II Fórum de foto jornalismo
O estado da arte do ensino de fotojornalismo Prof. Dr. Paulo César Boni 1 (UEL) O início da discussão do problema Em 1989, quando o ensino de fotojornalismo ainda era incipiente na maioria das escolas de ensino superior em comunicação, o psicólogo norte-americano Fred Ritchin, editor de diversas revistas, entre as quais Horizon (de 1977 a 1978), The New York Times Magazine (de 1978 a 1982) e Câmera Art (de 1982 a 1983) e criador dos cursos de <strong>Foto</strong>jornalismo e <strong>Foto</strong>documentação do Centro Internacional de <strong>Foto</strong>grafia (ICP) de Nova Iorque, proferiu a palestra intitulada O futuro do fotojornalismo no II Encontro Internacional de Jornalismo, realizado em São Paulo, de 10 a 12 de julho de 1989. Nesta palestra, falou de algumas vertentes e experiências do fotojornalismo – seu uso ideológico e as possibilidades de fuga do lugar comum – e se mostrou extremamente preocupado com seu futuro, posto que uma nova tecnologia começava a ser utilizada pela imprensa, a digital. Ritchin estava apreensivo porque, até aquele momento (1989), havia visto duas trucagens propiciadas por esta nova tecnologia: a junção das fotografias dos atores Tom Cruise e Dustin Hoffmann, tomadas separadamente, para a campanha publicitária do filme Rain Man, e uma pessoa fotografada em primeiro plano em Nova Iorque ser sobreposta a outra fotografia, tomada em plano aberto de São Francisco, na Califórnia. Com isso, criou-se a falsa impressão de que a pessoa fotografada estava em São Francisco e não em Nova Iorque. A preocupação de Ritchin era com os procedimentos éticos – ou a falta deles – a partir desta nova tecnologia, pois repórteres fotográficos e editores poderiam “manipular” a representação da realidade fotografada. A preocupação procedia. Ao longo dos pouco mais de 20 anos que separam sua palestra dos dias atuais, muito se discutiu – e a discussão continua fervorosa – sobre a manipulação em fotografias, sobretudo as do fotojornalismo que, pela essência do jornalismo, têm compromisso com a veracidade dos fatos. Muitas fotografias foram armadas, falseadas, forjadas ou adulteradas ao longo dessas duas décadas. Estão disponíveis na internet, em tom de brincadeira, as 10 maiores mancadas do photoshop. Algumas pernas foram esquecidas e braços foram demasiadamente alongados, além, claro, de pessoas com quatro braços, três pernas ou absurdos parecidos. Depois de inúmeras experiências, algumas com resultados desastrosos para a sociedade, as próprias empresas jornalísticas tomaram a iniciativa de criar uma espécie de código de conduta que exige autenticidade nas fotografias de seus repórteres fotográficos e punem os que enveredam pelo caminho fácil e mentiroso da manipulação. Diversos jornais norte-americanos dispensaram os que não cumpriram esse código de conduta e baniram suas fotografias das galerias de imagens que mantém em seus portais. Em suma, por respeito aos – ou por exigência de – seus leitores, os veículos primaram pela ética. Pouco mais de dez anos depois de Ritchin manifestar sua preocupação com o futuro ético do fotojornalismo, o pesquisador português Jorge Pedro Sousa lançou no Brasil, no ano 2000, o livro Uma história crítica do fotojornalismo ocidental, que se tornou uma espécie de bíblia para o ensino de fotojornalismo nas escolas de comunicação e importante fonte de consulta para o desenvolvimento de pesquisas e produção de dissertações de mestrado, teses de doutorado, artigos para periódicos científicos e livros sobre fotografia e fotojornalismo. Estávamos tão carentes de obras de referência nesta área, que este livro tornou-se um potencial de citações, desbancando, pela primeira vez em décadas, os clássicos A câmara clara, de Roland Barthes, Ensaios sobre a fotografia, de Susan Sontag, e <strong>Foto</strong>grafia e sociedade, de Gisèle Freund. Quem duvidar desse potencial, basta pesquisar a produção da área na última década para verificar o número de citações ou dar uma busca rápida no Google para se surpreender. Neste livro, Sousa classificou o fotojornalismo em três “revoluções”. A primeira ocorreu na Alemanha nos anos 1920 e 1930, quando, em razão de avanços técnicos, duas novas câmeras fotográficas, a Ermanox e a Leica, permitiram a tomada de fotografias sem que os fotografados percebessem a presença do fotógrafo. Ou seja, estava criado o flagrante, que se tornou o elemento mais importante do fotojornalismo autêntico, aquele em que a o fotógrafo captura a imagem sem ser percebido e, por este motivo, mantém a espontaneidade da cena, registra o flagrante e não interfere na realidade, preservando sua naturalidade. A segunda revolução, segundo o autor, foi a retomada de sua importância e autenticidade nos anos de 1960 a 1980, especialmente em razão do livre acesso e circulação de fotógrafos na cobertura da Guerra do Vietnã e, principalmente, distribuição e circulação dos materiais produzidos sobre este conflito. Explica-se. Depois de seu crescimento inicial, impulsionado com a possibilidade do flagrante, o fotojornalismo perdeu espaço e importância para o fotodocumentarismo no pós Segunda Guerra Mundial, quando os fotógrafos decidiram deixar seus empregos nas redações de jornais e revistas e enveredarem pelos trabalhos autorais nas cooperativas e agências de fotografia que eles mesmos criaram. Com a migração em massa dos bons nomes para essas cooperativas e agências, o fotojornalismo perdeu vigor e a fotografia deixou de ser considerada um “meio” de 1 Cesar Boni é Doutor em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Coordenador do Curso de Especialização em <strong>Foto</strong>grafia e do Mestrado em Comunicação Visual da Universidade Estadual de Londrina (UEL). E-mail: discursosfoto@uel.br 29