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A resposta da terra - Y Ikatu Xingu

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O primeiro grito de contestação<br />

frente à ditadura na Amazônia<br />

Em 24 de outubro de 1971, no mesmo dia <strong>da</strong><br />

consagração como bispo <strong>da</strong> Prelazia de São Félix<br />

do Araguaia, Dom Pedro Casaldáliga distribuía<br />

sua primeira carta pastoral: Uma igreja <strong>da</strong> Amazônia<br />

em conito com o latifúndio e a marginalização<br />

social. 123 páginas que descrevem a região <strong>da</strong><br />

Prelazia de São Félix do Araguaia e os principais<br />

conitos provocados pelas grandes empresas. O texto<br />

é um amplo e rigoroso diagnóstico, único <strong>da</strong> sua<br />

época, baseado em <strong>da</strong>dos primários e secundários<br />

levantados durante um ano de trabalho. Lembra<br />

o Pe. Pedrito que Pe. Canuto viajou desde São<br />

Félix do Araguaia até Barra do Garças à procura de<br />

<strong>da</strong>dos estatísticos no cartório, porque como Pedro<br />

Casaldáliga disse, “precisávamos mostrar com rigor<br />

o que estava acontecendo”. Foi o Padre Canuto que<br />

tinha levado previamente o material para São Paulo;<br />

Pedro tinha pedido para ela fazer essa viagem e<br />

imprimi-lo em várias grácas para tentar driblar a<br />

censura e garantir que o documento viesse a luz.<br />

A CNBB ajudou na sua divulgação. A carta teve<br />

repercussão em todo o Brasil e a nível internacional.<br />

A carta começa <strong>da</strong>ndo pincela<strong>da</strong>s geográcas:<br />

“Esta Prelazia de São Félix, bem no coração do Brasil,<br />

abrange uns 150.000 Km2 de extensão, dentro <strong>da</strong><br />

Amazônia legal, no nordeste do Mato Grosso, e com a<br />

Ilha do Bananal em Goiás. Está encrava<strong>da</strong> entre os rios<br />

Pedro Casaldáliga. Ribeirão Bonito – Outubro de 1977.<br />

Araguaia e <strong>Xingu</strong> e lhe faz como de espinha dorsal, de<br />

Sul a Norte, a Serra do Roncador. (...)<br />

22 Reali<strong>da</strong>de e História <strong>da</strong> região do Araguaia <strong>Xingu</strong><br />

Compõem o solo <strong>da</strong> Prelazia <strong>terra</strong>s de mata fértil,<br />

orestas, grandes pastagens, margens de areia e argila,<br />

campos e cerrados, sertão e varjões. Duas estações,<br />

bem marca<strong>da</strong>s, de clima sub-equatorial, se repartem o<br />

ano todo: “ as chuvas”, de novembro até abril, e “ a seca”<br />

de maio a outubro”<br />

Dom Pedro descrevia o povo do Araguaia de começo<br />

dos anos 70, um amálgama de posseiros, índios,<br />

peões e latifundiários, antes <strong>da</strong> chega<strong>da</strong> dos grandes<br />

deslocamentos de sulistas nos projetos de colonização,<br />

dos “boias frias” nordestinos e <strong>da</strong> reforma agrária.<br />

“A Maior parte do elemento humano é sertanejo:<br />

camponeses nordestinos, vindos diretamente do<br />

Maranhão, do Pará, do Ceará, do Piauí..., ou passando por<br />

Goiás. Desbravadores <strong>da</strong> região, “posseiros”. Povo simples<br />

e duro, retirante como por destino numa força<strong>da</strong> e<br />

desorienta<strong>da</strong> migração anterior, com a rede de dormir<br />

nas costas, os muitos lhos, algum cavalo magro, e os<br />

quatro “trens” de cozinha carregados numa sacola.<br />

A<strong>da</strong>uta Luz Batista, lha <strong>da</strong> região e protagonista <strong>da</strong><br />

história local, se refere a eles com este signicativo<br />

depoimento: “Acostumados com a aspereza <strong>da</strong> vi<strong>da</strong><br />

agreste, desprezados pela esfera dos altos poderes,<br />

ludibriados na sua boa fé de gente simples,<br />

eles vêem os seus dias, à semelhança <strong>da</strong>s<br />

nuvens negras, sempre anunciando um<br />

mau tempo. Ele (o sertanejo) é a vítima<br />

<strong>da</strong> ganância alheia, <strong>da</strong> inconsciência<br />

dos patrões, <strong>da</strong> exploração dos trêfegos<br />

políticos que na região aparecem de eleição<br />

em eleição para pedir voto e mais que tudo<br />

isto, <strong>da</strong> sua própria ignorância. É o homem<br />

que comete muitas <strong>da</strong>s vezes um crime,<br />

porque embargando-se-lhes o direito, só<br />

lhe resta a violência. Esse infeliz, sobejo <strong>da</strong>s<br />

pragas e <strong>da</strong> verminose, vive na penumbra<br />

de um futuro incerto. “Indiferentemente<br />

a tudo, eles vão ganhando o pão de ca<strong>da</strong><br />

dia, pois para eles só existem dois direitos:<br />

o de nascer e o de morrer. O produto de<br />

seus esforços somado ao de seus sacrifícios,<br />

vai aparecendo lentamente nos grandes<br />

armazéns <strong>da</strong>s vilas, ou numa cabeça de<br />

gado a mais nas fazen<strong>da</strong>s circunvizinhas.<br />

Fotos: © Arquivo <strong>da</strong> Prelazia de São Félix do Araguaia

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