasil e governa até<br />

1831 como imperador, quando renuncia e retorna a Portugal.<br />

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