ano 10 • nº 22 • anual • 2009 - Alma Alentejana
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Monte Alentej<strong>ano</strong> - Pintura de Maria da Luz<br />
se alimentar. E assim foi. O moço pegou no tarro<br />
e lá foi ver os borreguinhos. Porém já começava<br />
a entardecer e o moço não havia modos de<br />
aparecer. Ele já estava de regresso a casa e os pais<br />
interrogando-se que seria feito dele. o Sr. augusto<br />
sobressaltou-se e disse logo “ai os lobos!” e<br />
assomaram à janela mais baixa da casa gritando<br />
pelo nome dele. E o Filipe gritava, quase já sem<br />
forças “os lobos! os lobos”. o seu pai solta logo<br />
três ou quatro rafeiros, com coleiras com pontas<br />
metálicas à volta do pescoço, secundados por<br />
outros tantos ainda mais pequenos que estes três<br />
ou quatro mas superiores em valentia.<br />
Acorrem as pessoas das quintas assim que ouvem<br />
a gritaria gritando eles também. os guardas-fiscais<br />
<strong>22</strong> o «tarro»3 , onde estava a comida para o pastor<br />
que iam entrar ao serviço de noite apercebem-se<br />
da comoção e reboliço e da situação em si e vá de<br />
dar tiros para o ar. ainda viram os primeiros a chegar<br />
ao local os lobos que arrancavam os sargaços<br />
e as estevas com os dentes para cima do miúdo<br />
que entretanto desmaiara 4 , como que preparando<br />
a lauta refeição que se avizinhava. os lobos tal<br />
foi a quantidade de pessoas que se aproximavam<br />
do local, os cães rafeiros e os tiros da guarda-fiscal<br />
puseram-se logo em fuga, em busca de presa<br />
mais fácil.<br />
Por vezes, também quando os cães iam dar as<br />
suas voltas os lobos aproveitavam e começavam<br />
a rodear a casa e aproximavam-se,<br />
arranhando as janelas – as que ficavam mais baixas e<br />
uivando continuamente. E as pessoas de dentro<br />
da casa assomavam às janelas de cima e gritava o<br />
Sr. augusto – para dar confiança à esposa e<br />
filhos – “Venham cá!!! Venham cá se as querem<br />
ver!!!” ao que a esposa retorquia também tendo<br />
os lobos como destinatários: “Querias comer-me,<br />
mas aqui não chegas tu!!!”. E os lobos pulavam,<br />
mas nada conseguiam, pois as janelas eram muito<br />
altas.<br />
Não havia dia em que não aparecesse uma<br />
ovelha morta. Muitos eram aqueles que morriam<br />
às mãos destes animais, que escolhiam o entardecer<br />
ou o breu da noite para atacar. De dia só<br />
ousavam atacar em algum sítio mais ermo. Também<br />
numa outra altura, e perto do sítio onde o<br />
irmão da Dona Catarina tinha sido atacado, em<br />
Malpique, ia a passar uma senhora já de uma<br />
certa idade de visita a uma filha que vivia lá para<br />
os lados de Espanha. Mas a hora já era tardia e<br />
começava a escurecer. Subiu por uma árvore acima<br />
e ali passou a noite entre aquelas ramagens.<br />
Os lobos saltando para a apanhar e ela a tremer<br />
de medo lá em cima. De manhãzinha, com o raiar<br />
3 Ou a marmita, para quem não saiba o seu significado.<br />
4 O rapaz, algum tempo mais tarde, após se ver a salvo, dizia que ao regressar tinha começado a sentir<br />
frio, muito frio – era o medo que lhe tolhia os membros – e quando olhou em volta começou a ver os lobos.<br />
As pessoas terão chegado na altura precisa em que estes se estavam preparando para o tolher.<br />
Foi quando ele desmaiou. O irmão da Dona Catarina ficou com um trauma tão grande que nos <strong>ano</strong>s<br />
que se seguiram acordava sobressaltado em sua cama gritando em alta voz: “Os Lobos! Os Lobos!”