O BURRO DE NIETZSCHE ANTICRISTO Diretor: Lars Von Trier ...
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normalidade. É assim que o natural se torna caótico, ameaçador, maligno, louco,<br />
feminino, hobbesianamente anárquico.<br />
O que é ser mulher ou a inteligência coletiva<br />
Um medo especial nasce da estranheza ao mundo que se situa fora do habitat<br />
geométrico, asséptico e previsível. Como uma clareira na floresta, o que está ao alcance<br />
da vista e sob a luz define o nosso nicho, o lugar familiar no qual nos instalamos. Nesse<br />
sentido, esse medo nasce da impossibilidade de recobrir inteiramente a natureza com<br />
nossa humanidade, com o manto dos ideais, das projeções, da negação pura e simples.<br />
O bebê veado não nascido, ainda preso ao útero materno, a raposa com as<br />
vísceras de fora, o bebê pássaro que cai do ninho, para o regozijo das formigas e do<br />
outro predador, é o horror banal da existência que indistingue o ser humano e ameaça a<br />
cultura que acha que o pode evitar. A mágoa, a dor e o desespero do indivíduo é o júbilo<br />
dos predadores, humanos ou não humanos.<br />
Em meio à luta entre a cultura que define o homem contra a natureza e a própria<br />
natureza, temos um conflito replicado na relação entre o homem e a mulher. Na<br />
narração de <strong>Trier</strong>, notamos que as cenas, os acontecimentos, os sentidos se dão ao<br />
homem, ele, o expectador e base cognitiva do cosmos, que coincide com o ponto de<br />
vista do público no cinema.<br />
Na mitologia bíblica, a simples existência do homem e da mulher, a distinção<br />
entre um e outro é o que lança à humanidade para fora do Éden, para o mundo do<br />
tempo, da mágoa, da dor e do desespero. A cisão entre sexos é que trouxe a agonia<br />
perene e incontornável.<br />
É uma visão interessante. Entretanto, vivemos um inferno maior que aquele que<br />
atribui apenas ao preconceito a pobreza e parcialidade das relações, ou seja, à visão<br />
corrigível do sexo que não compreendeu ainda a verdade das relações? A tese da mulher<br />
de <strong>Trier</strong>: a tortura das mulheres no passado aconteceu por conta de sua loucura, de sua<br />
ameaça à normalidade, ao mundo humano, essencialmente masculino.<br />
Mas o que é ser essencialmente homem em nossa cultura? Ser homem é<br />
preservar uma reserva cognitiva, não exposta, não conduzida pelo mundo, não<br />
inteiramente integrada ao todo. A integração ao todo é obra apenas de Deus, que é o<br />
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