A PRISÃO DE SÃO BENEDITO e outras histórias Luiz ... - O Caixote
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pernas no ar e arreganhava a bunda em direção à ponte. Soltava<br />
um peido, ficava de pé novamente e ria de rolar no chão.<br />
Camisas abertas, olhos vermelhos de tanto mergulho,<br />
cabelos em desalinho e a conversa interminável de sempre,<br />
voltávamos nós de Pirangi. Nós, os meninos dos Palmares,<br />
guardiães do vento e vigias do barulho das águas. Vínhamos<br />
atirando seixos nos calangos que pegavam sol nas pedras, e<br />
botando sentido do marulhar do encachoeirado que o rio fazia<br />
nas dobras. Arrancávamos touceiras do capim−santo que nascia<br />
à beira da linha do trem, para tomarmos chá na hora da janta.<br />
Foi numa dessas voltas do banho de Pirangi, que me<br />
ocorreu o pensamento de que um dia eu ainda teria saudades<br />
daquele momento. A bem dizer, eu já comecei a ter saudades<br />
assim que acabei de pensar e o barulho do rio foi ficando aos<br />
poucos para trás.<br />
De volta do banho, íamos nós para o fim de tarde, boca−<br />
de−noite que começava a nascer. Íamos nós, apontadores de<br />
estrelas, gáveas ao vento, em direção à noite dos Palmares, a<br />
invejável noite da Mata Sul de Pernambuco.<br />
Íamos para a noite dos Palmares como se vai a um<br />
território mágico para desencantar mistérios. Depois de lavar os<br />
pés e tomar café, sentávamos no meio−fio e ficávamos, horas<br />
perdidas, a ouvir as <strong>histórias</strong> de trancoso de Dona Cenira. E nos<br />
espremíamos uns aos outros, para disfarçarmos o medo que nos<br />
davam as <strong>histórias</strong> dos pescadores da madrugada, de Pé−de−<br />
Espeto, da mula−sem−cabeça, da casa mal−assombrada e das<br />
almas que apareciam pedindo rezas.<br />
Campeávamos essa noite traquinas que, de tão comprida,<br />
se tornava transparente em seus mistérios. Do mercado às<br />
Pedreiras, da Viração ao Maurity, era um pinote só, nas<br />
correrias da brincadeira de macaco. Éramos exímios corredores,<br />
e pisoteávamos com leveza as pedras irregulares do calçamento.<br />
O suor gotejava pelo couro, e era um trabalho na hora de<br />
entrarmos em casa para dormir.<br />
Nas noites de São João (e nas noites de qualquer santo), a<br />
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