cesar agenor fernandes da silva - ANPUH-SP - XXI Encontro ...
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HOMENS DE LETRAS, IMPRENSA, CIÊNCIA E A CIVILIZAÇÃO NO BRASIL:<br />
LITERATURA, ECONOMIA POLÍTICA E CIÊNCIA NO PERIODISMO FLUMINENSE<br />
OITOCENTISTA<br />
CÉSAR AGENOR FERNANDES DA SILVA 1<br />
RESUMO: Em 10 de maio de 1808, no Rio de Janeiro, foi revoga<strong>da</strong> a proibição para a instalação e<br />
funcionamento de tipografias no Brasil. Surgiram, nesse momento, uma gama varia<strong>da</strong> de escritos e escritores<br />
nacionais que formaram, em pouco tempo, uma “literatura nacional” – na concepção mais abrangente do século<br />
XIX. Entretanto, o que lastreava o pensamento dos intelectuais desse período eram as ideias produzi<strong>da</strong>s no<br />
continente europeu, pois acreditava-se que a Europa era o local onde se desenvolvia uma “cultura técnica e<br />
literariamente superior”. Para tanto, a nascente elite intelectual brasileira composta por professores de primeiras<br />
letras e <strong>da</strong> Real Academia militar, homens ligados aos negócios de Estado, naturalistas, políticos, entre outros<br />
lançaram mão <strong>da</strong>s letras impressas para difundir suas ideias e, sobretudo, seu pensamento político. Sobre essa<br />
ação que o presente trabalho se debruçará com o objetivo de compreender como a imprensa associa<strong>da</strong> aos novos<br />
conhecimentos desempenhou papel fun<strong>da</strong>mental nos planos para a nova nação. Nesse sentido, investigamos uma<br />
série de 40 publicações periódicas que foram produzi<strong>da</strong>s e circulavam pela Corte do Reino Unido e,<br />
posteriormente, do Império do Brasil na primeira metade do século XIX. Ao longo desse período, pode-se<br />
perceber que os homens que se dedicaram a ampliar e espalhar essa “cultura superior” no país, iluminar a vi<strong>da</strong>,<br />
tirar o homem <strong>da</strong> apatia e <strong>da</strong>s trevas <strong>da</strong> ignorância acreditavam que era papel dos intelectuais levar as “boas<br />
novas” aos seus semelhantes e também dotar o Estado, os campos, as ativi<strong>da</strong>des civis e o dia-a-dia de uma ação<br />
mais racionaliza<strong>da</strong>. Os homens de letras criaram modelos ideais de comportamento, vestimenta e conduta moral<br />
apontando, assim, os caminhos que a socie<strong>da</strong>de deveria seguir para se civilizar. Foi por meio <strong>da</strong> plataforma<br />
literária que a palavra escrita impressa em livros, periódicos, panfletos, etc., passou a criar uma maneira própria<br />
de a intelligentsia brasiliense representar e expressar “o mundo” e de dotar o país de uma cultura nacional. A<br />
imprensa periódica foi uma <strong>da</strong>s ferramentas mais importantes utiliza<strong>da</strong>s por esses homens para fazer circular o<br />
conhecimento com maior abrangência e amplitude. Os temas técnicos e científicos ao lado <strong>da</strong> literatura, <strong>da</strong>s<br />
narrativas de viagem e dos ensaios de economia política nela veiculados foram elementos que compuseram de<br />
maneira ímpar a nascente cultura escrita além de serem parâmetros que contribuíram na definição de país que os<br />
intelectuais construíram ao longo <strong>da</strong> primeira metade do século XIX.<br />
PALAVRAS-CHAVE: Periodismo; Inteligência brasileira; Rio de Janeiro oitocentista.<br />
Entendemos por literatura os movimentos do pensamento e a sua expressão e<br />
transmissão por meio <strong>da</strong>s palavras. O primeiro supõe o raciocínio e por conseguinte<br />
o talento, a imaginação, a firmeza de espírito e a instrução. E o segundo o<br />
conhecimento <strong>da</strong> língua própria, e a elocução nos discursos verbais e o estilo nos<br />
escritos. O primeiro para ser eminente e original supõe, além <strong>da</strong>s facul<strong>da</strong>des<br />
exprimi<strong>da</strong>s, o gênio ou, o que é o mesmo, uma facul<strong>da</strong>de poderosamente criadora; o<br />
segundo, a eloqüência.<br />
O Cruzeiro do Sul, n.1, 1849, p.5<br />
A perspectiva e o ritmo <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> do fluminense livre nos primeiros decênios do século<br />
XIX foram alterados e alargados substancialmente. A abertura dos portos não simbolizou<br />
apenas uma maior participação <strong>da</strong> Colônia na dinâmica economia moderna, mas também a<br />
possibili<strong>da</strong>de de seus habitantes tomarem contato mais íntimo com a cultura européia. O porto<br />
que recebeu a Corte em 1808 também recebeu muitos outros visitantes. Naturalistas,<br />
impressores, médicos, professores, aventureiros, prostitutas, padeiros, chapeleiros, retratistas,<br />
1 Doutor em História pela Universi<strong>da</strong>de Estadual Paulista – Unesp campus de Franca. Professor dos cursos de<br />
História, Relações Internacionais, Direito e Comunicação Social <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Católica de Santos –<br />
Unisantos. Pesquisador do Cnpq, coordena o projeto de pesquisa temático “Fronteiras Transitórias: o processo de<br />
construção histórico <strong>da</strong>s identi<strong>da</strong>des <strong>da</strong> baixa<strong>da</strong> Santista (1870-1996)”.<br />
Anais do <strong>XXI</strong> <strong>Encontro</strong> Estadual de História –<strong>ANPUH</strong>-<strong>SP</strong> - Campinas, setembro, 2012.
marceneiros, engenheiros, militares, missionários, <strong>da</strong>guerreotipistas, comerciantes de diversos<br />
tratos, entre tantos outros. 2 Alguns só estavam de passagem, outros vieram para ficar. A<br />
esperança era geral. Os administradores joaninos acreditavam que a presença dos estrangeiros<br />
traria modos civilizados para o Brasil e aju<strong>da</strong>ria a desenvolver a economia e a socie<strong>da</strong>de –<br />
crença manti<strong>da</strong> no período imperial. Já os estrangeiros que vinham fixar residência no país,<br />
esses estavam atrás de novas oportuni<strong>da</strong>des, de ganhar e fazer a vi<strong>da</strong> em uma nova terra.<br />
A cultura estrangeira, porém, não foi simplesmente copia<strong>da</strong> pelo brasileiro. Como em<br />
todo processo de contato entre culturas diferentes, o que ocorreu foi uma a<strong>da</strong>ptação de hábitos<br />
e costumes. Os indivíduos pertencentes aos estratos médio e alto <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de do período, ao<br />
mesmo tempo que encaravam o sol escal<strong>da</strong>nte <strong>da</strong>s ruas vestidos à inglesa ou à francesa,<br />
escarravam em público e expunham roupa de cama e tapeçarias nas janelas. Já os populares<br />
incorporaram poucos destes costumes, a<strong>da</strong>ptando-os às suas práticas cotidianas.<br />
Por vezes, as cama<strong>da</strong>s populares resistiram à influência européia. A figura do<br />
estrangeiro, eleita pelas elites como a representante <strong>da</strong> civilização, foi também alvo de<br />
chacota e hostili<strong>da</strong>de. Essa “antipatia” manifestou-se nas festas populares, como o entrudo, e<br />
nas pia<strong>da</strong>s e apelidos <strong>da</strong>dos ao estrangeiro. Gilberto Freyre descreve esta tensão nos seguintes<br />
termos:<br />
Dois sistemas socioculturais que se defrontaram no espaço e no tempo estu<strong>da</strong>dos:<br />
um sistema encarnado pelos ingleses, outro pelos brasileiros, ou pelos lusobrasileiros.<br />
Não se espante ninguém de ver o moleque incluído entre os<br />
representantes do sistema brasileiro: ele foi por excelência o caricaturista do intruso,<br />
o que o insultou nas ruas, o que o reduziu a Ju<strong>da</strong>s no sábado de aleluia, o que o<br />
macaqueou nas troças de carnaval, ridicularizando-o em proveito <strong>da</strong> cultura<br />
invadi<strong>da</strong>. Foi quem propagou os qualificativos pejorativos do inglês no Brasil: bode,<br />
missa-seca, bíblia (quando protestantes), gringo, baeta, bicho, beef, marinheiro.<br />
[...]<br />
Pois enorme como foi a influência britânica no Brasil, a cultura técnica e<br />
literariamente superior não agiu de modo absoluto, ou sempre soberanamente, sobre<br />
a inferior. Do contato dos britânicos com a socie<strong>da</strong>de brasileira resultaram também<br />
influências brasileiras sobre a cultura do povo imperial (FREYRE, 2000, p.45).<br />
Malgrado, no entanto, as antipatias e resistências, os homens de letras apreciavam<br />
muito os valores e conhecimentos desenvolvidos no Velho Mundo, pois consideravam que a<br />
Europa era o local onde se desenvolvia uma “cultura técnica e literariamente superior”. Ao<br />
2 O coronel Maler, em 1817, fez a seguinte observação sobre a presença ca<strong>da</strong> vez maior de franceses e outros<br />
estrangeiros no Rio de Janeiro: “O número de franceses nesta capital aumenta consideravelmente; as duas<br />
últimas naves que chegaram trouxeram mais 54 pessoas, <strong>da</strong>s quais a maioria são artesãos. Muitos outros são<br />
anunciados como vindos diretamente <strong>da</strong> França e de portos dos Estados Unidos. O governo português considera<br />
com boa vontade essas chega<strong>da</strong>s, mas esse é o único apoio que lhes é proporcionado. Parece óbvio que, por<br />
menos que se pense em protegê-los e ajudá-los desde seu embarque, este país [o Brasil] faria aquisições muito<br />
importantes que teriam uma influência fun<strong>da</strong>mental para a prosperi<strong>da</strong>de dessa comuni<strong>da</strong>de.” (apud DUMNOT,<br />
2009, p.109-110).<br />
Anais do <strong>XXI</strong> <strong>Encontro</strong> Estadual de História –<strong>ANPUH</strong>-<strong>SP</strong> - Campinas, setembro, 2012.<br />
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longo dos primeiros decênios do século XIX, esses homens se dedicaram a ampliar e espalhar<br />
essa “cultura superior” no país. Aos olhos <strong>da</strong> inteligência brasileira os gaiatos de rua, os<br />
escravos, os moleques, os vadios e a populaça em geral careciam de bons modos e de uma<br />
moral condizente com os novos tempos. As odes à razão, à valorização <strong>da</strong>s letras, os<br />
incentivos para a introdução de novas invenções, a abertura de fábricas, oficinas e casas de<br />
comércio por nacionais e estrangeiros, a fun<strong>da</strong>ção de instituições de ensino superior, como a<br />
Real Academia Militar (e posteriormente as facul<strong>da</strong>des de Medicina, Direito e Belas Artes), a<br />
ampliação <strong>da</strong> instrução a partir de um método sistematizado de ensino (Método Lancasteriano<br />
e o Imperial Colégio Pedro II), a maior circulação de impressos em geral, tudo isso, sem<br />
exceção, fez parte do movimento que estava sendo promovido na tentativa de desenvolver a<br />
cultura <strong>da</strong>s letras e <strong>da</strong>s ciências no país.<br />
O projeto de transformar o Brasil por meio <strong>da</strong> razão fez parte de um movimento que<br />
não ocorreu apenas por aqui, mas em todo o Ocidente. O Iluminismo foi o grande motor<br />
dessas transformações. O movimento intelectual que emergiu no século XVIII europeu foi o<br />
principal alicerce para novas formas de vi<strong>da</strong> e de sociabili<strong>da</strong>de. Os princípios iluministas<br />
deram origem a uma série de novas práticas sociais. Esquadrinhar e regrar a vi<strong>da</strong>,<br />
redimensionar as relações políticas, classificar os objetos <strong>da</strong> natureza, definir os padrões de<br />
normali<strong>da</strong>de, educar e disciplinar a mente e o corpo eram elementos comuns <strong>da</strong>s tópicas<br />
iluministas que passaram gra<strong>da</strong>tivamente a fazer parte <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s pessoas.<br />
Era papel dos intelectuais levar as “boas novas” aos seus semelhantes. No Brasil,<br />
assim como em diversas regiões do Ocidente, emergia uma nova categoria de pensadores: o<br />
intelectual “universal” (FOUCAULT, 1979, p.1-14). Esse intelectual falava em nome <strong>da</strong><br />
humani<strong>da</strong>de, versava sobre como o mundo deveria ser. Ele propunha uma nova forma de vi<strong>da</strong><br />
e, em seus textos, defendia que as socie<strong>da</strong>des deveriam entrar, obrigatoriamente, em uma<br />
nova era <strong>da</strong> história <strong>da</strong> civilização. Nesse novo período, to<strong>da</strong> a humani<strong>da</strong>de deveria seguir o<br />
mesmo destino, no qual a justiça, a liber<strong>da</strong>de, o progresso e as luzes fossem toma<strong>da</strong>s como<br />
valores universais.<br />
Esse tipo ideal de pensador descendia do “jurista notável”, responsável por trazer as<br />
grandes questões provenientes do final do século XVIII à pauta do novo século. Porém, a luta<br />
pelo agora girava em torno <strong>da</strong> conservação e ampliação “<strong>da</strong>quilo que é justo por razão e por<br />
natureza, <strong>da</strong>quilo que pode e deve valer universalmente” (FOUCAULT, 1974). O “jurista<br />
notável” se transmutou, no início do século XIX, na figura do “grande escritor”, ou “escritor<br />
genial”, aquele que “empunha sozinho os valores de todos, que se opõe ao soberano ou aos<br />
governantes injustos e faz ouvir seu grito até na imortali<strong>da</strong>de” (FOUCAULT, 1974, p.10-11).<br />
Anais do <strong>XXI</strong> <strong>Encontro</strong> Estadual de História –<strong>ANPUH</strong>-<strong>SP</strong> - Campinas, setembro, 2012.<br />
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Muitos dos nossos homens de letras se enquadram nesse perfil, pois no decorrer do<br />
oitocentos, sobretudo por meio <strong>da</strong> palavra impressa, dedicaram-se a combater o que eles<br />
julgavam ser obstáculos para o desenvolvimento do país.<br />
Hipólito <strong>da</strong> Costa pode ser citado como um exemplo desse tipo de intelectual, pois, ao<br />
longo de quatorze anos, dedicou-se a escrever um magazine para combater o que entendia<br />
como arbitrarie<strong>da</strong>des cometi<strong>da</strong>s pelo absolutismo português 3 e promover a civilização no<br />
“novo Império do Brasil”. 4 Muitos outros seguiram seu exemplo, pois o re<strong>da</strong>tor do Correio<br />
Braziliense não foi o único a fazer esse tipo de reclamação junto ao sistema político e social<br />
do período. 5 O Correio Braziliense ocupou aí um lugar especial, na medi<strong>da</strong> em que o discurso<br />
de Hipólito <strong>da</strong> Costa e suas metas eram, em larga medi<strong>da</strong>, comuns aos de outros intelectuais<br />
luso-brasileiros que atuavam tanto no Rio de Janeiro quanto em Londres, Paris e, por vezes,<br />
em Lisboa.<br />
As Belas Letras produzi<strong>da</strong>s no Brasil ao longo do século XIX, sobretudo nos primeiros<br />
decênios, representam para muitos historiadores e estudiosos a emergência de um pensamento<br />
tipicamente nacional. 6 Buscava-se uma origem que distinguisse e caracterizasse o povo<br />
brasileiro. Os homens de letras criaram modelos ideais de comportamento, vestimenta e<br />
conduta moral. Além disso, apontaram os caminhos que a socie<strong>da</strong>de deveria seguir para se<br />
civilizar. Foi por meio <strong>da</strong> plataforma literária que a palavra escrita impressa em livros,<br />
periódicos, panfletos, etc., passou a criar uma maneira própria de a intelligentsia brasiliense<br />
representar e expressar “o mundo” e de dotar o país de uma cultura nacional. Essa cultura<br />
escrita brasileira é fun<strong>da</strong><strong>da</strong> em, pelo menos, três elementos fun<strong>da</strong>mentais: a orali<strong>da</strong>de<br />
(SILVA, 1999, p.561-577), as narrativas de viagem e o florescimento de uma cultura técnico-<br />
científica.<br />
O conhecimento técnico-científico era, nos planos dos homens de letras, indissociável<br />
<strong>da</strong> idéia de civilização e progresso. A imprensa periódica foi uma <strong>da</strong>s ferramentas mais<br />
importantes utiliza<strong>da</strong>s por esses homens para fazer circular o conhecimento com maior<br />
abrangência e amplitude. Os temas técnicos e científicos nela veiculados foram elementos que<br />
compuseram de maneira ímpar a nascente cultura escrita. Ao lado <strong>da</strong> literatura, <strong>da</strong>s narrativas<br />
de viagem e dos ensaios de economia política – temáticas sempre trata<strong>da</strong>s por to<strong>da</strong> a imprensa<br />
3 Não podemos deixar de salientar que a figura de D. João não era diretamente ataca<strong>da</strong>, as farpas eram<br />
direciona<strong>da</strong>s em sua maior parte aos ministros de Estado, aos gestores de Lisboa, pois Hipólito <strong>da</strong> Costa defendia<br />
a permanência do poder do soberano e o devido respeito a sua figura.<br />
4 Em muitas ocasiões Hipólito <strong>da</strong> Costa utilizou o termo para dimensionar a importância <strong>da</strong> transferência <strong>da</strong><br />
Corte para o Rio de Janeiro e as novas possibili<strong>da</strong>des que se abriam para o império luso-brasileiro.<br />
5 Sobre os debates em torno <strong>da</strong> formação <strong>da</strong> nova nação nos trópicos ver LUSTOSA, 2000.<br />
6 A respeito ver (SÜSSEKIND, 1990; CANDIDO, 1997; 2000; MARTINS, 1957; 1977-78; FRANÇA , 1999).<br />
Anais do <strong>XXI</strong> <strong>Encontro</strong> Estadual de História –<strong>ANPUH</strong>-<strong>SP</strong> - Campinas, setembro, 2012.<br />
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– os artigos sobre ciência e técnica fizeram parte <strong>da</strong> definição de país que os letrados<br />
construíram ao longo <strong>da</strong> primeira metade do século XIX.<br />
A imprensa periódica 7 floresceu tanto no Brasil quanto nos outros países <strong>da</strong> América.<br />
Em to<strong>da</strong>s os lugares, os papéis assumidos por ela foram, relativamente, similares. 8 O papel<br />
educativo <strong>da</strong> imprensa, exposto nos capítulos anteriores, baseava-se numa crença que<br />
considerava...<br />
[...] o poder <strong>da</strong>s ideias de aprimorar a socie<strong>da</strong>de, e a convicção de que a imprensa<br />
periódica, veiculando ideias, tinha grande potencial para educar o público. Os<br />
periódicos eram muitas vezes descritos como eficientes ‘difusores de luz’, como<br />
‘propagadores de ideias pela socie<strong>da</strong>de e como indispensáveis instrumentos de<br />
progresso (PALLARES-BURKE, 1998, p.146-147).<br />
No Brasil, os instrumentos para o progresso estavam à mão. A impressão de material<br />
escrito foi autoriza<strong>da</strong> em 1808. A partir desse momento diversos tipos de impressos passaram<br />
a fazer parte do cotidiano brasileiro, especialmente do fluminense, que pôde adquirir seus<br />
livros, panfletos e periódicos de maneira muito mais fácil. As i<strong>da</strong>s à Rua do Ouvidor – com<br />
suas lojas varia<strong>da</strong>s – para adquirir livros diretamente nas tipografias ou nas casas dos livreiros<br />
(brasileiros e franceses), gra<strong>da</strong>tivamente, tornou-se um hábito, pelo menos para a parcela<br />
letra<strong>da</strong> e abasta<strong>da</strong> <strong>da</strong> população.<br />
Com a liberação <strong>da</strong>s letras imprensas, surgiu uma cultura escrita produzi<strong>da</strong><br />
sistematicamente no Brasil. As letras foram, então, toma<strong>da</strong>s como um dos mais importantes<br />
elementos para o desenvolvimento <strong>da</strong> civilização entre nós. Periódicos, folhetos, livros,<br />
opúsculos foram escritos e impressos no Brasil com o intuito de promover as luzes e fomentar<br />
o desenvolvimento do futuro país. Foi no período joanino que teve início, como definiu<br />
Antônio Cândido (1997), a Aufklärung brasileira.<br />
Um tipo específico de publicação surgiu nesse momento: as auto-intitula<strong>da</strong>s Revistas<br />
Literárias, que não tratavam apenas de literatura. Eram publicações seria<strong>da</strong>s que, ao trazerem<br />
à luz os mais diversos temas, atendiam a deman<strong>da</strong> social por novas ideias e hábitos, sobretudo<br />
no Rio de Janeiro, sede <strong>da</strong> corte brasileira. Os periódicos noticiavam os acontecimentos e<br />
novi<strong>da</strong>des do Velho Mundo e <strong>da</strong> política internacional, publicavam poemas, novelas, papéis<br />
7 Vale, no entanto, uma importante ressalva: a maior parte dos periódicos editados no Rio de Janeiro no século<br />
XIX teve vi<strong>da</strong> efêmera. Normalmente chegavam a sua sétima edição e logo depois eram encerra<strong>da</strong>s, porém, o<br />
número de publicações seria<strong>da</strong>s na Corte cresceu constantemente com o passar dos anos. Uma <strong>da</strong>s prováveis<br />
causas <strong>da</strong> efemeri<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s publicações pode ser atribuí<strong>da</strong> aos altos custos de impressão – questão que os<br />
re<strong>da</strong>tores sempre se queixavam em seus editoriais.<br />
8 Ain<strong>da</strong> nos primeiros decênios do século XIX temos, por exemplo, no Chile, em 1818, a publicação do “El<br />
Duende de Santiago”, que queria acima de tudo “fomentar a educação do vulgo”. Alguns anos antes, em 1811,<br />
surge no México o “El Mentor Mexicano”, que imputava a si próprio a missão de acabar com a “ignorância<br />
popular” (PALLARES-BURKE, 1998, p.147).<br />
Anais do <strong>XXI</strong> <strong>Encontro</strong> Estadual de História –<strong>ANPUH</strong>-<strong>SP</strong> - Campinas, setembro, 2012.<br />
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oficiais 9 e comerciais, avisos variados, anúncios, documentos históricos, relações de viagem,<br />
avanços técnicos e científicos, debates políticos etc. Nesse sentido, podemos afirmar que a<br />
imprensa no Brasil teve um caráter mais formativo do que informativo. O tamanho em<br />
páginas de ca<strong>da</strong> publicação variava bastante: algumas tinham 6 páginas, outras 100 por<br />
número, mas a maioria possuía entre 20 e 30 páginas. Os responsáveis por essas publicações<br />
eram homens ligados de alguma forma ao Estado, pois eram, geralmente, professores de<br />
primeiras letras, do colégio Pedro II ou <strong>da</strong> Real Academia Militar ou, ain<strong>da</strong>, fiscais de<br />
freguesia, de alfândega, funcionários de segundo escalão, entre outros.<br />
Diferentemente do que acontece em nossos dias, nos quais o jornal é descartável, os<br />
periódicos oitocentistas eram encadernados e encarados como coleções. Em muitos casos,<br />
apresentavam numeração contínua, ou seja, se a primeira edição terminasse na página 50, a<br />
segun<strong>da</strong> começaria na 51. Os jornais eram, ao final de um determinado período – trimestre,<br />
semestre, ano etc., dependendo do seu tamanho –, encadernados e vendidos em tomos como<br />
uma espécie de enciclopédia. A propósito, esses periódicos seguiam o modelo do<br />
conhecimento enciclopédico emergente no século XVIII, que era apresentar e abor<strong>da</strong>r uma<br />
diversi<strong>da</strong>de de temas numa mesma publicação, com o objetivo de educar seu leitor e de servir<br />
como um material para consultas.<br />
Em 1813, na introdução do número de estreia d’O Patriota: Jornal Litterario,<br />
Político, Mercantil &c., 10 uma <strong>da</strong>s publicações literárias mais importantes do início do século<br />
XIX, o editor ressaltou o papel <strong>da</strong>s letras <strong>da</strong> seguinte maneira:<br />
É uma ver<strong>da</strong>de, conheci<strong>da</strong> ain<strong>da</strong> pelos menos instruídos, que sem a prodigiosa<br />
invenção <strong>da</strong>s letras, haveriam sido muito lentos os progressos nas Ciências, e nas<br />
Artes. Por elas o Europeu transmite ao seu antípo<strong>da</strong> as suas descobertas, e as mais<br />
doces sensações <strong>da</strong> nossa alma, os nossos mesmos suspiros (para falar com Pope)<br />
voam do pólo á Índia [...]. voa a despeito <strong>da</strong>s injúrias do tempo, e prende<br />
remotíssimos anéis <strong>da</strong> cadeia não interrompi<strong>da</strong> dos erros do entendimento, e dos<br />
crimes do coração humano (O Patriota - Jornal Literário, Político e Mercantil &c.,<br />
v.1, n.1, jan., 1813).<br />
A Nitheroy, revista brasiliense, edita<strong>da</strong> na França em 1836, no seu primeiro número,<br />
apresentou a seus leitores brasileiros um “Ensaio sobre a história <strong>da</strong> literatura”, no qual dá a<br />
seguinte definição desse gênero de escrito:<br />
A literatura de um povo é o desenvolvimento do que ele tem de mais sublime nas<br />
9 Leia-se documentação do governo.<br />
10 O Patriota foi o segundo periódico literário e científico produzido pela inteligência brasileira. O primeiro<br />
magazine cultural do Brasil, segundo Hélio Vianna (1945), foi a revista As Varie<strong>da</strong>des ou Ensaios de Literatura<br />
<strong>da</strong> Bahia. O Patriota trouxe em suas páginas resenhas críticas, traduções de autores inéditos no Brasil como<br />
Voltaire, por exemplo, poemas de poetas nacionais, entre outros assuntos ligados às letras e às ciências.<br />
Anais do <strong>XXI</strong> <strong>Encontro</strong> Estadual de História –<strong>ANPUH</strong>-<strong>SP</strong> - Campinas, setembro, 2012.<br />
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ideias, de mais filosófico no pensamento, de mais heróico na moral, e de mais belo<br />
na Natureza, é o quadro animado de suas virtudes, e de suas paixões, o despertador<br />
de sua glória, e o reflexo progressivo de sua inteligência. E quando esse povo, ou<br />
essa geração desaparece <strong>da</strong> superfície <strong>da</strong> Terra com to<strong>da</strong>s as suas instituições, suas<br />
crenças, e costumes, a Literatura só escapa aos rigores do tempo, para anunciar as<br />
gerações futuras qual fora o caráter do povo, do qual é ela o único representante na<br />
posteri<strong>da</strong>de (Niterói, revista brasiliense letras e artes, 1836).<br />
Além do papel e lugar <strong>da</strong> chama<strong>da</strong> Literatura no desenvolvimento <strong>da</strong> nação, os<br />
editores na mesma edição <strong>da</strong> Nitheroy apresentam uma reflexão sobre o papel dos periódicos<br />
na veiculação dos conhecimentos científicos. Não destoando <strong>da</strong>s concepções em voga,<br />
ofereceram ao público a possibili<strong>da</strong>de de tomar contato com os conhecimentos mais<br />
atualizados no campo técnico-científico. Os re<strong>da</strong>tores afirmavam que os leitores poderiam<br />
encontrar nas páginas <strong>da</strong>s revistas os resultados de “trabalhos fadigosos” sobre diversos<br />
temas. Com isso, as revistas se prestavam ao papel de um rápido e instrutivo guia de consulta,<br />
pois os subscritores não precisariam ler textos científicos densos e cansativos (Nitheroy,<br />
1836, p.5-6). A efêmera Nitheroy ressaltou a importância <strong>da</strong> divulgação e desenvolvimento do<br />
conhecimento científico no país por meio <strong>da</strong> imprensa periódica:<br />
O amor do país, e o desejo de ser útil aos seus conci<strong>da</strong>dãos foram os únicos<br />
incentivos, que determinaram os autores desta obra a uma empresa que, excetuando<br />
a pouca glória, que caber-lhes pode, nenhum outro proveito lhes funde.<br />
Há muito reconheciam eles a necessi<strong>da</strong>de de uma obra periódica, que, desviando a<br />
atenção pública, sempre ávi<strong>da</strong> de novi<strong>da</strong>des, <strong>da</strong>s diárias e habituais discussões sobre<br />
causas de pouca utili<strong>da</strong>de, e o que é mais, de questões sobre a vi<strong>da</strong> priva<strong>da</strong> dos<br />
ci<strong>da</strong>dãos, os acostumasse a refletir sobre os objetos de bem comum, e de glória <strong>da</strong><br />
pátria.<br />
Tal é o fim a que se propõem os autores desta Revista, reunindo to<strong>da</strong>s as suas forças<br />
para apresentar em um limitado espaço considerações sobre to<strong>da</strong>s as matérias, que<br />
devem merecer a séria atenção do Brasileiro amigo <strong>da</strong> glória nacional.<br />
As obras volumosas e especiais só atraem a atenção de alguns homens exclusivos,<br />
que de todo se dedicam às ciências; aqueles, porém, que por sua posição não podem<br />
sacrificar o tempo à longa meditação, folgam, quando em pequeno livro, contendo<br />
noções varia<strong>da</strong>s e precisas, encontram um manancial, que lhes economiza o trabalho<br />
de in<strong>da</strong>gações, e o enojo de um longo estudo, colhendo n’uma hora o resultado de<br />
um ano de fadigas (Niterói, revista brasiliense letras e artes, 1836, p.5-6).<br />
Dez anos antes, em 1826, ao comemorar o sucesso do primeiro número do Jornal<br />
Scientífico, 11 os re<strong>da</strong>tores José Vitorino dos Santos e Sousa e Felisberto Inácio Januário<br />
Cordeiro escreveram um artigo exemplar sobre a finali<strong>da</strong>de educativa <strong>da</strong> publicação e o<br />
público a que se destinavam os conteúdos técnicos e científicos nela veiculados:<br />
11 O Jornal Scientifico, Economico e Litterario ou Collecao de varias peças, memorias, relacoens, viagens,<br />
poesias e anedotas, foi redigido por José Vitorino dos Santos e Sousa e Felisberto Inácio Januário Cordeiro. O<br />
Jornal Scientifico foi divulgado de maio a julho de 1826, dividido em três números que compuseram um único<br />
volume. Na folha de rosto dos dois primeiros números havia uma ilustração com um dos símbolos <strong>da</strong> maçonaria<br />
(pirâmide com um olho no topo, como impresso nas cédulas <strong>da</strong> moe<strong>da</strong> norte-americana), que no terceiro número<br />
foi suprimi<strong>da</strong>.<br />
Anais do <strong>XXI</strong> <strong>Encontro</strong> Estadual de História –<strong>ANPUH</strong>-<strong>SP</strong> - Campinas, setembro, 2012.<br />
7
E para os constituirmos ca<strong>da</strong> vez mais interessantes ao mesmo Público<br />
diligenciamos, por todos os meios e modos, que estiverem ao alcance de nossas<br />
facul<strong>da</strong>des, não só enriquecê-los com descrições interessantes, e artigos noticiosos,<br />
que tenham, por assim dizermos, imediato contato com os progressos <strong>da</strong> civilização,<br />
e <strong>da</strong> prosperi<strong>da</strong>de do Brasil; mas aperfeiçoá-los, evitando cui<strong>da</strong>dosamente os<br />
defeitos, e as incorreções [...].<br />
Os mais sábios, (que são, to<strong>da</strong>via, aqueles que melhor avaliarão nossos trabalhos, e<br />
que mais desculparão nossos involuntários erros e defeitos) e os mais poderosos<br />
Ci<strong>da</strong>dãos Brasileiros, são, inegavelmente, os que menos carecem <strong>da</strong> continuação do<br />
nosso Jornal, – já por terem uns vasta lição, e mesmo amplo conhecimento de tudo,<br />
ou quase tudo quanto nós publicarmos, –– e já porque outros, ain<strong>da</strong> quando não<br />
estejam n’ambos os casos, possuem contudo superabun<strong>da</strong>ntes facul<strong>da</strong>des de haver,<br />
por meio de efetivas correspondências, encomen<strong>da</strong>s e compras, todos quantos livros<br />
pretendem ter, para assim adquirirem mais ampla lição <strong>da</strong>s obras de que nos<br />
servirmos. Os menos ilustrados, e os mais destituídos de facul<strong>da</strong>des pecuniárias, ao<br />
contrário, reconhecendo que, pelas subscrições que fizeram para o nosso Periódico,<br />
podem pelo fácil e cômodo meio <strong>da</strong> leitura de seus continuados e diversos Números<br />
vantajosamente recrear-se e muito instruir-se; e além disso tirar partido, para o<br />
melhoramento de utili<strong>da</strong>des e de cômodos de sua vi<strong>da</strong>. Das traduções, notícias e<br />
descrições que ofertarmos, estimarão sem dúvi<strong>da</strong>, que prossigamos na nossa tarefa<br />
literária, e abençoarão o nosso zelo, e as nossas intenções (Jornal Scientifico,<br />
Economico e Litterario, n.2, 1826, p.95-96).<br />
As descobertas científicas divulga<strong>da</strong>s, em muitas ocasiões, recebiam a denominação<br />
de Artes, sobretudo quando os avanços eram referentes a questões técnicas de diversas áreas,<br />
como a arquitetura e a náutica. A invenção do pára-raios, de tecidos não inflamáveis, de<br />
máquinas para fazer pão e outros artigos para a indústria foram trata<strong>da</strong>s como novas<br />
descobertas <strong>da</strong>s artes. Na imprensa brasileira do período, a palavra Arte (que vem do grego<br />
Tchné) ganhou o mesmo sentido de Técnica, como no jornal O Patriota (1813-1814), editado<br />
por Manuel Ferreira de Araújo Guimarães, com a colaboração de alguns ministros de D. João<br />
no Rio de Janeiro. O magazine, na seção dedica<strong>da</strong> às “Artes”, publicou textos cujos conteúdos<br />
tocavam em questões técnico-científicas, como “Novo modo de refinar assucar”,<br />
“Branqueação <strong>da</strong> cera” e “Memorias sobre as novas fornalhas para cozer o assucar”.<br />
Esta concepção de Artes também está muito liga<strong>da</strong> à ideia de indústria. Entretanto, o<br />
termo indústria, nos primeiros decênios do século XIX, incorporava outra definição, pois se<br />
aplicava tanto a um conjunto de fábricas e manufaturas quanto aos indivíduos que poderiam<br />
ter indústria ou ser industriosos, ou seja, expressava uma quali<strong>da</strong>de que os súditos num<br />
primeiro momento e os ci<strong>da</strong>dãos no pós-independência deveriam ter. José <strong>da</strong> Silva Lisboa, em<br />
1810, no primeiro texto não oficial saído dos prelos <strong>da</strong> Imprensa Régia deu a seguinte<br />
definição do termo:<br />
A indústria é um termo ain<strong>da</strong> não exatamente definido. Em geral, nas matérias<br />
econômicas, se entende como sinônimo de trabalho ativo e assíduo. Assim diz-se<br />
que é industrioso um homem que trabalha com viveza constantemente para ganhar a<br />
sua vi<strong>da</strong>; e se chama a um preguiçoso, e inerte um homem sem indústria. Porém<br />
Anais do <strong>XXI</strong> <strong>Encontro</strong> Estadual de História –<strong>ANPUH</strong>-<strong>SP</strong> - Campinas, setembro, 2012.<br />
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mais ordinariamente se aplica aquele termo ao trabalho engenhoso, que executa com<br />
algum considerável grau de inteligência, para se distinguir do mero grosseiro<br />
trabalho braçal, e, com esta especiali<strong>da</strong>de se usa de tal nome para se exprimir o<br />
trabalho exercido nas artes e manufaturas mais refina<strong>da</strong>s. Assim diz-se que um país<br />
tem muita indústria, quando tem mais fábricas (LISBOA, 2001, p.222).<br />
Em 1822, o jornal intitulado Annaes fluminenses de ciências ofereceu uma definição<br />
<strong>da</strong> palavra Arte e demarcou a sua importância:<br />
Desta sorte compreende-se de baixo do nome Artes todo o sistema de<br />
conhecimentos, que é possível reduzir a regras invariáveis, e independentes do<br />
capricho, e <strong>da</strong> opinião, pois que a odiosa distinção de Mecânicas, e Liberais com<br />
razão é conheci<strong>da</strong> pelos Políticos como filha só dos tempos de barbari<strong>da</strong>de, e que<br />
não podem ser admiti<strong>da</strong>s neste século, em que a razão do homem esclarecido, tanto<br />
a palheta do Apheles, ao cinzel do Escultor, como a charrua do Cultivador, ao<br />
báculo e à rede do Pastor, e Pescador. To<strong>da</strong>s as Artes úteis são tanto mais nobres,<br />
quanto mais necessárias para a manutenção <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de: só é desprezível o crime<br />
na pessoa dos que cometem, sejam eles nobres, ou plebeus; mas sempre é louvável<br />
aquele que pelo seu trabalho honesto e assíduo é útil à socie<strong>da</strong>de (Annaes<br />
Fluminenses de Sciencias, Artes e Literatura, n.1, jan 1822, p.4).<br />
No “plano <strong>da</strong> obra” do Annaes Fluminenses o re<strong>da</strong>tor, José Vitorino dos Santos e<br />
Sousa, definiu alguns conceitos sobre o sistema científico. No interior desse sistema também<br />
foram definidos os termos técnica e tecnologia. A tecnologia ou a “filosofia <strong>da</strong>s artes” era o<br />
resultado <strong>da</strong> junção entre as artes práticas e as ciências especulativas. Em outras palavras,<br />
tratava-se <strong>da</strong> associação do trabalho do técnico com o conhecimento adquirido por meio do<br />
método científico. Essa definição, diga-se de passagem, foi predominante ao longo do século<br />
XIX no Brasil. No mesmo artigo a utili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> tecnologia para o desenvolvimento <strong>da</strong><br />
socie<strong>da</strong>de também foi realça<strong>da</strong>:<br />
[...] a Filosofia <strong>da</strong>s Artes, ou Tecnologia, que mostra a possível união sistemática<br />
<strong>da</strong>s Artes práticas com as Ciências especulativas, desperta os sábios naturalistas,<br />
matemáticos e políticos, cujas máximas devem ter to<strong>da</strong> a correlação com o<br />
adiantamento <strong>da</strong>s Artes, e Manufaturas, para que encham o grande vazio, que se<br />
acha entre as Ciências abstratas, ou especulativas, e a prática <strong>da</strong>s funções, que têm<br />
imediato uso na vi<strong>da</strong> comum, de modo que achando-se um erudito nas oficinas<br />
mecânicas, nem lhe pareça achar-se em um mu2ndo novo entre objetos, de que não<br />
compreende o uso, e seus Artistas que tornam em ridículo a sua presumi<strong>da</strong> erudição,<br />
quando ele não tem familiari<strong>da</strong>de com a prática de sua Arte (d) (Annaes<br />
Fluminenses de Sciencias, Artes e Literatura. Rio de Janeiro: Typ. de Santos e<br />
Sousa, Tomo 1, n.1, janeiro 1822, p.15-16).<br />
(d) O Grande Filósofo Heráclito era encontrado muitas vezes na Oficina de um<br />
Ferreiro, e a resposta que <strong>da</strong>va a gente de pouca inteligência, que se maravilhava de<br />
ver ali, era dizer-lhe: eis aqui a oficina, aonde se criam os Deuses, são pois os<br />
filósofos os mais esclarecidos Auxiliadores <strong>da</strong>s Artes, quando têm, além <strong>da</strong><br />
instrução, a docili<strong>da</strong>de necessária para tratar com os Artistas a fim de concorrerem<br />
mutuamente a perfeição <strong>da</strong>s práticas, e <strong>da</strong>s Teorias (Ibid., nota de ro<strong>da</strong>pé D, p.16).<br />
Essa idéia de técnica e tecnologia expressa nos periódicos brasileiros estava em acordo<br />
com as concepções modernas sobre a temática. A técnica, na passagem do século XVIII para<br />
Anais do <strong>XXI</strong> <strong>Encontro</strong> Estadual de História –<strong>ANPUH</strong>-<strong>SP</strong> - Campinas, setembro, 2012.<br />
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o XIX, ganhava uma nova dimensão, distanciando-se do setecentos, quando ain<strong>da</strong> estava sob<br />
o domínio <strong>da</strong>s corporações de ofício. 12 Dominar o ofício era, então, prerrogativa dos artesãos,<br />
que detinham o segredo por trás de seu labor. Os mistérios na passagem do setecentos para o<br />
oitocentos deram lugar ao conhecimento amplo, pois “o desven<strong>da</strong>r dos segredos, já agora<br />
divulgados nos livros e nas enciclopédias, serve a novas formas de poder” (GAMA, 1979-<br />
1981, p.155-156). Os filósofos e naturalistas defendiam a necessi<strong>da</strong>de de articulação do saber<br />
prático com o saber teórico: to<strong>da</strong> ferramenta e técnica de trabalho deveria incorporar o<br />
pensamento racional. Com essa nova forma de poder sobre o trabalho, a operação <strong>da</strong><br />
maquinaria e dos inventos não mais necessitava de um conhecimento elaborado, mas apenas<br />
de treinamento. Os artesãos tornaram-se trabalhadores assalariados na Europa. No Brasil, os<br />
técnicos estrangeiros ocuparam um espaço vago há muito tempo; já os escravos, na maioria<br />
<strong>da</strong>s ocasiões, serviram como uma espécie de operários.<br />
Em um discurso proferido na Academia de Ciências de Lisboa, no ano de 1815, José<br />
Bonifácio de Andra<strong>da</strong> e Silva salienta a importância <strong>da</strong> aplicação dos conhecimentos técnicos<br />
e científicos no cotidiano; ouçamo-lo:<br />
Quando fin<strong>da</strong>rá de uma vez entre nós a disputa renhi<strong>da</strong> e fútil entre os Teóricos e<br />
Práticos?<br />
É certo que nas Artes a experiência é a mãe <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>deira Teoria; mas é certo<br />
também que uma sã Teoria é a mestra <strong>da</strong> genuína prática (GAMA, 1979-1981,<br />
p.156).<br />
Em 1826, José Vitorino dos Santos e Sousa em parceria com Felisberto Inácio<br />
Januário Cordeiro, no Jornal econômico, científico e literário, avançaram no tema e<br />
chamaram a atenção para a necessi<strong>da</strong>de de ampliação, por meio <strong>da</strong> Imprensa Literária, do<br />
conhecimento técnico-científico na socie<strong>da</strong>de brasileira:<br />
E serão, por uma espécie de não merecimento do fatalismo, os Povos do precioso e<br />
invejado Brasil, tão indolentes, ou tão indiferentes para os progressos de sua<br />
ilustração científica, e de seus conhecimentos úteis, – para com seu bem-estar,<br />
dizemos, que omissa e repugnantemente prescin<strong>da</strong>m de aproveitar-se, pelo meio<br />
fácil e cômodo <strong>da</strong> publicação de Jornais Literários, <strong>da</strong>s importantes utili<strong>da</strong>des que<br />
lhes podem resultar <strong>da</strong>s notícias de tais descobertas, e dos melhoramentos adquiridos<br />
pelas Nações mais cultas e industriosas; – e que, por consequência deixem (como se<br />
carecessem de ver<strong>da</strong>deiro zelo patriótico) de diligenciar, imitar, aperfeiçoar, e<br />
mesmo nacionalizar os descobrimentos, as invenções, as máquinas, as construções,<br />
os estabelecimentos fabris, e as escolas <strong>da</strong>s Ciências e Artes? (Jornal Scientifico,<br />
Economico e Litterario, n.1, 1826, p.6).<br />
Em 1835, O Auxiliador <strong>da</strong> indústria nacional, periódico publicado pela Socie<strong>da</strong>de<br />
12 Aboli<strong>da</strong>s no Brasil apenas na Constituição de 1824.<br />
Anais do <strong>XXI</strong> <strong>Encontro</strong> Estadual de História –<strong>ANPUH</strong>-<strong>SP</strong> - Campinas, setembro, 2012.<br />
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Auxiliadora <strong>da</strong> Indústria Nacional, 13 trouxe uma reflexão acerca <strong>da</strong> Ciência que, além de<br />
traçar um panorama do papel que estes conteúdos ocupariam no desenvolvimento <strong>da</strong><br />
civilização entre nós, mostra bem a concepção sobre o tema no período.<br />
Graças à Filosofia moderna, Aristóteles deixou de ser um oráculo, e todos os ramos<br />
<strong>da</strong>s Ciências Matemáticas e Físicas têm feito prodigiosos progressos! O peso do ar,<br />
suspeitado por Bacon, e demonstrado por Torricelli; a atração, que o mesmo Bacon<br />
percebera, e que Newton provara evidentemente, submetendo-a a cálculo; a inversão<br />
<strong>da</strong>s Lentes, e <strong>da</strong> Óptica, assim como a <strong>da</strong>s Ciências e Artes que lhe são relativas; a<br />
perfeição dos conhecimentos Astronômicos; a criação <strong>da</strong> Química; a decomposição<br />
<strong>da</strong> água e do ar; as sábias teorias relativas à combustão, à eletrici<strong>da</strong>de, ao<br />
galvanismo, ao magnetismo, à cristalografia, às afini<strong>da</strong>des, à composição e<br />
decomposição dos corpos; a descoberta do calórico e <strong>da</strong> luz; a do oxigênio e dos<br />
metais; a redução <strong>da</strong>s terras, dos álcalis, dos ácidos e dos sais; a precisão <strong>da</strong>s<br />
medi<strong>da</strong>s, geodesias e <strong>da</strong>s determinações geográficas; a <strong>da</strong>s observações dos<br />
Naturalistas e dos Físicos modernos; o aperfeiçoamento dos instrumentos destinados<br />
a fazê-las; a determinação <strong>da</strong>s medi<strong>da</strong>s e dos pesos específicos; o melhoramento <strong>da</strong><br />
Mecânica, <strong>da</strong> Hidráulica, e de to<strong>da</strong>s as Ciências, que lhe são anexas; o nascimento<br />
<strong>da</strong> Anatomia compara<strong>da</strong>, e sua aplicação á Fisiologia, e também à Medicina, as<br />
demonstrações <strong>da</strong> circulação do sangue, <strong>da</strong> formação do quilo, dos fenômenos <strong>da</strong><br />
respiração, <strong>da</strong> digestão e <strong>da</strong> geração: to<strong>da</strong>s estas descobertas, e outras muitas que<br />
foram contemporâneas, têm por fim destruído todos esses sistemas absurdos,<br />
debaixo de cujo peso a ignorância dos antigos comprimia por longo tempo a Ciência<br />
e gênio dos modernos.<br />
Agora Socie<strong>da</strong>des Patrióticas e sábias, derrama<strong>da</strong>s por to<strong>da</strong> a parte, estu<strong>da</strong>m a<br />
antigui<strong>da</strong>de e a natureza. Por to<strong>da</strong> a parte se colhem fatos para aumentar a massa dos<br />
conhecimentos úteis, e os Literatos de todos os países os coligem para os vulgarizar,<br />
enquanto os Artistas mais hábeis se ocupam em fazer deles as mais importantes<br />
aplicações (O Auxiliador <strong>da</strong> indústria nacional, n.1, v.1, 1835, p.3-4).<br />
O jornal A Sciencia, em 1847, aponta os caminhos tomados pelas ciências desde que o<br />
homem passou a orientar a sua vi<strong>da</strong> pelo conhecimento racional e destaca a importância do<br />
conhecimento científico na socie<strong>da</strong>de brasileira. A epígrafe do magazine trazia os seguintes<br />
dizeres: “Cari<strong>da</strong>de sem limites, Ciências sem privilégios (J. V. Martins e Mello Moraes)”. Em<br />
seu prospecto, os responsáveis fizeram um balanço geral sobre as ciências em seus mais<br />
diversos ramos e defenderam que faltava pouco para que o conhecimento enciclopédico fosse<br />
completado no século XIX, pois químicos, físicos, botânicos e naturalistas estavam próximos<br />
de encontrar as leis que regiam todo o universo e a vi<strong>da</strong> humana. A idéia central exposta no<br />
jornal era a de que a ciência era um conhecimento universal, aplicável a to<strong>da</strong> a humani<strong>da</strong>de.<br />
Fun<strong>da</strong>do com o objetivo de defender e divulgar o conhecimento <strong>da</strong> medicina homeopática,<br />
sua introdução e muitos dos seus textos faziam críticas ao atual estado <strong>da</strong> medicina pratica<strong>da</strong><br />
no país. A Sciencia abriu seus trabalhos <strong>da</strong> seguinte maneira:<br />
A idéia religiosa esvaeceu-se. Os divinos arquétipos que cintilavam na inteligência<br />
dos Platões, dos Pitágoras, do S. Thomas, sumiram-se sob aluviões dos séculos<br />
13 Sobre esta socie<strong>da</strong>de ver o estudo de Heloisa Maria Bertol Domingues em DANTES, 2001, p.83-110.<br />
Anais do <strong>XXI</strong> <strong>Encontro</strong> Estadual de História –<strong>ANPUH</strong>-<strong>SP</strong> - Campinas, setembro, 2012.<br />
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filosóficos ou bárbaros. A análise, o método de indução, a lenta observação dos<br />
fatos, eis tão somente os únicos e últimos recursos deixados ao espírito do homem<br />
para compreender as maravilhas <strong>da</strong> criação, que os gênios <strong>da</strong>s i<strong>da</strong>des primitivas<br />
abraçaram na compreensão de uma deslumbrante intuição.<br />
Deser<strong>da</strong>do do conhecimento do princípio universal, o homem tem sido forçado a<br />
construir uma a uma a numerosa família <strong>da</strong>s ciências; mas uma esperança<br />
consoladora o tem sustentado nesta árdua tarefa; esta esperança é a de chegar um dia<br />
à CIÊNCIA<br />
Esta tarefa hoje está quase preenchi<strong>da</strong>. A anatomia compara<strong>da</strong> ata entre si todos os<br />
ramos <strong>da</strong> zoologia; os fenômenos <strong>da</strong> química e <strong>da</strong> física; a mesma sociabili<strong>da</strong>de<br />
humana se prende a princípios gerais; e a lei que rege os astros torna-se lei do<br />
gênero humano. A obra enciclopédica em vão empreendi<strong>da</strong> no último século, é já<br />
mais acessível, e se não é possível hoje, ao menos estamos cônscios que ela o será<br />
amanhã.<br />
To<strong>da</strong>via existe uma lacuna importante no magnífico conjunto dos conhecimentos<br />
modernos. Um deserto medonho, por sua nudez, ficou coberto de areias movediças;<br />
e pareça repelir a cultura que tem fecun<strong>da</strong>do a vasta campina dos conhecimentos<br />
humanos. A medicina ficou estacionária no meio dos incessantes progressos <strong>da</strong><br />
humani<strong>da</strong>de; enquanto tudo se tem coordenado em torno de luminosos faróis, ela tão<br />
somente ficou mergulha<strong>da</strong> nas trevas do caos, <strong>da</strong>s quais debalde têm tentado evadirse<br />
há três mil anos. O homem, que pondera os mundos ambulados no espaço, ignora<br />
as leis <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, a razão <strong>da</strong> saúde e <strong>da</strong> enfermi<strong>da</strong>de. Todos os sábios têm métodos<br />
apropriados aos seus diferentes gêneros de estudo: o médico unicamente impotente<br />
no descobrir ações curativas, pede às ciências acessórias o que elas não podem <strong>da</strong>r.<br />
O astrônomo na imensi<strong>da</strong>de dos espaços, o químico e o físico no mundo dos<br />
imponderáveis, deparam com o infinito na meta de todos os seus cálculos; o médico,<br />
tão somente ignora a ação dos agentes infinitesimais, e maravilha-se quando um<br />
homem de gênio vem em fim pô-la ao nível <strong>da</strong>s idéias vulgares. Em outras palavras,<br />
as ciências existem já, e to<strong>da</strong>s convergirão para um centro comum, se a vergonhosa<br />
imperfeição <strong>da</strong> medicina não tivesse por tanto tempo posto obstáculo insuperável a<br />
este derradeiro progresso que se não pode operar senão de uma maneira unitária (A<br />
Sciencia, ano 1, n 1, 1847, p.1).<br />
O interesse por esses temas estava ligado à cultura científica que se queria imprimir<br />
em larga escala. Foi constante, nas páginas dos periódicos, a defesa <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de de se<br />
aplicar um trabalho racional aos diversos setores <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de brasileira oitocentista, ain<strong>da</strong><br />
que, muito do que foi veiculado em relação às memórias, 14 melhoramentos e métodos fosse<br />
direcionado, sobretudo, para a agricultura. O discurso do Brasil como um “gigante pela<br />
própria natureza” e detentor de um enorme potencial natural emergiu no começo do século<br />
XIX <strong>da</strong>s penas de José Bonifácio, Hipólito <strong>da</strong> Costa, José <strong>da</strong> Silva Lisboa e de to<strong>da</strong> uma leva<br />
de intelectuais do período pré e imediatamente posterior à Independência do país.<br />
O Jornal Scientífico, em 1826, trouxe alguns artigos que tratavam do tema, como os<br />
ensaios “Ciências e Artes” e “História Natural”. A defesa e a necessi<strong>da</strong>de de ampliação de tal<br />
conhecimento, especialmente no que toca à aclimatação de plantas, foi insistentemente<br />
defendido, não apenas pelos re<strong>da</strong>tores do Scientifico, mas por outros jornalistas ao longo dos<br />
primeiros decênios do século XIX. Não foi por acaso que o tema <strong>da</strong>s plantas esteve sempre<br />
associado à Agricultura e ao clima do país. De acordo com os re<strong>da</strong>tores:<br />
14 Alguns dos artigos técnicos recebiam o nome de memória, como “Memória sobre a cultura dos algodoeiros,<br />
por Manoel Arru<strong>da</strong> <strong>da</strong> Câmara”. O Patriota, v.1, n.1, 1813, p.22.<br />
Anais do <strong>XXI</strong> <strong>Encontro</strong> Estadual de História –<strong>ANPUH</strong>-<strong>SP</strong> - Campinas, setembro, 2012.<br />
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A História Natural oferece inumeráveis produtos dos três reinos animal, vegetal e<br />
mineral, cujas descrições curiosas e profícuas nos fornecem avultadíssimo cabe<strong>da</strong>l,<br />
para desempenharmos, com profusão, grande parte do que temos prometido; porém<br />
a seleção no aproveitamento de tais produtos, e de suas respectivas descrições, será<br />
sempre para nós objeto de suma atenção, pois que, d’entre eles escolhemos os que<br />
reputamos mais análogos aos quesitos físicos deste Império, e mais condizentes ao<br />
progresso dos melhoramentos de que ele é superabun<strong>da</strong>ntemente suscetível.<br />
[...]<br />
A transplantação de exóticas plantas de diversos países do mundo conhecido, que<br />
mais vantajosas sejam para os diferentes e necessários usos e consumos <strong>da</strong> vi<strong>da</strong><br />
humana, – e a climatização e propagação delas n’aquelas províncias deste vasto<br />
Império, cujos requisitos de terrenos e de climas mais analogia tiverem com os de<br />
seus originários países, d’onde possam importar, parece-nos objeto digno de grandes<br />
e muito zelosos cui<strong>da</strong>dosos, esforços e desvelos, tanto do Governo, como de to<strong>da</strong>s as<br />
classes de ci<strong>da</strong>dãos do fecundíssimo Brasil; [...] no todo <strong>da</strong>s 19 Províncias deste<br />
assombroso e invejado Império; e como até na simples descrição de algumas de tais<br />
plantas, por meio <strong>da</strong> imprensa (que é tudo quanto está ao nosso alcance) se faz,<br />
segundo entendemos, relevante serviço ao Brasil, imperiosa razão, justo motivo por<br />
que passamos a <strong>da</strong>r instrutivas, curiosas e circunstancia<strong>da</strong>s notícias e descrições,<br />
tanto d’aqueles produtos do reino vegetal, que mais interessantes se nos afiguram,<br />
como dos do reino animal, assaz preciosos para o Brasil (Jornal Scientifico,<br />
Economico e Litterario, n.2, mai, 1826, p.92-97).<br />
Todo o conteúdo veiculado nas páginas <strong>da</strong> imprensa periódica tinha por objetivo não<br />
apenas a familiarização dos leitores com essas temáticas, mas a incorporação desses<br />
conhecimentos a um modo de vi<strong>da</strong> que se queria para os homens livres, qual seja, viver de<br />
acordo com os preceitos <strong>da</strong> ilustração para poder aplicar a razão à civilização do Brasil.<br />
A ciência e a técnica, pilares <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> moderna ocidental, foram extremamente<br />
valoriza<strong>da</strong>s pela inteligência e pela administração locais do período. Era necessário estu<strong>da</strong>r,<br />
compreender e aplicar esses conhecimentos em todos os setores <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> nacional. A<br />
ferramenta mais moderna no século XIX para propagar um discurso que valorizasse esses<br />
conhecimentos era a imprensa periódica livre. Daí o fato de a veiculação de temas técnico-<br />
científicos nos impressos de então ter sido ampla e diversifica<strong>da</strong>, indo <strong>da</strong> agricultura à<br />
astronomia, passando pelas patentes de inventos, métodos de aprendizagem, culinária,<br />
medicina, ciências naturais, arquitetura, urbanística, engenharia, indústria e economia política,<br />
para ficarmos nuns poucos exemplos. São esses conteúdos e a maneira como foram<br />
veiculados que permitem dizer que o papel desempenhado pela ciência e pela técnica no<br />
projeto civilizatório para o Brasil foi de primeira grandeza. O que se pretendia era que a razão<br />
predominasse na vi<strong>da</strong> e na administração do país, bem como o conhecimento científico e as<br />
suas variantes técnicas fossem incorporados amplamente pelos brasileiros, tornando-se<br />
habituais entre os homens livres. Só assim, o país atingiria o mesmo patamar <strong>da</strong> tão inveja<strong>da</strong><br />
civilização europeia.<br />
Anais do <strong>XXI</strong> <strong>Encontro</strong> Estadual de História –<strong>ANPUH</strong>-<strong>SP</strong> - Campinas, setembro, 2012.<br />
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />
Periódicos<br />
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Pereira, 1836.<br />
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Guanabara: revista mensal artistica, scientifica e litteraria. Rio de Janeiro: Typ. Guanabarense, de L.A.F. de<br />
Menezes, 1850.<br />
Minerva Brasiliense: jornal de sciencias, lettras e artes. Rio de Janeiro: Typ. de J.E.S. Cabral, 1843-1845.<br />
Revue francaise: litterature, sciences, beaux arts, politique... Rio de Janeiro: Imprimerie e chal. de C. H. Frirey,<br />
Vol.1, n.1 (01 de maio de 1839)-vol.2, n.4 (01 de abril de 1840).<br />
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