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dano moral na separação judicial, divórcio e união ... - Juspodivm

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DANO MORAL NA SEPARAÇÃO JUDICIAL, DIVÓRCIO E UNIÃO ESTÁVEL<br />

BELMIRO PEDRO WELTER<br />

Promotor de Justiça – RS. Autor dos livros: 01) FRAUDE<br />

DE EXECUÇÃO; 02) ALIMENTOS NA UNIÃO ESTÁVEL; 03)<br />

TEMAS POLÊMICOS DO DIREITO MODERNO; 04) ESTATUTO<br />

DA UNIÃO ESTÁVEL; 05) INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE<br />

(2 Tomos), publicados pela Editora Síntese; 06) DIREITO<br />

DE FAMÍLIA: questões controvertidas; 07) SEPARAÇÃO E<br />

DIVÓRCIO, (todos publicados pela Editora Síntese)<br />

A maioria da doutri<strong>na</strong> e da jurisprudência não admite a indenização por <strong>dano</strong> <strong>moral</strong> <strong>na</strong> <strong>separação</strong><br />

<strong>judicial</strong>, <strong>divórcio</strong> ou <strong>união</strong> estável.<br />

YUSSEF SAID CAHALI 1 lembra que “já se pronunciam, em nossa jurisprudência, algumas<br />

manifestações favoráveis à indenização pelos <strong>dano</strong>s sofridos pelo cônjuge inocente, em razão da<br />

causa que provocou a dissolução da sociedade conjugal. Perante o nosso direito, lamentavelmente,<br />

a lei do Divórcio, desprezando os reclamos da melhor doutri<strong>na</strong>, não estabelece qualquer sanção<br />

pecuniária contra o causador da <strong>separação</strong>, por <strong>dano</strong>s materiais ou morais sofridos pelo cônjuge<br />

inocente”. Cita em favor de sua tese vários doutri<strong>na</strong>dores, quais sejam:<br />

a) Caio Mário (Instituições, V, nº 408, p. 155): “Afora os alimentos, que suprem a perda<br />

de assistência direta, poderá ainda ocorrer a indenização pelo <strong>dano</strong> sofrido pelo cônjuge inocente”.<br />

Da agressão física não resultam ape<strong>na</strong>s as eventuais conseqüências no âmbito pe<strong>na</strong>l, nem<br />

ape<strong>na</strong>s a indenização pelos prejuízos no âmbito patrimonial que a lesão à saúde, em conseqüência<br />

da agressão, possa ter provocado. A agressão física acarreta ao injustamente agredido um <strong>dano</strong><br />

<strong>moral</strong>, aliás, muito mais relevante em se tratando de agressão de um cônjuge contra o outro”;<br />

b) Mário Moacyr Porto, em “Responsabilidade civil entre marido e mulher”, repassando<br />

com a habitual proficiência autores e jurisprudência franceses, e invocando ainda o memorável<br />

acórdão do Tribu<strong>na</strong>l sulino, é conclusivo e convincente a respeito: “Para um melhor esclarecimento,<br />

imaginemos a seguinte hipótese – o marido (e excepcio<strong>na</strong>lmente a mulher) sevicia ou pratica<br />

uma lesão corporal ao parceiro, ofensa que ocasionou uma redução de sua capacidade de trabalho.<br />

O delito não justifica, ape<strong>na</strong>s, a dissolução contenciosa da sociedade conjugal e a conseqüente<br />

fixação de uma “pensão” de alimentos (Lei do Divórcio, artigos 5º, “caput”, e 19). O cônjuge<br />

responsável responde, ainda, cumulativamente, pelo prejuízo à saúde do cônjuge agredido,<br />

nos termos do disposto nos artigos 159 e 1.539 do Código Civil, além das sanções pe<strong>na</strong>is. Admitamos,<br />

ainda, o caso do cônjuge que difama o outro e a difamação se reflita, desastrosamente,<br />

<strong>na</strong> reputação do parceiro, em sua atividade profissio<strong>na</strong>l ou vida em sociedade. O ultraje justifica<br />

não ape<strong>na</strong>s a <strong>separação</strong> <strong>judicial</strong> contenciosa e, se for o caso, a pensão de alimentos, como, ainda,<br />

uma indenização do <strong>dano</strong> resultante da injúria (CC, art. 1.547). A ação fundamenta-se no art.<br />

159 do Código Civil, e é independente da ação que visa à dissolução litigiosa da sociedade conjugal<br />

e ao chamado <strong>divórcio</strong>-sanção. As indenizações são, assim, cumuláveis. Os dois pedidos podem<br />

ser formulados em uma mesma demanda (CPC, art. 292). A indenização não tem, absolutamente,<br />

caráter alimentar, e se baseia nos pressupostos do direito comum, quanto ao ressarcimento<br />

do <strong>dano</strong> decorrente de um ilícito civil;<br />

c) José de Castro Bigi, retoma esta linha de reparabilidade do <strong>dano</strong> <strong>moral</strong> resultante da<br />

dissolução da sociedade conjugal, com o acréscimo de argumentos deduzidos dos direitos e garantias<br />

assegurados <strong>na</strong> Constituição de 1988, ao asseverar que a intenção do legislador constituinte<br />

fixou-se em deixar claro que o direito brasileiro segue a orientação moder<strong>na</strong>, considerando<br />

1 - YUSSEF SAID CAHALI, em “Divórcio e Separação”, RT, 8ª ed., 1995, p.953.<br />

1


indenizáveis, com dinheiro, os <strong>dano</strong>s morais resultantes da violação da intimidade, da vida privada,<br />

da honra e da imagem das pessoas”.<br />

ROLF MADALENO 2 está mancomu<strong>na</strong>do com os que admitem a indenização do <strong>dano</strong> <strong>moral</strong><br />

no casamento, salientando que YUSSEF SAID CAHALI (Dano Moral, 2ª ed., SP, RT, 1999, p. 666)<br />

“assi<strong>na</strong>la a crescente manifestação doutrinária em favor do ressarcimento do sofrimento <strong>moral</strong>, em<br />

razão da infração grave dos deveres conjugais e adverte que já não mais vinga a fórmula passada,<br />

de impor ape<strong>na</strong>s o encargo alimentar em favor do cônjuge inocente, como se tudo pudesse e<br />

devesse ser compensado pela paga alimentar que, em tempos mais distantes, era quase sempre<br />

devida e necessária”.<br />

A seguir, <strong>na</strong>vegando em acórdão carioca, o escoliasta professa acerca da impossibilidade<br />

de impor-se indenização por <strong>dano</strong> <strong>moral</strong> <strong>na</strong> <strong>separação</strong> <strong>judicial</strong> sem culpa e no <strong>divórcio</strong>, direito esse<br />

que <strong>na</strong>sce ape<strong>na</strong>s em caso de <strong>separação</strong> <strong>judicial</strong> litigiosa com culpa, pelos seguintes fundamentos:<br />

“Não merece qualquer admoestação o aresto do Tribu<strong>na</strong>l de Justiça carioca, quando, atiladamente,<br />

afasta qualquer perquirição da culpa no processo litigioso de <strong>divórcio</strong> direto, como também<br />

está vedada a sua pesquisa <strong>na</strong>s separações judiciais, intentadas com fundamento <strong>na</strong> ruptura da<br />

vida em comum há mais de ano consecutivo. Assim se dá, respeitadas opiniões em contrário, porque,<br />

a <strong>separação</strong> <strong>judicial</strong>, pedida pelo decurso de um ano de ruptura fática da coabitação ou de<br />

dois anos para o <strong>divórcio</strong>, faz com que a ofensa esfrie a gravidade da infração conjugal. A inércia<br />

temporal conspira contra a invocação da causa da <strong>separação</strong> e faz com que os resíduos conflit uosos<br />

não mais transpirem em processos, nos quais a fática e já enfadonha ruptura transformou-se<br />

em silenciosa resig<strong>na</strong>ção. É a incidência fática do perdão, como, a propósito, assi<strong>na</strong>la APARECIDA<br />

AMARANTE, de que o perdão do cônjuge apaga os efeitos daquelas condutas desonrosas, já que<br />

consiste em renúncia ao direito de invocar aquelas culpas, e esta mesma renúncia de invocar<br />

qualquer conduta conjugal culposa também tem incidência, decorrente da simples inércia do consorte,<br />

que não buscou a imediata retorsão à ofensa conjugal, aforando sua demanda de <strong>separação</strong><br />

litigiosa”.<br />

Em acórdão catarinense foi agasalhada a tese de indenização de <strong>dano</strong> <strong>moral</strong> quando da<br />

dissolução da <strong>união</strong> estável, nos seguintes termos: “No tocante ao pedido de indenização por <strong>dano</strong>s<br />

morais, do parecer do Dr. Odil José Cota, Procurador de Justiça, transcrevo o excerto que<br />

segue: “No Direito da família não existe a figura de indenização. Amor não se paga. Convivência<br />

não se paga".<br />

“Em que pese a opinião transcrita acima, importa salientar que é perfeitamente possível a<br />

concessão de indenização decorrente de <strong>dano</strong> <strong>moral</strong> em caso de <strong>união</strong> estável. A palavra <strong>moral</strong>,<br />

que vem sofrendo deturpações ao longo dos tempos, deve ser entendida como o complexo dos<br />

bens decorrentes de sua dignidade de pessoa, de seus sentimentos de estima e de luta por sua<br />

realização existencial. Não existe no mundo valor pecuniário que pague a perda da auto-estima ou<br />

a sensação de frustração e de derrota em face da vida. Ora, esses <strong>dano</strong>s podem e devem ser<br />

reduzidos, quando obtiverem a devida reparação, mesmo que seja em moeda corrente. Yussef<br />

Said Cahali, em sua recente obra "Dano Moral", lecio<strong>na</strong>: "Refere Carlos Bittar que, em relação concubinária,<br />

ou seja, <strong>união</strong> sem casamento, é comum a ocorrência de <strong>dano</strong>s morais, pois, desaparecido<br />

o interesse, podem aflorar os sentimentos negativos, provocando-se, então, fissuras <strong>na</strong> <strong>moral</strong>idade<br />

da vítima, por força de investidas indevidas do agente" (obra citada, 2ª edição, Editora<br />

RT, p. 658). Assim, impossível não se sensibilizar pela tese da reparabilidade dos <strong>dano</strong>s morais,<br />

resultantes da dissolução da sociedade conjugal, desde que dos atos praticados tenha sido martirizante<br />

para um deles, e que dos atos praticados tenha advindo profundo mal-estar e angústia” 3 .<br />

2<br />

- ROLF MADALENO, em artigo sobre “Divórcio e Dano Moral”, em Revista do Direito<br />

de Família 01, nº02, p.60-5.<br />

3<br />

- Ap. nº 98.013231-2, Rel. Des. Newton Trisotto, 1ª CCv. do TJSC.<br />

2


Inobstante os respeitáveis fundamentos jurídicos lançados pelo acórdão catarinense, por<br />

enquanto ainda é majoritária a jurisprudência da impossibilidade de indenização por <strong>dano</strong>s morais<br />

<strong>na</strong> <strong>separação</strong> <strong>judicial</strong>, <strong>divórcio</strong> ou <strong>união</strong> estável, o que se constata dos seguintes acórdãos:<br />

a) TJRS 4 : "A quebra de um dos deveres inerentes à <strong>união</strong> estável, a fidelidade, não gera o<br />

dever de indenizar, nem a quem o quebra, um dos conviventes, e menos ainda a um terceiro, que<br />

não integra o contrato existente e que é, em relação a este, parte alheia. O sentimento que deve<br />

unir duas pessoas que encetam uma <strong>união</strong> - casamento ou <strong>união</strong> estável - deve ser sempre o<br />

amor. Há, é certo, outros: interesse econômico, paixão car<strong>na</strong>l, vantagens profissio<strong>na</strong>is, mas o<br />

sentimento prevalente e nobre a presidir tudo é o amor. Cessado este, a manutenção da <strong>união</strong> é<br />

mera questão temporal. Quando o amor cessa, uma das conseqüências inevitáveis é a <strong>separação</strong>.<br />

Da inicial, infere-se que o autor sente-se <strong>moral</strong>mente diminuído porque a mulher o traiu com um<br />

de seus amigos e companheiro de festas. É a velha questão do macho ferido, que confunde sua<br />

honra com a da companheira. Só que, antanho, o macho vingava-se, matando a mulher amada ou<br />

seu parceiro. Hoje, o traído quer reparação fi<strong>na</strong>nceira para a honra ferida. No fundo de tudo, mais<br />

do que a intenção do ressarcimento, o que ema<strong>na</strong> dest es autos é o ciúme. Não há como deixar de<br />

lembrar as palavras de Shakespeare, Otelo, Ato III, <strong>na</strong> fala do lago: "Meu senhor, livrai-nos do<br />

ciúme. É um monstro de olhos verdes, que escarnece do próprio pasto de que se alimenta”. Somente<br />

o monstro de olhos verdes poderia alimentar esta demanda. Mesmo que, "ad argumentandum",<br />

se reconhecesse a existência de <strong>união</strong> estável, tenho que a quebra de um dos deveres inerentes<br />

a ela - a fidelidade - não gera o dever de indenizar. Nem a quem o quebra - um dos conviventes<br />

- e menos ainda a um terceiro, que não integra o contrato existente, que é, em relação a<br />

este, parte alheia”.<br />

b) TJRJ 5 : “Admitindo-se que o casamento é um contrato, não se pode deixar de notar<br />

que ele não se assemelha ao contrato do direito patrimonial. Embora esteja submetido à livre vontade<br />

das partes, não podem estas estipular condições ou termos, nem opor cláusulas ou modos,<br />

nem discipli<strong>na</strong>r as relações conjugais de maneira contrária à lei. Por isso, as controvérsias decorrentes<br />

de sua eventual dissolução não podem ser solucio<strong>na</strong>das com regras próprias das obrigações”.<br />

Ao longo do corpo do venerando acórdão foi lecio<strong>na</strong>do o seguinte: “Faz-se indispensável<br />

deixar claro, inicialmente, que a possibilidade de ressarcimento de <strong>dano</strong>s não-patrimoniais em razão<br />

da dissolução do casamento pelo <strong>divórcio</strong>, como se pretende, não é questão nova e nem pacífica,<br />

seja <strong>na</strong> doutri<strong>na</strong>, seja <strong>na</strong> jurisprudência. Além daqueles que admitem tal possibilidade ape<strong>na</strong>s<br />

quando há disposição expressa em lei, como acontece <strong>na</strong> França e em Portugal, existem<br />

aqueles que, considerando o casamento um simples contrato, há semelhança dos contratos patrimoniais,<br />

a admitem com fundamento <strong>na</strong>s regras gerais da responsabilidade civil. Não se pode, no<br />

exame da questão, por isso, deixar de considerar a discussão interminável que se trava em torno<br />

da <strong>na</strong>tureza jurídica do casamento, especialmente as teorias institucio<strong>na</strong>listas, para as quais o<br />

casamento não é um mero contrato, mas uma instituição. Fundamentalmente, uma situação jurídica,<br />

cujas regras ou quadros estão previamente fixados pelo legislador. O casamento seria, assim,<br />

uma instituição. Os nubentes seriam livres de se submeter, ou não, à instituição, mas, uma vez a<br />

ela submetidos, teriam de aceitá-la tal qual ela é, sem possibilidade de modificar as regras que a<br />

regem (Eduardo dos Santos, Professor da Universidade de Direito de Lisboa, in Direito de Família).<br />

“Vendo a questão por este ângulo, a conclusão i<strong>na</strong>rredável a que se chega é a da i<strong>na</strong>dmissibilidade<br />

da pretensão indenizatória: a uma, porque, entre nós, não há disposição expressa a<br />

respeito; a duas, porque as sanções pelas infringências às regras da instituição do casamento<br />

esgotam-se <strong>na</strong>s normas previstas que o regem, não se admitindo a aplicação de regras empresta-<br />

4<br />

- Ap. 597.155.167 – 7ª CCv. - j. 11.02.1998, unânime, rel. Des. Eliseu Gomes<br />

Torres, RT 752/344.<br />

5<br />

- Ap. 14.156/98, da 14ª CCv. do TJRJ, unânime, Rel. Des. MARLAN DE MORAES<br />

MARINHO, em 13.05.99, em Revista do Direito de Família nº02, de 07 a 09/99,<br />

Editora Síntese, p.59.<br />

3


das de outros campos do Direito Civil, como se procura fazer <strong>na</strong> espécie. Mesmo boa parte dos<br />

defensores das teorias contratualistas não discrepam do que se afirmou acima. Para JOSSERAND,<br />

COLIN e CAPITANT, entre outros: “o casamento é o contrato que se não assemelha ao contrato<br />

de direito patrimonial. O casamento está subtraído à livre vontade das partes: estas não podem<br />

estipular condições ou termos, nem opor cláusulas ou modos, nem discipli<strong>na</strong>r as relações conjugais<br />

de maneira contrária à lei. Só pode haver liberdade contratual no domínio dos interesses patrimoniais<br />

e, mesmo aí, em medida muito limitada (EDUARDO SANTOS, in Direito de Família).<br />

“O eventual descumprimento dos deveres do casamento não se resolve em perdas e <strong>dano</strong>s,<br />

como <strong>na</strong>s obrigações, porque dá ensejo à <strong>separação</strong> <strong>judicial</strong> e posterior <strong>divórcio</strong>, figuras do<br />

Direito de Família, que já trazem em si sanções outras, específicas, em detrimento do cônjuge<br />

declarado culpado, tais como: a mesma declaração de culpa, a obrigação ou a exoneração de<br />

prestar alimentos, a obrigação de partilhar os bens, conforme o regime de casamento, a perda da<br />

guarda dos filhos, a perda do direito de usar o nome do cônjuge varão. Sanções estas que, a não<br />

ser para os espíritos essencialmente materialistas, são mais eficazes para reparar os <strong>dano</strong>s imateriais<br />

do cônjuge inocente do que a compensação do <strong>dano</strong> <strong>moral</strong>, que se pretende fazer com uma<br />

certa soma em dinheiro em outras situações. Se assim não se entender, se reconhecido o direito à<br />

indenização de <strong>dano</strong>s morais, nos termos em que foi postulada, o que se admite ape<strong>na</strong>s por amor<br />

ao debate e para não ser acusado de dele ter fugido, tem-se que, ainda assim, no caso, não haveria<br />

como ou por que dela se cogitar. Porque esse tipo de ressarcimento, mesmo nos países que<br />

o admitem expressamente, só pode ser deferido ao cônjuge inocente, como acentua o Catedrático<br />

de Direito Civil de Coimbra, o festejado ANTUNES VARELLA.<br />

“Na espécie, entretanto, temos uma ação de “<strong>divórcio</strong> direto”, anteriormente denomi<strong>na</strong>da<br />

de “<strong>divórcio</strong> excepcio<strong>na</strong>l ou extraordinário”, fundado <strong>na</strong> simples <strong>separação</strong> de fato por mais de<br />

dois anos, <strong>na</strong> qual não foi e nem poderia ser considerada circunstância de culpa, que é própria do<br />

“<strong>divórcio</strong>-sanção”, requerido por um dos cônjuges, imputando ao outro conduta desonrosa ou<br />

qualquer ato que importe grave violação dos deveres do casamento, daí resultando insuportável a<br />

vida em comum. Dessa forma, porque, <strong>na</strong> espécie, não se fez – e não se poderia fazer – a consideração<br />

de culpa e de inocência, não há como deferir o ressarcimento dos alegados <strong>dano</strong>s morais,<br />

até porque estes pressupõem um culpado”.<br />

Concordamos com a corrente minoritária que admite a indenização do <strong>dano</strong> <strong>moral</strong> <strong>na</strong> ação<br />

de <strong>separação</strong> <strong>judicial</strong> ou <strong>união</strong> estável litigiosa e com culpa (artigo 5º, cabeço, da Lei nº<br />

6.515/77, por grave infração dos deveres do casamento ou conduta desonrosa), podendo o pedido<br />

ser cumulado, ou não, desde que observado o seguinte:<br />

a) o pedido de <strong>separação</strong> <strong>judicial</strong> ou dissolução de <strong>união</strong> estável e/ou indenização por<br />

<strong>dano</strong> <strong>moral</strong> deve ser ajuizado logo após a ocorrência da conduta culposa, sob pe<strong>na</strong> de incidir o<br />

perdão do cônjuge ofendido, que impede o exercício do direito indenizatório, pois, nesse caso, “a<br />

inércia temporal conspira contra a invocação da causa da <strong>separação</strong> e faz com que os resíduos<br />

conflituosos não mais transpirem em processos nos quais a fática e já enfadonha ruptura transformou-se<br />

em silenciosa resig<strong>na</strong>ção” 6 ;<br />

b) é exclusiva do cônjuge ou convivente inocente a demanda indenizatória de <strong>dano</strong> <strong>moral</strong>.<br />

Se recíproca a culpa, inviável o pedido, já que ambos terão parcela de culpa;<br />

c) o pedido de indenização por <strong>dano</strong> <strong>moral</strong> pode ser exami<strong>na</strong>do tão-só <strong>na</strong> <strong>separação</strong> <strong>judicial</strong><br />

ou <strong>união</strong> estável litigiosa e com culpa, em que se discute a grave infração aos deveres do<br />

casamento ou conduta desonrosa; e<br />

d) a conduta do cônjuge culpado deve ser tipificada como crime, ofensiva à integridade<br />

<strong>moral</strong> do cônjuge ofendido, produzindo dor martirizante e profundo mal-estar e angústia, <strong>na</strong> medida<br />

em que somente uma grave ofensa a bem jurídico, que o legislador elevou à categoria crimino-<br />

6 - Expressão utilizada por ROL MADALENO, art. cit., p.65.<br />

4


sa, é que poderá resultar em indenização de <strong>dano</strong> <strong>moral</strong>, devendo-se formatar corte vertical <strong>na</strong>s<br />

demais condutas - não criminosas -, as quais ape<strong>na</strong>s são causas à dissolução da <strong>separação</strong> <strong>judicial</strong>,<br />

<strong>divórcio</strong> e <strong>união</strong> estável.<br />

Resumindo, é admissível a indenização de <strong>dano</strong> <strong>moral</strong> no casamento e <strong>na</strong> <strong>união</strong> estável,<br />

desde que observados os seguintes critérios objetivos e subjetivos: 01) a ação de <strong>separação</strong> <strong>judicial</strong><br />

ou dissolução de <strong>união</strong> estável e/ou indenização por <strong>dano</strong> <strong>moral</strong> deve ser ajuizada logo após<br />

a ocorrência da conduta culposa, sob pe<strong>na</strong> de incidir o perdão do cônjuge ofendido; 02) o direito<br />

ao <strong>dano</strong> <strong>moral</strong> é exclusivo do cônjuge inocente; 03) o pedido somente é possível <strong>na</strong> ação de <strong>separação</strong><br />

<strong>judicial</strong> ou dissolução de <strong>união</strong> estável litigiosa e com culpa; 04) a conduta do cônjuge<br />

culpado deve ser tipificada como crime; 05) o comportamento delituoso deve ser ofensivo à int egridade<br />

<strong>moral</strong> do cônjuge ofendido, produzindo dor martirizante e profundo mal-estar e angústia.<br />

Com isso, devem ser afastados os argumentos lançados pela domi<strong>na</strong>nte corrente jurisprudencial,<br />

pelas seguintes razões:<br />

01) o fato de não haver disposição expressa em lei não impede o reconhecimento do<br />

<strong>dano</strong> <strong>moral</strong>, porque a Justiça não pode aguardar a boa vontade do legislador, cabendo à doutri<strong>na</strong><br />

e à jurisprudência acompanharem as transformações sociais, como foi feito, por exemplo, com a<br />

<strong>união</strong> estável, em que tribu<strong>na</strong>is pátrios, bem antes das Leis da <strong>união</strong> estável, nºs 8.971/94 e<br />

9.278/96, portanto sem disposição expressa em lei, outorgavam os direitos dos casados aos conviventes<br />

7 ;<br />

02) hoje em dia, não se pode mais dizer que “o eventual descumprimento dos deveres do<br />

casamento não se resolve em perdas e <strong>dano</strong>s, como <strong>na</strong>s obrigações, porque dá ensejo à <strong>separação</strong><br />

<strong>judicial</strong> e posterior <strong>divórcio</strong>, figuras do Direito de Família, que já trazem em si sanções outras,<br />

específicas, em detrimento do cônjuge culpado”, isso porque, segundo tranqüila doutri<strong>na</strong> e jurisprudência,<br />

não vigoram, desde a Constituição Federal de 1988 e das Leis nºs 7.841/89 e<br />

8.408/92, as disposições da Lei do Divórcio quanto à aplicação de sanções patrimoniais, ao invés<br />

de indenização por <strong>dano</strong> <strong>moral</strong>, pelo seguinte:<br />

02-a) a obrigação de prestar alimentos é controvertida no direito brasileiro, <strong>na</strong> medida em<br />

que respeitável corrente doutrinário-jurisprudencial alberga a teoria objetiva da obrigação alime ntar,<br />

isto é, não mais se inquire da culpa, e sim ape<strong>na</strong>s da necessidade da pensão alime ntícia;<br />

02-b) a partilha do patrimônio é efetivada de acordo com o regime de bens, escolhido<br />

antes do casamento, sendo de todo impertinente o exame da culpa pela <strong>separação</strong>, pois a partilha<br />

é “realizada com a adoção de critérios objetivos definidos por lei” 8 ;<br />

02-c) a culpa não mais interfere <strong>na</strong> guarda dos filhos, de vez que, há muito tempo, vige<br />

o princípio da prevalência dos interesses dos menores, pelo que, em tese, o cônjuge culpado pela<br />

<strong>separação</strong> pode permanecer com a guarda dos filhos;<br />

7 - a) RJTJRS 167, p.323, rel. Des. PAULO HEERDT, em 01.06.94; b) RJTJRS 170,<br />

p.261, rel. Des. WALDEMAR LUIZ DE FREITAS FILHO, em 21.12.94; c) Decisão da 7ª<br />

CCv. do TJRS, em 12.04.95, ap. nº594143604, rel. Des. ALCEU BINATO DE MORAES;<br />

d) RJTJRS 165/230, em 18.03.93, rel. Des. LUIZ FELIPE AZEVEDO GOMES; e) RJTJRS<br />

167/392, em 11.08.94, rel. Des.ELISEU GOMES TORRES; f) RJTJRS 170/261, em<br />

21.12.94, rel. Des. WALDEMAR LUIZ DE FREITAS FILHO; g) RJTJRS 170/296, em<br />

10.11.94, rel. Des.ELISEU GOMES TORRES; h) Verbete 382 da súmula do STF: A<br />

vida em comum sob o mesmo teto, more uxório, não é indispensável à caracterização do concubi<strong>na</strong>to;<br />

i) 8ª CCv. do TJRS, relatora Desa. MARIA BERENICE DIAS, citada por<br />

NOEMIA ALVES FARDIN, em “Concubi<strong>na</strong>to”, Ed. Livraria do Advogado, 1995, p.135;<br />

j) 7ª CCv., em 28.09.94, rel. Des. WALDEMAR L. FREITAS FILHO, RJTJRS 168/238.<br />

8 - Ap 84.994-4/4, 6ª Câm. – j. 05.11.1998 – rel. Des. Antonio Carlos Marcato,<br />

RT 761/236.<br />

5


02-d) a culpa também não tem nenhuma ingerência no nome dos cônjuges, a contar da<br />

Lei nº 8.408/92, que alterou o parágrafo único do artigo 25 da Lei do Divórcio, nos seguintes termos:<br />

"A sentença de conversão determi<strong>na</strong>rá que a mulher volte a usar o nome que tinha antes de<br />

contrair matrimônio, só conservando o nome de família do ex-marido se a alteração prevista neste<br />

artigo acarretar: I - evidente prejuízo para a sua identificação; II - manifesta distinção entre o<br />

seu nome de família e o dos filhos havidos da <strong>união</strong> dissolvida; III - <strong>dano</strong> grave reconhecido em<br />

decisão <strong>judicial</strong>", ou, segundo tese que edificamos 9 , os separandos ou divorciandos, em qualquer<br />

caso, deverão adotar o nome de solteiro.<br />

Na doutri<strong>na</strong> 10 e <strong>na</strong> jurisprudência 11 encontram-se algumas causas de <strong>separação</strong> <strong>judicial</strong> litigiosa<br />

com culpa e que, entre outras, ensaiam, segundo pensamos, o direito à indenização por<br />

<strong>dano</strong> <strong>moral</strong>, já que os atos praticados são delituosos, ofensivos à integridade <strong>moral</strong> do cônjuge<br />

ofendido, produzindo dor martirizante e profundo mal-estar e angústia: 01) tentativa de homicídio<br />

perpetrada por um dos cônjuges contra o outro (artigo 121, c/c artigo 14, II, do CP); 02) estupro<br />

praticado pelo marido contra a mulher (artigo 213 do CP); 03) extorsão mediante seqüestro contra<br />

o cônjuge (artigo 159 do CP); 04) roubo contra o cônjuge (artigo 157 do CP); 05) extorsão<br />

contra o cônjuge (artigo 158 do CP); 06) reduzir o cônjuge a condição análoga à de escravo (artigo<br />

149 do CP); 07) seqüestro e cárcere privado contra o cônjuge (artigo 148, par. 1º, I, do CP);<br />

08) lesão corporal dolosa contra o cônjuge (artigo 129 do CP); 09) calúnia, difamação e injúria, de<br />

tal envergadura, que reflita, desastrosamente, <strong>na</strong> reputação do parceiro, em sua atividade profissio<strong>na</strong>l<br />

e social; 10) constranger o cônjuge, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe<br />

haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei<br />

permite, ou a fazer o que ela não manda (artigo 146 do CP).<br />

Nesses casos não é pretendido, como quer parte da doutri<strong>na</strong> e da jurisprudência, que o<br />

amor seja indenizado, mas, sim, que seja reparado o <strong>dano</strong> causado ao cônjuge inocente e vítima<br />

de conduta criminosa, ofensiva à sua integridade <strong>moral</strong>, produzindo dor martirizante e profundo<br />

mal-estar e angústia. O crime desonra o agredido, acarretando-lhe, “um <strong>dano</strong> <strong>moral</strong>, aliás, muito<br />

mais relevante em se tratando de agressão de um cônjuge contra o outro”, porquanto “se o marido<br />

empurra a mulher, arranca-lhe os cabelos, esbofeteia-a, derruba-a ao solo, fere-a, terá praticado<br />

sevícia. Um homem que bate <strong>na</strong> mulher, dizia Catão, coloca ímpias mãos sobre o que ele<br />

tem de mais sagrado” 12 .<br />

No terceiro milênio, não se pode aplicar o princípio da efetividade do Direito com base em<br />

Lei elaborada há mais de um século, porque mudaram os tempos, transformaram-se os costumes,<br />

redefiniram-se novos valores éticos e morais, tendo-se abando<strong>na</strong>do o tempo em que a mulher<br />

absorvia silenciosamente as agressões físicas e morais de seu cônjuge, e tudo em nome do amor<br />

e da manutenção da unidade familiar. Por isso, não se pode comungar com o desmatamento do<br />

direito ao <strong>dano</strong> <strong>moral</strong>, em vista de importar pagamento do amor. Não se está reclamando pecúnia<br />

9<br />

- BELMIRO PEDRO WELTER, em artigo sobre “O nome da mulher no casamento e no<br />

<strong>divórcio</strong>”, <strong>na</strong> Revista dos Tribu<strong>na</strong>is 766/133.<br />

10<br />

- YUSSEF SAID CAHALI, ob. cit., 1995, pp.364 a 470; MARIA HELENA DINIZ, em<br />

“CC Anotado”, Saraiva, 1995, pp.275 a 280; THEOTONIO NEGRÃO, em “CPC...”,<br />

1999, 30ª ed., Saraiva, em notas de rodapé à Lei do <strong>divórcio</strong>; SEBASTIÃO AMORIM<br />

e EUCLIDES DE OLIVEIRA, em Separação e Divórcio”, Leud, 1997, 4ª ed, pp.163-6;<br />

JOÃO ROBERTO PARIZATTO, em “Divórcio e Separação”, Ed. Direito, 1997, pp.22-8;<br />

ARNALDO RIZZARDO, em “Direito de Família”, T. II, 1994, Aide,, pp. 432 a 456;<br />

ORLANDO GOMES, em “Direito de Família”, Forense, 7ª ed., 1994, pp.227 a 242.<br />

11<br />

- RT nºs 653/98; 594/106; 676/94; 652/68; 656/87; (Ap. nº 596151357, 7ª<br />

CCv. do TJRGS, Rel. Des. Paulo Heerdt, j. 11.12.96, un.); (Ap. nº 294090485,<br />

3ª CCr. TARGS, Rel. Sylvio Baptista Neto, 25.04.95); RT 614/68; 609/71;<br />

606/108 e 596/105.<br />

12<br />

- WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, citado por YUSSEF SAID CAHALI, ob. cit.,<br />

1995, 8ª ed., p.395.<br />

6


do amor, e sim pagamento contra aquele que se aproveitou da relação jurídica que envolvia o<br />

amor para causar graves ofensas delituosas, morais e dor martirizante, justamente contra aquele<br />

que jurou amar, mas, ao contrário, com a sua conduta tóxica, confiscou-lhe a honra e a própria<br />

dignidade huma<strong>na</strong>, princípio elevado à categoria de fundamento da República Federativa do Brasil<br />

(artigo 1º, III, da CF).<br />

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