aspectos da linguagem em Grande sertão - FALE - UFMG
aspectos da linguagem em Grande sertão - FALE - UFMG
aspectos da linguagem em Grande sertão - FALE - UFMG
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Belo Horizonte, p. 1-356.<br />
Disponível <strong>em</strong>: http://www.letras.ufmg.br/poslit<br />
cara, t<strong>em</strong>-te que verde, entre-onde-os-campos, quando mais-olha, sobrestive,<br />
sufruía e s<strong>em</strong>-gracez. Em relação às derivações regressivas, elas são raras, <strong>em</strong><br />
comparação ao que já se analisou nos trechos anteriores (alguns ex<strong>em</strong>plos são<br />
os substantivos endireito, verdejo e r<strong>em</strong>ôo). Uma interpretação possível para esse<br />
fato é a de que, nesse lugar de natureza exuberante e de sentimentos convulsos<br />
e manifestos, tudo acontece pelo excesso, pelo acréscimo, pela adição. Sendo<br />
também uma situação predominant<strong>em</strong>ente positiva, <strong>em</strong> oposição ao mal<br />
explícito do acampamento do Hermógenes, essa positivi<strong>da</strong>de talvez se expresse<br />
pelas idéias de adição e completude, e não pelas de ausência ou falta.<br />
Reforçando ain<strong>da</strong> a expressão <strong>da</strong> natureza mutante de Diadorim,<br />
há no trecho vários casos de derivação imprópria (<strong>em</strong>prego de termos com<br />
mu<strong>da</strong>nça de classe gramatical) e também de uso de palavras <strong>em</strong> contextos<br />
s<strong>em</strong>ânticos novos. Esses dois processos são bastante típicos do episódio <strong>da</strong><br />
Guararavacã <strong>em</strong> relação ao restante <strong>da</strong> obra, pois é nesse momento que se<br />
questionam, de forma explícita, a sexuali<strong>da</strong>de de Riobaldo e de Reinaldo e,<br />
portanto, suas categorizações <strong>em</strong> termos de hom<strong>em</strong>-mulher, suas “classes”,<br />
seus “gêneros”, por assim dizer. Como nas expressões s<strong>em</strong> dizer o que a<br />
qu<strong>em</strong>, a vão, no sozinho do vago, de derradeiro, balançar esfiapado, do<br />
dentro do mato, o bom adormecer, do viver comum, no durar, o sentir, s<strong>em</strong>pres<br />
vezes, o secar, o exato, substantivos e adjetivos tornam-se advérbios, advérbios<br />
tornam-se adjetivos, e adjetivos, advérbios e verbos tornam-se substantivos,<br />
assim também a categorização amorosa e sexual de Riobaldo e Reinaldo<br />
mostra-se modifica<strong>da</strong> e complexa para a consciência do narrador-personag<strong>em</strong><br />
naquele momento de sua história. Trata-se de um universo que pode ser visto<br />
como platônico e platonizante, no qual, para o narrador, as aparências<br />
despistam e encobr<strong>em</strong> formas essenciais e mais ver<strong>da</strong>deiras, apenas<br />
vislumbra<strong>da</strong>s ou intuí<strong>da</strong>s, na imaginação ou <strong>em</strong> sonho:<br />
Um dia, s<strong>em</strong> dizer o que a qu<strong>em</strong>, montei a cavalo e saí, a vão, escapado.<br />
[...] Eu tinha culpa de tudo, na minha vi<strong>da</strong>, e não sabia como não ter.<br />
Apertou <strong>em</strong> mim aquela tristeza, <strong>da</strong> pior de to<strong>da</strong>s, que é a s<strong>em</strong> razão de<br />
motivo; que, quando notei que estava com dor-de-cabeça, e achei que por<br />
certo a tristeza vinha era <strong>da</strong>quilo, isso até me serviu de bom consolo. [...]<br />
Então, deitei, baixei o chapéu de tapa-cara. Eu vinha tão afogado. Dormi,<br />
deitado num pelego. Quando a gente dorme, vira de tudo: vira pedras, vira<br />
flor. (Rosa, 1967: 219)<br />
243