ana luiza de oliveira duarte ferreira - ANPUH-SP - XXI Encontro ...
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INTELECTUALIDADE BRASILEIRA<br />
E MEXICANA DAS PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉCULO XX:<br />
PONTOS DE INTERESSE, MOVIMENTAÇÕES SIMÉTRICAS,<br />
CONSTATAÇÕES INSTIGANTES<br />
ANA LUIZA DE OLIVEIRA DUARTE FERREIRA 1<br />
Meu objetivo hoje é apresentar um quadro comparativo dos universos intelectuais<br />
brasileiro e mexicano, do início do século XX; e, para tanto, me inspiro nas reflexões teórico-<br />
metodológicas do historiador belga Marcel Detienne.<br />
Em meados da década <strong>de</strong> 1960 Detienne se apresentou como crítico no que diz<br />
respeito ao costume da escola francesa dos Annales (sobretudo Marc Bloch) concentrar<br />
esforços na primeira possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estudo comparado aventada por Émile Durkheim: a<br />
comparação <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>s contíguas; e a consi<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> marcos nacionais.<br />
Autor <strong>de</strong> Comparar o incomparável, Detienne se <strong>de</strong>dicou à <strong>de</strong>fesa do resgate da<br />
segunda possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> análise comparativa <strong>de</strong>stacada por Durkheim; qual seja: entre<br />
estruturas apartadas no espaço e no tempo. O fez, veja, porque percebia as socieda<strong>de</strong>s em si<br />
como conjuntos essencialmente complexos, variáveis, que assumem “por natureza” formas<br />
múltiplas, fluidas e não hierarquizáveis; <strong>de</strong> forma que ele, Detienne, se sentia plenamente à<br />
vonta<strong>de</strong> para argumentar que cabia a si e aos historiadores a responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estabelecer<br />
os padrões <strong>de</strong> entendimento acerca do social (<strong>de</strong>ntre os quais, tanto uma como outra das<br />
possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> comparação referidas: entre unida<strong>de</strong>s contíguas e unida<strong>de</strong>s apartadas no<br />
espaço e no tempo).<br />
Detienne nos dá um bom exemplo <strong>de</strong> quão interessante po<strong>de</strong> ser comparar o<br />
“incomparável” para nós, historiadores <strong>de</strong> hoje: em seu livro mais famoso narra que em um<br />
grupo <strong>de</strong> pesquisa coletiva comparada andavam os investigadores <strong>de</strong>batendo sobre os<br />
conceitos basilares que <strong>de</strong>veriam assumir na próxima temporada; estavam chegando, juntos,<br />
ao propósito <strong>de</strong> trabalhar as noções: “fundar, fundação, fundador”.<br />
1 Doutoranda pelo PROLAM-U<strong>SP</strong>.<br />
Um dia, um dos japonizantes, há muito silenciosos enquanto avançávamos às<br />
apalpa<strong>de</strong>las, intervieram para nos contar – estavam <strong>de</strong>solados com isso – que no<br />
Japão, segundo os textos mais antigos, não havia fundação nem fundados. (...)<br />
[Ora, essa <strong>de</strong>scoberta não ocorreu por acaso. Foi] graças à provocação do<br />
incomparável que uma categoria tão familiar como “fundar” veio a abalar-se,<br />
rachar-se, <strong>de</strong>sagregar-se (DETIENNE, 2004: 50).<br />
Anais do <strong>XXI</strong> <strong>Encontro</strong> Estadual <strong>de</strong> História –<strong>ANPUH</strong>-<strong>SP</strong> - Campinas, setembro, 2012.<br />
1
E será que o contrário não po<strong>de</strong> ser válido? E se ante a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se comparar o<br />
incomparável nos saltam aos olhos semelhanças que não se estabelecem por vias materiais ou<br />
por vias visíveis a olho nu? Não é possível que <strong>de</strong>sse viés possamos também partir para<br />
questões filosóficas mais amplas?<br />
Minhas fontes/objetos <strong>de</strong> análise são textos/imagens produzidos por filósofos, literatos<br />
e artistas plásticos do Brasil e do México. E, sob pretensão didática mas também motivação<br />
<strong>ana</strong>lítica, os dividido em três recortes temporais: as décadas <strong>de</strong> 1910, 1920, e 1930. Ora,<br />
<strong>de</strong>sses três momentos <strong>de</strong>staco como foram importantes, respectivamente, em ambas nações:<br />
(1) a quebra <strong>de</strong> padrões na forma e no conteúdo do pensar e do criar e a temática do<br />
urbano;<br />
(2) a questão nacionalista; e<br />
(3) a crítica das mitificações acerca do nacional e do Estado como agente cultural.<br />
Embora aqui apresente esses três eixos temáticos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já (quero dizer, antes <strong>de</strong> me<br />
referir e citar fontes/objetos), o fato é que esses três eixos temporais/temáticos foram<br />
<strong>de</strong>finidos pouco a pouco; não vieram prontos. Foram <strong>de</strong>finidos após e em razão <strong>de</strong> ter eu<br />
realizado vaga e caótica leitura e observação da produção intelectual brasileira e mexic<strong>ana</strong> no<br />
princípio dos novecentos, assim como <strong>de</strong> pesquisadores, <strong>de</strong> diversas gerações, em análise<br />
<strong>de</strong>ssas conjunturas. Aqui os testo: endosso e complexifico. E admito: é preciso se investigar e<br />
criticar mais.<br />
Mas o fato é que a percepção cruzada dos universos intelectuais <strong>de</strong> Brasil e México,<br />
para minha surpresa, resultou, afinal, um tanto harmoniosa.<br />
É claro que não se po<strong>de</strong> falar em “homogeneida<strong>de</strong>” nem para o contexto <strong>de</strong> produção<br />
literária e artística brasileira, nem para o mexicano, quanto menos para ambos, colocados lado<br />
a lado. Porém, consi<strong>de</strong>ro que há sim todo um contorno relativamente harmônico quando<br />
sobrepomos ambas conjunturas.<br />
De maneira que, no inventário <strong>de</strong> exemplos que segue, embora <strong>de</strong>staque<br />
<strong>de</strong>ssemelhanças e características próprias <strong>de</strong> cada país, aponto que fundamentalmente houve<br />
algo como um movimento simétrico nos contextos brasileiro e mexicano. E <strong>de</strong>staco que, pelo<br />
fato <strong>de</strong> isso ter ocorrido em gran<strong>de</strong> medida <strong>de</strong> forma inconsciente, cabe a realização <strong>de</strong><br />
pesquisas mais radicais, sistêmicas e problematizadoras a respeito.<br />
I.<br />
Anais do <strong>XXI</strong> <strong>Encontro</strong> Estadual <strong>de</strong> História –<strong>ANPUH</strong>-<strong>SP</strong> - Campinas, setembro, 2012.<br />
2
A década <strong>de</strong> 1910, para a intelectualida<strong>de</strong> brasileira, foi uma década <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong>s<br />
e transformações. Como aponta Antonio Candido, eram entre nós os parnasianos os literatos<br />
<strong>de</strong> maior renome, sendo eles os mais expressivos e pouco <strong>de</strong>mocráticos representantes da<br />
Associação Brasileira <strong>de</strong> Letras. Contudo, já havia sintomas <strong>de</strong> inovação no trabalho dos<br />
simbolistas (CANDIDO, 2010: 135).<br />
É verda<strong>de</strong> que o simbolismo não tinha no Brasil a respeitabilida<strong>de</strong> do parnasianismo,<br />
seus poetas eram popularmente rotulados jovens boêmios que não podiam ser levados muito a<br />
sério, mas eles iam pouco a pouco imprimindo alterações significativas à noção <strong>de</strong> Literatura,<br />
no Brasil.<br />
Em Literatura e socieda<strong>de</strong> Candido pon<strong>de</strong>ra que os poetas simbolistas revelavam<br />
interesse por questões i<strong>de</strong>ológicas e estéticas, o que os diferenciava claramente dos<br />
parnasianos, cujas obras se caracterizavam por um naturalismo plástico e pouco mais. Sim, os<br />
simbolistas foram inovadores à sua maneira, porque apresentaram tanto um comportamento<br />
quando uma métrica e interesses literários um tanto mais “livres”, “soltos”.<br />
A vanguarda mo<strong>de</strong>rnista vai, assim, conforme a análise <strong>de</strong> Candido, tomar emprestado<br />
é do simbolismo esse curso <strong>de</strong> reflexão, <strong>de</strong> forma a investir mais e mais em pesquisa <strong>de</strong> temas<br />
e formas.<br />
Nas artes plásticas, sugere Sergio Miceli em Nacional estrangeiro, nas primeiras<br />
décadas do século XX tinha maior projeção a arte <strong>de</strong>corativa e figurativa, sobretudo retratos e<br />
naturezas mortas. E, a bem da verda<strong>de</strong>, a elite que bancava os jovens artistas não estava muito<br />
disposta a apostar em gran<strong>de</strong>s inovações; se comprava quadros ousados, não chegava a bancar<br />
algum projeto ainda não concluído. Ainda assim, tais mecenas foram bastante importantes<br />
para a renovação das artes no Brasil, financiando parentes e talentos em viagens para o<br />
exterior, trazendo exposições estrangeiras, e organizando em suas próprias residências o<br />
encontro com artistas <strong>de</strong> vários cantos do mundo (MICELI, 2003).<br />
Anita Malfatti foi a primeira artista plástica brasileira a organizar uma exposição<br />
pública com algo como uma pretensão <strong>de</strong> romper a estética tradicional. Não que o preten<strong>de</strong>sse<br />
claramente; na verda<strong>de</strong> Malfatti dispunha <strong>de</strong> um espírito dócil e quieto. Mas o fato <strong>de</strong> ter se<br />
proposto a inovar e ter enfrentado muitas críticas da opinião pública, <strong>de</strong>ntre as quais a <strong>de</strong><br />
Monteiro Lobato, em conhecido episódio, ajudou efetivamente a aglutinar jovens intelectuais<br />
brasileiros interessados na transformação das formas <strong>de</strong> se fazer literatura e arte no Brasil. E é<br />
a partir do contato que trocaram nesse momento que a pintora e o comovido poeta paulista<br />
Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> se tornam amigos (ROSSETI, 2006).<br />
Anais do <strong>XXI</strong> <strong>Encontro</strong> Estadual <strong>de</strong> História –<strong>ANPUH</strong>-<strong>SP</strong> - Campinas, setembro, 2012.<br />
3
A mudança nas concepções estéticas, assim, foi pouco a pouco não apenas se<br />
generalizando como ganhando um tom mais agudo e político no Brasil no início do século<br />
XX: é nesse clima que é promovida a célebre Sem<strong>ana</strong> da Arte Mo<strong>de</strong>rna; fala-se então com<br />
rigor do direito <strong>de</strong> se fazer uma arte livre e portanto nova.<br />
Mas notem: como po<strong>de</strong>mos observar nas obras <strong>de</strong> Malfatti comentadas por Lobato,<br />
por ocasião <strong>de</strong> sua segunda exposição individual, em 1917, e também nos primeiros livros <strong>de</strong><br />
poemas <strong>de</strong> Mário – Paulicéia <strong>de</strong>svairada (1922) e Lozango cáqui (1926) (isso sem contar<br />
evi<strong>de</strong>ntemente Há uma gota <strong>de</strong> sangue), a princípio as surpresas, sobretudo, foram formais.<br />
No caso <strong>de</strong> Malfatti, atentemos para os borrões vanguardistas, <strong>de</strong> inspiração em<br />
diversos pintores com quem ela convivera em passagens pela Alemanha e pelos Estados<br />
Unidos; e temática variada: <strong>de</strong>s<strong>de</strong> paisagens bem europeias, personagens estrangeiros, até<br />
Negra bai<strong>ana</strong>, <strong>de</strong> tom mais local, cujo nome foi apenas posteriormente alterado para Tropical.<br />
Os dois referidos livros <strong>de</strong> poemas <strong>de</strong> Mário tampouco fizeram muito mais do que<br />
romper com a métrica parnasi<strong>ana</strong> – o que evi<strong>de</strong>ntemente era muito. Mas falar da cida<strong>de</strong> e <strong>de</strong><br />
proce<strong>de</strong>res na cida<strong>de</strong> era coisa comum à Literatura, no Brasil; o que não era comum era fazê-<br />
lo àquela maneira. Note que Mário só começará a consi<strong>de</strong>rar o tema do tropical, do nacional,<br />
do brasileiro – e a trabalhar por uma construção, sistematização, evolução <strong>de</strong>ssa temática-<br />
tonalida<strong>de</strong> – bons anos mais tar<strong>de</strong>.<br />
Mas aqui, estejamos atentos: isso não quer dizer que os vanguardistas brasileiros<br />
voltassem as costas à tradição. Acredito que no Brasil seria impossível processarmos isso,<br />
porque nossa história é marcada <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong>s e arcaísmos (para além dos exotismos). No<br />
Prefácio interessantíssimo, que abre o livro Paulicéia <strong>de</strong>svairada, Mario assim se <strong>de</strong>nomina,<br />
provocativamente, “passadista”; e escreve: “ninguém po<strong>de</strong> se libertar <strong>de</strong> uma vez só das<br />
teorias-avós que bebeu; e o autor <strong>de</strong>ste livro seria hipócrita se preten<strong>de</strong>sse representar<br />
orientação mo<strong>de</strong>rna que ainda não compreen<strong>de</strong> bem” (ANDRADE, 1980: 14).<br />
Isso é, afinal, igualmente notável no traço e nas cores <strong>de</strong> Malfatti e Di Cavalcanti, à<br />
década <strong>de</strong> 1910. Não é mesmo? Há a mistura <strong>de</strong> traços, temas, cores, expressões mais<br />
clássicos com mais novos. Não há um fio condutor muito bem <strong>de</strong>limitado, não. Afinal, o<br />
propósito era fazer arte livre; e ainda não havia um “programa” mo<strong>de</strong>rnista (ou vários, como<br />
se verá adiante).<br />
Tampouco no México o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> ruptura estética, para a Literatura como para a Arte,<br />
surgiu prontamente. No caso dos literatos, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o século XIX tinha-se a consolidação do<br />
movimento chamado “mo<strong>de</strong>rnista”, o qual incluía escritores que trabalhavam tanto poemas<br />
Anais do <strong>XXI</strong> <strong>Encontro</strong> Estadual <strong>de</strong> História –<strong>ANPUH</strong>-<strong>SP</strong> - Campinas, setembro, 2012.<br />
4
em tom mais parnasiano, como tom mais simbolista. Esse grupo, do qual po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>stacar o<br />
nome <strong>de</strong> Enrique González Martínez, associável a expoentes estrangeiros como o<br />
nicaraguense Ruben Darío, seguiu sendo bastante expressivo pelas décadas <strong>de</strong> 1910 a 1930, e<br />
influenciou ou serviu como moeda política, ou alvo crítico – enfim, não passou em branco –<br />
para todos os escritores mexicanos que aqui serão citados (LEAL, 1946).<br />
González Martínez foi autor <strong>de</strong> um dos poemas mais <strong>ana</strong>lisados da História da<br />
Literatura no México: Tuércele el cuello al cisne. Ali, zomba da métrica e da inspiração<br />
plácida típica da primeira geração <strong>de</strong> poetas mo<strong>de</strong>rnistas mexicanos, mais claramente<br />
inspirada pelo parnasianismo. E assim, a <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> trabalhar com a estrutura <strong>de</strong> soneto e em<br />
métrica perfeita, a nós brasileiros faz lembrar Os sapos, <strong>de</strong> Manuel Ban<strong>de</strong>ira.<br />
A escolha do símbolo não é aleatória: a beleza, a perfeição, a brancura, a graciosida<strong>de</strong>,<br />
a pureza <strong>de</strong> tais aves era sempre reverenciada pelos primeiros mo<strong>de</strong>rnistas mexicanos. Mas<br />
vale pontuar que González Martínez não apenas <strong>de</strong>screve a aparência física <strong>de</strong> cisnes, como<br />
era comum entre os autores i<strong>de</strong>ntificáveis ao parnasianismo; ele <strong>de</strong>staca características<br />
subjetivas, compondo sutil prosopopeia metafórica: são impassíveis, “no sienten el alma <strong>de</strong><br />
las cosas ni la voz <strong>de</strong>l paisaje” tal como acreditava que andavam a fazer os poetas<br />
mo<strong>de</strong>rnistas mexicanos <strong>de</strong> vertente parnasi<strong>ana</strong>.<br />
É então que a coruja passa a ser exaltada como novo símbolo poético, nos versos <strong>de</strong><br />
González Martínez: ela não é bela, vive na escuridão das florestas, na noite, mas está sempre<br />
buscando mistérios a <strong>de</strong>svendar ao seu <strong>de</strong>rredor.<br />
Quer dizer: po<strong>de</strong>-se argumentar que foi <strong>de</strong>ntre os mo<strong>de</strong>rnistas, no México, que se<br />
abriu pouco a pouco espaço para a gestação <strong>de</strong> elementos que hoje são consi<strong>de</strong>rados típicos da<br />
estética <strong>de</strong> vanguarda.<br />
Os primeiros escritores que se consi<strong>de</strong>raram propriamente <strong>de</strong> vanguarda, no México,<br />
entretanto, criticaram esses mo<strong>de</strong>rnistas, e mesmo González Martínez, e se auto-<strong>de</strong>nominaram<br />
“estri<strong>de</strong>ntistas”. Se dizer “estri<strong>de</strong>nte” era uma forma <strong>de</strong> remeter ao dinamismo sonoro das<br />
cida<strong>de</strong>s e dos homens contemporâneos, vivendo aglomerados e trabalhando incessantemente<br />
nas fábricas e no campo, a serviço do industrialismo insipiente; era uma metáfora que aludia a<br />
algo que a escrita idílica mo<strong>de</strong>rnista ignorava, e que nos lembra o título da primeira revista<br />
vanguardista brasileira, a barulhenta Klaxon (KLICH, 2008).<br />
Os estri<strong>de</strong>ntistas partiram da movimentação individual do poeta veracruzano Manuel<br />
Maples Arce, que nos livros Andamios Interiores (1922) e Urbe (1924) apresentou<br />
composições que rompiam com a métrica e a atmosfera romântica das composições hispano-<br />
Anais do <strong>XXI</strong> <strong>Encontro</strong> Estadual <strong>de</strong> História –<strong>ANPUH</strong>-<strong>SP</strong> - Campinas, setembro, 2012.<br />
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mo<strong>de</strong>rnistas. De forma caleidoscópica, em seus versos Arce falava sobre a vida nas cida<strong>de</strong>s: a<br />
paisagem absurda, os trabalhadores cansados, as formas <strong>de</strong> se relacionar transformadas. (Bem<br />
semelhante ao tom <strong>de</strong> Mário em Paulicéia <strong>de</strong>svairada...)<br />
Os autores que se associaram a Arce – Liszt Azurbi<strong>de</strong> é outro nome importante –<br />
formaram uma frente bem organizada, ligada ao governo do estado <strong>de</strong> Veracruz, do qual Arce<br />
foi secretário. Pensavam esses autores em sua terra como um novo mundo, revolucionário, em<br />
transformação, em movimento, voltado para o futuro. E a chamaram Estri<strong>de</strong>ntópolis.<br />
Contrastará com essa postura engajada a <strong>de</strong> poetas ligados a González Martínez e seu<br />
filho, Enrique González Rojo. Sim, porque já em meados da década <strong>de</strong> 1920 na capital do país<br />
irá surgir um novo grupo vanguardista que não pretendia ser rotulado “grupo”, mas que<br />
trabalhou por propostas mais ou menos comuns, e pela edição <strong>de</strong> uma revista literária <strong>de</strong><br />
gran<strong>de</strong> repercussão: a revista Contemporáneos. Adiante retomarei os propósitos <strong>de</strong>sses<br />
autores, cruzando com propostas <strong>de</strong> autores brasileiros da época. Por enquanto cabe apenas<br />
apontar que a experiência da revista po<strong>de</strong> ser dividida em dois momentos: um primeiro bem<br />
marcado pela importância <strong>de</strong> Rojo, sob influência <strong>de</strong> Martínez; e um segundo um tanto mais<br />
livre, sob os auspícios <strong>de</strong> autores bem jovens: sobretudo Salvador Novo e Xavier Villaurrutia<br />
(SHERIDAN, 2003).<br />
II.<br />
No México, circularam entre os estri<strong>de</strong>ntistas pintores ditos “muralistas”, os quais<br />
trabalharam com uma arte narrativa e colossal, na qual partiam <strong>de</strong> influências expressionistas<br />
e traços primitivistas para abordar os mitos, a história e as utopias do México, em uma arte <strong>de</strong><br />
finalida<strong>de</strong>/propósito essencialmente públicos. Os muralistas – <strong>de</strong>ntre os quais se <strong>de</strong>stacam os<br />
nomes <strong>de</strong> los tres gran<strong>de</strong>s: Diego Rivera, Davi Alfaros Siqueiros e José Clemente Orozco –<br />
tiveram subsídio do governo fe<strong>de</strong>ral, e cobriram as pare<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> prédios<br />
governamentais, sobretudo após a chegada <strong>de</strong> Álvaro Obregón à presidência (1920) e a<br />
escolha <strong>de</strong> José Vasconcelos como Ministro da Educação e Cultura.<br />
O governo <strong>de</strong> Obregón correspon<strong>de</strong> a um primeiro momento <strong>de</strong> maior<br />
institucionalização da revolução. Na década <strong>de</strong> então, 1920, já havia maior estabilida<strong>de</strong> na<br />
estrutura administrativa fe<strong>de</strong>ral, e já não havia mobilizações tão disformes no campo, porque<br />
Emiliano Zapata, lí<strong>de</strong>r do sul, havia sido assassinado (1919), e o do norte, Pancho Villa, logo<br />
o seria (1923). Era, pois, momento <strong>de</strong> se rever a história da revolução, <strong>ana</strong>lisar os fatos<br />
<strong>de</strong>sdobrados <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1910, e propor à população geral uma versão que consolidasse/legitimasse<br />
Anais do <strong>XXI</strong> <strong>Encontro</strong> Estadual <strong>de</strong> História –<strong>ANPUH</strong>-<strong>SP</strong> - Campinas, setembro, 2012.<br />
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a forma como o po<strong>de</strong>r se organizava, agora. Foi exatamente por isso que Obregón convidou<br />
Vasconcelos – um influente intelectual – para trabalhar consigo. E foi por isso que<br />
Vasconcelos trabalhou até 1924.<br />
Vasconcelos <strong>de</strong>fendia que se revisse a imagem <strong>de</strong>preciativa do mexicano e também do<br />
ibero-americano em geral, e apresentou como lema da Universida<strong>de</strong> Nacional (agora<br />
mo<strong>de</strong>rnizada e reestruturada) a frase: “por mim raza hablará mi espíritu”. Apresentava-se,<br />
assim, avesso ao materialismo/objetivismo norte-americano, e <strong>de</strong>fendia um humanismo que<br />
supostamente caracterizaria os povos americanos colonizados por espanhóis e portugueses, no<br />
século XVI. O novo ministro da educação valorizou, então, por um lado, a arte popular<br />
mexic<strong>ana</strong>, o artes<strong>ana</strong>to local, a música provinci<strong>ana</strong>, mas também investiu na tradução edição<br />
<strong>de</strong> clássicos universas, e montagem <strong>de</strong> bibliotecas camponesas. O mexicano era, afinal, a seu<br />
ver, ibero-americano e universal. Devia resgatar sua auto-estima para melhor cuidar <strong>de</strong> sua<br />
terra e para inspirar posturas mais hum<strong>ana</strong>s aos estrangeiros.<br />
Nesse momento não apenas Vasconcelos mas muitos outros pensadores mexicanos se<br />
<strong>de</strong>dicam a falar do que seria e <strong>de</strong>veria ser o mexicano; um outro bom exemplo é o professor<br />
<strong>de</strong> Filosofia, Antonio Caso, autor <strong>de</strong> Discursos a la nación mexic<strong>ana</strong> (1922).<br />
Quanto à Literatura, importante lembrar que o poeta mexicano tido como o primeiro<br />
vanguardista nacional, Maples Arce, propunha composições <strong>de</strong> temática urb<strong>ana</strong> e<br />
cosmopolita, em linguagem ca<strong>de</strong>idoscópica; entretanto, faz-se mister aqui <strong>de</strong>stacar que essas<br />
composições contrastavam nitidamente com os manifestos estético-i<strong>de</strong>ológicos que o próprio<br />
Maples Arce redigiu. Nos tais manifestos o tom era tradicionalista e nacionalista; bem<br />
conforme o gosto <strong>de</strong> Vasconcelos e Obregón. Neles citava fatos da história mexic<strong>ana</strong>, hábitos<br />
alimentares e festas populares, expressões orais e chistes.<br />
Eles eram, aliás, bem parecidos com os manifestos <strong>de</strong> Oswald na estrutura, e pelo fato<br />
<strong>de</strong> fazerem menção a temas também presentes nos manifestos <strong>de</strong> Oswald.<br />
Se pensarmos bem, aliás, facilmente atentamos para o fato <strong>de</strong> que também a política<br />
cultural <strong>de</strong> Vasconcelos se aproximava às i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> Oswald, expostas tanto no Manifesto Pau-<br />
Brasil (1924) – a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> uma Literatura <strong>de</strong> exportação – como no Manifesto antropófago<br />
(1928) – a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> uma cultura nacional essencialmente e pretensamente híbrida.<br />
Se observarmos a produção artística brasileira da época, temos que Tarsila do Amaral,<br />
que também teve formação europeia, voltou ao Brasil já ante os impactos da Sem<strong>ana</strong>, da qual<br />
não participou. Seu Abaporu, criado com certeza sob influência do marido, Oswald <strong>de</strong><br />
Andra<strong>de</strong>, dialogava com a proposta antropófaga.<br />
Anais do <strong>XXI</strong> <strong>Encontro</strong> Estadual <strong>de</strong> História –<strong>ANPUH</strong>-<strong>SP</strong> - Campinas, setembro, 2012.<br />
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E mesmo Mário fará uma curva em seus propósitos literários a partir <strong>de</strong> Clã do jaboti<br />
(1927), no qual figuram os famosos poemas O poeta come amendoim, e os Dois poemas<br />
acreanos, nos quais aborda explicitamente a tomada do <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> falar sobre brasilida<strong>de</strong>. E no<br />
qual figura também muitas outras composições que tomam o Brasil como tema (festas,<br />
geografia, tipos populares) e, sobretudo, a estrutura das lendas nacionais, o modo <strong>de</strong> se<br />
expressar do brasileiro comum, com gírias e or<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias – coisas que Oswald vinha<br />
fazendo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> Memórias sentimentais <strong>de</strong> João Miramar e Poesia Pau-brasil (ambos 1924).<br />
III.<br />
Marca o surgimento <strong>de</strong> uma nova década intelectual, no Brasil, o <strong>de</strong>sentendimento<br />
entre Sérgio Buarque <strong>de</strong> Holanda e o grupo mo<strong>de</strong>rnista, em 1926. É verda<strong>de</strong> que antes disso<br />
aquele movimento que se pretendia “grupo”, mas que no mais das vezes correspondia à<br />
expressão <strong>de</strong> diversas individualida<strong>de</strong>s, tinha sido <strong>de</strong>senhado <strong>de</strong> rixas e rompimentos oficiais.<br />
Não apenas o Grupo Anta se posicionou politicamente distinto, ao <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r o integralismo,<br />
mas também Oswald acabou rompendo com Graça Aranha, e <strong>de</strong>pois com o inseparável amigo<br />
Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>. Entretanto, po<strong>de</strong>mos dizer que foi Sergio – que respeitou Aranha como<br />
um mestre, e amou a Mário e Oswald – quem teve um profundo senso <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong> ao<br />
publicar, em 1926, um texto crítico <strong>de</strong> todo o movimento, com concessões mais suaves<br />
apenas para à Antropofagia; e ainda assim bastante crítico a ela (HOLANDA, 1996).<br />
Sérgio percebia, pois, e <strong>de</strong>clarava formalmente que o mo<strong>de</strong>rnismo trabalhara na<br />
construção <strong>de</strong> uma Literatura nacional pelas vias da mitificação, e se sentia <strong>de</strong>sconfortável<br />
com isso. Via o mo<strong>de</strong>rnismo servindo ao Estado getulista e se <strong>de</strong>cepcionava. Largou a<br />
carreira na capital carioca, doou todos os livros <strong>de</strong> sua biblioteca, e foi viver no interior do<br />
estado do Espírito Santo.<br />
É claro que Sergio não era o único insatisfeito. Literatos <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> renome, ligados à<br />
Sem<strong>ana</strong>, já ousavam trabalhar temáticas variadas, para além do nacional: Carlos Drummond<br />
<strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, Murilo Men<strong>de</strong>s, e Manuel Ban<strong>de</strong>ira são bons exemplos disso. Assim, o primeiro<br />
passou a se interessar mais e mais pela condição internacional do trabalhador explorado e da<br />
guerra suja, embora não tenha <strong>de</strong>ixado <strong>de</strong> falar em mineirida<strong>de</strong> assim como <strong>de</strong> fazer a crítica<br />
da situação política do Brasil <strong>de</strong> então. O segundo, também mineiro, interessou-se sobretudo<br />
pelo um sentido universalista da religião católica. E o terceiro, que publicara em 1930 o<br />
emblemático livro <strong>de</strong> poemas Libertinagem, <strong>de</strong>clarou-se afinal crítico inclusive do projeto <strong>de</strong><br />
Oswald: “Pau-brasil. Eu protesto. O nome é comprido <strong>de</strong>mais. Bastaria dizer poesia pau. Por<br />
Anais do <strong>XXI</strong> <strong>Encontro</strong> Estadual <strong>de</strong> História –<strong>ANPUH</strong>-<strong>SP</strong> - Campinas, setembro, 2012.<br />
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inteiro: Manifesto da Poesia Pau. Porque é poesia <strong>de</strong> programa e toda arte <strong>de</strong> programa é pau.<br />
Aborrecem os poetas que se lembram <strong>de</strong> nacionalida<strong>de</strong> quando fazer versos. Eu quero ser<br />
eventualmente mistura <strong>de</strong> turco com sírio-libanês. Quero ter o direito <strong>de</strong> falar ainda na<br />
Grécia” (BORGES PINTO, 2001: 454).<br />
Interessante, então, que Ban<strong>de</strong>ira falasse justamente na Grécia. Porque no México, a<br />
partir <strong>de</strong> 1932, houve uma querela contun<strong>de</strong>nte entre a segunda geração dos editores da<br />
revista Contemporáneos e intelectuais mais tradicionalistas e esquematicamente nacionalistas,<br />
e essa querela passou justamente pelo profundo interesse que esses novos poetas tinham pela<br />
poesia clássica grega. Pelo interesse pela poesia grega, foram taxados <strong>de</strong> alienados,<br />
<strong>de</strong>scomprometidos com o sentido revolucionário, com os interesses nacionais, e, a<strong>de</strong>mais,<br />
afeminados. E <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ram o direito <strong>de</strong> acessar a Literatura dita “universal” como Literatura<br />
também sua (afinal, entendiam o México não como uma realida<strong>de</strong> à parte, mas integrada à<br />
Europa, ao mundo).<br />
Em outras palavras: interessante (ok!), mas também óbvio que Ban<strong>de</strong>ira e a segunda<br />
geração dos Contemporáneos falassem em Grécia, certo? Ban<strong>de</strong>ira e os Contemporáneos<br />
foram intelectuais igualmente engajados num sentido cosmopolita, universalista <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />
e arte.<br />
Outro ponto que consi<strong>de</strong>ro relevante: o professor da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Gu<strong>ana</strong>juato<br />
Andreas Kurz afirma, em artigo recente, que há um círculo <strong>de</strong> reflexão em torno da<br />
mexicanida<strong>de</strong> que se abre com La raza cósmica e <strong>de</strong> fecha com El perfil <strong>de</strong>l hombre y la<br />
cultura en México (1934), escrito por Samuel Ramos. Isso porque esse filósofo ensaísta,<br />
oriundo do estado <strong>de</strong> Michoacán, <strong>de</strong>ixava em seu livro <strong>de</strong> propor uma alegoria do homem<br />
americano, do homem tropical, do homem mexicano, para refletir sobre as imagens que o<br />
mexicano teria <strong>de</strong> si; para refletir criticamente sobre o que até então se havia elaborado a<br />
respeito. Em muitos pontos, assim, El perfil... se aproxima <strong>de</strong> Raízes do Brasil, clássico livro<br />
do <strong>de</strong>cepcionado Sérgio Buarque <strong>de</strong> Holanda (KURZ, 2008).<br />
As artes plásticas também foram influenciadas por essa nota dissonante, no México,<br />
que cortava com navalha crítica o tema da nacionalida<strong>de</strong>. É claro que los tres gran<strong>de</strong>s<br />
circularam entre os Contemporáneos. Ramos, aliás, foi amigo íntimo <strong>de</strong> Rivera, a quem<br />
<strong>de</strong>dicou alguns estudos. No primeiro <strong>de</strong>les, publicado na década <strong>de</strong> 1950 junto a reproduções<br />
impressas <strong>de</strong> trabalhos do muralista, abordou a importância política da arte (DEL VALLE,<br />
1965: 53).<br />
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Entretanto, Ramos não <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> <strong>de</strong>stacar os perigos <strong>de</strong> assim se incorrer em<br />
simplificação e doutrinação (ao invés <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, que seria a seu ver o sentido, a razão<br />
primeira <strong>de</strong> se fazer e investir em arte).<br />
Porém, esses jovens poetas interessados pela liberda<strong>de</strong> e pelo novo valorizaram e<br />
divulgaram o trabalho também <strong>de</strong> outros jovens pintores mexicanos, <strong>de</strong>ntre os quais o<br />
excepcional Rufino Tamayo (MADRIGAL, 2008).<br />
A opinião oficial <strong>de</strong> Villaurrutia sobre Tamayo, aliás, variou um tanto do final da<br />
década <strong>de</strong> 1920 até a década <strong>de</strong> 1930; e essa variação tem claras conexões com o que estamos<br />
tratando por agora: a reação cada vez mais clara dos Contemporáneos contra uma arte a<br />
serviço do Estado, contra uma arte assim pautada na mitificação do nacional. Bom, quem já<br />
teve o prazer <strong>de</strong> conhecer os quadros <strong>de</strong> Tamayo sabe que ele não usava a linguagem<br />
narrativa, grandiosa e figurativa dos muralistas. Tamayo explorava cores, texturas, mesclando<br />
técnicas estrangeiras e colorido tropical; além <strong>de</strong> temáticas várias, quase sempre bem simples.<br />
Sendo assim, o elogio do poeta vanguardista mexicano esteve a princípio no fato do<br />
pintor, mesmo não lançando mão <strong>de</strong> uma “forma/fórmula” cunhada nacional, partir –<br />
indiscutivelmente - <strong>de</strong> uma “sensibilida<strong>de</strong>” mestiça, mexic<strong>ana</strong>, primitiva, local. Com o tempo,<br />
e a batalha em torno ao tema acirrada, Villaurrutia afinou o discurso e passou a pontuar que<br />
Tamayo <strong>de</strong>veria ser prezado sobretudo por ser único, por ser atual, por ser rebel<strong>de</strong> e livre.<br />
No Brasil da década <strong>de</strong> 1930, temos a valorização do trabalho <strong>de</strong> Candido Portinari. É<br />
certo que ele passou esse período viajando pelo mundo, mas sua arte foi então conhecida no<br />
exterior e aqui como uma arte genuinamente brasileira (ANDRES, 2005).<br />
Interessante o fato <strong>de</strong> que Portinari passou a trabalhar justamente a estética frente a<br />
qual Tamayo se pretendia como alternativa. Sim, investiu no muralismo, e conferiu<br />
características bem próprias à base <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias mexic<strong>ana</strong>s; características aliás que vinham <strong>de</strong><br />
encontro a <strong>de</strong>mandas do pensamento brasileiro à época. Isso porque aqui vivíamos a<br />
consolidação do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> Getúlio Vargas, e Portinari, membro do Partido Comunista, em sua<br />
grandiosa arte pública trabalhou a temática da miséria, da fome, da guerra e da ausência <strong>de</strong><br />
liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão. Sua arte narrativa não chegou a ser, <strong>de</strong>starte, tão mítica; correspondia<br />
mais a um <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> <strong>de</strong>núncia do que <strong>de</strong> elaboração <strong>de</strong> sentidos referenciais <strong>de</strong> nacionalida<strong>de</strong>.<br />
Tal como Sérgio Buarque e Samuel Ramos, aliás.<br />
Consi<strong>de</strong>rações finais<br />
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Ora, como anunciado a princípio não foi minha intenção explorar razões para as<br />
referidas semelhanças entre o universo intelectual brasileiro e mexicano, e sim tão somente<br />
organizar essas semelhanças (caóticas, disformes, variadas) num quadro articulado.<br />
Contudo, acredito que, a título <strong>de</strong> finalização <strong>de</strong>sta apresentação, faz-se mister propor<br />
duas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> caminhos a serem percorridos em futuras investigações, que se<br />
<strong>de</strong>diquem a explorar essas razões. Cabe, primeiramente, consi<strong>de</strong>rar algumas trocas que se<br />
teriam processado, <strong>de</strong> forma silenciosa ou tímida, singular ou <strong>de</strong>slocada, frágil ou<br />
fragmentada. Pois fato é que, em última instância, algumas iniciativas existiram no sentido <strong>de</strong><br />
uma maior integração entre a produção cultural brasileira e mexic<strong>ana</strong> no início dos<br />
novecentos: a atuação <strong>de</strong> José Vasconcelos como ministro mexicano que <strong>de</strong>fendia a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />
uma “raça ibero-americ<strong>ana</strong>” é o exemplo mais lembrado <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> iniciativa; mas tivemos<br />
também a revista América Brasileira (1922-1924).<br />
Em segundo lugar, cabe consi<strong>de</strong>rar dialeticamente razões internas a cada um dos<br />
países consi<strong>de</strong>rados e também externas, as quais teriam mobilizado <strong>de</strong>mandas comuns a<br />
autores e artistas que em gran<strong>de</strong> parte se <strong>de</strong>sconheceram.<br />
Po<strong>de</strong>-se partir, <strong>de</strong>sta apresentação, logo, para uma comparação “entre comparáveis”,<br />
quer dizer, que consi<strong>de</strong>re marcos nacionais e pontes materiais que ligaram essas nações nos<br />
referidos recortes temporais. Porém também para uma comparação “entre incomparáveis”, <strong>de</strong><br />
forma a – tal como propôs Detienne – nos <strong>de</strong>spertar para a reflexão acerca <strong>de</strong> questões<br />
filosóficas mais amplas, tal como, por exemplo, o conceito e a “essência” da<br />
latinoamericanida<strong>de</strong>.<br />
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