aspectos da linguagem em Grande sertão - FALE - UFMG
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Belo Horizonte, p. 1-356.<br />
Disponível <strong>em</strong>: http://www.letras.ufmg.br/poslit<br />
algumas crenças e opiniões a respeito do romance. A primeira delas é a de<br />
que a obra seja constituí<strong>da</strong> de um tipo de <strong>linguag<strong>em</strong></strong> relativamente uniforme,<br />
ain<strong>da</strong> que inovadora, e que se possa resumir <strong>em</strong> algumas fórmulas<br />
simplificadoras, como “língua do <strong>sertão</strong>”, “<strong>linguag<strong>em</strong></strong> oral”, ou, por outro<br />
lado, “estilo moderno” ou “criação revolucionária”, à s<strong>em</strong>elhança do que<br />
comumente se diz a respeito <strong>da</strong> obra literária de Rosa.<br />
Embora seja realmente possível apontar certos procedimentos<br />
criadores como constantes, tanto no livro quanto na obra de Guimarães<br />
Rosa <strong>em</strong> geral, os quais constituiriam o idioleto, ou o estilo, do autor, verifica-<br />
se que, mesmo no interior de uma única obra, no caso o <strong>Grande</strong> <strong>sertão</strong>:<br />
vere<strong>da</strong>s, os efeitos de <strong>linguag<strong>em</strong></strong> adotados variam, <strong>em</strong> quali<strong>da</strong>de e também<br />
<strong>em</strong> quanti<strong>da</strong>de, de acordo com as funções que assum<strong>em</strong> nos diferentes<br />
contextos/episódios <strong>da</strong> narrativa. De acordo com essa visão, a <strong>linguag<strong>em</strong></strong><br />
possui, no romance, função estrutural, e qualquer generalização a respeito<br />
dela para o livro como um todo, s<strong>em</strong> considerar sua estrutura episódica,<br />
parece, no mínimo, t<strong>em</strong>erária.<br />
Há, no entanto, algumas tendências. Nos episódios analisados,<br />
verificaram-se certos padrões de <strong>linguag<strong>em</strong></strong> que talvez possam ser definidos<br />
como, “a língua do diabo” e a “língua do amor” (<strong>em</strong> contraste com uma<br />
suposta “língua sobre o diabo”, que aparece nos trechos mais filosóficos do<br />
livro e que não foram analisados aqui). Esses diferentes “idiomas”, tal como<br />
explicitados, correspond<strong>em</strong> aos veios épico-romanesco e lírico do romance e<br />
vão mu<strong>da</strong>ndo e se repetindo, grosso modo, à medi<strong>da</strong> que um ou outro<br />
aspecto <strong>em</strong>erge e se sobressai nesse rio cau<strong>da</strong>loso que é a narrativa do ex-<br />
jagunço Riobaldo. Como uma voz, que se adoça, endurece ou vagueia<br />
dependendo do assunto no qual se detém, a <strong>linguag<strong>em</strong></strong> de Riobaldo também<br />
é plástica, e se plasma de acordo com as necessi<strong>da</strong>des estruturais e t<strong>em</strong>áticas<br />
do texto, do qual constitui o aspecto mais aparente.<br />
Resumindo, talvez possamos afirmar que, no <strong>Grande</strong> <strong>sertão</strong>:<br />
vere<strong>da</strong>s, a “língua do diabo”, tal como analisa<strong>da</strong> no episódio do acampamento<br />
do Hermógenes, é marca<strong>da</strong>, no léxico, pelas noções de novi<strong>da</strong>de e estranhamento<br />
(a partir dos muitos neologismos) e pelo traço arcaizante, pela sintaxe trunca<strong>da</strong><br />
e tartamu<strong>da</strong> e, do ponto de vista do estilo, pelas animalizações; e a “língua do<br />
amor”, explicita<strong>da</strong> no episódio <strong>da</strong> Guararavacã do Guaicuí, t<strong>em</strong> como traços<br />
predominantes a mutabili<strong>da</strong>de, a reversibili<strong>da</strong>de e a mistura, no léxico e,<br />
principalmente, quanto ao estilo, a riqueza e delicadeza <strong>da</strong>s imagens liga<strong>da</strong>s à<br />
ord<strong>em</strong> paradisíaca <strong>da</strong> natureza.<br />
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