20.04.2013 Views

aspectos da linguagem em Grande sertão - FALE - UFMG

aspectos da linguagem em Grande sertão - FALE - UFMG

aspectos da linguagem em Grande sertão - FALE - UFMG

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

O eixo e a ro<strong>da</strong>: v. 12, 2006<br />

Disponível <strong>em</strong>: http://www.letras.ufmg.br/poslit<br />

Para essa sabedoria vaga, oculta, também apontavam os<br />

pensamentos de Riobaldo durante os primeiros dias na Guararavacã: “Imaginei<br />

esses sonhos. Me l<strong>em</strong>brei do não-saber” (Rosa, 1967: 218). Tudo aparent<strong>em</strong>ente<br />

fora de seu lugar, e fora de lugar também as palavras e seus sentidos. Para<br />

exprimir a Guararavacã e suas surpresas, era preciso deslocar significados,<br />

descobrindo o novo: rompimento de sol<strong>da</strong>dos, desenrolar dos bandos, aos<br />

gritos de vozear, macias terras, campo solteiro, fiz<strong>em</strong>os grande redondeza,<br />

sutil trovão. Tudo s<strong>em</strong>pre o mesmo, tudo diferente: “Naqueles olhos e tanto<br />

de Diadorim, o verde mu<strong>da</strong>va s<strong>em</strong>pre, como a água de todos os rios <strong>em</strong> seus<br />

lugares ensombrados” (Rosa, 1967: 219).<br />

Acompanhando a desestruturação <strong>da</strong>s crenças do narrador sobre<br />

a reali<strong>da</strong>de e, principalmente, quanto à sua própria identi<strong>da</strong>de, a sintaxe<br />

apresenta inversões (seriam Reinaldo e Riobaldo “invertidos”, ou “delicados”,<br />

no dizer de Fancho-Bode?), como Se tinha, Me l<strong>em</strong>brei, Me a mim (também<br />

redundância), Me deu, Me olhou, Me abracei; estruturas redun<strong>da</strong>ntes,<br />

enfatizando o caráter excessivo, abun<strong>da</strong>nte do lugar e dos sentimentos ali<br />

acontecidos, como sendo para ser, lhe a ele podermos valer, nome que<br />

chamava-se, me vendo o meu dormir; raras negações duplas, ausência que<br />

reforça a positivi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Guararavacã <strong>em</strong> oposição ao acampamento jagunço<br />

(se melhor não seja a gente tivesse de sair nunca, n<strong>em</strong> coisas assim não<br />

acontec<strong>em</strong>); e alguns truncamentos, referência expressiva ao espanto de<br />

Riobaldo diante <strong>da</strong> súbita descoberta do seu amor por um “igual”, de efeito<br />

algo tartamudo: feito quisesse, como quando a chuva entre-onde-os-campos,<br />

do jeito que decerto cobra pensa: quando mais-olha para um passarinho<br />

pegar, p’ra tu leva de presente, quando o céu <strong>em</strong>poeirado, chega passava.<br />

Mas o mais bonito e característico <strong>da</strong> “<strong>linguag<strong>em</strong></strong> <strong>da</strong> Guararavacã”<br />

está no seu aspecto estilístico. Nascido <strong>da</strong> natureza (ain<strong>da</strong> que escondi<strong>da</strong> sob<br />

o gibão de couro de Diadorim) e, por isso, intimamente ligado a ela <strong>em</strong> muitas<br />

de suas formas, o amor na Guararavacã se expressa <strong>em</strong> imagens de delicadeza<br />

rara. São vários momentos, entre eles o revôo dos pássaros à chega<strong>da</strong> do<br />

bando, inclusive do manuelzinho-<strong>da</strong>-croa, pássaro de Diadorim, e “as garças,<br />

elas <strong>em</strong> asas”, diante do “rio desmazelado”; os rebanhos a amanhecer<strong>em</strong><br />

vagarosos, “suspendendo corpo s<strong>em</strong> rumor nenhum, no meio-escuro, como<br />

um açúcar se derretendo no campo”; o aparecimento / aparição de Diadorim,<br />

a vigiar Riobaldo enquanto este dormia e, ao acor<strong>da</strong>r, “ouro e prata que<br />

Diadorim aparecia ali, a uns dois passos de mim”; os olhos de Diadorim,<br />

244

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!