A PRISÃO DE SÃO BENEDITO e outras histórias Luiz ... - O Caixote
A PRISÃO DE SÃO BENEDITO e outras histórias Luiz ... - O Caixote
A PRISÃO DE SÃO BENEDITO e outras histórias Luiz ... - O Caixote
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Ele fazia praça de sua condição de viúvo e alardeava isso<br />
como qualidade, profissão e estado de vida. Era um velho seco,<br />
durinho, banguela e de chapéu sempre à cabeça.<br />
Invariavelmente, iniciava as conversas lembrando sua condição.<br />
− Desde que eu fiquei viúvo...<br />
Ele vivia sozinho, quase no fim da Rua da Rodagem e<br />
comprava fiado na bodega da esquina, liquidando a conta<br />
sempre que recebia os tostões da aposentadoria. Usava o<br />
cinturão fora das presilhas das calças, e, de dia, quando não<br />
estava andando pela rua, sentava−se numa cadeira na calçada e<br />
ficava olhando as pessoas passarem. Falava alto, altíssimo, e<br />
dizia que "sofria das oiças". Na verdade, era mouco como uma<br />
porta.<br />
− Sofro das oiças desde antes de ficar viúvo.<br />
Ia todos os dias ao cemitério visitar o túmulo da falecida,<br />
sendo que nenhum se lhe igualava em zelo e cuidados. Cercara o<br />
pequeno espaço com um gradeado de madeira, pintara−o de azul<br />
e fizera uma cruz com o nome da companheira. Era plantadinho<br />
e enfeitado de flores. Aguava, aparava, pintava e botava sentido.<br />
Enquanto fazia isso, ficava conversando e trocando idéias com a<br />
mulher. Moura, o coveiro, já estava acostumado e, quando ouvia<br />
sua latomia, dava um muxoxo:<br />
− Tá zorozinho...<br />
Na rua, ele cumprimentava as pessoas aos berros, e as<br />
crianças sempre arranjavam um jeito de puxar assunto para<br />
ouvi−lo falar aos gritos.<br />
Quando a noite caía sobre Palmares, ele se trancava em<br />
casa, fechava as portas e janelas e apagava as luzes. Iniciava−se<br />
a longa conversa, gritada, lancinante, que era escutada do<br />
começo ao fim da rua.<br />
− Tá cum saudades de Amaro?<br />
Dirigia−se à falecida, e seu grito ecoava e se perdia. Depois de<br />
uma pausa silenciosa, ele respondia com outro grito absurdo,<br />
fazendo as vezes da defunta:<br />
− Tô!<br />
36