27.04.2013 Views

A Crise Política de 1868 e a Gênese do Manifesto ... - Aslegis

A Crise Política de 1868 e a Gênese do Manifesto ... - Aslegis

A Crise Política de 1868 e a Gênese do Manifesto ... - Aslegis

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

32<br />

José Theo<strong>do</strong>ro Mascarenhas Menck<br />

Doutor em História das Relações Internacionais<br />

pela UnB; Mestre em História Social, pela<br />

UnB; pós-graduação em Direito Romano<br />

pela Primeira universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Roma – La<br />

Sapienza. Consultor legislativo da Câmara <strong>do</strong>s<br />

Deputa<strong>do</strong>s, Área I – Direito Constitucional,<br />

Eleitoral, Municipal, Administrativo,<br />

Processo legislativo e Po<strong>de</strong>r Judiciário.<br />

A <strong>Crise</strong> <strong>Política</strong> <strong>de</strong> <strong>1868</strong><br />

e a <strong>Gênese</strong> <strong>do</strong> <strong>Manifesto</strong><br />

Republicano <strong>de</strong> 1870


esumo<br />

Palavras-Chave<br />

Abstract<br />

Keywords<br />

O artigo discute a crise política <strong>do</strong> 2 o reina<strong>do</strong> que,<br />

em <strong>1868</strong>, resultou na queda <strong>do</strong> gabinete liberal comanda<strong>do</strong><br />

por Zacarias <strong>de</strong> Gois e Vasconcelos, como<br />

fato fundamental da história brasileira, na medida<br />

em que ensejou, nas palavras <strong>de</strong> Sérgio Buarque <strong>de</strong><br />

Hollanda, o crescimento da onda que iria <strong>de</strong>rrubar<br />

a monarquia, abrin<strong>do</strong> espaço para a articulação <strong>do</strong><br />

grupo político republicano. Elucida, ainda, a autoria<br />

<strong>do</strong> manifesto republicano <strong>de</strong> 1870 e a proveniência<br />

<strong>de</strong> alguns <strong>de</strong> seus mais importantes signatários.<br />

<strong>Crise</strong> política; gabinete liberal; conserva<strong>do</strong>res; perda<br />

<strong>de</strong> credibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> regime; <strong>de</strong>clínio da monarquia;<br />

propaganda republicana; manifesto republicano.<br />

The article discusses the political crisis that, in <strong>1868</strong>,<br />

resulted in the collapse of the liberal cabinet led by Zacarias<br />

<strong>de</strong> Goes e Vasconcelos. The episo<strong>de</strong> ma<strong>de</strong> possible<br />

the articulation of the Republican political group, contributing<br />

to the wave that, in the words of Sergio Buarque<br />

<strong>de</strong> Hollanda, would overthrow the monarchy two<br />

<strong>de</strong>ca<strong>de</strong>s later. The text also elucidates the authorship of<br />

the Republican <strong>Manifesto</strong> of 1870, and briefly comments<br />

on the background of some of its most important<br />

signatories.<br />

Political crisis; liberal cabinet; conservative cabinet; loss<br />

of credibility of the regime; <strong>de</strong>cline of the monarchy;<br />

republican propaganda; Republican <strong>Manifesto</strong>.<br />

33


Introdução<br />

O ano <strong>de</strong> <strong>1868</strong>, com a queda <strong>do</strong> gabinete liberal <strong>de</strong> 3 <strong>de</strong> agosto1, comanda<strong>do</strong><br />

por Zacarias <strong>de</strong> Gois e Vasconcelos, e com a conseqüente ascensão <strong>do</strong>s<br />

conserva<strong>do</strong>res, <strong>de</strong>veria ser lembra<strong>do</strong> como uma data fundamental nos fastos da<br />

história política brasileira.<br />

Naquele ano, força<strong>do</strong> pelas circunstâncias, D. Pedro II sacrificou <strong>de</strong>finitivamente<br />

a credibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> regime político que, árdua e tenazmente, havia<br />

si<strong>do</strong> construí<strong>do</strong> ao longo <strong>de</strong> to<strong>do</strong> o seu reina<strong>do</strong> por duas gerações <strong>de</strong> estadistas<br />

brilhantes. Regime político que havia garanti<strong>do</strong>, em meio ao caos latino-americano,<br />

não apenas a estabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> país, mas a própria alternância <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r.<br />

Como já foi dito por Sérgio Buarque <strong>de</strong> Holanda, naquele momento, com<br />

aquela substituição <strong>do</strong> gabinete <strong>de</strong> 3 <strong>de</strong> agosto pelo <strong>de</strong> 16 <strong>de</strong> julho, “começa<br />

a crescer a onda que vai <strong>de</strong>rrubar a instituição monárquica. Ela viveria ainda<br />

alguns anos, às vezes até com o antigo brilho. Os homens mais lúci<strong>do</strong>s, no entanto,<br />

sabiam que o Império estava con<strong>de</strong>na<strong>do</strong>. Em 1869 começa o seu <strong>de</strong>clínio<br />

até chegar o queda em 1889. Ela já revelara seu potencial, o que tinha <strong>de</strong> positivo<br />

e negativo. Agora ia viver quase vegetativamente, pois eram sabi<strong>do</strong>s os seus<br />

limites. A data <strong>de</strong> <strong>1868</strong> encerra o perío<strong>do</strong> <strong>do</strong> esplen<strong>do</strong>r e abre o das crises que<br />

levarão à sua ruína”.2<br />

Embora pu<strong>de</strong>ssem então existir dúvidas sobre o seu real significa<strong>do</strong>, ninguém,<br />

a começar pelo próprio Impera<strong>do</strong>r, se iludia quanto aos riscos assumi<strong>do</strong>s<br />

com a súbita mudança <strong>de</strong> política. O presi<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> conselho que subia ao po<strong>de</strong>r,<br />

o Viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Itaboraí, quan<strong>do</strong> chama<strong>do</strong> a organizar o novo ministério, tinha<br />

ciência das dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> que teria pela frente, tanto que, no programa com<br />

que se apresentou à câmara, chega mesmo a incluir a expressão: “tarefa perigosa”<br />

para <strong>de</strong>finir sua missão.<br />

Mas, por que a substituição <strong>de</strong> um gabinete por outro, algo já então corriqueiro<br />

na vida política brasileira <strong>de</strong> então, se mostrou tão temerário? Quais foram<br />

as circunstâncias que levaram D Pedro a um ato que se revelou tão ominoso<br />

“A primeira espada <strong>do</strong> Império” e o terceiro gabinete Zacarias<br />

EEm <strong>1868</strong> estava em marcha a Guerra <strong>do</strong> Paraguai, o Marquês <strong>de</strong> Caxias<br />

se encontrava no coman<strong>do</strong> <strong>do</strong> exército e, após <strong>de</strong>belar as invasões paraguaias no<br />

1 No Império os gabinetes ministeriais eram conheci<strong>do</strong>s pela data em que eram nomea<strong>do</strong>s.<br />

2 História Geral da Civilização Brasileira, t. 2. O Brasil monárquico, 3o vol., reações e Transações, pág.<br />

107 e segs.<br />

34 Ca<strong>de</strong>rnos ASLEGIS | 37 • maio/agosto • 2009


sul <strong>do</strong> Brasil, o Comandante-em-chefe estava organizan<strong>do</strong> e a<strong>de</strong>stran<strong>do</strong> o exército<br />

brasileiro. Em verda<strong>de</strong>, Caxias estava dan<strong>do</strong> forma e construin<strong>do</strong> o exército<br />

brasileiro. Nesta época, diversos jornais <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro, inconforma<strong>do</strong>s com a<br />

aparente inativida<strong>de</strong> das tropas, passaram a criticar o coman<strong>do</strong> <strong>de</strong> Caxias. Incomoda<strong>do</strong><br />

pelo que chamou <strong>de</strong> “guerra <strong>de</strong> alfinetes”, e atribuin<strong>do</strong> tal campanha <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>scrédito que dizia sofrer ao gabinete liberal <strong>do</strong> Conselheiro Zacarias, Caxias<br />

escreveu diretamente ao Impera<strong>do</strong>r, impon<strong>do</strong>-lhe uma opção: ou se <strong>de</strong>mitiria<br />

ele, alegan<strong>do</strong> <strong>do</strong>ença, para não parecer que pressionava o governo, ou se <strong>de</strong>mitia<br />

o gabinete presidi<strong>do</strong> por Zacarias.<br />

O Impera<strong>do</strong>r ouviu o Conselho <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong> que, por maioria, opinou no senti<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong> se manter o princípio da hierarquia constitucional, por mais necessários,<br />

relevantes e indispensáveis que fossem os serviços <strong>do</strong> marquês. A autorida<strong>de</strong><br />

civil <strong>do</strong> Presi<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> Conselho <strong>de</strong> Ministros não podia ser coagida pelo po<strong>de</strong>r<br />

da espada, nem mesmo pelo da “primeira espada <strong>do</strong> Império”. D. Pedro, entretanto,<br />

diante das difíceis circunstâncias criadas pela guerra, e da própria <strong>de</strong>sorganização<br />

<strong>do</strong> exército, julgou altamente inconveniente a troca <strong>de</strong> coman<strong>do</strong> das<br />

tropas. Julgou mesmo imprescindível a permanência <strong>do</strong> comandante-em-chefe,<br />

em cujo trabalho tinha plena confiança.<br />

O conselheiro Zacarias superava o marquês em ilustração e inteligência; no<br />

entanto, Caxias superava largamente o político bahiano em serviços presta<strong>do</strong>s<br />

ao país e ao regime. A<strong>de</strong>mais, certas afinida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> temperamento parecem ter<br />

si<strong>do</strong> fatores que criaram, entre o general e o monarca, uma mútua confiança,<br />

que parece ter si<strong>do</strong> uma marca da relação <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is. Se ao general faltava a curiosida<strong>de</strong><br />

erudita e dispersiva que foi a característica principal <strong>do</strong> Impera<strong>do</strong>r, teve,<br />

<strong>de</strong> sobra, a mesma prudência, a mesma paciência, a mesma mo<strong>de</strong>ração, e, até<br />

mesmo, po<strong>de</strong>ríamos dizer, a mesma morosida<strong>de</strong> nas reações. O certo é que, o<br />

general e o Impera<strong>do</strong>r, mutuamente se admiravam.<br />

A troca <strong>de</strong> gabinetes e a iracunda reação da Câmara <strong>do</strong>s Deputa<strong>do</strong>s<br />

To<strong>do</strong>s os pormenores da crise <strong>de</strong> 1869, inclusive a intransigente <strong>de</strong>fesa da autorida<strong>de</strong><br />

civil por parte <strong>do</strong> Conselho <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong>, encontram-se relata<strong>do</strong>s nas atas<br />

<strong>do</strong> Conselho Pleno daquele conselho, publicada pelo Sena<strong>do</strong>, em 19783. Diante<br />

da intransigência <strong>do</strong> general, sena<strong>do</strong>r conserva<strong>do</strong>r, Zacarias, o presi<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> conselho<br />

liberal, não só optou por ce<strong>de</strong>r, em face da necessida<strong>de</strong> da manutenção <strong>do</strong>s<br />

3 Atas <strong>do</strong> Conselho <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong>; Brasília, Sena<strong>do</strong> Fe<strong>de</strong>ral, 1978, vol. VIII. Direção geral, organização e<br />

introdução <strong>de</strong> José Honório rodrigues, prefácio <strong>de</strong> Pedro Calmon. Vi<strong>de</strong> especialmente, atas <strong>de</strong> 2 a<br />

30 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> <strong>1868</strong>.<br />

Artigos & Ensaios<br />

35


serviços <strong>de</strong> Caxias para o país, que enfrentava uma duríssima conjuntura <strong>de</strong> fazer<br />

a guerra <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> grave crise financeira, como se dispôs a dar à sua renúncia a<br />

aparência <strong>de</strong> uma dissensão <strong>do</strong> Gabinete com o Monarca, exatamente para caracterizar<br />

a obediência às praxes <strong>do</strong> regime.<br />

Esse pretexto veio com a escolha, pelo Impera<strong>do</strong>r, <strong>de</strong> Sales Torres-Homem,<br />

o Viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Inhomirim, então um conserva<strong>do</strong>r converti<strong>do</strong>, para o Sena<strong>do</strong>.<br />

Zacarias alegou não só a incompatibilida<strong>de</strong> política com o escolhi<strong>do</strong>, mas também<br />

a mentira eleitoral. Ambas as razões, como pretextos, eram falsas, sem dúvida,<br />

mas salvavam o princípio <strong>do</strong> sistema parlamentar perante a face da Nação.<br />

Conhecen<strong>do</strong> a verda<strong>de</strong>, a Câmara, <strong>de</strong> maioria liberal, reagiu com inusitada<br />

violência. Primeiro, aprovou a moção redigida por José Bonifácio, o Moço, que<br />

é uma terrível arremetida contra a não observância <strong>do</strong>s usos parlamentares, chegan<strong>do</strong><br />

a comparar o Gabinete que substituiu o <strong>de</strong> Zacarias, a um bandi<strong>do</strong> que,<br />

na calada da noite, penetra numa casa para saqueá-la. E, em seguida, passou a<br />

negar, a <strong>de</strong>speito das vicissitu<strong>de</strong>s da guerra em que o país estava empenha<strong>do</strong>,<br />

até mesmo os créditos pedi<strong>do</strong>s pelo Ministério para a continuação da luta, o<br />

que terminou provocan<strong>do</strong> a sua dissolução. Os termos <strong>de</strong> moção dizem bem<br />

da indignação causada pela farsa montada para resguardar a aparência <strong>de</strong> normalida<strong>de</strong><br />

da retirada <strong>do</strong> Gabinete, sem que fosse suscitada qualquer questão<br />

parlamentar:<br />

“A Câmara vê com profunda mágoa e geral surpresa, o estranho aparecimento<br />

<strong>de</strong>sse Ministério gera<strong>do</strong> fora <strong>de</strong> seu seio e simbolizan<strong>do</strong> uma<br />

política nova, sem que uma questão parlamentar houvesse gera<strong>do</strong><br />

a perda <strong>de</strong> seu pre<strong>de</strong>cessor. Deploran<strong>do</strong> esta circunstância singular,<br />

e ligada por sincera amiza<strong>de</strong> ao sistema parlamentar à monarquia<br />

constitucional, a Câmara não tinha nem po<strong>de</strong> ter confiança em tal<br />

Gabinete.”<br />

Em outro trecho a mesma moção <strong>de</strong>clara:<br />

“Hoje, <strong>do</strong> dia para a noite, um ministério cai no meio <strong>de</strong> numerosa<br />

maioria parlamentar e inopinadamente surgem ministrar como hóspe<strong>de</strong>s<br />

inoportunos que batem fora <strong>de</strong> horas e pe<strong>de</strong>m agasalho em casa<br />

<strong>de</strong>sconhecida.”<br />

A <strong>de</strong>smoralização <strong>do</strong> regime<br />

O ministério <strong>do</strong> Viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Itaborai se apresentou à Câmara no dia 16 <strong>de</strong><br />

julho; no dia seguinte, 17 <strong>de</strong> julho, a Câmara aprova, por larguíssima diferença<br />

36 Ca<strong>de</strong>rnos ASLEGIS | 37 • maio/agosto • 2009


– 85 votos contra 10 – a moção <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconfiança ao gabinete. Constitucionalmente<br />

segue-se, a 18 <strong>de</strong> julho, sessão <strong>do</strong> Conselho <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong>, especialmente<br />

convoca<strong>do</strong>. Quan<strong>do</strong> no dia 19, um <strong>do</strong>mingo, sai o <strong>de</strong>creto <strong>de</strong> dissolução da Câmara,<br />

a notícia já não surpreen<strong>de</strong> a ninguém. A manhã imediata oferece à corte<br />

o aspecto <strong>de</strong> uma praça <strong>de</strong> guerra, com gran<strong>de</strong> concentração <strong>de</strong> tropa armada<br />

nas vizinhanças <strong>do</strong> Poço da cida<strong>de</strong>, contíguo à ca<strong>de</strong>ia velha, se<strong>de</strong> da Câmara <strong>do</strong>s<br />

Deputa<strong>do</strong>s.<br />

A gravida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s sucessos que acabavam <strong>de</strong> sacudir o país, toman<strong>do</strong> aparências<br />

<strong>de</strong> golpe <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong>, fazia-os matéria <strong>de</strong> todas as conversações e era motivo <strong>de</strong><br />

críticas mordazes à monarquia e ao monarca. Um político liberal, já em vésperas<br />

<strong>de</strong> tornar-se republicano, Joaquim Saldanha Marinho, falou a propósito em<br />

“estelionato político”. Até mesmo alguns observa<strong>do</strong>res estrangeiros, os mais<br />

familiariza<strong>do</strong>s com o cenário <strong>do</strong> país, fizeram críticas acerbas ao rumo toma<strong>do</strong><br />

pela nova situação política. Sérgio Buarque <strong>de</strong> Holanda 4 nos lembra que o<br />

irlandês William Scully – que nas palavra <strong>do</strong> célebre historia<strong>do</strong>r, “tinha seu talher<br />

no orçamento <strong>do</strong> ministério <strong>de</strong>caí<strong>do</strong>”, e a quem coube papel nada irrelevante no<br />

<strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ar da crise, quan<strong>do</strong> publicamente <strong>de</strong>sconceituou em seu jornal, o<br />

Anglo-Brazilian Times, a “primeira espada” <strong>do</strong> Império –, fez coro com os órgãos<br />

mais iracun<strong>do</strong>s da imprensa liberal, que viram na mudança política um mau<br />

agouro para o regime. Por sua vez, o plenipotenciário norte-americano James<br />

Watson Webb, que não hesitara pouco antes em polemizar com homens públicos<br />

brasileiros na mesma folha, apressava-se, num <strong>de</strong>spacho para o Secretário <strong>de</strong><br />

Esta<strong>do</strong> em Washington, em dar como inevitável a próxima queda da monarquia<br />

brasileira. Chegava mesmo a insinuar – mais tar<strong>de</strong> irá sustentá-la resolutamente<br />

– a teoria <strong>de</strong> que ele, Webb, fora personagem fundamental no <strong>de</strong>sfecho da<br />

situação, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> a sua atitu<strong>de</strong> varonil no caso da canhoneira Wasp que, <strong>de</strong>ven<strong>do</strong><br />

ir tirar <strong>de</strong> Assunção o encarrega<strong>do</strong> <strong>de</strong> negócios <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, teve gran<strong>de</strong><br />

dificulda<strong>de</strong> para atravessar as linhas aliadas.<br />

Segun<strong>do</strong> essa curiosa explicação, resgatada <strong>do</strong> olvi<strong>do</strong> por Sérgio Buarque <strong>de</strong><br />

Holanda, 5 o Conselheiro Zacarias <strong>de</strong> Gois e Vasconcelos se tinha empenha<strong>do</strong><br />

vivamente em evitar uma ruptura com Washington, mas esbarrara na oposição<br />

pessoal <strong>de</strong> D. Pedro II, que obstinadamente se <strong>de</strong>cidira a sustentar Caxias, sem<br />

querer medir as conseqüências possíveis da teimosia. Uma coisa, porém, era<br />

certa, conforme o belicoso diplomata, e geral: um terceiro ocupante jamais se<br />

4 História Geral da Civilização Brasileira, t. 2. O Brasil monárquico, 5o vol., Do Império à república,<br />

pág. 8.<br />

5 História Geral da Civilização Brasileira, t. 2. O Brasil monárquico, 5º vol., Do Império à república,<br />

pág. 8.<br />

Artigos & Ensaios<br />

37


sentaria no trono <strong>de</strong> D. Pedro II. “Animo-me a uma profecia”, ajunta, “não darei<br />

10 anos para que o Brasil se torne república” 6 Exagerava o general (e exagerará<br />

ainda mais logo <strong>de</strong>pois, quan<strong>do</strong> admite que não se surpreen<strong>de</strong>ria se a reviravolta<br />

acontecesse nos próximos 10 meses), mas só exagerava pela meta<strong>de</strong>: estaria mais<br />

certo se alongasse para 20 anos o prazo fatal.<br />

Foi nesta época que tomou alenta o que Oliveira Lima disse ter si<strong>do</strong> a “campanha<br />

<strong>de</strong>moli<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> Império”, quan<strong>do</strong> passou a ser moda os políticos, <strong>de</strong> ambos<br />

os grêmios políticos, quan<strong>do</strong> apea<strong>do</strong>s <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r, investirem, com toda a<br />

eloqüência e furor <strong>de</strong> suas verves, contra o “lápis fatal”, contra o “po<strong>de</strong>r pessoal”<br />

onipotente <strong>do</strong> Impera<strong>do</strong>r. Octaciano Nogueira, ao comentar o “Os Ataques<br />

ao Po<strong>de</strong>r Pessoal” 7 relembra-nos que o célebre discurso <strong>do</strong> sena<strong>do</strong>r liberal José<br />

Thomaz Nabuco <strong>de</strong> Araújo, <strong>de</strong>nuncian<strong>do</strong> a frau<strong>de</strong> <strong>do</strong> sistema eleitoral, foi pronuncia<strong>do</strong><br />

no Sena<strong>do</strong> justamente no dia 17 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> <strong>1868</strong>, comentan<strong>do</strong> a ascensão<br />

<strong>do</strong> gabinete conserva<strong>do</strong>r <strong>do</strong> dia anterior. Discurso que entrou na história<br />

política nacional sob a <strong>de</strong>nominação “<strong>do</strong>s sorites”, in verbis:<br />

“Senhor Presi<strong>de</strong>nte, sou chama<strong>do</strong> à Tribuna por um motivo que, em<br />

minha consciência (talvez esteja erra<strong>do</strong>), é muito imperioso. Este motivo,<br />

Senhores, é que tenho apreensões <strong>de</strong> um governo absoluto; não <strong>de</strong><br />

um governo absoluto <strong>de</strong> direito, porque não é possível neste país que<br />

está na América, mas <strong>de</strong> um governo absoluto <strong>de</strong> fato.(...) Segun<strong>do</strong><br />

uma expressão que em outros anos eu repetira, quan<strong>do</strong> ascen<strong>de</strong>u ao<br />

po<strong>de</strong>r o Ministério <strong>de</strong> 24 <strong>de</strong> maio, eu direi: Não é aqui que se fazem<br />

ou <strong>de</strong>sfazem os Ministérios!<br />

(...) Senhores, havia no Parlamento uma maioria liberal, constituída<br />

pela vonta<strong>de</strong> nacional; uma maioria tão legítima, tão legal, como têm<br />

si<strong>do</strong> todas as maiorias que temos ti<strong>do</strong> no país...<br />

(...) Essa maioria tendia, por conseqüência, a crescer; o Ministério que<br />

a representava, <strong>de</strong>caiu, não por uma vicissitu<strong>de</strong> <strong>do</strong> sistema representativo,<br />

não porque uma minoria se tornasse maioria, mas por diferenças<br />

que houve nas relações da Coroa com os seus Ministros.<br />

6 General James W. Webb to the Honorable William H. Seward, rio <strong>de</strong> Janeiro, July 22th <strong>1868</strong>, mS.<br />

The National Archives, Washington, D. C.: Despatches from united States ministers to Brazil. micr.<br />

121, roll 35.<br />

7 A Constituição <strong>de</strong> 1824, Constituições <strong>do</strong> Brasil, Brasília, universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília, 1987, vol. I,<br />

pág. 26.<br />

38 Ca<strong>de</strong>rnos ASLEGIS | 37 • maio/agosto • 2009


Dizei-me: o que é que aconselhava o sistema representativo? O que<br />

é que aconselhava o respeito à vonta<strong>de</strong> nacional? Sem dúvida que<br />

outro Ministério fosse tira<strong>do</strong> <strong>de</strong>ssa maioria. Mas fez-se isto? Não,<br />

Senhores, e <strong>de</strong>vo dizer, foi uma fatalida<strong>de</strong> para as nossas instituições;<br />

Chamou-se um Ministério <strong>de</strong> uma política contrária, adversa à<br />

política <strong>do</strong>minante, à política estabelecida pela vonta<strong>de</strong> nacional: foi<br />

chamada ao Ministério uma política vencida nas urnas, que tinham<br />

produzi<strong>do</strong> a maioria que se acha vigente e po<strong>de</strong>rosa no Parlamento.<br />

Isto, Senhores, é sistema representativo? Não. Segun<strong>do</strong> os preceitos mais<br />

comezinhos <strong>do</strong> regime constitucional, os Ministérios sobem por uma<br />

maioria, como hão <strong>de</strong> <strong>de</strong>scer por outra maioria; o po<strong>de</strong>r Mo<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>r<br />

não tem o direito <strong>de</strong> <strong>de</strong>spachar Ministros como <strong>de</strong>spacha emprega<strong>do</strong>s,<br />

<strong>de</strong>lega<strong>do</strong>s e sub<strong>de</strong>lega<strong>do</strong>s <strong>de</strong> polícia; há <strong>de</strong> cingir-se, para organizar<br />

Ministérios, <strong>de</strong> princípio <strong>do</strong>minante <strong>do</strong> sistema representativo, que é<br />

o princípio da maioria.<br />

Pois sem dúvida, Senhores, vós não po<strong>de</strong>is levar a tanto a atribuição<br />

que a Constituição confere à Coroa <strong>de</strong> nomear livremente os seus ministros;<br />

não po<strong>de</strong>is ir até o ponto <strong>de</strong> querer que nessa faculda<strong>de</strong> se envolva<br />

o direito <strong>de</strong> fazer política sem a intervenção nacional, o direito<br />

<strong>de</strong> substituir situações como lhe aprouver.<br />

Ora, dizei-me: não é isto uma farsa? Não é isto um verda<strong>de</strong>iro absolutismo,<br />

no esta<strong>do</strong> em que se acham as eleições no nosso país? Ve<strong>de</strong><br />

este sorites fatal, este sorites que acaba com a existência <strong>do</strong> sistema<br />

representativo: O Po<strong>de</strong>r Mo<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>r po<strong>de</strong> chamar a quem quiser na<br />

hora <strong>de</strong> organizar Ministérios, esta pessoa faz a eleição, porque há <strong>de</strong><br />

fazê-la, esta eleição faz a maioria. Eis, aí está o sistema representativo<br />

<strong>do</strong> nosso país.”<br />

O <strong>Manifesto</strong> Republicano <strong>de</strong> 1870<br />

Evaristo <strong>de</strong> Moraes 8 com a autorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> quem foi não apenas republicano<br />

histórico, mas ativo membro da Propaganda Republicana, ao relembrar as<br />

mais remotas origens <strong>do</strong> movimento republicano no Brasil – não das idéias<br />

republicanas, cujas primeiras manifestações são encontráveis ainda na colônia,<br />

mas <strong>do</strong> movimento republicano organiza<strong>do</strong> –, <strong>de</strong>clarou que foi a frustração que<br />

a inopinada troca <strong>de</strong> gabinetes em 1869, com o completo <strong>de</strong>srespeito das regras<br />

8 Da monarquia para a república (1870 – 1889), 2º ed. Brasília, Ed. unB, 1985, pág. 15.<br />

Artigos & Ensaios<br />

39


então vigentes, impôs aos membros mais radicais <strong>do</strong> parti<strong>do</strong> liberal que levou<br />

à cisão <strong>do</strong> mesmo, dan<strong>do</strong> origem tanto ao parti<strong>do</strong> liberal radical quanto ao<br />

parti<strong>do</strong> republicano. As regras <strong>do</strong> jogo foram quebradas pelo monarca, o regime<br />

havia perdi<strong>do</strong> sua credibilida<strong>de</strong>.<br />

Dos eventos <strong>de</strong> <strong>1868</strong> <strong>de</strong>rivou não somente o largo programa <strong>do</strong>s liberaisradicais,<br />

que propunham o avanço <strong>do</strong> regime monárquico até os extremos <strong>do</strong><br />

liberalismo <strong>de</strong>mocrático. Nasceu também a oportunida<strong>de</strong> para a organização<br />

política <strong>do</strong>s republicanos, até então dispersos e por consequência não leva<strong>do</strong>s<br />

a sério.<br />

Logo no ano seguinte, 1869, Joaquim Saldanha Marinho, influente político<br />

liberal, homem <strong>de</strong> confiança <strong>do</strong> regime, já que havia presidi<strong>do</strong> duas importantes<br />

províncias em diferentes governos – Minas Gerais e São Paulo, além <strong>de</strong> ter si<strong>do</strong><br />

diversas vezes eleito <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> por Pernambuco. Despregan<strong>do</strong>-se <strong>do</strong>s liberais,<br />

em companhia <strong>de</strong> Quintino Bocaiuva e <strong>de</strong> Salva<strong>do</strong>r <strong>de</strong> Men<strong>do</strong>nça, cogitou da<br />

fundação <strong>de</strong> um clube republicano.<br />

Com esse objetivo, realizou Quintino várias conferências, transmitin<strong>do</strong> a<br />

impressão <strong>do</strong> que sentira nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s e na Argentina. Em 1870, fundase<br />

o clube, inicialmente com quinze sócios. Ocorre a idéia <strong>de</strong> um órgão <strong>de</strong><br />

publicida<strong>de</strong>, e, efetivamente, a 3 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro, surge A República, <strong>de</strong>stinada a<br />

sair três vezes por semana. Nele, publica-se o <strong>Manifesto</strong> Republicano. Quanto à<br />

promessa <strong>de</strong> futuras transformações sociais, não vai o manifesto muito além <strong>do</strong><br />

programa <strong>do</strong>s liberais- radicais.<br />

Muito se discutiu sobre a autoria <strong>do</strong> <strong>Manifesto</strong> Republicano <strong>de</strong> 1870. Evaristo<br />

<strong>de</strong> Moraes, em seu já cita<strong>do</strong> livro 9 , o atribui a Quintino Bocaiuva, “segun<strong>do</strong> a<br />

constante afirmação <strong>de</strong>le e o testemunho <strong>do</strong>s seus companheiros mais chega<strong>do</strong>s”.<br />

Sérgio Buarque <strong>de</strong> Holanda se <strong>de</strong>clara contrário à tese da redação <strong>do</strong> <strong>Manifesto</strong><br />

por Quintino. No entanto, hodiernamente, como realça Evaristo <strong>de</strong><br />

Moraes Filho no prefácio à segunda edição <strong>do</strong> livro <strong>de</strong> seu pai 10 , parece <strong>de</strong>sfeita<br />

qualquer dúvida, diante <strong>do</strong> <strong>do</strong>cumento que se encontra na Coleção Otoni,<br />

pertencente hoje à Biblioteca Nacional. Diz a anotação, <strong>do</strong> punho <strong>do</strong> próprio<br />

Cristiano terceiro signatário <strong>do</strong> <strong>Manifesto</strong>: ”O Clube Republicano foi funda<strong>do</strong> a<br />

3 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1870, à rua <strong>do</strong> Ouvi<strong>do</strong>r n o 29, sobra<strong>do</strong>. O manifesto é feito pela<br />

pena <strong>de</strong> Quintino Bocaiuva.”<br />

O <strong>de</strong>bate, porém, é <strong>de</strong> somenos importância, já que importa somente o<br />

<strong>Manifesto</strong> como um to<strong>do</strong> i<strong>de</strong>ológico. Em 1885, ao reimprimir o seu folheto<br />

9 I<strong>de</strong>m, pág. 15.<br />

10 Ibi<strong>de</strong>m, pág. 8.<br />

40 Ca<strong>de</strong>rnos ASLEGIS | 37 • maio/agosto • 2009


sobre o Rei e o Parti<strong>do</strong> Liberal, <strong>de</strong> 1869, assim se manifestou Saldanha Marinho<br />

sobre o <strong>Manifesto</strong> Republicano <strong>de</strong> 1870: “Tratamos <strong>de</strong> nos <strong>de</strong>sempenharmos <strong>de</strong><br />

tão melindrosa tarefa e, coadjuva<strong>do</strong>s eficazmente pelos talentosos e distintos jornalistas<br />

Quintino Bocaiuva e Salva<strong>do</strong>r Men<strong>do</strong>nça, confeccionamos este manifesto, o<br />

qual, apresenta<strong>do</strong> ao Clube em sessão solene, foi unanimemente aprova<strong>do</strong>, e com<br />

aplauso geral.” E em confissão <strong>de</strong> Salva<strong>do</strong>r <strong>de</strong> Men<strong>do</strong>nça: “Quintino ditou o<br />

manifesto por inteiro e eu o escrevi, exceção feita <strong>do</strong> artigo “A Verda<strong>de</strong> Democrática.”<br />

Este artigo foi meu.” 11<br />

Dos signatários <strong>do</strong> <strong>Manifesto</strong> Republicano <strong>de</strong> 1870, muitos vinham <strong>do</strong> <strong>de</strong>sempenho<br />

<strong>de</strong> cargos legislativos e executivos importantes, como, por exemplo,<br />

o próprio Saldanha Marinho; Aristi<strong>de</strong>s da Silveira Lobo; e Cristiano Benedito<br />

Otoni. Outros, mesmo já ten<strong>do</strong> ocupa<strong>do</strong> cargos importantes, continuariam sua<br />

ascensão, ainda no regime monárquico, como, por exemplo, Lafayette Rodrigues<br />

Pereira, que em 1870 já havia si<strong>do</strong> presi<strong>de</strong>nte das províncias <strong>do</strong> Ceará e <strong>do</strong><br />

Maranhão, mas que viria a ser presi<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> conselho <strong>de</strong> ministros <strong>do</strong> gabinete<br />

<strong>de</strong> 24 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1883. Ocasião em que renegaria a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mudar o<br />

regime para po<strong>de</strong>r avançar as instituições. Muitos outros terão <strong>de</strong> esperar o novo<br />

regime, para po<strong>de</strong>rem ocupar cargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>staques, como Quintino Bocaiuva,<br />

Ferreira Viana, Salva<strong>do</strong>r <strong>de</strong> Men<strong>do</strong>nça, Rangel Pestana, e Flávio Farnese. A<br />

maioria, no entanto, mergulharia em um quase anonimato.<br />

11 Ibi<strong>de</strong>m, pág. 8.<br />

Artigos & Ensaios<br />

41

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!