O BURRO DE NIETZSCHE ANTICRISTO Diretor: Lars Von Trier ...
O BURRO DE NIETZSCHE ANTICRISTO Diretor: Lars Von Trier ...
O BURRO DE NIETZSCHE ANTICRISTO Diretor: Lars Von Trier ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
nossa história, mas sim a eterna dinâmica circular entre a aspiração pelos ideais e a<br />
frustração pelo presente.<br />
A segunda alternativa é mais complexa, e embora já seja uma realidade<br />
assustadora, surge por entre os escombros dos fósseis que constituem a nossa vida<br />
prática e a nossa mais íntima visão de mundo.<br />
Não há movimento e nem progresso, e cada conjuntura é tudo o que é possível.<br />
Não há o poder da vontade, não há liberdade, senão para confirmar o que pode e deve<br />
ser. Há a luta perene entre a cultura e o que a cerca, embora não uma luta por distinção<br />
completa, como se pudesse haver um mundo exclusivamente humano. Essa luta, por ser<br />
diferente para a cultura e para o indivíduo, terá instrumentos diferentes. O medo dos<br />
grandes planejamentos, horror de nosso passado recente, não tem percebido o que já<br />
acontece nos laboratórios médicos e na indústria de entretenimento, que se não for a<br />
instauração de uma nova e brilhante inteligência orgânica, far-nos-á ter saudade dos<br />
campos de concentração anteriores. Diríamos de uma luta simbiótica, que muda o<br />
próprio ser humano, tomado em toda a sua possível diversidade, para além da<br />
contabilidade diária, e considerando o não humano não mais como a ameaça à ordem,<br />
não mais como a reserva do mal, mas uma natureza sem sexo e sem virtude.<br />
O direito não se estabelecerá sobre as consciências individuais, tal como elas se<br />
pensam, mas também não regerá sob uma política que seja a hegemonia de uma mente<br />
individual sobre outras. O subconsciente e o inconsciente psicanalítico entrarão para a<br />
história pública e para as normas, tornando-se uma normalidade tanto mais ampla<br />
quanto nossas verdades contingentes e dilatadas permitam.<br />
O mundo de hoje aspira a reduzir o mundo à vontade individual, e para o mundo<br />
talvez decadente esse seja o maior bem, embora seja uma grande ingenuidade,<br />
correspondendo ao alto preço pago pelas psiques individuais, quando se consumam<br />
eternamente em sua trama narcísica, em sua ingenuidade miserável, em suas pequenas<br />
metas de elevação particular.<br />
Esse é o mundo trágico, descrito por Nietzsche e filmado por <strong>Trier</strong>, que provoca<br />
tanto medo e tantos fantasmas quanto a experiência de quem vive e dorme dentro de um<br />
pesadelo e se crê livre dele quando apenas desperta.<br />
10