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O BURRO DE NIETZSCHE ANTICRISTO Diretor: Lars Von Trier ...

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Uma linda ária da ópera Rinaldo, composta por Handel em 1711, dá o tom da<br />

densidade e da imersão reflexiva à qual nos submeteremos logo em seguida, que não<br />

será pautada pela morte de um filho, pela inospitalidade de uma floresta, ou pela beleza<br />

aterrorizante das cenas próprias dos pesadelos. Lascia ch´io pianga começará um drama<br />

muito antigo (e não terror, como é geralmente classificado o gênero desse filme), que se<br />

desenrola desde o nascimento do homem, ou da expulsão do Éden, como se queira,<br />

sobre a relação conflituosa entre a cultura cristã e a natureza tal como é representada e<br />

vivida por aquela.<br />

O drama se desenvolve todo na relação entre um homem e uma mulher, ambos<br />

sem nome. Ele é terapeuta comportamental e ela era uma acadêmica que interrompera<br />

uma tese de doutorado sobre a violência contra as mulheres na idade média. O filho do<br />

casal cai de uma janela enquanto eles faziam sexo, o que nos fará pensar que o luto<br />

materno que se seguirá à tragédia será pela culpa promovida pelas sensações de<br />

impotência e perda. Ao contrário, como se verá mais tarde, a culpa foi por tê-lo visto<br />

morrer enquanto gozava, sem mover um músculo que não fosse pelo próprio prazer. De<br />

todo modo, a culpa da mãe não será por algum mal derivado de sua vontade; sua dor é<br />

bem mais abissal. Enquanto vê o filho cair para o alívio da vida, terrível alívio, ela<br />

estará condenada à existência pelo prazer e pelo amor, sem conseguir jamais nem o<br />

clímax existencial e nem tampouco se livrar da própria vida, tal como o burro de<br />

Nietzsche, que não consegue nem andar e nem se livrar da carga.<br />

Como o luto da mãe não se interrompe depois de longo tratamento e remédios, o<br />

marido terapeuta tentará outro método, o do enfrentamento ao medo, identificado à<br />

fobia existencial, para encarar sem fuga aquilo que a torna incapaz de reagir. Mais tarde<br />

descobriremos que seu luto é um luto intangível por drogas ou terapias, pois, tal como<br />

as bolotas que caem do carvalho sobre o telhado da casa são o choro de tudo aquilo que<br />

está morrendo, seu sofrimento não é apenas pelo filho que morreu, mas pela condição<br />

humana, pela forma como qualquer ser humano, ou apenas ser, vive num mundo<br />

indiferente à sua vontade de potência.<br />

Logo no início do filme vimos de passagem sobre a mesa as três pequenas<br />

estatuetas dos três mendigos – que representam a mágoa (grief), a dor (pain) e o<br />

desespero (despair). Quando eles chegam, trazem consigo a morte, ao contrário dos três<br />

ricos reis magos, que trazem consigo a vida. Eles pautarão as etapas daquele conflito<br />

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