coletiva Cris Bierrenbach Esquecidos A exposição apresenta de uma série de fotografias que realizei nos dias que se seguiram ao terremoto ocorrido na cidade de Porto Príncipe, no Haiti, em janeiro de 2010. A série em questão é composta por fotos de roupas e outros artigos pessoais, que jaziam nas proximidades da grande praça central da cidade, o Champs de Mars. Logo após o terremoto o local se transformou em um imenso campo de refugiados, repleto de pessoas que haviam perdido suas casas ou tinham medo de voltar a elas em conseqüência dos tremores posteriores, os “after shakes”. São tomadas quase completamente perpendiculares ao solo e de aspecto monocromático dada a predominância de cinzas nas fotos. Estas imagens, captadas digitalmente, foram posteriormente refotografadas com o uso de uma câmera de grande formato, 8x10 polegadas, com o objetivo de produzir daguerreótipos. Com esta operação pretendi criar uma pequena subversão temporal na fotografia, partindo das técnicas atuais para a primeira de sua história. Cheguei em Porto Príncipe no dia 3 de janeiro de 2010, acompanhando um grupo do departamento de sociologia e antropologia da Unicamp. No final da tarde do dia 12, a cidade foi devastada por um terremoto. Instintivamente, após alguns minutos de completo estupor, peguei a câmera e comecei a fotografar. A situação de absoluto caos por todos os lugares parecia impossível de captar através do visor da câmera. A dimensão destrutiva do terremoto e o elevado número de mortos que iria deixar ficaram claros imediatamente. Em menos de 3 horas os corpos já haviam começado a ser depositados e se acumulavam nas calçadas. A sensação de impotência, de não conseguir ajudar aquelas pessoas, aliada à lembrança de como, nos dias anteriores, haviam demonstrado desprazer ao serem fotografadas, me colocaram em uma posição de grande desconforto e questionamento sobre a minha função como fotógrafa. No dia seguinte a cidade começou a ser invadida pela imprensa internacional e neste momento tive a confirmação final de que não queria fazer parte daquele processo, que poderia ser resumido em uma frase que escutei de um fotógrafo norte-americano para outro: “you have to show destruction!” Por certo havia muita destruição, porém para mim isso não era o mais relevante. O que realmente me chamou a atenção foi a capacidade daquela sociedade em se reorganizar em tão pouco tempo, nas piores condições possíveis, sem qualquer tipo de ajuda externa, sem drama e com um enorme senso prático. Havia muitos corpos, portanto eles eram retirados e deixados nas calçadas para serem recolhidos por aqueles que tinham um meio de transporte e ainda podiam contar com algum diesel. As casas não eram seguras, então as pessoas se mudaram para as praças, para os espaços abertos. Os que tinham água, dividiam-na, os que podiam, recolhiam o lixo. Tudo era dividido. Preferi passar meus dias caminhando pela cidade e assistindo a este movimento de resistência, conversando com as pessoas numa tentativa de compreender aquela sociedade. Foi em uma destas caminhadas que comecei a perceber uma quantidade enorme de roupas jogadas pelas ruas próxima ao Champs de Mars. Me pareceu bastante curioso que em um momento de escassez, artigos de utilidade, alguns deles ainda bem conservados, fossem abandonados por seus donos. Era curioso também pois os haitianos possuem um grande apreço e cuidado com suas vestimentas. Mesmo nos dias após o terremoto, nos acampamentos a céu aberto, uma cena corriqueira era ver pessoas lavando suas roupas utilizando qualquer tipo de água que estivesse disponível. Centenas de varais com roupa lavada agora enfeitavam a praça central em frente ao Palácio <strong>Na</strong>cional. Aquelas roupas abandonadas se transformaram para mim na melhor representação da perda humana e material que ocorreu naquela cidade. O indício de presença e ausência ao mesmo tempo, possuiam o aspecto e a função de ícones de cerimônias mortuárias, impossíveis naquele momento. Este caráter de memento mori destas roupas me fez optar por apresentá-las na forma de daguerreótipo, trazendo dos primórdios da história da fotografia uma de suas utilizações mais comuns: o retrato post-mortem. Cris Bierrenbach
coletiva Joyce Mussi Um homem, Uma mulher: A beleza no lado escuro João Abreu # Ø1 (conjunto Vazio um)